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Halice FRS

ENIGMA
Pecados & Danos*

“Aquele que estiver sem pecado, que atire a primeira pedra”


João 8:7

*VERSÃO NÃO PUBLICADA


Copyright © Halice FRS
Todos os direitos reservados. Proibida a tradução, distribuição ou cópia, integral ou parcial
dessa obra sem o consentimento por escrito da autora.
Criado no Brasil
***
Imagens da capa: CanStock Photo
Capa: Naty Cross
Agradeço a Deus pela inspiração. A todas as leitoras, amigas virtuais por seus comentários
inspiradores e críticas construtivas. À Cleide, Grazielle, Andréia e Joana, minhas “cobaias”
iniciais. À Cristina, Sônia e Patrícia todas as “irmãs” que formam nossa Irmandade.
À Josefa, Elaine, Barbara e Jackeline pelo suporte técnico, direto ou indireto. A Edivania
pela ajuda incondicional a qualquer hora.
À Nara, minha irmã por afinidade, pelas palavras animadoras nas horas necessárias Ao meu
marido por pacientemente me permitir dividir nosso tempo e me dedicar à escrita e ao meu pai
pela formação.

Dedico essa história a minha mãe, minha primeira incentivadora.


N/A: The Isle e Arte & Estilo são lugares fictícios, assim como Sin Bay, que serve de cenário para o romance entre um homem e
uma mulher. Ambos perdidos em suas mentiras, graves ou pueris, conscientes ou inconscientes.

Boa Leitura!
Índice
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Capítulo Trinta e Nove
Verdades & Consequências*
Tradução das frases italianas:
Capítulo Um

No salão silencioso, apesar da penumbra, ele via a moça ajoelhada junto aos bancos,
rezando, contrita. Talvez ela enganasse a todos com aquele ar inocente e seu vestido de renda
branca, mas não ele. O rosto de anjo escondia a face de uma pecadora mentirosa. Ele a conhecia
bem e lhe tinha certo rancor, contudo, este era sufocado pelo anseio em tê-la somente para si.
Num movimento brusco, ele deixou seu posto atrás da cortina que os separava e foi até ela. A
moça não notou sua aproximação, não interrompeu a oração. Nem mesmo quando ele pousou a
palma em sua cabeça, correu-a pelos fios macios até alcançar o rabo de cavalo e o enrolou em
sua mão; muito excitado antes mesmo que o puxasse.
A surpresa e a devoção encontrada nos olhos castanhos agravaram seu desejo, desarmaram-
no, confirmando sua rendição, fazendo com que caísse de joelhos diante dela. Ainda com aquele
monte de cabelo preso em sua palma, trouxe o rosto corado de encontro ao seu e, sem se
importar onde estavam, beijou-a com paixão. Saudoso, abraçou-a com força, comprazendo-se
em sentir o corpo corruptor. Estava prestes a deitá-la no chão para amá-la, quando as luzes de
súbito se acenderam, revelando a gravidade do pecado que cometia.
Aturdido, ele olhou primeiramente para si e viu suas vestes negras, então, olhando em volta,
viu-se encarado e acusado por todos os santos dispostos em seus altares. Era um padre farsante
que poluía sua igreja.
Completando o passeio de seus olhos, pousou-os sobre a messalina. Ao ver os dela fechados,
os lábios entreabertos, esperando por seu beijo, ele soube. Primordialmente era um homem e
por mais dividido que fosse todas as suas faces escolheriam ficar com aquela mulher.

Naquela tarde Jonathan De Ciello experimentava sensações contraditórias. Parecia que antes
de conhecer a si mesmo ou descobrir os segredos de Faith Green – a garota que tomaria por
amante – e de seu tio Carlo, deveria se habituar a viver em constante ambivalência de
sentimentos. Apesar do sonho perturbador que tivera durante o cochilo na sala de espera do
hospital de Wells, sentia-se livre enquanto guiava pela autoestrada, de volta a Sin Bay. Também
estava ansioso em se encontrar com Faith para provar o sabor de seus lábios e, como no sonho,
reafirmar sua rendição às provocações.
Contudo, para azedar seu contentamento, sentia-se incomodado com a proximidade de Carlo,
que havia levado ao hospital para a retirada dos pontos, como ficara acertado desde a sua alta
na semana anterior. Muito antes de chegarem, Jonathan pôde sentir o olhar inquiridor sobre si e
tal insistência, também no caminho de volta o irritava. Era ele quem possuía motivos para
questionamentos; não o velho padre.
– O que há com você, Johnny? – A voz de seu tio e padrinho, surpreendeu-o. – Está estranho
desde ontem. Esteve calado o tempo todo e, ainda agora, nada diz. Aconteceu alguma coisa
durante sua ida à casa do tal enfermeiro?
Jonathan reconhecia seu silêncio. Era pouco mais das 15h e realmente mal falou na ida ou
durante a breve estada no hospital. Depois da descoberta do envolvimento de seu tio com Grace
Campbell – a dona da lanchonete Blue Moon –, ele perdera a naturalidade.
– Nada aconteceu – disse de modo firme. Mal disfarçando a irritação que a mansidão de
Carlo lhe causava. Ríspido, acrescentou: – Na verdade, nada acontece para mim.
– É disso que estou falando! Nunca foi tão grosseiro comigo.
– Isso é o que o senhor diz – Jonathan retrucou. – Eu não tenho como saber por mim mesmo se
já o desrespeitei ou não. Se já fui grosseiro ou não... Resta-me crer em suas palavras e ser
cordato. Um homem sem ação ou vontade própria que segue calado o rumo que o senhor aponta.
– Jonathan?! – Carlo exasperou-se. – Agora eu exijo saber o que se passa com você. O que fiz
para ouvir essas coisas?
Jonathan ainda não queria confrontá-lo. Conhecia-se o suficiente para saber que se seu tio
persuasivo apresentasse uma explicação plausível para a presença de Grace em seu quarto –
mesmo que pouco aceitável –, logo estaria perdido em suas eternas dúvidas. Carlo o
exasperava, mas não deixou de amá-lo e sempre tentaria vê-lo por seu melhor lado. E no
momento, não poderia se render.
Sua porção eclesiástica precisava daquele rancor para seguir adiante com o mau passo que
daria, assim como o homem desmemoriado precisava ficar atento às novas falhas que talvez o
ajudassem a recordar um passado perdido.
– Não fez nada – Jonathan contemporizou. – Eu é que estou atarefado com a reforma. O corte
em minha mão ainda dói... Só isso. Perdoe-me.
– Sabe que sempre pode contar comigo, não sabe? – Carlo lembrou-o, sem deixar de encará-
lo. – Sei que sou rígido às vezes, mas é para o seu bem.
E, mais uma vez, o desejo de não se expor o manteve calado. Engolindo em seco para não
perguntar-lhe o quanto a dona da lanchonete o fazia bem, disse apenas:
– Sim, eu sei.
Antes que seu tio pudesse prosseguir com o assunto, Jonathan ligou o rádio, indicando que
não estava aberto a novos assuntos. O silêncio entre eles foi quebrado por um toque insistente,
quando já seguiam pela estradinha vicinal que os levaria à vila.
– Que som é esse? – Jonathan baixou o volume do rádio para melhor ouvir a campainha
irritante. Olhando em volta percebeu o desconcerto no rosto do tio. – É seu celular?
– Sim – Carlo admitiu. Depois de pegar o aparelho e conferir o visor, apertou uma tecla que o
silenciou e o recolocou no bolso.
– Por que não atendeu? – o jovem padre indagou, desconfiado.
– Era engano – respondeu inabalável. Antes Jonathan aceitaria a desculpa, no momento, não
deteve a curiosidade.
– Não poderia ser a Srta Campbell?... Ela sabe seu número.
– A Srta Campbell não tem assuntos a tratar comigo que a faça me ligar. Foi mesmo engano.
Jonathan o olhou de relance e decidiu se calar, mantendo sua atenção na estrada. Carlo
retomou a palavra, quando o sobrinho já estacionava diante da casa, anexa à igreja em reforma.
– Se não se importar, irei para meu quarto. Os pontos estão secos e o corte cicatrizado, mas
está levemente dolorido.
– Vá em paz. Se precisar de mim, estarei na igreja. Acredito que estejam à minha espera para
as confissões da tarde – disse sem olhá-lo.
Sem nada acrescentar, o padrinho sumiu porta adentro. Jonathan o acompanhou com o olhar e,
depois de contar até sessenta, finalmente o seguiu. Atravessou a sala a passos largos. Não tinha
dúvidas de que seu tio se refugiara no quarto. Queria apenas conferir se ele tentaria descobrir a
origem do engano. Ao ouvir-lhe a voz nervosa através da porta, regozijou-se por seguir seu
instinto.
– ... você disse que nada aconteceria – disse Carlo. Após um longo silêncio, falou: – Tem
certeza de que agora é seguro? – Nova pausa. – Não me agrada, mas também considero ser o
melhor... Fique com Deus.
Jonathan não entendeu o sentido das palavras, no entanto, encaixando algumas delas nos
acontecimentos recentes, poderia deduzir que talvez o tio estivesse se referindo ao atentado que
sofreu. Seria possível que conversasse com algum dos investigadores? Se fosse o caso, por que
não o colocava a par? Seria complicado descobrir o que se passava, contudo, sem sombra de
dúvidas, o padre teve a confirmação de que seu tio escondia segredos inimagináveis sob sua
aparente confiabilidade.
De mãos atadas no momento, ao ouvir o som vindo do colchão que cedia ao peso do corpo
masculino, Jonathan deixou o corredor e seguiu para a igreja. Descobriu que era esperado por
duas moças. Agradeceu intimamente e rogou que fossem tão cheias de pecados quanto todas que
estiveram no seu confessionário pela manhã.
Resignado, cumprimentou-as e, depois de pedir-lhes licença por um instante, retornou à
sacristia. Sentando-se à sua mesa, juntou as mãos e fechou os olhos em oração. Não se atreveu a
pedir perdão pelos pecados que cometia ou pelos que viria a praticar, relegando-os a uma parte
isolada do seu cérebro como se fossem realmente apartados de sua vida religiosa. Apenas pediu
calma e concentração para ao menos cumprir seu papel de ouvinte e sábio redentor.
– Com sua licença, senhor – Jonathan ouviu a voz incerta, vinda da porta. Antes de atendê-la,
finalizou seus pedidos. Após fazer o sinal da cruz, ergueu os olhos para a recém-chegada.
– Entre, Nicole – disse, indicando-lhe a cadeira em frente. Esquecera-se completamente que
encontraria com a irmã de sua amante aquela tarde. – O que deseja?
– Vim agradecer a tentativa de ajuda, mesmo que não tenha surtido efeito – falou já
acomodada.
Ele não fizera nada com tal intuito, porém não precisava lhe dizer.
– Não vejo dessa forma – falou confiante. – Se não me falha a memória, seu pai deixou claro
que, se um de seus filhos não estivesse feliz, ele talvez entendesse.
– Gostaria de dar maior crédito ao talvez – retrucou Nicole, entristecida. – O problema é que
conheço meu pai.
Ao comentário foi impossível não recordar suas experiências pessoais e, antes que refreasse
seu rancor, disse:
– Ninguém conhece ninguém, Nicole. Elliot pode ser seu pai, você pode ter seus traumas e
ressentimentos, mas não pode afirmar conhecê-lo apenas por seu próprio julgamento. Uma
conversa sincera talvez a surpreendesse. E se não acontecesse, ao menos teria a confirmação do
que acredita e não ficaria atada às suas dúvidas.
O discurso valia para ele próprio, mas como pensou antes, ainda não estava preparado para
enfrentar aquele que descobrira ser um completo estranho. Algo em seu íntimo lhe dizia que as
descobertas não seriam agradáveis. E verdadeiramente se odiaria caso se deixasse levar pela
lábia infalível do padrinho.
– Não tenho coragem – ela admitiu. – Ontem quase engasguei quando o senhor tocou nesse
assunto.
– Quanto a isso, nada posso fazer – replicou ele, levemente aborrecido, com ela e consigo. –
Já a aconselhei, já introduzi o tema ao seu pai... Agora cabe a você decidir qual caminho seguir.
E, mais uma vez, as palavras cabiam aos dois. De súbito, aquela conversa se tornou
demasiadamente incômoda, visto que ele reconhecia sua própria covardia. Colocando-se de pé,
Jonathan indicou que o encontro tinha chegado ao fim.
– Obrigada por me ouvir – disse Nicole, torcendo as mãos nervosamente, imitando-o. – Vou
tentar ter coragem. Boa tarde, Sr. De Ciello.
Jonathan a liberou com um aceno e um sorriso engessado. Nicole Green arriscaria fazer o que
ele ainda não se aventuraria.

