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Halice FRS

Proibido
pra
Mim
Copyright © Halice FRS
Todos os direitos reservados. Proibida a distribuição ou cópia, integral ou parcial dessa obra sem o
consentimento por escrito da autora.
Criado no Brasil
***
Imagens da capa: Can Stock Photo
Arte da capa: Naty Cross
Proibido pra mim nasceu durante um passeio à Bahia, escrita ao som local, com carinho, ao longo
de três semanas. Eu me apaixonei pelas personagens desde o primeiro instante. Espero despertar em
vocês o mesmo sentimento.
Agradeço a Deus pela inspiração constante. À Edivania e a Cris por agregarem valor. E a todas as
leitoras amigas pelo incentivo incondicional.

Dedico a minha mãe, sempre.


Índice
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Um

Acordar todas as madrugadas às 3h15 nunca seria agradável, e parecia que nunca mudaria. A
primeira vez despertou ao toque do telefone, quando recebeu a notícia do acidente sofrido por seu
marido. Ela não falhou em acordar todas as outras desde então.
Na madrugada fatídica Norah saiu da cama aos tropeços e se vestiu como pôde enquanto explicava
o ocorrido aos sonolentos filhos: Cássio e Eliza. Os três seguiram para o hospital em silêncio,
esperando o pior.
Que se confirmou.
Téo Mendes faleceu antes que recebesse os primeiros atendimentos hospitalares. Partiu aos 44
anos deixando uma inconformada viúva, inconsolável até mesmo pelos filhos que igualmente sentiam
a perda do pai.
Para Norah era inconcebível que um homem amoroso e competente, ainda novo, pudesse morrer
num acidente estúpido no qual o carro sequer sofreu sérios danos ao colidir contra o poste. Sua
revolta foi contida durante as despedidas finais, contudo, uma vez sozinha, ela extravasou sua fúria,
tristeza e dor nos objetos de seu quarto.
Ignorando os chamados dos filhos que batiam na porta trancada, Norah quebrou abajures, frascos
de perfumes, porta-retratos, quadros, espelhos, vidraça, tudo. O único objeto que restou foi o velho
violão – presente de seu pai – que ela mantinha sobre uma baqueta como decoração uma vez que não
sabia tocar uma nota sequer.
Ao segurar o violão pelo braço e se posicionar para batê-lo contra a parede, Norah se lembrou de
como ela e o marido se divertiam ao tentar tocá-lo, em como riam com o som horrível que produziam
e em como prometiam se inscrever num curso no dia seguinte. Nunca fizeram. Talvez como um
entendimento mudo de que era divertido do jeito que faziam.
Não, ela não poderia destruir o violão.
Por essa razão ele estava lá, sobre sua banqueta decorando o quarto totalmente recuperado do
ataque feroz que sofreu sete anos atrás, “olhando” para a dona que, mais uma vez, acordou às 3h15
da madrugada com o silêncio, mas sobressaltada como se o telefone tocasse insistentemente.
Como das outras vezes, Norah se levantou, foi até a cozinha para tomar um pouco de água e seguiu
até os quartos dos filhos.
Eliza, agora com 22 anos, dormia profundamente ao lado de seus livros de odontologia. Norah
sorriu, os recolheu e os deixou sobre a mesa do computador antes de sair.
Para variar, Cássio não estava na cama. Mas sua mãe sorriu da mesma forma antes de fechar a
porta e seguir para o próprio quarto.
O rapaz era ajuizado e não se esperava que um solteiro de 25 anos estivesse em sua cama numa
madrugada de sábado. Depois de uma semana desgastante na qual seguia os passos do pai atuando
como técnico em logística – esperava-se que também chegasse à gerência da área –, Cássio tinha
todo o direito a alguma diversão.
Norah aprovava até mesmo as companhias do filho. Não tinha dúvidas de que ele estaria
compondo o “quarteto fantástico”. O apelido fazia jus aos quatro garotos, amigos desde a infância ou
adolescência.
Cássio era o mais bonito de todos; evidente! E havia Marcos, Denis e Caio. O grupo era, de fato,
bonito. Todos os meninos combinavam em muitos aspectos. Eram educados, divertidos; responsáveis
acima de tudo.
Até onde Norah sabia – com exceção aos chopes e caipirinhas nos finais de semana –, nunca se
envolveram com drogas ilícitas, em brigas, rachas ou quaisquer coisas que jovens menos
desajuizados costumavam aprontar.
Resumindo, não tinha com o que se preocupar! Norah pensou ao se deitar.
Seu estúdio de fotografia ia bem, obrigada! Não fosse pelo hábito involuntário de acordar no meio
da madrugada, ela poderia dizer que era feliz.
Pumft! A quem queria enganar?
Capítulo Dois

– Bom dia! – Norah cumprimentou o filho ao vê-lo entrar na cozinha.


– Nossa! – Cássio resmungou antes de praticamente desabar na cadeira. – Precisa gritar?
– Já vi que a noite foi divertida. – Ela reprimiu um sorriso quando o filho apoiou a cabeça nas
mãos antes de voltar a preparar o café da manhã. – O que fizeram de bom?
– Caio deu uma festa – respondeu ele, ainda com a cabeça apoiada.
– Algum motivo especial? – Norah perguntou por perguntar, mexendo os ovos que quebrou na
frigideira.
– Que nada! Era só pra reunir todo mundo. Foi divertido, mas aquele sem noção com certeza quer
matar meia dúzia de nós com as caipirinhas que prepara.
– Você não veio dirigindo, não é mesmo?
Essa era uma preocupação real, apesar de desnecessária, pois Norah sabia a resposta.
– Claro que não! – Cássio se levantou e foi até a mãe para abraçá-la por trás e apoiar o queixo em
seu ombro. – Eu jamais faria isso com a senhora.
– Ou com você – ela emendou agradecida pelo cuidado.
– Certo! – ele a beijou no rosto e se afastou. – Com nenhum de nós. Cadê a Eli?
– Saiu logo cedo. Foi estudar na casa de uma amiga. Agora senta aí e coma.
– Sim, senhora... – Cássio sorriu e a obedeceu, servindo-se do que já estava disposto sobre a
mesa. – Não vai comer comigo?
– Não. Apareceu um trabalho extra e urgente, então tenho um ensaio para essa manhã lá na lagoa.
Depois de beijar o alto da cabeça do filho, Norah seguiu para seu quarto. Tinha realmente trabalho
a fazer e agradecia por isso.
Os anos haviam passado. Agora era uma viúva conformada, mas restava o vazio no peito. Não
preenchido nem com o amor pelos filhos. Sua assistente, Anita Rezende, dizia que ela estava
depressiva, Norah não iria tão longe.
Não ter ânimo para as atividades sociais não configurava depressão. Era extraordinário querer
ficar quieta em seu canto? Estava com 42 anos, seus filhos tinham crescido e cada um seguia seguro
rumo ao futuro escolhido. O que mais ela iria querer?
Bastava ter trabalho durante o dia, um bom livro ou filme durante a noite e nada mais.
Enquanto se arrumava após um rápido banho, Norah ouviu a ruidosa invasão em sua cozinha e
sorriu, livrando-se do devaneio. O quarteto estava novamente reunido como se os garotos não
tivessem passado a madrugada na mesma festa.
Depois de vestir sua costumeira calça jeans e um casaquinho de malha preta, prender o cabelo
castanho num rabo de cavalo, calçar sapatilhas confortáveis e pegar a bolsa com parte de seu
equipamento, Norah deixou o quarto.
– Tia Norah! – exclamaram os rapazes que rodeavam a mesa da cozinha a guisa de cumprimento
quase em uníssono.
Quase, pois, como sempre, a voz de Caio foi a última a ser ouvida; intimista, incerta. Detalhe que,
também como sempre, fez com que Norah olhasse diretamente para ele.
O rapaz não lhe sorria como os outros, mas nunca lhe causou estranheza.
Caio Ressali se mostrava sério diante dela desde a primeira vez que o viu, quando Cássio o
apresentou, aos 14 anos. Na ocasião a família dele tinha vindo de Sapucaia, interior do Rio, para a
capital e se instalado naquele condomínio, na Praça Afonso Pena.
Anos depois os Ressalis se mudaram para Niterói, mas a amizade entre os meninos perdurou.
Atualmente, até onde Norah sabia, Caio morava sozinho, no Catete. E talvez essa condição não
mudasse tão cedo, segundo sua fama de “pegador”.
No dia seguinte ao enterro de Téo, o rapaz – então com 18 anos – lhe fez uma visita inesperada.
Inicialmente Norah acreditou que ele estivesse à procura do amigo, porém Caio deixou claro que foi
até ali por ela. Todo o tempo todo se mostrou condoído por sua perda.
Na ocasião Caio lhe segurou a mão e a beijou antes de espalmá-la aberta na própria bochecha.
Norah não entendeu o gesto, mas se comoveu, e chorou mais. Paciente, Caio ficou ao seu lado até que
Cássio chegasse, quando então foi consolar o amigo.
O menino sempre a tratou por tia, como os demais, mas a palavra saía forçada nos últimos anos.
Quando entrou na cozinha, Norah notou que Caio sorria divertido – um tanto convencido – com as
gracinhas de todos ao comentar as cenas inusitadas da noite anterior, mas bastou vê-la para que
perdesse o entusiasmo.
Para Norah era o natural, então não se importou. E também, como sempre, apenas lhe sorriu
afetuosamente.
– Como estão vocês? – perguntou ela a ninguém em especial, deixando sua bolsa sobre a pia, ao
lado de Caio.
Este se moveu, afastando-se minimamente, e cruzou os braços.
– Muito bem, tia Norah! – Denis falou alto demais, batendo no ombro de Cássio. – Já seu filho não
pode dizer o mesmo. Acho que ele tá ficando velho.
– Velho é a porr...
– Olha a boca! – Caio o repreendeu antes que Cássio completasse o palavrão.
– Obrigada, querido! – Norah lhe bagunçou o cabelo escuro no alto da cabeça, como fazia com
todos ao praticarem uma boa ação, alheia ao travar de lábios e a expressão de desagrado do rapaz.
Para o filho, falou: – Nada de palavrões aqui, esqueceu?
– Isso mesmo tia Norah! – Marcos a encorajou, também algumas notas acima do normal. – Bota
ordem nesse barraco!
– Vou acreditar que não seja preciso – Norah gracejou, recuperando sua bolsa. – Tenho trabalho a
fazer, então se comportem. Tchau meninos.
– Tchau, mãe!
– Tchau, tia Norah!
Norah riu ao ouvir a despedida em três vozes uníssonas e a voz de Caio.
Talvez fosse timidez, considerou.
Capítulo Três

A manhã de sábado estava perfeita. Apesar de ser inverno, o clima era ameno. As modelos a serem
fotografadas pareciam apreciar o trabalho ao ar livre, sem se importarem com o dia da semana,
mudando de roupa e pose com animação e profissionalismo.
Com a boa vontade da equipe o trabalho foi proveitoso e as provas ficaram ótimas. Praticamente
100% de aproveitamento. Se encontrasse um novo livro, um interessante para ser sua companhia
durante a noite, o que mais havia de querer?
– Eu tenho que reconhecer – disse Anita, analisando um negativo, chamando-lhe a atenção. –
Apesar de sua depressão você não perdeu a mão.
– Eu não estou depressiva – Norah retrucou enquanto analisava outro negativo. – Esse assunto já
deu.
– Pra você, que está depressiva – a assistente insistiu. – Se não estivesse não ligaria pro que eu
digo.
– Alguém que não tem determinado problema não gosta que inventem moda – replicou. – Eu. Não.
Estou. Depressiva!
– Então. Prove! – Anita a imitou na ênfase pausada antes de sorrir conciliadora. – Vamos sair essa
noite. Está passando um filme ótimo. Um romance adaptado. Você vai...
– Aquele com o casal de adolescentes doentes?! – Norah baixou o negativo e retirou seus novos
óculos (para resolver sua recém-descoberta hipermetropia). – Você diz que estou depressiva e
recomenda que eu veja um filme que deixa todo mundo arrasado?! Eu já li o livro, gostei, mas passo
essa!
– Certo! Certo! Pode ser outro...
Norah analisou sua assistente. Anita era jovem. Estava com 29 anos, era casada e animada. O
marido não se importava que saísse com as amigas às vezes. E sempre que convidava sua patroa
recebia a mesma resposta definitiva.
– Não quero sair. Estou bem como estou, obrigada!
– Você que sabe – Anita deu de ombros. – Não custa tentar, afinal já se passou seis anos desde a
morte de Téo. Sei o quanto você sofreu, mas é hora de seguir em frente. Sair, ver gente nova,
conhecer um homem interessante e quem sabe...
– Não tem “quem sabe” para mim. – Norah novamente a cortou, começando a se aborrecer de
verdade. – Não quero conhecer outra pessoa. Ninguém pode substituir meu marido.
– E quem está falando em substituir? Cada pessoa tem sua própria bagagem, seu jeito de ser... Sei
que sua história com Téo era perfeita, mas isso não significa que não possa viver outra, diferente,
com outro homem.
– Já disse que estou bem como estou. Podemos mudar esse assunto? – Norah esperava que sua
impaciência estivesse explícita no tom.
– Você lembra o que é gozar?
– O quê?! Que pergunta é essa agora? – Norah se levantou aviltada. Quando Anita abriu a boca
para respondê-la, não deixou que falasse. – Quer saber? Por hoje não preciso mais de você... Vá
para casa e tente se ocupar com a sua vida.
– Norah, eu...
– Vá de uma vez antes que eu perca a paciência!
Não era do feitio de Norah ser grosseira, mas Anita, realmente, ultrapassou todos os limites. Que
pergunta mais descabida! A assistente sabia que Téo fora o único homem com quem se relacionou.
Casou-se cedo, aos 17 anos, por engravidar de Cássio.
Com o marido Norah foi feliz até receber a maldita ligação às 3h15 da madrugada.
Certo, Norah pensou ao se sentar, já sozinha. Anita era a única amiga que possuía – uma vez que
todas as outras não aguentaram seu recorrente mau humor dos primeiros meses de viuvez –, mas isso
não dava a ela o direito de ofendê-la.
Certo, ela pensou mais uma vez, talvez Anita não a tenha ofendido. Não era novidade que muitas
mulheres procuravam por companhia masculina somente para suprirem suas necessidades físicas.
Sem compromisso, sem afeto.
Se esse foi o caso ao perguntar sobre orgasmos, a amiga deveria saber que ela não fazia o tipo.
Não sentia falta de sexo.
Sentia falta do amor... do Téo.
Capítulo Quatro

Bem, verdade fosse dita, Norah considerou as palavras de Anita e de verdade tentou.
À noite, depois que Eliza saiu com Leandro, o namorado, e Cássio foi se encontrar com os amigos,
ela se arrumou – vestiu calça, camiseta, jaqueta, calçou um par de scarpins, prendeu o cabelo num
rabo de cavalo – e saiu.
Norah dirigiu pela orla, depois a esmo, sem saber ao certo para onde ir. Então seguiu para a Lapa.
Depois de estacionar o Honda Fit vermelho numa rua não muito distante, caminhou até os tantos
bares próximos aos arcos.
A agitação tomava conta até mesmo das calçadas. Norah viu gente bonita, risonha, divertida e
quase, quase foi contagiada pela boa vibração do lugar.
Quase, pois, ao reparar os tantos casais sentiu o vazio de seu peito se expandir e reavivar a dor.
Não queria, mas sentiu inveja que quem ainda tinha seu par quando ela era obrigada a viver sem o
dela. Um que partiu cedo demais.
Ressentida com a injustiça sofrida, Norah fez o caminho de volta – passando por uma livraria que
encontrou fechada – até seu apartamento.
Antes de entrar ouviu as vozes vindas do interior. Encontrou o quarteto completo. Marcos e Denis
estavam sentados no sofá, Caio estava parado à janela enquanto Cássio zanzava pela sala discando
freneticamente em seu celular.
Imediatamente os quatro rapazes olharam para Norah e suspiraram. Sim, suspiraram como se ela
tivesse despertado de um coma, ou algo assim.
– Mãe! – Cássio veio até ela antes que desse mais um passo. – Onde esteve?
Norah uniu as sobrancelhas e olhou de um ao outro.
– Eu saí – respondeu o óbvio, estranhando o tom do filho.
– E foi aonde? Com quem? Por quê?
– Eu quis sair e saí – ela disse ainda com estranheza. – Por que tantas perguntas?
– Porque não sai desde que... – o filho se interrompeu. – Não sai simplesmente por sair. Eu voltei
para buscar minha carteira e a senhora não estava. Tô feito um louco ligando e a senhora não atende.
Nem a Eliza... O que eu deveria pensar?
– Desculpe por isso. – Norah realmente se arrependeu de ter saído sem avisar. – Não era minha
intenção demorar, nem você saberia se não tivesse voltado.
– A senhora saiu escondida?! – Cássio engasgou, seu rosto ficou vermelho. – O que é isso agora?
Ou não é de agora? A senhora está saindo com alguém?!
A pergunta trouxe uma nova e estranha tensão ao ar. Era como se a resposta fosse esperada não
somente por quem a fez, mas por todos os presentes, especialmente por Caio que pareceu se
empertigar junto à janela.
– Calma cara – pediu Marcos, indo até o amigo.
– Calma porr... porcaria nenhuma! Não estamos falando da tua mãe, mas da minha. Quem é o cara?
– Cássio perguntou para a mãe.
– Deixe de história, menino! – ralhou Norah, ignorando todos os outros garotos. – E já que cheguei
inteira, e sozinha, vá e aproveite o resto da noite. Como você bem lembrou “eu” sou a mãe. Você
deve satisfação para mim, não o contrário.
– Mas, mãe...
– Sem “mas”... Agradeço a preocupação. Prometo avisar caso saia novamente, mas é só isso. Boa
noite, meninos!
– Boa noite, tia Norah! – disseram Marcos e Denis. De Caio, Norah nem ouviu a voz, mas não se
voltou para olhá-lo, nem esperou que Cássio dissesse mais nada.
Não gostou de sair de sua bolha, dificilmente faria uma nova tentativa, mas não permitiria que seu
filho tomasse às vezes de homem da casa e a proibisse do que quer que fosse. Ainda mais diante dos
amigos.
Sim, gostava de todos eles, mas não queria ter sobre si os olhares ansiosos de Marcos e Denis, ou
até mesmo o acusador de Caio. O que foi aquilo afinal?
Nunca saberia, pois não perguntaria.
Tudo que Norah queria era tomar um banho morno, comer qualquer coisa, deitar na companhia de
um livro repetido para então dormir.
E acordar às 3h15.
Capítulo Cinco

Na manhã seguinte o silêncio reinava à mesa do café. Eliza tentou entabular vários assuntos sem
que fosse bem-sucedida. A certa altura, afetada pela carranca da mãe e do irmão, ela indagou a
nenhum dos dois em especial:
– Um de vocês vai me dizer o que está acontecendo?
– A tua mãe tá tendo um caso – Cássio ciciou.
– O quê?! – Norah praticamente cuspiu seu café com leite.
– É verdade, mamãe? – Eliza a encarou com um sorriso radiante. – Até que enfim!
– Tá maluca?! – Cássio rosnou para a irmã.
– Quem está maluco é você! – Norah retrucou ao filho. – De onde tirou essa ideia? Tudo isso só
porque saí ontem à noite?
– A senhora saiu? – Eliza se admirou, mostrando-se mais encantada. – Que maravilha! Já era hora
de voltar a viver! Papai morreu há...
– Cala a boca, garota! – O rapaz estava vermelho como na noite anterior. – Pra viver a mamãe não
precisa ficar se esfregando pela rua.
– Vem calar! – Eliza o desafiou como se ambos ainda fossem crianças.
– Parem já vocês dois! – Norah alteou a voz. – Eu não estou me esfregando com ninguém! Eu só
saí para passear, droga! Não posso?
– Eu digo que deve. – Eliza ignorava os resmungos do irmão. – E sou super a favor de a senhora
arrumar uma pessoa. Ninguém nasceu para ser sozinho. Como eu dizia, papai morreu há seis anos,
quase sete daqui a uns dias.
– A mamãe não está sozinha – Cássio rebateu. – Ela tem a gente.
– Ah, tá! Deixa de frescura, garoto! Você entendeu muito bem o que eu disse. Mamãe precisa de
alguém pra beijar, pra abraçar, pra...
– Fala pra essa garota que a senhora não pensa nessas coisas – Cássio quase gritou.
– Eu vou é encerrar esse assunto. – Norah se levantou decidida. – Vou revelar umas fotos e não
quero ouvir nem um pio de vocês dois. E arrumem essa cozinha antes de pensarem em sair.
A educação que deu aos dois valeu, pois, até que ela estivesse trancada em seu laboratório
fotográfico – o quarto de hóspedes adaptado –, não ouviu novos comentários.
Enquanto se dedicava ao trabalhoso processo de mergulhar o papel fotográfico de cuba em cuba
para revelar as imagens corriqueiras que lhe chamavam a atenção ao longo da semana, Norah
repassava a conversa breve e tensa, onde descobriu a opinião de cada filho.
Cássio não tinha com o que se preocupar, nem Eliza. Até que cada um dos filhos tivesse a própria
família, eles lhe bastavam. Depois... Bem! Depois seria o depois.
Norah não pensaria no futuro em seu dia de folga.
Com a decisão ela se dedicou às suas fotos, esquecendo-se da conversa, da noite furada e da
inveja que sentiu dos tantos casais. Melhor ocupar sua cabeça com o que realmente gostava.
Apesar de viver em plena era digital Norah não dispensava sua máquina analógica – uma Canon
A-1 –, nem o método antigo de revelação.
Logo o varal de secagem estava repleto de cenas com crianças correndo na praia, vendedores
ambulantes, garis, um morador de rua, alguns guardas de trânsito e casais. Muitos, vários deles.
De repente, ao analisar as tantas fotos de beijos, abraços e sorrisos conjuntos Norah admitiu que
talvez – talvez – sentisse falta daquele tipo de afeto. E talvez, não necessariamente um que viesse
somente de seu marido.
Como Anita bem dizia, ela não estava morta afinal e considerou normal o pensamento. Em seguida
resolveu não dar maior atenção a ele, então voltou a revelar suas fotos.
Restava um rolo de filme com 36 poses. Sabia o que encontraria e sorriu ao ver o rosto animado
do filho surgir enquanto movia o papel delicadamente no líquido químico. Cássio se preparava para
um saque no vôlei de praia.
O jogo se deu no domingo anterior ao qual Norah foi convidada. Não, ao qual foi intimada a ir,
sem chance de recusas.
Como não poderia fugir do evento, levou sua máquina e se distraiu a clicar o quarteto que jogava
sob os olhos de outros tantos amigos e muitas garotas. O interesse desse último grupo era evidente.
E não poderia ser diferente, Norah reconheceu ao ver a foto seguinte, com os quatro rapazes
unidos por seus braços nos ombros um do outro, sorrindo, mesmo que parecessem – e estavam –
cansados.
Para Norah todos eles sempre seriam meninos, mas a verdade era que se tornaram belos rapazes
ao longo dos anos. As muitas garotas ao redor seriam cegas se não os notassem.
Cássio era a cópia fiel do pai. Moreno, com os cabelos pretos já a exibir precoces fios brancos.
Marcos era loiro platinado, descendência de suas raízes irlandesas, assim como os expressivos olhos
azuis. Denis era também loiro, porém seu cabelo tinha um tom escuro, arenoso. Caio tinha cabelos e
olhos castanhos.
Todos possuíam corpos bem-definidos, resultado das múltiplas atividades ao ar livre e das idas à
academia. Marcos e Cássio eram mais encorpados. Apesar da variação das estaturas, todos eram
altos. Bem, com certeza eram mais altos do que ela que media 1,66m.
Agora o quarteto lhe sorria das fotos, ou sorriam um aos outros, ou estavam cochichando junto a
alguma garota. Ou várias delas ao mesmo tempo.
Talvez uma das moças fosse namorada oficial, Norah considerou. Nunca saberia. Os outros
meninos não as apresentariam a uma “tia”. Quanto ao filho não seria diferente, pois Cássio já havia
dito que somente a apresentaria para a mulher de sua vida. Aquela que levasse seu coração, como a
mãe fez com seu pai.
Norah apreciava o cuidado, caso contrário seu apartamento viveria em atividade constante.
Por ser bem-aceita entre os rapazes, invariavelmente participava das conversas sobre garotas, ou
flagrava um comentário mais obsceno durante as mútuas provocações. O último deles foi sobre Caio
ter traçado uma garota na área de serviço do apartamento onde morava, o que lhe rendeu uma multa
por incomodar os vizinhos com “sons estranhos”.
Na ocasião, Norah riu ao entrar na sala, porém Caio pareceu não considerar engraçado. Depois de
fechar a expressão, brigou com os amigos, mandando que ficassem calados e parassem de inventar
histórias.
Evidente que a bronca do rapaz somente gerou mais comentários sobre suas peripécias predatórias
e mais risadas.
– Garotos! – Norah exclamou intimista, divertida, maneando a cabeça.
Ao prender a última foto para que secasse – uma onde Caio estava sozinho, olhando em frente e
sorrindo discretamente para alguém além dela –, Norah igualmente sorriu.
Caio era realmente bonito. Sem dúvida a tatuagem que circulava o alto de seu antebraço esquerdo
fazia sucesso com as garotas. Era também educado e competente. Uma pena que não tivesse aceitado
a oferta de ser contador na Transportadora Mendes.
Cássio gostaria de ter o amigo ao seu lado na empresa dos primos e tios de seu pai.
De toda forma o rapaz estava bem, trabalhando na firma de contabilidade que dividia com o avô.
Mas não em tempo integral. Segundo Cássio, Caio ocupava duas tardes da semana com sua segunda
maior paixão; dar aulas de violão para crianças numa comunidade do bairro onde morava; ou algo
assim.
Certa vez o filho brincou, dizendo que a mãe deveria, finalmente, aprender a tocar o instrumento
que servia somente como enfeite.
Quem sabe um dia? Norah pensou, ainda sorrindo para o rapaz descamisado da foto.
Quem sabe um dia?
Capítulo Seis

– Anita – Norah chamou sua assistente quando esta fixava sua máquina profissional ao tripé. Ao ter
a atenção da amiga, falou: – Eu não estou depressiva, mas... reconheço que estou afastada do mundo,
preferindo ficar em casa, no meu canto... Digamos que eu desejasse sair da ostra... O que acha que eu
devo fazer?
– Em primeiro lugar eu diria “aleluia!”
– Tudo bem! Agora fale sério. – Norah pediu, deixando a objetiva que limpava e o pincel sobre a
mesa. – Eu saí no sábado à noite, mas foi estranho. Não me encaixo em nenhum grupo que vi.
– Antes de tudo você precisa saber o que procura. Quer romance ou apenas distração?
– Distração! – Norah disse rapidamente antes que a amiga começasse a ter ideias. – Sem dúvida,
distração.
– Seria pedir demais que você quisesse outra coisa, assim, logo de cara – Anita a provocou. – Mas
vamos com calma que você chega lá...
– Vai falar sério ou não? – indagou a patroa, impaciente.
– Tá bom! Tá bom! – a assistente agitou as mãos, pedindo calma. – Bem, se você procura “só”
distração, sem romance, poderia começar fazendo algum curso. Poderia retomar as aulas de Inglês,
ou quem sabe começasse o Espanhol. Você ainda pensa em fazer aquela viagem para Madri, não?
– Não sei...
Realmente não sabia. Conhecer Madri era um dos tantos sonhos conjuntos que Norah nutria com
Téo. Ambos também se programavam para aprender a língua, assim como para iniciarem as
economias para o passeio, que fariam sem os filhos, tipo uma segunda lua-de-mel.
– Você precisa parar de pensar nele – Anita murmurou, adivinhando seus pensamentos. – O amor
que viveu foi lindo. Algo que não se vê muito nos dias de hoje, mas acabou. Téo gostaria que você
seguisse com sua vida. Ainda é tão nova...
– Não tão nova – Norah retrucou por retrucar.
Sabia que a assistente tinha razão. Não falavam em morte com frequência, mas Téo sempre deixou
claro que a esposa deveria “viver” caso um dia ele lhe faltasse. E ela prometeu que assim faria. Mas
falar era fácil quando considerava a viuvez como algo simplesmente impossível.
– Vamos nos manter longe de Madri, está bem? – pediu.
– Então, nada de curso de línguas... Que tal pintura em tecido? – Anita sugeriu. Ao ver sua patroa
torcer o nariz, arriscou novo palpite. – Pintura em tela?
– Não tenho a mínima vocação para as artes plásticas – Norah encurtou a lista. – Então nada de
aquarela, nanquim... Ou ainda escultura, cerâmica. Nada relacionado a isso.
– Você poderia aprender a tocar algum instrumento – disse Anita, incerta.
A assistente chegou ao ponto que onde Norah queria. Na tarde anterior passou boa parte do tempo
abraçada ao livro velho da vez, olhando o velho violão. Esteve considerando se seria traição
procurar quem a ensinasse quando o marido não estaria presente para lhe fazer companhia.
– Eu tenho um violão – revelou sem pensar.
– Parece perfeito! Sabe tocar alguma coisa?
– Nunca aprendi uma nota, mas era o desejo de meu pai.
– Então está feito! Hoje mesmo vou pesquisar todos os cursos e os horários disponíveis. Depois
faço um resumo com os melhores, os preços, e você escolhe aquele que mais te agrade.
– Combinado!
Norah gostaria de estar tão entusiasmada quanto aparentava. A iminência de deixar sua ostra era
aterradora, contudo a deixaria. Aquela era uma das resoluções tomadas na tarde anterior, depois de
inevitavelmente recordar a conversa à mesa do café da manhã.
Não queria que Eliza se preocupasse com ela, e muito menos queria que Cássio tomasse para si a
responsabilidade de cuidar dela, ou protegê-la além da medida.
Não queria ver no rosto do filho o mesmo pavor por sair e não encontrá-la ao voltar.
Na noite daquele mesmo dia, de banho tomado, vestida num short e um casaquinho de malha,
munida da lista feita por Anita e do telefone, Norah sentou no sofá com as pernas cruzadas em
borboleta e começou sua própria pesquisa.
A cada impedimento ela riscava um nome da lista. Estava na quarta ligação quando Cássio entrou,
seguido por Caio.
– Boa noite, meninos! – cumprimentou-os, sorrindo, deixando o telefone de lado.
– Boa noite, mamãe! – Cássio foi beijá-la no rosto.
– Boa noite... tia Norah!
Como sempre, “tia” saiu num sussurro atrasado.
– Cadê o restante de vocês? – Norah indagou ao filho, deixando passar o comportamento intimista
do outro rapaz.
– Hoje somos somente nós dois. Estou com algumas dúvidas sobre certas contas da transportadora
então pedi uma força pro Caio – esclareceu. Para o amigo, disse. – Vou tomar banho e me trocar. Se
quiser esperar no meu quarto fique a vontade.
– Eu espero aqui. – Caio já seguia para a poltrona onde sentou, ao lado do sofá, próximo a Norah.
– Posso perguntar o que tá fazendo... tia? – indagou ao ficarem sós.
– Resolvi fazer um curso. Para sair um pouco, distrair... Estou eliminando as opções que Anita
separou para mim.
– Hum... – Ele torceu os lábios, incerto, ainda que a olhasse atentamente. – A senhora saiu no
sábado... Agora tá disposta a fazer um curso... Seria o sinal de que finalmente deixou o luto?
Norah pensou em retrucar, porém se lembrou da atenção que o garoto lhe dispensou um dia após o
sepultamento de Téo, e refreou sua língua. O interesse dele era legítimo.
– Deixei o luto há muito tempo – disse sem grosseria. – Ficar quieta no meu canto nunca significou
que estivesse lambendo minhas feridas.
– Desculpe discordar. Posso até estar errado, mas arrisco dizer que a “senhora” lambe suas feridas
todas as noites. E também todos os dias, tanto que não vê muita coisa em volta.
– Não vou responder a isso porque o considero como um filho, mas não volte a comentar minha
vida – retrucou aborrecida, preparando-se para deixá-lo.
– Com todo o respeito que tenho pela senhora – Caio se adiantou e a segurou pelo braço –, vou
lembrar que não sou seu filho. Pode me mandar à merda se achar que mereço.
As palavras a desarmaram. Especialmente por saber que Caio não estava longe da verdade. E
decididamente a falta de palavras nada tinha a ver com a quentura que subiu por seu braço onde ele a
tocou.
Para eliminar o contato incômodo, Norah voltou a se sentar e puxou o braço gentilmente.
– Acho que você está certo – ela reconheceu, refazendo o rabo de cavalo somente para ocupar as
mãos. – Talvez eu tenha resolvido fazer o curso para me livrar do luto de uma vez por todas.
– Eu apoio sua decisão... tia. – Caio sorriu, visivelmente satisfeito. Como que para dispersar a
breve tensão, indagou interessado. – E o que vai fazer?
– Estou procurando um instrutor de violão – ela respondeu, voltando a pegar o telefone.
– De violão?! – Ele a encarou, maximizando os olhos castanhos. – E por que não ligou pra mim?
– Até onde sei... – Norah sorriu. – Você dá aulas para crianças.
– Pois a senhora tá mal informada – Caio lhe sorriu de volta. – Às quintas-feiras à tarde eu dou
aula pra dois adultos no meu apartamento.
– Desculpe me meter, mas... Isso não atrapalha seu trabalho?
– Não. As aulas tomam poucas horas do meu tempo. E depois eu faço meu serviço, em casa
mesmo. E então? Eu adoraria que fosse se juntar aos meus alunos.
– Não sei... Não acho legal misturar as coisas.
– E o que a gente estaria misturando?
Norah reparou o erguer de uma sobrancelha e o novo interesse nos olhos castanhos, mas não
identificou sua origem. Com isso disse apenas a verdade.
– Ah, eu ia ficar com vergonha. Não sei a diferença entre as notas. Preferia pagar o mico com
algum desconhecido.
– Nada disso! – Caio foi categórico, quase ofendido. – Se tiver que pagar algum mico que seja
comigo.
– Que papo é esse? – Cássio se intrometeu no assunto, antes mesmo de chegar à sala. No cômodo
olhou de um ao outro, curioso. – Que mico minha mãe tem que pagar pra você?
– Tia Norah tá procurando um instrutor de violão – disse Caio, como se respondesse todas as
questões.
– Ah... É isso mesmo mãe? – perguntou Cássio, já fazendo sinal para que o amigo fosse se juntar a
ele. Quando os dois estavam lado a lado e a mãe assentiu, ele completou, sorrindo. – Isso eu quero
ver. Fico feliz que queira aprender a tocar aquela velharia. E concordo... Se a senhora está
procurando alguém que a ensine, que seja esse violeiro caipira aqui. Não quero a senhora ouvindo a
conversinha de um aproveitador tirado a instrutor.
Caio apenas ergueu os ombros e sorriu quase... Quase vitorioso?! Norah novamente não
reconheceu o sentimento, mas se rendeu aos dois rapazes que a encaravam, esperando por sua
decisão. Ela ainda preferia aprender com um estranho, mas não viu como recusar.
– Está bem, Caio!... Mas nem invente de dizer que não vou pagar pelas aulas.
– Ah, nada disso tia Norah! – Caio maneou a cabeça. – Não vou cobrar da senhora.
– Então nada feito – disse resoluta.
– Tá certo – anuiu num bufar exasperado. – Cássio tem meu telefone. Depois ele dá pra a senhora e
combinamos o horário. Suas aulas começam na próxima quinta.
Capítulo Sete

Na quinta-feira, às 15h30, Norah estacionou seu Honda diante do prédio 54, onde Caio morava.
Era antigo, com apenas três andares. Caso houvesse dúvidas, bastava reparar na Suzuki Bandit
estacionada no pátio interno.
Estava no endereço certo!
Como fora informada mais cedo, sabia que o apartamento de seu instrutor ficava no térreo, nos
fundos.
Enquanto seguia pelo longo corredor lateral, Norah tentava conter seus tremores. Estes lhe fizeram
companhia desde que retirou o violão da banqueta.
Ela ainda se convencia de que tinha tomado a melhor decisão quando tocou a campainha. Caio
abriu a porta quase que imediatamente e sorriu ao vê-la, dando-lhe passagem.
– Voc... A senhora veio!
– Pois é... Vamos ao mico! – ela gracejou para dissipar o desconforto, já analisando seu entorno.
Era inevitável depois de ouvir tantas histórias picantes sobre aquele lugar.
Norah não sabia o que esperava encontrar, não criou expectativas, ainda assim se surpreendeu ao
ver uma sala comum. O que chamava a atenção era a parede de tijolos aparentes, onde estava a
janela. Não havia enfeites, sim estofados confortáveis, um aparelho de som moderno, uma TV fixada
à parede lateral; ideal para que ele a assistisse deitado no sofá.
Nada de suportes para partituras, nada de muitos violões espalhados pelos cantos, e nada, nada de
outros adultos.
– Cheguei cedo? – Norah indagou ao seguir até o sofá.
Não sentou, apenas segurou mais forte o braço de seu violão.
– Eu diria que está atrasada – Caio respondeu depois de fechar a porta.
– Atrasada?! – Norah procurou por seu celular para conferir a hora.
– Esqueça o que eu disse – pediu ele, apontando o violão. – Posso ver o que tem aí?
– Claro! – Ela estendeu o instrumento. – Eu deveria ter mostrado antes. Talvez nem preste mais.
– Pouco provável. – Caio indicou o sofá e se sentou, antes dela, já retirando o violão da capa
protetora. – Veja só! Um Giannini! A marca é boa. Por que Cássio o chamou de velharia?
– Meu pai me deu esse violão quando eu tinha 13 anos. Ele sempre quis que eu aprendesse, mas
meu interesse era mínimo.
– Que pecado!
Norah nada falou ao notar o quanto Caio estava entretido com o instrumento que já havia apoiado
sobre a coxa para testar as notas. Pareceu que o lamento sequer foi dirigido a ela. Sem mais palavras
o rapaz passou a mover as tarraxas, alternando toques e apertos, toques e apertos e assim fez até ficar
satisfeito com o resultado da afinação.
– Agora sim...
Após o murmúrio intimista, o instrutor passou a tocar e a cantar uma música de ritmo moderado,
onde declarava estar apaixonado a alguém que não dava atenção a ele, ali ao lado. Ora Caio fechava
os olhos, ora a encarava fixamente.
A letra era pequena, a melodia simples, sertaneja, gostosa de ouvir. E Norah não tinha ilusões;
nunca tocaria nem daquela maneira tranquila. Estava mais habituada a produzir sons desconexos e
horríveis, porém divertidos que sempre a levavam ao riso, junto com Téo.
Norah não queria, não deveria depois de tanto tempo, mas sem que pudesse evitar, chorou.
– Ei – Caio deixou o violão de lado para lhe segurar as mãos. – O que foi?
– Me desculpe por isso.
– Estava tão ruim assim? Essa é a primeira vez que faço minha plateia chorar.
Norah sorriu e lutou contra as lágrimas.
– Seu bobo! Não é nada disso. É uma coisa minha... Tem a ver com lamber feridas, então não
quero falar sobre isso.
– Eu respeito. E então é melhor começar nossa aula antes que desista.
– Não vou desistir – Norah garantiu. – Depois que decido fazer uma coisa, vou até o fim.
– Então somos parecidos, pois agora eu também vou até o fim.
– Em quê? – Norah sentiu sua curiosidade aflorar.
– A senhora vai saber – disse enigmático, sorrindo abertamente.
– Garotos e seus mistérios! – ela deu de ombros.
Não entendia o filho, como entenderia um de seus amigos. Melhor focar na primeira aula.
Olhando em volta, depois de secar o rosto com as mãos, indagou:
– Onde estão seus outros alunos?
– Ah, não se preocupe com eles – foi à vez de Caio dar de ombros. – Sempre se atrasam ou faltam.
O importante é que a senhora veio.
– Então, o que vou aprender primeiro?
– Primeiro eu vou te apresentar ao violão, afinal precisa conhecer cada parte dele, mas antes...
Gostaria de tomar alguma coisa? Água, café... Algo mais forte?
Norah sorriu ante a súbita falta de jeito do rapaz.
– Não quero nada, obrigada. E se ajuda em alguma coisa, eu já fui apresentada às partes do violão.
Para provar, Norah se curvou sobre o rapaz e pegou seu instrumento. Caio se afastou
imediatamente ao ponto de quase se deitar no encosto do sofá, contendo a respiração. Ela considerou
a reação do rapaz como sendo respeito e a ignorou. Logo nomeava enquanto apontava cada detalhe.
– Cabeça, tarraxas, braço, trastes, seis cordas que contamos da mais fina à mais grossa...
– É correto dizer que se conta de baixo pra cima. – Caio a corrigiu, já sentado corretamente, sem
ocultar sua admiração. – Nem precisa falar mais. Já vi que realmente conhece seu violão.
– Téo e eu pesquisamos uma vez – revelou nostálgica, alisando as cordas suavemente. – Foi
quando “quase” nos matriculamos num curso. Mas não aconteceu.
– Vai acontecer agora.
Norah procurou pelo olhar do rapaz ao notar certa rispidez em sua voz, contudo o encontrou
apenas sério e considerou que ele fosse um instrutor metódico e que ela estava atrapalhando a aula
com seu exibicionismo saudosista.
– Vai, sim! – Ela se apressou em dizer. – E vamos começar? Eu deveria ter trazido um caderno
para anotar alguma coisa? – Norah se recriminou por não pensar nos detalhes. – As cifras, talvez?
– Adultos geralmente não se interessam pela teoria, então não tem o que anotar. Vou ensinar a
prática. Já que sabe os nomes, sabe também como segurar seu violão?
Evidente que sim! Animada por não ser tão leiga, Norah apoiou o violão sobre sua perna e o
abraçou, segurando o braço em sua mão esquerda.
– Assim?
– Assim. – Caio lhe sorriu. Então, voltando à seriedade, aproximou-se mais. Tanto que Norah
sentiu seu perfume. – Segure aqui, desse jeito – disse, arrumando os dedos dela sobre a quinta corda,
na terceira casa. Os dedos dele estavam gelados, um tanto trêmulos. – Relaxe – pediu, mas poderia
ser para ele mesmo. – Aperte somente nesse ponto.
Norah se reacomodou no mesmo lugar, incomodada com algo que nem sabia o que era, e fez como
pedido.
– Agora toque... uma vez. – Ao ser atendido, nomeou. – Dó. Agora vamos tentar a próxima... Dó
sustenido.
Ela assentiu e esperou pelo toque em sua mão para, quem sabe, descobrir o que estava errado. Não
aconteceu.
Caio se aproximou mais e moveu seus dedos sobre as cordas, mudando de casas ao longo do braço
do violão, mostrando como Norah conseguiria a nota ré, depois ré sustenido, mi, fá, fá sustenido, sol,
sol sustenido, lá, lá sustenido, si e voltou para a nota inicial.
Aquele foi o exercício da tarde, treinar as notas musicais em escalas alternadas. Era mais
complicado do que Norah poderia supor, mas Caio se mostrou ser paciente – muito paciente depois
de parecer ser metódico e rígido – e ao final da uma hora e meia de aula o temor de Norah tinha
arrefecido.
Não completamente, ela reconheceu depois que Caio deixou o sofá, pois em tempo algum
descobriu o que a arreliou.
Havia algo estranho no ar. Não necessariamente ruim, mas estranho, com certeza.
Ao deixar o prédio antigo Norah cogitava, pela primeira vez, voltar atrás em uma decisão.
Capítulo Oito

– Como foi sua aula? – Cássio perguntou durante o jantar.


