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“Eu não estou pedindo para você acreditar, ou nem mesmo gostar,” Henry diz

friamente. Está sendo uma longa manhã. Ele está começando a transpirar. “Estou
simplesmente pedindo para você mostrar o mínimo de respeito.”
“Ao – ao seu quiche?”
“Sim. Ao meu quiche.”
Bea solta o seu suporte de fita adesiva e enxuga os olhos. “Pez!”
“Oi?”
“Henry está dizendo que vai fazer um quiche pra nós!”
Um guincho de risada de Pez ecoa pela escada. “Conta outra!”
“Eu faço o tempo todo para o Alex,” Henry insiste. “Eles são perfeitamente
comestíveis.”
“Então, quando você nos prometeu um café da manhã caso a gente levantasse
mais cedo para te ajudar,” Bea diz, “você quis dizer que você faria o café da manhã
pra gente?”
“Sim!” Henry diz veementemente. “Pare de rir!”
“Me desculpa!” Bea diz. “É só que… bom, Henry, a última vez que você fez café
da manhã para mim, você tinha doze anos e pôs uma linguiça no microondas e
deixou lá até explodir.”
“Aquilo foi ideia sua! E já faz séculos! Eu estudei, tá bom? Sou muito bom
agora. Aquelas fotos que eu mando no grupo não são só de enfeite.”
“Oh, não são?” Bea diz rudemente, como se a oferta incrivelmente generosa
dele de cozinhar quiches com cebola, tomilho e cogumelos do mercado da fazenda
para ela não significasse nada. Como se ele tivesse morado nessa casa por cinco anos
inteiros sem aprender a usar a cozinha.
Talvez se a vida deles não fosse tão caótica, se Henry não estivesse saindo de
Nova York toda vez que Bea tivesse um tempo livre para vir para cá, ele poderia ter
provado isso à ela antes. Mas Pez, que agora mora na cidade e visita tão
frequentemente a ponto de já ter o próprio codinome do Serviço Secreto (Cardeal, já
que o de Henry é Bispo), já deveria saber.
“Percy Okonjo,” Henry diz quando Pez se junta a eles, “você estava aqui no
final de semana passado quando eu fiz tortinhas doces. Você amou.”
“Amei?” Pez se pergunta em voz alta com um jeitinho irritante de Bea.
“Olhe para este avental!” Henry gesticula para si mesmo e para o avental
azul-marinho que ele está usando. Alex deu de presente de aniversário para ele ano
passado. “Um homem que não sabe fazer quiche teria um avental desse? Tem as
minhas iniciais nele.”
“Você é da realeza, amore ,” Pez enfatiza. “Tudo seu tem suas iniciais
gravadas.”
Dentro do bolso do seu avental sério de chefe da casa, o celular vibra.
Reforços. O FaceTime conecta, e Alex diz, “Bom dia, amor da minha vi –”
“Alex,” Henry interrompe, “fala para eles dos meus quiches.”
Alex tira os óculos de sol e franze as sobrancelhas para a câmera. Ele
está tão adorável com a sua camiseta desbotada, jaqueta jeans e cabelo
desarrumado. Um puro galã americano, só faltava pôr um chapéu de caubói.
Henry nunca se cansa disso.
“Perdão?”
“Bea e Pez não acreditam que eu sei fazer quiches.”
“Que? Eles viram o seu avental?”
“Foi o que eu disse!”
“Os quiches de Henry são ótimos!”, Alex diz alto, para toda cozinha
ouvir. “Eu quase nunca encontro cascas de ovo dentro deles!”
Aquilo faz Bea e Pez explodirem de novo. Na tela, o rosto de Alex se
contorce numa risada.
“Muito obrigado, Alex, você foi uma tremenda ajuda,” Henry geme.
“Como estão as coisas? Floristas essa manhã, não eram?”
“Já estou terminando,” Alex diz com um sorriso aberto. “Aprovações
finais feitas. Está tudo incrível.”
Com apenas uma semana até o dia da mudança e duas até o casamento,
fez sentido separar os grupos e pôr todo mundo para trabalhar. Henry
concordou em ficar em Nova York e terminar de empacotar tudo com a ajuda
de Bea e Pez, enquanto Alex, June e Nora estão assinalando os últimos itens
da lista deles no Texas.
“De todas as surpresas que planejar o casamento nos trouxe,” Henry
diz, “sua habilidade de microgerenciar arranjos florais foi certamente… uma
delas.”
“Você sabe que eu amo criar uma vibe,” Alex diz.
“Isso é verdade,” Henry concorda. “Onde estão as garotas?”
“Comprando donuts,” Pez responde antes de Alex. Ele mostra seu
celular, com uma foto aberta de June mandando um beijo enquanto Nora
finge chupar uma bomba de chocolate.
“Donuts!” Bea diz. “Agora isso sim é uma ideia!”
Eles passam o resto do dia afundando entre caixas de papelão e sacos
plásticos, empacotando tudo com exceção dos móveis e da televisão do andar
de baixo.
Pez lembra ele pelo menos uma vez por hora que eles poderiam pagar
alguém para fazer aquilo, mas Bea é teimosa, e Henry é relutante em deixar
alguma outra pessoa andar entre as armadilhas íntimas da vida dele e de Alex.
Já era ruim o suficiente ter que explicar para Pez os conteúdos da gaveta de
pegadinhas que tinha na cômoda deles, quem dirá para uma pessoa que ele
nunca conheceu.
Quando eles terminam, Bea coloca Coração de Cavaleiro na sala de
estar e imediatamente cai no sono no colo de Pez. Pez acaba dormindo
também, mas Henry continua acordado, porque Heath Ledger merece uma
audiência. E porque ele sabe que se ele não acordar Bea e levar ela para o
quarto de hóspedes, ele vai ter que ouvir sobre os espasmos musculares nas
costas dela amanhã de manhã.
David sobe ao lado dele no sofá, e Henry acaricia o topo do seu focinho
até que o corpinho dele relaxe do lado do de Henry.
“Garotinho velho e nervoso,” Henry cantarola. Ainda parece uma
incrível ironia o fato de que o cachorro que ele adotou para apoio emocional
tenha ansiedade. David tem ficado cada vez mais nervoso durante a semana,
enquanto mais e mais do lar dele desaparece entre caixas. “Nós não vamos te
abandonar, eu prometo.”
Aquela casa foi um bom lar para eles. Paredes robustas de tijolos,
vizinhos que deixam eles serem quem são. Henry a amou mais do que já amou
Kensington, ou pelo menos no mesmo tanto que ele amou Kensington quando
o pai e a mãe dele moravam lá também. Às vezes de manhã, quando ele descia
para o andar de baixo para encontrar Alex com a cafeteira e a chaleira já
ligadas, ele se sente do mesmo que se sentia quando toda sua família dormia
sob o mesmo teto. Este teto de agora é definitivamente um pouco menor do
que aquele teto de antes, mas o sentimento não é.
Então, talvez, David não tenha entendido tudo completamente errado.
É difícil deixar o lugar para trás. No último mês, Alex continuou perguntando
porquê Henry estava o encarando, e a verdade é que ele estava se
comprometendo a memorizar exatamente como Alex ficava em cada um dos
cômodo. Como o corrimão se encaixava em sua mão, o lugar da parede do
saguão onde ele sempre se apoiava para colocar os seus sapatos.
Tudo o que aconteceu nos últimos cinco anos aconteceu, pelo menos
em parte, dentro dessa casa.

