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Análise Psicológica (1999), 2 (XVII): 253-263

O perigo das palavras: Uma lição de


Wittgenstein para psicólogos e
educadores (*)

ORLANDO LOURENÇO (**)

Desconhecida, em geral, por psicólogos e edu- Nesta breve apresentação – e baseando-me na


cadores, a obra do Ludwig Wittgenstein contém obra de um aluno de Ludwig Wittgenstein, o psi-
implicações profundas para a Psicologia (ver quiatra Irlandês, Maurice O’Connor Drury (1973),
Chapman & Dixon, 1987) e, por isso, implica- e também num artigo que lamenta a falta de in-
ções também para as Ciências da Educação. Im- vestigações conceptuais em Psicologia (Macha-
plicações, portanto, para a discussão do tema da do, Lourenço, & Silva, 1998) – a minha tese é
qualidade em educação, tema em redor do qual mostrar que, ao não tomarem em devida conta a
vão girar estas Terceiras Jornadas Psicopedagó- mensagem profunda de Wittgenstein (1961) de
gicas de Gaia. que «devemos passar em silêncio sobre aquilo de
não sabemos falar» (p. 74), a Psicologia e as
Ciências da Educação caem em várias falácias:
do alquimista, do médico de Molière, do «hipo-
(*) Este artigo é a versão de uma comunicação apre- pótamo que falta», da árvore de Van Helmont e
sentada nas Terceiras Jornadas Psicopedagógicas de dos sentidos Pickwickianos. No processo, dão
Gaia (Colégio dos Carvalhos, 1-2 de Dezembro de lugar: (a) a muitas publicações perfeitamente
1998). Contém, por isso, marcas de oralidade resultan- dispensáveis – o que dá a ideia de um progresso
tes da sua apresentação inicial.
A segunda parte desta apresentação é uma síntese
que não existe realmente; (b) a muitas distorções
muito abreviada de um artigo de autoria de Armando do ponto de vista dos outros – o que fragmenta o
Machado (Universidade de Indiana, EUA), Orlando conhecimento psicológico e educacional; (c) a
Lourenço (Universidade de Lisboa) e Francisco Silva muitos dados empíricos e asteriscos tabulares à
(Universidade de Redlands, EUA) e submetido para custa de riscos teóricos e confusões conceptuais
publicação ao Psychonomic Bulletin and Review, com
o título de Factual, Functional, and Conceptual Inves- – o que dá a ilusão que estamos a resolver os
tigations: The Shape of Psychology’s Epistemic Triangle. problemas psicológicos ou educacionais que nos
Correspondência referente a este texto deve ser en- afligem; e (d) a um movimento na busca da
dereçada a Orlando Lourenço, Faculdade de Psicolo- mente e da representação – o que conduz a um
gia e de Ciências da Educação, Alameda da Universi-
dade, 1600 Lisboa (E-mail: Orlando@fc.ul.pt).
divórcio crescente entre a cognição e a acção, a
(**) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu- uma mistura inaceitável de jogos de linguagem e
cação, Universidade de Lisboa. a uma espécie de «tirania representacional»

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(Scarr, 1997), o que deixa sem sentido muitos A FALÁCIA DOS ALQUIMISTAS
conceitos que elas utilizam. O que eu pretendo,
pois, é mostrar que a Psicologia e as Ciências da Não passar em silêncio sobre aquilo de que
Educação não se apercebem muitas vezes do pe- não sabemos falar, ou mandar a linguagem de fé-
rigo das palavras, mandam «a linguagem de fé- rias e renunciar ao rigor conceptual faz cair os
rias» (Wittgenstein, 1958, p. 19), renunciam a psicólogos e os educadores em várias falácias.
um trabalho de clarificação conceptual e falam A mais frequente é a falácia dos alquimistas,
em demasia do que não sabem. Em última aná- uma falácia que consiste em utilizar termos
lise, a minha tese é dizer que a qualidade em obscuros, pensando que assim se obtém uma
educação – se por qualidade em educação se compreensão mais profunda. Por exemplo, é
entende rigor ético e intelectual – também exige frequente em Psicologia explicar certos compor-
silêncio. Compreendo, aliás, que quem vive tamentos, do domínio educacional, clínico, ou
imerso na realidade escolar – como é certamente outro, invocando conceitos que não se sabe bem
o caso da maioria das pessoas aqui presentes – a que se referem, como, por exemplo, processa-
não veja como aproveitar a maior parte dos re- mento central, filtros de atenção, operadores in-
sultados da investigação em Psicologia e em ternos, espaço de memória, mente, etc., etc. Ou
Ciências da Educação para melhorar a qualidade então propor certas entidades cuja nomenclatura,
do seu ensino e da aprendizagem dos seus alu- um pouco à semelhança do que acontecia nos
nos. E às vezes também me fica a ideia de que a primórdios da Química, passa mais pelo nome de
Psicologia e as Ciências da Educação estão a psi- quem as descreveu em primeiro lugar (e.g.,
cologizar e a pedagogizar em demasiada os pro- doença de Alzheimer), do que pela caracteriza-
fessores. ção relativamente rigorosa dos seus elementos
Na minha apresentação vai ficar claro que constituintes.
vejo muitas coisas negativas na Psicologia [e nas Caímos na falácia dos alquimistas sempre
Ciências da Educação] enquanto ciências que as- que dizemos, sem mais, que um aluno não estuda
piram a ter rigor e, portanto, que a sua influência porque é abúlico e lhe falta motivação intrínseca,
na qualidade em educação pode ser muito menor que fracassa devido às suas estratégias de pro-
do que muitos pensam. Que me fique a satisfa- cessamento da informação, ou então que alguém
ção de saber e assumir que criticar um determi- se comporta de modo desajustado porque tem
nado estado de coisas é, de algum modo, contri- uma neurose obsessivo-compulsiva ou é esqui-
buir para a sua transformação. Mas também é zofrénico. Inútil dizer que o famoso manual da
capaz de ser verdade que sou uma «mente per- APA, conhecido por DSM (Manual de Desor-
versa» que vê mácula em toda a parte. Sou capaz dens Mentais) é um repositório de falácias de
de ter ficado fixado no estádio oral de Freud e, alquimista (ver Drury, 1973; Neto Silva, 1998).
qual mosquito que incomoda pelo seu zunir arre- Um outro exemplo da falácia dos alquimistas,
liador, gostar de dar uma picadela ocasional no este mais próximo do domínio da educação, é a
que me rodeia. Sobretudo no que aparece em definição de uma multiplicidade de inteligências,
tom desmedido relativamente à sua real situação! não tanto em função das dimensões de cada
Antes de passar às falácias, devo acrescentar uma delas, mas mais em função de quem é su-
que: (a) a interpretação que dou aqui da referida posto possuir esse tipo de inteligência. Assim, os
afirmação de Wittgenstein – um apelo ao rigor poetas e os escritores desenvolvem a inteligência
conceptual – não esgota o que Wittgenstein quis linguística; os matemáticos e os lógicos, a inte-
dizer com ela ao pô-la como parágrafo final do ligência lógica; os pilotos, geógrafos, arquitectos
ser Tratado Lógico-Filosófico; (b) nas poucas e escultores, a inteligência espacial; os bailarinos
vezes que se referem nomes para ilustrar casos e atletas, a inteligência corporal; os professores,
específicos, o que é visado são as ideias, não os políticos e religiosos, a inteligência interpessoal;
seus autores; e (c) eu próprio também sou alvo e os que se questionam sobre questões existenci-
das minhas críticas. Além disso, serei breve e ais, desenvolvem a inteligência existencial
contido. Por razões de tempo, de (in)competên- (Gardner, 1983).
cia em relação à obra de Wittgenstein, e porque Deve ser este estado de coisas que está por de-
não quero cometer o «crime» que denuncio. trás das palavras contundentes de Geertz (1997,