– Foi legal... – a mãe disse intimista. – Mas não sei se é o que quero. Acho que não é minha
“praia”, como vocês dizem.
– Bobagem! – refutou Eliza. – Não tem como saber na primeira aula.
– É verdade – o rapaz fez coro com a irmã. – E já que quer fazer algo diferente do que é a “sua
praia”, prefiro que seja essas aulas com o Caio.
Diante disso, o que restava fazer? Ter a segunda aula, evidente.
Na quinta-feira seguinte, às 15h32, Norah tocou a campainha do apartamento de seu instrutor. Este
abriu a porta quase que imediatamente. Estava de banho recém-tomado, rescendia a sabonete e loção
pós barbear. Aquele dia escolheu uma calça jeans de lavagem escura, uma camiseta branca e uma
camisa xadrez cuja manga enrolada deixava ver a tatuagem próxima.
Ao passar por ele, Norah se perguntou desde quando reparava nessas coisas.
– Oi, menino! – disse mais para si mesma.
– Pensei que não viesse – Caio comentou sem cumprimentá-la, sério. – Cássio me disse que a
senhora pensou em desistir.
– É, pensei. – Ela encolheu os ombros ao flagrar o olhar acusador. – Acho que não levo jeito.
– E o que aconteceu com nunca mudar de ideia depois de tomar uma decisão? – Ao indagar Caio
levou as mãos aos bolsos, expandindo o peito, encarando-a do alto de seus... 1,77m talvez?
– Sempre há exceções – Norah retrucou, desviando o olhar.
Sério, por que reparava tanto?
– Pois eu não aceito a desistências de meus alunos – Caio garantiu. – A senhora pagou por um mês
de aula então deve vir ao menos durante esse tempo. Depois, se ainda quiser parar, eu vou respeitar.
– Tudo bem! – anuiu, voltando a encará-lo. Caio ficava bem bonito quando sorria daquele jeito,
sim, vitorioso. Para desanuviar sua tensão, Norah também sorriu e indicou seu entorno. – O instrutor
não admite desistências, mas é bem tolerante com atrasos e faltas. Onde estão os outros?
– Desmarcaram hoje mais cedo. – A resposta foi breve. – Agora, tire o violão da capa e vamos
começar.
Antes, porém, Caio retirou a camisa xadrez, ficando apenas com a camiseta branca a realçar mais
a tribal no braço esquerdo.
De verdade deveria parar de olhar tanto, mas após 1h20 de aula Norah tinha reparado muito mais
coisas em Caio.
O castanho de seus olhos possuía filetes azulados que circulavam toda pupila. Detalhe que, depois
de notado, tornava difícil não tentar encará-lo diretamente. Na lateral esquerda da nuca Caio possuía
uma charmosa pinta. Os dedos novamente estavam frios e trêmulos no início da aula, mas mornos e
firmes ao final. A boca era levemente carnuda, marcante. Sua voz era mansa, quase aveludada sempre
que indicava como sua aluna deveria tocar ou qual a melhor forma de segurar as cordas nas casas
indicadas.
Norah reparou também que o incômodo da primeira aula não perdurou durante a segunda. Cada
toque de seu instrutor passou a ser esperado e trazia um calor bom ao seu corpo. Ela não sabia o que
pensar quanto à mudança então determinou que apenas se agradasse da atenção desmedida, vinda
justamente de Caio por ser ele amigo de seu filho e ter por ela muito respeito.
– Não! – Caio exclamou, tirando-a do devaneio. – Está fazendo errado. Espere. Vou mostrar como
se faz.
Norah se preparava para lhe passar o violão quando Caio se aproximou e se recostou contra ela.
Por estar sentada num banco alto, trazido da cozinha e disposto diante do sofá, o peito largo do rapaz
ficou colado às suas costas. Os braços fortes acompanharam a curvatura dos seus e as suas mãos
delicadas praticamente sumiram sob as dele.
O calor que a proximidade provocou foi inesperado e muito forte. Norah teve certeza de que
corou. Sua primeira reação foi se afastar, porém sequer se moveu.
– Aqui... – ele disse ao seu ouvido depois de ajeitar seus dedos nas cordas. – Segure assim.
Norah deixou que ele lhe mostrasse como fazer. Ao tocar, a nota foi incerta, estranha.
– Não, não – Caio a “abraçou” mais. Norah fechou os olhos e soprou discretamente ao sentir os
lábios dele se mover em sua orelha. – Tente novamente, assim...
Norah nem tentou. Ao sentir uma fisgada distinta em seu sexo depois que os lábios dele
acariciaram sua orelha mais uma vez, ela simplesmente saltou do banco.
– Acho que a aula acabou!
– Ainda temos alguns minutos – Caio se mostrou aturdido, sua voz estava rouca.
Poderia ser impressão, mas pareceu que ele tentou segurá-la. Aquilo não era certo!
– Dois ou três – Norah retrucou, tentando colocar o violão na capa, mas suas mãos trêmulas não
permitiam. – Não vou aprender nada novo nesse tempo.
– Então eu espero a senhora na semana que vem.
– Vamos vendo... – Norah disse vaga, desistindo de cobrir o violão.
– Deixe aqui. – Caio tomou o violão das mãos dela num movimento rápido. – Assim não precisa
ficar carregando ele de lá pra cá.
Não deveria, pois, por ela não voltaria, mas tinha pressa em deixar aquele apartamento.
– Tudo bem! – ela o encarou.
Notar o olhar castanho azulado fixo em seu rosto não ajudou com sua própria confusão. Havia algo
no ar, completamente fora de lugar. Caio era um garoto, pelo amor de Deus!
– Tchau, menino! Obrigada pela aula!
Norah simplesmente correu porta afora. O que sentia não era bom, nada bom...
Mentira, ela reconheceu ao assumir o volante. Era bom, sim, mas errado.
Muito errado!
Capítulo Nove

Na semana seguinte, Norah tinha um trabalho inadiável, de horário intransferível que tomaria toda
sua tarde. Estaria mentindo se dissesse que não sentia falta de sua aula, mas teria que se acostumar.
Era melhor encerrar as aulas antes que o pior acontecesse.
Talvez – e ela queria acreditar que fosse mesmo “talvez” – Caio estivesse confundindo alguma
coisa. Os integrantes do grupo sempre a elogiaram. Menos ele, verdade fosse dita. Nos últimos
tempos o garoto não a chamava de tia ou senhora com a naturalidade de antes, e agora movia a boca
em sua orelha na primeira oportunidade.
Norah tinha consciência de que era uma mulher bonita. Não que se esforçasse para sê-lo. Não tinha
paciência para academias ou caminhadas no calçadão de orla. Para o bem da verdade cuidava da
alimentação, ainda assim poderia agradecer a boa genética por praticamente manter o mesmo peso
que tinha aos 17 anos, 63 kg.
A dupla maternidade somente veio acrescentar algum volume ao seu quadril, o que a deixou mais
interessante. Téo sempre citava esse fato com agrado.
Infelizmente não amamentou. Se o tivesse feito Norah não lamentaria que seus seios tivessem
mudado de alguma forma. Teria sido perfeito se aumentassem um pouquinho, mas não aconteceu.
Amigos e parentes costumavam destacar a expressividade de seus olhos castanhos, especialmente
quando os ressaltava com maquiagem. Sua pele, levemente morena pela exposição ao sol, não
possuía manchas ou sardas e em seu rosto não havia encontrado rugas; mas não estava procurando.
Seus cabelos conheciam as maravilhas da química para disfarçar os primeiros fios brancos –
raríssimos –, mas sempre com a cor natural, castanho claro. E esse era todo o “embuste” do qual se
valia.
Bem, havia os cremes. Mas estes não contavam, eram necessários para todas as mulheres de todas
as idades.
Enfim, sim, era uma mulher bonita.
Então, talvez, não fosse difícil que um menino intimista – criado pelos avós paternos por ter
perdido os pais muito cedo – visse nela a figura feminina que não conheceu e confundisse os
sentimentos. Fosse como fosse, não alimentaria aquilo.
Caio tinha a idade de seu filho. Incentivá-lo seria quase... incesto!
– Você sabe o que está fazendo?
– Eu?! – Norah parou o que fazia para analisar seus gestos com atenção. A modelo estava
posicionada, o cenário estava correto, as lentes eram as escolhidas para aquela iluminação, as fotos
tiradas pareciam perfeitas.
– Não me refiro ao seu trabalho – Anita a tranquilizou. – Estou falando das aulas de violão. Não
pensei que fosse voltar atrás depois de ir apenas duas vezes.
– Não estava dando certo – retrucou intimista, voltando às suas fotos –, mas não disse que desisti.
Só não tinha como ir hoje.
– Sei. Você praticamente implorou para que eu marcasse essa sessão de fotos para hoje.
– Nosso cliente tinha pressa. – Norah retrucou, sinalizando para a modelo, indicando que ela se
movesse.
– Sei! – Anita repetiu, mas não insistiu. – Como estão os preparativos para o casamento de sua
sobrinha?
Norah agradeceu intimamente pela mudança de assunto. Não queria pensar em seu confuso
instrutor que provavelmente a esperava, pois não teve coragem de desmarcar a aula. Nem mesmo
sabia como seria ao encontrá-lo dali em diante.
– Eu queria fazer as fotos – respondeu, tentando bloquear o rapaz na sua mente –, seria meu
presente, mas Marina não aceitou. Disse que sou convidada.
– E você vai, não é?
E a pergunta era válida. Ao longo dos últimos seis anos Norah não era uma presença assídua nos
eventos familiares. Não que não considerasse esse ou aquele parente. O problema era aturar os
pêsames perpétuos ou ouvir histórias engraçadas sempre com Téo como protagonista.
– Minha sobrinha não me perdoaria se não fosse.
Era verdade. Marina a adorava, mesmo que não fosse sua sobrinha de sangue. Norah também não
se perdoaria caso não fosse ao casamento. Este seria no sábado seguinte, na igreja de São Jorge, e
não havia muito a ser feito.
– E você já comprou o vestido? Já decidiu a cor?
– Eu não sou a madrinha para me preocupar com muitos detalhes. Tenho vários vestidos no meu
guarda-roupa. Acho que só preciso de sapatos novos.
– E de um novo corte de cabelo, e de uma boa limpeza de pele, maquiagem...
– Daqui a pouco vai sugerir que eu me depile – Norah a provocou, piscando para a modelo que
ouvia a conversa, em silêncio. A moça reprimiu um sorriso, mantendo-se firma na pose.
– Não seria má ideia – Anita replicou. – Nunca se sabe o que pode acontecer...
– Eu sei o que “não” vai acontecer, então não fale besteira.
– Está decidido! Assim que terminar de fazer essas fotos vou marcar um horário para nós duas no
salão de uma amiga. Faço questão de pagar por tudo o que ela fizer. Fica como forma de reparação
por todo o tempo que eu enchi seu saco com aquela história de depressão – Anita salientou quando a
amiga fez menção de recusar. – Depois vamos ao shopping.
– Para comprar sapatos novos.
– Também... – Anita disse divertida.
Norah somente meneou a cabeça e voltou ao trabalho.
Depois de tranquilizar o filho que a procurou para saber por que faltou à aula, manteve-se
mergulhada no universo fotográfico até tarde da noite por ter sido avisada de que o quarteto estava
em seu apartamento rachando uma pizza.
Quando acreditou ser seguro, Norah apagou todas as luzes de seu estúdio e seguiu – sem pressa –
para seu bairro. Foi com alívio que não viu nenhuma Suzuki Bandit 600 estacionada à entrada de seu
edifício.
Ainda nem sabia se havia razão para fugir, mas preferia daquela forma.
Infelizmente para ela, as coisas não poderiam ser fáceis. Ao entrar em seu apartamento Norah se
deparou com Cássio e Caio ocupando o sofá da sala, diante da TV, entretidos numa batalha virtual e
barulhenta. Cada um a comandar um controle ferozmente, atacando inimigos digitais.
– Caramba, mãe! – Cássio deu pausa no jogo e se virou sobre o sofá para encará-la. – Eu tava
quase indo buscar a senhora. Por que demorou tanto?
– Eu... Eu tinha trabalho a fazer. Disse isso quando nos falamos – respondeu, tentando ignorar uma
cabeça castanha que não se voltou para ela, mas não tinha jeito. – Boa noite, Caio!
– Boa noite, tia Norah! – Somente então ele se virou. E sorriu. – Já que não foi à aula hoje achei
melhor trazer seu violão. Então a gente pediu pizza, umas cervejas e ficou jogando e jogando...
– E eu disse que ele pode dormir aqui no nosso sofá – Cássio emendou. – Tudo bem?
Não, não estava nada bem, mas o que poderia dizer? Se beber não dirija! Ou no caso, não pilote
motos potentes de 600 cilindradas.
– Vou providenciar cobertas e um travesseiro – disse ela a guisa de resposta, seguindo para o
corredor, enquanto os garotos retomavam o jogo.
Uma vez no quarto, Norah se recostou contra a porta. Sabia – sentia – que seu rosto estava em
chamas.
Vergonha, só podia ser!
Estava na cara que fantasiou sobre algo que não existia. Caio não estava diferente do que sempre
foi. Bem, ele sorriu. E nunca sorria, não para ela. Mas isso poderia não significar absolutamente
nada!
Diante da verdade, Norah se obrigou a se mexer. Depois de separar as cobertas e pegar um de seus
travesseiros para emprestar ao rapaz, voltou para a sala. Daquela vez os meninos nem deram atenção
à sua chegada.
Cássio apenas sinalizou apressadamente para que deixasse tudo sobre a poltrona e voltou ao jogo,
liberando um repreensível xingamento por quase ser atingido, ou algo equivalente. Norah não estava
familiarizada com os novos termos para os games.
Era a mãe, a tia, não uma garota da mesma “tribo”.
Decididamente fantasiou.
Chegar a essa conclusão, no entanto, não ajudou a eliminar as sensações que a faziam estremecer
sempre que recordava o toque fortuito e morno dos lábios em sua orelha. Nem evitou que ela sentisse
uma leve decepção por estar errada.
Evidente que nunca – nunca – se envolveria com um garoto. Especialmente um amigo do filho, mas
nos últimos dias a vaidade a deixou mais leve.
Sim, deixou, mesmo que jamais admitisse em voz alta para quem quer que fosse.
Nem a si mesma.
Capítulo Dez

Na hora prevista Norah despertou, suada e trêmula. Porém não por um telefonema imaginário, mas
por se libertar de um sonho indecente. Impróprio demais para ser reproduzido até mesmo em
pensamento.
Depois de correr as mãos pelo cabelo ela tentou regular a respiração. Somente então deixou a
cama e seguiu até a cozinha.
Iria tomar um pouco de água, depois faria a costumeira inspeção no quarto de cada filho e voltaria
para a cama. Estava completamente esquecida que o protagonista de seu sonho obsceno dormia no
sofá.
Para alimentar seu imaginário, o garoto não se valeu da colcha extra e dormia descoberto, a sono
solto, vestido num dos tantos shorts de Cássio.
Norah não queria olhar; de verdade não queria! Mas a curiosidade venceu.
Logo estava parada atrás do espaldar do estofado, medindo cada milímetro do corpo forte,
semidespido. Caio não era musculoso em demasia e, sim, bem-definido. O braço circulado pela
tribal cobria seu rosto. O peito não possuía tantos pelos, mas era sombreado de forma interessante. O
abdômen era formado dos muitos gomos, trabalhados no vôlei de praia ou em alguma atividade que
ela desconhecia.
Não sabia de tudo sobre ele.
Não, não sabia tudo e a vontade de descobrir se esvaiu quando o rapaz moveu uma das pernas e
inconscientemente revelou o significativo volume que distendia a frente do short emprestado.
Senhor misericordioso!
Com o rosto novamente em chamas, Norah se afastou do sofá e praticamente correu até a cozinha.
Ver a nítida ereção não foi nada saudável para seu corpo ainda abalado pelo sonho.
– Ele tem a idade do meu filho... Ele tem a idade do meu filho... Ele tem a idade do meu filho... –
Norah repetia num sopro intimista, de olhos fechados, abraçada à garrafa de água sem nem sentir o
quanto estava gelada ou se importar que molhasse seu baby-doll.
– O que está fazendo dentro da geladeira, tia?
Norah quase deixou cair a garrafa ao ouvir a voz divertida, muito próxima a ela. Ao abrir os olhos
descobriu Caio parado do outro lado da porta da geladeira, onde estava praticamente enfiada, sem
perceber.
– Eu... Eu... Precisava de água.
– E sempre a bebe assim? – Caio sorriu. – Dentro da geladeira?
– Eu não estou dentro da geladeira, menino – ela retrucou, finalmente fechando a porta que os
mantinha separados.
– Não era o que parecia – replicou ele, subitamente muito sério, quase aborrecido. Por um instante
parecia que tinha algo a acrescentar, porém apenas indagou: – Por que não foi à aula?
– Eu tive um compromisso. – Norah tentou parecer segura, evitando descer o olhar para o peito nu;
ou mais abaixo. Não que encarar aquele garoto fosse melhor, mas era mais fácil. – Acho que Cássio
deve ter dito depois que me ligou, não?
– Quem deveria ter dito era a senhora. Não foi legal me deixar esperando.
– Seus outros alunos não foram? Como das outras vezes?
Norah se afastou com o firme propósito de pegar um copo; e evitar olhar o rapaz. Ela também
havia perdido a naturalidade.
– Hoje eles não faltaram, mas isso não elimina a sua falta – disse Caio depois de segui-la. –
Deveria ter avisado que não iria. Ou deveria ter ido. Você perdeu a oportunidade de conhecer seus
colegas.
– E eles têm nomes? – perguntou por perguntar, concentrando-se antes de encher o copo com água
sem derramar uma gota.
– Serafim e Ariel – respondeu Caio, rapidamente.
– Dois anjos. – Norah aproveitou o gracejo para aliviar sua tensão e finalmente bebeu a bendita
água.
Agora bastava olhar os filhos e voltar para a cama.
– Acho que os nomes são de anjos, sim – Caio disse, perto demais.
Ao se voltar, movida pelo susto, Norah foi contida pelos ombros por duas mãos muito firmes. Ela
não teve alternativa a não ser erguer a cabeça e encarar seu captor.
– O que pensa que está fazendo? – indagou, olhando instintivamente para a porta da cozinha.
Cássio simplesmente atiraria o amigo do nono andar caso o visse a segurando daquela maneira.
– A senhora virou muito rápido – explicou com questionável inocência. – Se não a segurasse, com
certeza cairia.
Era mentira, mas tudo bem!
– Não vou cair. Pode me soltar agora.
Caio não a soltou.
– Posso esperar a senhora na semana que vem?
– Eu acho, realmente, que não levo jeito para a música.
Ela não levava jeito para ser corruptora de menores. Mesmo que o menor em questão não o fosse
de fato e ainda se apresentasse como uma tentação bronzeada, alta, forte e muito, muito viril.
– Não dá para saber em apenas duas aulas e, como eu disse, já pagou pelo mês.
Norah cometeu a besteira de olhar para a boca dele – que novamente sorria –, por onde saiam
palavras mansas. E não satisfeita foi além, imaginando se beijá-la seria como em seu sonho.
Minha nossa!
Decididamente precisava sair dali, com urgência.
– Está bem! – aquiesceu. – Eu vou, afinal só falta essa semana.
– Nada disso – Caio a corrigiu ainda sem libertá-la. – Vamos repor a aula que a senhora perdeu.
Norah abriu a boca para protestar, mas ao ser solta, pensou apenas em correr. Depois de se
despedir apressadamente, resmungando um “tudo bem!”, ela se refugiou em seu quarto. Era bobagem,
mas trancou a porta como se Caio estivesse vindo atrás dela para... Para o quê?
Tinha medo até de pensar!
– Certo! – Norah disse a si mesma, ofegante. – Eu não estou fantasiando. Alguma coisa está
acontecendo.
Sim, estava e ela era a responsável por parar.
Capítulo Onze

A visita ao salão de beleza ficou agendada para a manhã de sábado, dia do casamento. A ida ao
shopping se deu na tarde de sexta-feira, com isso o vestido que Norah usaria aquela noite já estava
disposto em sua cama. Também o novo par de sapatos, os acessórios e uma bolsa de mão.
No momento Norah tinha o cabelo cortado por um rapaz alegre e falante. Fazia tempo – tanto que
ela nem se lembrava – que não ia a um salão bem equipado como aquele. Havia esquecido o quanto
era bom ser bem cuidada por profissionais.
Norah já tinha feito a limpeza de pele, suas unhas das mãos e dos pés estavam pintadas de um
vermelho que ela jamais escolheria, mas não se arrependia por ter aceitado a opinião de Anita.
Também por insistência da assistente, Norah se deixou ser depilada – quase que completamente – e
experimentou uma nova cor em seus cabelos. Bastou o corte ser finalizado e a maquiagem concluída
para que Norah sequer se reconhecesse no espelho.
Ainda precisaria se acostumar ao tom um pouco mais claro que o usado há anos, e ao comprimento
dos fios, acima dos ombros, mas de um modo geral, aprovou o resultado.
– Agora, sim! – uma Anita também repaginada a elogiou. – Tenho certeza de que vai causar no
casamento.
– Quem tem que “causar” é a noiva – Norah gracejou. A mudança externa pareceu afetar eu
interior; sentia-se mais leve. Após um suspiro, abraçou a amiga e a beijou no rosto. – Obrigada por
tudo!
– Será um bom agradecimento se “viver” – Anita comentou, sorrindo. – Quero minha chefa de
volta!
– Ela está aqui – Norah indicou a própria cabeça – em algum lugar... Um dia ela volta.
– Espero que seja breve... Bom casamento! Sei que nem preciso pedir que tire muitas fotos.
Norah somente sorriu. Realmente a amiga não precisava pedir. Câmeras pequenas não eram suas
preferidas, mas levaria uma em sua bolsinha de mão.
Surpreendentemente ansiosa para participar da festa, Norah guiou até seu edifício. Ao entrar no
apartamento encontrou os filhos já a se arrumarem, frenéticos.
– Caramba, mãe! – Cássio veio reclamando pelo corredor ao ouvir o abrir e fechar da porta. – A
senhora demorou e...
Norah sorriu com a reação do filho que se calou abruptamente. Como ainda se sentia livre de um
peso que sequer sabia carregar, ela rodopiou para que ele a visse de todos os ângulos.
– O que achou?
– Acho que vou trancar a senhora aqui – disse muito sério. – Não quero os babões de plantão
secando minha mãe.
– Acho que isso foi um elogio – a mãe sorriu ainda mais.
– Claro que foi! – Eliza entrou na conversa, já seguindo até a mãe para avaliá-la. – Cássio tem
razão. A senhora será secada hoje. Está linda, mamãe!
– Obrigada, querida! Agora acho que devo correr... Vocês estão quase prontos e eu nem comecei a
me vestir.
– Será rápido, afinal já está penteada e maquiada – observou Eliza.
– Maquiada demais eu diria – Cássio resmungou. – Não seria melhor tirar esse batom?
– Deixe de ser chato, garoto! – pediu a irmã. – Não tem nada exagerado aqui. A pintura dos olhos
está discreta justamente para que o batom pudesse vir num tom mais forte. Quem a maquiou teve
muito bom gosto.
– Quem a maquiou deve ser filho de chocadeira, caso contrário não faria isso com a mãe dos
outros.
Norah apenas riu e seguiu para o quarto, recomendando:
– Terminem de se arrumar. Prometo não demorar... Cássio, você queria alguma coisa?
– Nada... Vá se trocar. E veja lá o que vai vestir!
A mãe riu novamente. O ciúme do filho a preocupava, mas naquela tarde lhe pareceu divertido.
Talvez fosse por elevar sua vaidade.
“Viver”, disse Anita.
E era o que Norah queria. Não entendia o que acontecia com ela, mas sentia ânsia de viver, como
se nos últimos anos tivesse ficado estagnada. Com isso se arrumou rapidamente e, sem esquecer a
câmera, deixou o quarto.
– Ah, não! – Cássio exclamou ao vê-la. – Que decote é esse?
Norah instintivamente olhou para baixo. Certo! De onde via o decote parecia indecente, mas ela se
olhou no espelho da loja inúmeras vezes e outras tantas no seu quarto para se certificar de que o
corte era absolutamente normal para quem a olhasse de frente. Nem mesmo o tecido creme era
chamativo.
– Deixe de ser chato, garoto! – Eliza foi até a mãe. – Mamãe está mesmo muito bonita.
– Você também, querida – Norah fez a filha rodopiar diante dela. Eliza era parecida com o pai,
mas numa versão delicada. Maquiada, com um elaborado penteado, a usar um vestido azul turquesa
estava absurdamente linda.
Cássio igualmente estava uma visão. Vestido no fraque de padrinho, com os cabelos penteados
para trás, estava ainda mais parecido com o pai. O que não combinava era o semblante carregado.
Téo não foi um homem ciumento.
Ao que parecia toda a cota de possessão foi depositada no filho.
– Eu não disse que não está bonita – retrucou Cássio. – Só acho que ela não precisa de tudo isso.
– Deixe de bobagens, meu querido – pediu a mãe, indo até ele para beijá-lo no rosto. – Podemos
ir?
– Podemos, sim... Já tem gente nos esperando na portaria.
– Então vamos.
Norah não perguntou quem os esperava, pois acreditou que fosse seu “genro”. Ledo engano ela
soube ao ver junto a Leandro o restante do quarteto. Não sabia que os três rapazes tinham sido
convidados, e não comentaria.
Na verdade, nem que quisesse poderia, pois sua voz foi minguando durante os cumprimentos que
se seguiram após a saída de Eliza e de Leandro.
Se o olhar de Caio – avaliador, aprovador e irritado – não a travasse, a figura dele o faria. O
garoto, decididamente, cedeu lugar ao homem. Que estava muito bonito vestido num terno cinza
chumbo a contrastar com camisa preta. Os cabelos estavam domados para trás.
– Minha nossa, tia Norah! – disse Marcos, depois de um assobio galante. – Com todo respeito... A
senhora tá gostosa!
– Tá maluco? – Cássio bateu no braço do amigo com as costas da mão.
– Nunca viu mulher, não? – Caio indagou seriamente ao mesmo tempo.
– Eu só estava dizendo que...
– Nada! – Cássio o cortou. – E vamos de uma vez. Quem vai com quem?
Norah não entendeu a pergunta, afinal todos eles tinham carro, Caio tinha sua moto. Logo soube
que haviam combinado de irem uns com os outros, mas nem ouviu a explicação do por quê.
– Eu vou com você – disse Caio. – A gente precisa conversar.
Norah estremeceu ao ver Marcos e Denis anuírem e partirem.
– Até daqui a pouco – Cássio se despediu dos amigos. Para a mãe e o amigo, indicou a calçada. –
Venham... Deixei meu carro ali na esquina.
Evidente que o assunto não era nada relacionado a ela, Norah dizia a si mesma, mas não tinha
como tomar os tremores de suas pernas. Para piorar, muito seguro de que o amigo não se importaria,
Caio a tocou nas costas enquanto percorriam o curto trajeto.
– Olhe aonde pisa tia Norah – recomendou gentil. – Sempre me dá nos nervos ver vocês usarem
esses saltos.
– Também não gosto deles – Cássio comentou, caminhando diante deles –, mas parece que minha
mãe anda rebelde.
– Se rebelar, às vezes, é bom? – Caio disse, movendo o polegar minimamente no pedaço de pele
que tocava, eletrizando-a.
– Nem vou comentar o que disse, afinal quero acreditar que você ainda está do meu lado –
retrucou Cássio, azedo.
Caio somente riu condescendente, ainda movendo o dedo nas costas de Norah, tornando quase
impossível a tarefa de pisar com firmeza.
Ao chegarem ao EcoSport prata, Caio já se mantinha distante.
– Você vai ter que ir atrás – Cássio disse ao amigo, ao abrir a porta do carona para a mãe.
Agradecida por poder se sentar, Norah ocupou seu lugar. Travou o cinto de segurança olhando
sempre em frente, desejando que seu rosto não estivesse vermelho para não denunciar o calor que
sentia. Também agradeceu que não pudesse ver Caio que se acomodou às suas costas.
– E aí? – Cássio perguntou a Caio. – O que você queria falar comigo? É sobre aquilo?
– É sim – Caio respondeu. – Lamento dizer, mas tem muita coisa errada nos papéis que deixou
comigo.
– Eu sabia! – O motorista socou o volante.
Norah queria saber sobre o que conversavam daquela forma trucada, mas não teve voz para
especular. Depois da primeira curva mais acentuada, Caio se apoiou no assento da frente e nunca
mais retirou a mão. Os dedos que resvalaram na nuca de Norah nunca mais deixaram aquele ponto.
E assim, simulando se segurar, o rapaz passou a desenhar círculos mínimos sobre a pele dela,
confirmando que havia algo fora de lugar.
Como ser responsável e parar com aquilo?
Uma das alternativas era denunciar Caio ao seu filho. Cássio teria uma síncope e romperia com o
amigo definitivamente; não necessariamente nessa ordem. A outra era ficar estática, exatamente como
estava. Regulando a respiração, sentindo seu corpo voltar a experimentar sensações há muito
esquecidas.
Norah não se lembrava da última vez em que seus mamilos despontaram e roçaram o bojo do sutiã.
Muito menos recordava quando seu centro latejou por tão pouco estímulo. A única coisa que sabia
com certeza era que somente Téo teve liberdade para despertar nela tais reações.
Sentia-se uma traidora, pelo marido morto, pelo filho inocente ao seu lado, mas não via como se
mover para interromper o carinho clandestino.
Ao chegarem aos arredores da igreja, Norah se encontrava dolorosamente excitada. Os rapazes
conversaram durante todo o trajeto e ela não ouviu uma única palavra. Seu rosto deveria estar
vermelho feito um pimentão, sentia-se úmida, suas pernas estavam moles como duas gelatinas, ao
passo que o garoto provocador parecia não ter sofrido qualquer abalo.
Depois que Cássio estacionou, Caio deixou o carro rapidamente e abriu a porta para que Norah
saísse. Sempre confiante na inocência do amigo, estendeu a mão para ela e sorriu. Aquele sorriso
vitorioso, agora também cúmplice.
– Já que é o padrinho, posso tomar conta da tia Norah se você quiser – ofereceu ao amigo.
O grande cara de pau!
– Ainda não sei de qual lado você está com toda aquela conversa de que se rebelar é bom, mas
confio em você. – disse Cássio, arrumando o fraque. – Fique de olho nela por mim.
– Nem vou dizer o quanto vocês dois estão sendo absurdos – Norah revirou os olhos e tentou se
afastar para recuperar o ar, a firmeza das pernas, o bom senso. – Estamos indo a um casamento, não a
uma “balada”.
– Eu espero que a senhora nunca invente de querer ir a uma balada! – Cássio exclamou
horrorizado.
– Eu te levaria pra balada – Caio lhe sussurrou ao ouvido, discretamente para que o amigo não o
ouvisse. – Seria divertido.
Divertido para quem? O que ela faria num lugar reservado aos jovens, solteiros em sua maioria, a
procura de um par? Ela tinha noção do ridículo.
Tinha? Norah se perguntou, olhando para Caio de esguelha, enquanto seguiam até a igreja. Não
estava sendo ridícula naquele instante ao se envaidecer e se excitar com os carinhos de um menino?
Ela tinha que parar... Ser, sim, responsável, coerente e parar!
Capítulo Doze