Já se passaram sete meses depois da segunda toma de posse da mãe de


Alex, e Henry está desejando que ele nunca tivesse nem ouvido a palavra
“aparador”. Assim ele não teria que decidir onde colocar um.
Alex está chegando em menos de meia hora para ajudá-lo a movê-lo,
mas Henry ainda não sabe para onde. No lado oposto da lareira, talvez? Mas e
se ele quiser colocar um sofá ali? Ele quer um sofá normal, ou seccional?
Deveria ficar lá em cima, no estúdio dele? Ou ele deveria deixar espaço para
estantes de livros?
Ele gostaria muito de estar de novo em uma praia, bebericando algo de
um abacaxi.
Foi um longo e glorioso verão desde que Alex empacotou tudo do seu
quarto na Casa Branca, chamou Henry, e perguntou, “Você quer dar o fora da
porra do continente?” Eles foram para Dubai primeiro, depois Lagos, Rio, em
nomes dos bons e velhos tempos. Buenos Aires, lanternas de papel à luz do
luar e Alex flertando com o barman para conseguir bebidas de graça. O tempo
entre junho e agosto se tornou um borrão adorável: Alex dormindo encostado
no seu ombro no avião, Alex jogando seu livro de expressões em português
pela janela de um carro em movimento, areia em lugares impronunciáveis,
Alex Alex Alex. Pistas intermináveis e disfarces meia-boca, trajes de banho
que foram ficando menores e menores até que eles simplesmente pararam de
vestí-los. Se apaixonando, a sequência, com um bronzeado novo e todo o
tempo do mundo.
E agora aqui estão eles em Park Slope, onde Alex está alugando o
segundo andar de um triplex à dois quarteirões do de Henry.
Eles concordaram que era prático morar na mesma vizinhança antes
deles morarem no mesmo endereço. Eles ainda mal tiveram a chance de
namorar do jeito normal – se o fato de os times de segurança combinados
deles estarem sediados em um apartamento vazio no final da rua puder ser
chamado de “normal”. Mesmo assim, Henry quer que isso dure.
Eles mergulharam de cabeça em tudo até agora, mas agora ele quer se
mudar calmamente, em deliciosos incrementos. Ele quer saborear noites,
minutos, começos, cobri-los e depois deixá-los dissolver na língua dele, igual
os cubos de açúcar que ele pegava escondido da bandeja de filigrana de sua
avó quando ele era pequeno. Ele quer uma vida.
Ele quer alguém para dizer a ele onde colocar esse maldito aparador.
É uma peça vintage Broyhill Brasilia, de nogueira, com gavetas
habilidosas e puxadores de bronze. June o ajudou a escolhê-la quando ela
estava na cidade para se encontrar com o editor dela, mas ela nunca deu
nenhum conselho sobre onde aquilo deveria ficar. Ele nunca havia tido
permissão para decidir onde os móveis ficavam antes. Então, está… ali, no
meio da sala de estar vazia, o primeiro móvel da casa inteira.
“Talvez você pudesse começar com um ou dois tapetes.” diz Alex direto
do saguão. Henry se vira e o encontra com as chaves em uma mão e uma
sacola de papel na outra, sorrindo entre um feixe de luz do sol da manhã, e,
ah. Sim, ali está. Aquele arquejo doce, afiado e nervoso. Aquele meio segundo
quando ele esquece de com0 usar a boca. Se ele não sabe de mais nada, pelo
menos uma certeza permanece, que é a de que ver Alex Claremont-Diaz ao
vivo sempre vai deixar ele daquele jeito.
Alex em uma foto é bonito, mas Alex pessoalmente é uma sinfonia. Ele
é luz refratada por uma bebida de coca-cola de cereja. Ele tem um maxilar de
Fibonacci, um sorriso encrenqueiro, e antebraços grossos feitos para posar na
entrada da porta com as mangas enroladas e arrancar rolhas de garrafas de
champagne com o polegar. Na primeira vez que Henry falou sobre ele para
Pez, ele disse, “meu Deus, mas ele é letal.” E fica pior quando você tem a
oportunidade de conhecer ele.
“Lugar estranho para um aparador,” Alex comenta. Ele dá um beijo na
bochecha de Henry, depois entrega um pacote morno embrulhado em um
papel fino. “Espero que goste de linguiça-ovo-e-queijo.”
“Eu não sei onde colocar.”
“Sanduíches geralmente vão para a sua boca.”
“O aparador.”
“Ohhh, certo,” Alex diz, fingindo ter entendido só agora. Ele dá uma
piscadinha. Henry suspira teatralmente mas aceita um segundo beijo, nos
lábios dessa vez. “Por que você só não coloca aqui mesmo?”
Ele aponta para a esquerda, onde uma parede vazia se estende da porta
da frente até o pé da escada. Parece ser, em uma inspeção mais de perto,
exatamente do tamanho certo.
“Oh,” Henry diz.
Isso é onde eles coincidem. Onde ele acaba e Alex começa. Uma incrível
poça grudenta e doce de sentimentos, encontro de curso de ações; energia
ardente sem fim, encontro de ponto de foco. Agonias, conheça suas mais
óbvias, mais naturais, mais inevitáveis conclusões. Às vezes é assustador para
uma pessoa como Henry, que passou sua vida inteira pedalando com as suas
agonias como se fossem baguetes dentro da cestinha chique de uma bicicleta.
O que ele faz com elas agora?
“Sim,” Henry admite, “acho que eu posso mesmo,” e Alex ri.