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p. 22): «[A Psicologia] assemelha-se a um aglo- Embora de modo mais sofisticado, a falácia
merado de pesquisas desconexas e agrupadas em do médico de Molière é também cometida quan-
conjunto porque de um modo ou de outro todas do apelamos para a mente como uma entidade
fazem referência a algo chamado “funciona- que está por detrás do nosso pensamento e con-
mento mental”. Dezenas de actores em busca de cebemos depois a mente como um conjunto de
um lugar na representação de uma peça» (p. 22). acontecimentos mentais. Todos estes modos de
Ou então por detrás do termo azedo, «epistemo- falar, porque não se apercebem do perigo das pa-
patia», proposto por Sigmund Koch (1981) para lavras, dão a entender que há duas realidades,
referir a confusão conceptual que reina na Psico- quando na verdade uma apenas está envolvida: o
logia e, penso eu, também em Ciências da Edu- comportamento ou a competência de uma certa
cação. Inútil dizer que o uso de termos obscuros pessoa perante uma certa situação.
em Psicologia e em Ciências da Educação – on- À semelhança do que acontece com a falácia
de está na moda falar-se em metacognição, meta- dos alquimistas, o apelo ao raciocínio circular
memória, metacomponentes, metarepresentação, traduz uma ignorância encoberta da realidade
etc., releva mais da nossa ignorância do que da que nos ocupa, seja ela o insucesso escolar do
nossa compreensão. Como não queremos assu- aluno, o seu pouco empenhamento no estudo, ou
mir a nossa ignorância e o esforço de rigor in- a ocorrência de fenómenos mentais como o com-
telectual que a sua superação exige, camuflamo- preender um problema de matemática, o esque-
los sob termos complicados e, sem querer ou dar cer o significado de um termo já aprendido de
por isso, caímos na falácia dos alquimistas. Uma uma língua estrangeira, ou o recordar um aconte-
falácia que apenas prejudica a qualidade em cimento passados vários anos depois da sua
educação, porque fala quando o silêncio – ou ocorrência. Em casos deste género, é enorme a
uma linguagem mais clara e pertinente – se im- tendência para dizermos, por exemplo, que um
punha. aluno não compreende um problema de matemá-
tica porque não se representa os dados do pro-
blema, ou então que não sabe o significado de
A FALÁCIA DO MÉDICO DE MOLIÈRE um termo que já aprendeu porque se esqueceu
dele. Contudo, se não mandarmos a linguagem
A falácia dos alquimistas anda intimamente de férias e não quisermos cair na falácia do mé-
associada à falácia do médico de Molière, o mé- dico de Molière, depressa nos apercebemos que
dico para quem o ópio fazia dormir porque tinha este modo de falar é enganoso porque nada de
propriedades dormitivas. Embora isto nos pareça relevante acrescenta relativamente às afirmações
– e seja, de facto – de uma enorme trivialidade, a iniciais. Na verdade, não se representar os dados
Psicologia e as Ciências da Educação estão de um problema é – como sugerido por tal modo
cheias de falácias do médico de Molière, na me- de falar – a causa (misteriosa e independente) da
dida em que, ignorando o perigo das palavras e não compreensão do problema, ou apenas parte
mandando a linguagem de férias, usam e abusam integrante da própria não compreensão do pro-
de conceitos tautológicos e circulares. blema? E o que seria compreender um problema
No exemplo das inteligências múltiplas, diz- e não se representar os dados do referido proble-
se que a inteligência naturalista é a que nos per- ma? Do mesmo modo, se dizemos que o aluno
mite distinguir entre o que é natural e não natural não sabe o significado do termo em questão por-
e, logo a seguir e circularmente, que distingui- que se esqueceu, o esquecimento é a causa (mis-
mos entre o que é natural e não natural porque teriosa) do não saber ou parte integração da
temos uma inteligência naturalista. No domínio manifestação comportamental do próprio não
da educação, cometemos esta falácia quando di- saber? E faria algum sentido – como sugerido
zemos, por exemplo, que o aluno não estuda por tal modo falacioso de nos expressarmos –
porque lhe falta motivação e, logo depois, que dizer que o aluno sabe o significado do termo
lhe falta motivação porque não estuda; ou então mas se esqueceu dele?
que tem más classificações porque é pouco inte- Em termos de rigor conceptual, faz uma enor-
ligente e, logo após, que é pouco inteligente por- me diferença, por exemplo, considerar a repre-
que tem más classificações. sentação dos dados do problema como a causa