A cerimônia religiosa pareceu se arrastar. Foi complicado administrar a presença de Caio, mas
Norah lutou bravamente para ignorá-lo. Respondia a seus cochichos intimistas com seriedade, ou
simplesmente não os respondia, fingindo não ouvi-lo, dedicada a tirar fotos do altar. A certa altura
podia sentir o olhar inquiridor sobre ela, e não se importou.
– Vamos – chamou-o um tanto ríspida ao final da cerimônia, seguindo pela nave central sem
esperar por ele ou pelos outros rapazes que se juntaram a eles tão logo chegaram à igreja.
Em momento algum se voltou para ver se foi acompanhada pelo trio. E assim, decidida, foi
cumprimentar sua “sobrinha estepe”.
– Tia! – Marina a abraçou, voltando a chorar. – Estou tão feliz que veio!
– Eu não perderia seu casamento por nada – assegurou, lutando com suas próprias lágrimas. Téo
adoraria estar ali. – Espero que seja muito feliz, meu amor!
Lembrar o marido e o amor que sentiam um pelo outro deu forças a Norah para prosseguir
ignorando certo garoto que sentia às suas costas. Depois de cumprimentar o noivo, ela apresentou os
rapazes, que educadamente desejaram felicidades ao novo casal. Antes dos últimos cumprimentos
Cássio já estava com eles. Havia trazido a prima que foi seu par no altar.
– Vou dar carona pra Amanda até a Mansão Rosa – anunciou. – Vamos?
Todos assentiram e se separaram.
Já acomodados no carro de Cássio, Norah não temeu ser novamente acariciada, pois com Amanda
ao lado, Caio era obrigado a se comportar.
Muito rígida em seu assento, ela desejou que os jovens entabulassem uma conversa animada até
que chegassem ao Alto da Boa Vista. Quem sabe assim Caio se interesse pela menina?
Se acontecesse seria deixada em paz, Norah considerou. Contudo o pensamento não a agradou
como deveria.
Onde estava sua sensatez quando precisava dela?
Ao chegassem ao salão de festas Norah não esperou que Caio viesse ajudá-la a descer do carro.
Não esperou pelo filho tampouco.
– Crianças, divirtam-se! – recomendou, começando a se afastar.
– Pra onde a senhora vai? – Cássio tentou detê-la; para Caio, ela nem olhou.
– Vou procurar a minha “galera”. Vocês procurem a sua e como eu disse, divirtam-se.
Sem esperar resposta Norah entrou no salão. Procurou por rostos conhecidos de parentes distantes
– não tão distante que ainda se sentissem na obrigação de demonstrar suas condolências – e se juntou
a eles na esperança de ter boas horas de conversa.
Logo seguia para a mesa dos primos de Téo, os Mendes vindos de Campinas.
Como esperado foi recebida com animadas saudações, abraços e beijos. Uma cadeira foi disposta
para que Norah se juntasse ao grupo e foi nele que ela permaneceu, evitando olhar em volta para que
não fosse contra si mesma e procurasse certo rapaz de terno cinza chumbo.
– Norah?
Ao ouvir a voz masculina, pouco mais de uma hora – e algumas batidas – depois, Norah olhou para
o homem sorridente, de pé, parado ao seu lado.
– Eu! – ela disse também sorrindo, mesmo que não o reconhecesse. Sem hesitar segurou a mão
estendida e se deixou ser levantada.
O recém-chegado era um senhor bem-apanhado; elegante num terno azul. Os cabelos eram
grisalhos, mas ele não aparentava ser tão velho, e os olhos azuis muito claros sorriam como os
lábios.
– Não se lembra de mim, não é mesmo? – ele indagou, sem soltar-lhe a mão.
– Me desculpe, mas, não... Não me lembro – admitiu.
– Nós nos conhecemos em Natal, no verão de 2006. Sou Jonas.
– Ah! – Norah exclamou contente ao finalmente reconhecê-lo, apertando a mão que segurava a sua
para um novo cumprimento. – Jonas Lima! Eu me lembro. Mas o que faz aqui?
– Sou tio do noivo.
– Que coincidência incrível! Eu sou tia da noiva.
Norah não parava de sorrir. Não por ele ou pelo inusitado da situação, mas por se lembrar das
férias em Natal.
– Perfeito! – Jonas finalmente lhe soltou a mão. – E como está seu marido? Téo, não é esse o
nome?
– Ele morreu um ano depois daquelas férias. – Norah contou, já sem sorrir.
– Sinto muito! – Jonas se mostrou condoído.
– Obrigada! E a sua esposa? Me desculpe, mas não lembro o nome dela... – Norah encolheu os
ombros.
– Nem eu! – Jonas gracejou antes de esclarecer. – Nós nos divorciamos há cinco anos.
– Sinto muito!
– Eu não. Mas não vamos falar sobre isso. Prefiro colocar o assunto em dia agora que por milagre
a encontrei.
– O que quer dizer com isso? – Ao perguntar, fez a besteira de olhar em volta.
Foi quando encontrou Caio, parado no lado oposto do salão, com os olhos postos nela, sem
reservas. A expressão do rapaz era beligerante, tanto que ela não conseguiu encará-lo por mais de
alguns segundos. Tempo suficiente para que perdesse a resposta.
Ao olhar para Jonas o encontrou sorrindo contente, estendendo-lhe a mão.
– E, então? Quer dançar?
Não, ela não queria, mas viu ali uma boa oportunidade de mostrar ao amigo do filho que a turma
dela era realmente outra.
– Eu adoraria – disse, aceitando a mão entendida.
Como muitas coisas que não fazia nos últimos anos, dançar se mostrou ser incômodo. Jonas a
apertava demais. Norah descobriu que o perfume dele não era agradável, assim como era irritante a
voz dele ao seu ouvido.
– Não pareceu se surpreender quando eu disse que me interessei por você naquela viagem – ele
comentou.
Norah descobriu tarde demais o que havia perdido ao avistar Caio do outro lado do salão, mas não
pôde prestar atenção. O rapaz ainda estava no mesmo ponto, bebendo e a encarando.
Seria possível que Cássio não estivesse vendo aquilo?
– Minha sinceridade a deixa sem palavras? – Jonas sussurrou em seu ouvido. – Me desculpe, mas
sempre fui assim. Se em Natal eu não tivesse percebido o quanto era ligada ao seu marido, teria dito
na ocasião o quando me senti atraído.
Norah queria responder. Queria se libertar, porém ver que Caio vinha em sua direção a calou. Ela
ainda teve a esperança de que o garoto passasse ao largo, mas não foi assim.
– O senhor me daria licença de dançar com ela? – pediu ao tocar no ombro de Jonas.
– E quem é esse? – Jonas não a soltou, apenas mediu Caio de alto a baixo. – Seu filho?
– Sou o sobrinho. – Caio não esperou que o homem a liberasse. Sem a mínima educação enfiou sua
palma entre as mãos unidas do casal e se interpôs no meio dos corpos, não restando alternativas a
Jonas a não ser se afastar.
Norah pensou em dizer que sentia muito, mas não sentia na verdade, então se calou. Caio com sua
grosseira a salvou de uma situação embaraçosa.
– De nada – desse ele, encarando-a.
– O que disse? – Norah indagou confusa, já comparando os odores de seus pares; o de Caio era
infinitamente melhor.
– Sei que te salvei do velho babão, então deveria me agradecer. – Caio esboçou um sorriso
convencido. Logo, porém, voltou à seriedade. – Eu entendo que ele babe. Você está muito... bonita.
Gostei do novo corte e essa cor de cabelo ficou muito bem em você. E esse vestido...
– Certo, eu já entendi – cortou-o desconcertada ao notar o olhar dele descer para seu decote
daquele ângulo revelador; nem conseguiu agradecer o elogio.
Caio respirou profundamente.
– Posso saber o que eu disse ou fiz pra que ficasse fria comigo?
– Cadê o Cássio? – Acrescentaria que o filho não aprovaria a dança, nem a forma como ele a
interpelava e olhava, mas novamente se calou.
Seria infantil de sua parte.
– Ele está aproveitando a festa, como o Marcos e o Denis.
Por aproveitando Norah entendeu caçando, como todos sempre se vangloriavam depois de alguma
nova conquista. Era o que Caio deveria estar fazendo, e não... Espere! Era o que Caio estava
fazendo!
Foi complicado para Norah dominar seu choque ao entender ser ela a caça.
– E eu fiz uma pergunta – o rapaz insistiu. – O que eu fiz de errado?
– Tenho certeza de que sabe muito bem o que está fazendo de errado.
Foi surpreendente que sua voz saísse firme ao retrucar. Queria ser indiferente, mas a proximidade
de Caio não era incômoda. Muito pelo contrário. A mão pousada em sua coluna começava a
reacender o fogo que o caçador despertou no carro.
– Se ofendi você, poderia ter me denunciado – Caio retorquiu. – Mas não fez. Sinal que gostou...
Como está gostando agora. Então qual é o problema?
– A pergunta é “o que não seria um problema?” – corrigiu-o, não dando importância para o
convencimento, pois ele tinha razão. – Será possível que não veja o quanto isso é errado? Você não
passa de um menino, pelo amor de Deus!
– Quando olha para mim – ele começou um tanto ríspido – tem certeza de que me enxerga? Eu não
sou um menino, um garoto, um moleque, não sou seu sobrinho, muito menos sou seu filho.
– Mas tem idade para ser – Norah replicou, sem muita convicção.
– Mas não sou! – Caio rebateu veemente. – Há muito tempo sou um homem, adulto... Acho que
reparou quando ficou me secando quando dormi no seu sofá.
– Você estava acordado?! – Ela tentou se soltar, porém seu par era mais forte e a manteve no lugar.
– Não o tempo todo, mas acordei antes que se afastasse – ele esclareceu roucamente. – Eu me mexi
de propósito. O que diria se eu confessasse que estava sonhando com você?
– Eu diria para parar com isso...
A convicção a deixou de vez, mas tinha que ser forte.
– Tem certeza? Pediria pra eu parar mesmo que sentisse, agora, o que faz comigo?
Norah não entendeu a pergunta até que Caio, num movimento rápido, porém aniquilador,
resvalasse o quadril ao dela.
Ele estava excitado, bom Senhor!
Não completamente, nada que fosse evidente, mas estava excitado de verdade! A mente de Norah
gritou. Seu corpo traidor reagiu prontamente, porém ela tinha consciência de que não deveria deixar
aquilo ir adiante.
– Isso é errado, menino...
– Já disse que não sou menino. – Caio não escondia seu aborrecimento. – E deixa de ser errado se
você parar de pensar que é.
– Caio, eu...
– Acho que já ocupou demais sua tia. Agora é minha vez! – Jonas os abordou. Tão decidido quanto
Caio, minutos antes.
– Eu acho que ela...
– Cansei de dançar – Norah cortou a resposta malcriada de Caio, levando-o a unir as
sobrancelhas. Sem olhar para ele uma segunda vez, ela pediu ao velho conhecido. – Vamos procurar
uma mesa onde possamos conversar... Somente nós dois.
Jonas sorriu satisfeito e a tomou pelo braço, também sem olhar na direção do rapaz. Norah o
acompanhou com o coração diminuído, mas se consolava dizendo a si mesma que fazia o que era
certo.
Não sabia exatamente quando isso mudou, mas era evidente que agora enxergava o homem em
Caio, mas isso não mudava o fato de ele ter 17 anos a menos e ser amigo de seu filho. Um filho que
tinha a mesma idade.
Seja lá o que for que Caio lhe propunha não deixaria de ser errado caso ela resolvesse que não
era.
Capítulo Treze

– Nossa! – Anita exclamou na manhã seguinte, ao ver as fotos que Norah tirou durante o
casamento. – Só isso! Ou a festa estava mega animada, ou foi um fiasco.
As duas coisas, Norah pensou. A festa foi animada. Soube que durou até que os responsáveis pelo
salão viessem expulsar os últimos convidados. Mas foi um fiasco para ela, que se obrigou a ouvir
uma cantada longa e entediante de um homem que mal conhecia enquanto evitava olhar para outro que
agora admitia desejar.
Foi por saber que deveria dar um basta naquela situação que aceitou a carona do conhecido de
viagem.
Cássio foi contra e deixou claro seu desagrado. Os amigos do filho tentaram demovê-la, menos
Caio que assistia a cena em silenciosa resignação. Por ser a mãe Norah ditou a última palavra e
deixou a festa na companhia de Jonas sob alguns assobios e gracejos de amigos em comum.
Infelizmente, o senhor se animou com as brincadeiras e com o falso interesse que Norah
demonstrou durante a maior parte do tempo.
Após descerem a serra rumo à Tijuca e rodarem alguns quarteirões, Jonas simplesmente tomou a
liberdade de tocar a coxa que o vestido deixava exposta e a apertou, já fazendo a proposta avançada
de encerrarem a noite num motel.
O mal-estar que se seguiu à recusa foi desagradável e breve. Nem valia a pena ser recordado.
Resumindo, Norah terminou a pé, em plena Avenida Maracanã, dando graças aos céus por ter sido
deixada sozinha.
Em qualquer tempo poderia ter tomado um taxi, mas preferiu andar; clarear as ideias. Recebeu
algumas cantadas ao longo do caminho, e ignorou a todas. Quando finalmente resolveu que era hora
de voltar para seu edifício, já era tarde. Ou cedo, dependia do ponto de vista.
Encontrou o filho acordado, ainda vestido com a calça e a camisa que usou para o casamento. A
cena de ciúme e preocupação extrema igualmente não valia a pena ser recordada, mas deixou em
Norah a certeza de que nunca, nunca, poderia ceder ao que Caio despertou.
Se já seria ruim enfrentar o preconceito da sociedade, bater de frente com o filho era inconcebível
para ela.
– Pela sua cara já vi que foi um fiasco – Anita comentou, colocando a câmera de lado para encarar
a amiga. – Quer me contar o que aconteceu?
– Não! – Norah se levantou e foi até seu equipamento fotográfico. – Quero trabalhar. Trabalhar e
esquecer.
Foi o que fez até quinta-feira; seu dia D.
D de dispersão, Norah escarneceu, apertando o volante. Estava parada diante do prédio 54 há
quase dez minutos sem coragem de deixar o carro. Sempre que se decidia um novo pensamento vinha
e a mantinha presa ao assento. Mas tinha que fazer o que determinou.
Decidida, Norah deixou o carro munida do violão e caminhou rapidamente até a porta do rapaz.
Rápido o suficiente para não perder a coragem.
Caiu lhe deu passagem poucos instantes após tocar a campainha.
Norah não estava preparada para vê-lo depois dos últimos acontecimentos. Tanto que seu coração
saltou no peito e sua coluna se enregelou ante ao olhar intenso do rapaz.
– Está atrasada! – ele ralhou duramente quando ela finalmente entrou.
– Eu não sabia se daria para vir.
Norah encolheu os ombros. Não queria se acovardar, mas o olhar do garoto era tão seguro que a
fazia se sentir uma tola inexperiente. De certa forma ela o era, pois se relacionou somente com um
homem eu toda sua vida.
Para tirar o foco de si, olhou em volta e comentou:
– Pensei que hoje conheceria meus colegas, os anjos.
– Hoje eles não virão – Caio informou, mediando-a. – E já que seremos apenas nós dois, tire a
capa do violão pra gente começar de uma vez.
Norah secou o suor das palmas na calça jeans antes de fazer o solicitado. Evitando olhar para seu
instrutor, foi se sentar no mesmo banco do qual praticamente fugiu em sua última aula.
– Ainda se lembra das notas musicais, não? – Caio indagou, passando a andar diante dela. Norah
somente assentiu. – Ótimo! Então as repita algumas vezes.
Ela posicionou o violão, abraçando-o. Olhando onde colocava os dedos tentou se lembrar como
conseguiria uma nota dó.
– Não pode ficar olhando seus dedos – ele a repreendeu. – Olhe para mim!
Bem, olhar para ele não ajudava em nada, mas Norah estava decidida a ter as aulas restantes
daquele mês já pago para suspender sua matrícula, então faria o que seu instrutor recomendasse.
Respirando profundamente, encarou-o e tentou procurar a posição certa pelo tato antes de tocar.
– Tá errado! – Caio falou. – Isso nem foi uma nota. Tente novamente. Olhando para mim –
acrescentou quando ela voltou o olhar para a mão que sustentava o braço do violão.
Rebelando-se, Norah não olhou para a mão, mas também não o encarou. Fixou o olhar num ponto
além dele, na parede de tijolos à mostra. Mas isso não evitava que o visse muito sério, com as mãos
postas nos bolsos da calça jeans.
Ao novamente tocar e produzir um som incerto Caio bufou exasperado.
– Tudo errado! – reclamou, vindo até ela. – Tá vendo o que acontece quando perde uma aula?
– Estou. – Não ocorreu a Norah dizer outra coisa ao notar que Caio se colocaria às suas costas,
como da vez que moveu a boca em sua orelha.
Ela não queria aquilo.
Certo! Queria, aceitou quando foi abraçada. Mas não deveria.
– Me deixe mostrar – Caio sussurrou, segurando-lhe as mãos e fazendo com que as movesse ao
longo das cordas, mudando as casas. – Assim! Dó... Dó sustenido... Ré... Eu soube que chegou tarde
depois do casamento. Por acaso não se rebelou ao ponto de dormir com aquele velho, não é?
– Estou aqui para aprender a tocar violão – ela retrucou bravamente, mesmo abalada com a
cobrança ríspida, inesperada. – Não para falar de minha vida pessoal. Que, aliás, não é da sua conta.
– Claro que é – Caio replicou sem soltá-la. – Eu esperei tempo demais que você saísse do luto
para deixar qualquer um passar a minha frente.
– Esperou o quê, menino? – Norah indagou em agonia, pois a boca dele novamente se movia em
sua orelha.
– Eu já disse, mas vou ser mais claro – falou diretamente em seu ouvido. – Eu tenho um tesão
fodido em você, Norah. E isso há muito tempo. Há uns dez anos pra ser exato. E não sou menino.
– Está inventando isso... – ela soprou, fechando os olhos ao sentir a reação de seu corpo. – Você
era muito novo dez anos atrás... Não tinha como pensar nessas coisas.
– Ah, desculpe acabar com sua ilusão, mas eu pensava sim... Cresci com você povoando meus
sonhos molhados e deixando meus banhos interessantes.
– Puta merda! – ela exclamou sem nem notar. Como se não bastasse a declaração indecente para
afetá-la, Caio a finalizou enfiando a língua em seu ouvido.
– A “senhora” falou um palavrão – ele troçou ao mordiscar o lóbulo de sua orelha e, sem receio ou
indicação do que faria, correu as mãos ao longo de seu braço até os ombros, então as desceu para
apertar seus seios. – Minha nossa! Seus peitos são perfeitos! – ele arfou junto a ela e estremeceu.
A reação masculina foi altamente lisonjeira apesar da vulgaridade na precisão anatômica, contudo
Norah não poderia ceder. Já estava deixando aquela liberdade ir longe demais. Aproveitando o
momento de distração, ela novamente saltou do banco.
Não foi longe.
Com a habilidade própria aos pegadores, Caio a segurou, fez com que soltasse o violão e a
abraçou junto a si. Ainda muito trêmulo, apoiou a cabeça de Norah em seu peito. Ela não sabia se
aquela era a intenção, mas pôde sentir o jovem coração bater acelerado.
– Não pode ir embora... Não de novo! – ele disse, acariciando-lhe o cabelo. – Você quer que
aconteça. Eu sei que quer.
– Não importa o que eu quero, menino, eu...
– Mas que droga! – Caio explodiu. Ao se afastar retirou a camiseta num movimento seguro. – Olhe
pra mim! – ordenou, abrindo os braços. – Eu pareço um menino?
Norah não teve tempo para formular uma resposta. Depois de atirar a camiseta sobre o sofá, com
certa violência, Caio avançou em sua direção, obrigando-a a recuar alguns passos até ficar
encurralada contra a parede.
Não sabia o que esperar, e com certeza não foi ver suas mãos serem erguidas e espalmadas no
peito amplo. Imediatamente os dois reagiram ao contato. Norah se enregelou e em seguida ardeu ao
sentir a pele firme e morna, ao passo que Caio se arrepiou completa e visivelmente, empolando-se
com o eriçar dos pelos.
– Eu pareço um menino? – repetiu muito rouco, levando uma das mãos dela ao rosto, como fez no
dia seguinte ao enterro de Téo. Agora entendia que era a simulação de um carinho.
Norah poderia considerar aquela situação errada o quanto quisesse, mas jamais poderia cogitar
que o rapaz mentisse. E decididamente há alguns dias que, para ela, ele estava muito crescido.
– Não, Caio... – disse num fio de voz, tomando para si a tarefa de acariciar-lhe o rosto. – Você não
se parece nada com um menino.
– Até que enfim!
Caio a segurou pela nuca e a levou para mais perto. Sua boca desceu sobre a dela com fome, aflita.
Não havia como resistir ao ataque, nem ela queria. Depois de enlaçá-lo pelo pescoço, Norah
retribuiu ao beijo.
Bem, na verdade, ela tentou retribuir, e falhou vergonhosamente.
– Espere... – pediu contra os lábios dele. – Eu não sei como fazer isso...
– Mas eu sei – garantiu, sem afastar as bocas. Segurando-lhe o rosto entre as mãos, ele provou os
lábios dela com calma, chupando-os. – Eu quis tanto fazer isso no sábado quando apareceu com
aquele batom vermelho... – murmurou, então sorriu. – O que estou dizendo? Eu quis fazer isso minha
vida toda!
Com o comentário toda a delicadeza se foi e Norah teve que se virar como podia para acompanhar
os movimentos dos lábios dele em sua boca. E ela o fez, pois estava envolvida demais para recuar.
Ambos gemeram quando as línguas se encontraram e acertaram o compasso. Caio novamente
estremeceu e sua pele empolou quando Norah lhe acariciou as costas.
– Vem aqui – ele a chamou, mas não deixou que andasse. Tomou-a no colo como se nada pesasse e
se sentou no sofá, deixando-a sobre suas coxas. No instante seguinte retomava o beijo de forma
invasiva.
Quando Norah estava entregue, ansiando por mais, Caio a fez despir a camiseta e na sequência,
com a pressa de anos de espera, livrou-a do sutiã.
– Nossa! – disse rouco, admirando os seios que despiu. – São exatamente como os imaginei nas
homenagens que prestava a você.
– Homenagens? – indagou confusa em sua excitação por ver as mãos grandes dele cobrirem seus
seios e apertá-los, estimulando-os para que os mamilos despontassem mais.
– Sim... Eu já disse que sempre prestei homenagens a você... E agora está acontecendo – murmurou
intimista. – Está sim.
Ao se calar Caio fechou a boca sobre o bico de um dos seios e o chupou com força. Norah não
saberia dizer se assistir ao sugar de seu peito seria mais excitante do que a ação em si; as duas
coisas, provavelmente.
Permitir aquilo era errado. Muito, muito errado. Contudo muito, muito bom.
Dolorosamente bom.
Bloqueando seus pensamentos, Norah passou a interagir. Ainda tímida por não saber ao certo o
que fazer, acariciou os cabelos dele, até como forma de incentivá-lo a continuar o que fazia tão bem.
Depois, tocou-lhe os ombros largos e desceu as mãos pelo peito nu.
Ela sorriu satisfeita e envaidecida quando Caio gemeu, estremeceu e seus pelos todos se eriçaram.
Animada com a reação, Norah tomou coragem e foi além para saciar uma vontade que nem sabia ter
guardado desde a noite em que ele dormiu em seu sofá.
– Norah... – Caio soprou longamente depois que ela passou a acariciar o toda a extensão do
volume enrijecido que pressionava a calça jeans. Então estremeceu violenta e subitamente ao ser
apertado pela palma decidida.
– Não, não, não... Agora não! – ele ciciou roucamente, apertando-a num abraço enquanto espasmos
agitavam seu corpo. – Merda... Merda... Merdaaaah!
Norah mentiria se dissesse que não se sentia um tanto frustrada com o que aconteceu, mas esse
sentimento era nada se comparado ao tamanho de sua vaidade naquele instante. Aquela era outra
prova de que Caio não mentia.
Talvez não por dez anos – Senhor, por dez anos não! –, mas ela era muito, muito desejada.
– Está tudo bem! – assegurou, fazendo com que Caio mantivesse a cabeça junto ao seu peito,
abraçando-o. – Está tudo bem!
– Tudo bem, nada! – Caio estava visivelmente aborrecido quando a liberou do abraço, sem encará-
la. – Isso nunca aconteceu antes... Tá, isso é mentira! – ele se contradisse rapidamente. – Já
aconteceu, sim... Mas quando eu era adolescente. Com as garotas que eu... Espere! Eu não deveria
dizer nada disso... Eu...
– Caio! – Norah o segurou pelo rosto, obrigando-o a olhá-la. – Está tudo bem! Isso, sim, foi uma
homenagem, entende?
Ele pareceu considerar suas palavras, então, de súbito esboçou um sorriso.
– Se pensa isso do meu fiasco, está bem para mim... por enquanto. Prometo compensar já, já! –
Caio retirou as mãos que estavam em seu rosto e as prendeu às costas de Norah. Com isso deixou as
bocas muito próximas. – Você poderia tomar banho comigo. Logo eu estou pronto pra mais.
Dividir um boxe com ele? Fora de cogitação.
– Não! Você toma o banho sozinho.
– Está bem! – Caio então a beijou profunda e demoradamente, provocando uma excitação não
saciada ao roçar seu peito ao dela. Ao se afastar pediu. – Não faça nada absurdo como ir embora, tá
bem? Prometo não demorar e na volta, aproveito e trago umas camisinhas, assim faremos isso
direito.
Caio a sentou sobre o sofá e se foi como um furacão, deixando-a confusa e... arrasada!
“Camisinhas” foi a palavra mágica que a despertou do delírio.
Onde estava com a cabeça para ter ido tão longe?! Evidente que adorou saber o quando era
desejada. Adorou a pegação, os beijos e tudo o mais, mas... De onde tirou que seria boa ideia transar
com o amigo do filho?
Não havia tempo para encontrar respostas. Caio que a desculpasse, mas iria embora e, daquela
vez, não voltaria.
Apressada, Norah vestiu apenas sua camiseta, recolheu o sutiã, a capa, o violão e saiu.
Capítulo Quatorze

– D. Norah Arruda Mendes – Anita a chamou com pompa. – A senhora poderia, por favor, ligar
seu celular? Ou talvez, quem sabe, poderia mudar o número já que está fugindo de alguém.
– Eu não estou fugindo de ninguém – retrucou aborrecida. – Deixe de ser fofoqueira.
– Não é fofoca quando comentamos o óbvio com a pessoa citada. – Anita replicou. – Sexta-feira
eu a vi recusar chamadas durante todo o dia. As mensagens até que lia, mas não a vi respondendo
nenhuma. Não sei como foi durante o final de semana, mas na segunda-feira chegou com o celular
desligado, o que leva os clientes a ligarem para a segunda opção, no caso, eu. Meu celular toca o dia
inteiro! Não é justo.
Não era justo estar atraída por alguém tão mais novo. Não era justo ser obrigada a ignorar ligações
nem deixar de responder SMS inquiridores de alguém que a adorava. Não era justo ter que se afastar
do filho para não cruzar com seus amigos, um em especial que nos últimos dias aumentou a
frequência em seu apartamento.
Não era justo preocupar Cássio ou Eliza ao alegar estar com enxaqueca apenas para ficar longe da
sala. E decididamente não era justo que agora acordasse a cada hora da madrugada, pensando em
quanto sofrimento deveria estar causando. Então, atender ligações referentes ao trabalho, não era um
fardo não pesado ou injusto.
– Não quero ter outro número – novamente retrucou. – Tenha um pouco mais de paciência. Será
por pouco tempo, prometo.
– Certo! Já que não tem jeito... – Anita aquiesceu mesmo contrariada. – Bem, aqui está sua agenda
organizada para essa tarde. Como disse que não ia mais ocupar as tardes de quinta-feira, eu agendei
alguns clientes novos.
– Tudo bem... – Norah pegou a agenda e a colocou sobre a mesa, sem olhá-la. – Pode sair para seu
almoço agora.
– Você não vem?
– Estou sem fome. Traga café e um pão de queijo quando voltar que ficarei bem.
– Você quem sabe – Anita deu de ombros. – E eu sei que tem caroço nesse angu. Fugindo de
ligações e mensagens... agora a falta de apetite... Se isso não for problema com o coração, não sei
mais o que possa ser.
Norah não voltou a retrucar. Não tinha ânimo e a amiga estava certa. Nunca imaginou que um dia
teria “problema com o coração”.
Com exceção à dor da perda máxima, ela nunca sofreu por Téo. O amor deles foi imediato e
correspondido desde o início. Casaram-se, tiveram filhos, até onde soube nunca foi traída, então...
Não estava familiarizada com o que sentia e como não tinha remédio – além daquele que não poderia
tomar – restava esperar que logo a dor passasse, a fome e o sono voltassem e a vida seguisse.
– Eu disse pra não ir embora!
Norah quase gritou ao saltar de susto após a chegada silenciosa. Ao cair sentada mesmo onde
estava, com o coração batendo na garganta, ela manteve os olhos maximizados postos no rosto muito
sério do rapaz prostrado diante de sua mesa.
– Por que está fazendo isso? – Caio a olhava fixamente. – O que pode ter acontecido pra sair sem
nem se despedir? Por que você...? Bem, eu não preciso repetir as perguntas. Sei que você leu meus
torpedos, mesmo não se dando ao trabalho de responder.
O olhar acusador no rosto claramente sofrido a massacrava, mas não havia muito que pudesse
fazer.
– Você sabe as respostas – ela tentou ser o mais segura possível.
– Eu não acredito que ainda seja esse lance da idade! – exasperou-se.
– Viu só como você sabe. Isso não pode ir adiante.
– Não é “isso”, é “a gente”! – Caio a corrigiu aborrecido avançando para contornar a mesa. Norah
imediatamente se levantou e abriu distância. Ele estacou estarrecido. – Você está correndo de mim?!
– É melhor assim. – Norah parou do outro lado da mesa.
Se deixasse que ele a tocasse, se só a tocasse...
– Você tá maluca! Porcaria nenhuma é melhor se fica correndo de mim.
– Vamos apenas esquecer o que aconteceu, está bem?
– Impossível! – Caio novamente tentou se aproximar, fazendo com que Norah se afastasse.
– Insistir nisso é loucura! Como não vê? Eu não posso manter relações com um amigo do meu
filho.
– Manter relações?! – ele se exaltou. – Eu quero fazer amor com você. E sei que você também
quer. Só precisa reconhecer e parar de fugir do que sente.
Sim, ela queria, pensou ao fechar os olhos e correr as mãos pelo cabelo.
Sim, ela queria, mas naquela história a vontade dela era a que menos contava.
– Escute... – começou, mas foi calada por um abraço súbito seguido de um beijo voraz.
Tarde demais Norah reconheceu que baixou à guarda ao fechar os olhos; nunca saberia se por
boicote pessoal ou distração. O que restou foi ficar estática, deixando que o rapaz desistisse ao não
ser correspondido.
– Não faz isso, Norah – ele pediu junto à sua boca. – Por favor, me beija...
Se respondesse Caio tomaria sua boca de assalto, então Norah também se manteve calada. O rapaz
gemeu e a apertou mais, imprimindo maior pressão na língua que tentava separa-lhe os lábios.
– Me beija, droga! – insistiu roucamente, movendo a boca sobre a dela. – Me ame Norah! Não tem
como esquecer... Antes era fácil porque eu não tinha nada, mas agora sei que você me quer... Acabe
com isso.
Incapaz de resistir mais Norah separou os lábios. Com um novo gemido e um violento
estremecimento, Caio precipitou sua língua para a boca oferecida. Norah se deixou beijar,
aproveitando aquele instante para guardá-lo na memória.
Seria o último.
– Senti tanta saudade – ele murmurou ao beijar-lhe o pescoço. – Promete que não vai mais correr
de mim.
– Não vai ser preciso – assegurou decidida. – Estou sozinha aqui. Anita vai voltar em uma hora.
Se você quiser podemos terminar o que começamos, mas isso não vai mudar nada. Um
relacionamento entre nós nunca iria à diante.
– Não tem como saber – Caio retrucou, afrouxando o abraço para encará-la.
– Tenho, sim! E você também tem. Pensando bem... Acho certo ir até o fim, assim você sacia sua
curiosidade. Realiza sua fantasia de pegar a mãe do melhor amigo e...
– O quê? – Caio a largou e deu um passo atrás. – Foi isso que entendeu de tudo o que eu disse?
– Só pode ser isso. – Norah tinha que acabar com a insanidade.
– Só que não é! – negou categórico.
– Claro que é. Só que você não entende. Foi criado por seus avós. Arrisco dizer que depois de sua
avó eu tenha sido a figura materna mais próxima, então você acabou confundindo o que sente. Isso,
somado ao fetiche de alguns garotos quanto a ficar com uma mulher mais velha, fez você alimentar
esse seu... Como chamou mesmo?... Ah, sim! Tesão fodido.
Norah acreditava, em parte, no que disse. Mas reconhecia que havia sentimento real, ainda assim
não poderia alimentá-lo, por isso foi deliberadamente maldosa.
Caio deu outro passo atrás, mantendo os lábios bem desenhados unidos numa linha rígida,
encarando-a com rancor.
– É sério isso? – indagou duramente. – Pra você eu desenvolvi um tipo de Complexo de Édipo?
– É possível.
– Não pra mim! E pra deixar claro, se minha mãe fosse viva eu não a levaria pra cama. E iria
querer que ela fosse feliz, com quem quisesse. Se alguém do nosso meio é apaixonado pela mãe é o
Cássio e você alimenta isso ao se negar viver só para não magoar aquele...
– O quê?! – Norah quase gritou, cortando-o.
– Você ouviu muito bem! E quer saber? Eu não tenho que ficar ouvindo tanta besteira. Só preciso
enfiar nessa minha cabeça idiota que vivi muito bem sem você até agora, então é melhor mesmo eu
tentar esquecer o que nem aconteceu, não é mesmo?
Sem esperar resposta Caio deu meia volta e saiu. Passou chispando por Anita que voltava do
almoço mais cedo do que o esperado. A assistente teve que saltar de lado e afastar o que trazia nas
mãos para que não fosse derrubada.
– Meu Deus! – Ela olhou o rapaz que se afastava a passos largos. Ao encarar a amiga, indagou: –
Quem é esse?
Norah não respondeu. Apenas deu um passou à frente para se recostar contra sua mesa caso
contrário suas pernas cederiam.
– Norah! Você está branca. Está passando mal? – Anita se acercou dela, deixou o copo e o pacote
que trazia sobre a mesa e tocou a patroa no ombro. – Quer um copo com água? O que aconteceu aqui?
– Digamos... – a voz de Norah soou embargada – que agora eu posso ligar meu celular.
– O quê?! – Anita apontou para a porta por sobre o ombro, boquiaberta. – Você e aquele...? Você e
ele...? Você...?
– É eu sei. Parece absurdo alguém da minha idade ficar com um rapaz. Mas acabou! Aliás, nem
começou!
– E quem liga pra sua idade? – Anita se abanou teatralmente. – Ainda estou passada é com ele.
Todo lindo, todo bravinho! Onde foi arrumar um daquele? E por que, em nome de Deus, você deixou
que fosse embora?
– É complicado demais – murmurou. Norah acreditava que nunca mais fosse parar de tremer. Seu
coração estava fundo no peito, mas dizia a si mesma que fez a coisa certa.
– Por conta da idade? – Anita se mostrou incrédula. – Você sabe que hoje em dia ninguém liga
muito pra essas coisas. E você está muito bem, sabe disso. Quem não a conhece intimamente sempre
te dá uma idade muito abaixo da que tem.
– Ele é amigo do Cássio. Ou seja, proibido para mim.
– Ah... Eu sabia que já tinha visto o gatinho marrento em algum lugar. – Anita disse intimista. –
Agora eu entendo. Quer conversar sobre isso?
Norah maneou a cabeça.
– Quer trabalhar, não é? – a amiga arriscou o palpite, visto que era a resposta padrão dos últimos
dias.
Norah novamente maneou a cabeça e então, finalmente chorou. Simplesmente não sabia o que
queria.
Quando Anita a abraçou o choro veio completo, sentido, culpado por causar dor deliberada em
alguém que ela sabia nutrir um sentimento sincero por ela. Mas uma hora aquilo tinha que acabar.
E acabou.
Capítulo Quinze

O final de semana passou arrastado, mas Norah não precisou ficar confinada em seu quarto. O
quarteto, assim como Eliza e o namorado, viajou para Cabo Frio, onde aconteceria uma festa na casa
de um conhecido comum.
Segundo Cássio, aqueles seriam dias dedicados à pegação, pois o tal amigo garantiria o
comparecimento em massa de muitas – gostosas – garotas.
Se Norah padeceu de ciúmes? Sim, a cada hora do dia, mesmo repetindo o mantra íntimo de que
era melhor assim.
Era ridículo sentir ciúmes. Além no mais, Caio tinha que ficar com alguém da idade dele, da turma
dele, que poderia ir aonde ele fosse sem que confundissem seu par com sua mãe.
Na noite de domingo Norah voltou a se refugiar no quarto quando ouviu as vozes conhecidas no
corredor. Deitada em sua cama ficou escutando as risadas, as costumeiras provocações e gracejos,
tentando distinguir uma em especial.
Logo uniu as sobrancelhas por não ouvir a voz de Caio.
Acreditando que talvez o rapaz tivesse ido direto para o Catete, em vez de fazer a habitual escala
no do amigo, ela deixou a cama. Sentia falta dos filhos.
Ao entrar na sala seu coração parou um segundo, então voltou a bater com o dobro de potência.
Caio estava lá, junto à janela, olhava para fora. Ele se voltou rapidamente depois do animado
cumprimento conjunto.
– Boa noite, tia Norah!
– Oi, meninos... – ela esboçou um sorriso, sentindo o rosto arder ao reparar a forma insistente
como Caio a encarava, sem nada dizer.
Tentando ignorá-lo, Norah moveu as mãos para os filhos, que logo foram abraçá-la. Ela se soltou
depois de beijar um e outro.
– E, aí? – perguntou, levando as mãos aos bolsos do short jeans para esconder seu tremor. – Como
foi o passeio?
– Muito bom! – respondeu Eliza. – Leandro também adorou. Nunca tinha ido à Cabo Frio.
– Foi demais! – Cássio respondeu, animado, incitando um coro de vozes masculinas, cada uma
dizendo o quanto aproveitou a viagem. Caio nada dizia.
– Só aquele ali que foi um chato o tempo todo. – Marcos apontou o amigo parado à janela. – Não
ficou com ninguém. Acho que mudou de time.
– Eu diria que se fosse mulher ele estava de TPM – troçou Marcos.
– Cala a boca – Caio resmungou, deixando seu posto, retirando um chaveiro do bolso. – E se ainda
quer minha carona vamos embora. Amanhã tenho que levantar cedo.
– Olha aí! – exclamou Denis, divertido. – Agora deve ser cólica. Tia Norah não teria um
remedinho pra aliviar a dor do pobre?
– Vocês são uns Manés, sabiam? – ele ciciou, indo para a porta. – Boa noite pra quem fica!
Sem esperar, ou olhar para ninguém, Caio seguiu em largas passadas para a porta, obrigando
Marcos a se despedir rapidamente, ainda zombando dele, antes de também sair.
Denis se despediu em seguida e se foi.
Cássio ainda ria da bagunça quando se voltou para abraçar a mãe.
– E como a senhora passou o final de semana?
Sozinha, ela quis dizer. Padecendo de um sentimento novo e incômodo que agora, parecia
infundado, pois Caio não ficou com ninguém e parecia não ter se divertido em momento algum.
– Você me conhece – foi o que disse. – Estava com um bom livro, num apartamento silencioso,
então o final de semana foi perfeito.
– Fico feliz que tenha se divertido. – O filho a beijou e a soltou para pegar sua mochila. – Agora
vou tomar banho e me jogar na cama. Boa noite!
– Boa noite, querido!
– Isso não tá certo! – a voz de Eliza lhe chamou a atenção. Ao olhar para a filha, esta prosseguiu. –
Não é normal considerar perfeito um final de semana que passou sozinha, trancafiada aqui. A senhor
ainda é nova para ficar agindo feito uma velha. Aliás, nem as idosas de hoje são assim tão... inertes.
Precisa entender que quem morreu foi o papai, não a senhora.
– Eu sei disso – Norah murmurou. – Mas eu gosto de ficar aqui, o que posso fazer?
– Pode começar a gostar de outras coisas também – a filha sugeriu. – Se as aulas de violão não a
agradaram procure outra coisa... Vá ao cinema, à praia... Veja e conheça gente nova.
– Muito trabalho – disse.
Muito trabalho agora que reconhecia o que queria, pensou.
– Mamãe... – a voz de Eliza novamente lhe chamou a atenção; Norah nem havia percebido que
dispersou. – Está acontecendo alguma coisa que não tenha dito? A senhora sabe que pode contar
comigo pro que quiser, não sabe?
Norah assentiu.
– A senhora tá interessada em alguém? É aquele senhor do casamento?
– Não estou interessada em ninguém, menina – a mãe foi um tanto ríspida.
– Pra mim, não tem problema se estiver. Eu quero muito que arrume alguém. A senhora já notou
que estamos crescidos, cuidando de nossas vidas. Não é justo se anular por nenhum de nós.
Norah entendeu o recado, mas era algo fácil de mudar. Ela era a mãe. Fazia parte ficar à sombra
para que os filhos brilhassem, fossem felizes. Eliza poderia aceitar qualquer atitude sua, mas Cássio,
não. O rapaz surtaria caso descobrisse em quem a mãe pensava.
– Sei disso, querida. – Norah puxou a filha para um abraço. – E obrigada pelo apoio. “Se” um dia
aparecer alguém com quem eu queria “ficar” eu peço reforço para você, está bem? Até lá não se
preocupe comigo. Eu sei que não morri e estou bem!
– Se é como diz... – Eliza retribuiu o abraço. – Vou acreditar na senhora. Eu te amo, mãe! Promete
que vai tentar ser feliz como era antes?
– Prometo.
Dificilmente seria.
Capítulo Dezesseis