É verão de 2022. Henry abriu o seu terceiro abrigo, e Alex acabou de


arrasar no seu primeiro ano no curso de Direito na NYU. Algumas caixas de
livros esperam na casa de Alex, mas fora isso, ele mora na casa de Henry
agora. Na casa deles. Uma flâmula da UT ao lado de uma echarpe do Chelsea
na parede da sala de estar. Uma geladeira cheia de Topo Chico e Bulmers.
Dois pares de sapatos na porta de entrada, sapatos Barker derbies marrons e
tênis Reebok. Ninguém poderia errar qual é de cada um.
É o primeiro Domingo de Tarefas deles (ideia do Alex), e Henry colocou
o resto das roupas lavadas na secadora. Ele está na porta da cozinha,
assistindo Alex esvaziar o lava-louças.
Uma vez Alex contou a Henry o tipo de homem pelo qual tipicamente
ele se atrai: alto, de ombros largos, olhos bonitos, meio atormentado. Um
pouquinho de atitude e um sorriso que te deixe curioso. Para Henry, nunca foi
tão simples. Ele gostou de garotos da sala dele porque eles se preocupavam
com as leituras obrigatórias e se sentiu atraído por um dos amigos terríveis de
Philip que estudavam em Eton, porque ele sabia velejar e cheirava a canela. A
única coisa que todos os garotos dele de Oxford tinham em comum era que
eles não sabiam como falar com Henry. Ele nunca teve um tipo, e ele sempre
teve certeza de que Alex era singular, de qualquer forma. Alex é diferente de
todo mundo que ele já tenha conhecido antes ou desde então.
Mas aqui, agora, assistindo Alex se curvar para tirar uma tigela de
salada do suporte dos fundos, ele está confrontado com a verdade difícil.
Todos aqueles garotos, na verdade, compartilharam uma característica.
“Você vai me ajudar com isso,” Alex diz sem nem dar uma olhadela
investigatória por cima do ombro, “ou só vai continuar encarando minha
bunda?”
É Natal de 2022, o primeiro deles desde que Alex se mudou
oficialmente, e Henry vai preparar um Bûche de Nöel se isso não o matar.
Talvez ele esteja sendo ambicioso demais. Ele é novo nessa coisa de
cozinhar, afinal. Conforme ele crescia, raramente tinha permissão para entrar
nas cozinhas, e ele concentrou sua dieta de faculdade em fast-foods e comida
para viagem. Ele sabe fazer torrada e ferver um ovo, e ele tinha uma mão
habilidosa com a cafeteira e drinks de gin de vez em quando. Ele entende
sobre comida – as comidas mais finas, na verdade, ele ainda está para
conhecer um homem inglês que consegue escolher um queijo brie melhor –
mas ele nunca aprendeu a cozinhar, até recentemente.
Recentemente, no caso, quando Alex começou a ficar tão fanaticamente
envolvido com os seus trabalhos do segundo ano da faculdade que começou a
esquecer de se alimentar.
Começou com ele fazendo Alex comer à força um lanche de bacon duas
vezes por semana. Os braços de Henry sofreram pequenas constelações de
queimaduras de oléo, mas bacon era fácil, e aquilo sumiria com o tempo,
então aquilo não impediu ele. Curiosidade atiçada, ele ensinou a si mesmo o
básico sobre massas, como é ferver quase qualquer coisa com alho, cebola e
manteiga e vai ficar com um gosto bom junto com o macarrão. Isso foi o
suficiente para reforçar a confiança dele para se comprometer de verdade, e
agora, entre horas nos abrigos e vídeo-chamadas com a mãe dele, ele assiste
um tutorial atrás do outro sobre como dourar manteiga e assar frango. Só
metade das coisas que ele cozinha acaba ficando da cor que deveria, mas ele
ama.
Ele ama caminhar até o mercado na esquina e caçar por ingredientes
específicos de receitas de família que a June envia para ele. Na verdade, isso se
tornou um passatempo tão normal que os paparazzis começaram a entender o
que estava rolando, o que fez com que sua mãe finalmente forçasse o time de
segurança de Henry a contratar um dublê de verdade. Agora um sujeito
chamado Angus com a sua altura, estatura e quase a mesma cara faz
caminhadas de distração enquanto Henry examina potes de chilli.
Com todo aquele estudo independente dele, Henry estava certo de que
ele poderia dar conta de uma sobremesa. Ele queria fazer algo impressionante,
já que eles convenceram suas famílias de deixarem eles serem os anfitriões do
jantar de Natal. Só que o bolo dele deu errado, e se ele aprendeu qualquer
coisa com Bake Off, ele tinha que saber que a massa não deveria rachar em
cinco lugares quando ele fosse tentar enrolá-la. Paul Hollywood teria
ridicularizado ele.
“Você acha que provavelmente deixou tempo demais no forno?” Oscar
pergunta do outro lado da ilha da cozinha. Ele está usando o seu prêmio
elefante branco, um moletom com um slogan pintado que diz YOU CAN’T
SPELL CONSTITUTION WITHOUT TITS. Inexplicavelmente, a própria mãe
de Henry tinha trago aquele. “Parece estar meio seco ali.”
“Eu agradeço por você estar tentando ser prestativo,” Henry enuncia,
“mas se você disser mais uma palavra eu vou começar a chorar, e aí nós dois
vamos perder um pouco de respeito por mim.”
Mais tarde, quando Pez persuadiu ele, “desista, amigo, saia dessa
miséria,” ele carrega a travessa vergonhosa de ganache e bolo e marzipã para a
sala de estar e deixa todo mundo se servir com as colheres. A casa parece estar
empanturrada, não só por conta dos biscoitos de Natal. O pai, padrasto e a
mãe de Alex estão aqui, a mãe de Henry, June e Nora, Bea e Pez, Shaan e
Zahra no viva-voz, ocasionalmente um FaceTime embaraçoso de Philip e
Martha, e Angus, porque ele não tinha mais nenhum lugar para ir no feriado.
(“Eu não gosto dele,” Alex murmurou quando Henry sugeriu convidar o
seu próprio dublê para o jantar de Natal.
“Por que não?”
“Porque ele parece exatamente como você, mas eu acho ele
profundamente nada atraente, e isso me apavora.)
Ellen conta para todos a história do ano em que Alex ganhou sua
primeira bicicleta de presente de Natal e quebrou os dois dentes da frente no
dia do Boxing, o que incita Catherine a recitar a cartinha para o Papai Noel
que Henry fez quando tinha oito anos, na qual ele pedia uma agenda com capa
de couro e um feriado para East Wittering, para que ele pudesse ficar
contemplando o mar. Bea puxa Henry para trás do piano vertical, e ele atende
pedidos de músicas por uma hora. Só acaba quando Pez reescreve metade da
letra de “God Rest Ye Merry, Gentlemen” para falar sobre sua própria
intolerância à lactose. Ninguém quer cantar “as novas do Lacday e soja.”
Depois da terceira rodada de vinho quente, quando os pais de Alex
chamaram seus motoristas e a mãe de Henry se retirou para o quarto de
hóspedes, June e Nora se vêem debaixo dos viscos de Natal. Todo mundo dá
gritinhos e assobios até que Nora finalmente puxa June pelo colar de luzes de
Natal dela e a beija entre uma salva de palmas. As bochechas de June ficam
vermelhas, mas ela parece estar mais contente do qualquer outra coisa.
“Eu não acredito que demorou esse tempo todo para vocês finalmente
se beijarem,” Alex diz, o que faz Pez explodir em uma gargalhada. “O que?”
“Alex,” ele diz carinhosamente. Ele esvazia sua taça e dá um beijinho na
testa de Alex. “Seu lindo e estúpido bobinho.”
“O que isso quer dizer?”
Pez apenas balança a cabeça e perambula para fora da cozinha.
“Espere,” Alex diz.
Ele franze as sobrancelhas, igual ele faz quando está tentando recordar
algo pequeníssimo e específico dos textos do seu livro sobre delitos. Então, de
repente, uma luz se acende, e ele bate a própria caneca na mesa do abajour e
vai atrás de Pez.
“Pez, o que isso quer dizer?”