– Que novidade é essa? – Tyler Mills indagou, desconfiado, encarando Faith depois que ela o
informou que não iria com ele para Sin Bay. – Vai para algum outro lugar? Posso te levar.
– Não vou a lugar algum, só não quero ir com você – explicou, arrumando a bolsa com seus
cadernos e livros de desenho sobre o ombro, seguindo para o ponto de ônibus.
Sabia que não seria fácil, mas, sem traumas, aos poucos, tentaria manter Tyler afastado.
Jonathan nada pedira, mas devia isso a ele uma vez que finalmente lhe acenava com a
possibilidade de ficarem juntos.
– Por que isso agora – o amigo insistiu, em seu encalço. – Tem ido comigo todos esses dias.
Eu não toquei em nenhum assunto que não queira, então, qual é o problema?
– Eu só quero ficar sozinha – falou Faith ao parar e encará-lo. – Não é nada com você, Ty, é
comigo.
– A desculpa clássica para os fins de relacionamento – debochou.
– Não é desculpa, pois não estou desmanchando com você – Faith retrucou, esforçando-se
para não se aborrecer. – Nem temos o que desmanchar... Entenda, por favor! E me deixe um
pouco sozinha. Não estou te mandando embora. Ainda nos veremos todos os finais de tarde e
nas noites de quinta. Eu só... Só preciso desse espaço, entende?
– Esse é um daqueles momentos em que vocês, mulheres, param para refletir sobre o sentido
da vida? – Tyler novamente debochou, cruzando os braços sobre o peito.
– Mais ou menos – disse Faith, seguindo seu caminho. – Preciso encontrar um rumo para mim.
– Certo! – Tyler aquiesceu por fim. – Posso entender que alguém tão perdida quanto você
precise mesmo de tempo e solidão para se encontrar. Se valer minha dica, comece revendo sua
necessidade de exibição semanal e seu interesse num padre. Acho que depois disso, todo o resto
ficará fácil.
– Farei isso! – Faith refreou o desejo de mandar o amigo ao inferno. Estava se saindo bem e
não estragaria tudo com a grosseria merecida.
– Posso ao menos esperar o ônibus com você? – Tyler perguntou, preparando-se para sentar
no banco do ponto.
– Não será preciso – ela avisou, satisfeita, indicando sua condução se aproximava. – Boa
noite. Ty! Até amanhã.
Já acomodada no fundo do velho ônibus, Faith agradeceu silenciosamente por ter conseguido
mantê-lo longe ao menos aquela noite. Quando visse Jonathan na manhã seguinte ficaria feliz em
dizer que se afastaria de Tyler. Era certo que o veria, pois estava determinada a encontrá-lo
todos os dias. Inventaria uma desculpa qualquer relacionada às imagens que precisava restaurar,
não sabia. Seria discreta, não mais o provocaria, mas ficaria sempre ao seu lado.
Contendo um sorriso, apertou sua bolsa sobre o colo e fechou os olhos, duvidando que
naquele ônibus ou em sua cidade, existisse alguém mais satisfeito do que ela.
Naquela noite, a reunião familiar em volta da mesa de jantar transcorreu tranquila e
silenciosamente. Faith era acometida de breves calafrios sempre que recordava de outra
ocasião, com o padre ao seu lado, mas os disfarçou com maestria. Quando seu celular tocou,
logo após o jantar, pediu licença a todos, dizendo que atenderia ao namorado em seu atelier e
aproveitaria o final da noite para trabalhar na restauração.
Antes de sair não pôde deixar de reparar no olhar entristecido de Nicole. A cada dia ficava
mais difícil, e desnecessário, sustentar a armação. Aquele era outro detalhe dos planos traçados.
Livrar-se-ia também do falso compromisso que a mantinha cativa de uma mentira. Esta já estava
indo longe demais nas aspirações de seu pai, como também somente fazia sua irmã sofrer sem
nunca tomar a atitude esperada.
Sua conversa com Peter foi breve, similar às outras. Decididamente colocaria um fim em
todas elas. Depois de voltar o celular ao bolso dos shorts, prestou atenção ao santo remendado.
Dissera aos pais que trabalharia nele, mas não encontrou ânimo para lixar e pintar. Sua
disposição era outra e, depois de cobrir a imagem, seguiu até sua mesa de desenho para
extravasar sua necessidade.
Logo estava perdida em traços, alternando grafitis com diferentes espessuras. Quando os
olhos incolores tomaram forma, ela soube qual imagem acessou para se inspirar. Não era uma
que escolhesse deliberadamente uma vez que lhe causou certa dor, mas não poderia negar que
durante a última despedida na praia, Jonathan carregasse todo esplendor de sua beleza.
Faith trabalhou em sua melhor obra até tarde. Ao se dar por satisfeita e namorá-la por alguns
minutos, escondeu-a entre seus livros. Ao entrar na casa, todos tinham se recolhido. Em seu
quarto, parou ao lado da cama da irmã para vê-la em seu sono. O rosto estava marcado. Com
certeza chorara até dormir. Sem saber se deveria ter raiva ou piedade por todo aquele
conformismo covarde, a moça se preparou para dormir.
Sob as próprias cobertas, dando-se conta de que não conseguia se aborrecer com a falta de
ação da irmã, percebeu como muitas coisas, ao seu próprio respeito, tinham mudado nos últimos
dias. Antes de adormecer, Faith reconheceu o quanto fora infantil, e um tanto quanto ingênua,
aceitar encenar um namoro com Peter. Todas as idas e vindas em direção ao padre, assim como
o recuo de Nick, indicavam que ninguém poderia traçar rumos para que outros seguissem. O
livre arbítrio era um fato e cabia a cada qual fazer o que bem entendesse de suas vidas.
Como na manhã passada, a moça despertou além do horário habitual. Praguejando por ter
perdido à hora de ir à praia, deixou a cama, apressada, para tentar ao menos alcançar a irmã.
Queria lhe falar antes que saísse, porém encontrou apenas Constance a lavar a louça utilizada no
café da manhã.
– Todos saíram?
– Até que enfim! – exclamou a mãe, deixando passar a pergunta óbvia, voltando-se com as
mãos molhadas. – O que há com você que sempre se atrasa?
– Sem exagero, mamãe... – Faith pediu, indo se sentar à mesa, no lugar disposto para ela. –
Perdi a hora ontem e hoje.
– Sabe...
– Que a senhora gosta de todos juntos – ela falou, cortando a mãe gentilmente. – Mas eu fiquei
até tarde no atelier. Prometo não me atrasar mais... Também não gosto de tumultuar nossas
refeições.
– Por falar nisso – a mãe enxugou as mãos e se aproximou. – Como está a imagem? Já posso
vê-la?
– Na verdade, não tem muito para ver – desconversou. Como não poderia dizer o que fez
durante as horas que ficou no atelier e necessitando de uma boa desculpa para ir à igreja,
mentiu: – Eu acabei estragando uma parte já arrumada e tive de reconstruí-la. Está praticamente
da mesma forma de quando a peguei.
– Lamento o tempo perdido. – Constance voltou aos seus afazeres. – Quando acha que
termina?
– Não saberia dizer. De toda forma, quero pedir mais informações ao padre. As cores
estavam tão desbotadas que nem sei qual é a original. Talvez ele possa me ajudar.
– Posso fazer isso por você – a mãe se ofereceu, animada. – A veste é...
– Eu agradeço – Faith novamente a cortou, ocultando o súbito nervosismo por ter sido
primária. Era evidente que sua mãe tiraria uma dúvida tão corriqueira. – Mas preciso mesmo ir
até a igreja. Vi ontem como estou desperdiçando material que serviria para outras peças...
Quero trazer mais algumas e trabalhar paralelamente em todas.
Para seu alívio, a nova desculpa pareceu ser suficiente para sua mãe.
– Sendo assim... – esta deu de ombros. – Mas saiba que pode contar comigo no que precisar.
– Eu sei que sim, mamãe. – Faith presenteou Constance com seu melhor sorriso.
Como na manhã passada, comeu somente uma torrada com mel e, depois de se despedir da
mãe, partiu para seu quarto. Expectante, banhou-se e se vestiu. Sua ida à igreja tinha um sabor
especial naquela manhã. Ainda não sabia ao certo o que esperar, mas tinha a certeza de que
seria bem recebida.
Como esperado, suas pernas não a ajudavam muito durante o trajeto. Ao passar diante da
Blue Moon, cogitou entrar e acalmar o coração enquanto conferisse o estado de espírito da irmã
para chegar a alguma conclusão quanto a revelar a verdade sobre o plano infeliz de seu falso
namorado. Apenas cogitou, pois ao avistar Jonathan a conversar com os trabalhadores à porta
da igreja, seguiu caminho como que atraída por um imã, esquecendo-se até a incerteza dos
passos.
Capítulo Dois