A semana se arrastou tanto quanto sábado e domingo. Graças a Deus havia trabalho suficiente no
estúdio para ocupar Norah a cada minuto do dia. Com isso restavam as noites insones para
administrar.
Ciente do “problema de coração”, Anita insistiu para que fossem ao cinema na sexta-feira. Norah
quis recusar, mas se viu aceitando o convite. Somente pediu que a amiga escolhesse algo divertido.
De sofrimento bastava o pessoal.
No dia marcado, Norah se arrumou sem muito entusiasmo, mas por Anita se esmerou na produção.
Escolheu um vestido leve, rosa chá, há muito esquecido no guarda-roupa. Cobriu os ombros com um
casaquinho do mesmo tom. Calçou um par de sandálias não muito altas, escovou o cabelo, maquiou-
se sem exagero e se perfumou.
Ao se considerar pronta, e um pouco mais animada para o passeio, Norah pegou sua bolsa e saiu.
Para sua consternação, encontrou Caio parado junto à janela, de olhos fechados. Estava sozinho o
que permitiu que o olhasse com atenção. O rapaz parecia ainda mais bonito naquela camisa preta
com os punhos enrolados para cima, aberta no peito; tendo as mãos postas nos bolsos da calça jeans.
Ele havia apenas aparado a barba, deixando-a rala, sombreando-lhe o queixo e o lábio superior.
Norah não soube o que fez; se suspirou ante a visão ou se respirou um pouco mais forte, mas algo
vindo dela fez com que o rapaz a olhasse imediata e diretamente, antes de se mover no lugar, ficando
muito ereto, rígido.
– Oi... – a voz dela saiu num sopro.
Mais do que isso não sairia.
– Oi, “tia Norah”... – Caio a cumprimentou de forma arrastada, avaliando-a. – Posso dizer o
quanto está bonita?
– Pode – Cássio respondeu por ela ao chegar por trás da mãe. – Mas não olhe muito – gracejou
antes de passar por ela e olhá-la de frente. – Para onde vai assim, toda arrumada?
Norah olhou de um ao outro. Talvez fosse desnecessário, mas atendeu ao desejo de deixar claro
para os dois rapazes que estava decidia a mudar, e seguir em frente com sua vida.
– Vou sair para jantar com o Jonas. Lembra dele?
– Aquele tio do marido da Marina? O mesmo que a senhora passou a noite, me deixando louco de
preocupação? – Cássio indagou com desagrado. – Não gosto disso! Vai ficar saindo com ele toda
hora, agora?
– Escute...
– Acho que sua mãe tem o direito de sair com quem ela quiser – Caio a interrompeu, intrometendo-
se no assunto. – Tia Norah deve saber o que está fazendo.
– Cara, eu gosto muito de você, mas não se mete – Cássio o advertiu sem olhá-lo. – Responde
mãe! A senhora tá de caso com ele?
Instintivamente Norah olhou para Caio, então refreou a vontade de confirmar.
– Eu já disse que a mãe aqui sou eu – retrucou apenas. – Não devo satisfação pra você, garoto. Vá
curtir sua noite com seus amigos... Beijem muito, cacem, peguem, seja lá o que façam e me
esqueçam!
Norah não reparou que usou o plural, apenas seguiu para a porta sem nem olhar para trás.
Odiava admitir, mas Caio parecia ter razão quando ao sentimento do amigo. Não que seu filho
fosse apaixonado por ela, nada disso, mas sua possessividade estava passando de todos os limites
saudáveis.
Caio por sua vez parecia conformado com o fim do que nem começou, afinal veio em defesa de um
romance que nem existia.
A novidade deveria alegrá-la, afinal era o que queria, mas não controlava seus sentimentos
ultimamente e odiou que o rapaz se sentisse bem disposto a caçar, pegar ou qualquer coisa que
fizesse com outra, como bem recomendou.
Depois daquele encontro a noite não foi de todo agradável. Na verdade, não foi um desastre
completo por Anita, cuja animação valia pelas duas.
A amiga determinou que elas fossem ao shopping New York. Escolheu um filme de ação, sobre
mutantes, e passou todo o filme enaltecendo as qualidades físicas de um deles em especial. Norah
conhecia a história, mesmo que nunca tivesse ido ao cinema para assisti-la. Estava familiarizada com
a trama e dividia com a amiga o “interesse” nas garras de Wolverine.
Ao final do encontro, Norah se sentia um pouco mais leve, mas não livre das consternações.
Após as despedidas, seguiu até a orla. Como nunca temeu sua cidade a qualquer hora do dia,
estacionou, deixou o carro e foi caminhar na areia, tentando esvaziar a cabeça; o coração.
Evidente que não teria em horas o que não conseguiu em dias, então, com a mente e o coração
ainda mais confusos, voltou ao carro e guiou sem pressa até seu edifício.
Passava da uma hora da madrugada quando desceu no nono andar. Era tarde para ela, mas muito
cedo para ouvir a voz do filho vinda da cozinha ao entrar no apartamento.
Enquanto deixava a bolsa nobre o sofá para ir se juntar ao filho, Norah se recusava a acreditar que
ele não tivesse saído somente para esperar por sua volta. Preparava uma bronca homérica quando
encontrou Cássio sentado à mesa, ralhando com Caio que segurava um pequeno bife sobre o olho
esquerdo.
– O que está acontecendo aqui? – perguntou a ninguém em especial.
– Esse idiota achou boa ideia puxar briga no bar. – Cássio respondeu aborrecido, mirando o
amigo.
– Cadê os outros meninos? – Norah lutava contra sua vontade de ir acudir Caio que mantinha o
olho livre fechado.
– Marcos e Denis saíram com umas meninas que conheceram semana passada, lá em Cabo Frio.
Hoje seria só a gente, daí esse troglodita foi se meter na conversa alheia e não se calou até que tudo
fugisse ao nosso controle.
– Tá, tá!... – Caio resmungou sem se mover. – Eu já entendi. E eu nem queria vir pra cá, então vê
se não fica tagarelando no meu ouvido.
– E ainda é mal-agradecido! – Cássio se levantou, bufando. – Quem ia fazer alguma coisa pra esse
olho não inchar nem ficar roxo lá no seu apartamento?
– Não ia ficar inchado nem roxo pra sempre – Caio retrucou. – Eu ficaria muito bem sozinho.
Apensar de se mostrar malcriado, Caio comovia com sua aparência. Suas roupas não estavam
rasgadas nem sujas, mas havia sangue num dos cantos de sua boca e também nos nós dos dedos da
mão direita.
– Cássio, pegue a caixa de primeiros-socorros – Norah pediu ao filho já se aproximando da pia
para lavar as mãos.
Caio imediatamente reagiu, largando o bife sobre a mesa para se levantar.
– Não preciso que vo... que a senhora cuide de mim! – disse, afastando-se; olhando-a duramente.
– Deixa de palhaçada, cara – Cássio pediu, antes de deixar a cozinha.
– Estou dizendo que não vai tocar em mim Norah! – Caio disse seriamente. – Não preciso de sua
pena, nem de seus cuidados.
– E quem está com pena? – ela indagou duramente, encarando-o. Na verdade estava, mas nunca o
rebaixaria admitindo, então assegurou o mais firmemente possível – Vou fazer por você o que faria
por qualquer um de vocês que fosse “idiota” e se metesse numa briga de bar. Agora senta!
Caio ergueu o queixo sombreado, parecendo decidido a retrucar, porém, mesmo encarando-a
beligerante, obedeceu.
Muito séria Norah foi até ele e recolocou o bife sobre o olho avermelhado. Sem muito cuidado,
pois agora sua vontade era a de lhe dar uma surra por se pegar a socos com outro homem.
Caio era mesmo um idiota!
– Aqui, mãe – Cássio entrou e lhe entregou a caixa. – Tudo bem esse Mané dormir aqui hoje?
– Eu arrumo o sofá – disse apenas, dando atenção ao que tiraria da maleta. – Se quiser se trocar
fique a vontade.
– Eu vou mesmo e depois vou dormir porque minha vontade é a de acertar o olho bom desse
infeliz.
– Não ligue para ele – Norah pediu quando ficaram a sós. – Cássio só está demonstrando sua
preocupação.
– Não precisa me dizer como ele se sente – Caio replicou taciturno. – Cássio é meu melhor amigo
e se quisesse acertar meu olho bom eu não ligaria.
Norah assentiu. Sabia que os dois eram os mais próximos entre os quatro amigos. O que piorava, e
muito, sua situação. Ainda bem que tinha acabado, ela pensou, separando um pedaço de gaze para
embeber em antisséptico.
Sob o olhar fixo do olho bom, ela se aproximou e passou a aplicar o líquido sobre o ferimento na
boca carnuda. Caio se retraiu e chiou ao contato.
– Essa droga arde! – reclamou acusador como se Norah tivesse feito de propósito.
Novamente compadecida, instintivamente ela se aproximou para soprar sobre o ferimento. Caio
então se afastou azedo.
– Tá bom! Também não precisa tanto. Daqui a pouco vai querer me dar um pirulito por bom
comportamento.
– Acho que você está longe de ser bem-comportado. – Norah se afastou para novamente encostar a
gaze no canto da boca rígida. – Onde estava com a cabeça para arrumar briga num bar?
– Quer mesmo saber?
Pelo brilho no olho que podia ver, Norah soube que não queria. Evidente que estava errada; nada
tinha mudado.
– Eu sabia. – Caio curvou os lábios levemente, o suficiente para que Norah reconhecesse o
convencimento. – Eu sabia que ia se acovardar, mas vou contar mesmo assim. Uns idiotas na mesa ao
nosso lado estavam ridicularizando um casal, assim, como a gente, e eu não aguentei.
– Nós não somos um casal – Norah o corrigiu num murmúrio apressado. – Não repita isso! Ainda
mais aqui... – ela indicou a sala com a cabeça.
– Que se dane se seus filhos ouvirem! – Caio replicou em tom normal, sem se abalar com o olhar
repreensivo que recebia. – Eu tenho certeza de que poderia lidar com Cássio se você deixasse de
frescura e ficasse comigo.
– Você viu que não teria que lidar só com Cássio. Hoje até comprou uma briga – ela retrucou ao
pegar outro pedaço de gaze para também embeber no antisséptico.
Caio não respondeu. Apenas a olhou enquanto ela tomava a mão dele para cuidar dos machucados
no punho. Ao toque das palmas, ele conteve a respiração e segurou a mão dela com força.
– Eu não me importo – assegurou por fim. – Sabe disso. Nunca, ninguém, agrada todo mundo
Norah. Sempre o cara é velho demais, ou a mulher é velha demais. Ou ele é feio demais para ela, ou
vice e versa. Ou o negão destoa da loirinha ou a gordinha não combina com o bombado. Se todos
fossem se importar com as críticas, quase não existiriam casais. Não dá pra ser perfeito sempre.
– Eu sei disso... – Norah lutava com os tremores enquanto movia a gaze sobre os machucados,
abalada pelo toque das mãos e as palavras perigosamente convincentes.
– Então pare o que está fazendo – Caio pediu num murmúrio depois de retirar o bife do rosto para
encará-la intensamente, apertando mais seus dedos. – Eu sei que não tá a fim daquele “Jonas”. Está
dando condição pra ele só pra fugir do que esta sentindo por mim. E me matando, não tenha dúvida.
– Caio, não...
– Ainda resta uma aula – ele a lembrou não deixando que recolhesse a mão. – Eu sempre espero
que apareça. Vá essa semana, por favor.
– Caio...
– Por favor – ele insistiu roucamente. – Não me importo de implorar desde que vá. Promete.
– Eu...
O que diria?
– Tá bom! Não prometa, mas vá. – Caio se levantou de súbito. – Vou esperar por você. Agora é
melhor eu ir embora.
– Não ia dormir aqui?
A iminente partida a aturdiu.
– Melhor não! Obrigada por cuidar de mim como faria com qualquer um de nós... Até quinta.
Norah ainda olhava para a porta minutos depois da saída do rapaz.
Parecia que não tinha jeito. Não importava o que fizesse ou dissesse nada iria demovê-lo. Como se
não bastasse ficar sem pegar ninguém, brigar na rua em defesa de uma situação como a dele, agora
dizia que a esperava às quintas-feiras. Se bem que essa última declaração não deveria abalá-la,
afinal ele dava aulas para mais duas pessoas no mesmo dia e horário.
Ou não daria?
Norah nunca encontrou com os dois outros alunos. Talvez, ela considerou voltando a se
envaidecer, Caio tivesse inventado aquilo para relaxá-la e atraí-la. Se fosse o caso, tinha
demonstrado empenho para ficar com ela.
Sim, seria um empenho lisonjeiro, mas vão.
Ela não iria.
Capítulo Dezessete

Foi no que Norah acreditou durante toda a semana em seu estúdio ou nas refeições conjuntas feitas
com os filhos, quando olhava Cássio com atenção e dizia a si mesma que nunca iria magoá-lo. Nas
noites que rolou na cama até que dormisse de exaustão, muito além das 3h15, disse a si mesma que o
sentimento despertado por Caio acabaria um dia.
Repetiu o mesmo enquanto dirigia até o Catete, e ainda naquele instante ao olhar o prédio 54,
recriminando-se pela fraqueza que a guiou até ali.
Sim, era uma fraca! Pensou ao pegar seu violão e deixar o carro.
Tinha plena consciência de que, ao cruzar a porta do apartamento ao final do corredor, a última
coisa que usaria seria seu velho violão, mas precisava de uma desculpa para estar ali.
Com as pernas bambas, o coração acelerado e as palmas a suarem, Norah tocou a campainha.
Estava maluca! Gritou a própria voz na sua cabeça. Foi quando ouviu acordes duplos antes que a
porta fosse aberta por um Caio ansioso. Seus olhares se cruzaram significativamente por um instante
antes que ele a deixasse entrar.
Não se cumprimentaram. Caio sorriu entre satisfeito e descrente, enquanto Norah olhava incrédula
para seus colegas de curso que retribuíam o olhar especulativo.
Os anjos existiam afinal!
– Essa é a aluna nova que eu comentei – Caio disse a guisa de apresentação. – Norah.
– Hum... Então você é a famosa “Norah”! – disse o moreno, sorrindo discretamente para o outro,
muito branco, evidentemente mais velho.
– Caio não parou de reclamar por você estar faltando às aulas – disse este.
Ambos aparentavam ter entre 30 e 40 anos. Norah não poderia ter certeza, mas os considerou
“delicados demais” nos gestos e na forma arrastada de falar.
– Fiquem quietos, vocês dois – Caio ralhou, não de verdade, antes de apoiar a mão nas costas de
Norah e guiá-la até o sofá, indicando o moreno e o branquinho.
– Este é o Ariel e aquele o Serafim. Dois abelhudos. Você já reparou, não é?
– A gente só diz a verdade. – Ariel olhou diretamente para Norah. – Imagine um professor mal-
humorado. Imaginou? Este da sua cabeça ainda perde. Caio tem sido um carrasco. O que você fez
com ele?
– Nada – Norah encolheu os ombros, evitando olhar para o rapaz.
Não esperava encontrar mais pessoas no apartamento, nem imaginou que seria sabatinada. As duas
coisas minavam sua coragem.
– Ah, não! Você tem que ter feito alguma coisa – comentou Serafim, cruzando os braços sobre o
violão. – Antes de você, Caio era um docinho com a gente.
– Certo, suas matracas! – Caio bateu palmas para chamar a atenção. – Parem de fofocar e voltem a
treinar a música que escolheram senão vou mostrar quem é carrasco.
– Ai, ai... Adoro! – suspirou Serafim, revirando os olhos, enquanto Ariel se abanava teatralmente.
Norah foi obrigada a sorrir.
Não tinha se enganado afinal; os dois eram homossexuais. Talvez para outra pessoa causasse
estranheza, não para ela. Ao contrário, na presença dos dois seu desconforto milagrosamente se
dissipou.
O casal – Norah não sabia por que, mas sentia que estavam juntos – podia brincar o quanto
quisessem, pois estava claro que jamais seria preconceituoso.
Sensíveis que eram eles já tinham entendido que havia algo no ar entre o instrutor e a nova aluna.
Se restasse alguma dúvida, Ariel se levantou, sendo imitado por Serafim.
– Acabo de me lembrar que temos um compromisso, não é?
– Inadiável! – Serafim reiterou com falsa consternação. – A gente nem deveria ter vindo, não é?
Ariel assentiu enquanto guardava seu violão. Serafim fez o mesmo e se preparou para sair.
– Legal te conhecer Norah! – disseram quase ao mesmo tempo.
– O prazer foi meu – ela respondeu por hábito.
– Ainda não, meu bem... – Serafim piscou e saiu, rindo da própria gracinha. Ariel riu com gosto e
o seguiu, constrangendo-a com a insinuação descarada.
– Não ligue pra eles – Caio pediu ao fechar a porta. Na sequência a trancou e retirou a chave para
guardá-la no bolso da calça. – Por precaução.
Norah descobriu naquele instante que Caio fez bem em prendê-la, pois se sentia muito disposta a
seguir seus colegas.
Agora, sozinha com Caio, as dúvidas voltavam a atormentá-la.
– Eles são legais – comentou por comentar.
– Fofoqueiros, mas são sim. – Ele não se moveu.
– E são... Alegres.
– São gays – Caio comentou o óbvio. – Ariel foi meu professor na faculdade. Dia desses a gente se
encontrou e ele comentou que não conseguia parar em nenhum curso de violão porque alguns idiotas
ficavam zoando ele e o companheiro. Daí eu me ofereci pra ensinar.
A atitude de Caio era admirável, ainda mais quando existiam tantos jovens homofóbicos. Ele sem
dúvida cresceu aos olhos dela, o que aumentou seu desconcerto.
– Legal fazer isso por eles.
Se havia outro adjetivo além de “legal”, ela não recordava. O olhar fixo de Caio varria tudo de
sua mente. E para ele a atitude altruísta era tão banal que apenas deu de ombros, desmerecendo-a,
encerrando o assunto.
O que faria agora?
– Eu... Eu vim para saber como você está – disse acovardada.
– Não foi pra isso não.
Norah sequer tentou recuar quando Caio finalmente avançou em sua direção. Seria ridículo
inventar desculpas para sua presença, então somente deixou seu violão de lado e esperou ser
abraçada.
Daquela vez participou do beijo desde o encontro das bocas e estremeceu como Caio ao
reconhecer o quanto lhe sentiu a falta. Ansiosa em ver as mesmas reações que sabia despertar nele,
insinuou as mãos sob a camiseta e as correu ao longo das costas largas para retirá-la. Imediatamente
o sentiu estremecer e a pele empolar sob suas palmas.
Norah sorriu nos lábios cheios, vaidosa, convencida.
– Você gosta disso que faz comigo, não gosta? – Caio desceu a boca para mordiscar-lhe o queixo,
arranhando-a com sua barba cerrada.
– Gosto – soprou num gemido, sentindo seus mamilos se eriçarem.
– Cretina! – ele sussurrou antes de também livrá-la da blusa. Em seguida abriu o sutiã e sem retirá-
lo espremeu-lhe os seios, levando-a a gemer mais alto. – Ria disso.
Norah não riria. O desejo que Caio lhe despertava não era engraçado. Era forte, doído, urgente. E
se agravou quando ele se curvou para sugar o cume de um seio.
– Nossa! – ela ofegou. Caio conseguiu deixar a sensação ainda “pior” com todos aqueles pelos no
rosto.
– Você não está rindo... – comentou, soprando sobre o mamilo, estimulando o outro seio sem muito
cuidado.
– Nem tentando fugir – Norah soprou aquilo que no momento parecia impossível.
– Isso é muito bom “tia” – Caio a provocou, e Norah não se importou. Na verdade se excitou mais,
e também quis provocá-lo.
– Não sei, não, garoto... Talvez eu devesse parar para não ficar na vontade.
– Comentar meu fiasco não foi legal – ele resmungou, simulando seriedade. – Agora sou obrigado
a mostrar do que sou capaz. E que não sou garoto – acrescentou, pegando-a no colo.
Pronto! Norah pensou ao ser levada para o quarto e praticamente atirada sobre a cama. Não tinha
volta; nem queria que tivesse. Precisava apenas se preparar para o que viesse e refrear o receio por
insistentemente recordar que nunca esteve com outro homem que não fosse seu marido.
Quando foi beijada, tendo o peso de Caio sobre si, o temor se esvaiu. Suas mãos tomaram o
controle e acariciaram as costas fortes, e moveu as pernas para sentir a urgência enrijecida dele
diretamente em seu quadril.
– Ainda não acredito que veio... – Caio murmurou junto ao pescoço macio, descendo uma das
mãos pelo ventre levemente saliente para um massagear ritmado sobre a calça.
– Nem eu – ela admitiu num gemido e afastou mais os joelhos. Ao sentir seu centro pulsar foi
inevitável pensar que o falecido marido nunca a tocou daquele jeito.
Não com tanta força e decisão.
– Eu preciso disso – Ele indicou, apertando mais o sexo dela, agravando a fome.
Algo nele, ou na forma descuidada que a tratava incitava nela a vontade de fazer o mesmo.
Eliminava qualquer inibição.
– E eu preciso disso – Norah o imitou, movendo a mão ao longo do abdômen definido para
acariciar a completa rigidez.
– Como você é safada! – Caio se admirou, satisfeito, trêmulo. – Gosto disso, mas para o bem de
minha reputação é melhor não tocar meu pequeno agora – pediu, segurando-lhe a mão exploradora.
Norah sorriu novamente convencida, mas voltou à seriedade quando Caio se afastou e começou a
desabotoar a calça, olhando-a, faminto.
Não tinha volta!
– Me desculpe não ser mais delicado como você merece, mas é que não dá... E ajudaria muito se
colaborasse. Tire sua calça... Tire tudo.
Certo! A inibição voltou afinal nunca se despiu na frente de outro homem, mas Norah não se deixou
afetar. Mesmo muito trêmula, com o rosto em chamas, fez como o pedido e se livrou do sutiã já
aberto, da calça, da calcinha.
Caio – completamente nu – paralisou. Mesmo que Norah também estivesse encantada com aquele
corpo forte e viril, a reação foi tentar se cobrir.
– Não! – ele quase gritou, saindo o transe. – Não faz isso!
– É estranho... Ficar assim... na sua frente...
– Você se acostuma – ele retrucou ao voltar para a cama. Sem deixar de olhar a mulher entendida
sobre seu colchão, alcançou a gaveta do móvel ao lado e retirou dela um envelope. – Eu não queria
ter que usar isso com você. Sou limpo. Não mentiria sobre isso. Mas sei que você não deve tomar
anticoncepcional desde...
– Eu tomo – Norah revelou rapidamente.
Caio piscou e conteve a respiração.
– Não faz isso. Não agora... Não me diz que você e aquele velho estão...
– Não! É para suspender a menstruação, só isso.
– Ah! – Foi tudo que Caio externou antes de atirar o envelope longe e avançar sobre ela para unir
as bocas. – Então tudo bem, se eu...?
– Tudo bem... Eu confio em você.
Caio então fechou a expressão e novamente a beijou, estendendo-se sobre ela. Então desfez o beijo
e muito sério lhe afastou as pernas com o joelho. Sem deixar de encará-la, prendeu a respiração e se
posicionou, acariciando-a com sua rigidez. Unindo as sobrancelhas, contorcendo o rosto como se
algo lhe doesse, afundou-se nela. Imediatamente a abraçou, contendo um grunhido.
Norah mordeu o lábio inferior para não gritar. Não de dor, mas de surpresa ao sentir seu interior
ser expandido depois de tantos anos. Demoraram alguns instantes antes que Caio finalmente se
movesse – tendo a pele toda empolada –, gemendo e liberando um repreensível palavrão a cada
investida.
Norah não era afeita a xingamentos, mas no momento entendia cada um deles e em pensamento
liberava sua cota de palavrões. Sua pele poderia não estar toda arrepiada, mas o desejo agravado
pelo mover compassado em seu interior era torturante. E ficou pior quando Caio moveu uma das
mãos entre eles para estimulá-la. Não custou para que o gozo viesse vibrante, sendo impossível calar
um grito aflito ou não se apertar contra o peito largo.
– Ah, Norah...
No instante seguinte Caio a acompanhou, enrijecendo sobre ela, novamente se valendo de sua boca
suja para demonstrar o que sentia.
Muito trêmulo, suado, deixou-se cair sobre ela, abraçando-a ainda com força.
– Sei que não gosta de palavrões – disse rouco, ofegante –, mas... Puta merda!... O que foi isso?
Minha cabeça nunca foi capaz de recriar o que você é de verdade.
– Isso foi um elogio? – Norah gracejou, tentando modular a respiração, a voz.
Ela também não estava preparada para tudo o que Caio era.
– Pode ter certeza! – Ele se afastou para olhá-la, sorrindo. – Quase que minha reputação foi pro
espaço. Mas acho que me redimi, não?
– Agora está tentando conseguir um elogio?
Norah retribuiu o sorriso, acariciando o rosto próximo, sobre a vermelhidão ao redor do olho
esquerdo.
– Seria o mínimo depois de tudo – Caio a provocou. – Estou pra conhecer mulher mais difícil.
– Eu espero que não conheça outra – Norah disse sincera, livre de humor, sentindo-se possessiva.
– Eu nunca quis conhecer outra. Mas é praticamente impossível para um pirralho apaixonado ter
sua primeira vez com uma mulher casada e depois... Bem. Depois não havia muito que eu pudesse
fazer, não é mesmo?
– Não havia. – Norah segurou seu rosto e o beijou nos lábios para dissipar uma nuvenzinha de
preocupação. A menção ao seu casamento trouxe todo o resto. – Mas estou aqui agora, como você
sempre quis... O que vai fazer com isso?
Caio novamente fechou a expressão antes de se estender ao lado dela e fechá-la num abraço.
– Por mim, eu sairia agora e teria uma conversa muito séria com seus filhos – disse sem hesitar.
Ao senti-la se agitar, acrescentou – Mas eu sei que você não quer isso, então essa pergunta é minha.
O que vai fazer com o que começamos hoje?
– Eu não sei. – Norah admitiu, acariciando o braço que a prendia. – Se ficasse pensando no
“depois” não estaria aqui.
– Tá bem!... Mas agora precisa pensar – a voz era dura. – E pelo amor de Deus, não invente de
fugir de novo.
– Eu não vou. Eu... Ei, isso aqui é um N?! – ela se interrompeu ao distinguir a letra em meio à
tribal.
Sem respondê-la, Caio ergueu o braço minimamente e apontou o local onde ela viu a letra. Depois
moveu o dedo um pouco para a direita e o parou sobre o um O. Fez o mesmo e indicou um R, um A e
finalmente um H.
Para quem via o desenho como um todo, na posição correta, todas as letras estavam de cabeça
para baixo, disfarçadas entre os riscos; impossíveis de serem vistas. Ela conseguiu enxergar porque
as via da mesma posição que Caio.
Ao lembrar que ele fez a tatuagem tão logo completou 18 anos, pouco antes de ela ficar viúva,
Norah imediatamente se afastou e se sentou para encará-lo de frente. Vê-lo relaxado, recostado
contra o travesseiro como se a descoberta não fosse extraordinária a abalou mais.
O que esteve fazendo com a cabeça e o coração daquele garoto sem nem saber?
Queria dizer tantas coisas, mas faltavam palavras. Logo o silêncio passou a ser incômodo, e Norah
não sabia como quebrá-lo.
– O jeito que me olha diz que não está pensando boa coisa – Caio comentou, movendo-se
minimamente sobre a cama, preocupado. – Não está achando que eu seja um psicopata ou algo do
tipo, não é? Essa foi só uma homenagem, sem sacanagem envolvida, porque eu a queria sempre perto
de mim.
– Claro que não acho que seja um psicopata, mas... Isso é forte – tocou a tatuagem, sobre seu nome,
muito visível para ela. – Agora já não sei se fiz bem em vir... Tenho medo de nunca corresponder à
altura.
– Que não seja à altura – Caio lhe acariciou o braço até o ombro, arrepiando-a. – Apenas
corresponda sem nunca se arrepender de ter vindo. E não me esconda pra sempre.
Capítulo Dezoito

Novamente Norah não soube o que dizer. Caio merecia uma posição, mas simplesmente não tinha
as respostas. Aflita, piscou algumas vezes sentindo o ar rarear.
– Tudo bem! – Caio se sentou e segurou suas mãos. – Tudo bem! Não precisa dizer nada agora.
Não vou pressionar você a nada. Só... Só me diz que não foi só essa vez. Diz que não veio aqui para
provar sua teoria maluca de que eu sou um Édipo adotado que vai se conformar depois de traçar a
mãe.
– Eu não penso isso... Certo! Eu penso em parte. Ainda acho que esse sentimento começou por
confundir o que sentia, mas sei que hoje é de verdade. E, não... Não foi só essa vez.
– Isso é tudo que eu preciso saber por enquanto. – Caio sorriu completamente e de súbito piscou
matreiro. – Agora topa tomar banho comigo?
– Não – Norah negou, também maneando a cabeça. – Sem chance.
– Tudo bem, eu posso esperar – ele ainda sorria. – Mas você quer tomar banho, sozinha, ou se
lavar?
Norah assentiu.
– O banheiro fica aqui ao lado. Tem uma toalha limpa no suporte.
– Você promete não olhar quando eu levantar – Norah pediu.
Era realmente estranho.
– Prometo cobrir os olhos – Caio anuiu, sorrindo mais, antes de levar as mãos ao rosto.
Norah aproveitou e deixou a cama. Ela se abaixava para pegar a calça e as peças íntimas quando o
ouviu ordenar:
– Deixa isso aí. A gente não terminou ainda.
Ao se voltar para ele viu que o rapaz a olhava pelos vãos dos dedos.
– Ei! Você prometeu – ela resmungou correndo para a porta, mortificada.
– Prometi cobrir os olhos, não que não olharia – ouviu Caio gritar do quarto.
Ao se trancar no banheiro Norah sorria; divertida com a trapaça, um tanto nervosa com o que fazia.
Depois de modular a respiração, ela procurou pelo espelho e se pôs diante dele. Não saberia dizer
se sua pele estava melhor como costumavam dizer, mas sem dúvida o brilho em seus olhos e o rubor
em suas bochechas eram delatores.
Estava com medo do futuro, não sabia como olharia para Cássio à noite, mas se sentia feliz por
estar ali, sendo esperada para “mais” por um garoto lindo e assustadoramente apaixonado. Ansiosa
por voltar ao quarto para descobrir o que viria, Norah se banhou rapidamente, enxugou-se e se
enrolou na toalha.
– Hum... Prefiro quando está sem nada – Caio salientou ao vê-la de volta. Sorrindo ele deixou a
cama e demandou. – Passe pra cá essa toalha. Agora é minha vez.
Norah quis recusar, mas já começava a entender um pouco mais do rapaz para saber que seria em
vão, então domou sua vergonha e fez como pedido. Mas isso não impediu que se escondesse sob a
coberta no segundo seguinte.
Caio apenas alargou mais o sorriso, divertido, e saiu.
Uma vez sozinha Norah se pôs a analisar o quarto. O cômodo era básico como a sala. Havia a
cama, o criado-mudo, o guarda-roupa, a cômoda, o móvel onde ficava o computador e uma cadeira
confortável. Não havia pôsteres, quadros, nada nas paredes brancas.
Era um quarto masculino, sem toques femininos.
Detalhe que Norah considerou muito bom, antes de se acomodar no colchão firme, deitando de
bruços para abraçar o travesseiro que tinha o cheiro do rapaz.
– Nossa!
Ao ouvir a exclamação de Caio, Norah quis se virar.
– Não se mexa – ele pediu antes de sentar ao lado dela. Logo fez correr a colcha que a cobria,
afastando o tecido numa carícia desde as costas, contornando a cintura acentuada até apertar a nádega
direita, com força, surpreendendo Norah, que se retesou.
– Eu sempre me perguntei por que você tinha que ter tanta bunda – disse, passando a massagear os
dois montes de forma lenta, ritmada e ainda forte. – Eu ficava louco imaginando todo mundo olhando
pra ela e depois de hoje vou odiar porque essa bunda agora é minha.
E Norah iria contestar quando começava a se considerar toda dele? Nunquinha. O que fez foi
empinar seu traseiro para receber mais daquele carinho inédito e altamente excitante.
– Isso! Provoca mesmo sua safada.
Sem aviso Caio desferiu um sonoro tapa.
– Ai! Isso doeu!
– E você gostou.
Caio tinha razão. Doeu, mas foi bom.
– Eu sempre quis fazer isso. E isso – ele a beliscou e também foi bom, tanto que ela ofegou. – E
isso...
Certo. O último “isso” não era referente à bunda, mas àquele vão entre as pernas, onde ele
escorregou a mão e a tocou, levando Norah novamente a ofegar, abrir-se e empinar-se mais, sentindo
seus mamilos despontarem e apertarem o lençol.
– Ainda bem que eu nunca imaginei que fosse assim tão sem-vergonha Norah – Caio comentou
roucamente, massageando um ponto muito sensível –, senão já teria perdido o juízo de vez.
– Não sou sem-vergonha – Norah resmungou num gemido ao sentir dedos invadirem-na
intimamente.
– É sim. Talvez só não saiba. – Sem aviso, ainda se valendo de seus dedos para provocá-la, Caio
simplesmente mordeu sua nádega. – Eu também sempre quis fazer isso. Eu amo sua bunda Norah.
Ela quis protestar, porque de verdade doeu, mas não teve a chance. Surpreendendo-a mais uma
vez, Caio a girou sobre a cama e se acomodou diante dela.
– Mais uma coisa que sempre quis fazer...
Norah ofegou e conteve a respiração ao vê-lo se curvar. Caio não... Ela soltou todo o ar num arfar
e se retesou ao sentir a língua morna a tocar com indecente intimidade; invadindo. Nunca seu marido
fez aquilo, pois considerava anti-higiênico. Por sua inexperiência ela compartilhava do pensamento.
Até aquele momento!
Quis se afastar por instinto, pela agonia que a boca exploradora lhe causava, mas estava adorando.
Especialmente por ter aqueles olhos de cor indefinida e linda, fixos nos dela, como se seu dono
quisesse registrar cada reação enquanto a prendia firmemente no lugar e a beijava.
Sim, beijava obscena e profundamente.
Norah perdeu o contato visual ao se contorcer reflexiva com a chegada do gozo violento. E nem
assim Caio encerrou o beijo íntimo, fazendo-a gritar para que parasse e para que continuasse e então
que parasse senão a mataria.
Era impossível não xingar.
– Puta merda!
– Você falou um palavrão. Mas fico feliz que tenha gostado. – Caio era a imagem do
convencimento. E do pecado. – Tenho que assegurar minha reputação.
– Sua reputação... é a melhor possível – Norah soprou arfante.
– Que bom! – Caio sorriu e se ajoelhou, exibindo sua ereção sem qualquer reserva, encarando
Norah de forma intensa. – Agora é hora de você consolidar a sua, tendo o mesmo cuidado.
Norah maximizou os olhos. Olhou para o rosto dele e para o pequeno dele – nada pequeno –, e
novamente para o rosto.
– Não espera que eu... – indicou-o, sem palavras. Ela nunca...
– Ah, eu conto com isso – Caio garantiu, sorrindo, aliciador. – Estou experimentando ver até onde
vai sua safadeza. E você quer... Eu sei que quer. Talvez desde aquela noite no seu apartamento.
Certo! Caio era muito, muito convencido. E não, ela não quis desde a ocasião citada. Mas tinha
que reconhecer que no momento a curiosidade começava a falar mais alto do que a reserva.
Caio tinha um corpo perfeito sem ser bombado e aquela parte dele, rija e altiva parecia verbalizar
um convite.
– Eu nunca fiz isso – admitiu.
– Melhor pra mim – Caio sorriu mais. – O privilégio de ser o primeiro será meu. Só não me
morde. De resto, pode fazer o que quiser.
O que quiser, ele disse... Mas ela nem sabia como fazer!
Só tinha certeza de que agora queria fazer alguma coisa, então se aproximou, admirou-o de perto,
prendeu a respiração e o lambeu; da base ao cume. Caio se retesou e liberou um de seus tantos
palavrões. Norah quis acreditar que agiu direito, então o lambeu mais uma vez antes de juntar toda
sua coragem e descer a boca sobre o pequeno, e agir.
– Puta que pariu Norah! – ele gemeu. – Puta que pariu... Pra quem nunca... Puta que pariu! Ai,
dente, dente... Não morde! Só a boca... Isso... Ah!... Merda!... Não pare... Isso... Não pare... Tá, pare
sim!... Se você nunca fez é melhor parar... Pare Norah!
Ela não parou. Não poderia quando estava adorando a agonia na voz dele, o estremecimento do
corpo e a pele toda empolada. Sabia por que Caio a alertava, mas não se importou. Estava quebrando
barreiras ali. Erguidas por seu marido amoroso, porém conservador, agora ela sabia.
Quando o mover compassado de seus lábios trouxe a satisfação final, Norah estava preparada. Foi
estranho a princípio, mas nada que lhe causasse asco, então o imitou e o torturou, deliciando-se com
os xingamentos e os gemidos alto demais, até que fosse obrigada a soltá-lo.
– Minha nossa, Norah! – Caio exclamou ao tombar na cama, ofegante, suado. – E ainda diz que não
é sem-vergonha!
Norah sorriu, mirando o teto. Talvez ela fosse sem-vergonha!
– Diz de novo que não foi só dessa vez – ele pediu de súbito, em nada se assemelhando ao homem
convencido de minutos atrás, apertando a mão dela, próxima a dele. – Diz que escolheu ficar comigo
apesar de toda complicação.
– Eu escolhi ficar com você apesar de toda complicação. – Achou necessário dizer todas as
palavras. Parecia que Caio precisava mesmo ouvi-las. – Não vai ser só dessa vez.
– Ainda bem! – Caio gemeu e se colocou sobre ela para beijá-la, invasivo, sem se importar com as
últimas ações de suas bocas.
Sendo assim, Norah também não se importou e retribuiu com paixão até que ele a soltasse, mas
sem se afastar. Olhando-o de perto, perdida no olhar castanho-azulado, Norah acariciou-lhe o rosto.
Quando o silêncio e a intensidade do olhar começaram a constrangê-la, perguntou, ainda movendo
os dedos no queixo peludo.
– Por que deixou ficar assim? Sempre manteve o rosto limpo.
– Pra parecer mais velho – Caio respondeu sincero antes de saltar da cama com agilidade
admirável. – Vou buscar algo pra você comer. Quero te tratar bem, como sempre faz comigo.
Antes que Norah pudesse negar, o rapaz recolheu a calça jeans e deixou o quarto. Ela não estava
com fome, mas teria a delicadeza de comer o que ele trouxesse.
Sorrindo da intempestividade masculina e da iniciativa de parecer mais velho, Norah deixou a
cama para se cobrir ao menos com a calcinha e o sutiã. Recolheu também sua calça e a depositou na
cadeira diante do computador.
Norah recolheu ainda o envelope com a camisinha dispensada, decidida a deixá-lo onde Caio o
pegou. Abriu a gaveta e jogou dentro a embalagem. Voltava a fechar a gaveta quando seu olhar foi
atraído para um objeto conhecido.
Trêmula, Norah pegou o porta-retrato que enfeitou o aparador da sala de jantar desde seu
casamento. O objeto tinha desaparecido misteriosamente há alguns anos.
Ainda decidia o que pensar quando Caio voltou ao quarto, trazendo um prato e um copo com suco.
– Preparei sanduíches, e só tinha esse pouco de suco de manga. Depois eu...
Caio estacou ao ver o que Norah segurava. Ele lhe sustentou o olhar por um instante, como alguém
pego em falta grave, então suspirou resignado e se aproximou. Depois de deixar o prato e o copo
sobre o criado-mudo, sentou-se na beirada do colchão.
– Quer brigar comigo?
– Eu, sinceramente, não sei o que quero. A cada novo detalhe tenho mais medo desse seu
sentimento. Você não somente pegou isso do meu apartamento como cortou a foto.
– Tá! Não foi certo o que fiz... Mas eu tinha que cortar. Por mais que gostasse do Sr. Mendes, não
iria querer ele olhando para mim enquanto secava a mulher dele.
– Sério, Caio... – Norah pôs o porta-retrato de lado e o encarou. Não queria brigar com ele,
apenas entendê-lo. – Só me explica por que alimentou sua fixação?
Como ele não respondeu, insistiu.
– Você é inteligente. Sempre soube que era errado, que não tinha futuro, então por que não tentou
fugir disso?
– E quem disse que eu não tentei? – Caio franziu o cenho. – Acho que se lembra que por um tempo
eu diminuí as idas ao seu apartamento.
Norah assentiu. Foram quase dois anos de distanciamento antes que Cássio e ele tivessem
dezessete anos. Por vezes ela acreditou que os meninos tivessem brigado por algum motivo, mas
Caio sempre acabava aparecendo um dia ou outro, então não deu maior importância.
– Pois então – ele prosseguiu. – Eu tentei, mas não deu certo... Já falei dos sonhos. Não foi uma
bobagem romântica pra te impressionar. Eles acontecem de verdade. Até hoje! Não pense que é legal
gostar de alguém que sabe que não vai ter. E isso não tem nada a ver com inteligência, Norah, afinal
nunca me considerei um idiota. Eu sabia que nunca teria uma chance, mesmo que no fundo tivesse
esperança de que algo acontecesse para mudar essa situação e você me enxergasse. Que parasse de
me tocar só pra bagunçar meu cabelo como se eu fosse um moleque.
– Me desculpe por isso.
– Tudo bem! – Caio deu de ombros e esboçou um sorriso, nada convencido. – Agora sabe que eu
cresci. – Novamente sério, depois de pegar o retrato dela, falou intimista: – Isso era tudo o que eu
tinha. E depois que minha avó não podia mais me proibir eu a marquei em mim – ele indicou a tribal.
– Acho que pra você tudo isso é mesmo assustador, mas pra mim é normal. Era só o que eu tinha
droga!
– Shhh... – Norah soprou, aproximando-se para lhe segurar o rosto. Ter o olhar sentido no seu
dissipou o medo; um pouco. – Eu entendo agora. E quero que também entenda que, não sinto medo
“de você”, só de nunca retribuir. Já disse isso!
– E eu já disse que não importa desde que retribua de alguma forma. E não me esconda pra sempre
porque que quero que seja de verdade, não só um caso. Quero poder sair com você Norah. Quero te
mostrar como minha namorada. Se for firme Cássio vai entender.
Seria tão simples?
Capítulo Dezenove