É um final de manhã no verão anterior do último ano de Alex na


faculdade de direito, 2023, e Alex é a primeira palavra a sair da boca de
Henry.
Verdadeiramente, é assim que ele começa a maioria das manhãs. Em
uma manhã de segunda-feira, com cinco fuso-horários de distância, “Alex”
num tom baixo para a tela do celular dele. Em uma sexta-feira quando a
primeira aula de Alex é cancelada, “Alex” em Fá maior, abafado contra o
travesseiro enquanto seu corpo se move e o dia se estende diante deles. Tarde
da noite no dia anterior a uma prova, um “Alex” rouco, seguido por, “desligue
essa maldita luz e venha para a cama.”
Esta manhã, foi porque David está latindo na porta. Uma tempestade
está se formando, e se o cansaço da viagem de avião já não tivesse deixado
Henry morto debaixo dos cobertores, esse céu cinza iria deixar. Foi Alex quem
despertou do sono meia hora atrás, e com a visão ainda turva, já encomendou
três cafés da manhã inteiros com panquecas de alguma lanchonete 24 horas
do bairro vizinho. Era ele quem deveria se levantar e ir atender a porta.
“Alex,” Henry balbucia, se virando. Alex está com o edredom puxado
tão alto, que agora ele é apenas um choque de cachos selvagens na roupa de
cama branca.
“Nnnghh,” Alex geme das profundezas.
“O café da manhã chegou,” diz Henry. A campainha toca de novo
prestativamente. David uiva.
O rosto de Alex aparece, fazendo beicinho. Tem uma marca de
travesseiro debaixo da maçã do rosto dele, a cauda de um cometa numa
constelação de sardas. “Você pode ir lá pegar?”
Henry revira os olhos mas sorri. Inevitável.
Ele se arrasta para fora da cama e coloca a calça e blusa de moletom do
vôo da noite passada. Ele não percebe até sentir o vento no tornozelo
enquanto ele desce as escadas que aquela calça não é dele, e sim do Alex.
No degrau da porta, uma garota da entrega com cabelo rosa está ali
parecendo entediada com o seu capacete de bicicleta.
“Desculpe por te fazer esperar,” Henry diz. Ele pega uma nota de
dinheiro amassada do bolso da calça de Alex. “Para te compensar.”
A garota faz uma cara feia.
“Tem algum dinheiro de verdade aí?” ela pergunta. O sotaque dela o
lembra um pouco do da mãe do Alex.
Ele pisca para a mão dela, que está segurando uma nota de 20 libras.
“Ah. Desculpe de novo. Er.” Ele agarra a carteira dele que está dentro de uma
tigela em cima do aparador, e dá a ela todas as notas americanas que ele tem.
“Ela já foi, Davey,” ele diz em seguida para David que está circulando
ansiosamente pela sala de estar. “Você nos protegeu de outro temível invasor
de casas. Muito bem.”
Ele deixa David sair para o jardim dos fundos para fazer suas
necessidades, e depois leva a comida para o andar de cima. Espantosamente,
Alex está acordado e apoiado contra a cabeceira da cama.
“Estou ficando velho demais para voos noturnos,” Alex diz enquanto
esfrega os olhos.
“Amor, você tem vinte e cinco anos,” Henry o relembra. Ele coloca a
sacola na mesinha de cabeceira, e Alex não perde tempo em rasgar o plástico e
se enfiar na cama com o seu café da manhã. “E eu sou mais velho que você.”
“Sim, você é. Mas tipo, eu entendo que nós temos que ir aos batizados
dos filhos do Philip. Mas agora, o dos primos?” Ele começa cobrindo as
panquecas com calda. “Quero dizer, pelo menos meus primos juntariam os
batizados. Um só e acabou, bebê.”
Henry abre a boca, pronto para responder com milhares de coisas. Que
os jornais iriam fazer a festa mais do que o normal se Henry parar de realizar
suas tarefas, que sempre terá uma consagração de igreja, ou um Swan Upping,
ou um horário marcado para tirar medidas para um chapéu novo, que ele
sempre será obrigado a estar com um pé em Londres e que um dia eles terão
que decidir onde se aquietar. Não é a primeira vez que eles têm esse tipo de
conversa.
Mas então Alex enfia uma mordida gigante de panqueca dentro da boca
e diz, “De qualquer forma, eu te amo. Você quer chamar a June e a Nora para
vir aqui amanhã? Nós podemos jogar Mario Party de novo. Eu quero ver elas
saírem no soco de novo. Oh, e meu pai estará na cidade semana que vem, e ele
me disse para te contar que ele está trazendo aquele livro que você perguntou
sobre –”
E é nessa hora que Henry sabe: ele não quer voltar nunca mais.

É o final da primavera de 2024, e Henry não está escutando por trás da


porta, em si. Ele pediu licença para atender uma ligação do Shaan, que não
poderia esperar. Shaan aceitou sua vida de dona de casa com uma
desenvoltura previsível, e a maioria das ligações dele nesses dias envolvia
Henry ficar conversando com um bebê que está claramente destinado a ser
um primeiro-ministro. Ele simplesmente não pode mandar aquilo para o
correio de voz.
É a primeira vez que eles conseguem arrumar um tempo para receber a
mãe de Henry em casa desde que Alex começou a trabalhar com Direito.
Henry não entende muito sobre isso, mas ele foi assegurado de que é o
próximo passo mais estratégico para o futuro da carreira de Alex. Quando
Henry saiu do cômodo, Alex ainda estava tentando explicar isso para
Catherine. E soa terrivelmente prestigioso.
Ele já estava voltando para a sala de estar com um bule de chá fresco
quando ele escuta seu nome e para num canto.
“ – e na manhã seguinte em que o Henry e o Arthur desapareceram,” a
mãe dele está dizendo, “e quando o Tio Algie ligou, eu disse a ele que Henry
não ia poder ir na caça anual de faisão porque ele estava violentamente
doente, mas na verdade, Arthur tinha levado ele para Roma por duas
semanas, no set daquele filme ridículo de um roubo de carro em que ele estava
atuando, aquele com o, oh, qual é o nome dele mesmo–”
“Jason Statham,” Alex diz imediatamente, no meio de uma risada
ofegante.
“Isso, esse mesmo!”
“Amei aquele filme,” Alex diz. “Eu não acredito que Henry conseguiu ir
ao set.”
“Foi tudo ideia de Arthur, mas ele estava certo de ter feito isso. O Tio
Algie é terrivelmente chato, e Henry despreza o filho dele. Guilford. Você
conheceu Guilford no casamento?”
“Henry garantiu que eu o evitasse.”
“Sim, foi para o seu bem,” Catherine diz delicadamente. “Ele virou um
babacão depois que ele cresceu.”
Henry desejou estar na sala para ver quando Alex gaguejou, “Ai meu
Deus”. Alex sempre se esquece de que Catherine frequentou a universidade e
se casou com um plebeu de Sheffield.
E depois Alex suspira e diz, “Quando Henry e eu nos casarmos –”
Henry trata de se recuperar antes que ele derrube o bule de chá.
Não é uma surpresa ouvir Alex mencionar sobre casamento.
Eles vêm resolvendo isso por anos: logística de política, a ansiedade de
filho-de-um-divórcio que Alex tem, e milhares de questões sobre um
casamento da realeza que, na verdade, nenhum dos dois quer ter. Ele até já
comprou uma aliança de noivado, e julgando pelo quão irritadiço Alex fica
quando Henry tenta guardar as cuecas dele, ele não foi o único.
Mas é a primeira vez que ele ouve Alex mencionar isso para a mãe de
Henry. Ele falou tão casualmente, tão normalmente, como se ele estivesse há
anos falando com ela sobre se casar com Henry. Henry supõe que é possível
que ele estivesse. É por isso que Alex foi tomar chá com a mãe dele mês
passado em Londres e disse que Henry não estava convidado? Eles estavam
conspirando?
Eles estão falando sobre listas de convidados hipotéticas agora, quais
primos se odeiam secretamente e quem usou um chapéu inapropriadamente
grande no chá da tarde do aniversário de alguém, mas Henry não está mais
escutando. Ele está pensando em uma mesa de uma cafeteria em Roma, seu
pai acenando para pedir mais uma rodada de sorvete.
Na memória dele, ele tem nove anos de idade, e o seu pai está dizendo,
Quem quer que seja a pessoa com quem você vai se casar, Henry, tenha
certeza de que ela ache sua mãe uma figura, porque ela é. Ela realmente é.
Ele limpa a garganta e finalmente sai do canto onde ele estava.
“Alguém quer chá?”