– Bom dia! – soou a voz feminina às suas costas. Jonathan não estava preparado para vê-la
nem para o salto súbito de seu coração, então precisou tomar um respirar profundo antes de se
voltar na direção de tão agradável som.
– Bom dia! – exclamou depois de todos os outros.
Ao ver a moça fresca e jovial, num de seus tantos vestidos coloridos, com os cabelos presos
no inseparável rabo de cavalo, Jonathan experimentou um leve ciúme daqueles que pararam
seus afazeres para cumprimentá-la e inadvertidamente lhes sorriam. Com um pigarro, chamou-
lhes a atenção, porém dirigiu-se a ela:
– Ao que devemos a honra de sua visita? Veio ver como estão as obras que seu adorável
piquenique proporcionou?
Ineditamente insegura diante dele, a moça olhou na direção dos ajudantes de seu pai, que
serviam como operários voluntários na obra, então de volta ao padre.
– Na verdade, não. Sei que todos farão um excelente trabalho. – Ela piscou para os mais
próximos, antes de novamente encarar Jonathan. Ao flagrar um brilho estranho nos olhos azuis,
recitou o texto ensaiado: – Vim tirar algumas dúvidas sobre a imagem que está lá em casa...
Teria um minuto, senhor?
Jonathan sabia se tratar de uma desculpa, e teria apreciado a iniciativa não fosse o incômodo
de ver a intimidade com todos aqueles homens. Sim, ele tinha ciúmes!
– Acho que tenho um minuto – aquiesceu, sério demais. – Venha!
Antes de segui-los, Faith ainda olhou na direção dos trabalhadores. Pôde ver em algumas
expressões que tiveram o mesmo pensamento: o padre não gostou de ser incomodado. Como se
lhe desejassem boa sorte, alguns acenaram com a cabeça, antes que ela sumisse no interior da
igreja, atrás do padre.
Jonathan seguia muito rígido pela nave central, fazendo com que ela revisse sua decisão de
procurá-lo. Talvez devesse ter esperado que ele tomasse a iniciativa, afinal, ao admitir desejar
estar com ela, pediu discrição. Infelizmente no momento não tinha como voltar atrás, apenas
tomar como nota mental para não colocar tudo a perder com sua ansiedade.
Ao chegarem à sacristia, Jonathan entrou e lhe deu passagem. Mantendo a porta aberta, ele foi
se acomodar à mesa. Sem esperar por convite, Faith o imitou, sentando-se na cadeira diante
dele, tentando não recordar a vez que fora destratada.
– Fiz mal em vir? – perguntou, encobrindo o nervosismo. – Não quis te aborrecer.
– Sei que não.
Jonathan não percebia a seriedade em sua voz. Queria vê-la desde a tarde anterior, era bom
que estivesse ali, contudo, preferia que não estivesse. Estava preparado para dar aquele passo,
porém, ante do ciúme que experimentara, temia não ser capaz de dissimular seu envolvimento.
E, para o sucesso daquela relação, teria de fazê-lo com perfeição; como seu tio.
– Apenas não acho seguro – explicou, de modo brando, ao notar a ruga na testa feminina.
– Estão acostumados que eu venha – salientou Faith, aliviada. – Todos acreditam que somos
amigos.
– As pessoas dessa cidade são bem condescendentes com amizades estranhas – retrucou,
voltando à seriedade.
– Se ontem falou a sério, acho que devemos agradecer, não? – ela indagou, sem entendê-lo.
Pela primeira vez em sua vida compreendeu a expressão, “pisar em ovos”. Não sabia como
se comportar diante daquele novo Jonathan. Ou talvez o temesse por saber que era o mesmo
padre bipolar, capaz de recuar a qualquer momento.
– Não costumo brincar com coisas sérias – retorquiu duramente.
E Faith tinha razão, ele reconheceu. Não deveria se voltar contra a cidade que fechava os
olhos e fazia ouvidos moucos aos romances secretos, quando precisaria da mesma cegueira e
surdez. Após um suspiro cansado, pediu:
– Perdoe-me se dei a entender que não queria vê-la. Apenas acho que devemos ser
cuidadosos. Aqui, não podemos conversar como desejamos.
– Eu que peço desculpas. – Faith se animou com a explicação. Depois de se aproximar da
mesa, dispôs as mãos sobre o tampo e, confidente, prosseguiu: – Eu não pensei. Queria te ver,
mas perdi a hora e não fui à praia... De toda forma, seria um palpite, pois ultimamente só nos
desencontramos.
Seu tio e sua vizinha estavam na casa e a igreja cheia de trabalhadores, ainda assim, depois
de olhar furtivamente para ambas as portas, Jonathan se aventurou a segurar as mãos pousadas
sobre a mesa e as apertou fortemente. O contato era o mais inocente possível, mas, como tudo
referente a ela, excitava-o.
– Não tenho ido à praia – disse rouco, movendo os dedos delicados nos seus. – E acredito
que tampouco irei nesses próximos dias. Da mesma forma que não podemos nos expor aqui,
devemos nos precaver com seu... amigo Tyler.
Faith notou o tom, mas não se repetiria. Apreciando o carinho em seus dedos que refletia
diretamente abaixo de seu ventre, girou a palma masculina e avaliou os pontos bem cuidados.
Absteve-se de comentá-los, pois via que o corte cicatrizava bem. Depois de voltar a entrelaçar
os dedos, falou para tranquilizá-lo:
– Talvez goste de saber que estou cuidando para que ele não seja um problema.
Mesmo atento aos sons que denunciariam alguma aproximação, Jonathan não deixou de ouvi-
la. Entre descrente e ansioso, desejando obter mais daquela declaração, indagou:
– Ontem me disse que o mantém perto por causa de seu serviço. Resolveu deixar de ir a tal
casa noturna?
– Uma coisa de cada vez – ela disse. – Gosto do meu trabalho. É divertido e me rende algum
dinheiro.
– Não duvido que seja divertido – ele retrucou –, mas não creio que cobrir uma folga seja
assim rentável.
Faith pigarreou arrependida de ter tocado no assunto que a obrigava a mentir. Teria de dar um
jeito de contar a verdade ou deixar de ir a The Isle, contudo somente o faria quando a situação
entre eles fosse concreta. Sem coragem de encará-lo, mirando os dedos unidos, emendou:
– Não é muito, mas me ajuda...
Algo não se encaixava, Jonathan sabia. Estava claro que Faith mentia! Poderia ser sobre Tyler
ou seu serviço esporádico; não tinha como adivinhar. Apenas sabia que ambos estavam
relacionados e, mesmo não tendo nenhum controle sobre ela, especulou:
– E se eu pedisse... Baseado no que disse ontem, sobre... ficarmos juntos. Você deixaria de ir
à casa noturna?
Colocado como pedido pessoal, quando ela se perdia nos olhos azuis, Faith percebeu que não
tinha o que considerar.
– Baseada nisso, sim, eu deixaria – disse sinceramente, porém ao ver o sorriso satisfeito,
acrescentou: – Mas isso não é coisa que se faça assim. Eu preciso avisar que vou parar.
– Já é um bom começo! – Alimentando a esperança de que, talvez, tivesse feito um mau
julgamento da relação de amizade, comentou: – Será um elo a menos a lhe prender ao Tyler.
– Será – ela exalou, assustada ante a facilidade com que mudou de ideia, mesmo sem uma
ligação definitiva entre eles.
Animado com o atendimento de seu pedido e, desejando ter mais do que beijos roubados ou
dedos entrelaçados, indagou:
– Nesses últimos dias você tem vindo com ele, não? – Após o assentimento dela, sugeriu: –
Bom... Ninguém me conhece em Wells. Talvez, se conseguisse dispensá-lo essa noite, eu
pudesse ir buscá-la.
– Não! – Faith se alarmou. Tarde demais notou seu exagero reflexivo. Jonathan a encarava
inquiridoramente, com o cenho franzido. Antes que ele formulasse qualquer pergunta, ela se
adiantou: – Eu gostaria muito, mas já viu como Tyler é grudento... Eu não conseguiria me livrar
dele, assim... E o senhor não deve se expor.
Evidente que um padre não deveria se expor, mas ele estava disposto a correr o risco mínimo
por ela. E a moça que conhecia também arriscaria, afinal, não fora ela quem se insinuou
praticamente diante de todos? Não estava em sua sacristia naquele momento com tantas pessoas
à sua volta somente para vê-lo? Decididamente tinha algo oculto em toda aquela situação.
Como nas desconfianças de seu tio, seria inútil perguntar, visto que ambos eram especialistas
em dissimulação. Ainda analisava o olhar aflito, que não se fixava ao dele desde a fraca
explicação, quando passos vindos pelo corredor obrigaram-no a se afastar e endireitar-se na
cadeira.
– Johnny, eu... – Carlo se interrompeu ao se deparar com o casal.
– Bom dia, Sr. De Ciello – Faith cumprimentou, rígida sobre a cadeira.
– Bom dia, Srta. Green – ele praticamente mascou o nome. Para o sobrinho perguntou com
seriedade: – Interrompo?
Antes que Jonathan pudesse responder, Faith aproveitou a chegada providencial e se pôs de
pé. Agradecendo aos céus por se manter firme após a conversa tensa e dos carinhos em seus
dedos, adiantou-se:
– De forma alguma, senhor... Vim somente tirar algumas dúvidas sobre a imagem que está lá
em casa e já estava mesmo de saída. – Olhando para Jonathan, tentou ignorar a sombra
escurecida sobre o olhar anil e disse: – Obrigada pela ajuda, senhor... Vou fazer como me
instruiu. Tenham um bom dia!
E sem esperar por resposta, Faith se foi. Como se seu tio não estivesse presente, Jonathan foi
até a porta para acompanhar a fuga com olhar. Antes que pudesse ponderar sobre o que fazia,
deu um passo para segui-la.
– O que estava acontecendo aqui? – a voz de Carlo o deteve.
– Acho que Faith lhe disse, não? – retrucou, voltando ao interior da sacristia. Aborrecido
com a interrupção, sustentou-lhe o olhar. – E o senhor, o que queria?
– Vim me oferecer para ajudar. Já cuidei de meu jardim... Estou cansado de tanto repouso.
Maldosamente Jonathan considerou que nem era preciso tanto uma vez que, ainda com pontos,
já se esforçava sobre Grace Campbell. Todos dissimulados!
Com seu tio se entenderia depois. No momento estava mais interessado naquela que estava
trazendo para sua vida. Confiança e conhecimento eram primordiais para que uma ligação
secreta tivesse sucesso. O passo que estava prestes a avançar era significativo para dá-lo sem
conhecer o terreno onde pisaria.
– Fique à vontade para fazer o que desejar – disse ao padrinho. – Se me der licença, vou ver
se precisam de minha ajuda.
Como de Faith, Jonathan saiu sem nada acrescentar. Seu padrinho não o seguiu até a entrada
da igreja, apenas foi se juntar aos homens que envernizavam alguns bancos. Ao ganhar a rua,
Jonathan não viu a moça em parte alguma. Provavelmente fora diretamente para casa. Com a
recusa dela martelando em sua mente, decidiu que tiraria a limpo aquela história sobre a The
Isle. Ainda naquela noite.
O restante da manhã transcorreu livre de percalços. Com Carlo recuperado, tio e sobrinho
retomaram o costume e, ao meio-dia e meia, almoçaram juntos ao redor da pequena mesa da
cozinha. Apenas o som dos talheres era ouvido. Jonathan se perguntava se algum dia voltaria a
estar com seu padrinho sem lhe dispensar tamanha mágoa.
Por vezes, olhava-o de esguelha e, não fosse a lembrança das conversas secretas que ouviu
atrás da porta, continuaria a ser o mesmo afilhado crédulo, iludido.
– Por que sempre que me olha tenho a impressão de que quer me dizer alguma coisa? – Carlo
indagou antes de levar um bocado de comida à boca, indicando que os olhares recebidos não
formam discretos.
– Talvez seja porque quero – Jonathan retrucou, sem olhá-lo. Ainda não o questionaria, mas
usaria a nova postura para conseguir sua liberdade. – Quero dizer que sairei essa noite.
– Sairá? – Carlo exclamou incrédulo, deixando os talheres ao lado do prato. – Para onde?
– Não sei... Só sei que quero sair. – Nesse ponto não mentia, pois tinha apenas um nome.
O padrinho o mediu atentamente. Como se chegasse ao resultado de uma elaborada equação
inquiriu, alarmado:
– Quando os interrompi estavam marcando um encontro?!
– Não diga bobagens! – Jonathan ordenou. – Por quem me toma? Meu desejo de sair um
pouco nada tem a ver com Faith... Quero é ficar sozinho. Longe daqui.
– Muito bem, já chega! – Carlo exasperou-se. – Exijo saber o que está acontecendo.
– Já disse que não está acontecendo nada – retrucou o jovem padre, inabalável. – Quero
apenas passear... Dirigir um pouco... Ficar sozinho. Que mal pode haver nisso?
– Mal algum, se esse não fosse um desejo repentino – o tio replicou de pronto. – Jamais
demonstrou estar entediado com nossa vida. Por que isso agora?
– Porque, como o senhor mesmo o diz, sou humano. Sei de minhas obrigações e nunca vou
deixar de cumpri-las, mas sinto vontade de espairecer longe daqui, por algumas horas.
– Então vou com você – Carlo determinou.
– Não vai – Jonathan se mostrou igualmente decidido. – Disse que quero ficar sozinho. E não
precisa fazer tanto alarde... Prometo não fazer nada que o senhor mesmo não faria – acrescentou,
esboçando um sorriso.
Carlo ainda sustentou seu olhar por alguns instantes, antes de dar de ombros e voltar sua
atenção à comida deixada no prato.
– Se lhe sirvo de exemplo – falou, cortando uma fatia de carne – não há mesmo problema
algum que tome esse tempo sozinho, pois jamais faria nada que maculasse minha conduta. Vou
confiar que fará o mesmo.
– Certamente – Jonathan retrucou, antes de afastar o prato ao perder a fome diante de tamanha
desfaçatez. – O senhor sempre será meu guia.