Norah quis acreditar que sim, mas não tinha ilusões. E ao chegar ao apartamento, ainda cedo, e
encontrar o filho carrancudo que a esperava ela teve a certeza daquilo que sempre soube.
– Onde a senhora estava? – ele a interpelou, avaliando-a.
– Tive trabalho fora do estúdio, depois da minha aula – mentiu, olhando para um ponto além dele;
não tinha coragem de encará-lo.
– E isso impede de atender o celular? A senhora nunca chega fora de hora. Tem certeza de que não
estava com aquele Jonas?
Antes de responder Norah se lembrou das palavras de Caio. O filho poderia não entender, mas ela
tinha que ser firme.
– Se estivesse com ele não seria da sua conta – retrucou decidida. – Agora me deixe tomar banho
antes de ver o que vamos comer essa noite.
Ao passar pelo filho, Cássio a surpreendeu, segurando-a pelo braço.
– Eu não quero! – declarou sério. – Não quero a senhora com ninguém! O que aconteceu afinal?
Tudo não estava bem como sempre foi?
– Me solta! Está doido? – ela demandou aborrecida.
– Me desculpe mamãe... – Cássio se afastou. – É estranho ver a senhora assim, solta.
– Pois se acostume! – Norah ordenou e o deixou.
Ao se fechar no quarto ela se perguntou como, algum dia, poderia assumir o que começou naquela
tarde com alguém tão impróprio.
Não tinha como, não há curto prazo. E com o passar do tempo parecia tão fácil manter o caso em
sigilo.
Depois de anos enclausurada, enlutada, sem sexo, descobrir na cama de um garoto bem-disposto,
desbocado e sem-vergonha tudo o que esteve perdendo a viciou. Tanto que Norah reorganizou sua
agenda para que tivesse uma hora livre todos os finais de tarde de seus dias úteis para estar com
Caio.
Às quintas se tornaram ainda mais especiais. Por ser dia de “aula” Norah se encontrava com seu
instrutor mais cedo. E contava cada cinco minutos até a hora marcada sabendo exatamente o que
aconteceria, pois Caio tomava o devido cuidado de logo cedo lhe enviar flores e um cartão bem
descritivo.
E todas às vezes que ele se moveu dentro dela cumprindo o prometido – não importando as
obscenidades que fez até chegar àquele ponto –, culminando num gozo forte e compensador, Norah
tinha a certeza de que não iria arriscar perder o que tinham.
Encontrarem-se fora do apartamento dele foi complicado nos primeiros dias.
Como Caio não poderia mudar a conhecida rotina, frequentava seu apartamento na qualidade de
amigo de Cássio, chamava-a de tia – agora com facilidade e certa malícia, nítida somente para ela –
e saía à caça como integrante do quarteto.
Evidente que no dia seguinte às saídas Norah sabia pelos outros rapazes que ele não deu maior
atenção a nenhuma garota, mas isso não a impedia de rolar na cama, remoendo seu ciúme.
– Você não tem que passar por isso – Caio a lembrou quando, certa tarde, ela revelou como se
sentia; depois de ser levada ao céu. – Se abrir pra todo mundo que a gente tá junto eu me retiro do
mercado – provocou-a.
Norah sabia que ele não estava no mercado; não de verdade. Então se acostumou, mesmo que Caio
incitasse seu ciúme às vezes para obrigá-la a assumi-lo.
Não aconteceu.
O arranjo parecia perfeito. Com pouco mais de um mês Norah já não se recriminava por ocultar
seu envolvimento dos filhos.
Cássio não a interpelou novamente, mas se mantinha vigilante. Por vezes a olhava com
desconfiança, mas associava seu bom humor a Jonas, e ela simplesmente não desfazia o mal-
entendido. Eliza, no início de sua mudança, a cercava, ansiosa em conseguir detalhes. Como não os
conseguiu, desistiu. Apenas a incentivava, mostrando-se feliz pela mãe ter arrumado companhia; algo
que para ela estava claro.
Entre seus conhecidos, a única que sabia de seu caso era Anita.
– Ai meu Deus! – ela exclamou quando soube. – Você parou de fugir do bravinho lindo?!
– Pois é... – Norah ergueu os ombros, um tanto orgulhosa pela admiração da amiga.
– Até que enfim! Quando vou conhecer seu namorado marrento?
Caio não era exatamente um namorado, mas Norah não corrigiu.
– Por ele, você já o conheceria, mas ainda é cedo.
– Só porque ele é mais novo – Anita torceu o nariz.
– Só porque ele é amigo do Cássio. Lembra dele? O filho ciumento que mora comigo?
– Você sabe que não pode esconder isso pra sempre, não sabe?
– Sei, mas não quero pensar nisso agora. Por enquanto está bom como está! – foi categórica. – E
seria legal se me ajudasse.
Foi depois disso que a agenda foi reorganizada e Anita se tornou uma cúmplice valiosa,
confirmando trabalhos fora de hora sempre que Cássio especulava descaradamente quando a mãe
avisava antes que chegaria tarde.
Vez ou outra, na hora do almoço, a assistente também se retirava do estúdio – como naquele dia –
para que a patroa recebesse o “namorado marreto”, assim teriam mais tempo juntos.
– Você sabia que é fotogênico? – Norah indagou, olhando Caio pelo pequeno monitor da câmera,
ajustando o zoom.
Era incrível! Não tinha um ângulo que fosse ruim. Ansiava fotografá-lo, mas não o fazia.
Não poderia criar provas que denunciassem sua transgressão.
– E você sabia que fica muito gostosa usando só essa câmera? – ele replicou e tentou puxá-la para
perto. Falhou, pois Norah se esquivou a tempo. – Diz pra mim que não trabalha pelada assim.
– Depende do dia... E se o modelo é interessante. – Ela sorriu, provocando-o.
– Depende do modelo, é, sua cretina? – Caio avançou mais uma vez e a pegou para então derrubá-
la sobre o acolchoado estendido no chão da sala.
– Ei! Cuidado, garoto! – A câmera foi salva de bater no chão por um triz.
– Retire o que disse – ele demandou sério.
Norah o encarou por um instante, ainda sorrindo até que acreditasse na bronca. Sempre o
encarando, uniu as sobrancelhas, retirou a alça de seu pescoço e colocou a câmera de lado.
– Está falando sério?
– Claro! – Caio a prendeu sob ele. – É lógico que não a parte de trabalhar pelada, mas não sei se
fica reparando nos modelos que fotografa.
– Retiro se você me disser que não repara nas meninas bonitas que encontra na balada – ela
rebateu.
– Nunca gostei de meninas. Meu primeiro interesse foi por uma mulher e é só nela que reparo.
– Para quem não gosta de meninas você abateu um número considerável delas – Norah não queria,
mas foi afetada pelo assunto que o ciúme de Caio iniciou. – Eu sempre ouvi as conversas do
“quarteto fantástico”, esqueceu?
– E eu ia ser fiel a alguém que nunca seria minha? Eu sou homem, oras. E já que citou as conversas
daqueles linguarudos exibidos sabe que, desde que começou a frenquentar meu apartamento, quando
eu vi a mínima possibilidade de ter você, nunca mais abati ninguém.
– Sei disso e gosto muito! – Norah o abraçou e moveu um dedo ao longo das costas dele, sorrindo
ao empolar da pele, ao infalível estremecimento. – Por que começamos esse assunto mesmo?
– Porque eu tenho ciúme de você. Eu quase pirei nas vezes que saiu com aquele Jonas e agora não
gosto de imaginar que fica reparando nos modelos que veem aqui. Não desconverse.
Ela poderia desfazer o mal-entendido com Jonas, ao menos para ele, mas a envaidecia saber que
Caio quase pirou por imaginá-la com alguém que nunca a interessou. Só não alimentaria o ciúme
quanto ao seu trabalho.
– Vou lembrar a você que também sempre esteve perto. Sabe por experiência própria que não
reparo muito em quem está a minha volta. E quando aconteceu foi para ver você, que é tão jovem e
bonito quanto qualquer modelo que vem aqui, então...
– Seria tão melhor se me assumisse. – Caio chegou onde queria, Norah soube.
No fim sempre se tratava de apresentá-lo como namorado.
– Por enquanto não está bem assim? – Ela o forçou para que se deitasse de costas e montou em seu
quadril.
– Não.
– Nós nos vemos todos os dias – Norah o beijou no peito e mordiscou sua pele, descendo uma das
mãos pelo abdômen firme até tocar o pequeno e adulá-lo. – Nós nos amamos praticamente todos os
dias.
– Eu quero mais – Caio soprou e fechou os olhos ao começar a enrijecer na palma dela.
– E eu quero você... – Norah se valeu do desejo dele e o encaixou dentro dela, movendo-se para
distraí-lo.
– Norah... – gemeu ele, tornando-se participativo; como sempre.
E não voltou ao assunto.
Capítulo Vinte

No sábado seguinte o quarteto se mostrou sem disposição para a costumeira noitada de abate. Na
verdade, Marcos e Denis andavam um tanto afastados, cada vez mais interessados nas meninas que
conheceram em Cabo Frio e até onde Norah tinha entendido estavam levando as saídas a sério.
Caio, há tempos, somente os acompanhava. Com isso restava Cássio. Como não iria à caça,
sozinho, ele convidou todos para o apartamento da mãe.
Marcos e Denis levaram as namoradas: Lia e Clara. Eliza recebeu Leandro, que trouxe as pizzas e
a cerveja. Caio chegou sozinho e, como nas outras ocasiões, cumprimentou a todos e a ela por
último.
– Boa noite, tia Norah!
– Boa noite, querido! – Agora era normal cumprimentá-lo na presença de todos.
Sem demora ele foi para seu eterno posto junto à janela e se acomodou no pufe que Eliza trazia de
seu quarto. Depois de atender a todos e se certificar que tinham tudo o que precisariam à mão, Norah
foi para seu quarto.
Sim, era normal recebê-lo, não ficar no mesmo cômodo, ignorando-o, sem que houvesse
necessidade. Com isso ela preferia se acomodar em sua cama e ler, ouvindo as risadas de todos.
Estava entretida com a leitura quando ouviu o toque da campainha. Norah não sabia quem mais
poderia chegar, e não deu maior importância, até que ouvisse vozes exaltadas.
A de Cássio era a mais audível.
Depois de deixar o livro de lado, Norah calçou seus chinelos e correu. Ao chegar à sala estacou
por um instante ao ver Marcos, Denis e Leandro postos ao lado de um Cássio preparado para a briga,
empoando o peito para o recém-chegado.
Norah não sabia o que Jonas ainda poderia querer com ela ou porque apareceu sem aviso.
Evidente que se preocupou com o filho, mas seu olhar correu instintivamente para Caio, que
simplesmente se mantinha longe da confusão, com as mãos postas nos bolsos da calça, ignorando sua
chegada. Não tinha como lidar com a bronca dele no momento.
Saindo da inércia, Norah se aproximou da porta, olhando para Jonas.
– Oi. O que está acontecendo aqui?
– Eu que pergunto – Cássio se voltou para ela, antes que Jonas respondesse. – A senhora o chamou
esse cara?
– Conversaremos sobe isso depois – Norah foi firme e saiu, empurrando um Jonas atônito pelo
peito para que se afastasse. Quando os dois estavam no corredor, ela fechou a porta atrás de si e
cruzou os braços, defensiva. – Então... O que veio fazer aqui?
– Eu estava na cidade e pensei em me desculpar pela última vez que nos vimos – ele respondeu.
– Está um pouco tarde para isso, não? Meses de atraso.
– Eu saí do Rio no dia seguinte ao casamento. Consegui seu número, mas você nunca atendia as
ligações. Parece que seu celular ficou desligado por dias, então desisti. – Jonas colocou as mãos nos
bolsos da calça. Parecia realmente arrependido. – Voltei só ontem. Já queria ter vindo, mas tive
alguns compromissos, por isso só pude aparecer agora.
Norah se desarmou. Não tinha como culpá-lo completamente quando o encorajou durante todo o
tempo que passaram juntos. Depois de também colocar as mãos nos bolsos de sua calça ela assentiu.
– Tudo bem! – disse. – Mas poderia ter ligado.
– Eu liguei e avisei que viria. E um rapaz, seu filho provavelmente, atendeu e disse que não viesse.
Como meu assunto era com você vim mesmo assim... Mas está claro que não fiz bem. Já vi meninos
ciumentos, mas isso... – ele indicou a porta numa clara alusão ao rapaz irritadiço do outro lado. –
Qual é o problema dele?
– Cássio não administra bem a perda do pai – Norah se sentiu na obrigação de explicar em defesa
do filho. – E não quer ninguém no lugar dele.
– Até aí eu também entendo, mas por que seu filho cismaria comigo? Nós conversamos uma vez.
Teve uma carona e nada mais... E mesmo que algo acontecesse entre nós não significaria que eu fosse
ser padrasto dele. Achei essa reação violenta demais.
Quanto àquilo a culpa era exclusivamente dela por nunca corrigir a confusão.
– Ele é exagerado – ela murmurou. – Desculpe por esse mal-entendido.
– Ah... Tudo bem! – Jonas se mostrou condescendente, sorriu e estendeu a mão. – Garotos são
mesmo assim, exagerados. E aceito suas desculpas se aceitar as minhas.
Norah não tinha razão para recusar o acordo então apertou a mão estendida e sorriu. A porta foi
aperta no momento exato e Caio surgiu no limiar. Impassível, olhou as mãos unidas e encarou Norah
duramente.
– Tem um filho surtando aqui dentro. Será que vocês não poderiam conversar outra hora?
– Por mim tudo bem – Jonas anuiu, ainda sorrindo. – Podemos sair amanhã Norah, o que me diz?
– Infelizmente não vai dar... Mas obrigada pelo convite e pelo cuidado em vir aqui hoje.
– Certo, então. Eu ligo para você outra hora... Boa noite!
– Boa noite! – Somente Norah se despediu. Caio já tinha entrado, deixando a porta aberta para que
ela o seguisse.
Ao entrar os olhares chisparam para ela, que ignorou a todos e seguiu para o corredor.
– Cássio, eu quero falar com você. Agora!
Ao entrar no seu quarto ela manteve a porta aberta até que o filho entrasse.
– Muito bem... O que foi aquilo?
– Eu não aguentei a cara de pau dele. Acredita que ele disse que esteve fora da cidade e que não a
via desde o casamento? Eu lá tenho cara de idiota?
No fim, novamente, ela era a culpada.
– Não é mentira Cássio – revelou, tarde demais. – Nós nos vimos mesmo no casamento. Ele me
deu uma carona e só.
– Vocês passaram a noite juntos – disse o rapaz, lívido, acusador. – A senhora chegou quase de
manhã.
– Porque fiquei na rua, pensando na vida! – Norah se exasperou. – Jonas não me levou para lugar
algum. Nem me trouxe aqui. Eu queria andar... Então ele me deixou na praia – editou a verdade. – Eu
passei a noite sozinha!
– Isso é verdade?
Cássio se mostrou tão cansado, aliviado, que a comoveu. Sorrindo conciliadora abriu os braços e
moveu as mãos para que ele fosse abraçá-la. O filho não se fez de rogado, e logo se aninhava junto
ao peito da mãe.
– É verdade, sim, querido.
– Desculpe por pensar mal da senhora – pediu sem erguer a cabeça, junto ao pescoço dela. – Eu
deveria saber que não é mulher de casos. Nunca mancharia a memória do papai.
Como responderia àquilo? Não tinha resposta, então apenas o apertou mais.
– Esqueça isso... Jonas não vai mais voltar.
– Obrigada! – Cássio também a apertou mais no abraço. – Eu te amo tanto, mãe!
– Eu também te amo, meu querido...
Ao se calar foi inevitável lembrar as palavras de Caio, sobre o sentimento que o filho nutria por
ela; em como ela alimentava a possessão. O rapaz tinha razão, ela reconheceu, mas não via como
mudar anos de condescendência num único instante.
– Escute... – ela se afastou, quebrando o abraço. – Volte para a sala e se divirta. Não deixe que
nada estrague uma noite que estava tão animada.
– Vou fazer isso... Putz! E agora tenho que me preparar pra zoação. – Cássio riu, passando as mãos
pelos cabelos.
Depois de beijar o rosto da mãe, demoradamente, saiu.
Norah se preparava para segui-lo, pois precisava ao menos olhar para Caio e tentar indicar que o
episódio não tinha importância alguma, porém Eliza surgiu veloz como um raio e a empurrou de
volta. Depois de fechar a porta atrás de si encarou a mãe com os olhos maximizados.
– Está acontecendo alguma coisa entre a senhora e o Caio. – era uma afirmação.
Norah piscou algumas vezes e procurou voz para negar, mas a moça voltou à carga.
– Não negue mamãe. Eu tenho observado vocês dois nos últimos dias. Os olhares que trocam
quando pensam que ninguém vai ver. Como Caio te toca sempre que tem a oportunidade e a senhora
fica toda vermelha. Sem contar que está mais vaidosa, especialmente nos finais de semana. Eu não
queria acreditar, mas depois de hoje... Caio não atacou o Jonas, mas parecia pronto pra socar o
infeliz. E depois, quando a senhora saiu, ele ficou branco feito papel e depois muito vermelho.
Cássio não reparou porque estava aborrecido demais, cercado pelos outros, mas Caio ficou zanzando
na frente da porta, como se tentasse ouvir alguma coisa até que não aguentou e foi te chamar.
– Eli...
– Não adianta negar mãe – a filha repetiu, indo até ela. – E não se preocupe. Não vou julgar o que
está fazendo. Eu até acho que o Caio sempre gostou da senhora. Já disse que sou a favor de que tenha
alguém. E daí que ele é mais novo?
– Dezessete anos... – Norah murmurou incerta.
Seus filhos eram opostos extremos. Como podia se os criou do mesmo jeito?
– Melhor ainda! Ele tá cheio de energia. – Eliza revirou os olhos, livrando-a da cisma. – Sua pele
tá ótima ultimamente!
– Certo! Pode parar – demandou Norah, constrangida. – Estou feliz que aprove, mas sabe que não
vou falar dessas coisas com você. Não sou tão moderna.
– Uma pena! – a moça deu de ombros, então sorriu. – Obrigada por não negar.
– Você não me deu alternativa, menina.
– E até quando a senhora acha que vai conseguir esconder? Sabe que mais dia, menos dia o Cássio
vai ver o mesmo que eu vi e então... Eu não quero estar na pele do Caio. Ele sabe voar?
Norah não conseguiu rir do gracejo. Sabia que não podia sustentar aquela situação para sempre e
naquela noite ficou claro que deveria agir o quanto antes.
– Vou dar um jeito de preparar seu irmão. – Não soou muito convicta.
– Acho que ele nunca vai estar preparado. A senhora devia era contar de uma vez, como se
arrancasse um curativo. Uma puxada precisa, assim a dor é uma só.
– Prefiro do meu jeito. – Cássio merecia o cuidado. Para encerrar o assunto pediu – Já que agora
tem certeza, acha que consegue passar um recado para o Caio sem que percebam?
– Ih... – Eliza maneou a cabeça. – Ele foi embora assim que a senhora entrou com o Cássio.
– E você me diz isso só agora?! – Norah correu até seu celular. – Vá, volte para a sala, por favor!
Eliza saiu sem mais palavras, olhando para a mãe, sorrindo contente. Porém Norah sequer notou,
entretida a procurar o número de Caio na agenda do aparelho.
Sentada sobre a cama, Norah esperou que ele atendesse.
Capítulo Vinte e Um

O celular estava ligado, tocava e nada.


Norah bufou exasperada antes de atirar seu aparelho sobre a cama. Caio também merecia seu
cuidado, e uma explicação, mas não poderia se arrumar e sair atrás dele.
Não sem gerar um novo conflito.
Então a ideia veio. Depois de enviar uma mensagem de texto, Norah apenas esperou. Menos de
cinco minutos depois o telefone do apartamento tocou. Logo Cássio colocava a cabeça no vão da
porta, e repassava o recado para a mãe, que lia muito atenta seu Alta Tensão.
– Anita acabou de ligar. Disse que tentou no seu celular, mas que não conseguiu. Parece que há
algum problema com as fotos que vocês precisam entregar na segunda.
– Nossa! – Norah rodou na cama e se pôs de pé. – Essas fotos são muito importantes... Se
acontecer alguma coisa...
– Espero que não seja nada grave – disse antes de deixá-la.
Norah nem ao menos se recriminava, pois o filho não lhe dava alternativas.
Apressada, apenas se calçou, pegou a bolsa, o celular e saiu.
Enquanto descia, notou o quanto estava trêmula. Nunca antes se sentiu tão nervosa, ansiosa ou...
Sim, houve uma vez, recordou. Mas não seria certo comparar uma saída sem despedidas de Caio a
uma morte.
Era absurdo!
Bem, absurdo ou não, sentia-se aflita como na vez anterior e estava claro que não tinha condições
de dirigir.
Antes de sair para a calçada já tinha ligado para a companhia de taxi.
Esperou apenas cinco minutos.
Enquanto era levada até Caio, Norah cogitou a possibilidade de ele não ter ido para seu
apartamento, mas não se deixou abater. O alívio veio apenas ao avistar a Suzuki estacionada no
pequeno pátio do prédio.
Logo Norah tocava a campainha, rogando para que o rapaz não fosse infantil ao ponto de não
recebê-la. Não foi.
Caio a atendeu e a encarou duramente, sem surpresa em vê-la à sua porta.
– Não precisava ter vindo. – Foi seco, dando-lhe passagem.
– Precisava, sim.
Norah entrou, depositou a bolsa sobre o sofá num gesto cansado e esperou que Caio fechasse a
porta. A expressão carregada dele ao encará-la apagou todas as palavras que ensaiou dizer, ao longo
do caminho.
– Veio pra ficar olhando pra minha cara? – Caio indagou com rispidez e cruzou os braços,
defensivo.
– Claro que não!
Tinha tanto a dizer, mas não se animava a falar com ele a olhando daquela maneira. Parecia que
nada o agradaria.
– Então? – Caio ergueu os ombros, sem descruzar os braços, tentando parecer indiferente.
– Me desculpe. – Norah deu um passo à frente, mas estacou ao vê-lo recuar. – Eu não sei de onde
Jonas tirou a ideia de aparecer sem avisar.
– Ah! Foi esse o problema? – Caio escarneceu, simulando surpresa. – Se tivesse avisado... Tudo
bem?
– Não! Você entendeu o que eu...
– Sinceramente eu não entendo nada! – cortou-a. – Agora que a gente tá junto, o certo seria dar
satisfações pra mim, não pro seu filho.
– É sério isso?! Queria que eu chamasse você para explicar alguma coisa?
– Quer saber? Eu queria! Mas não dava, não é? Eu sou só o amigo da família. Só mais um entre
todos os outros garotos superficiais do grupo.
– Sabe que é mais do que isso para mim!
– Eu quero que todo mundo saiba que sou mais do que isso pra você, porcaria! – Caio alteou a
voz. – Tinha que ser eu a colocar aquele velho folgado pra correr, não seu filho. Mas nem me
aproximei daquele idiota, com medo de chamar a atenção e denunciar o que você se empenha em
esconder. Agora eu nem sei mais como agir, droga!
– Afinal de contas o que acontece com todos vocês? – Ela também se exasperou. – Vivem no
século XXI, mas agem como brucutus. Ninguém tinha que colocar ninguém para correr, afinal se
espera que sejam civilizados.
– Pois eu queria deixar minha civilidade marcada bem no meio da cara daquele cínico quando
disse que só te viu no casamento. – Caio agitou o punho no ar, raivoso. – Foi por isso que o Cássio
partiu pra cima dele. Você não é qualquer mulher pra ele negar que saíram juntos, argh!
– Mas é verdade. – Norah abriu os braços, derrotada. – Eu menti pra manter você longe. Será que
é tão difícil notar que nós nunca tivemos nada? Vindo do Cássio eu até entendo, mas de “você”?! Eu
nem lembrava como se beija quando ficamos juntos, merda!
Caio piscou algumas vezes, encarando-a, ainda aborrecido. Então se desarmou. Sua expressão
gradativamente suavizou. Ele levou as mãos aos bolsos da calça e suspirou.
– Você falou um palavrão – comentou, torcendo os lábios, incerto. – Sei que já desculpou o brucutu
que pôs no mundo. Agora acha que pode desculpar esse aqui?
– Não tenho o que desculpar.
Não quando errou. Não quando Caio ficava tão apetitoso encabulado quanto bravo.
– Bom... Já que tá tudo certo acho melhor você ir embora agora.
– Eu acho que não – Norah o contradisse antes de praticamente se atirar sobre ele. Ao enlaçá-lo
com os braços e as pernas, Caio a sustentou pelas nádegas e a beijou, prendendo-lhe a língua, aflito.
– Temos tempo? – Caio quis saber, sem desfazer o beijo.
– Temos horas... Anita me chamou para resolver um problema complicado.
– Gosto muito dessa sua assistente! E dessa sua bunda.
– Prove.
E Caio provou. Um tanto indelicado; possessivo até. Segurando-lhe os cabelos da nuca, obrigando
Norah a erguer o quadril enquanto lhe apertava uma das nádegas com a mão livre ao possuí-la por
trás. Investindo com força, entre gemidos e nomes feios, até que a satisfação máxima viesse
estremecê-los, exauri-los, para que tombassem lado a lado.
– Eu... – ele começou antes mesmo que recuperasse o fôlego – voto por mais brigas...
– Eu veto – Norah sussurrou. – Não gosto de brigas... Nem quando as reconciliações são as
melhores.
– Tá... Esqueça o que ouviu... Foi só meu pequeno falando... Hoje foi mesmo horrível! Eu não
suporto aquele cara, Norah... E você tem que reconhecer que nossa situação também começa a ficar
insustentável.
– Eu sei.
Ela fechou os olhos.
– Olhe pra mim – Caio pediu. Ao atendê-lo, Norah o descobriu apoiado num dos braços, inclinado
sobre ela. – Já que sabe... O que pretende fazer? Hoje foi isso, amanhã é outra coisa... E temos
Cássio.
– E temos Cássio. – Norah repetiu.
Na verdade, o filho sempre foi o problema maior.
– Você quer que eu fale com ele? O máximo que pode acontecer é a gente brigar. Eu prometo que
deixo até ele me bater se quiser... Eu bateria nele se tivesse pegando a minha mãe.
– Seu bobo! – Norah foi obrigada a rir da gracinha, mas não durou. – Não quero que briguem. E
sou eu quem deve contar. Também, o máximo que pode acontecer é brigarmos.
– Eu sinto muito que tenha que ser assim – disse sincero. – Se tivesse a mínima chance de eu voltar
a viver como antes, eu te deixaria em paz... Eu tava pensando nisso quando chegou, mas não tem
como.
– Não pense isso nem de brincadeira – Norah lhe tocou no rosto, coçando os pelos que cobriam o
queixo. – Não percebeu que antes eu também não tinha nada?
– Isso foi uma declaração! – Ele abriu um sorriso inteiro.
– Sim. Acho que me apaixonei por você.
Caio reagiu imediatamente. O sorriso completo desapareceu e ele se sentou muito ereto,
encarando-a com o cenho franzinho.
– Se apenas acha, não fala – pediu rouco. – Não fala porque isso não é brincadeira!
Ao notar a expressão torturada, Norah entendeu que foi leviana com alguém que a idolatrava, que
mantinha uma foto roubada na gaveta ao lado, que tinha seu nome no braço. Caio nunca nomeou o
sentimento, mas tamanha devoção era amor.
Assustador, sim, mas amor.
– Eu me apaixonei por você – garantiu sem hesitar –, e não estou rindo.
Caio uniu mais o cenho e fechou os olhos com força, respirando profundamente. Norah se sentou,
preocupada ao ver que ele estremecia.
– Caio, eu não estou brincando, juro!
– Eu sei. Minha reação é que... está sendo ridícula.
Ao perceber o embargo na voz, Norah entendeu. E se enterneceu. Se acaso ainda não tivesse
acontecido, ela se apaixonaria naquele instante.
– Você vai chorar – disse reflexiva, surpresa.
Caio maneou a cabeça vigorosamente, mas as primeiras lágrimas o desmentiram.
– Mas que porra! – Caio deu às costas a Norah, secando o rosto, enraivecido. – Isso é... É...
– Fofo!
– Fofo?! Que porcaria! Depois dessa eu acho que vou me bandear pro lado do Ariel.
Norah sorriu e o deixou quieto por um momento. Se também já não tivesse tomado a decisão de
assumi-lo, o faria agora.
Seria horrível brigar com o filho, mas por Caio aguentaria o baque. E também, a bronca de Cássio
não duraria para sempre. Era no que ela acreditava ao se aproximar, considerando que ele tinha
chorado demais.
Correu as mãos pelas costas largas, contornando os ombros e as clavículas para tocá-lo no peito.
Sorrindo com o esperado eriçar da pele ao abraçá-lo, Norah sussurrou ao seu ouvido:
– Estou começando a achar que você não queria que eu me apaixonasse.
Caio riu e fungou.
– Se era essa a ideia você fez tudo errado – Norah acrescentou e lhe mordiscou a orelha.
Ele sorveu o ar entre os dentes, num gemido invertido. E novamente tentou secar o rosto antes de
se mover e virar para olhá-la.
Para Norah, Caio nunca esteve tão... irresistível!
Adoraria eternizá-lo numa foto exatamente como estava, com aqueles olhos brilhantes, exibindo o
conhecido sorriso que lhe curvava os lábios antes de submetê-la a alguma obscenidade.
– Então é melhor eu errar mais um pouco – disse rouco. – Quem sabe assim você descubra que me
ama.
Finalmente algo que não tinha acontecido antes. Enquanto escrutinava o rosto úmido, Norah
descobriu que já amava, mas tanto, ela não estava preparada para admitir.
Por não ter o que dizer, apenas eliminou a distância das bocas. Esperava depositar naquele beijo a
verdade que ainda não revelaria.
Talvez tenha conseguido, ou talvez fosse impressão. A verdade é que Caio se mostrou ineditamente
terno, beijando-a com lenta devoção. Até mesmo seu toque foi suave, dedilhado em cada mínimo
pedaço de pele, como se ela fosse seu instrumento.
Foi novo. Angustiante, afinal Norah estava habituada – mal-acostumada – a impetuosidade que não
a deixava esperar pelo ápice alucinante.
E então a grata surpresa.
A falta de pressa da boca, da língua, dos dedos e, por fim, do membro hirto, culminaram num gozo
potente, embalado apenas por gemidos aflitos, sem palavrões.
Se tudo aquilo veio após a declaração de sua paixão, Norah temia pelo dia que declarasse seu
amor.
Depois de tamanha entrega, não havia palavras. Como um consenso mútuo, ambos se mantiveram
em silêncio, abraçados com braços e pernas, ouvindo o desacelerar de cada coração.
Norah despertou e se espreguiçou exalando um longo gemido.
– Você é uma delícia até quando acorda.
Ao ouvir a voz de Caio, Norah abriu os olhos imediatamente. O rapaz estava apoiado num dos
cotovelos, olhando-a atentamente, sorrindo.
– Você devia dormir aqui mais vezes – acrescentou.
– O quê? – Norah se sentou abruptamente. Realmente dormiu. – Santo Deus! Caio, por que não me
acordou? Que horas são?
Norah perguntou por reflexo. Não deveria ser tão tarde, afinal, mesmo que tenha voltado a dormir
todas as noites depois de iniciar aquela relação, ainda acordava pontual e infalivelmente às 3h15.
Caio a deixou saltar da cama e sem pressa alguma alcançou seu celular no criado-mudo.
– Passa um pouco das quatro – informou.
– Das quatro?! – Norah, que já se vestia, estacou. Dormiu direto! Infelizmente não poderia
comemorar a mudança. Voltando a se vestir, disse com leve acusação. – Você tinha que ter me
acordado.
– Não tinha, não – Caio retrucou, cruzando as mãos na nuca. – Sabe há quanto tempo espero por
isso?
Norah parou um instante e o encarou. Caio parecia tão satisfeito que foi praticamente impossível
persistir com a bronca. E verdade fosse dita, a presença dele a fez dormir.
Aquilo deveria significar alguma coisa!
Não era muito ligada em religião, mas acreditou que, se Téo vivesse num plano superior, talvez
aprovasse aquela ligação.
– Sabe que eu também quero isso – disse sincera antes de voltar a se vestir –, mas não devemos
piorar nossa situação. Deveria colaborar mais.
– Já colaboro dando tempo – ele retorquiu seriamente.
Norah não respondeu àquilo. Outro, no lugar dele pressionaria mais, sabia.
Norah calçava suas sandálias quando Caio bufou resignado e se levantou.
– Certo! Já que vai embora não posso deixar que saia sozinha.
– Não pode me levar – ela tentou demovê-lo. – Vou chamar um taxi e...
– Taxi?! Por que não veio com seu carro?
– Eu estava nervosa demais para dirigir – admitiu. – Mas não se preocupe. Estou acostumada
tomar taxi tarde da noite quando estou cansada demais para dirigir depois de algum trabalho mais
demorado lá no estúdio.
– Certo, mas eu não estou acostumado a deixar mulher minha andar sozinha com um estranho tarde
da noite. Já deixo passar muitas coisas, então não discuta.
– Não estou discutindo, eu só...
– Calma Norah! – Caio pediu, um tanto aborrecido. – Eu levo você e te deixo perto.
Norah novamente não respondeu. No fundo agradecia o cuidado, mesmo que não tivesse medo de
ir sozinha. Era bom ser cuidada. Era bom novamente ser a mulher de alguém.
E seria novo ser levada na moto dele.
– Vista isso! – Caio lhe entregou uma grossa jaqueta preta, forrada. – Vai fazer frio.
Norah sequer questionou. O que pensou sobre ser bem-cuidada?
Sem mais palavras o casal terminou de se vestir e saiu.
Para Norah, a derradeira aventura da noite foi excitante desde o vestir do capacete.
Ao se acomodar às costas de Caio e abraçá-lo, antes mesmo que ele colocasse a moto preta em
movimento, ela pôde sentir a adrenalina correr por suas veias. Aquela seria a primeira vez que
estariam juntos, como um casal, fora de quatro paredes.
Fazer todo o percurso com tal consciência foi tão satisfatório, transgressor e libertador quanto o
sexo que tinham.
Certo! Era exagero.
Nada, nunca, seria comparado ao sexo que tinham, mas o passeio se aproximava de tamanha
magnitude com dignidade.
Caio parecia sentir o mesmo. Não dirigiu a ela nenhuma palavra ao longo do caminho, mas a tocou
todo o tempo. Ora pousava as mãos em suas coxas, ora lhe segurava as mãos que tinha pousadas
sobre seu abdômen.
Era como se quisesse confirmar a presença dela, Norah considerou ao entrarem na rua onde
morava.
Ao desmontar a dois prédios do seu, Norah se sentia especial. Era bom ser novamente tão amada,
cuidada, guardada. Caio poderia nunca ter usado a palavra, como pensou, mas todos seus gestos
denunciavam o amor que dirigia a ela.
Foi por reconhecer o sentimento que, depois de entregar o capacete e a jaqueta ao rapaz, Norah se
atirou ao pescoço dele para lhe dar o último beijo da noite.
– Obrigada por me trazer – murmurou.
– Obrigado por não me deixar pirar – disse Caio. – Essa noite eu teria enlouquecido sem você.
– Vou cuidar para que não aconteça novamente. Vou falar com o Cássio e seja o que Deus quiser!
Caio sorriu e pousou a mão em seu ombro para apertá-lo, encorajador.
– Vai dar certo! A gente sabe que não vai ser fácil no começo, mas no final vai dar certo.
Sem dar chances a Norah de se expressar, Caio correu a mão do ombro à nuca e a atraiu para dar,
aquele sim, o último beijo da noite. Profundo, demorado, sufocante.
Quando foi solta Norah tinha a impressão de não sentir suas pernas. O ar... Bem, este não
encontrava o caminho para seus pulmões.
– Bom dia, Norah! – Caio se despediu, ainda sorrindo.
Depois de recolocar o capacete, partiu. Norah sorriu enlevada, trêmula e finalmente seguiu até seu
edifício.
Tinha que assumir aquela relação. Precisava dele ali, com ela, sempre.
Em seu apartamento, ao rodar a chave na fechadura, tentou fazer o mínimo barulho para não
denunciar a hora que chegava. Estava convicta, mas não provocaria um possível escândalo às 5h da
manhã.
O cuidado enfim se mostrou vão. Cássio a esperava, muito desperto.
– A senhora demorou – disparou antes mesmo que ela fechasse a porta, um tanto rouco.
– Você sabia que talvez demorasse – Norah tentou ser o mais impassível possível. – Aquelas fotos
são mesmo importantes.
– Eu sei que a senhora não sairia apressada se não fosse nada urgente – Cássio retrucou, pondo-se
de pé para seguir rumo ao corredor. – Espero que tenha resolvido o problema com as fotos. Bom dia!
Norah apertou o chaveiro e suspirou, cansada.
Seria complicado manter seu relacionamento fora de quatro paredes.
Capítulo Vinte e Dois