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da sua compreensão ou, ao invés, como parte nas para a próprio e que diz não necessitar de
integrante da compreensão do problema. Por critérios públicos de verdade.
um lado, não se postulam duas realidades – uma A Psicologia e as Ciências de Educação estão
causal, interna e relativamente misteriosa e a ou- cheias de tal falácia, falácia que, à semelhança
tra efeito, externa e comportamental – mas ape- das outras, compromete a qualidade da Psicolo-
nas uma que pode receber nomes diferentes gia, das Ciências da Educação e, portanto, tam-
(e.g., compreender um problema, ver quais são bém a qualidade em educação. Porque quem me
os seus elementos constituintes, etc.). Por outro, ouve são sobretudo professores, deixo para eles a
e mais importante, o que parecia misterioso e responsabilidade de pensarem em exemplos da
relativamente intratável surge como algo que falácia do «hipopótamo que falta» no domínio da
podemos mais ou menos transformar (ver tam- Educação. No domínio da Psicologia, o exemplo
bém Malcolm, 1995). Assim, embora muitos mais claro da falácia do «hipopótamo que falta»
pensem que a sugestão de Wittgenstein (1958) talvez seja a noção de inconsciente de Freud ou
para não vermos a compreensão como um pro- de mente da actual psicologia cognitiva, se acei-
cesso interno e mental é uma asserção de um tarmos, como em geral se aceita, que tais noções
behaviorista não confessado, tal sugestão repre- não pretendem ser apenas metáforas descritivas,
senta antes de mais nada um esforço notório de mas entidades explicativas e causais de muitas
clarificar a gramática de um conceito de impor- condutas. De outro modo, por mais que se pro-
tância capital na Psicologia e nas Ciências da duza um conjunto de afirmações relativas a tais
Educação. Um esforço, portanto, de evitar a falá- noções (i.e., o inconsciente rege-se pelo prin-
cia do médico de Molière. Na verdade, além de cípio do prazer; a mente ora funciona como sis-
ser de uma enorme trivialidade, dizer que o alu- tema cognitivo, ora metacognitivo, ora de pro-
no fracassa aqui e acolá porque tem dificuldades cessamento), a afirmação inicial relativa à sua
de compreensão disto ou daquilo tem o enorme putativa existência não recebe qualquer confir-
inconveniente de afastar educadores e psicólogos mação ou refutação.
das actividades que o poderiam conduzir ao su- Isto pode ser dito também em relação a outros
cesso. Qualidade em educação e falácia do médi- conceitos centrais da actual psicologia cognitiva,
co Molière, portanto, são realidades que não vão como, por exemplo, os conceitos de operadores
bem uma com a outra. mentais e de interruptores de atenção, conceitos
que, se querem ser mais do que metáforas descri-
tivas, então relevam mais da nossa ignorância do
A FALÁCIA DO HIPOPÓTAMO QUE FALTA que da nossa compreensão do funcionamento
psicológico.
O termo bizarro de «falácia do hipopótamo Casos específicos da falácia do hipopótamo
que falta» provém de um exemplo apresentado que falta ocorrem quando a investigação psicoló-
por Wittgenstein numa das suas discussões com gica ou educacional invoca explicações ad hoc
Bertrand Russell (ver Drury, 1973, p. 6): «Ima- para explicar a ocorrência de resultados não
ginemos, observava Wittgenstein, que afirmamos previstos e com as quais se pretende salvar a
que existe um hipopótamo nesta sala, mas que validade da hipótese inicial. Ao proceder assim,
ninguém pode vê-lo, escutá-lo, cheirá-lo ou tocá- o investigador não só despe de todo o significado
lo. Terei eu, com tais aditamentos, acrescentado a sua primeira hipótese como impede ou retarda
algo de significativo à proposição inicial?» Caí- o aparecimento de hipótese alternativas. Tome o
mos na falácia do «hipopótamo que falta» quan- exemplo de um artigo ilustrativo de muita da
do fazemos uma afirmação inicial que não pode pesquisa que se faz em Psicologia. Este artigo
ser verificada nem refutada, mas a que acrescen- (Cognition and Context, 1998, ISPA, pp. 367-
tamos depois uma série de aditamentos no sen- -380) analisa a influência da idade na sabedoria e
tido de manter a sua aparente validade. Em últi- aceita a ideia de sabedoria como uma competên-
ma análise, a falácia do hopopótamo que falta é cia que envolve elevado conhecimento factual,
uma metáfora de Wittgenstein (1958) para se re- elevado conhecimento procedimental, contextua-
ferir à impossibilidade de uma linguagem priva- lismo, relativismo e reconhecimento e gestão da
da ou de uma linguagem que diz verdades ape- incerteza e, portanto, como uma competência