Naquela tarde, entrar na The Isle não teve o mesmo sabor das vezes passadas. Talvez o
contentamento tenha sido gasto durante a compra do primeiro presente que daria a Jonathan, ou
enquanto marcava a consulta com sua ginecologista. Bons palpites, mas o provável era imaginar
que com Jonathan parcialmente ciente de suas funções, boa parte do prazer em estar ali tivesse
sido perdida.
Faith não imaginou que esse dia chegasse, porém acontecera. E estava atrasada. Algumas
meninas já ensaiavam no palco. Úrsula era uma delas, obrigando Faith a cumprimentar todas de
um modo geral antes de seguir ao camarim.
Queria ação, pois precisava extravasar sua ansiedade. Não fosse por sua mentira ou pela
presença infalível de Tyler, poderia estar com Jonathan naquela mesma noite. Praticamente uma
semana depois de ser atirada sobre sua cama!
Enquanto pendurava sua bolsa e a sacola com o celular que daria a Jonathan – uma linha
segura e secreta –, Faith sorriu sem notar. Seu milagre viera rapidamente.
– Gostei desse sorriso – disse Kristina ao seu lado. – Muito melhor do que a carranca da
semana passada.
– A distância que sugeriu surtiu efeito! – Sem medir suas ações, Faith se voltou e abraçou
aquela que considerava uma amiga.
– Eu não disse? – Kristina piscou tão logo se separaram. Então, com um torcer de lábios,
falou séria: – Depois quero os detalhes, pois agora o Sr. Reagin quer te ver.
– Por quê? – Era sua intenção procurá-lo, mas não via o que ele pudesse querer com ela.
– Não faço a mínima ideia... Ele apenas me pediu para te avisar quando chegasse.
– Então é melhor que eu vá de uma vez... Não quero atrasar ainda mais meu ensaio. – Tocando
no ombro da amiga, perguntou: – Ensaia comigo?
– Claro, como sempre! – concordou sorrindo.
Acenando com a cabeça, sem se trocar, Faith deixou o camarim e marchou até a sala onde era
esperada. Após dois toques à porta, ouviu a voz masculina.
– Entre, está aberta! – Faith encontro Barry sentado na beirada da mesa, os braços cruzados
sobre o peito, com um sorriso a iluminar o rosto. – Que bom que chegou!
– Oi – ela cumprimentou, estranhando a recepção acalorada. – Kris me disse que queria me
ver...
– Sempre quero te ver, Fay. Sabe disso.
Sim, ela sabia, e não gostava. Nunca alimentou o interesse; nada disfarçado aquela tarde.
Cruzando os braços em uma atitude defensiva, desconversou:
– Como um amigo atencioso, sempre depois das apresentações para um drink... Não antes. O
que quer me falar?
– Quero saber de você se devo me preocupar com aquele seu amigo – disse diretamente,
abandonando a expressão animada.
– Tyler? – indagou desnecessariamente. – De forma alguma.
– Ele me pareceu bem incomodado. E insinuou algo sobre sua idade... Acaso não mentiu
sobre isto não é?
– Não... Logo farei vinte e um. – De repente Faith se deu conta de que não faria diferença ser
maior. – Na verdade... Tyler não gosta que eu venha aqui, mas ele não decide minha vida.
– Folgo em ouvir isso. Não quero que um moleque apaixonado me cause dor de cabeça.
– Não vai acontecer! – afirmou e antes que ele se mostrasse animado, acrescentou: – Afinal,
estive pensando esses dias e resolvi que vou encerrar as apresentações.
– Como disse?! – Barry empertigou-se. – Por quê?
– Sabe que topei a brincadeira por diversão... Não preciso estar aqui.
– Pode ser diversão para você, mas é muito sério para mim. – Barry ainda a encarava,
incrédulo. – Também não sei como cresceu, mas a verdade é que nas quintas tenho o maior
movimento. Perde apenas para os sábados que é meu melhor dia nos finais de semana. Eu estava
até pensando em te convencer a vir nesse dia.
– Vir duas vezes?! Impossível!... Nem saberia o que dizer para minha família. Até mesmo nas
quintas tenho que me esforçar em manter a desculpa para a hora que chego. Como vê, seria
ainda mais desgastante.
Barry a ouviu e permaneceu calado, coçando o queixo, por vezes, correndo os dedos pelos
cabelos. Faith nunca imaginou que sua saída fosse deixá-lo daquela maneira. Não pensou que
seria um problema. Ao que tudo indicava, esteve errada.
Naquele momento percebeu a enrascada na qual tinha se metido. Sentia-se aflita por não
querer se indispor com Barry, contudo, para sua surpresa, ele sorriu; dissipando a tensão que os
envolvia.
– Eu deveria estar preparado. Tocamos nesse assunto na semana passada, lembra?
– Sim, eu me lembro. – Faith desacreditava da súbita aceitação. – Então, tudo bem eu não
vir?
– Tudo bem, não... – ele corrigiu, ainda sorrindo. – Mas vai ficar. Só não me diga que isso já
vale de hoje.
– Não – respondeu aliviada. – Hoje continua tudo igual e, se for preciso, na semana que vem
também... Não quero prejudicá-lo de forma alguma.
– Que bom! – Barry se mostrou satisfeito. – Então não temos nada mais a conversar por hoje.
Vou pensar como anuncio sua partida. Todos sentirão sua falta... Inclusive eu.
– Também sentirei – falou sinceramente. – Mas a vida segue.
– Sim, a vida segue – ele murmurou antes de sua saída.
Capítulo Três