É 2024, e ninguém sabe que eles estão noivos.


Pra falar a verdade, eles só estão noivos há três horas, mas Henry está
curioso para ver até onde eles aguentam. É legal guardar um segredo que não
precisa ser um segredo. É como se eles estivessem escondendo um animal de
estimação, ou algo especialmente bonito do jardim que eles guardaram dentro
de uma jarra.
Um disco está girando no toca-discos, um de Alex, talvez aquele do Joni
Mitchell que ele pegou emprestado de Bea. Eles enterraram os celulares
debaixo das almofadas do sofá e pediram uma pizza do tamanho da lua, e
agora eles estão sentados no meio do chão da sala de estar, devorando-a. Eles
se beijam, depois comem mais pizza, e depois se distraem se beijando de novo.
Henry lambe um rastro de marca de pepperoni no antebraço de Alex, que
acaba se tornando uma fantasia que ele não sabia ainda que tinha. Eles se
enrolam no tapete, e Henry decide que vai levar Alex para velejar no próximo
final de semana, ou até mesmo para ficar na margem do rio, só para ver Alex
em contraste com o horizonte.
Em quatro-quase-cinco anos, a principal coisa que ele aprendeu é que
Alex é um mundo sem fim. Tudo que Henry quer é continuar com ele para
sempre. Continuar achando novas partes favoritas, continuar revirando as
coisas e estudando as barrigas macias deles e encontrando os melhores
pedaços.
Então, é isso que ele vai fazer.