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que existe mais em idosos ou na meia idade do Helmont (1580-1644). Um dia, ele plantou uma
que em jovens adultos (ver Smith & Baltes, pequena árvore numa certa quantidade de terra
1990). Os resultados do artigo, contudo, não re- que pesou rigorosamente. Regava-a regularmen-
velaram diferenças significativas entre os três te com água destilada. Contudo, para que nenhu-
grupos etários, um resultado que levaria a ques- ma matéria estranha caísse no vaso, no intervalo
tionar a própria conceptualização do conceito de das regadas Van Helmomt tapava cuidadosa-
sabedoria ou, pelo menos, o modo como foi con- mente a superfície do vaso onde plantara a sua
cebida e realizada a investigação descrita em tal árvore. Naturalmente, a árvore cresceu e o seu
artigo. Mas não é isso o que faz o seu autor faz. peso aumentou em mais de 100 vezes, um resul-
Cometendo a falácia do hipopótamo que falta, o tado absurdo para Van Helmont. Devido ao nível
autor diz antes que tal resultado é consistente do desenvolvimento da Física do seu tempo, Van
com os de outros estudos anteriores e, como era Helmomt não sabia ainda que uma planta é
de prever, vai fazer mais pesquisa sobre a sabe- capaz de extrair carbono do dióxido de carbono
doria sem questionar a sua conceptualização. É da atmosfera por meio da fotossíntese. De outro
por isso que, quando se faz a revisão de um con- modo, caímos na falácia de Van Helmont sempre
junto de pesquisas sobre determinado tema em que extraímos conclusões a partir de situações
Psicologia ou em Ciências de Educação, se acha ou experiências que, embora parecendo rigoro-
absolutamente normal (imagine-se!) que algu- sas, não entram em conta com factores que des-
mas pesquisas tenham chegado a resultados posi- conhecemos (ver Drury, 1973).
tivos ou que falam em favor relação estudada e Devido ao seu estado relativamente incipien-
outras a resultados negativas ou que lhe são des- te, a Psicologia (e as Ciências de Educação)
favoráveis. caem muito nesta falácia. Cai nesta falácia o
Para não dar apenas um exemplo Português professor que conclui que tem na sua turma vá-
relativo à falácia do hipopótamo que falta, trans- rios alunos pouco disciplinados e inteligentes,
crevo a seguir afirmações de um artigo publica- mas que ignora que a maioria deles provêm de
do na prestigiada revista American Psychologist um meio degradado em termos sociais ou psico-
(1997, pp. 177-178): «Filósofos como neuro- lógicos, ou que ele mesmo não é, propriamente,
cientistas têm-se preocupado em determinar de um professor exemplar. Ou então aquele que diz
onde vem a consciência e por que razão ela exis- que a condição social não interfere com a apren-
te se aceitarmos primeiro a realidade material dizagem, já que tem alunos que são pobres e
(...). Contudo, se a consciência for aceite como o com óptimo aproveitamento.
dado primário, então o tal problema dissolve-se No domínio da investigação psicológica, um
porque a consciência torna-se o fundamento do exemplo desta falácia reside no modo como é
ser. Se tudo derivar da consciência, não há mais interpretado o facto de crianças de 7-8 anos de-
necessidade de perguntarmos como é que a cons- senharem causas distorcidas e mal orientadas de
ciência provém da realidade material.» Mas di- um ponto de vista espacial, quando se lhes pede
zer que se a consciência fosse o dado primário para desenharem uma casa que não existe (Kar-
não teríamos mais de nos perguntar de onde ela miloff-Smith, 1992). O argumento é que tal
vem, não confirma nem refuta a possibilidade da facto acontece porque, com a idade, as crianças
consciência ser um dado primário. O silêncio se- são cada vez mais capazes de redescrever men-
ria preferível aqui a este trivial jogo de palavras. talmente representações internas relativas a uma
À semelhança das falácias anteriores, a falácia certa realidade. Tal explicação, contudo, ignora,
do hipopótamo que falta contribui também para por exemplo, o efeito que tem sobre o desenho
o lento progresso da Psicologia, das Ciências da da casa que não existe pelas crianças dessa ida-
Educação e da qualidade em educação. de, não digo já a regulação verbal dos seus
comportamentos não verbais, mas a sua acção de
separar, apertar, rodar, ou pôr de pernas para o ar
A FALÁCIA DA ÁRVORE DE VAN HELMONT partes de objectos com que elas brincam.
Esta falácia pode estar também presente quan-
Como se depreende, esta falácia deve o seu do, por exemplo, concebemos o pensar ou o re-
nome ao físico e químico belga Jan Baptista Van cordar, no domínio educativo, ou fora dele, como