– Vai sair assim? – Carlo interceptou o sobrinho, quando este pegava suas chaves do jipe,
juntamente com a carteira com seus documentos e algum dinheiro.
Jonathan nunca antes tinha ido a uma casa mal-afamada, mas tinha plena consciência de que
não deveria se apresentar em suas vestes eclesiásticas. A calça jeans escura e a jaqueta de
couro sobre uma de suas tantas camisetas lhe pareciam ser uma boa escolha.
– Quero momentos de paz e invisibilidade – disse apenas. – Não chamar a atenção por ser um
padre tão novo. Ainda sei quem sou mesmo vestido como os leigos.
– Está bem... – Carlo aquiesceu, inquieto. Depois de passar as mãos pelos cabelos, pediu: –
Apenas não demore. O que aconteceu comigo ainda está muito recente. Nem quero imaginar que
pode acontecer o mesmo a você.
– Não acontecerá – assegurou, encarando-o. Por anos aquela expressão consternada o reteve.
Naquela noite, somente o incitava a sair. – Fique com Deus!
– E você, vá com Ele! – ouviu o padrinho dizer quando fechava a porta atrás de si.
Ao chegar ao seu jipe, Jonathan agradeceu não ter encontrado ninguém diante da casa. Não
estava com ânimo para lidar com curiosidades que não sanaria. Enquanto manobrava ao redor
da praça, evitou olhar na direção de sua igreja ou pensar que seu Criador, verdadeiramente,
estaria com ele onde quer que fosse e testemunharia suas péssimas ações.
Sentia-se em parte culpado, mas não o suficiente que o fizesse voltar atrás. Descobriria os
segredos de Faith, ou confirmaria tantos outros caso a flagrasse com Tyler, contudo, não
retrocederia.
Jonathan não estava familiarizado com Wells. Não era uma grande cidade, mas não conhecia
as ruas ou seus bairros, mas chegar ao The Isle fora relativamente fácil. Bastou seguir as
informações que pediu. Em minutos, Jonathan estacionava vários metros à frente da entrada,
onde, segundo Faith, funcionava um bar. O local nada mais era do que um grande galpão
reformado.
Nunca frequentara tal lugar, mas algo lhe dizia que aquele estabelecimento era mais do que a
moça disse ser.
O movimento era intenso, homens em sua maioria. Jonathan poderia contar nos dedos de uma
das mãos as mulheres presentes. Apesar da fila, havia certa desordem. Por um instante, ele se
arrependeu de estar ali. Talvez não devesse saber tanto sobre Faith tendo em vista o tipo de
relacionamento que manteriam. Afinal, ser mentirosa e boa em guardar segredos deveria ser
qualificações.
Vira onde ela trabalhava, agora, deveria ir embora.
Tal pensamento passou por sua cabeça com a rapidez de ser expulso por sua curiosidade. O
detalhe que o mantinha ali era não acreditar que uma pessoa pudesse trabalhar uma única noite.
Preso a essa certeza, sem nem perceber o que fazia, Jonathan seguiu até a entrada do bar e se
colocou na fila.
Incomodado, pedia perdão mentalmente pela iminência de entrar em local tão impróprio à sua
condição. Vez ou outra, sem precisão, arrumava a jaqueta sobre os ombros ou passava as mãos
pelos cabelos.
O fluxo seguia lentamente. As pessoas em volta conversavam animadamente. Ele era o único
que sobrava. Tentava desviar a atenção desse fato, quando uma palavra dita por um dos homens
à sua frente, chamou sua atenção.
– Nem acredito que você finalmente vai conhecer a virgem – este dissera animado a um
amigo.
– Nem eu – o outro disse no mesmo espírito. – Mas se Kátia descobre, eu estou frito.
– Relaxa... A bronca vai valer a pena. Assim que a virgem entrar em cena, você vai cair de
joelhos e rezar por ela.
Jonathan não sabia ao que se referiam, mas duvidava que um lugar como aquele abrigasse
mulheres imaculadas. Ainda mais uma com qualquer toque divino que merecesse tal deferência.
Sem que pudesse evitar, encarou-os, condenando intimamente a infâmia.
– Algum problema amigo? – um deles perguntou ao perceber seu olhar.
– Nenhum – Jonathan respondeu, impassível. – Só estava me perguntando o que uma virgem
estaria fazendo aqui.
Depois de olharem-se entre si os homens explodiram em sonora gargalhada. O som era
extremamente ofensivo. Jonathan olhava agora de um ao outro, sentindo aquele homem genioso
que habitava em si, inflamar-se. Estava prestes a perguntar o motivo de tanto bom humor,
quando um deles colocou a mão em seu ombro e disse:
– Amigo, me desculpe! É que essa é a pergunta que todos nós nos fazemos. O que porcaria
uma virgem faz o que faz, aqui.
Ainda com o cenho franzido, Jonathan olhou para a mão em seu ombro. Após um pigarro, o
homem se afastou e prosseguiu:
– Bem... Pelo sotaque já vi que você não é daqui, então me deixe explicar. Na verdade, não
sabemos a resposta e muitos de nós nem acredita que a safada não tenha prática em sentar num...
– Eu já entendi – Jonathan o cortou.
– Entendeu, não é? – disse o homem, piscando e cutucando seu braço com o cotovelo. – Seja
como for, a garota é gostosa. Se já foi inaugurada ou não realmente não importa. O que vale é a
fantasia. E, porra... Ela sabe fantasiar!
Aquelas palavras ainda martelavam na cabeça do padre quando finalmente entrou no
estabelecimento. De súbito, todo seu desconforto se foi. Era estranho, mas ele se sentiu à
vontade naquele ambiente fumarento e escuro.
Olhando em volta, Jonathan localizou o bar. O balcão estava lotado, cercado de homens que
se serviam de suas bebidas. Alguns abraçados a mulheres sumariamente vestidas. Não era
preciso ter muita experiência para saber que nenhuma delas era seu par habitual.
Ignorando-os, e evitando prejulgamentos, Jonathan correu os olhos mais uma vez à sua volta.
Cinco moças, vestidas em roupas iguais, circulavam entre as mesas dispostas no salão. Poucas
estavam vazias, principalmente as situadas aos pés de uma passarela estendida à frente de um
palco iluminado por luzes amarelas. O murmúrio era intenso e se sobrepunha à música
ambiente. Em momento algum em sua inspeção, viu um rosto conhecido.
Faith não estava em parte alguma.
Talvez fosse melhor que realmente não estivesse. Ainda não sabia o que diria caso a
encontrasse, e não conseguia ir embora. Uma sensação inédita, e contraditoriamente conhecia,
mantinha-o preso àquele lugar. Naquele instante, entendeu todos os pecadores reincidentes que
passavam por seu confessionário. Talvez cada um deles tivesse sentido o mesmo em seu
primeiro deslize.
A adrenalina liberada ao experimentar o proibido, mostrava-se altamente tóxica e viciante.
Também contraditória, pois o estimulava e sedava. Era errado estar ali, seguindo os passos de
uma amante, mas a familiaridade tornava irrelevantes tais detalhes. Sentir como se já tivesse
vindo àquele lugar, começava a intrigá-lo mais do que a improvável ocupação de Faith.
Preso a essa impressão, Jonathan escolheu uma mesa localizada num canto do salão,
suficientemente escuro para que pudesse observar sem ser notado. Ao se acomodar, uma das
moças veio até ele.
O short jeans, curtíssimo, deixava não somente as pernas a mostra, como também o fundo
branco dos bolsos. A camiseta de malha vermelha sugeria uma questão interessante: os seios
poderiam saltar pelo decote baixo ou escapar pela barra alta. Para ele, a única certeza era que
teria de se preparar para ver Faith no mesmo traje.
– Boa noite! – ela cumprimentou com a voz macia. – O que vai ser?
– Por enquanto, apenas água.
Sem demonstrar estranheza ao pedido, a moça se foi. Jonathan a observou se afastar. Era
linda, tinha o corpo escultural, contudo, não o atraia como Faith.
Bom sinal! Mau sinal! O certo seria não sentir nada por mulher alguma, mas, uma vez que seu
corpo insistia em mostrar que estava vivo, preferia sentir o mesmo por todas, não por uma em
especial.
Contrariado com a constatação, Jonathan considerou que deveria perguntar por Faith de uma
vez. Descobrir se realmente trabalhava ali e partir. Ainda decidia o que fazer quando os dois
homens da fila se aproximaram de sua mesa.
– Ei – disse o que era afeito aos toques desnecessários. – Se importaria se a gente se sentasse
aqui com você?
– É mesmo necessário? – perguntou sem falsa cortesia. – Prefiro ficar sozinho.
– Por favor – pediu o outro. – Quebra essa para mim.
– É que hoje não é o dia dele – o primeiro começou a explicar.
– Meu cunhado está aqui. Se ele me pega e me delata, sou um homem morto.
Jonathan calou ao desejo de lhe dizer que demonstraria mais temor e respeito à sua esposa,
ficando em casa, porém, naquele momento, ele não era uma pessoa melhor. E definitivamente
não tinha moral para aplicar lições de boa conduta. Ainda preferia ficar sozinho, mas, talvez se
evitasse um desentendimento familiar, contasse alguns pontos em seu favor.
– Va bene !... – resmungou por fim. – Está bem!
– Ah... Valeu cara!
Jonathan apenas assentiu enquanto se sentavam, antes de olhar em volta. Os dois se
apresentaram, e ele não decorou seus nomes. Não estava ali para socializar.
Logo a moça trouxe seu pedido e, depois de anotar os de seus indesejados companheiros,
retirou-se.
– Ainda bem que eles não enrolam... – disse um deles. – Quem você quer ver é a primeira a
se apresentar.
– São loucos! – o amigo comentou. – Se ela é tudo o que me diz, deveriam guardá-la para o
final. Não é sempre assim com as grandes atrações?
– Geralmente, sim... Mas acho que isso faz parte da jogada. Eles a deixam ser a primeira para
que idiotas como a gente continuem acreditando em sua pureza. – Depois de rir da própria
piada, concluiu: – A donzela não pode chegar tarde, sacou?
Com o comentário algo despertou na mente de Jonathan, tão insano que tratou de expulsá-lo.
Quando a garçonete trouxe o pedido dos homens, ele, mais uma vez, cogitou perguntar por Faith.
Agora, mais do que nunca, precisava saber onde ela estava. Determinando que talvez ela
estivesse atrasada, nada falou.
– Gostosa, não? – indagou um de seus companheiros de mesa. Jonathan apenas olhou de
soslaio. Decididamente preferia estar sozinho. Notando seu crescente mau humor, o homem
indicou seu copo com água. – Dia ruim?
– Você nem imagina – respondeu secamente.
Antes que o homem inconveniente prolongasse a conversa, o clima do salão mudou. A
iluminação do palco passou por uma sequência frenética de cores antes de voltar à luz
amarelada. Imediatamente todos se precipitaram em aplausos, assobios e gritos de incentivo.
Jonathan se perguntou o que ainda fazia ali, uma vez que não perguntaria por Faith nem a vira
a servir mesas. A moça estar ali ou em qualquer outro lugar, não mudaria sua decisão. E, talvez,
ela aproveitasse as noites de quinta-feira para, de fato, estar com Tyler. Se fosse o caso, deveria
se acostumar.
Resignado, preparou-se para levantar e sair. E estacou, quando seus olhos acidentalmente
pousaram em uma figura parada próxima ao palco. O rapaz estava afastado apenas alguns
passos, na penumbra, mas para quem o conhecia, seu rosto e seu porte eram inconfundíveis.
Jonathan teve a confirmação: de uma forma ou de outra, estavam juntos. Não a via em parte
alguma, mas se Tyler Mills estava naquele salão, Faith Green também estaria.
Mas onde?
Jonathan correu os olhos em volta, detendo-se em cada uma das moças perturbadoramente
não vestidas. Não a viu, então voltou sua atenção para Tyler. O rapaz não bebia, estava sozinho.
Alheio a todos em sua volta, permanecia de braços cruzados em atitude defensiva e rígida. E
não olhava em nenhuma direção definida.
Não! Jonathan corrigiu-se ao se acomodar na cadeira e cruzar os braços. Tyler olhava
fixamente para o palco. Mais uma vez, o pensamento insano lhe ocorreu. Antes que este
ganhasse força, o tom das luzes mudou, provocando nova manifestação entusiasmada entre os
presentes. Assim como ele, Tyler não acompanhou a algazarra.
– Boa noite, caros amigos! – uma voz masculina vinda do fundo do palco se fez ouvir. Em
resposta obteve mais aplausos, gritos e assobios. – Como bem sabem nossa estrelinha mais
apreciada não pode passar de sua hora. Antes da meia-noite nossa donzela precisa estar sob a
proteção de seus amados e crédulos pais...
Uma nova leva de aplausos, daquela vez misturada a risadas divertidas, encheu o salão às
palavras cúmplices.
– Pude dar uma olhada em nossa menina e posso lhes garantir que ela está de tirar o fôlego.
– Chama ela de uma vez, então! – alguém gritou das mesas. Logo outros fizeram coro.
– Claro! Claro!... – disse o homem, acenando para que se aquietassem. – Ela já vem... Está
louca para vê-los também, mas antes preciso lembrar a todos de nossas regras. Nossa menina
não gosta de ser tocada além do necessário, então, na hora de agradá-la, sejam breves. Todos
aqui conhecem nossa fama. Tratamos bem os clientes, mas a recíproca tem de ser verdadeira.
Então tratem bem todas as nossas protegidas. Tomem apenas o que lhes oferecerem, fechado?
Após o assentimento conjunto, o homem deixou o palco. Com sua saída o tempo ficou em
suspenso. Praticamente todos se calaram, restando apenas um murmúrio baixo. Jonathan sentiu
seu coração disparar em antecipação. Ainda considerava não estar certo no que insistia em
imaginar, quando a música encheu o ambiente. As luzes mudaram do irritante amarelo para um
tom avermelhado e, então, a atração mais esperada surgiu.
Veio caminhando timidamente pelo lado esquerdo do palco até chegar ao centro, este mudava
de cor à medida que as luzes variavam o tom. Durante seu trajeto, todos os presentes – com
exceção a Tyler – irromperam em aplausos e assobios. Jonathan se enregelou. Se a postura do
rapaz não fosse indicação suficiente de que as maluquices imaginadas eram verdadeiras, ver a
tal virgem o seria.
A moça tinha os cabelos divididos ao meio, amarrados por fitas pretas nas laterais de sua
cabeça. Não importava que estivesse loira ou com boa parte do rosto coberto. Era ela, Faith! A
constatação fez com que o coração de Jonathan parasse, para logo voltar a bater violentamente
enquanto avaliava a roupa escolhida.
O comentário do homem ao seu lado, feito ainda na fila, era válido. Ela sabia fantasiar! Que
vestimenta instigaria mais a curiosidade de um homem acerca de sua improvável virgindade que
um uniforme colegial?
Jonathan tinha se preparado para vê-la em peças mínimas, mas aquilo era demais. Ela estaria
vestida de modo comportado, não fosse o comprimento da saia de tecido xadrez e os sapatos
estilo boneca de saltos altíssimos. As meias brancas que cobriam suas pernas até os joelhos e a
blusa de botões da mesma cor, eram as únicas peças decentes sobre seu corpo.
– Eu avisei que ela arrasava. – A voz do homem ao lado livrou-o do transe. O tempo
realmente tinha parado, pois ele nem ao menos se lembrava de tê-la visto iniciar a dança.
Não!... Iniciar o contorcer provocativo seria a definição correta. As mãos passeavam por seu
corpo de forma lânguida: deliberadamente lascivas. Acariciavam o ventre, os seios. Por vezes
Faith se colocou de costas. Movia os quadris e se agachava por tempo suficiente para que todos
vissem boa parte de suas nádegas pela barra da saia mínima.
Jonathan rogava em silêncio que fosse somente aquilo, quando ela começou a desabotoar a
blusa, sensualmente. Sabia que ao seu redor, todos gritavam – provavelmente palavras de
incentivo –, porém não os ouvia. Tudo que escutava era o martelar de seu próprio coração que
produzia um som distinto: Ela não! Ela não! Ela não!
De repente pareceu que mais uma vez perdeu os sentidos, pois quando o recuperou, Faith
estava sem a blusa. Em seu lugar Jonathan via um sutiã de renda branca, tão revelador que
poderia nem ser usado. E ela ainda se movia ao som da música inexistente. Por vezes se
enrolava como uma cobra em um mastro que ele nem ao menos notara ter ali. Quando as mãos
escorregaram pelo ventre até o cós da saia, Jonathan sentiu um bolo se formar em sua garganta e
rogou:
– Não faça!... Não faça!
Contudo, Faith não ouvia seus pedidos e, mesmo que fosse possível, estava envolvida demais
em sua tarefa para atendê-lo. Depois de passar as mãos nervosamente pelos cabelos, Jonathan a
viu virar de costas e retirar a maldita saia. Para sua consternação, seus olhos foram agraciados
– ou conspurcados – pela visão completa das nádegas firmes e arredondadas. Por um instante,
acreditou que Faith estivesse nua e, como se naquele salão existisse somente os dois, percebeu
o quanto já se encontrava excitado.
Contrariando tudo que pedira até aquele momento, desejou que ela se voltasse para que
pudesse vê-la. Porém antes mesmo que o fizesse, vislumbrou as tiras finíssimas que corriam
pela lateral do corpo feminino e pela fenda entre as nádegas. Foi com certa decepção que viu a
peça mínima que ela vestia. Agora não mais se opunha às mãos que acariciavam o corpo dela.
Fora corrompido em definitivo, pois desejava que estas terminassem a tortura, deixando a moça
inteiramente nua, para ele.
Expectante, correu a mão pela mesa à procura da água. Quando fechou seus dedos em volta
do copo o levou à boca, virou-o de uma só vez. Fogo líquido desceu por sua garganta e a muito
custo Jonathan não tossiu. Em sua falta de atenção, trocara as bebidas. Respirando com
dificuldade, voltou a olhar para Faith, com o álcool correndo por seu corpo, inflamando o
desejo que sentia.
Para sua perdição, a moça agora acariciava os próprios seios sobre o sutiã, estranhamente
frouxo. Quando ela deu as costas à plateia, Jonathan entendeu o motivo; o fecho fora aberto.
Tinha perdido aquela ação, porém não perdeu a seguinte. Sem cerimônias, Faith atirou a peça
para longe. De imediato Jonathan sentiu o pulsar inquieto de sua ereção reclusa.
– Vire-se – pediu num murmúrio, colocando a mão no bolso na tentativa inútil de se conter.
Faith não o obedeceu. Seguiu até os fundos do palco, fora do alcance das luzes. Talvez fosse
tudo, Jonathan pensou entre decepcionado e aliviado, retirando a mão do bolso discretamente.
Talvez se tratasse apenas de provocar sem revelar realmente. Jonathan começava a respirar
pausadamente para acalmar o corpo indócil, quando a viu emergir da escuridão.
Para sua condenação definitiva, ela vinha caminhando sem falsos pudores. Vestida somente
com a calcinha diminuta, as meias e o sapato de salto. Ao ver os seios expostos, Jonathan suou
frio, para logo em seguida arder e tremer violentamente.
O que ela pensava que estava fazendo afinal?! Aquela não poderia ser Faith, não a que
conhecia. Deveria haver algum engano. Reflexivo, Jonathan procurou Tyler com o olhar.
Encontrar o rapaz visivelmente abalado foi sua confirmação. Não havia engano algum!
E agora que o enxergara, via a todos. Sua bolha particular implodira, mostrando-o que a
garota não estava exposta somente para ele, sim, para uma multidão masculina. Saber que cada
homem naquele salão via o mesmo que ele e que, com certeza, encontravam-se duros na mesma
proporção, enfureceu-o. Sua vontade foi ir até Faith e arrastá-la daquele palco, porém não se
moveu. Precisava de mais, como todos aqueles que ele odiava. Morrendo lentamente,
atravessado por sensações conflitantes, olhou na direção do palco.
Percebeu que Faith trazia algo em uma das mãos. Ao parar, alheia a sua presença e aos
sentimentos desconhecidos que nutria por ela, apresentou a peça que carregava: uma palmatória.
Acreditou realmente que tivesse terminado? Não! Não se conseguia os comentários feitos na fila
ou aquela comoção dos presentes, somente apresentando partes do corpo. Era evidente que
Faith deixaria a situação ainda pior.
Quando Faith começou a correr o objeto por seu corpo, substituindo as mãos, Jonathan se
sentiu desfalecer. Como se não bastasse, ela se virou de costas e, com força, atingiu uma das
nádegas com a peça. Com os olhos postos nela, ele ouviu os gritos e gemidos incentivadores de
todos à sua volta. Ao voltar-se, sorrindo-lhes pela primeira vez na noite, Faith caiu de joelhos.
Abaixada como estava, Jonathan não poderia vê-la inteiramente. Sem nem perceber, pôs-se de
pé, provocando protestos imediatos.
Saindo de onde estava, sempre pela sombra, procurou um local próximo ao balcão que o
deixou de frente ao palco. Ainda estava distante, porém tinha Faith em seu campo de visão. Ela
estava ajoelhada, com a haste da palmatória entre as pernas afastadas. Seu sexo não podia ser
visto nem o objeto o tocava, mas aquele arremedo de dança dava asas à imaginação. Mais uma
vez a fúria dominou sua mente. Odiava a ela, a si mesmo que se encontrava endurecido pelo
mais violento desejo carnal que jamais sentiu.
Nem nas noites que acordava de seus sonhos perturbadores doía-lhe tanto: em seu corpo, em
sua consciência, em seu coração. Preferível ter ficado cego! Ter sido transformado em estátua
de sal que ter testemunhado tal apresentação infame.
Virgem era a puta que a pariu, pensou maldosamente em sua revolta. Jonathan nem ao menos
se condenou pelas palavras grotescas que lhe vinham à mente. Deveria ter percebido que
espécie de mulher ela era quando se insinuou a ele: um padre!
A messalina que se contorcia sobre aquele palco não merecia seu respeito ou o de mais
ninguém. Merecia era ser apedrejada em praça pública por enganar homens de bem e provocar
a discórdia nos lares.
Como seu guia deveria ir até ela, tomar-lhe a palmatória das mãos e arrastá-la para longe de
todos. De preferência fazer uso do objeto corretivo para que nunca mais repetisse tal ato
devasso. Sim, deveria, porém o pensamento levou-o ao êxtase quando se imaginou a atingir a
carne pujante com rigidez. Sua mente imaginativa mostrou-a nua como estava a lhe implorar que
parasse e que a acolhesse; que a guiasse no bom caminho para que nunca mais errasse.
O corpo de Jonathan cedeu ao estímulo visual e mental quando a ovação ensurdecedora o
tirou do delírio. Não ficara cego ou se solidificara, então seus olhos pousaram em uma Faith
ainda seminua e ofegante que, engatinhando pelo palco, tinha notas enroladas sendo depositadas
entre as tiras finas da única peça de roupa que vestia.
Evidente que toda vadia tinha o direito de receber o pagamento pelos serviços prestados,
pensou em seu azedume. Era aquele o bom dinheiro que a diversão lhe rendia!
Trêmulo, Jonathan se arrastou de volta à mesa. Felizmente esta estava vazia. Pouco lhe
importava onde estariam os dois homens. Poderiam ir ao inferno como cada um daquele salão,
desde que o deixassem sozinho com seu desejo reprimido, sua raiva e sua vergonha. Ao se
sentar, percebeu que dois dos copos sobre a mesa estavam praticamente intocados. Ignorando
sua água, novamente entornou a bebida alcoólica de uma só vez, preparado para a ardência
acolhedora.
Precisava acalmar seu corpo para que conseguisse sair daquele lugar. Sem coragem de olhar
para o palco, nem viu quando Faith o deixou, recebendo aplausos e propostas indecorosas.
Todas indo ao encontro do que ele próprio desejou fazer com ela. Abalado em seu âmago,
sequer cogitou abordá-la.
Que fosse embora! Que voltasse para a casa dos crédulos pais, como o apresentador dissera.
Ou que fosse consumar o ato encenado com o amigo. Ao pensamento, Jonathan procurou por
Tyler. Como esperado, ele não estava em parte alguma.
E então era aquilo! O rapaz não aprovava, mas não a impedia de vir. Não se importava em
vê-la exposta diante de todos aqueles homens. Tantos homens! Correndo os olhos em seu
entorno, Jonathan riu sem humor ao recordar que pela manhã sentiu ciúmes somente por ela
sorrir e piscar para velhos conhecidos.
Se aquele não fosse um castigo mais do que merecido, Jonathan não sabia o que seria.
Capítulo Quatro