Está nevando na Véspera de Ano Novo em 2024. Henry olha pela janela
e tira seu casaco.
Não faz tempo desde o Young America Gala, mas nada ia parar Nora,
June e Pez de darem uma festa de Ano Novo, especialmente agora que Pez
tem o seu próprio apartamento na cidade. Eles são os três destinos do circuito
social de feriados da Cidade de Nova York: nascimento (June, gerenciando os
convites), vida (Pez, topless), e morte (Nora, topless também).
“E se,” Alex diz, se virando para Henry nos pés das escadas, “nós não
formos à festa?”
“A Nora vai me matar,” Henry diz. “Ela me falou que não teria medo de
fazer isso agora que renunciei do meu título.”
“Assassinato ainda é um crime mesmo se você não for oficialmente um
príncipe.”
“Sim, mas ela disse, abre aspas” – ele prepara o seu melhor sotaque
americano – “ ‘Eles não podem mais me colocar na Torre. Quem vai me
prender agora? Mr. Bean?’ “
“Por que simplesmente não mandamos o Angus? Está escuro. Talvez
ela não vá notar.”
“Cadê o seu dublê, então?”
“Nós moramos em Nova York, tenho certeza que consigo encontrar
algum modelo homem em algum lugar por aí.”
“Como sempre, soando como a corda mais baixa da humildade.”
“Porra, isso é Shakespeare?”
“Henrique IV.”
“Eu vou te dar um cuecão, seu nerd do caralho.”
No final, não é muito difícil convencer Henry a ficar em casa.
Ultimamente, nunca está sendo difícil. Alex manda uma mensagem para June
com uma desculpinha fraca, então eles tiram os sapatos e se livram de suas
camisas.
Henry tem que admitir que está exausto, da maneira que só se pode
estar no último dia do ano, quando todos os outros dias do ano se acumulam
atrás dele. Foi um ano e tanto. O primeiro trabalho de Direito de Alex, a
imprensa interminável sobre a decisão de Henry de entregar o seu título, o
noivado, o casamento de Bea, o incidente com os tacos de croqué e o
Embaixador holandês no casamento da Bea. Às vezes Alex diz brincando que
eles espremeram tudo aquilo em um calendário de um ano porque nenhuma
manchete consegue durar muito se já tiver uma outra na próxima semana,
mas é só metade de uma piada. Eles estão mortos de cansaço por meses.
“Estou surpreso por você ser o que quer ficar em casa,” diz Henry. “Eu
me lembro de um jovem galinha que vivia para arruinar a vida das pessoas na
Véspera de Ano Novo.”
“Arruinar?” Alex diz. “Não é assim que eu me lembro, não.”
“Mas foi certamente desse jeito que pareceu ser naquela época.”
Eles se arrastam para a cozinha, passando por todos os traços do ano.
As flores secas, os novos arranhões na tábua de assoalho. A caixa de
manuscritos confinados da primeira coleção finalizada de
poesias-contos-ensaios de Henry. Os cartões comemorativos de senadores,
diplomatas e velhos amigos do Texas, e terminando com chave de ouro com o
preferido de Alex, um do Rafael Luna com o espantoso parceiro fitness dele,
vestindo suéteres de Natal que combinam. Henry teria achado que Raf foi
forçado a fazer aquilo caso o cartão não tivesse chegado junto com uma caixa
de cervejas, e um bilhete agradecendo por ter deixado ele ficar lá na última vez
que ele visitou Alex e tomou muito shot de tequila no bingo das Drags.
Alex retirou uma garrafa de Clicquot da geladeira e diz, “Nós não
estamos ficando para trás, né?"
“Estamos envelhecendo,” Henry ressalta.
“É verdade,” diz Alex, os olhos imediatamente faiscando com a
oportunidade. Henry suspira antecipadamente. “Você está com quase trinta
anos.”
“Quase vinte e oito não é quase trinta.”
“Basicamente é. Você está velho. Você vai ter trinta anos um ano inteiro
antes de mim. Estará tomando antiácidos e eu estarei na boate, tomando meu
–”
“Você nem se quer está na boate agora.”
“Eu poderia, só escolhi não estar, porque não quero ter que lidar com a
neve. Isso não é envelhecer, é amadurecer.” Ele passa uma taça de champagne
para Henry e acrescenta, “Acho que já está na hora de falarmos sobre sua lista
de Fazer Antes dos Trinta, hein?”
Henry pega a taça e escolhe ir na onda de Alex em vez de enfatizar que
ele apenas está quase saindo da casa dos vinte, e não morrendo.
“Na verdade, eu estou indo super bem até agora,” ele diz. “Escrevi um
livro. Criei uma ONG. Fiquei noivo do amor da minha vida.”
“Se envolveu num escândalo sexual internacional.”
“Troquei apertos de mão com todas as cinco Spice Girls.”
“Teve o melhor look do Met Gala.”
“Chorei na sala das Nenúfares, no Museu de Arte Moderna.”
“Deixou seu cabelo crescer e depois cortou tudo.”
“Aprendi sozinho a como fazer bife Wellington.”
“Bom, essa ainda está em progresso,” Alex disfarça. Henry dá um olhar
de afronta para ele. “Mas, sim! Com certeza. E você ficou muito bom em fazer
bolinhos scones.”
“Fiquei mesmo.”
“Exato,” Alex concorda. “Então o que falta? Correr pelado em público?
Usar LSD? Transar na ilha da nossa cozinha?”
Henry para um momento na última.
“Transar na ilha da nossa cozinha?”
Quando o relógio bate meia-noite para o Ano Novo, a casa está quieta.
O temporizador da lâmpada acima da varanda da frente apaga. A garrafa de
champagne descansa no meio das duas taças na beirada da pia, usadas e
grudentas em volta da borda, um único morango ensopado no fundo de cada
uma. A quilômetros de distância do apartamento deles, fogos de artifício
disputam com a neve sobre o East River, mas na cozinha deles em Park Slope,
os únicos sons são os deles dois.
Henry, com quase vinte e oito anos, pressiona o corpo morno dele no
mármore frio e ganha o seu beijo de meia-noite.
“Você sabe que dia é hoje?” Alex pergunta numa noite morna de
Setembro.
É 2025. Ele está no vão da parte do estúdio de Henry, onde Henry
passou a noite toda respondendo emails.
“Hm? Não.”
Quando Alex não quebra o silêncio logo em seguida. Henry olha além
da tela do seu notebook.
“O que é?”
“Cinco anos desde que a história vazou,” Alex diz.
Demora um instante para ele entender de que história Alex está
falando; teve tantas. Mas claro, ele quis dizer aquela gigantesca e horrorosa.
Aquela que mudou a vida deles para sempre.
“Oh,” diz Henry. Ele fecha o notebook, encostando na sua cadeira e se
afastando dele. “Bem. Odiei aquilo.”
“É,” Alex concorda “Zero de dez. Não faria de novo.”
O tom de voz dele é leve e casual, mas quando ele cruza os braços em
volta do peito, Henry consegue ver os óculos dele no bolso da frente da blusa
de flanela. Faz meses e meses desde a última vez em que Alex se sentiu
confiante o bastante para usá-los.
Da parte dele, Henry consegue lembrar bastante coisa daquele dia, mas
não tudo. Ele se lembra de estar misturando o açúcar no seu chá da manhã
quando Shaan chegou com uma expressão que Henry nunca tinha visto antes.
Pez chegando igual a cavalaria usando chinelos da Gucci, empurrando Henry
para longe dos seus assessores com o mesmo desdém gracioso que ele
direcionava para os colegas de classe de Eton quando eles começavam a
encarar muito. Ele lembra de Bea encontrando eles no salão de música e se
recusando a ouvir os pedidos de desculpa de Henry, e ele se lembra das
ligações de Alex e da chegada dele.
A parte engraçada, no entanto, é que ele não consegue se lembrar de
nada entre a Bea e Alex. Ele sabia que Philip estava envolvido, e que haviam
histórias em todos os canais de notícias, e que ele falou com a mãe dele em
algum momento. Mas o espaço no cérebro dele pertencente àquelas horas está
simplesmente vazio. O psiquiatra dele disse que é transtorno de estresse
pós-traumático, e Henry está propenso a concordar, considerando que eles
dois passaram o ano seguinte inteiro reajustando a medicação para ansiedade
e depressão de Henry acerca do acontecimento.
Aquelas horas se foram para sempre. Tem coisas que ele nunca terá de
volta.
Mas na maioria das vezes, quando ele pensa naquele dia, a segunda
pior coisa que já aconteceu com ele, ele pensa na mão de Alex na dele debaixo
de uma mesa no Palácio de Buckingham. Ele se lembra, clara como um sino,
da voz de Alex dizendo a ele que eles sobreviveriam a isso juntos. Aconteceu
com Alex também. Não era o que eles teriam escolhido, mas foi o que eles
receberam, e eles tirariam o maldito melhor proveito disso.
Ele se ergue da escrivaninha dele, cruza a porta, e ergue Alex contra o
peito dele. A diferença de tamanho deles não é tão nítida assim – Henry é
mais alto porém esguio, Alex é mais baixo porém robusto – mas em
momentos como esse, ele é grato pelo jeito como a bochecha de Alex se alinha
perfeitamente com a curva do pescoço de Henry. Ele é grato pelo quão fácil é
para dar um beijinho na têmpora de Alex.
Nenhum dos dois diz mais nada. Já foi dito milhares de vezes, em
discursos e em declarações oficiais e no escuro quando são só eles dois. É o
suficiente ficar aqui em pé no centro da casa, no silêncio, e deixar isso segurar
o peso deles.

No final de 2025, Henry tem um dia ruim.


Não tem nada específico que tenha causado isso. Às vezes o dia só fica
assim, mesmo com toda a terapia e medicação e apoio e a realização de
projetos criativos no mundo. Existem outras pessoas, ele supõe, que não
passam a vida delas esperando pelo próximo dia ruim. Ele teve todo o tipo de
luxo, menos esse.
Alex chega do trabalho e o encontra no escritório, enrolado na poltrona
e encarando pela janela o céu da noite cheio de luzes acima de uma fileira de
casas do outro lado da rua.
“O que você está fazendo?” Alex pergunta.
“Procurando pela constelação de Orion,” Henry responde impassível.
Alex se ajoelha no tapete com as suas calças sociais feitas sob medida,
enrola as mangas da camisa, e encosta a bochecha nos joelhos de Henry, do
jeito que ele sempre faz quando Henry não está de bom humor. Os dedos de
Henry deslizam até os seus cachos. Eles cresceram um pouco com o decorrer
dos meses. Ultimamente, Alex se parece bastante com ele quando eles se
conheceram, exceto pelos óculos e pela barba rala que escurece seu maxilar.
“Estou cansado das empresas grandes de Direito,” Alex confessa.
Parece que ele estava de mau-humor também. “Sei que só faz um ano e meio,
mas… eu meio que odeio isso.”
Henry percebe aquilo, de acordo com os círculos escuros em torno dos
olhos de Alex.
“Você sabe que não precisa fazer isso,” Henry diz a ele.
Alex olha para ele do mesmo jeito que ele olhou quando eles acordaram
juntos pela primeira vez, naquele quarto em Paris, como se a única coisa que
ele soubesse sobre o que estava sendo oferecido a ele era que ele queria
completamente aquilo. É um olhar intimidador de se receber, mas no final de
tudo, a única coisa que ele fazia era melhorar a vida de Henry.
Ele beija o nó do dedo de Henry, bem abaixo da aliança.
“Tenho algumas ideias.”