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«algo que acontece na mente». A meu ver, as se- perigo sempre à espreita. Por exemplo, há já al-
guintes palavras de Norman Malcolm (1970), um guma evidência de que o fracasso de algumas
discípulo de Wittgnestein, são bem uma adver- crianças de certa idade em algumas provas de
tência em relação à falácia de Van Helmont, ao Piaget se deve também ao facto de elas interpre-
perigo das palavras e à falta de rigor conceptual taram a pergunta crítica em tais provas de um
que se instala quando mandamos a linguagem de modo diverso do assumido pelo investigador.
férias: «A imagem do recordar, significar ou Por exemplo, na prova de inclusão de classes, o
pensar como sendo “acontecimentos mentais”,
investigador assume que a criança percebe que
“ocorrências internas” e “algo que acontece na
lhe perguntam para comparar a subclasse mais
mente” tem um efeito hipnótico. Tal ideia impe-
de um filósofo [e um psicólogo] de observar as extensa com a classe superordenada (i.e., «neste
situações, actividades e contextos em que tais ramo de flores com 8 cravos e 4 rosas, há mais
termos se inserem e lhes conferem o sentido que cravos ou flores?»), quando, na verdade, algu-
têm.... A ideia do recordar ou pensar como algo mas crianças pensam que lhes pedem, não tal
“que eu faço na minha mente” desvia-nos do comparação, mas uma comparação entre a sub-
único estudo que nos podia dar uma ideia clara classe mais extensa e a subclasse menos extensa
de tais conceitos. Não se trata apenas de uma (i.e., «há mais cravos ou rosas?»; ver Siegal,
imagem, mas de uma influência perniciosa» (pp. 1997).
16-17). A não partilha de significado linguístico entre
o experimentador e a criança parece explicar
também algumas dificuldades das crianças de 3-
A FALÁCIA DOS SENTIDOS PICKWICKIANOS 4 anos na tarefa clássica de crenças falsas (ver
Siegal & Beattie, 1991). Isto é, estas crianças
Como muitos sabem, Samuel Pickwick foi um podem dizer que alguém procura um certo
personagem criado pelo genial Charles Dickens
objecto, não num local onde o guardou inicial-
(1812-1970), um personagem que, um pouco à
mente e pensa que está, mas em outro para onde
semelhança de D. Quixote de Miguel Cervantes,
provoca situações cómicas porque, além de mais, foi mudado sem ele saber, porque, ao invés do
diz coisas a que os outros dão um sentido dife- assumido pelo investigador que lhes faz a res-
rente do que ele pretendia. Nas suas objecções à pectiva pergunta, as crianças pensam que lhes é
psiquiatria tradicional, Maurice Drury (1973) perguntado, não onde esse alguém vai procurar
lembra que são frequentes as situações na psi- primeiro o objecto que mudou de lugar, mas on-
quiatria onde o psiquiatra utiliza palavras a que de o vai procurar de modo a encontrá-lo e não se
dá um certo sentido, mas que o paciente compre- enganar. Algo de semelhante pode ocorrer tam-
ende de outro modo. O termo alcoólico, a que o bém em estudos onde crianças relativamente
psiquiatra dá o sentido de consumo exagerado de novas (4-5 anos) tendem a atribuir emoções po-
álcool e que o paciente interpreta como uma con- sitivas, como alegria e felicidade, a um trans-
duta imoral da sua parte, ajuda a compreender gressor que violou uma norma moral. De outro
em que consiste a falácia dos sentidos Pickwi- modo, as crianças podem atribuir a tal transgres-
ckianos. sor emoções positivas, não negativas, porque
Esta falácia – e o perigo das palavras para que pensam que o investigador lhes pede para faze-
alerta – abunda também no campo da Psicologia
rem atribuições de emoções a alguém que sejam
e das Ciências da Educação. No domínio da edu-
consistentes com a sua conduta imoral, não ape-
cação, basta lembrar o bem conhecido exemplo
de qualquer professor que, não se apercebendo nas para descreverem o estado emocional de al-
do perigo das palavras, pensa ter feito uma certa guém que faz mal (Lourenço, 1998).
pergunta aos seus alunos numa certa prova de Em todas estas situações existe o perigo das
exame, mas que, na verdade, foi compreendida palavras, a linguagem vai de férias e falta rigor
por eles de um modo que não era o que o res- conceptual. E isto tudo leva-nos a dizer o que
pectivo professor pretendia e imaginava. No do- não deveríamos dizer ou, pelo menos, o que de-
mínio da pesquisa psicológica, tal falácia é um víamos dizer de outro modo.

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CONSEQUÊNCIAS PARA A PSICOLOGIA E gar para o silêncio. Espero que a seguinte afir-
CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO mação, inserida num texto sobre o debate meto-
dológico na avaliação curricular, mostre como o
Cometidas em abundância pela Psicologia e silêncio seria preferível à palavra: «Observa-se,
pelas Ciências da Educação, estas falácias têm assim, tanto no caso dos critérios de credibilida-
consequências negativas em ambos os domínios de do paradigma empírico-racionalista como no
e, por via disso, prejudicam a qualidade em caso dos critérios de credibilidade do paradigma
educação, se por qualidade de educação se en- normativo-naturalista, uma solidariedade, articu-
tende rigor intelectual e moral em todos os actos lação, coerência e interdependência, que parece
pedagógicos, não sendo tarefa fácil estipular assentar principalmente nos pressupostos ontoló-
critérios objectivos para tal rigor. gicos respeitantes à natureza dos fenómenos em
No que se segue, argumento que, devido a causa, que determinam primeiramente a análise
estas falácias, a Psicologia e as Ciências de da medida em que os dados são isomórficos dos
Educação estão cheias de publicações dispensá- objectos a que se reportam, ou seja, o seu valor
veis, distorções indesejáveis, confusões con- de verdade» (Avaliações em Educação: Novas
ceptuais arreliadoras e uma mistura de jogos de Perspectivas, 1993, Porto Editora, p. 44). Parece
linguagem altamente questionável. Focarei o ca- que o texto se esmerou por cair em todas as falá-
so da Psicologia (ver, para uma apresentação cias que enumerei! Afirmações deste género
mais detalhada, Machado, Lourenço, & Silva, abundam no meio universitário. Receio que pro-
1998), mas penso que semelhante estado de coi- movam pouco a qualidade em educação.
sas é ainda mais sério nas Ciências da Educação.