Decididamente fora castigo descobrir da pior forma que não estava preparado para seguir
adiante. Aquele homem viril que esteve prestes a ganhar vida, não poderia dar o passo que o
derrubaria num imundo lamaçal. Faith que continuasse a se divertir e a lucrar naquele
prostíbulo. Ele, por sua vez, sufocaria seu desejo e seguiria sua vida.
Minutos depois, livre da luxúria, Jonathan sentia seu corpo vibrar de ira genuína. Tinha de
sair dali, contudo suas pernas ainda não o obedeciam. Somente quando outra moça de alma
perdida ocupava o lugar deixado por Faith, ele teve motivação para se mover.
Olhando em volta, viu que um dos clientes segurava a palmatória usada em cena. Preso a um
de seus lapsos, não a viu oferecer a ele que agora a exibia como um troféu aos que o cercava.
Sem nem refletir sobre o que faria, Jonathan foi até ele.
– Boa noite! – cumprimentou a todos. Dirigindo-se ao homem que segurava o objeto,
perguntou: – Quanto quer por isso?
– Desculpe, não está à venda.
– Não foi o que perguntei – retrucou secamente. Desconhecia-se.
– Ei, cara. Acho que não vai querer confusão – disse o homem, recostando-se na cadeira. – Já
disse que não está à venda. Agora dê o fora daqui! Você está atrapalhando minha visão.
Jonathan olhou para todos à mesa. Cada um deles o encarava seriamente. Apaziguador, mas
longe de desistir de seu objetivo, disse:
– Perdonami. Essa é a primeira vez que venho aqui e queria ter algo especial como
lembrança.
– Sinceramente não tenho nada a ver com isso – retrucou rudemente. – Se o estrangeiro
maricas quer uma boa lembrança, pague para uma das moças dançar sobre seu pau italiano ou te
dar uma boa chupada. Com certeza será mais útil do que comprar algo que nunca vai usar.
Todos à sua volta riram da grosseria. Engolindo seu orgulho, Jonathan lhe deu as costas e se
afastou. Decididamente se desconhecia, pois, assim como acontecia com Tyler quando externava
comentários insolentes, sua vontade era se voltar e encher a boca sorridente de socos até que
cada um dos dentes se desprendesse dela. A intensidade da ânsia violenta o assustava, contudo,
naquele ambiente inexplicavelmente familiar, parecia normal senti-la.
Mesmo sem nunca ter passado por nada parecido, Jonathan voltou à mesa, decidido do que
faria. Depois de descobrir que seus companheiros pagaram até mesmo por sua água, saiu para
noite fria.
Ao caminhar até seu jipe, tentou apagar as imagens que viu naquele galpão infernal,
inutilmente. Ao se sentar atrás do volante, Jonathan percebeu que não mais se dominava.
Completamente trêmulo, soube que precisava se livrar da fúria crescente.
Infelizmente não poderia liberá-la com seu principal desafeto, mas havia alguém que a
receberia em toda sua magnitude. Juntamente com tantas novidades que descobrira naquela
noite, estava a certeza de que anos de reflexão e devoção não o talharam para oferecer a outra
face.
Esperaria o tempo que fosse preciso antes de voltar a Sin Bay, mas quando o fizesse, levaria
consigo a maldita palmatória.
Pacientemente esperou apoiado contra o volante. Em sua vigília, com os olhos fixos na saída
do galpão, viu o momento exato em que o Windstar azul e branco deixou o estacionamento
lotado. Se houve fornicação depois da apresentação, esta foi breve. Mais provável que não
tivesse acontecido, porém não diminuía a raiva que Jonathan sentia. Fora ingênuo ao acreditar
que poderia fazer parte da uma trinca. Boa piada!
Quase uma hora depois, Jonathan ainda destilava seu veneno contra si mesmo, quando viu seu
alvo atravessar a porta principal com os companheiros. Por sorte vieram em sua direção.
Jonathan deixou que passassem por seu jipe então, depois de retirar sua jaqueta, partiu para a
ação. Era apenas um, nunca tinha desafiado qualquer pessoa antes, mas uma raiva cega o movia.
Seguiu-os friccionando as mãos nervosamente. À medida que se distanciavam mais e mais da
casa noturna, Jonathan era tomado por uma expectativa estimulante que não deixava espaço para
receios.
Valendo-se daquela inédita confiança, abordou-os.
– Estou disposto a fazer uma oferta final – disse a alguns passos.
– Ah, não! – o dono da palmatória exalou, revirando os olhos ao reconhecê-lo. – É o maricas
italiano querendo meu brinde, de novo.
– Estou disposto a pagar o quanto pedir – falou, sem se importar com a ofensa ou com a
postura rígida dos três homens.
– Acontece que não está à venda – ele disse, girando o objeto em sua mão –, mas se quer
tanto assim, poderia vir buscar... Leva de graça se conseguir tirar de mim.
Por um único segundo Jonathan se perguntou o que estava fazendo, porém, nem se deu ao
trabalho de responder-se. Considerando providencial estarem afastados da casa noturna, às
margens de uma estrada pouco movimentada, num ato completamente contrário a tudo que
acreditava, decidiu tomar a palmatória do homem que o desafiava. Talvez por excesso de
confiança de seu oponente ele tenha acertado o primeiro soco, contudo, depois de lançar a
palmatória para um de seus amigos, o homem se recuperou e igualmente o acertou.
Enfurecido, sentindo seu maxilar latejar como seu punho, Jonathan partiu à luta corporal com
o desconhecido. A dor dos socos que recebia, impulsionava-o a revidar e a cada golpe acertado
sentia tal prazer que desferia outros com maior força e vontade. Logo era preciso desviar dos
golpes vindos dos amigos que vieram em auxílio ao primeiro adversário. Quando intimamente
desacreditava de sua capacidade de ação, foi finalmente derrubado ao chão. Logo recebeu um
chute no estômago que o incapacitou de se colocar de pé.
Preparava-se para ser espancado por três homens, quando uma quinta figura veio em seu
auxílio. Caído, Jonathan viu o homem alto e moreno tentar afastar os agressores. Estes se
voltaram contra o recém-chegado, dando a Jonathan a chance de levantar.
Ignorando a dor, ele deu um passo à frente disposto a retomar a briga, quando um disparo foi
ouvido. Aturdido, imediatamente parou, como seus três oponentes. Logo soube que o tiro fora
dado para o alto, por seu salvador. Todos olharam para o atirador, ofegantes, imóveis.
– Assim é melhor! Nunca gostei de covardia – ele disse a todos. Para Jonathan perguntou: –
Está bem?
– Estou. – De imediato sentiu o gosto de sangue. Ao tocar o lábio inferior, confirmou que
estava partido. Depois de limpar o dedo, esfregando uns aos outros, agradeceu: – Obrigado!
– Posso saber a razão disso tudo? – perguntou o homem a ninguém em especial.
– Esse italiano idiota tem me incomodado a noite inteira por causa dessa porcaria – disse o
dono da palmatória.
Ao ouvir a explicação, toda a cena se tornou surreal. A que ponto havia chegado? Jonathan se
perguntou. Lançou-se em luta corporal com três desconhecidos, outra pessoa tomara partido e
até uma arma de fogo fora usada, tudo por um pedaço de madeira manuseado por Faith. Com o
rosto ardendo mais de vergonha do que pelos socos recebidos, Jonathan deu um passo para trás.
– É verdade – confirmou sem entonação. – Eu me excedi e peço desculpas. Não sei o que
aconteceu comigo para que chegasse a isso.
– Pegue as suas desculpas e vá à merda, italiano. Assim que sair daqui vou até a delegacia
dar queixa contra você. Pode ser um turista ou o que for... Eles o encontram.
– Vamos todos com você – disse um dos amigos.
– Pois eu digo que ninguém vai à parte alguma – falou o homem que agora apontava a arma na
direção dos três. – Foi uma briga injusta. Eu estava vendo de longe. Sendo assim, acho justo que
entregue ao italiano o que ele quer e depois vá para sua casa.
– É a merda que vou – o homem vociferou.
– Não dei escolha – disse o homem armado. – Agora entregue ao italiano o que ele quer.
Jonathan cogitou intervir, recusar a palmatória e sugerir que fossem todos à delegacia. Mas se
lembrou de quem era e que deveria evitar exposições desnecessárias. Por quantas vezes Carlo o
instruiu a não chamar a atenção sobre si? Como explicaria em sua paróquia que esteve em uma
casa noturna e se envolvera em uma briga por um fetiche?
E antes de procurar por respostas, havia ainda o desejo quase palpável de querer o objeto de
Faith para si. Decidido, sem que o homem esboçasse qualquer reação que indicaria sua pronta
obediência, Jonathan ergueu a cabeça em uma atitude desafiadora e estendeu a mão.
Sem nada dizer, o homem a entregou, mas não sem batê-la com toda força na palma que a
receberia. Com isso seu corte dolorido, sangrou, mas Jonathan não deu importância. Ainda mais
tendo o objeto de seu desejo em seu poder.
– Obrigado! – disse mais uma vez ao seu salvador. – Como posso retribuir?
– Não há necessidade – ele falou sem desviar a atenção dos homens à sua frente – Apenas vá
embora, senhor.
Jonathan estranhou a deferência visto que estava sem suas vestes eclesiásticas e para todos os
efeitos, eram iguais. Estava prestes a questioná-lo, quando este falou:
– Se não queremos a polícia envolvida, não é seguro ficar aqui. Logo outros podem nos ver.
Ao se calar ele se voltou para Jonathan que, pela primeira vez na noite, teve uma visão
completa de seu rosto. O homem era realmente moreno na tez, tinha o cabelo preto. Deveria
beirar os 30 anos de idade ou talvez tivesse um pouco mais, não menos. Vestia calça jeans e
moletom, calçava tênis escuros. Nunca o vira, mas como muitas coisas naquela noite, ele lhe
pareceu familiar. Antes que medisse suas palavras, indagou:
– Eu conheço você de algum lugar?
– Impossível! – negou e virou o rosto para os homens.
– Que lindo! – exclamou o antigo dono da palmatória. – É um reencontro!
– Cale a boca! – o moreno vociferou. Para Jonathan disse incisivo: – Vá de uma vez já que
tem o que queria. Deixe que com eles eu me entendo.
Ainda preso àquele estranho dejá vu, Jonathan titubeou. E novamente a cena lhe pareceu
surreal. A arma não o assustava, mas sabia não ser seguro apontá-la para alguém daquela
maneira.
– Bom... Tudo está resolvido – falou apaziguador. – Acho que talvez devesse baixar a arma.
– Mas é claro! – ele exclamou, escondendo-a no cós da calça, às costas. – Eu só queria
acabar com a briga... Agora vá, por favor. E vocês também... – disse aos três. – Acho que por
essa noite chega de confusão, não? E... Desculpem o mau jeito.
Após uma última olhada para todos eles, com um inclinar de cabeça, Jonathan cumprimentou
o moreno altivo. E sem dar maior atenção aos outros três que vieram em sua direção,
resmungando impropérios, cruzou com eles e seguiu dignamente até seu jipe, calando gemidos
de dor. Acomodado no assento, Jonathan atirou a palmatória sobre o banco do carona e
finalmente partiu.
Enquanto respirava o ar frio e deixava o vento vindo da janela aberta fustigar-lhe o rosto
dolorido, repassava as ações da noite. Descobrir sobre Faith sempre seria o ponto máximo, mas
a satisfação que o dominou ao socar um homem e todas as familiaridades sentidas em sua estada
na boate fumarenta dividiam o mesmo grau de importância.
E o que pensar daquela última impressão? O rosto do homem moreno não lhe saia da cabeça.
A todo custo tentava encaixá-lo em momentos passados de sua vida, mas não o posicionava em
parte alguma. Ele era uma peça solta que vinha se somar às tantas que possuía.
Talvez tenha sido mesmo somente impressão. Mas então, pensou quando já acessava a estrada
que o levaria de volta à Sin Bay, por que tratá-lo por senhor? Seria por sua posição no clero?
Como um desconhecido poderia saber? Ou seria por deferência pessoal? Se, sim, por qual
motivo uma vez que não se conheciam e claramente seu salvador era mais velho?
Tantas perguntas sem repostas. Já estava habituado a elas, então, dando uma breve olhada
para a palmatória, decidiu se esquecer.
O melhor que tinha a fazer era se preparar para enfrentar o padrinho que o crivaria de
perguntas quando visse o estado lastimável no qual se encontrava. Sentia a boca inchada e o
latejar em sua mandíbula. A dor em seu estômago cedera um pouco, mas ainda incomodava. E
nem poderia se queixar da dor lancinante que sentia nos nós dos dedos. Mesmo na pouca
luminosidade azulada vinda do painel do jipe, podia ver a vermelhidão entre eles.
Fora insano e indisciplinado ao se lançar em uma briga de rua, mas, intimamente, mesmo
levemente envergonhado com sua reação, não conseguia se arrepender. O homem regozijava-se
por finalmente ter extravasado um dos sentimentos violentos que o atormentava há dias.
Assombrado, Jonathan constatou que faria tudo de novo caso pudesse ter um pouco mais
daquela adrenalina que antes de agitá-lo, acalmava-o.
Perdido em pensamentos, ele logo chegou à vila, deserta àquela hora da noite. Baseado nas
tantas vezes que ouviu a famigerada sequência de buzinadas, podia deduzir que a exibicionista
da pequena cidade dormia o sono dos justos como se fosse um deles.
Ao estacionar diante da casa, Jonathan capturou a palmatória e a rolou de ambos os lados.
Como pensou na boate, era seu desejo fazer uso do objeto naquela que bem merecia por enganar
todos, por enganá-lo. A droga toda – reconheceu alarmado – era que não mais nutria raiva por
ela. Queria castigá-la por motivos pervertidos. Justamente por essa razão que novamente se
afastaria. Também como pensou antes, não queria chafurdar no lamaçal onde Faith rolava feliz.
Poderia perdoar alguns defeitos caso basicamente ela fosse uma boa mulher, como Grace ou
outras tantas daquela vila. Contudo não poderia relevar tamanha devassidão. A moça dissera
com suas próprias palavras que gostava do que fazia. Gostava do dinheiro que recebia
diretamente no elástico de sua calcinha, quando tantos homens a tocavam...
Decididamente era mais do que poderia suportar. Conformando-se com o fim do que nem
tinha começado, Jonathan deixou a palmatória sob seu banco e saiu do jipe, reprimindo uma
expressão de dor ao se mover.
Antes de entrar, viu a luz pelas frestas da porta. Após uma imprecação, entrou. Seria pedir
demais que seu padrinho estivesse dormindo.
– Jonathan?! – este se pôs de pé imediatamente ao vê-lo alquebrado. – O que aconteceu?
– Calma – pediu, erguendo as mãos para que ele não o tocasse. Tudo lhe doía.
– Como, calma?! – indagou Carlo, alarmado. – Sente-se e me conte.
– Prefiro ir para meu quarto – falou, seguindo para o corredor.
O ideal seria que tomasse um banho para se livrar da poeira do chão, do suor e do fluído pré-
ejaculatório que Faith fez com que derramasse, mas deu-se conta de que não suportaria nem
mais um passo. Tão logo avistou sua cama, deixou-se cair no colchão. Não era sua intenção
preocupar ainda mais seu padrinho, mas não pôde conter um silvo de dor.
– O que aconteceu, Johnny? Onde dói?... Conte! – Carlo ordenou por fim.
– Eu briguei. Está bem assim? – Jonathan exaltou-se. – Briguei na rua com três homens e só
não fui parar no hospital, como o senhor, porque outro homem apareceu e me ajudou.
Pálido, trêmulo e indisfarçadamente ansioso, Carlo se sentou na beirada da cama. Ignorando o
último comentário, perguntou:
– Por que brigou?... Esses homens... o atacaram de alguma maneira?... O que disseram?
Irritado por toda aquela demonstração de carinho quando mentia descaradamente, Jonathan
falou a verdade:
– Não me disseram nada. Eu os provoquei... Fui a uma boate, vi mulheres nuas, bebi e
briguei... Feliz em saber?
– Meu bom Senhor! – O padrinho se pôs de pé como se a cama do afilhado o queimasse, após
fazer o sinal da cruz e beijar os dedos, indagou embargado: – O que deu em você?... Por que fez
isso?
Encarando-o duramente, sem se comover com o brilho que via nos cantos dos olhos azuis,
Jonathan ironizou:
– Não sei... Será que foi pelo mesmo motivo que leva todas as pessoas que não devem
satisfação de suas vidas a fazer o que fazem? Será que não foi porque eu quis?
– Você não é como todas as pessoas! – Carlo explodiu. – Não pode sair por aí fazendo o que
quer! Se acaso julga não dever satisfações a mim, lembre-se de que deve ao seu Deus. Deve a
sua congregação. Olhe para você!... Como vai explicar seu estado para todos? Pretende
anunciar em seu púlpito as maravilhas da promiscuidade, violência e embriaguez? São esses os
bons ensinamentos que quer divulgar a partir de hoje?
Jonathan engoliu suas respostas a seco. Poderia igualmente explodir e dizer-lhe algumas
verdades sobre Carlo não se sentir em débito diante de seu Criador e de seu sobrinho, contudo
não queria confrontá-lo. Não quando a culpa finalmente se acercava dele ao ser lembrado de
que na manhã seguinte exibiria as marcas de seu desvio a todos. Tencionou estabelecer uma
amante, mas ansiava viver uma vida dupla e discreta. Nada que o delatasse ou afrontasse os
fiéis de sua igreja.
– Não se preocupe com eles – disse ao fechar os olhos. – Direi que tropecei nos bancos
amontoados e cai sobre eles. Sei que errei e me excedi. Entenda como insanidade momentânea.
E não se preocupe, pois não se repetirá.
– O que me preocupa é que nem deveria ter acontecido... Como foi parar em uma boate?
Não queria expor a moça, nem em confissão. No que dependesse dele, nunca mais falaria
sobre seus sentimentos com alguém sem moral ou dignidade de penitenciá-lo, mesmo que pouco
se arrependesse.
– Não sei dizer... Fui guiando pela cidade e quando vi estava diante dela... Entrei e bebi por
curiosidade. Nada mais.
– E por que brigou?
– Não sei, apenas cismei com eles e não consegui refrear a vontade de provocá-los. Como
disse, foi momentâneo.
Carlo o mediu estendido sobre a cama como estava. Vestido e calçado, sujo de terra e
ensanguentado. Talvez a visão tenha sido demais para ele. Sem se importar em reter as lágrimas,
Carlo finalmente chorou.
– Não importa o que lhe deu – disse. – Minha eterna obrigação é cuidar de você então me
deixe fazer ao menos isso.
Jonathan ainda carregava a mágoa por ter descoberto parte de suas mentiras, mas, dolorido e
cansado, não tinha forças para recusar a ajuda. Quando seu padrinho começou a retirar seus
sapatos, não se opôs. Deixou também que Carlo retirasse sua camiseta, apenas pediu que
deixasse a calça.
Após um assentimento mudo, Carlo pediu que o sobrinho se endireitasse sobre a cama,
anunciou que sairia para buscar água e mercúrio para os ferimentos. Antes que o tio retornasse,
o jovem padre fora vencido pela exaustão que não lhe permitiu ver o cuidado devotado com que
este o limpou e tratou; pedindo numa oração murmurada que afastasse todo o mal que anunciava
regressar.
Capítulo Cinco