Era incômodo se sentir em dívida. Foi essa a sensação que perdurou todo o domingo sempre que
Norah se encontrava com Cássio no apartamento. Parecia estar escrito em sua testa o que esteve
fazendo na madrugada, enquanto o filho a esperava.
As conversas iniciadas soaram forçadas, nada naturais como deveriam ser. E tudo ficou ainda pior
após a chegada de Caio, quando todos os outros já se encontravam na sala.
– Vai rolar um dueto com minha mãe? – Cássio perguntou depois dos cumprimentos, indicando o
violão que o amigo trazia.
Poderia ser mais uma das tantas zoações entre amigos, mas não foi. O tom do rapaz não deixou
dúvida, gerando outras tantas.
Se tivesse a mínima chance de Cássio saber a verdade, Norah acreditaria que fosse o caso.
– Ela ainda não está pronta – respondeu Caio, franzindo o cenho.
Para Norah foi evidente que ele criou suas próprias cismas.
– Mas minha mãe poderia tocar alguma coisa? – Cássio insistiu. – Há quanto tempo ela tem ido às
aulas? Dois meses? Mais?
– Três meses – Caio foi preciso. – O que ainda é pouco para um dueto. Quem sabe em outra
ocasião.
– Isso não responde minha pergunta – o rapaz retrucou. – Quero saber se ela seria capaz de tocar
“alguma” coisa.
– Se ela quiser – disse Caio, dando de ombros, desistindo do assunto.
Cássio imediatamente encarou a mãe, assim como os muitos pares de olhos.
Norah, que vinha se preparando desde o início, disse apenas:
– Eu não quero. Como disse o instrutor, não estou pronta.
Cássio aceitou a resposta, mas seu humor ficou ainda pior.
Seguiram para o passeio na praia do Recreio – como combinado depois de sua saída na noite
anterior – arrastando-a junto, ignorando sua recusa em ir.
Na praia, mesmo que outros amigos e amigas tenham se juntado ao grupo, Norah teve a impressão
de que o filho mantinha os olhos postos nela. Quis acreditar que fosse impressão, mas no fundo sabia
que não era.
Por algum motivo Cássio estava vigilante. Pressentindo o que viria, talvez.
Quando Caio passou a tocar para que todos cantassem, o filho não deixou de analisá-la um instante
sequer. Aquela postura reiterou a decisão de Norah em revelar a verdade.
Igualmente se tornou incômodo sentir o olhar de Caio sobre si enquanto ele tocava e cantava a
miscelânea de ritmos nacionais que todos apreciavam, e faziam coro.
Seu coração saltou no peito quando o rapaz cantou a mesma música da primeira aula – Bem
Apaixonado; agora conhecia o nome –, procurando um jeito de olhá-la diretamente.
Algumas letras pareciam um claro recado, então quando alguém sugeriu Na Sua Estante, a
inquietação de Norah redobrou. Para o bem da verdade Caio não a olhou em tempo algum, mas
aquela era ela, os dois sabiam.
Naquele instante Norah sentiu o desejo premente de se colocar ao lado dele e acariciá-lo de
alguma forma para indicar que ela ficaria; que ele estava em seu mundo. E principalmente mostrar a
todos, de uma só vez, que estavam juntos.
Em especial para todas as garotas que suspiravam enlevadas.
Talvez fosse patético para uma “tia”, mas quis mostrar que era a namorada. Queria estar ao lado de
Caio, segura, tomando as músicas românticas – apenas românticas – para si, sem culpa.
Evidente que não saiu do lugar. Não tinha talento para grandes ações dramáticas.
Com isso se manteve no lugar, ouvindo as risadinhas femininas, olhando para Caio raríssimas
vezes, sempre que Cássio era obrigado a desviar o olhar.
E nessas ocasiões era como se Caio indagasse “e agora, o que vai fazer?” a cada erguer de uma
única sobrancelha.
Mudar a situação seria o que faria.
Foi o que verbalmente respondeu no início da madrugada, quando Caio ligou para saber se tinha
gostado do passeio e das músicas que cantou pra ela.
– Tem certeza de que não quer que eu fale? – ofereceu.
– Não. A obrigação é minha.
– Você acha que ele sabe?
A dúvida de Caio coincidia com a dela, mas parecia impossível que Cássio soubesse.
– Acho que não. Se fosse o caso esse apartamento não estaria de pé. Talvez ele esteja assim,
irritadiço, por causa do Jonas. Talvez pense que eu passei a noite com ele.
– Tem razão. Ele não seguraria a onda se descobrisse que a gente tá junto. E então... Já sabe como
vai contar?
– Ainda não. Só sei que tem que ser logo.
– Gosto disso.
Norah pôde ouvir o sorriso no sopro contente e igualmente sorriu.
– Da próxima vez que a gente for à praia, quero que você fique perto de mim não lá longe, fazendo
de conta que não estou ali – acrescentou.
– Eu também quero isso, Caio. Quero muito. Eu...
– Você...?
Sentir a ansiedade na voz do rapaz não ajudou a externar a declaração. Se não disse que o amava
enquanto estavam juntos, seria imperdoável fazê-lo via celular, mesmo estando claro que ele
esperava por aquilo, fosse como fosse.
– Eu quero mostrar para aquele bando de assanhadas que você tem dona.
Não era mentira de toda forma, mas não pôde deixar de se sentir uma covarde ao ouvir o longo
expirar do outro lado da linha. Um que indicou o conter da respiração.
Caio esperava pelas palavras exatas, evidente.
– Se você é minha dona – ele gracejou, talvez para encobrir a decepção – eu devo dizer que é
muito má comigo, me deixando aqui, sozinho... Nessa cama tão grande.
– Mas é uma cama de solteiro! – Norah achou por bem embarcar na brincadeira.
– Que horrível esfregar minha solidão na minha cara! – Ele simulou assombro. – Não tem jeito.
Agora você tem que me consolar.
– E como eu vou fazer isso daqui, garoto? – Riu divertida.
– Hum... A “senhora” pode começar me dizendo se já tá deitada – disse baixinho, manso. – Pode
descrever o que está vestindo... E não se acanhe em mentir pra deixar mais interessante. Eu e meu
pequeno temos boa memória.
Norah mentiria se dissesse que não se chocou ou que não se excitou ao entender o que Caio
propunha. Nunca em sua vida tinha trocado obscenidades pelo celular. Aliás, nunca trocou
obscenidades nem ao vivo antes de embarcar naquela relação.
Adorava todas as novas descobertas.
E ao que parecia ainda havia muito a descobrir de novo e sobre si mesma sempre que estava com
Caio; perto ou longe.
– Então? O que usa pra dormir?
Foi o som de um zíper que ouviu ao fundo? O queixo de Norah caiu antes que ela se afundasse
mais no travesseiro ao imaginar a cena que perdia. Minha nossa!
Aquilo seria estranho, mas respondeu com a verdade.
– Estou com o baby-doll daquela noite, quando me encontrou na geladeira.
– Ah, eu me lembro... Na sua fase covarde. Ele é bonito, mas azul não dá tesão. Eu me sentiria
mais consolado se tirasse. Tira de verdade.
Caio não saberia, mas Norah obedeceu. Mesmo sendo esquisito, ela queria aquilo então tirou o
baby-doll completamente, ficando com sua calcinha. E como valia mentir, descreveu a peça como
sendo de renda preta.
Ouvir o gemido soprado a excitou, então se tornou mais participativa e ansiosa em atender aos
comandos ousados, sem voltar a mentir ao descrever os carinhos que fazia em si mesma.
De olhos fechados, com a voz rouca ao ouvido, era como se Caio estivesse ali, ocupando sua cama
às escondidas. Quebrando outra regra ao fazê-la despertar os próprios seios ou acariciar seu ponto
mais íntimo até que a fome fosse insuportável e possuísse a si mesma.
Em seu limite nem que quisesse poderia mentir, então ficou claro ao interlocutor quando veio a
satisfação, logo após a dele que disse seu nome de forma arrastada, soprada, aflita.
Foi bom. Evidente que foi! Mas Norah se descobriu antiquada e a preferir sexo ao vivo. Agora
queria que Caio estivesse ali, com ela, para abraçá-la como sempre fazia.
– Você sabe como consolar um homem solitário – ele murmurou ainda arfante, livrando-a de uma
crescente ansiedade, do vazio.
– E você como estragar uma mulher decente – ela retrucou, forçando um sorriso.
A risada rouca que provocou poderia ofendê-la, mas somente a fez sorrir de verdade.
– Se a gente estivesse junto agora, eu poderia averiguar o que resta de decência.
Foi um gracejo, contudo Norah voltou à seriedade; sentiu novamente a falta do abraço, a
necessidade de mostrar que estava com ele de verdade. Para ficar!
– Em breve – prometeu também para si. – Com todos sabendo o quanto é importante para mim.
– Estou contando os dias.
– E eu as horas.
Capítulo Vinte e Três

Norah se esmerou ao preparar o jantar da segunda-feira. Como na maioria das noites, somente mãe
e filho ocupariam a mesa. Eliza estaria na faculdade e depois iria para a casa do namorado.
Norah não gostava muito do novo hábito, mas entendia que a filha era adulta, responsável e
apaixonada. Como justamente “ela” poderia proibir?
De toda forma era melhor assim, pois queria estar sozinha com Cássio.
– Nossa! – o rapaz se admirou ao chegar e ver a mesa da sala de jantar posta para os dois. –
Alguma ocasião especial?
– Não posso mimar meu filho uma vez ou outra? – Norah deu de ombros para minimizar o gesto.
– Eu digo que deve sempre mimar seu filho – Cássio foi beijá-la no rosto. – Vou tomar banho e já
volto. Eli vai dormir no Leandro essa noite?
– Vai – Norah confirmou, indo para a cozinha. Ao recostar contra a pia tomou um gole do vinho
que vinha bebericando para criar coragem, então foi conferir a lasanha; massa preferida de Cássio.
Quando o filho se juntou a ela, Norah já depositava a travessa sobre o descanso disposta à mesa.
– Isso está cheirando muito bem – Cássio elogiou.
– Espero que também esteja com o gosto bom. Há tempos eu não preparava lasanha.
– Deveria fazer mais vezes – disse ele, solene, antes de se sentar. Norah fez o mesmo e o serviu. –
Obrigado!
Ao servir o próprio prato Norah sentiu suas mãos tremerem e disfarçou um suspiro. Quando se
acomodou sorriu para o filho e foi retribuída.
Sentia-se uma traidora por adulá-lo antes do golpe fatal.
– Hummm! – Cássio gemeu antes mesmo de engolir o bocado de lasanha. – Tá divina! – elogiou,
ocultando a boca cheia.
Norah agradeceu num sussurro, olhando-o atentamente. Cássio parecia mais leve aquela noite,
descontraído até. Muito diferente do dia anterior.
O clima parecia propicio à revelação. A droga toda foi decidir quando abordar o tema.
Acovardada, Norah perguntou sobre a transportadora. Especulou sobre e existência de uma
namorada, ou namoradas. Quem saberia?
Lamentou que não houvesse alguém.
Norah também questionou sobre o próximo passeio no final de semana seguinte, quando parte do
grupo passaria o domingo em Petrópolis na casa dos pais de uma das moças que estavam no “luau”.
Mãe e filho conversaram sobre tudo e sobre nada.
Ambos terminaram suas porções de lasanha, consumiram o vinho em suas taças, saborearam a
sobremesa – pêssego coberto com chantilly – sem que Norah juntasse coragem para falar a frase que
ensaiou a tarde inteira, uma introdução simples e precisa.
“Estou apaixonada e precisamos conversar”.
Inicialmente seria apenas isso, sem nomes ainda. Mas as palavras não vinham.
– Nossa! – Cássio se recostou e bateu na própria barriga – Comi com os olhos. Vou ter que correr
na esteira uma hora a mais, mas valeu à pena.
– Você ainda vai à academia, não é? – Norah indagou despretensiosamente.
– Vou, sim... A senhora sabe – Cássio uniu as sobrancelhas.
– Os meninos vão com você? – seguiu seu raciocínio, ignorando a observação.
– Vão sim. Denis pedala, eu e Caio corremos, e também fazemos alguns exercícios nos aparelhos,
mas nada muito puxado como Marcos. Esse pega pesado.
Norah bendizia cada quilometro corrido por Caio sobre uma esteira, mas não dispersaria naquele
instante. Não quando Cássio chegou ao ponto desejado.
– Você e Caio sempre foram bem parecidos, não é? São muito unidos.
– Sim, sempre fomos parecidos – Cássio confirmou, porém, antes que Norah prosseguisse, ele
acrescentou incerto –, mas...
– Mas...? – encorajou-o Norah, expectante.
– Não sei o que tem acontecido ultimamente. Ele tá estranho.
Norah sabia o motivo e decidiu deixar sua covardia de lado; era hora de acabar com a farsa.
– Cássio...
– Eu olho pra ele e sinto que não o conheço – Cássio seguiu falando como se não tivesse sido
chamado. – Quero dizer... Ele tem me ajudado num assunto delicado.
– Qual assunto?
Antes de dar qualquer resposta, Cássio segurou as mãos da mãe e as apertou.
– Não tem um jeito certo ou fácil de dizer isso então eu vou falar de uma vez... – a pausa aumentou
a ansiedade de Norah. – Eu estou quase que 100% certo de que papai foi assassinado.
– O quê?! – Norah simplesmente saltou da cadeira, derrubando-a com estrondo. – De onde tirou
isso?
– Calma, mamãe – Cássio pediu, indo até ela para levantar a cadeira e fazê-la se sentar. – Vou
buscar um pouco de água e...
– Não quero água! – ela quase gritou. – Quero que me diga “de onde tirou isso”.
– Eu ainda não tenho os detalhes. Queria esperar até ter alguma prova pra não te deixar
preocupada, mas, enquanto a gente conversava, eu achei injusto. Afinal, eu sei o quanto ainda sofre
com a falta de papai.
Nem tanto nos últimos meses. Até mesmo quebrou a regra de acordar todas as madrugadas às
3h15. Primeiro a rolar insone e, depois, por dormir demais; sempre por causa de Caio. Alguém que,
apesar de sua importância, ela segregou ao segundo plano depois da revelação chocante do filho.
– Por Deus, Cássio! Não se brinca com essas coisas.
– Eu sei que não, mãe. – Cássio novamente segurou as mãos da mãe que estavam muito frias,
trêmulas. – Esse é um assunto muito, muito sério por isso eu ia esperar, mas é melhor que esteja
preparada. Estou pensando em fazer uma denúncia para que haja uma investigação.
– Não sei se é possível. O laudo médico foi conclusivo... Téo morreu em decorrência dos
múltiplos ferimentos. Ele perdeu muito sangue antes de ser socorrido.
Lembrar as explicações que ouviu na noite fatídica a abalou como antes, como sempre. Ficou claro
para Norah que certas coisas nunca mudariam. E se sempre seria doloroso ter perdido seu marido
num acidente, seria ainda pior se ele tivesse sido assassinado.
– A senhora nunca engoliu essa versão. – Cássio a lembrou. – Minha teoria é a de que alguém
envenenou o papai, ou o drogou, antes que ele saísse do escritório.
– Não, querido... – Norah se mostrou descrente. Muitos anos se passaram para que ela ainda
insistisse em teorias da conspiração. Condescendente sorriu para o filho. – Quando perdemos alguém
que amamos sempre nos recusamos a aceitar. Questionamos os fatos, brigamos com Deus quando não
temos as respostas, mas a verdade é que seu pai morreu vítima de um acidente. Foi banal, horrível,
mas apenas isso.
– Não vou entrar em detalhes, mas estou colhendo provas que mudarão esses fatos – Cássio
retrucou seguro. Então franziu o cenho. – É aí que entra o Caio.
Norah piscou algumas vezes, sem entender como Caio poderia ter entrado no assunto. E recordou
que o filho o citou antes de lançar a “bomba”.
– O que tem o Caio? – Norah indagou incerta.
– Eu dividi minha desconfiança com ele. Por ser mais próximo pedi sua ajuda, mas ele sempre se
mostra contra. Desmerece meus avanços. Estive reparando que ele mais atrapalha do que ajuda. E
tem o lance dos bilhetes...
– Quais bilhetes? – Norah se admirou por não gritar com a nova pausa.
– Ano passado eu descobri que papai tinha um cofre escondido na sala dele. Então conhecei a
vasculhar nas agendas antigas, nos arquivos que foram repassados para mim e há alguns meses achei
a senha. Quando eu abri o tal cofre descobri uns bilhetes com ameaças... Tipo aqueles que se vê em
filmes, feito de recortes de revistas e jornais. Por isso eu tenho certeza de que alguém o matou. O
acidente foi premeditado, facilitado, provocado... Qualquer coisa, menos “acidental”.
– Quem faria isso? – a pergunta saiu num sopro.
Norah se recusava a pensar.
– Não faço ideia. – Cássio deixou transparecer sua frustração. – Talvez alguém que o odiasse. Que
o quisesse fora do caminho por algum motivo.
Norah prendeu a respiração. Caio não faria aquilo!
Não, gritou para si mesma, mas até mesmo sua voz mental foi incerta.
– A droga é que os bilhetes sumiram – Cássio prosseguiu. – Eles eram a prova principal, mas
simplesmente desapareceram do meu quarto.
Norah então ofegou. Não! Não! Não!
Caio não!
– Procure direito – ela demandou num murmúrio.
– Mamãe, a senhora está branca. – Cássio se levantou. – Vou buscar a água.
Com a saída do filho, Norah precisou se forçar a ficar sentada, pois sua vontade era sair
imediatamente.
Sentia que precisava olhar nos olhos de Caio. Somente assim veria a verdade. Veria que o rapaz
seria incapaz de ir tão longe para...
Não! Não! Não!
– Aqui! – Cássio lhe estendeu o copo com água.
Norah bebeu para agradá-lo, pois nada ajudaria. Nada além de estar com Caio; ou de ouvir-lhe a
voz.
– Toda essa conversa acabou comigo – disse rapidamente, pondo-se de pé. – Você se importaria de
tirar a mesa? Não precisa lavar a louça... Amanhã a diarista pode cuidar deles. Eu preciso me
deitar...
– Quer que eu vá me deitar com a senhora – ele se ofereceu, condoído. – Como a gente fazia
depois que o papai se foi?
– Não! – A negativa foi categórica. – Quero ficar sozinha para digerir tudo isso que me disse.
Norah seguiu para o quarto sem despedidas, deixando o filho para trás com a tarefa de desfazer a
mesa de um jantar que começou com um propósito e atingiu outro; completamente oposto.
Aterrador. Sufocante. Impossível.
Ao entrar em seu quarto, Norah trancou a porta, pegou o celular e se trancou no banheiro anexo.
Agradeceu que o número de Caio estivesse sempre em local de fácil acesso para as discagens
diretas.
Muito trêmula, sentou-se na tampa do vaso sanitário e, já lutando contra as lágrimas, abraçando o
estômago com o braço livre, esperou.
– Norah! – Caio a saudou. – Adoro quando você me procura fora de hora. Sentiu saudade?
– Foi... – Norah murmurou tarde demais, baixo demais.
– O que aconteceu? – Caio abandonou o tom malicioso de imediato. – Por acaso você e Cássio...
Ele já sabe da gente? Você quer que eu vá aí?
– Não! – Norah se esforçou para não gritar.
Não queria acreditar no pior, mas sua cabeça não lhe dava tréguas e a última coisa que queria era
que Cássio a escutasse ao celular e viesse piorar o que já estava muito ruim.
– Não, ele não sabe – ela disse em outro sussurro. – E não, não precisa vir aqui.
– Então o que aconteceu? – indagou preocupado. – Por que está chorando?
– Eu não sei...
Nem tinha percebido que já chorava.
– Claro que sabe! – Caio se exasperou. – E tem a ver comigo, então diz o que é.
– Eu não devia ter ligado.
– Se era pra me matar de preocupação, pra me deixar pirando por não poder ir até aí te olhar, não
devia mesmo. Agora vou ficar aqui imaginando o que pode ter acontecido pra você me ligar, chorar e
não falar porra nenhuma.
– Não tem a ver com você – mentiu, mas até mesmo ela sentiu a incoerência em cada palavra, e
transformou numa meia verdade ao se corrigir. – Certo! Tem, sim... Eu não consegui contar... Eu
queria, mas faltou coragem.
– É só isso?
O evidente alívio fez com que Norah chorasse mais. Caio não poderia ter feito o que estava
pensando. Simples assim. Não poderia.
– Sim... É isso! – voltou a mentir com maior convicção.
– Tá tudo bem, Norah... Nunca pensei que fosse ser rápido ou fácil. E só de saber que você tentou
já fico muito feliz. O contrário de pirando – gracejou por fim. – Agora pare de chorar, senão vou ser
obrigado a ir até aí, daí...
Norah se pegou sorrindo, e chorou mais. Caio seria incapaz.
– Espere. Vou colocar no viva-voz enquanto me arrumo. Acho que chego aí em...
– Pronto! Já parei – ela disse rapidamente, sorrindo em meio às lágrimas. – Fique exatamente onde
está.
– Hummm... Que recomendação interessante – murmurou sugestivo. – Quer saber onde estou? E
fazendo o quê?
– Você não se cansa de ser safado, garoto? – Norah sorriu mais, se pegando a renovada certeza de
que Caio, de fato, seria incapaz.
– Nem vou citar o quanto a “senhora” tem a mente suja – ele simulou ofensa. – Estou na maior
inocência, sentado no sofá, vestido. Bem... Quase vestido – corrigiu –, praticando uma música que
tem a nossa cara, Planos Impossíveis. Certo! Ela tá mais pra mim, mas é como me sinto em relação a
você... Enfim... Serve pros dois. Quer ouvir?
Norah queria ouvir. Queria muito, para ter também na voz melodiosa de Caio – na forma sensível
como usava seu violão para declarar seus sentimentos a ela – que ele nunca, nunca, nunca provocaria
uma morte.
Nem mesmo por aquele amor desmedido.
Capítulo Vinte e Quatro

Norah se perguntou se havia feito bem em contar sobre a teoria de Cássio, ou sobre a sua
desconfiança quanto a Caio, para Anita. A assistente a encarava praticamente sem piscar a quase
dois minutos, tendo a boca entreaberta num O mudo.
– Não vai me dizer nada? – Norah indagou por fim. – Contei esperando que você me desse uma
luz.
– Eu simplesmente não sei o que dizer – Anita admitiu. – O que me contou é muito grave. E
delicado demais. Será que há a possibilidade do Cássio estar certo?
– Ele não seria doido de inventar uma história dessas.
– E você acha mesmo que o marrentinho...?
– Eu não sei o que achar! – Norah abaixou sua cabeça à mesa e a cobriu com as mãos, emitindo um
longo gemido. Sua voz saiu abafada ao falar. – Quando eu falei com Caio – ou quando ele cantou ao
celular – eu tive certeza que nunca faria nada parecido, mas depois... Minha cabeça não parou mais.
Eu fico lembrando tudo o que ele já fez. Do retrato que roubou, da tatuagem, do quanto ele se mostra
“obcecado” por mim...
– É verdade. Essa fixação é mesmo assustadora, mas daí a provocar uma morte? Eu não sei...
– Esse é o problema – Norah novamente gemeu e ergueu a cabeça para encarar a amiga. – Eu
também não sei. Mas preciso da certeza. Definitiva. Não somente quando falar com ele, quando
estiver com ele... Se o Caio pôde provocar a morte de Téo, ele será alguém que não conheço...
Alguém que devo temer não amar.
– Só que você já ama – Anita salientou. – Nunca disse, mas eu sei que sim.
Norah não negou. Não tinha como, nem por quê.
– Mas serei obrigada a deixar de amar – disse apenas, sentindo seu coração afundar no peito. –
Tirar a vida de alguém é algo imperdoável e faria dele um criminoso. É nesse ponto que minha
cabeça dá um nó. Apesar de Caio ser extremado eu não consigo acreditar que fosse tão longe. Eu
praticamente o vi crescer... Ele e os meninos sempre demonstraram ter boa índole.
– Eu não quero piorar nada, mas esse argumento é furado – comentou Anita, incerta. – Vemos
descrições parecidas todos os dias nos programas sensacionalistas. Especialmente em casos
passionais. Se o marrentinho é assim fissurado em você, nunca vai te deixar em paz. E se foi capaz
de... De fazer o que Cássio disse, ele é bem capaz de fazer o mesmo a você.
Norah quis argumentar, dizer que Caio nunca faria tal coisa, mas não teve palavras.
Inferno! Contou a conversa na esperança de encontrar uma solução, e conseguiu somente mais
consternações.
– Vou desligar meu celular durante a tarde – avisou num suspiro sofrido. – Se o Caio ligar, diz que
surgiu um trabalho de última hora. À noite eu falo com ele.
Também no dia seguinte Norah teve que fazer fotos de última hora, porém na quinta-feira não
considerou sábio se valer da mesma desculpa – ainda mais quando sentia uma saudade sufocante e
Caio já demonstrava os primeiros sinais de descrença.
Ainda não sabia como se sentiria ao estar diante dele, mas não poderia protelar mais.
Com isso, às 16h55, Norah estacionou próximo ao prédio 54. Não saiu do carro imediatamente.
Em vez disso esperou até que Serafim e Ariel deixassem o apartamento e se perdessem de vista,
somente então entrou.
Tocou a campainha sentindo o coração bater na garganta.
Logo, sorridente e descamisado, Caio abriu a porta e a puxou para dentro. Não disse “oi”, “olá”
nem “boa tarde”. Seu cumprimento foi um sonoro “até que enfim” antes que a beijasse e a apertasse
num abraço.
Sem desfazer o beijo, Caio apertou Norah ainda mais, ergueu-a até que os pés dela deixassem o
chão e a levou rumo ao corredor. Antes de chegar ao quarto, baixou-a e a recostou contra a parede.
Com seu beijo urgente ele não deixava muitas alternativas para Norah que largou a bolsa e o
enlaçou pelo pescoço. A saudade se mostrou ser ainda maior ao ter as mãos do rapaz passeando ao
longo de seu corpo, subindo pelas costelas, já sob a blusa de lãzinha, até se fecharem em seus seios.
Norah sufocou e liberou a boca para sorver o ar aos bocados. Para agravar seu ofegar, Caio
desceu a boca para beijar a curva de seu pescoço enquanto lhe erguia a blusa para abrir o fecho
frontal do sutiã.
– Amo quando você facilita minha vida – murmurou ele junto à sua pele antes de descer mais os
seus beijos até fechar a boca sobre o pico de um seio e sugá-lo daquela forma indelicada, e altamente
excitante, que lhe era peculiar. – Senti tanta saudade – falou antes de provar outro seio.
– Nós... – Norah balbuciou sentindo a cabeça apartada do corpo que ardia. – Nós... nos falamos
todos... Todos os dias...
– Falar é diferente de ver – Caio retrucou muito rouco. – É diferente de fazer tudo o que quero
fazer com você... – Depois de voltar a provar um seio, ele desceu uma das mãos até o cós da calça
para abrir botão, zíper e aventurar a palma além. – Falar é diferente disso – finalizou já movendo os
dedos nela de forma muito eficiente.
Caio não encobria sua pressa. Nem mesmo a levou para o quarto!
Norah não se importava na verdade. Nem pensava, apenas sentia. Estava de tal forma entregue –
extremamente necessitada dele desde o sexo pelo celular – que até mesmo agradeceu quando Caio
apenas fez descer sua calça, a calcinha e a girou para que apoiasse as mãos contra a parede antes de
parcialmente se despir e se colocar dentro dela.
– Como pôde me deixar longe dessa sua bunda por dois dias? – Caio indagou com voz incerta; tão
abalado quanto ela. Em seguida desferiu um de seus tantos tapas, estalado e excitante, e liberou um
palavrão.
Norah quis responder, mas perdeu o raciocínio quando o rapaz passou a se mover com vigor
invejável. Todo o som que emitia eram os gemidos exalados pela boca entreaberta. Seus braços
cederam. Agora ela tinha o rosto comprimido contra a parede fria, e não se importava.
Toda sua concentração estava naquilo que crescia nela, no âmago, e prometia ser poderoso.
Logo veio a confirmação quando o orgasmo a fez gritar e escorregar um pouco, empinando-se
inconscientemente.
– Isso, sua safada – Caio grunhiu, curvando-se sobre ela para estimulá-la intimamente com seus
dedos de tocador, sempre se movendo.
E então aconteceu.
O gozo veio de novo, de novo, de novo e de novo até que Norah gritasse e batesse na parede com
uma das mãos, como se assim ajudasse a extravasar as sensações angustiantes e excitantes que
percorriam todo o seu corpo.
Puta que pariu. Nunca teria fim!
Ainda tremia de forma incontrolável quando suas pernas cederam. Não tombou porque Caio a
segurou, então a acomodou melhor em seus braços e a carregou. Com a mente ainda nublada e o
êxtase a viajar por seu corpo, Norah pensou que seguiam para o quarto.
Foi levada ao banheiro.
Quis protestar, mas não tinha força, nem ânimo. Então se deixou despir por Caio – com delicadeza
– para ser colocada no boxe.
Ele se juntou a ela no minuto seguinte. Somente então ligou o chuveiro. O jato de água fria
surpreendeu Norah e a fez despertar do torpor no qual seu primeiro orgasmo múltiplo a deixou.
– Me desculpe por isso – pediu Caio, sincero, livrando-a da água fria até que amornasse. – Eu
sempre faço assim e nem me toquei que com você tinha que ser diferente. Eu queria ser gentil pra
compensar minha recepção, mas... acho que sou mesmo um brucutu.
Norah sorriu com o gracejo, e um tanto constrangida por dividir o banho com um homem. Contudo
o que a afetava mais era a visão que tinha de Caio, tão grande e alto diante dela. Olhando-a com a
costumeira adoração, fazendo com que o resquício de êxtase se esvaísse, trazendo de volta as
consternações que a acompanharam até aquele apartamento.
Analisando o rosto jovem, a boca bem desenhada, o olhar castanho-azulado, Norah tinha certeza
de que Caio jamais faria um mal irreparável a alguém. A droga toda era que ela não conseguia
sustentar o pensamento quando estavam separados e era isso que a massacrava.
– Você está tão séria – ele observou, unindo as sobrancelhas. – É porque eu te trouxe para tomar
banho comigo? A primeira ideia era te colocar na cama, mas sei que gosta de se lavar e não me
pareceu que tivesse forças então...
– Tudo bem! – Norah se surpreendeu com sua voz, que saiu nítida, segura. – Não está sendo ruim
como eu achei que seria.
Realmente não estava.
– Nada que faça comigo deve ser ruim – disse ele.
Caio a colocou sob a água e massageou seus cabelos. Usou o próprio xampu, mas Norah não se
importou. E não retrucou. Apenas aproveitou o cuidado para avaliá-lo mais.
Sim, Caio agia como um brucutu na maioria das vezes – no sexo sempre –, quando estavam sós não
reprimia palavrões que para ele faziam parte do vocabulário, mas era muito educado e, sim, gentil.
Bastava ele querer, ou a situação pedir que fosse.
Mirando os olhos compenetrados, sentindo a delicadeza com que ele lavava seu cabelo, Norah se
perguntou por que não poderia ter a maldita certeza sempre.
Caio não parecia ser frio e calculista; um assassino.
Ele era o rapaz que dava aulas para crianças carentes. Era o rapaz nada preconceituoso que
recebia dois homossexuais em seu apartamento para preservá-los da chacota social. E atencioso,
preocupado, delicado ao ponto enviar flores semanalmente ao estúdio dela ou de cantar ao celular
somente para mostrar uma música que ouviu e considerou ter “a cara deles dois”.
Como uma pessoa como Caio doparia ou drogaria alguém para que morresse?
– De verdade essa sua seriedade tá me preocupando – ele comentou enquanto retirava a espuma do
corpo dela, uma que ela nem notou ser formada. – Por mais que eu tenha esperado por esse momento,
acho melhor tirar você daqui. Não sei o que pode ser, mas sinto que você tem algo pra me dizer.
O sofrimento antecipado que Norah vislumbrou nos olhos dele partiu seu coração.
– É impressão – apressou-se em mentir. – Não estou séria, só cansada.
– Tem certeza? – indagou, avaliando-a. Norah assentiu. Caio então suspirou em alívio. – Sério,
Norah, não me assuste assim. Desde aquele seu telefonema na segunda que não paro de pensar
besteira. E não ter vindo aqui só piorou.
– Você sempre cita uma ou outra coisa que queria fazer comigo – Norah comentou, abstendo-se de
comentar a ligação ou sua falta. – Como podia alimentar sua esperança se sempre soube que seria
impossível?
– Agora sabemos que não impossível – ele salientou e piscou com malícia. – Venha. É melhor tirar
você daqui senão vou acabar colocando em prática outras coisas que sempre quis fazer com você
durante um banho.
O lado sem-vergonha de Norah, despertado por ele, se animou. Contudo ela o refreou. Conhecê-lo
mais era estritamente necessário. Mas esperou até que Caio a secasse.
Apesar da falta de inocência no gesto claramente mal-intencionado, ele não a sentou no tampo da
pia como por vezes pareceu capaz de fazer, secou-se e então a levou ao quarto.
Já acomodado, tendo Norah abraçada junto ao peito, suspirou.
– Diz que esteve mesmo trabalhando nesses dois dias, não fugindo de mim como eu pensei.
– Estive mesmo trabalhando, não fugindo.
Norah sempre dizia todas as palavras. Sentia que Caio precisava delas, mesmo que agora
mentisse.
– Eu não sei o que está acontecendo. – Caio lhe acariciou a bochecha, os lábios. – Apesar de você
ter decidido me assumir, e até ter tentado contar pro Cássio sobre a gente, eu tenho essa estranha
sensação de que estou te perdendo.
– Não está.
Norah queria que não estivesse.
– Foi por isso que eu a recebi daquele jeito – ele prosseguiu como se não tivesse ouvido, então, de
súbito se agitou e a encarou, preocupado. – Por favor, Norah! Não vá achar que eu só quero comer
você. Não é nada disso. Eu te admiro. Eu gosto de conversar com você... De cantar pra você... De ter
você perto... De olhar você... É que a gente tá longe desde domingo e teve aquela ligação, e as coisas
que pensei, então quando você chegou hoje minha saudade e meu medo se misturaram ao meu tesão e
aí...
– Eu entendi. – Norah se pegou sorrindo divertida do atabalhoamento descritivo dele. – E se quer
saber... Essa foi a melhor recepção que já tive.
– Que bom! – Caio sorriu, mas voltou a ficar sério. – Bem... Eu acredito em você, mas me diz por
que estou com essa sensação ruim aqui.
O divertimento de Norah se esvaiu quando o viu socar de leve o próprio peito.
– Eu não saberia dizer.
Ela quis sustentar o olhar do rapaz, mas desviou os olhos no último instante.
– Norah.
Havia tanta aflição no chamamento que voltou a encará-lo.
– Sabe que pode me dizer o que quiser, não sabe? – ele indagou pausadamente. – Ninguém sonha
que a gente tá junto, eu sei que você ainda se considera velha demais pra estar comigo, mas pra mim
isso é bobagem. Você é uma mulher linda e é minha namorada, então não guarde nada de mim.
– Não vou guardar – disse Norah, mesmo sabendo que nunca poderia perguntar se ele tinha tirado
a vida de seu marido.
– Se está assim porque não conseguiu contar, eu já te disse... Fico feliz que esteja tentando, então
não sofra por isso. Eu já esperei até agora. Posso esperar mais.
– É isso que eu gostaria de entender – Norah tentou retomar o assunto iniciado no banheiro. –
Desde quando você espera?
– Eu já disse. Desde que te conheci. Não... Desde que entendi o que sentia.
– Certo! Mas... Por que esperava se eu era tão mais velha, casada?
– Acabei de dizer que ser mais velha nunca foi um problema. – Caio voltou a acariciar sua
bochecha, a linha de seu queixo, intimista. – E ser casada não era um estado permanente.
O coração de Norah se agitou. Ela precisou de todas as suas forças para se manter estável,
encarando-o sempre.
– Você... – ela pigarreou para ir adiante. – Alguma vez... Quis que meu marido morresse?
– Não que morresse.
Caio ainda parecia mergulhado num mundo só dele, sempre a acariciando. Agora movia os dedos
unidos ao longo do pescoço dela. Quando Norah acreditou que aquele seria o único comentário, ele
disse:
– Na verdade eu nunca soube muito bem o que queria. Só sei que queria que alguma coisa
acontecesse. Eu estaria mentindo se dissesse que fiquei apenas triste com a morte do Sr. Mendes. Eu
senti por ele. Senti por Cássio e Eliza, pois sei como é ruim não ter o pai por perto. Mas só senti por
você quando a visitei no dia seguinte ao enterro.
Norah não ousava interrompê-lo, mesmo temendo o que pudesse vir.
– Eu tinha dezoito anos, mas era como se tivesse quatorze pelo pensamento idiota que tive. Eu
acreditei que se fosse ver você, sozinho, se demonstrasse meu apoio, você me “enxergaria” e saberia
o que eu sentia. Vi ali a chance de ter você pra mim, mas em vez disso me senti invisível. E estava
invisível porque você estava sofrendo. Eu me senti tão culpado pela ponta de alegria que alimentava
minha esperança. Então eu entendi que a morte do seu marido não tinha mudado nada e me
desesperei. Foi por isso que peguei sua mão e coloquei em mim. Foi pra que me sentisse já que não
me via.
Norah não sabia se ria ou se chorava. Ou se gritava com Caio.
Como das outras vezes, sua declaração trouxe o misto de encantamento e medo. Naquela tarde,
veio como agravante da desconfiança. Com a confirmação de sua alegria – pouca, mas ainda assim
alegria – pela morte de Téo, ele tornou tudo pior.
– Você não pode ter se alegrado – ela murmurou sem nem notar, embargada.
– Certo! Talvez alegre não seja a palavra. Eu não soltei fogos nem dei vivas, mas não fiquei tão
triste como deveria. Foi inevitável não ter esperança... Por favor, não me leve a mal.
Tarde demais. Norah não queria acreditar no que ouvia e, acima de tudo, não queria crer que fosse
uma confissão de culpa.
Sem conseguir conter as lágrimas, indagou:
– Se você tivesse o poder de voltar o tempo, mudaria o que aconteceu? Salvaria a vida do Téo?
– Quer mesmo que eu responda? – Caio se apoiou num cotovelo para encará-la. Norah já tinha a
resposta, mas se pegou a assentir. – E quer que eu seja sincero ou que te agrade?
– Você já foi sincero.
Norah rolou para o lado e se encolheu em posição fetal; odiando-se por chorar. Odiando Caio por
estragar tudo.
– Droga, Norah! – ele exclamou depois que ela rejeitou um toque em seu ombro, encolhendo-se
mais. – Por que isso agora? Por que trazer seu marido pra nossa conversa?
– Porque... eu queria saber como se sentia em relação a ele – Norah afundou mais o rosto no
travesseiro.
– Certo! Mas por que isso agora? – Caio se exasperou. – O que eu sentia por ele importa?
– Importa para mim.
– Por que vocês, mulheres, complicam tudo? – indagou, então bufou aborrecido. Logo suspirou e
disse conciliador. – Certo! Não sei aonde você quer chegar com isso, e mesmo sem entender vou te
dizer como me sentia.
Norah fungou e rolou mais uma vez, para olhá-lo por sobre o ombro.
– Eu nunca vi seu marido como um rival, caso seja o que esteja pensando. Nunca quis que ele
morresse. Muitas vezes quis que vocês brigassem e até que se divorciassem. Nunca pensei em morte.
É essa a verdade, Norah... Mas daí a querer que agora eu seja o cara bonzinho e traga seu marido de
volta caso recebesse o dom, hipotético, de retroceder o tempo é pedir demais, não acha?
Norah novamente apenas assentiu, mas se virou completamente e se lançou contra Caio para
abraçá-lo, agradecida por ter aliviado um pouco a dor que sentia. Não queria ser obrigada a sair da
vida dele em definitivo.
Sim, pois não haveria alternativa caso ele tivesse provocado a morte de Téo.
– Norah você está me matando. – Caio retribuiu o abraço, aninhando-a junto ao peito. – O que está
acontecendo?
– Esqueça! – ela pediu, apertando-o mais. – Nem sei mais o que digo.
Para adulá-lo, distraí-lo – e fugir do assunto que lhe causava tanta dor –, ela o beijou no pescoço,
no ombro e lhe acariciou as costas.
– Agora não, Norah! – Caio a afastou para que o encarasse. – Sempre vou querer você, mas agora,
“eu” preciso entender... Tem que ter uma explicação para todo esse drama.
– Caio... – Na falta do que dizer ela tentou beijá-lo.
– Eu vou pegar um copo com água pra você – anunciou Caio, saltando para fora da cama. – Assim
você se acalma, deixa de tantas voltas e me diz o que está acontecendo.
Caio foi categórico, eliminando a possibilidade de uma negação. Decidido, foi até o guarda-roupa
e escolheu um short que vestiu apressadamente. Para Norah atirou uma de suas camisetas.
– Vista isso. Eu vou...
O toque de um celular o calou. Os dois olharam em volta instintivamente, porém logo descobriram
que era o aparelho de Caio que clamava por atenção. O rapaz o atendeu com certo aborrecimento.
Então ergueu os ombros como se estivesse diante de alguém importante. Depois de tapar a base do
celular sussurrou para Norah:
– É meu avô. Ele encontrou um erro grave cometido por um dos funcionários. Isso pode demorar...
– acrescentou a guisa de desculpa. – Vou falar com ele lá na sala.
Norah assentiu. Parecia ser capaz apenas disso, assentir.
Com a saída de Caio a cabeça de Norah começou a trabalhar vertiginosamente. No fim terminou
por acreditar no rapaz, mas ainda se sentia inquieta.
Ao escrutinar o quarto e seus olhos pousarem no criado-mudo, Norah soube o que a arreliava. Ela
precisava de provas concretas e, segundo Cássio, os bilhetes com as ameaças desapareceram do
lugar onde estavam.
Depois de deixar a cama, ignorando a camiseta que Caio lhe emprestou, Norah passou a abrir e
fechar gavetas. Não havia muitas e nenhuma escondia nada delator – com exceção à foto cortada que
ela já conhecia.
Apesar de suspirar aliviada, Norah se lançou em outra busca frenética; agora a vasculhar dentro do
guarda-roupa.
Para sua consternação achou um envelope pardo sob uma pilha de bermudas, não muito escondido,
na verdade. Como não havia tempo a perder, ela o pegou e, murmurando uma prece finalmente o
abriu.
Ao ver o que continha, foi preciso se sentar.
Capítulo Vinte e Cinco