DEMASIADAS DISTORÇÕES
DEMASIADAS PUBLICAÇÕES
Como intuído por Darwin, distorcer o ponto
Olhando apenas para o que se publica em lín- de vista dos outros ocorre em qualquer ciência,
gua Inglesa, ano após ano aparecem dezenas e mas a minha convicção é que este facto atingiu
dezenas de «novas» revistas, centenas e centenas proporções agudas em Psicologia e em Ciências
de «novos» livros, milhares e milhares de «no- da Educação. Já mostrei noutro local que a
vos» artigos, e incontáveis apresentações em teoria de Piaget tem sido particularmente sujeita
incontáveis reuniões científicas. À primeira ao que Darwin chamou de «enorme poder da dis-
vista, parece que só teríamos de nos regozijar torção» (Lourenço & Machado, 1996). Formas
com tanta produtividade. Contudo, uma análise típicas de distorção das ideias, descobertas e teo-
genérica dessa avalanche de publicações permite rias dos outros acontecem, por exemplo, quando
concluir que se promete muito em termos de pro- apresentamos uma certa interpretação de uma
dutividade e se oferece muito pouco em termos teoria como se fosse a própria teoria; quando
de real progresso científico nesses dois domí- afirmamos que uma teoria diz ou assume o que,
nios. de facto, ela não diz, nem assume; quando con-
Razões sociológicas que obrigam a publicar e vertemos conceitos centrais de uma teoria em
a competir com tudo à nossa volta para se ser seus conceitos periféricos, ou o contrário; e
promovido, razões conceptuais que passam pela quando dissociamos certas afirmações do con-
ideia errónea de que mal uma pesquisa seja pla- texto original onde estão integradas. Só para dar
nificada, a solução para o problema reside na um exemplo no domínio da educação desta últi-
aplicação de regras formais de inferência, e ra- ma forma de distorção, é frequente atribuir-se a
zões metodológicas que passam pelo uso e abuso Bruner – quando não a Skinner – a afirmação de
do teste da hipótese nula, explicam, em parte, es- que é possível ensinar qualquer assunto, a qual-
te excessivo número de publicações. quer criança, em qualquer estádio de desenvolvi-
Para solucionar este estado de coisas, psicólo- mento. Mas a afirmação original de Bruner
gos e educadores precisam de aprender a lição de (1977, p. 33) contém uma qualificação que per-
Wittgenstein de que há um tempo e um lugar pa- mite ver que não era essa a sua ideia: «Começo
ra as palavras, mas também um tempo e um lu- com a hipótese que é possível ensinar de uma

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forma intelectualmente honesta qualquer assunto Piagetiano (e.g., classificar, seriar, quantificar)
a qualquer criança em qualquer estádio de desen- apareciam na criança em idades bem mais preco-
volvimento» (itálico acrescentado). De outro ces do que era sugerido por Piaget (ver Gelman
modo, é possível, por exemplo, transmitir a uma & Baillargeon, 1983). O problema é que tais
criança de 6-7 anos uma ideia intuitiva da noção estudos, mandando de férias a linguagem e o ri-
de probabilidade através de um jogo de sorte e gor conceptual, esqueciam que a compreensão
de azar, mas não a noção formal e analítica de operatória em termos de Piaget envolve não
probabilidade enquanto representando uma apenas uma componente de verdade (e.g., a água
fracção de certeza. que muda de recipiente continua a ser a mesma
Para diminuírem o número de distorções nos quantidade de água), mas também de necessida-
seus domínios, psicólogos e educadores devem de lógica (e.g., a quantidade de água não pode
aprender também a lição de Wittgenstein de que ser senão a mesma). De outro modo, esses estu-
há um tempo e um lugar para as palavras, e um dos pensavam que resolviam em termos empíri-
tempo e um lugar para o silêncio. Aliás, enquan- cos e metodológicos o que antes de mais nada
to nas ciências da natureza, a geração seguinte se era uma questão conceptual.
apoia nas realizações dos seus antecessores, nas Mais do que nenhuma outra, a solução para a
sociais, as gerações seguintes dizem em geral prevalência das confusões conceptuais no âmbito
mal dos que vieram antes delas (Zeaman, 1959). da Psicologia e das Ciências da Educação exige
O seguinte título, «Pós-modernidade e avaliação que psicólogos e educadores aprendam que há
psicológica: Da racionalidade positivista ao um tempo e um lugar para as palavras e um tem-
construcionismo social» (Psychologica, 1994, p. po e um lugar para o silêncio. De outro modo,
45), mostra bem que se instalou na psicologia um tempo para pensarem (silenciosamente) nas
uma espécie de fuga cega para a frente, onde questões conceptuais levantadas pelas suas
cada um pensa que é tanto mais original quanto pesquisas, antes de as efectuarem propriamente.
mais nomes (negativos) chama aos outros (e.g., Sob pena de confundiram investigação com fazer
racionalistas positivistas). coisas e, igualmente grave, criarem a ilusão, so-
bretudo aos mais novos e aos observadores exte-
riores, de que a Psicologia e as Ciências da
CONFUSÕES CONCEPTUAIS Educação estão a resolver problemas que na
verdade ficam efectivamente por solucionar.
Uma análise sumária do que se publica em
Psicologia e em Ciências da Educação revela
que elas são já relativamente sofisticadas em ter- DIVÓRCIO ENTRE A COGNIÇÃO E A ACÇÃO
mos de recolha e análise de dados, mas pobres
ainda em termos de análise e clareza conceptual. Nos últimos trinta anos, a Psicologia e as
Nas palavras felizes de Paul Meehl (1978), a psi- Ciências da Educação têm-se tornado cada vez
cologia abusa de asteriscos tabulares à custa de mais cognitivas, e este movimento na direcção
riscos teóricos ou confusões conceptuais. Deve da mente, das ocorrências internas, das represen-
ser este fetiche dos psicólogos pelas questões do tações mentais e da metáfora do computador
método e da estatística e a sua enorme suspeição aglutina a esperança de muitos e brilhantes in-
por tudo o que cheira a filosofia e análises con- vestigadores. Tão grande parece ser esta espe-
ceptuais, o que terá levado Wittgenstein (1958, rança que, no ano passado, num documento dis-
p. 232) a dizer que «em psicologia há método cutido num encontro promovido pelo Conselho
experimental, mas confusão conceptual». Não Nacional da Educação – e há poucos dias num
perceber, aliás, que, muitas vezes, método (sofis- outro da minha Faculdade distribuído por um
ticado) e problema (deficientemente clarificado) grupo de professores ligados às Ciências da
nada têm a ver um com o outro é, talvez, a maior Educação – se falava em «rumo a uma sociedade
falácia dos psicólogos e dos educadores. Só para cognitiva»!
dar um exemplo, a partir dos nos 60, centenas e À semelhança de um computador, a mente hu-
centenas de investigações foram feitas para mana (ou o aluno que aprende o significado de
mostrar que as competências operatórias de tipo uma palavra ou resolve um problema de mate-