Apenas por insistência de Mason tinha ido à praia. Por sua vontade estaria em casa, cuidando
de terminar a reparação da imagem que lhe permitiria estar com Jonathan ao devolvê-la. Porém
Faith não teve escapatória ao descer para o café da manhã antes do horário, encontrando o
irmão animado e pronto para a costumeira caminhada. Na verdade, seu convite fora para nadar,
porém ela veementemente recusou se ocupar por tanto tempo.
– Sabe que pode conversar sobre qualquer coisa comigo, não sabe? – falou Mason a certa
altura, chamando-lhe a atenção.
– Sei – Faith desprendeu os olhos da trilha. – Por que isso agora?
– Por que estou te achando estranha – o irmão parou de andar e se colocou à frente dela. –
Está sempre pensativa, distante... Muito diferente da menina alegre que eu conheço e sinto falta.
Vou ser direto, está bem? É impressão minha ou tem alguma coisa errada com esse seu namoro?
Faith não respondeu, e pareceu que Mason não esperava por isso, pois logo prosseguiu:
– Você se anima exageradamente quando Peter te telefona, depois volta a ficar séria. Quando
estamos aqui parece que você espera por alguém. Mas a única pessoa que sempre aparece é o
senhor De Ciello e então você fica toda esquisita. Por acaso está interessada nele e começou
esse relacionamento com Peter como fachada?
– De onde veio esse absurdo?! – Faith perguntou verdadeiramente curiosa, afastando o
pensamento improvável de que sua futura cunhada a tivesse delatado.
– Não sei explicar – o irmão deu de ombros e exclamou: – Ah... Diga apenas que estou
imaginando coisas... Que ainda estou dormindo... Nem sei mais o que eu falo.
Faith temia pelo dia em que Mason falasse com propriedade, quando, sem saber, fora quase
certeiro. Evidente que não responderia àquilo, mas anotaria a especulação como aviso para as
futuras reações. Relaxando após a breve tensão, riu e desconversou:
– Acho que é a falta de maresia. Esse mar à nossa frente não é suficiente. Você precisa estar
perdido lá no meio dele.
– Deve ser isso mesmo. – Mason acompanhou-a no riso. – Desculpe minhas maluquices.
– Sem problemas... E por falar nisso, quando voltam para o mar? – perguntou de modo
desinteressado. Sempre queria o pai e o irmão por perto, mas com eles distantes, o início do
relacionamento proibido seria menos complicado.
– Se o seu namorado não atrasar a devolução do Free Soul I, acredito que possamos partir em
duas semanas.
– Duas semanas... – lamentou.
– Não fique assim, Fay, sabe que logo estaremos de volta – Mason tentou consolá-la. Jamais
desfaria o mal-entendido.
– Sempre passa... – disse, desanimada com a expectativa dos quase 15 dias em que precisaria
ser extremamente cuidadosa. – Bom... Já se cansou de minha companhia? Tenho trabalho a fazer
em casa.
– A restauração – o irmão murmurou sugestivo.
– Sabe que não precisa ser tão chato, não sabe? – ela troçou para encobrir seu desconforto. –
Fique aí com essa sua mente criativa, eu vou voltar para casa.
– Diga ao papai que logo chego.
Faith lhe acenou já a caminho da trilha. Manteve os olhos cravados naquele caminho mesmo
sabendo que seu padre não apareceria. Queria vê-lo, mas depois das palavras do irmão tinha de
endossar as de Jonathan sobre serem cautelosos. Acrescentou mentalmente seu irmão à lista já
existente de bisbilhoteiros. Por conhecê-la bem, Mason ficaria logo abaixo de Tyler, sua
sombra.
Ao chegar a casa, Faith se desculpou com os pais e dispensou o café da manhã, indo
diretamente para o atelier. Sem mais demora, descobriu a peça a ser restaurada e retomou seu
trabalho, decidida a não lamentar os impedimentos que a mantinham longe de Jonathan. O
importante era que logo ficariam juntos sem que ninguém pudesse separá-los.