Em fevereiro de 2026, uma gripe se arrastou por Park Slopes. Nem


Alex nem Henry conseguem concordar em quem passou para quem – Henry
sabe que foi Alex, já que ele tem ficado acordado até tarde, consultando com a
mãe dele sobre um projeto de lei sobre direitos de voto no Texas, e o sistema
imunológico dele sempre sofre quando ele fica chateado sobre o Texas – mas
independentemente, eles ficaram presos em casa por uma semana. Pelo
menos Alex não teve que trabalhar mesmo estando doente igual ele sempre
faz, já que ele se demitiu mês passado.
Lá pelo quinto dia, Henry se dá conta de que é o maior tempo
consecutivo que eles dois passam em casa em anos. Parece que eles estão
sempre indo ou voltando: fugindo de aparições, saindo de trailers com o terno
desarrumado, encontrando Cash na calçada às três da manhã com bolsas por
cima dos ombros dele. É legal, de certa forma, se reconhecer nesse lar que eles
construíram juntos.
Enquanto Alex cochila, Henry anda nervosamente pelo assoalho.
O primeiro andar, com aquela grande sala de estar e as vigas de
madeira originais e a cornija da lareira, que Henry restaurou, porque a
história das coisas sempre foi preciosa para ele. Depois a cozinha, com os
armários azul-escuros, e a larga janela acima da mesa de jantar de madeira de
pinheiro retorcida, que foi dada de presente pelo pai do Alex. Lá em cima, no
segundo andar, o quarto de hóspedes e todos os cremes de mão preferidos da
mãe de Henry no banheiro ao lado, e a salinha de visitas com a estante de
estatuetas de cisnes que Pez começou a colecionar anos atrás, quando ele teve
um anseio dramático para se encaixar nas coisas que June gostava. Mais uma
viagem para o andar de cima, onde estão o estúdio de Henry e o escritório de
Alex, o corredor com a foto deles no casamento do Shaan e da Zahra, e bem no
final, o quarto deles.
O quarto é a parte da casa favorita dele, e não só pelos motivos óbvios,
não importa o quanto Alex tente insinuar o contrário com sobrancelhas
provocantes. Ele ama o teto alto e o medalhão de gesso lascado em formato de
rosas que fica no centro. Eles escolheram a cama juntos, e toda manhã que ele
acorda nela, ele se vira e vê as canetas soltas de Alex e o lenço de limpar os
óculos dele espalhados no topo da cômoda, e sabe que isso, a vida dele, ainda
é real. Talvez ele goste mais do quarto porque parece separado de cada outra
parte da casa, acima de tudo e isolado, e parece ser a primeira vez em que ele
se sente seguro em uma torre.
E o mais importante de tudo, de todos os três níveis de janelas salientes
que se projetam da parede dianteira de tijolos vermelhos da casa, só a do
quarto tem um assento. Eles o encheram de travesseiros de veludo e
almofadas verde-musgo, e uma ou duas vezes por ano, em um dos raríssimos
dias calmos, Alex vai se estirar ali e cair no sono.
É ali que ele encontra Alex quando ele entra cuidadosamente no quarto
com uma tigelinha de sopa em cada mão. Ele reconhece a colcha enrolada em
volta dele: eles dormiram debaixo dela na cama de solteiro da infância de Alex
na noite em que Ellen ganhou a presidência pela segunda vez, e depois Alex
enfiou-a na mala dele e a trouxe com ele para Washington.
Ele se mexe conforme Henry põe as tigelas na cômoda.
“Obrigado,” ele diz com uma voz rouca.
Henry se enfia ao lado dele, removendo cuidadosamente os óculos dele
debaixo do seu cotovelo antes que eles sejam esmagados.
“Você sabia que,” diz Henry, “eu escolhi essa casa por conta das janelas
salientes.”
Alex pisca para ele, completamente acordado agora. “Sério?”
“Imaginei que você fosse gostar. Você sempre falou sobre aquela na
casa em que você cresceu. Esperei que elas pudessem deixar a casa com uma
cara de lar.”
Alex sorri. “Elas deixam.”
Henry olha para ele em sua colcha, numa confusão pós-sono e corado
por conta do calor, e precisando fazer a barba, e ele se lembra daquela noite na
casa amarela em Austin. Antes de conduzi-los para a sua antiga cama, Alex
levantou a almofada do assento na janela da sala de estar, e mostrou a Henry
folhas com rabiscos do ensino fundamental que ainda estavam escondidas ali.
E contou a Henry que, uma vez, pensou em esconder uma foto ali também, se
pelo menos ele tivesse a coragem de rasgá-la da revista da irmã dele. Henry
descobriu que o amor tem um jeito de crescer para trás. Você se apaixona por
uma pessoa no presente, e depois cada pessoa que você já foi tem a
oportunidade de se apaixonar por cada versão passada dela. Um calouro da
Georgetown que nunca tem tempo para dormir se apaixona por um estudante
do segundo ano de Oxford que está experimentando deixar o primeiro botão
da camisa desabotoado às vezes. Um adolescente de bochechas coradas e o
nariz enfiado em um livro ama um capitão de lacrosse respondão. Um garoto
chega em casa depois da escola com notas perfeitas e vê uma foto numa
revista, e o garoto da foto está posando na escadaria de um palácio..
O xis da questão é que, Henry ama cada versão de Alex que já dormiu
sob aquela colcha. Todo o resto é parte do cenário.
“Estou pensando em uma coisa,”
“Parabéns,” Alex responde impassível automaticamente. E então diz,
“Me conta.”
“Essa vida que nós temos aqui,” Henry diz. “Essa casa. É boa, né?”
“Sim, claro que é.”
“Mas nós poderíamos ter uma vida em um outro lugar também.”
Alex franze as sobrancelhas. “Tipo onde?”
“Algum lugar mais… longe de tudo, talvez? Algum lugar em que nós
pudéssemos viver com mais calma, e que as coisas pudessem ser mais quietas,
e você pudesse trabalhar com o que você quer. Eu poderia tirar um tempo de
tudo, honestamente. Talvez eu nem precisasse de um dublê mais.”
Alex considera sobre aquilo por um bom tempo. Eles dois sabem sobre
qual lugar Henry está falando, mesmo que ele não tenha dito. Fora Nova York
e DC, e Londres em seus melhores dias, só existe um único lugar onde Alex
realmente consideraria morar. Eles já brincaram sobre isso antes, mas Henry
sempre achou que seria legal passar alguns anos em um lugar completamente
diferente dos que eles estão acostumados. Um lugar onde ele pudesse ver as
estrelas.
Por fim, Alex funga e diz, “Você vai demitir Angus? Eu estava
começando a gostar dele.”