260
mática) recebe inputs do exterior, codifica-os em guem regras de trânsito no caminho para escola,
representações, processa tais representações, estão conscientes de algumas dificuldades em
descodifica-as e gera um output ou uma resposta. matemática, ou que acertaram/erraram um certo
Devido a este movimento interno, é provável que problema no teste de física.
venhamos a saber tanto menos do devir comple- De novo, a solução para este divórcio crescen-
xo da vida (ou do estudante que aprende uma se- te entre a cognição e a acção – uma caminhada
gunda língua ou tem dificuldades em matemá- que vai na direcção oposta à ideia Piagetiana de
tica), quanto mais viermos a saber da mente e que no princípio está a acção, não a cognição –
das suas cognições. De outro modo, este movi- exige que a Psicologia e as Ciências da Educa-
mento interno em direcção à mente tem levado a ção percebam e assumam que há um tempo e um
perder de vista o sentido, o contexto e a história lugar para as palavras e um tempo e um lugar
desenvolvimentista das condutas humanas e, a para o silêncio. Em certas alturas, aliás, um mo-
fortiori, das que gravitam em torno de qualquer mento de silêncio vale horas de palavras. Mesmo
acto pedagógico. O que não deixa de ser irónico, na sala de aula onde é suposto a palavra imperar!
como vários autores têm lembrado (e.g., Bruner,
1990).
Na verdade, o apelo constante para a mente PALAVRAS FINAIS
como uma entidade causal interna corre o risco
de reintroduzir um «fantasma na máquina» e, no Nesta minha apresentação, procurei mostrar
processo, deixar de lado um domínio de estudo – que a Psicologia e as Ciências da Educação não
o do comportamento observável e do contexto têm tomado em devida conta as lições contidas
onde ocorre – que está ao nosso alcance (veja o na obra de Wittgenstein, especialmente a mensa-
exemplo mencionado atrás do desenho da casa gem profunda contida na sua ideia de que deve-
que não existe). Por sua vez, a invocação perma- mos passar em silêncio sobre aquilo de que não
nente de mecanismos internos de processamento sabemos falar. Devido a tal esquecimento, psicó-
da informação – como, por exemplo, um inter- logos e educadores caem com frequência na falá-
ruptor I para inibir ou interromper a atenção e cia dos alquimistas (recorrem a termos obscuros
um interruptor M para a mobilizar (Pascual-Leo- pensando que assim chegam a uma compreensão
ne, 1995) – sem se clarificar, primeiro, se tais mais profunda), do médico de Molière (usam e
mecanismos e processos internos devem ser en- abusam de raciocínio tautológico ou circular), do
tendidos literal (i.e., como causas eficientes de hipopótamo que falta (fazem tudo para manter
certos comportamentos) ou apenas metaforica- hipóteses que necessitam de revisão), de Van
mente (i.e., como causas formais que descrevem Helmont (esquecem factores relevantes na pro-
uma certa organização da conduta), corre o risco dução de certos fenómenos que tentam explicar)
de tomar por realidade o que é apenas uma das e na falácia dos sentidos Pickwickianos (assu-
suas descrições possíveis. E, finalmente, o apelo mem que os outros, nomeadamente os sujeitos
a um conjunto de termos e conceitos que ora experimentais e os alunos na sala de aula, atri-
adjectivam o suposto trabalho da mente, ora a buem a certos conceitos o mesmo sentido que
actividade cerebral, ora o comportamento de eles lhes dão).
um sujeito em determinado contexto, conduz a Por sua vez, estas falácias têm contribuído pa-
uma mistura de jogos de linguagem onde reina a ra que o domínio da Psicologia e das Ciências da
imprecisão conceptual quando não mesmo o Educação esteja poluído com muitas e indesejá-
nonsense. Porque se faz todo o sentido dizer que veis publicações e distorções, com muitas e
um aluno conhece o princípio de Arquimedes, comprometedoras confusões conceptuais e
acredita que vai passar de ano, segue regras de mistura de jogos de linguagem e, portanto, estão
trânsito no caminho para escola, está consciente a prejudicar também a qualidade em educação.
de algumas dificuldades em matemática, ou que Ficou claro que tais falácias e as suas conse-
errou/acertou um problema no teste de física, quências negativas para a Psicologia, Ciências
não faz qualquer sentido dizer ou sugerir que o da Educação e qualidade em ensino se devem,
cérebro ou a mente conhecem o princípio de Ar- em extensão considerável, ao facto de tais Ciên-
quimedes, acreditam que vão passar de ano, se- cias mandarem muitas vezes a linguagem de fé-