Dois dias haviam se passado, mas se Norah fechasse os olhos ainda veria os recortes tirados de
jornais e revistas colados em folhas de papel sulfite que formavam as ameaças enviadas para seu
marido.
Não as leu. Não teve força de tirar as folhas do envelope, mas nem seria preciso.
Bastou encontrá-las.
Se antes, quando apenas cogitava a possibilidade de Caio ter alguma participação na morte de
Téo, já doía em seu coração, ter a confirmação irrefutável dilacerou sua alma.
Norah ainda não sabia de onde tirou a frieza para colocar o envelope no lugar. Não entendia como
teve mãos para se vestir, pernas para seguir até a sala ou voz para avisar a Caio – que agora
desconhecia – que Anita também tinha solicitado sua ajuda.
Talvez não fosse frieza. Talvez o choque a tenha anestesiado até mesmo para que recebesse o beijo
de despedida do rapaz inconformado com sua partida. Segundo ele, tinham muito a conversar. Não
ela, que não tinha nada mais a dizer.
Não se viram mais desde então.
Caio sabia que algo estava errado – algo além da conversa inacabada –, com isso ligou e enviou
mensagens, sem que Norah as respondesse.
Ela simplesmente não sabia mais como lidar com ele.
Como encará-lo sem irromper em acusações?
Sim, dois dias se passaram, mas para Norah o tempo parecia estagnado. Naquela noite de sábado o
ar parecia ter congelado desde que se trancou no quarto ao ouvir a chegada de Caio.
Simplesmente não podia encará-lo. Não sabia o que fazer com a descoberta.
Sabia apenas o que não faria. Não contou ao filho que encontrou os recortes. Não dividiu com
Eliza o que a entristecia quando a filha, sempre cúmplice e solicita, se ofereceu para ouvi-la ao
flagrá-la chorando na cozinha. E, decididamente, não tocaria naquele assunto com Caio a quem ela
passou a temer; mesmo que ainda amasse.
Agora que sabia do que o rapaz era capaz, os recados soavam como ameaças veladas, as ligações
pareciam coação. A droga toda é que ela não conseguia odiá-lo como deveria.
Devia isso ao pai de seus filhos, mas não via como honrá-lo.
Sendo sincera, Norah reconheceria que seu afastamento era para se precaver de ir para a cama –
ou para qualquer outro lugar – com o responsável pela morte de Téo. O amor que sentia passou a ser
degradante, mas não havia como sufocá-lo.
A solução encontrada foi literalmente fugir.
Infelizmente Norah não poderia se ausentar do dia para a noite, então conseguiu reorganizar sua
agenda para estar livre em 11 dias quando então deixaria o país, rumo a Madri, por dois meses.
Tempo esse que Norah esperava ser suficiente para eliminar seu sentimento.
O plano parecia perfeito. Bastaria driblar a insistência de Caio por mais oito dias que ficaria bem.
Cássio por sua vez exultou ao saber que a mãe ficaria aquele tempo distante.
– Vou morrer de saudades, mas acho que a senhora merece esse descanso – ele dissera. – E eu
posso ir visitá-la. Será perfeito!
Norah lhe sorriu e concordou com que o filho desejasse fazer. Não tinha coragem de encará-lo por
se considerar duplamente traidora. Se denunciasse Caio, Cássio conseguiria desvendar a verdade,
porém ela não o faria.
Eliza por sua vez se mostrou inconformada.
– Por que viajar logo agora que parecia tão feliz com o Caio? – indagara descrente. – Não faz
sentido! Ele sabe dessa maluquice? Vai com a senhora? É isso?
– Não, eu vou sozinha.
– Então eu não entendo. – Eliza praticamente bateu o pé como uma criança birrenta. – E não aceito.
Vocês desmancharam? É por isso que estava chorando?
– Mais ou menos.
– Ninguém termina “mais ou menos” – ela retrucou. – O que aconteceu? É por conta dos dezessete
anos de diferença? Isso já tá tão ultrapassado.
– Não é nada disso... É algo muito mais complicado. Complicado demais até mesmo para explicar,
então não insista. Não daria certo, simples assim.
– Simples assim seria enfrentar a chatice do Cássio e ficar com que ama. Fala sério, mãe! A
senhora tava pegando o Caio! A senhora vai descartar o cara que todas as garotas se estapeiam pra
ter... Eu nunca vou entender!
– “Fala sério” digo eu! Já disse que não vou ter esse tipo de conversa com você, menina. E nem
preciso pedir que não conte sobre minha viagem a ninguém, não é?
Eliza ruminou um revoltado “não” e a deixou.
E assim estavam sendo aqueles dias. Além de lidar com a saudade e inventar desculpas
mirabolantes para se manter longe de Caio, Norah ainda tinha que conviver com um filho radiante e
uma filha inconformada.
Por muitas vezes, no tempo que os irmãos se cruzavam no apartamento, a mãe teve que intervir e
encerrar algum tipo de discussão durante a qual os dois argumentavam sobre a vida dela como se não
estivesse presente.
Nunca ansiou tanto que o tempo corresse, Norah pensou ao se encolher sobre a cama e tampar os
ouvidos para não ouvir o falatório que não continha a voz de Caio. O silêncio dele era ensurdecedor;
tornava sua presença ainda mais marcante.
Para que não enlouquecesse o dia de sua viagem tinha que vir logo, e a ida do grupo para
Petrópolis. Somente assim teria paz; de Caio, de seus filhos. Sim, era horrível, mas era o que ela
queria.
E finalmente a véspera do passeio chegou. Infelizmente Norah não teve como evitar estar diante de
Caio durante os preparativos.
Como de costume seu apartamento servia de QG para toda a turma que iria a Petrópolis; incluindo
algumas moças que não vinham sem que fosse noite de festa; Norah não recordava os nomes. De toda
forma, para ela, era algo irrelevante. Especialmente quando sentia o olhar de Caio fixo sobre ela.
O coração de Norah batia a uma velocidade frenética somente por estar no mesmo cômodo.
O rapaz – abatido, ela reparou – estava no canto preferido, junto à janela e desde sua entrada na
sala não deixou de olhá-la um instante. Qualquer um poderia notar, e ele parecia não se importar, nem
disposto a disfarçar sua impaciência.
Até aquela noite Norah conseguiu se manter longe, escapando, inclusive, de duas visitas feitas ao
seu estúdio aquela semana. Para tanto foi preciso dar voltas e voltas no quarteirão até que ele se
fosse, ou ir mais cedo se refugiar no seu apartamento.
Era evidente que ele estava impaciente.
Naquela noite Caio não a cumprimentou junto aos demais – nem com atraso. Ao primeiro olhar
trocado entre os dois, ele ergueu uma sobrancelha, indagador. Norah apenas desviou o olhar e
cumprimentou a todos de um modo geral e logo ocultou as mãos trêmulas nos bolsos da bermuda.
– Por que não vem com a gente, tia Norah? – indagou Denis, gerando uma concordância em coro. –
A senhora sabe que a gente adora sua companhia.
– Eu sei, mas não posso – Norah aquiesceu. Instintivamente procurou Caio com o olhar, somente
para mirar o chão no instante seguinte. – Aceitei uns trabalhos de última hora, extremamente urgentes,
então estou com todo o meu tempo livre tomado.
– Então vai ficar trabalhando todo o final de semana?
A questão quase ríspida de Caio enregelou Norah por completo.
– Foi o que ela disse! – Cássio replicou com notável aborrecimento, antecipando-se a mãe.
– Realmente tia Norah parece muito abatida. – Caio comentou, ignorando o humor do amigo.
– E estou – ela reiterou sem olhá-lo. Para todos pediu – Se me derem licença...
– Ah! – Leandro a interrompeu ao se lembrar de algo que parecia importante. – Eli falou pra
senhora que aquele tio da Marina, ou do marido dela, foi baleado?
Norah simplesmente tombou sentada no espaço mínimo entre Eliza e o namorado que ocupavam o
sofá.
– Não... Ela não me disse. – Sem que pudesse evitar, agora trêmula da cabeça aos pés, ela olhou
para Caio ao indagar – E ele... morreu?
Caio sustentou seu olhar e franziu o cenho, em estranheza. Norah desviou os olhos no instante exato
da resposta, vinda de Eliza.
– Não. Está internado em estado grave, mas parece que estável.
– Nossa! Eu... – Norah não tinha palavras. Nem poderia ficar perto daquele que, para ela, era o
responsável pelo ataque. – Eu preciso me deitar...
– Não sabia que a senhora era tão amiga dele – Leandro comentou, encolhendo os ombros. –
Deveria ter tomado mais cuidado ao dar a notícia. Me desculpe.
– Ele era... Ele é... – quis explicar, mas descobriu que não tinha o que dizer.
Não desejava que o pior acontecesse, mas não por Jonas ter alguma importância especial para ela.
Novamente seu olhar vagou para Caio e então para Cássio. O filho pareceu não notar a troca de
olhares, estando muito atento a sua reação. Norah não estava com ânimo para ser interpelada por
algo que não sentia então se forçou a levantar.
– Eu vou tomar um analgésico para aliviar a dor de cabeça e me deitar. Tenham um bom passeio
amanhã. Boa noite!
Sim, era uma covarde por praticamente fugir sem coragem de enfrentar o problema junto ao filho
ou a Caio, mas não tinha mais o que fazer. Se ficasse seria apenas para morrer vítima dos olhares
questionadores quando não era ela quem devia respostas.
Foi impossível para Norah dormir aquela noite. Sua mente não lhe dava trégua, mostrando um Caio
furioso atirando contra Jonas. A imagem era muito nítida mesmo que nunca tivesse sabido que o
rapaz possuísse intimidade com armas. Com isso passou a especular como ele teria dopado Téo,
ainda no escritório.
Alguém o teria visto?
Evidente que não, pois a versão do acidente era a que prevalecera.
Também não haveria testemunhas que depusessem contra Caio no caso de Jonas. Agora Norah
sentia que precisava de mais detalhes, saber em quais circunstâncias o tio de Marina foi atacado.
Não que mudasse alguma coisa, mas a ajudaria saber como Caio agia.
Enquanto se encolhia em sua cama, Norah o temeu ainda mais.
E desejou mais também.
Caio a transformou numa tarada inescrupulosa, pensou. Mesmo sabendo que o rapaz era frio e
dissimulado ao ponto de se livrar daqueles que julgava atrapalhar seu caminho, ela o queria.
Deus, como queria!
Tanto que ao ouvir a maçaneta ser girada e forçada às 2h25 da madrugada, intimamente desejou
que Caio – sim, era ele – abrisse a porta a pontapés, a obrigasse a se explicar e depois... Bem!
Depois fizesse com ela todas aquelas coisas urgentes e descuidadas que ele fazia tão bem.
Não aconteceu.
Nem poderia, pois o apartamento estava tão lotado quanto um albergue. Apenas mover a maçaneta
de seu quarto já fora extremamente arriscado.
Agora, mais do que nunca, Norah sabia que era imperativo escapar. A partir daquele encontro
estava claro que Caio não aceitaria mais desculpas.
Nem ela as tinha tampouco.
Insone, Norah deixou a cama e se ocupou separando o que levaria em sua bagagem. A viagem seria
na tarde de segunda-feira e quase nada estava organizado.
Sim, passaporte e passagens estavam ok, dispostos sobre a cômoda, esperando serem guardados na
bolsa que levaria. No mais... No mais...
– Aaaaahhhhh!... – Norah gemeu baixinho atirando um vestido dentro da mala.
Por que Cássio teve que investigar a morte do pai tantos anos depois?
Ela não se importaria de viver com Caio, cega pela ignorância. Mas sabendo... Sabendo não tinha
como.
Sabendo ela tinha que partir.
Capítulo Vinte e Seis

A partida do grupo, às 5h30, foi ruidosa. Norah tinha certeza de que receberia uma notificação,
mas não se importou. Relevante era o silêncio no apartamento.
Àquela hora, tudo o que julgou ser necessário para a sua própria partida dali a horas já estava
separado. O que faltasse compraria em Madri.
Sem nada a fazer, e ainda sem sono, Norah se mantinha deitada, mirando o teto. Em momento
algum a voz de Caio foi ouvida antes da partida, mas sabia que ele estava com todos, pois diziam seu
nome; especialmente as garotas.
Talvez algumas delas – ou todas elas – fossem as tais que se estapeavam para ficar com ele. Talvez
até mesmo elas já tivessem ficado, Norah cismou um tanto ciumenta. Logo, porém, tratou de sufocar o
sentimento.
O que deveria aterrá-la era o fato de meninos bons, entre eles seus dois filhos, estarem na
companhia constante de Caio. Entretanto, em momento algum esse se mostrou ser um problema.
Norah não sabia de onde vinha, mas tinha certeza quase visceral de que Caio nada faria contra
qualquer um deles.
Seu assunto era com “ela”. E com os homens que se atrevessem a cercá-la, acrescentou ao
pensamento.
Talvez devesse procurar informações sobre o estado de Jonas, ela cogitou ao finalmente deixar a
cama cedo demais. Foi preciso esperar até uma hora aceitável para que pudesse ligar para Marina.
Tentou duas vezes sem que completasse a ligação.
Norah aventou ainda a possibilidade de ligar para a cunhada, mas desistiu antes mesmo de discar.
Jonas estava vivo, era o que bastava saber.
Sem a obrigatoriedade de se inteirar da saúde de Jonas ou nada mais que pudesse fazer para
ocupar seu tempo livre, Norah decidiu caminhar no calçadão. Aquele não era um programa usual,
mas poderia se valer dele para não enlouquecer.
Por fim, dirigir até Copacabana. A ida e a volta foi o que realmente a distraiu. Durante o tempo
que passou na praia, a mente de Norah somente conseguiu mais fatores para trabalhar de forma
incessante, pois Caio estava lá.
Estava em cada jogador de vôlei, em cada corredor, em cada rapaz próximo a uma garota.
Como assistir a tantos Caios por mais de quinze minutos? Foi impossível.
De volta à Tijuca, enquanto estacionava em sua vaga, Norah agradeceu pela iminente partida, pois
já não se sentia tão convencida de que devesse ficar longe.
Sim, era a pior das mulheres por apenas cogitar fazer vistas grossas ao que sabia e retomar seu
relacionamento do ponto onde o encerrou, mas não conseguia evitar.
Restava ser forte por algumas horas para que não mergulhasse na degradação e corresse de volta
para Caio.
– Só mais algumas horas – disse a si mesma ao destrancar a porta de seu apartamento. – Só mais
algumas horas.
– O que vai acontecer em algumas horas?
Norah sentiu todos os seus pelos se eriçarem ao ouvir a voz de Caio exatamente às suas costas.
Não sabia de onde ele havia surgido, nem o que fazia ali, e não teve tempo de elucidar. Antes que
externasse sua surpresa, antes até que soubesse o que fazer, ele a empurrou para dentro e trancou a
porta.
– Não... – ela quis gritar, porém sua voz não passou de um fraco sussurro.
– Sim, pois parece que só consigo ter certeza de que vai ficar se trancar a porta – ele retrucou ao
guardar a chave no bolso da calça.
– Es... Estou... – Norah pigarreou e tentou novamente, com maior convicção. – Estou no meu
apartamento. É você... É você quem tem que sair...
– Por que isso? – Caio não encobria sua impaciência. – Por que tenho que sair? O que está
acontecendo, droga! Num dia tudo está bem e no outro... No outro me liga chorando. Depois me
ignora... Então aparece, diz que tudo está bem, e no minuto seguinte simplesmente some de vez!
– Eu... Eu vi que não ia dar certo – disse ela num novo sussurro, mirando um ponto além de Caio.
A proximidade não era benéfica.
– Quando, exatamente, chegou a essa conclusão? – Caio franziu o cenho, soando rouco. – Acho que
tenho o direito de saber.
– É complicado.
– Mas que inferno! Voltamos ao complicado? A gente já não tinha passado dessa fase?
– Nunca deixou de ser complicado – Norah replicou, agora olhando para a janela, pois ver o
quanto Caio estava abatido, enraivecido, a afetava de um jeito que não saberia descrever.
– Estava deixando de ser e... – Caio se calou e estacou depois que Norah retrocedeu um passo ao
notar seu avançar. – O que é isso? Também voltou a correr de mim?
– É melhor que fique longe. – Norah parou atrás do sofá, aumentando a distância, evitando encará-
lo. – Ou devesse ir embora. Aliás, nem era para estar aqui.
– Ou talvez “aqui” fosse exatamente onde eu deveria estar se você não fosse covarde nem tivesse
me mantido longe por quase duas semanas – retorquiu o rapaz, aborrecido. – Acreditou mesmo que
eu ficaria um dia inteiro em Petrópolis sabendo que poderia esclarecer o que está acontecendo?
– Mas você foi com eles...
Norah não sabia o que fazer, nem o que pensar.
– Fiz parecer que iria, mas essa nunca foi minha intenção. Não tinha como viajar... – Sua voz
baixou um tom, evidenciando seu cansaço. – Não tem como fazer mais nada, Norah, sem saber que
porra está acontecendo.
– Eu já disse... Vi que não ia dar certo. Por favor, Caio...
– Por favor, porr... – ele calou o novo palavrão e bufou. Depois de correr as mãos pelos cabelos,
reformou – Por favor, porcaria nenhuma! E olhe pra mim, droga! Eu estou bem aqui! Não sou
invisível!
Norah sabia que não devia, mas fez como o requerido.
Ao ter seus olhos fixos aos dele, algo dentro dela se quebrou. Nada do que pensou não poderia ser.
Simplesmente tinha que haver algum engano, pois o Caio aflito e vulnerável que tinha diante de si
não poderia ferir uma pessoa.
Ela praticamente o viu crescer. Na maior parte do tempo o rapaz esteve junto a Cássio e aos outros
meninos. Com eles ia à praia, às baladas, às “caças”, a tudo sem que nunca arrumasse confusão. Com
exceção à briga no bar, nunca o soube violento. Era dedicado ao trabalho, ao avô. E apesar da boca
suja, respeitava-a. Acabou de dar uma prova ao refrear os palavrões.
Tinha, tinha que haver um engano, pois alguém capaz de demonstrar seu sofrimento no olhar nunca
seria frio ou quaisquer outras coisas que tenha atribuído a ele nos últimos dias.
– Estou olhando para você – disse Norah, também cansada.
Estava farta de fugir.
– E está me vendo? – a pergunta soou rouca, muito baixa.
– Mais do que o vi das outras vezes – foi sincera, sentindo os ombros pesarem.
– Se é assim me diz... Por que está fazendo isso? Eu já disse que pode me dizer o que quiser. Só
não me deixe de fora, nem... nem fuja de mim ou... ou me mande embora. E pelo amor de Deus,
Norah! – acrescentou com evidente agonia. – Não me diz que tá me dispensando por causa do Jonas.
Eu vi como ficou arrasada quando soube do que aconteceu em São Paulo.
– São Paulo?! – Norah recuou alguns passos e caiu sentada numa das poltronas com a nova
informação.
– Eu não acredito! – Caio maximizou os olhos, exasperado. Seu rosto adquiriu um preocupante tom
de vermelho. – É mesmo por causa daquele velho?! Se você queria ficar com ele por que...
– Pare de falar besteira Caio! – O detalhe era importante demais para se ater ao ciúme. – E repete.
Jonas foi baleado em São Paulo? Como você pode saber?
O rapaz – ainda rubro – minimizou os olhos e mais uma vez bufou como um animal bravio. Então,
talvez vendo em Norah a decisão de saber mais, explicou:
– O que aconteceu com ele ou onde não me importa. Não sei dizer se foi em São Paulo capital, ou
no interior, mas depois que você correu para seu quarto, Eliza contou para todos o que tinha
acontecido. Acho que foi durante um assalto no semáforo, algo assim... Já disse que não me interessa.
Se você está tão preocupada deveria...
Norah não o ouvia mais. Era como se estivesse presa a um sonho onde o via mover a boca, sem
que nenhum som fosse propagado. Sua mente somente gritava São Paulo! São Paulo!
Santo São Paulo!
Agora precisava somente descobrir onde estava o erro no tocante ao ocorrido a Téo, aos recortes.
Tinha que haver uma explicação. Uma explicação muito simples, como provavelmente acontecia nos
casos onde namoradas histéricas, aficionadas em romances policiais, fugiam de namorados
improváveis, apaixonados, extremamente encantadores.
Caio ainda externava sua indignação, completamente afônico, quando Norah e levantou e saltou
pelo encosto do sofá para se atirar contra ele.
– Eu sou uma idiota – disse junto ao pescoço de Caio depois de abraçá-lo com toda força que
dispunha. – Me perdoa! Me perdoa!
Caio se manteve imóvel por um tempo que Norah considerou infinito então retribuiu o abraço,
exalando um profundo suspiro.
– Você vai me matar Norah! Vai me provocar um enfarte fulminante antes que eu chegue aos vinte e
seis. Pra falar a verdade, se meu coração não fosse forte já teria acontecido.
– Essa é a vantagem de ser novo e não sedentário – ela não se furtou do gracejo.
Estava feliz!
– Tá fazendo piada da minha miséria?!
Caio soou realmente surpreso e a afastou para que ela o encarasse.
– Estou falando sério Norah! Meu coração não vai parar, mas, de verdade não sei se tenho
estrutura para suas variações de humor. Eu amo você... Amo desde que me entendo por gente, mas
agora começo a me perguntar se vale à pena insistir nisso. É muita indecisão.
– Não é “nisso” – ela o corrigiu, abalada com a declaração. E com a possibilidade de ele a
dispensar logo agora que via uma luz para eles dois. – É insistir em “nós”.
– Era assim que eu pensava – Caio a segurou pelo rosto, escrutinando-o –, mas você está sempre
correndo sem uma explicação. E tem o Cássio, agora esse Jonas...
– Não tem Jonas nenhum! – disse segura, cobrindo as mãos postas em seu rosto, desfrutando do
toque. – E com Cássio eu me entendo depois. Só não... Só não desiste de mim porque fui uma idiota.
– Era o que eu deveria fazer – disse ele, intimista. – A droga toda é que simplesmente não consigo.
Não sem um bom motivo para nossa separação. Então, posso saber o que foi dessa vez?
Era fato que a luz da esperança brilhava cada vez mais forte, contudo revelar a verdade não era
opção. Não atribuía a morte de Téo a Caio então contar sobre o que esteve pensando sobre sua
índole nos últimos dias estava fora de cogitação; ainda que futuramente tentasse descobrir como – e
por que – os recortes estavam em seu apartamento.
– O mesmo de sempre – mentiu. – Mas não era como se fosse uma separação... Eu só precisava de
um tempo para pensar.
– Longe de mim – Caio salientou.
– Se ficasse perto não pensaria. – Norah ergueu a mão para tocar os lábios. – Sabe disso.
– Sendo assim... – ele se desvencilhou e deu um passo atrás, sério. – Se ainda tem dúvidas do que
quer acho melhor deixar que pense mais um pouco porque eu não brinquei. Não tenho estrutura pra
aguentar tanta incerteza.
– Ou você pode aproveitar que está aqui e vir conhecer meu quarto – ela arriscou, desejando que
com a oferta, ele soubesse que agora, toda indecisão tinha se esvaído.
Caio piscou algumas vezes sem nada dizer. Por duas vezes abriu e fechou a boca, como se
esquecesse as palavras. Seus olhos vagam de Norah ao corredor com evidente incredulidade.
– Sei que você quer isso – Norah insistiu. – Se tudo o que me disse é verdade, conhecer meu
quarto deve ser uma das coisas que sempre quis que acontecesse. Essa noite mesmo você tentou
entrar lá.
– Eu não! – Caio finalmente reagiu, empertigado. – Não que a vontade não existisse, mas eu nunca
me atreveria a tanto. Seu quarto é... “Seu Quarto”!
Bingo, Norah pensou ante a explicação. Nem mesmo tentou especular quem havia forçado sua
porta. Toda sua atenção estava na declaração.
“Seu Quarto” provavelmente foi – era – o lugar de desejo para Caio. Convidá-lo foi, talvez, a
prova máxima de que o queria em definitivo.
– Vem!
Sem olhar para Caio uma segunda vez, Norah seguiu rumo ao corredor, rogando para que fosse
seguida. Suas pernas tremiam não apenas pela saudade sentida, nem pela iminência de colocar outro
homem em sua cama.
Um que viu crescer e se tornar homem ao lado de seu filho. Um inadequado, proibido. Um que
espatifou sua ostra e mostrou o significado de ser mulher, de ser amada.
Se aquela ação não fosse prova de que havia superado sua perda – ou seus temores – nada mais
seria.
Capítulo Vinte e Sete

Norah manteve a porta aberta até que Caio passasse. Este o fez lentamente, escrutinando o
cômodo, e parou aos pés da cama. Era impossível, mas ela poderia jurar que ouvia o bater do jovem
coração.
Ou talvez fosse o dela, pois batia a um ritmo anormal.
– O que achou? – indagou apenas para romper o silêncio. – É como esperava?
– Não sei o que esperava – disse ele, sem se voltar. – Entenderia se eu dissesse que é surreal estar
aqui?
– Entenderia.
Era surreal para ela também.
– Mas ele é cheiroso, exatamente como eu esperava – Caio comentou, seguindo até a janela. –
Gosto de ficar à janela lá na sala porque às vezes, especialmente quando você está se trocando e o
vento é meu parceiro, ele leva o cheiro de seu perfume. Então isso eu sabia...
Então aquela era a razão do posto constante, Norah pensou comovida, ainda culpada por todas as
coisas horríveis que atribuiu a alguém sensível em sua essência.
Saudosa, considerando-se extremamente sortuda por Caio aparecer do nada e a impedir de
cometer o maior erro da sua vida, Norah se aproximou e lhe tocou os ombros. A ideia era ajudá-lo a
despir a jaqueta, mas afastou as mãos, sobressaltada com o forte estremecimento do rapaz.
– Me desculpe por isso – Caio pediu ao se voltar, parecendo... constrangido? As palavras
seguintes confirmaram a impressão. – Devo parecer um Mané, mas aqui no seu quarto eu sinto como
se devesse pedir permissão pra tocar você... Ou ser tocado.
– Eu entendo. É estranho – ela optou pela sinceridade –, mas quero ficar com você “aqui”. Será
como um rito de passagem... Um recomeço. Ou simplesmente o começo. Eu quero isso!
– Não é “isso”, é...
Norah o calou com um beijo. Não mais suportava o desconcerto, a distância, a falta. O inusitado
da situação mitigava seu desejo, mas sabia que no instante em que se tocassem a paixão explodiria.
E não se enganou.
Acreditou que sim apenas alguns segundos, quando Caio se manteve imóvel. Contudo bastou correr
a língua pelo vão de seus lábios para que ele correspondesse ao beijo, tomando o domínio da
situação, explorando-lhe cada recanto de sua boca.
– Norah...
Com seu urro agoniado, deixando vir à tona o ávido amante que era, Caio a suspendeu e atirou
sobre a cama. Sua pressa parecia redobrada. Refreou-se apenas por um instante, admirando-a, antes
de retirar a jaqueta, a camiseta e descalçar os sapatênis, as meias.
Contagiada pela urgência dele – e por sua cota de ansiedade – Norah não esperou para ser
despida. Deitada como estava se livrou dos tênis, da bermuda, do moletom.
– Tire o resto – Caio pediu num sussurro.
Naquela manhã – quando cometia o “delito” máximo – Norah se sentia especialmente ousada. Sem
hesitar se despiu por completo. Ver o peito e os braços de Caio cobrir-se de mínimas pelotas, assim
como notar seu estremecimento sem que fosse tocado foi o elogio máximo, a declaração máxima.
– Se a gente não agilizar minha reputação vai pro espaço – ele reclamou rouco.
Norah quis retrucar, porém Caio não lhe deu a chance. Logo estava sobre ela, beijando-a com
sofreguidão, gemendo e apertando a firme prova de seu desejo diretamente contra ela,
enlouquecendo-a.
– Eu te amo, Norah! – a declaração foi soprada na curva do pescoço, e repetida antes que um seio
fosse coberto pela boca faminta. – Eu te amo. Eu quero você!
Norah ofegou e arqueou as costas, tornando-se participativa, movendo-se contra “o pequeno”
muito desperto, acariciando os músculos das costas largas. Queria retribuir a declaração, mas
simplesmente estava sem palavras, sem ar.
Nunca imaginou que sua saudade fosse tão forte, que a fome sentida doesse tanto.
– Preciso de você agora, Caio... – soprou ao ter outro seio provado. – Agora!
– Eu também preciso...
Sem esperar novo convite, o rapaz liberou seu membro túmido e o encaixou no corpo tenso sob o
seu; completamente.
Com um gemido incontido, Norah se prendeu mais ao rapaz, correspondendo ao mover
compassado, aflitivo.
Não houve um palavrão a cada arremetida, apenas a repetição de seu nome, junto à reafirmação de
possessividade.
– Minha Norah... Minha Norah... Minha...
Antes, nos dias de paranoia, a preocupação viria forte. No entanto, naquele momento sublime,
quando Caio a salvava do abismo e despertava o que de primitivo havia nela, Norah apenas se
envaidecia e confirmava num sucessivo arfar:
– Sou sua... Sua... Ah...
O gozo veio fácil, estimulado pela saudade. Não foi intermitente como o último, mas poderoso
como todos os outros, varando-a dos pés à cabeça, estremecendo-a, partindo-a para uni-la numa nova
mulher. Conscientizando-a do que era quando estava com Caio.
E do nada que seria se o perdesse.
– Minha nossa! – Caio grunhiu junto ao seu pescoço. – Minha nossa!... Norah...
Como se o nome sussurrado fosse um chamamento real, Norah o abraçou forte, comprazendo-se
com o estremecimento daquele corpo forte e suado sobre o seu.
– Estou aqui – ela disse ao ouvido dele.
Caio riu contra sua pele, num sopro cansado.
– Eu ia pedir pra dizer isso... Mas então pensei que o que você diz ultimamente não tem valido
muito.
Norah reconheceu que merecia ouvir aquilo.
– Olhe para mim – pediu, acariciando-lhe o cabelo. Ter os olhos brilhantes e ansiosos nos seus a
desestabilizou, porém logo ela acrescentou comprometida. – Não vou recuar. Prometo.
– Isso é bom – Caio também se mostrou decidido –, pois você me esticou até meu limite. Só mais
um puxão e vou partir.
Norah entendeu a analogia da corda de violão partida e estremeceu. Com mais de sua indecisão
Caio partiria de sua vida. Seu coração diminuiu no peito com a possibilidade.
Escrutinando os olhos castanhos, tão sérios, ela se ridicularizou por acreditar que pudesse
esquecê-lo. E em dois meses!
– Nada de te esticar. Pense que estávamos nos afinando – ela se valeu de outra analogia – e agora
estamos tocando no mesmo tom.
– De verdade?
– De verdade.
Com sua afirmativa segura o rapaz novamente lhe perscrutou o rosto, então sorriu antes de erguer
uma sobrancelha, malicioso.
– Sendo assim, acho que você precisa de mais de afinação.
Capítulo Vinte e Oito

Norah acordou sobressaltada com o peso sobre seu corpo. Demorou um segundo até que
entendesse o que acontecia. Sorrindo por recordar a “afinação” que os exauriu, ela abriu os olhos
para analisar o braço possessivo pousado em seu peito.
Sua satisfação sofreu breve abalo ao pensar na hora, contudo a claridade do quarto indicou ser
cedo ainda. Um pouco além da hora do almoço.
O protesto de seu estômago foi um dos indicativos.
Meio se espreguiçando, meio se acomodando sob Caio, Norah pensou como seria interessante
preparar algo para eles dois. Enquanto cozinhasse poderia especular à procura de uma explicação
para os recados que encontrou.
Não teria problemas em abordar o tema visto que Cássio deixou claro que o amigo o ajudava na
investigação.
Passando a acariciar o braço forte do rapaz adormecido, admirando seu nome na tribal, Norah
analisou a possibilidade de comentar sobre a viagem à Madri. Talvez não o fizesse uma vez que não
iria. Provavelmente fosse o melhor, afinal sabia que Caio não receberia a notícia “numa boa”, e não
queria novas brigas. Nem magoá-lo.
Agora que eles tinham se...
Antes que Norah completasse o raciocínio a porta de seu quarto foi aberta com estrondo. O ar
fugiu de seus pulmões ao ver seu filho se aproximar.
– DESGRAÇADO! – Cássio berrou a plenos pulmões, rubro, transtornado.
Sem nem olhar para a mãe, puxou Caio da cama e o derrubou ao chão.
– Eu te mato seu filho da puta! – A tentativa de brado não passou de um sussurro rouco,
esganiçado, enquanto socava o rapaz, onde, e como podia.
Caio por sua vez, ainda aturdido e sonolento, apenas se defendia do ataque.
– Cássio! – Norah saltou da cama e, depois de se enrolar no lençol, tentou deter o filho. – Pare
com isso! Está machucando ele!
– Me solta! – o filho novamente tentou gritar, sem sucesso, afastando a mãe antes de desferir novo
golpe. – Eu vou matar esse desgraçado!
Com a intervenção de Norah, já desperto, Caio se levantou e se afastou. Vê-lo de pé, nu, pareceu
enfurecer mais seu atacante.
– A minha mãe?! – Cássio conseguiu altear a voz, tentando alcançá-lo. – Você tava comendo a
minha mãe?!
– Cássio! – Norah o repreendeu.
– O quê? – ele se voltou, encarando-a com os olhos ejetados, mas não dirigiu sua fúria a ela. –
Não tente defender esse desgraçado. Ele tá se aproveitando da senhora.
– Cássio, temos que conversar – disse Caio, tentando vestir a calça, ofegante.
– Não quero ouvir sua voz! – O olhar de Cássio chispou para ele. – Cala a boca! E venha se
entender comigo!
– Não vou bater em você – Caio avisou, seguro.
– Bater em mim? Rá! – escarneceu Cássio. – Está é correndo. Covarde! Safado! Aposto que
quando se ofereceu pra ensinar minha mãe já estava com má intenção.
– Não! Não desse jeito! Você sabe que não estou zoando com ela – Caio insistiu já a fechar a
calça.
Como resposta Cássio avançou contra Caio, que se esquivou, correndo por sobre a cama, parando
ao lado de Norah.
– Você sabe – ele novamente insistiu. – Eu sempre te falei “dela”. Você se lembra? “Dela”?
– O quê?! – Cássio vociferou. – Quando me fazia aturar seus porres por causa de uma mulher mais
velha tava falando da minha mãe?! Eu vou mesmo te matar!
– Pare de agir feito criança e vamos conversar – Caio pediu. – Você sabe o que eu sinto. É de
verdade! Eu quero levar nosso relacionamento a sério. Eu...
– Tá louco, só pode! “Você”? Se relacionar a sério com minha mãe?! – Cássio cerrou os punhos. –
Cara... Como quero partir a tua cara ao meio! Até parece que eu ia deixar isso ir adiante.
– Não cabe a você decidir – Caio retrucou visivelmente aborrecido. – Diz alguma coisa Norah.
Coloque um freio no seu filho!
– Não dê ordens a ela!
Cássio novamente avançou, mas apenas para puxar a mãe antes que ela respondesse, afastando-a
do rapaz que o esperou com os punhos cerrados, indicando que a partir dali revidaria caso fosse
atacado.
– Pare com isso Cássio! E nos escute. – Norah se desvencilhou e encarou o filho, mas este não lhe
dava atenção.
– Vou livrar minha mãe de você! – Cássio ciciou. – Ela não deve estar no seu juízo normal, pois
nunca te daria condição. Você a drogou! Como fez com meu pai!
– O quê?! – Caio se desarmou por um instante, embasbacado. – Que merda você disse?
– Cássio, não... – Norah tentou demover o filho, puxando-o pelo braço, apavorando-se com o que
viria.
– Ouviu muito bem! Eu já desconfiava que você tivesse roubado as provas do meu quarto e quando
vi vocês dois juntos na sua moto – Cássio torceu o rosto, enojado – eu soube de tudo. Antes eu nunca
imaginaria, mas depois tudo fez sentido. E minha mãe também acredita nisso. Eu contei pra ela. E já
estava tudo pronto para que deixasse o país amanhã então hoje ela não ficaria com você. Ainda mais
na cama do meu pai!
– Na minha cama! – Norah o corrigiu, mas incapaz de desviar o olhar de Caio. Seu coração
pararia ante a incredulidade do rapaz. – A cama é minha e fico nela com quem quiser.
– Não com ele! – Cássio bradou. – Isso é nojento! Esse desgraçado tem a minha idade pelo amor
de Deus! E matou meu pai.
– Cala a boca! – Caio perdeu o controle, avançando beligerante.
– Não! – Norah se colocou entre os dois, olhando de um ao outro. – Vamos conversar como
pessoas civilizadas, por favor.
– Não tem como ser civilizado quando esse seu filho maluco fica fazendo insinuações absurdas –
Caio replicou, encarando-a duramente. – E é sério isso? Acreditou mesmo nessa loucura? Vai deixar
o Brasil amanhã?
Antes que Norah pudesse responder, Cássio apenas esticou o braço, alcançou a passagem e o
passaporte deixados sobre a cômoda e os atirou contra o peito nu do rapaz.
Reflexivo, Caio os pegou de qualquer jeito antes que caíssem e os analisou atentamente.
Norah conteve a respiração ao ser novamente encarada.
A corda tinha se partido, ela soube.
– Acredita agora? – provocou Cássio, vitorioso. – Pra que essa situação grotesca acontecesse
você teve ter feito alguma coisa. Como fez com...
– Se repetir mais uma vez que fiz alguma coisa pro teu pai eu quebro a tua cara – Caio o ameaçou,
movendo o dedo em riste na direção do rapaz. – E te processo! Eu não fiz isso que insinua.
– Você seria capaz!
– Talvez eu fosse – Caio retorquiu, rouco. – Acredito que todo mundo é capaz de tudo, mas eu não
fiz nada, merda! – gritou, pois sua voz ameaçava minguar. – Você sabe que quem ameaçava seu pai
era alguém da transportadora. Alguém que até hoje desvia dinheiro. Admito ter pegado as provas,
mas foi pra te proteger de ter o mesmo fim, seu idiota. E você também deveria saber! – disparou para
Norah, acusador – Acha mesmo que eu faria qualquer coisa contra o Sr. Mendes?
– Caio, eu...
Ela não tinha palavras. Ali estava sua explicação, muito simples como tardiamente previu.
– Me desculpe, eu sei que você não... Eu... Eu te amo! – Norah declarou no auge de seu desespero.
– O quê?! – Cássio a encarou estupefato.
– Não ama! – Caio refutou, trêmulo. – Pode gostar do sexo, mas não ama.
Cássio engasgou e deu um passo a frente, e recuou ao ser encarado com advertência antes que Caio
voltasse sua atenção para Norah.
– Não me ama – ele repetiu furioso. – Talvez até tenha pena do pobre menino apaixonado, mas
amor?... Não! Se amasse teria conversado comigo quando esse louco te envenenou contra mim. Teria
gritado comigo. Teria avançado no meu pescoço ou atirado coisas na minha cabeça. Teria feito
qualquer coisa que extravasasse sua frustração, exatamente como eu tenho vontade de fazer agora...
Em vez disso você se afastou com as desculpas mais esfarrapadas. E agora isso!
Ele atirou o passaporte e a passagem sobre a cama.
– Caio... – Norah murmurou embargada.
– Se é assim que você me ama, eu dispenso!
– Caio... Por favor...
– Não precisa dizer nada! – interrompeu-a enquanto recolhia o resto de suas coisas. – Eu já
entendi. E vou fazer um favor pra você indo embora! É só me esquecer... Estou cansado “disso”.
Caio gesticulou, indicando Norah e Cássio, antes de seguir para a porta, mesmo descalço.
– Eu não conheci minha mãe – acrescentou –, mas acredito que haja um limite pra amor filial e até
mesmo para o amor materno. Essa relação de vocês é que me embrulha o estômago!
Sem mais, Caio saiu e puxou a porta ao passar para que batesse violentamente.
Norah mirou o vazio por um instante, então, ao entender o que tinha acontecido, passou a recolher
suas roupas.
– A senhora não está pensando em ir atrás dele – Cássio tentou segurá-la.
– Largue meu braço. Agora! – demandou. – Já não fez o bastante?
– Se tivesse feito, ele não teria saído vivo daqui – retrucou, posicionando-se entre ela e a porta.
– Ninguém vai matar ninguém! – Norah ciciou resoluta, vestindo a bermuda sob o lençol. –
Conforme-se com o que viu, pois nós estamos juntos e não vou deixar que Caio saia da minha vida
por sua causa.
– Eu não aceito! Ele tem a minha idade!
– Mas não é você – ela rebateu já a vestir o moletom sobre o lençol. – E eu sou sua mãe, não sua
mulher para você se comportar como se estivesse te traindo.
– Está traindo a memória do meu pai! – Cássio replicou, cruzando os braços. – E o que mudou
afinal? Amanhã a senhora...
– Você fez tudo de caso pensado, não foi? – Norah finalmente entendeu as últimas ações do filho. –
Sabia que Caio estava com as provas e realmente me envenenou contra ele?
– Eu tinha que fazer alguma coisa – Cássio admitiu. – Não podia deixar que isso fosse adiante. É
nojento!
– Não! – Norah retirou o lençol do meio de suas roupas e as ajeitou no corpo antes de avançar
contra o filho, pronta para agredi-lo, mas se refreou. – Caio tem razão. A forma como me trata é que
é nojenta. Sou sua mãe, droga! Não sua mulher! Por acaso é assim que você me vê?
– Credo! – Cássio recuou um passo, torcendo o rosto, enojado. Ao notar que a mãe esperava mais
do que sua reação, gritou. – É claro que não!
– Tenho minhas dúvidas – replicou a mãe, desafiadora. – Toda aquela conversa de não trazer
namoradas aqui. Até mesmo seus amigos trazem uma eventual ficante, menos você! Sempre está mais
preocupado com a minha vida.
– Não é nada disso! – Cássio se defendeu, demonstrando os primeiros sinais de derrota. – Eu só
cuido da senhora. E de Eli, afinal sou o homem da casa desde que papai se foi.
– Nunca pedi que fosse. E cuidar é diferente de sufocar, ditar, determinar. E nunca, nunca
demonstrou ter por sua irmã o mesmo ciúme que dirige a mim. Antes eu estava cega, mas agora vejo
o quanto é inadequado.
– Mamãe, eu...
– Eu sou adulta – Norah seguiu, cortando-o – e muito capaz de saber o que quero para minha vida.
– Não pode colocar alguém com a minha idade no lugar que era do meu pai – murmurou o filho,
deixando cair os ombros. – É ridículo! As pessoas vão rir da senhora.
– Pois que riam! Não me importo em ser ridícula ou a velha sem noção. Nem que me confundam
com a mãe do Caio. Não me importo com nada disso! Eu só quero... Não, eu tenho o direito de tentar
recomeçar com quem quiser. Estou viva, droga! E não venha com esse papo de substituir seu pai. Téo
era uma pessoa e Caio é outra. Não tem que pensar nele como seu padrasto, apenas respeite o que eu
sinto ou o que eu decidir fazer. Gostaria muito de ter seu apoio, mas se não tiver... Dane-se!
Cássio a encarava sem ação. Movia a boca sem nada dizer. Norah não tinha tempo para lidar com
o choque do filho. Não tinham mais o que dizer um ao outro.
No momento era imperativo que fosse atrás de Caio. Precisava desfazer o mal-entendido. Pedir
perdão e rezar para ser perdoada.
Mais uma vez! Norah pensou enquanto esperava que o elevador chegasse à garagem.
Nem cogitou conferir se Caio ainda estava em sua rua ao sair. Sabia que não. A corda tinha
arrebentado! Mas tinha que haver um meio de reparar o dano. Não podia deixar que o rapaz sofresse
por sua causa.
Ou o que era pior, que acreditasse mesmo em sua piedade.
– Isso não, Caio – murmurou como se ele pudesse ouvir. – Pena não...
Tal sentimento seria humilhante para alguém como ele. Com o pensamento Norah se desesperou
mais.
Caio devia estar transtornado, considerou aflita, aumentando a velocidade sem nem notar. Tinha
que se certificar que ele havia chegado ao seu apartamento sem que nada de mal lhe acontecesse.
Após a morte de Téo, Norah se preocupava especialmente com as causas dos acidentes. Falta de
atenção por falar ao celular, alta velocidade e embriaguês eram as principais, mas distúrbios
emocionais não poderiam ser ignorados.
E Caio guiava uma moto potente.
Apenas pela possibilidade de perder outra pessoa que amava num acidente de trânsito, Norah
passou a marcha e afundou o pé no acelerador. Tinha que encontrar Caio o mais rápido possível.
Maldizia o sinal vermelho que a obrigaria a parar, quando este se tornou verde.
Sem desacelerar, Norah seguiu seu caminho. Tarde demais percebeu que alguém fazia o mesmo,
não respeitando o farol vermelho.
A colisão foi inevitável.
Capítulo Vinte e Nove