“Se você não acordar Bea, você vai ter que aguentar ela falando sobre os
espasmos musculares nas costas dela de manhã,” diz uma voz que certamente
não é a do Heath Ledger. Henry acorda sobressaltado e encontra Alex
inclinando sobre o ombro dele por trás do sofá, cachos por toda parte. A sala
está escura, e os créditos finais estão passando na TV.
“Você ia chegar só amanhã,” Henry murmura.
“Mudei o meu voo,” Alex diz. Ele está tão perto do rosto de Henry, que
acabou o deixando um pouco vesgo. Seus lábios saltam para a ponta do nariz
de Henry. “Senti sua falta.”
Só foram alguns dias, mas a verdade é que Henry sentiu saudades dele
também. Ele supõe que já era para estar acostumado com camas vazias e
horários diferentes à essa altura, mas ele suspeita que ele nunca vai parar de
esperar na porta.
“Sabe qual vai ser a melhor parte de se casar?” Henry pergunta a Alex.
“Os passinhos de dança.”
“O fato de que não vou ter que sentir sua falta com a mesma frequência
que sinto agora.”
Alex suaviza, e depois manobra por cima do braço do sofá até ele estar
estendido no colo de Henry. David sobe no topo dele e se encolhe no lado
esquerdo de Alex.
Deixar aquela casa vêm sendo difícil, mas aquela decisão em particular
foi fácil, quando eles finalmente falaram ela em voz alta. Uma saída gradual e
cuidadosa da vida pública, pelo menos por alguns anos. Eles tiveram tanto
deles mesmos entregues ao mundo, e tiveram o privilégio de sentir um legado
sendo formado abaixo deles, mas eles também precisam descansar.
Foi June quem convenceu eles, na verdade. Mesmo agora, tem coisas
que só June consegue dizer a Alex. No começo da primavera, quando ela
estava saindo do seu trabalho de escritora de discursos para Raf, ela ligou para
Alex enquanto estava no Colorado e contou a ele que ela ia se mudar para
Nova York para ficar mais perto de Nora e Pez, e que ela queria sublocar a
casa deles. Quando Alex enfatizou que ainda está morando nela, ela disse,
“Nós dois sabemos que faz seis meses que você está procurando por casas de
fazenda em Austin, está na hora de cagar ou de sair da moita.”
(Henry ama a coleção particular de americanos dele. Eles realmente
falam o que dão na telha.)
A casa nova é linda. Henry só a viu pessoalmente uma vez, mas o dono
anterior era um executivo técnico reservado com um bom gosto
surpreendente, então a casa foi a estrela da revista Architectural Digest ano
passado. Ele ficou com aquele artigo aberto numa aba no celular dele por dois
meses, e ele rolava por aquelas fotos perfeitamente iluminadas duas vezes por
dia, sonhando com as possibilidades. Manhãs preguiçosas num amplo jardim
de inverno, mergulhos no lago à meia-noite. É fácil imaginar Alex preparando
um churrasco e enrolando Tamales seguindo a receita do seu pai lá fora, e é
tão fácil também imaginar eles na casa dos trinta anos curtindo debaixo de
árvores de cedro e decidindo que eles estão prontos para o próximo round. E
uma coisa maravilhosa, é que eles podem levar o tempo deles de qualquer
maneira.
Não é uma libertação total das obrigações deles, mas é o próximo passo
depois de renunciar formalmente do título dele. Mais limites, mais das
próprias regras deles sobre o que eles vão fazer e o que não vão. Sem
casamento Real, mas sim uma cerimônia privada na casa do lago e uma
lua-de-mel abrindo caixas. Um trabalho para Alex numa pequena firma onde
ele finalmente possa colocar a mão na Terra. Uma vida sossegada.
“Você está certo,” diz Alex. “Sabe o que mais vai ser incrível sobre a
vida de casados? Nós podemos ter um encontro de verdade. Imagina só: refis
de graça e batatas com salsa ilimitada.”
“Oh, eu tenho outra,” Henry diz. “Você finalmente pode me mostrar
como fazer compras no H-E-B.”
“Amor, não fale sacanagem para mim na frente das visitas.”
“Por favor,” diz uma voz grogue vinda do sofá.
“Oi, Bea.”
“Que horas são?”
“Uma da manhã.”
“Ugh.”
Resmungando e enrolando um cobertor em volta de si mesma, Bea
acorda Pez e os dois se retiram para poderem tomar banho antes de cada um
ir para a cama. As probabilidades de Pez voltar para dormir no sofá ou de se
aproveitar da cama deles para então Alex ter que dormir no sofá são mais ou
menos iguais, baseando-se em seis anos de Pez dormindo na casa deles. É
confortante saber que quando eles saírem da casa e June se mudar, Pez ainda
vai se sentir à vontade ali.
No andar de baixo, rodeados de caixas, Alex rasteja para fora do colo de
Henry e desliza uma grande sacola de compras de trás do sofá.
“Trouxe uma coisa para você,” diz Alex.
Dentro da sacola está uma caixa feita de um tipo pesado de papelão que
prediz algo caro. Ele imagina Alex arremessando a bolsa de viagem de couro
dele no compartimento superior do avião, e depois colocando essa sacola em
cima do banco tão cuidadosamente a ponto de não ter nem um amassadinho
no papel.
Ele tira a tampa da caixa e desfaz as camadas de papel-seda, e um
chapéu é revelado. Um chapéu de caubói. É feito de um lindo e grosso feltro,
com uma coroa de boiadeiro e um forro de cetim. Um quase idêntico a esse
ficou pendurado na parede do escritório de Alex desde que ele se mudou,
exceto que o de Alex é preto e o de Henry é de um bege claro e quente. Onde a
fita do chapéu de Alex tem uma pequena fivela de ouro, este tem um broche de
prata em formato de uma rosa inglesa.
“É um Stetson,” Alex diz. Quando Henry o olha, as bochechas dele
coram suavemente. “Eu sei que não é muito sua cara, mas você realmente
anda a cavalo, e de onde eu venho é meio que uma grande coisa ter o seu
primeiro Stetson, e eu queria ser a pessoa que te dá o seu primeiro de
presente, já que agora você vai ser um texano honorário. Você não precisa
usá-lo se você não quiser –”
“Eu amei,” Henry interrompe.
Alex pausa, e depois abre um sorriso. “Você amou mesmo? Eu estava
com medo de você achar que era uma piada.”
“É o chapéu menos ridículo que eu já ganhei,” Henry conta a ele. “Ele
nem sequer vem com um fraque combinando.”
“Nah, mas talvez nós possamos comprar uma roupas da Wrangler,”
Alex diz.
“Algumas calças de couro, talvez.”
“Eu acabei de te falar para não falar sacanagem para mim.”
Henry ri e o beija por cima da caixa aberta, pensando no próximo ano
da vida deles. Cafés da manhã de domingos, cachoeiras, um bolo de
casamento que não acabe esparramado no chão. Amanhã ele precisa
perguntar a Alex se ele confirmou tudo na confeitaria enquanto ele estava em
Austin, e se eles tem mais alguma fita adesiva para embalagem, e se a filha da
Amy já recebeu o vestido de florista dela.
Mas, hoje à noite, Alex está em casa um dia mais cedo, e a casa toda
está fazendo todos aqueles sons suaves e familiares da noite em volta deles.
Ninguém vê através da janela. Ninguém passa pelo portão.
“Henry,” diz Alex.
“Alex,” diz Henry.
“Você e eu,” Alex diz.
“Você e eu,” Henry concorda.

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