261
rias, não se aperceberem do perigo das palavras, Machado, A., Lourenço, O., & Silva, F. (1988).
falarem do que não sabem e descurarem o tra- Factual, functional, and conceptual investigations:
The shape of psychology’s epistemic triangle
balho de rigor conceptual. Para remediar este es-
(artigo submetido para publicação).
tado de coisas, psicólogos e educadores têm de Malcolm, N. (1970). Wittgenstein on the nature of
aprender a difícil lição de que há um tempo e um mind. In N. Rescher (Ed.), Studies in the theory of
lugar para as palavras, mas também um tempo e knowledge. American Philosophical Quarterly:
um lugar para o silêncio. Além de apelar para Monograph series. Monograph No.4 (pp. 9-29).
um exercício de rigor intelectual – quer no en- Oxford: Basil Blackwell.
Malcolm, M. (1995). Wittgensteinian themes. Cornell
sino, quer na investigação – a ideia de que há
University Press.
também um tempo e um lugar para o silêncio en- Meehl, P. (1978). Theoretical risks and tabular aste-
volve uma dimensão ética no sentido mais nobre risks: Sir Karl, Sir Ronald, and the slow progress of
que a ética pode ter. Isto é, de respeito pelos ou- soft psychology. Journal of Consulting and Clini-
tros, por nós próprios e pela realidade que nos cal Psychology, 46, 806-834.
circunda. Certamente que a qualidade em educa- Pascual-Leone, J. (1995). Learning and development as
dialectical factors in cognitive growth. Human
ção exige muitas e variadas coisas, ou não fosse Development, 38, 338-348.
uma realidade bem complexa. Inspirado em Scarr, S. (1997). Toward a free market in research
Wittgenstein, a mensagem que gostaria de deixar ideas. Observer, 19 (3), 32-33
a estas Terceiras Jornadas Psicopedagógicas Siegal, M. (1997). Knowing children (2nd ed.). Sussex:
seria esta apenas: Se existe qualidade em educa- Psychology Press.
ção, então tal qualidade também exige SILÊN- Siegal, M., & Beattie, K. (1991). Where to look first for
children’s knowledge of false beliefs. Cognition,
CIO. 38, 1-12.
Silva Neto, N. (1998). Facing the unavoidable meta-
physics: Notes on the work of Maurice Drury and
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New York: Wiley. a mensagem profunda contida na ideia de Wittgenstein
Karmiloff-Smith, A. (1992). Beyond modularity. Cam- de que «devemos passar em silêncio sobre aquilo de
bridge Massachusetts: The MIT Press. que não sabemos falar». Nesta apresentação, eu mostro
Koch, S. (1981). The nature and limits of psychological que os psicólogos (e os educadores) tendem a cair (a)
knowledge: Lessons of a century qua «science». na falácia dos alquimistas (i.e., a usar termos obscuros
American Psychologist, 36, 257-269. pensando que assim obtêm um insight mais profundo);
Lourenço, O., & Machado, A. (1996). In defense of Pia- (b) na falácia do médico de Molière (i.e., a recorrer a
get’s theory: A reply to 10 common criticisms. raciocínio tautológico e circular; (c) na falácia do «hi-
Psychological Review, 103, 143-164. popótamo que falta» (i.e., a acrescentar aditamentos a
Lourenço, O. (1998). Transgressores felizes e infelizes uma proposição inicial que não pode ser verificada
na compreensão das emoções morais na criança. nem refutada); (d) na falácia de Van Helmont (i.e., a
Revista de Psicologia, Educação e Cultura, 2, não levar em conta factores desconhecidos cuja in-
241-261. fluência é marcante); e (d) na falácia dos sentidos

262
Pickwickianos (i.e., a assumir que os seus alunos ou to fall prey to (a) the «fallacy of the alchemists», viz.,
sujeitos de pesquisa atribuem a vários termos o mesmo to use obscure terms and thereby think that one has
sentido que eles lhes atribuem). Em consequência obtained a deeper insight; (b) the «fallacy of Molière’s
destas falácias, o campo da Psicologia (e das Ciências physician», viz., to resort to circular or tautological
da Educação) está poluído com muitas publicações e reasoning; (c) the «fallacy of the missing hyppopo-
distorções indesejáveis, confusões conceptuais inacei- tamus», viz., to add provisos to an initial proposition
táveis, e uma mistura de jogos de linguagem que deixa that can neither be verified nor refuted; (d) «Van
sem fundamento muitos dos seus conceitos. Para re- Helmont’s fallacy», viz., not to take into account the
mediar este estado de coisas, psicólogos (e educado- influence of important variables on the occurrence of
res) precisam de aprender a lição que há um tempo e certain results; and (d) «the fallacy of Pickwickian
um lugar para as palavras, mas também um tempo e senses», viz., to assume that their students or experi-
um lugar para o silêncio. Além de apelar para um mental subjects share the meaning they attribute to
exercício de rigor no trabalho científico (e pedagógi- several words. As a consequence of these fallacies,
co), a mensagem de Wittgenstein contém uma dimen- too many dispensable publications and distortions,
são ética que interessa explorar e pôr em prática. conceptual confusions, and ungrounded concepts
Palavras-chave: Falácias, psicologia e educação. polute both Psychology and Educational Sciences.
To remedy such state of affairs, psychologists and
educationists need to learn that there is a time and a
ABSTRACT place for words, but also a time and a place for silence.
Besides appealing to an exercice of radical rigor in our
Psychologists (and educationists) often forget scientific and educational work, Wittgenstein’s
Wittgenstein’s deep message that «what we cannot message contains also an ethical dimension that
speak about we must pass over in silence». In this deserves to be explored and put into practice.
talk, I argue that psychologists (and educationists) tend Key words: Fallacies, psychology and education.

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