Estava presa num sonho. Tinha que estar!


Era isso ou estava morta, Norah considerou ao ver Téo se aproximar do banco que ocupava. Se
usasse branco ela juraria que estavam no céu, mas o marido vestia roupas tão coloridas quanto as que
ela própria usava.
Apesar do medo de estar morta, Norah se alegrou ao vê-lo, pois tinha a sensação de que esteve
sozinha por muito tempo. Bem, não tão sozinha, corrigiu-se. Havia uma presença que lhe fazia
companhia na escuridão.
E agora via Téo!
Sorrindo satisfeita, Norah estendeu a mão. Em vez de aceitar o contato, Téo lhe acariciou o rosto
com a conhecida ternura, sorrindo de volta.
– Foi você quem esteve aqui comigo? – ela quis saber.
Téo maneou a cabeça, ainda sorrindo, ainda lhe acariciando a bochecha.
– Então quem foi?
– Volte e veja – ele a aconselhou antes de beijar sua bochecha. – Volte e viva!
Quando Téo se foi Norah soube que sonhou. E foi um sonho bom.
Aquela era a primeira vez que via um rosto conhecido em meio à escuridão. A ilusão serviu para
acalmar a falta que sentia de seus filhos. E de Caio. Ainda precisava encontrá-lo, mas não via como.
Quando sentia a presença de alguém Norah acreditava que a luz romperia a escuridão para que
continuasse sua busca, mas não acontecia.
Não até ouvir a voz tranquila de Téo. O marido sempre soube o que era melhor para ela, e se
novamente a aconselhou a viver, era o que faria.
E viveria sem culpa.
Ao pensamento, sentindo-se livre apesar de estar no escuro, Norah chorou. Logo sentiu suas mãos
serem apertadas com força. Uma doeu mais do que a outra, porém o calor bom mitigava o
desconforto. O primeiro alento em... Ela não sabia em quanto tempo.
– Mãe...?
Norah reconheceu a voz de Eliza, um tanto incerta. Sua intenção era responder, contudo sua voz
não passou de um sopro desconexo.
– Ah, mamãe! – exclamou Eliza, embargada, aliviada.
Novamente Norah sentiu novo aperto em suas mãos. E ouviu o pranto de Eliza. Preocupada com a
comoção da filha, a mãe se esforçou para abrir os olhos. Agora entendia que cabia a ela romper a
escuridão.
Fracassou na primeira tentativa. E na segunda, e na terceira. Entretanto, na quarta vez que tentou
mover suas pálpebras pesadas, estas se abriram lentamente. Eliza foi surgindo em seu campo de
visão até que a visse completamente. Estava abatida e, depois de ofegar, sorriu e chorou mais.
Norah quis pedir que a filha não chorasse, mas sua atenção foi desviada para um arfar ao seu lado
esquerdo.
Ao mover a cabeça – que latejou – Norah se deparou com Cássio. O filho era a imagem da
desolação. Ela não recordava se o viu chorar outra vez que não no velório do pai.
– Mãe, eu sinto muito! – disse ele, erguendo sua mão dolorida para beijar os dedos delicadamente.
Norah soube que o incômodo se dava pela agulha cravada sob sua pele, mas não se importou. – Eu
fui um idiota! Um idiota completo! Me desculpe.
Norah se lembrava da discussão que tiveram, mas não tinha ânimo para comentar. Sua mente
nublada não deixava que se fixasse em detalhes.
– Tudo bem... – se forçou a murmurar.
A voz arrastada e grosseira lhe causou estranheza, mas novamente não pôde atentar ao fato. De
súbito, assim como o timbre de sua voz, notar que suas duas mãos estavam ocupadas chamou sua
atenção.
Norah novamente moveu a cabeça – que latejou mais – e procurou por uma terceira pessoa à sua
direita. Não a viu imediatamente. Para enxergá-la foi preciso baixar o olhar até a lateral da cama. Ali
estava não uma pessoa qualquer.
Foi a vez de Norah ofegar.
Caio mantinha a cabeça apoiada no próprio braço cuja mão segurava a dela.
Sim, estava atordoada. Entendia que alguma coisa tinha acontecido. Não recordava o quê – algo
grave, pois estava num quarto de hospital –, mas sabia em detalhes que Caio não poderia estar ali.
Não segurando sua mão enquanto Cássio segurava a outra.
Norah queria perguntar o que tinha acontecido, contudo as questões travaram em sua garganta ao
notar como o rapaz se encontrava miserável.
Desde que seus olhares se cruzaram Caio não se moveu. Apenas a encarava. Seus olhos estavam
secos, porém a íris brilhava num mar vermelho. Seus lábios estavam unidos rigidamente, como se
contivesse o riso, ou o choro.
Ela tinha tanto a dizer, mas sabia que não formularia nada coerente então apenas tentou sorrir e
murmurou:
– Oi.
– Oi – Caio respondeu e ergueu os olhos para Cássio.
Não havia um pedido no olhar, nem incerteza. O brilho que Norah flagrou era algo como decisão,
advertência.
– Ah!... Eu vou ter que me acostumar, não é mesmo? – indagou Cássio, sem inflexão. – Mas espera
eu sair do quarto. Não estou preparado pra assistir isso.
– Os dois vão sair do quarto – disse alguém ao entrar.
Norah reconheceu a voz de quem falou ao entrar. Era o médico que atendia a família Mendes há
anos, seguido de uma enfermeira. Eliza estava atrás deles, indicando ter sido ela quem os chamou. A
mãe esteve tão admirada com o inusitado da situação que não a viu deixar o quarto.
Agora o médico punha todos para fora. Quando a enfermeira fechou a porta ele já se acercava da
cama para encarar sua paciente.
– Bom dia, D. Norah! Que susto, hein?
– Oi, Dr. Carlos.
– E então, como se sente?
– Minha cabeça dói... – Norah revelou. – E meu estômago está enjoado. Acho que é fome.
– Pode ser, pode não ser... Infelizmente, por enquanto, vamos manter apenas o soro. Bem, agora me
deixe ver se...
Ao se calar, inconclusivo, Carlos tirou do bolso algo semelhante a uma caneta e descobriu seus
pés para correr o objeto em suas solas. Reflexivamente Norah reagiu às cócegas e uma a uma as
retraiu. Sua perna esquerda doeu, contudo ela abafou o gemido de dor.
Compenetrado, o médico voltou a se aproximar da cabeceira da cama e pediu, posicionando o fino
objeto prateado diante do rosto da paciente:
– Olhe para cá... Agora para cá... – ele moveu a caneta de um lado ao outro. – Muito bem! Agora
abra os olhos. Tente não piscar.
Sem aviso ele usou a lanterninha – agora Norah sabia – para iluminar seus olhos.
– Bem, Norah – Dr. Carlos guardou a lanterna, sempre encarando a paciente. – Você sabe por que
está aqui?
Norah maneou a cabeça dolorida, não lembrava. Soube não ser uma boa resposta ao ver o médico
torcer os lábios.
– Isso não é bom... Você acordou no tempo previsto, responde bem aos estímulos, mas... Não
lembra nada, nada do acidente?
Com a pergunta as imagens vieram. Todas elas, em detalhes. Até mesmo algumas imagens
desconexas do salvamento antes que mergulhasse na escuridão.
– Eu lembro – disse aflita. – Eu me lembro. Bateram na traseira do meu carro... No cruzamento.
– Isso! – o médico respirou com alívio, então tentou acalmá-la. – Não precisa se agitar. Você
estava sem o cinto e bateu a cabeça contra o vidro. Considere um milagre não ter acontecido nada
mais grave. A ressonância não detectou qualquer lesão e agora você não demonstra confusão
mental... Ainda não a vi de pé mais arrisco dizer que não terá problemas em se locomover.
– Dói um pouco quando respiro – Norah admitiu, já agradecendo pelo milagre.
– Sim. Você fraturou duas costelas e teve um corte na coxa. Por sorte não chegou nem perto da
artéria femoral. O resgate chegou logo ao local, mas se tivesse perdido muito sangue...
– Sei disso – ela murmurou. Ambos sabiam que Téo partiu dessa forma.
– Bem. Graças a Deus não aconteceu. E já que se lembra não temos com o que nos preocupar. De
toda forma, agora que acordou vou pedir outros exames, mais detalhados. É por isso que não vai
comer ainda. Para alguns eu preciso que esteja em jejum. Se tudo estiver de acordo, mando vir um
banquete. – Carlos piscou e riu brevemente da própria piada, mas logo voltou à seriedade. – Bem-
vinda de volta Norah! Veja se agora toma mais cuidado e não dirija sem usar o cinto.
– Nunca mais – prometeu.
Não se lembrava de não ter travado o cinto, mas fazia todo o sentido, afinal saiu apressada.
O detalhe a lembrou de muitos outros, mas de súbito, ali, diante do médico da família, Norah viu a
chance de especular sobre o assunto que a assombrou dias e noites.
– Dr. Carlos... – ela solicitou toda sua atenção com o chamamento murmurado. – Sei que muitos
anos se passaram, mas senhor saberia me dizer se o Téo... Se o Téo ingeriu alguma bebida ou
qualquer outra substância antes do acidente?
– Engraçado, ontem o Cássio me fez a mesma pergunta. E vou repetir exatamente o que eu disse a
ele... Eu não saberia dizer por que não foram feitos exames nesse sentido. Ele já havia ido a óbito
antes de chegar aqui, vítima de um acidente. Não havia causa mortis ocultas a procurar.
– Entendo...
Ao menos ela tentou.
– Lamento não poder ajudar.
– Tudo bem... É que uma dúvida surgiu esses dias e esse detalhe faria uma grande diferença para
que pudéssemos entender o que aconteceu.
– Sei como é – compadeceu-se o médico. – Mas não posso sequer alimentar falsas esperanças.
Muitos anos se passaram Norah. Dependendo o que procuram acredito que nem uma exumação dos
ossos ajudaria, e isso se vocês conseguissem uma ordem judicial para abrirem o ossuário. Seria
praticamente impossível encontrar o indício de bebida ou drogas.
– Sei disso... Obrigada mesmo assim.
– Bem, não pense mais nisso. – sugeriu, sorrindo encorajador. – Se alguma coisa está errada na
morte do seu marido tenho certeza que cedo ou tarde há de aparecer.
– Vai sim. O mal feito não pode ser escondido para sempre.
– Exatamente. Agora... Imagino que queira ver aqueles três que estavam aqui.
Norah apenas assentiu.
– Sabe? – o médico segredou. – Eles me deram um trabalho danado e o jeito foi deixar que
ficassem, mas agora vou pedir que entre um de cada vez. Apesar de parecer bem não quero que se
esforce... Não até fazermos os novos exames.
Norah novamente assentiu.
– Então? Quem eu chamo primeiro? Um de seus filhos ou seu namorado?
Norah sentiu o rosto arder. Por um instante imaginou que o médico considerava Caio apenas um
amigo dos filhos. Ele saber a diferença implicava em novidades que ela desconhecia.
Estava ansiosa por descobrir como tudo tinha mudado.
– Serei uma péssima mãe se escolher o namorado? – indagou incerta.
– Lembrar que é mulher não faz de você uma péssima mãe, Norah. – Carlos novamente lhe piscou;
agora cúmplice. Para a enfermeira recomendou. – Peça para o namorado entrar e me espere lá fora.
– Caio – Norah o nomeou apressadamente para o caso de não saberem.
– Sabemos disso – esclareceu, ocultando um sorriso. – Mas ele fez questão de se intitular assim
para alguns enfermeiros, então é como o tratamos.
Pela segunda vez Norah sentiu seu rosto arder. E seu rubor se agravou ao ver entrar o “namorado”,
segundos após a saída da enfermeira.
– Você tem dez minutos. E não deixe que ela se agite – o médico recomendou ao rapaz antes de se
despedir. – Até logo Norah.
– Até logo doutor Carlos... E obrigada!
O médico assentiu e fechou a porta ao passar. Imediatamente o silêncio baixou sobre o casal.
Norah tinha tanto a dizer, mas ficou sem palavras ao reparar atentamente como Caio se encontrava.
Os olhos vermelhos impressionavam. E também o rosto abatido, a rigidez dos braços enquanto ele
mantinha as mãos nos bolsos da calça, parado junto à porta.
– Oi de novo.
– Oi – ele a imitou como antes, sem se mover.
– Vai ficar aí?
A pergunta serviu de convite. Um que Caio aceitou prontamente, seguindo para o lado da cama
onde esteve antes de sair. Não olhou para Norah, mas para a mão que segurou.
Ao brincar com os dedos, Caio franziu o cenho e travou o maxilar.
– Nunca senti tanto medo na minha vida – disse ele, embargado, antes de espalmar a mão dela em
seu rosto. – Pensei que ia perder você.
– Estou aqui. – Norah moveu os dedos, acariciando-lhe a bochecha.
Imediatamente Caio fechou os olhos, mas a ação não impediu que duas lágrimas rolassem.
– Se não estivesse, a culpa seria minha! Eu devia imaginar que ia sair atrás de mim. Mas já que
estava tão nervosa por que não tomou um taxi?
– Não pensei em nada, então a culpa seria minha por ser estúpida ao ponto de dirigir sem estar em
condições nem de travar o cinto de segurança – ela tentou gracejar com a verdade. – Que tonta se
esqueceria de coloca o cinto?
– Uma tonta puxada de um lado pro outro por um filho mala e um namorado idiota. – Caio a
encarou.
– Não são tão maus – Norah sorriu, e logo voltou à seriedade. – O que ouviu foi grave. Cássio não
tinha o direito de dizer aquelas coisas. Nem eu deveria ter acreditado... Mas da última vez que estive
no seu apartamento eu achei o envelope então...
– Pensou que eu fosse capaz de matar seu marido – ele completou um tanto ressentido.
– Eu errei por não gritar nem atirar coisas na sua cabeça, mas tem que admitir que seu amor por
mim, assusta. Tem a tatuagem... A foto rasgada...
– É. – Caio encolheu os ombros. – Eu sempre soube disso, mas nunca imaginei que essas coisas
fizessem de mim um assassino em potencial.
– Não fazem. Não fazem – ela repetiu segura. – Eu que me deixei levar pelas circunstâncias. Por
minha confusão. Me desculpe.
– Não precisa pedir desculpa.
– Preciso, sim. Eu conheço você, sei que nunca seria capaz. Acho que ia fugir de covarde que sou,
mas... Eu já tinha mudado de ideia. Não ia viajar. Eu ia contar o que tinha acontecido e depois
perguntar sobre as provas, mas Cássio chegou e... tudo saiu do controle.
– Foi horrível! – Caio a encarava, já recuperado. – Fui sincero quando disse que nunca quis que
seu marido morresse.
– Eu sei. – Norah fechou os olhos, sua cabeça doía um pouco. – Vamos esquecer esse assunto?
– Claro! Claro! – Caio tocou sua têmpora com cuidado, ainda assim doeu. – Quer que eu saia?
Quer que eu chame a enfermeira?
– Não! Fique! Tenho que dizer uma coisa.
– Não tem que dizer nada. Se sua cabeça tá...
– Eu nunca senti pena de você. Eu tinha que dizer isso – cortou-o. Caio nada disse, mas o brilho
em seus olhos mostrou a Norah que foi importante esclarecer a questão. E uma vez que começou, iria
até o fim. – Evidente que o sexo é bom...
Caio pigarreou e ergueu uma sobrancelha, inquiridor.
– Certo! O sexo é excelente. Melhor assim?
– Bem melhor! – Caio sorriu completamente. – Tenho uma reputação a zelar. Mas você dizia...?
– Estou tentando dizer que amo você, mas seu convencimento não deixa.
De súbito Caio se curvou sobre ela e tentou beijá-la.
– Não – Norah desviou a boca. – Deve estar com um gosto horrível.
– Ia ser um selinho, sua tarada! – Caio disse muito perto, debruçado sobre ela, escrutinando-lhe o
rosto. – Repete que me ama – pediu rouco, sério.
– Eu amo você!
O rapaz conteve a respiração e fechou os olhos um instante. Então a encarou, sorriu e a beijou. De
leve como havia dito, contudo, Norah soube que a reserva nada tinha a ver com possíveis maus
odores de sua boca.
O evidente cuidado a comoveu. Mesmo que a mão com a agulha doesse, ela lhe acariciou o cabelo
depois que ele pousou a cabeça no vão de seus seios, de leve, sem soltar o peso do corpo.
Era bom tê-lo perto, assim, sem reservas.
– Como você está aqui? – Norah precisava saber.
– Por incrível que possa parecer, Cássio me chamou.
– Cássio?! – ela se agitou; incrédula.
Caio se afastou e assentiu.
– Cássio me ligou logo depois que soube do acidente. Quando me contou o que tinha acontecido eu
pirei e me preparei para as novas acusações, mas não foi nada disso. Eu nem tive tempo de ficar mal
com o que tinha acontecido a você porque ele gritava feito um louco.
Norah sentiu seus olhos marejarem, mas segurou o pranto.
– Ele me pediu perdão pelos absurdos que insinuou – Caio contou – e disse que se você saísse
dessa não ia ser contra nosso namoro. Pediu também que eu fosse até o local do acidente porque não
tinha coragem de ver como você estava.
– Cássio... – murmurou a mãe, compadecida. Podia imaginar o desespero do filho se tomasse a
perda do marido como exemplo. Com um suspiro, especulou mais. – E você foi?
– Fui. E graças a Deus já tinham te colocado na ambulância... – a voz de Caio diminuiu um tom e
falhou. Erguendo a cabeça para encará-la, continuou. – Mas você parecia morta, então não tive muito
a agradecer na hora. Só fiz as pazes com Deus depois que o médico te atendeu e disse que não tinha
acontecido nada muito grave. Mas é claro que não seria tão fácil, então você não acordava nunca.
– Quanto tempo? – Não precisou dizer mais.
– Dezessete horas. Você vai perder o vôo.
Norah entendeu a provocação e riu. E quase gritou na sequência.
– Não me faz rir – pediu. – Essa merda dói!
– Você falou um palavrão – Caio sorriu contente. – Agora sei que tá recuperada.
– Estou. Téo me mandou acordar...
Norah mordeu o lábio inferior; falou sem pensar.
Caio se ergueu completamente, empertigado, e piscou algumas vezes. Ainda sem nada dizer
assentiu e, para surpresa de Norah, abriu um sorriso luminoso.
– Essa é a prova da minha inocência. E que o Sr. Mendes aprova o que sinto.
– Foi só um sonho, Caio.
– Cada um acredita no que quer – ele deu de ombros, ainda sorrindo.
– É válido!
Não tiraria aquilo do rapaz, Norah pensou ao tocá-lo no peito. Estava feliz e queria que Caio
sentisse o mesmo.
– Agora não vejo a hora de me recuperar.
– Estamos falando disso agora?! – Caio simulou surpresa; Norah sentia que ele estava feliz como
ela. – É mesmo uma sem-vergonha! Vou ver com o Dr. Carlos o que podemos fazer sem que
prejudique mais suas costelas. Talvez se você ficar por cima...
– Não é nada disso, seu bobo! – Ela lutou para não rir. – Eu quero é sair com você. Recuperar o
tempo perdido... Quero que me apresente como sua namorada. – Para provocá-lo acrescentou. –
Especialmente agora que acabou com a minha chance de paquerar um dos enfermeiros.
De súbito Caio assumiu um ar solene, muito sério.
– Não sei o que disseram, mas em minha defesa digo que foi necessário. Eu reparei como ficavam
te secando. Mas me diga... Já que a covardia parece ter sido levada pela pancada na cabeça, o que
acha de me assumir de verdade?
– O que quer dizer com isso?
– Bom dia! – cumprimentou uma nova enfermeira ao entrar com uma bolsinha plástica. – Hora de
repor o soro.
Norah teve vontade de gritar com a mulher. Seu coração estava a ponto de parar.
Caio não poderia...
– Vou aproveitar e sair, senão Cássio volta sua palavra atrás.
Caio a beijou nos lábios levemente e seguiu para a porta, cruzando a meio caminho com a
enfermeira que se aproximava. Ao chegar à porta, parou um instante e chamou por Norah como se ela
não estivesse olhando para ele.
– Caso não tenha entendido – disse despretensiosamente –, eu te pedi em casamento.
Norah ainda piscava, aturdida, quando Cássio entrou.
– Isso deve estar doendo – ele comentou, sem jeito, indicando a agulha inserida no dorso da mão
da mãe.
Norah olhou para a mão reflexiva, então para a enfermeira que trocava o soro, sem ver nada ver na
verdade.
Caio falou a sério? Casar? Já?!
– A senhora não está se sentindo bem? – Cássio se alarmou e encarou a enfermeira.
– O que houve D. Norah? – a mulher indagou, preocupada, avaliando-a.
– Nada. – Ela se apressou em dizer à enfermeira e se obrigou a dar atenção ao filho. – Estou bem!
– Bem... – Cássio murmurou e se calou. E assim ficou até que a enfermeira saísse.
Seu constrangimento era evidente. O rosto estava corado. Ele devia muitos pedidos de desculpas,
mas ela era a mãe e os perdoou antes que viessem.
– Me desculpe – disse ela. – Eu devia ter contado desde o início.
– Me desculpe – Cássio a imitou, baixando a cabeça em seu colo. – A culpa é minha por sufocar a
senhora. Mas é complicado ver que a mãe da gente é mais do que isso. Pensar que pudesse ficar com
outro homem que não fosse meu pai era absurdo pra mim.
Norah podia entender. E acariciou os cabelos do rapaz, confortando-o. Filhos de um modo geral,
em especial os meninos, não veem a mulher sob a pele da mãe.
– Com Caio então... – ele prosseguiu depois de se afastar para encará-la. – Como se já não fosse
demais ele ser muito mais novo, tinha o fato de eu saber o quanto ele era galinha. E digo era porque
se não respeitar a senhora eu acabo com a cara dele!
Norah sorriu. Apesar do acréscimo veemente, podia ver a mudança pela qual seu filho passou. Se
não tivesse acreditado nas palavras de Caio, teria ali a confirmação de que Cássio aceitava a relação
dela com seu melhor amigo.
– Não ria, não! – Cássio franziu o cenho e moveu o dedo em riste, advertindo-a. – Nem venha
tentar defender. Ele pode ser seu namorado agora, mas eu o conheço de longa data. Se ele não tratar a
senhora como uma rainha vai ter que se entender comigo.
Doía. De verdade doía – o rosto, a cabeça e as costelas –, mas Norah não conseguiu conter seu
riso. Ou seu pranto quando este veio se juntar à sua alegria.
– Eu amo você Cássio! – declarou, movendo as mãos para que ele fosse abraçá-la.
– E eu amo a senhora – Cássio se curvou sobre a mãe, com cuidado. – Como filho.
– E como mais seria, garoto? – indagou Eliza ao entrar. – Também quero declaração – ela requereu
ao se juntar ao meio abraço.
– Eu amo você – disseram mãe e filho.
– Você não seu chato! – Eliza empurrou o irmão, de leve. – Eu estava falando com a mamãe. E por
que ela tá chorando? O que você já fez?
– Eu não fiz nada, garota! Mãe, fala que eu não fiz nada.
Norah não falou, somente sorriu mais ao ver os irmãos implicando entre si.
Sim, doía. E ela poderia ter tido o mesmo fim de seu marido, mas intimamente agradeceu por sua
falta de atenção.
Não fosse a iminência de sua morte, Norah nem poderia imaginar como estaria sua vida. De fato
não pensaria, pois era um futuro perdido, hipotético, alterado pela providência Divina!
Agora o novo presente estava ali, com seus filhos como sempre foram. Amando-se e arreliando-se,
necessitando dela para interceder. E ambos aceitando sua escolha.
Poderia ser mais feliz?
– Se aceitar meu pedido eu boto esses dois na linha – Caio prometeu, recostado ao limiar da porta,
de braços cruzados sobre o peito empertigado.
– Qual pedido? – Eliza olhou de um ao outro e sorriu, já a bater palmas levemente.
– Ah, não mãe! – Cássio deixou seus ombros arriarem, simulando sofrimento. Talvez sofresse um
pouco, de verdade. – Diz que não vai se juntar a esse Mané.
E havia algo mais a dizer? Téo morreu aos 44 anos deixando sonhos inacabados. Por pouco ela
mesma quase se foi aos 42 anos, deixando seus filhos e um amor não vivido plenamente.
Talvez fosse piegas, talvez fosse batido, mas passou a dar mais valor à vida. E teve pressa.
Ainda a sorrir, Norah olhou para os filhos. E então para Caio; tão lindo, tão seu. Não mais
proibido para ela.
– Posso começar desde já se me der sinal verde de padrasto estagiário – Caio reiterou, piscando
cúmplice.
Sim, ela poderia ser muito, muito mais feliz, pensou.
E assentiu.
Capítulo Trinta

Norah se espreguiçou e sorriu preguiçosamente ao sentir o cheiro de café. Aquela era a


confirmação de que estavam no domingo, pois em todas as manhãs daquele dia Caio lhe levava o
café na cama.
Não uma bandeja bem fornida, apenas uma xícara com a bebida fresca, fumegante.
– Acorde, sua preguiçosa! – Caio demandou ao sentar na cama. – Tenho novidades.
Ao abrir os olhos, Norah conteve sua respiração por um instante.
Dois anos.
Dois anos tinham se passado e ainda era a mesma surpresa se deparar com aquele homem bonito –
muito desejável – todas as manhãs.
E era inteirinho dela! Oficialmente.
Casaram-se tão logo ela se recuperou das fraturas nas costelas e os hematomas sumiram. Apenas
no civil, por insistência dela. Pela vontade de Caio, teriam feito o ritual completo, com igreja, festa,
pompa e circunstância.
Carinhosamente Norah o fez entender que era desnecessário.
Como esperado, ao assumirem a relação publicamente chamaram a atenção sobre si. João Ressali,
avô de Caio, se mostrou resignado ante a escolha do neto e nunca externou qualquer comentário
contrário. Marcos e Denis se surpreenderam, troçaram dos amigos sobre o iminente “parentesco”,
mas deixaram claro desde o início que gostaram da novidade.
Já entre parentes e amigos, uns se mostraram a favor, outros, veementemente contra. Para estes,
Norah passou a ser a velha sem noção que sustentava o garotão rato de praia. Os preconceituosos
não se importavam – ou não acreditavam – que houvesse amor de ambas as partes, não interesse;
mesmo que Caio dividisse com o avô o comando de um escritório de Contabilidade.
Talvez por ser homem, talvez por ser jovem, ou apenas desencanado, Caio não dava importância
aos comentários. Norah por sua vez, suportava-os. Com isso evitava fornecer munição para o
bombardeio. Por essa razão preferiu a cerimônia simples. Com a economia foram em lua-de-mel
para Madri.
Uma viagem breve, porém perfeita, de onde Norah trouxe muitas fotos de Caio e a melhor de todas
as lembranças.
– Cadê o Téo? – ela indagou ao reparar o silêncio no apartamento que ambos compraram, há quase
um ano, no Leme.
– Está com Cássio – Caio lhe entregou a xícara e sorriu malicioso. – Pedi que ele olhasse o irmão
pra que seus pais se divertissem um pouquinho.
– Você não fez isso. – Norah sorriu. Sabia que não.
Cássio já estava completamente à vontade com a união, mas nem por isso Caio o provocava com
aquele tipo de insinuação. Sempre se mostrava extremamente respeitoso diante dos enteados.
– Não fiz – Caio admitiu. – Cássio veio com a Beatriz para buscar o irmão. Eles queriam levar o
Téo à praia. Achei que não teria nada demais.
E não tinha, Norah pensou enquanto soprava e bebericava seu café.
Ficava feliz sempre que Cássio demonstrava seu amor pelo caçula. Não que o primogênito não
tenha surtado com a notícia de sua gravidez. Não que não tenha se desesperado, como Caio e Eliza,
com a gestação de risco. Mas ao final, quando tudo deu certo, ainda na maternidade, como todos os
outros, o rapaz se apaixonou pelo recém-nascido.
Ao escolher Téo como nome de batismo, Caio somou pontos com o amigo. Não que fosse essa a
intenção.
– Téo?! – Norah questionara ao saber a vontade do marido, quando o ultrassom revelou o sexo do
bebê. – Tem certeza? Acho que vai ser estranho.
– Estranho nada – Caio retrucara. – Será uma boa homenagem a alguém que te fez voltar do além.
– Eu não estava no além – Norah o contradisse, sorrindo. – Eu dormi por dezessete horas, normal.
E o Téo não fez nada. Foi um sonho!
– Continue acreditando nisso – ele deu de ombros. – Eu acredito que o Sr. Mendes te mandou de
volta pra mim. Então nosso filho vai se chamar Téo e está acabado.
E assim foi.
Téo Arruda Ressali tinha um ano e três meses incompletos. Era um bebê animado, saudável. Com
probabilidade acima da média de se tornar uma criança mimada por um bisavô, um pai, dois irmãos
e dois tios bem dispostos – isso sem contar Marcos, Denis e as eventuais namoradas – que o
cercavam de paparicos.
Eliza e Leandro, casados há um ano, costumavam levar o menino em seus passeios. Assim como
Cássio e Beatriz, que há pouco mais de seis meses decidiram morar juntos.
A moça morena lhe foi oficialmente apresentada um dia antes de receber alta médica, na ocasião
de seu acidente.
Norah já a conhecia da praia e até mesmo de seu apartamento, sem que nunca imaginasse o
envolvimento com seu filho. Era uma moça bonita, amável. Alguém que Norah aprovava ter por nora,
sempre tendo consciência que a escolha cabia a Cássio.
Se ele fosse feliz, ela também seria.
E o filho parecia feliz. Exceto por um detalhe...
– Será que teremos uma definição para o caso de Téo? – Norah especulou ao entregar a xícara
para Caio.
Depois que ela deixou o hospital, mesmo tendo sido desencorajado pelo médico da família, Cássio
resolveu entregar os bilhetes de recortes para a polícia, assim como os documentos que também
havia descoberto no cofre do pai, as notas frias e os balancetes reavaliados por ele, com a ajuda de
Caio.
Ao ficar provado que a transportadora vinha sendo roubada há anos por um dos sócios, um
inquérito foi instaurado. Com a investigação se chegou ao culpado. Este foi preso, mas solto em
seguida após pagamento de fiança para que esperasse pelo julgamento em liberdade.
– O que eu disse sobre ter uma novidade? – Caio a lembrou antes tomar-lhe a xícara das mãos e
deixá-la sobre o criado-mudo. – Cássio avisou que o julgamento será daqui a dois meses.
– Nossa! Tudo isso?
– Parece muito, mas para quem esperou até agora é quase nada – Caio tentou animá-la. – Cássio
parece satisfeito. Ainda mais que o advogado garantiu que a condenação é praticamente certa. Saulo
cometeu vários delitos. Mesmo que não esteja sendo julgado pelo assassinato do seu marido, não tem
como sair livre.
– E pensar que esse cretino é primo do Téo! – Norah bufou exasperada. – Espero que mofe na
cadeia.
– Infelizmente não vai. – O rapaz se aproximou e passou o braço por seus ombros. – Não com as
nossas leis. Mas não se pegue a isso. O importante é que ele não saia impune. Pense que o tempo que
mofar já vai valer.
Norah não teve como retrucar. As leis eram brandas com bandidos da laia de Saulo Mendes, e
infelizmente parecia que nunca mudariam. O jeito era se conformar como seu marido dizia.
Seu marido, ela afirmou em pensamento, analisando-o.
A barba rala que o tornava mais velho tinha sido abolida há mais de um ano. Contudo Caio voltou
a ser como era na aparência, não no comportamento. Não era galinha e se não tratava a esposa como
uma rainha, ele chegava muito perto.
Não durante o sexo, era evidente. Na cama Caio se esforçava para manter sua reputação intacta. E
como ele estava apetitoso naquela manhã e ela sempre estaria bem disposta a ajudá-lo, Norah se
aproximou mais.
– Você tem razão – anuiu por fim, tocando-lhe a perna apoiada sobre o colchão. – O tempo que
mofar já vai valer.
– Exatamente... – Caio concordou com voz arrastada, olhando-a de esguelha, avaliador. – A gente
vai mudar o assunto?
Norah sorriu de si mesma, com a reação de seu corpo à breve pergunta.
– Não estava pensando em conversar – admitiu, movendo a mão ao longo da coxa modelada pelas
corridas na praia, na esteira.
Seu sorriso se alargou ao sentir a pele dele empolar.
Dois anos. Dois anos e a reação não havia mudado. Como não se apaixonar a cada dia?
Caio gemeu baixinho e de súbito avançou sobre a esposa, deitando-a para prendê-la sob seu
corpo.
– Alguém já disse que a “senhora” é muito, mas muito sem-vergonha?
– Foi o que me restou depois que enxerguei um garoto insistente com menos vergonha ainda!
– Ah, é?... Então vamos ver qual dos dois tem menos! Quem perder vai cantar e tocar para o outro.
Norah olhou seu velho violão. Agora era capaz de tocar, e bem! E também era muito divertido,
mas...
– Minha voz é horrível!
– Então se esforce pra ganhar.
Norah sorriu e fez com que Caio girasse na cama para se colocar acima de seu quadril. Seu
instrutor também a preparou para aquela prova, e ela se esforçaria. Tinha forças para tanto, pois
acabou de acordar.
Isso depois de dormir uma noite inteira, sem telefonemas imaginários às 3h15.

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