Ao se mover sobre a cama Jonathan calou um grito de dor. Nem em todas às vezes que se
açoitou durante a madrugada, despertou sentindo-se tão debilitado. Descer de seu posto para se
igualar aos homens normais tinha seu preço. No momento só lhe restava pagá-lo. Sufocando até
mesmo seus gemidos, levantou. O padrinho tivera o cuidado de deixar roupas limpas sobre a
cadeira. Depois de pegá-las, Jonathan seguiu para o banheiro.
Livrar seu corpo da calça e da cueca demandou boa dose de bravura. Apenas quando estava
sob o jato de água morna sentiu algum alívio. Ensaboou-se levemente e, enquanto lavava a
porção que sofreu sério ataque durante a dança obscena de Faith, sorriu escarninho ao constatar
que somente por padecer de dores extremas esta não despertava com as lembranças que jamais
o abandonariam.
À luz da manhã, tais cenas lhe pareciam bizarras. Uma Faith morena, jovial, abraçada a um
caderno, dividia espaço com uma Faith loira, seminua, confundindo-o.
A exemplo de Carlo, se ele tivesse apenas sabido, não acreditaria. No tocante a Faith, se as
dores não fossem provas cabais, tinha ainda os hematomas escurecidos contrastando com a pele
clara de seu punho direito. Analisando os diferentes tons da coagulação, Jonathan esperava que
a história dos bancos convencesse, pois não possuía ânimo – ou paciência – para muitas
explicações.
Esperava ainda que a moça não tivesse a infeliz ideia de procurá-lo, pois não sabia como iria
recebê-la. Não sentia raiva, apenas uma profunda decepção. Tinha de redefinir o caminho a
seguir, livre da influência da messalina. Tomada ao menos aquela decisão, Jonathan deixou o
boxe, secou-se e se vestiu.
De volta ao quarto, encontrou sobre a cômoda duas Aspirinas e um copo com água. Seu
padrinho sempre atencioso, mesmo que com o gesto demonstrasse que se manteria distante.
Tanto melhor, pois Jonathan não queria nem mesmo brigas verbais.
Depois de ingerir a medicação – que rogava ser eficaz – Jonathan finalmente se olhou no
pequeno espelho. Não estava tão mal como Carlo dias atrás, mas a extensão das manchas roxas
assustaria seus conhecidos. Descobriu que o corte em seu lábio era mínimo a despeito do
sangue que colheu em seus dedos.
Que bela aventura, ironizou enquanto seguia para a cozinha. Nesta tomou apenas um gole de
café preto, dispensando o pão ao sentir a mandíbula dolorida quando tentou mordê-lo.
– Bom dia, senhor! – Jonathan ouviu a voz da senhora Williams atrás de si, preparando-se
para o que viria, voltou-se para cumprimentá-la, antes que o fizesse a mulher exclamou: –
Minha nossa! O que aconteceu?
– Uma bobagem. Completa falta de atenção e teimosia. Fui até a igreja ver como estava o
andamento dos trabalhos e por puro descuido cai sobre os bancos que estão sendo reformados –
experimentou a mentira.
– Coitadinho do senhor – ela murmurou compadecida. – Isso deve estar doendo muito. Quer
que eu lhe prepare um chá? Já tomou algum remédio?
Provavelmente pela carência materna, toda atenção dispensada a ele por mulheres mais
velhas, comovia-o. A senhora poderia ser curiosa ao extremo e até ser um problema caso
resolvesse dar andamento ao seu caso com Faith, ainda assim, sentiu-se culpado por mentir.
Naquele instante ele era uma fraude em todo o significado da palavra. E mesmo incomodado,
somente decidiu se habituar à verdade.
Sorrindo o tanto que seu lábio ferido permitia, tranquilizou-a:
– Acabo de tomar dois comprimidos. Quanto ao chá, eu o aceito daqui a duas horas se ainda
quiser fazê-lo.
– Evidente que sim, senhor De Ciello. Pode cuidar sossegado de suas coisas... Depois lhe
chamo, assim descansa um pouco.
– Obrigado!
Jonathan pensou em perguntar pelo padrinho, mas desistiu. Despedindo-se, foi para sua
igreja. Naquela manhã estava em falta com suas orações, e nem as faria. Sentia-se indigno. Mais
por ter agredido pessoas que deveria amar como a si mesmo do que por beber e se excitar ao
ver a moça nua. De toda forma, acordara atrasado e a atividade intensa no interior da igreja não
lhe permitiria ter a concentração necessária.
Saindo para o salão, Jonathan descobriu seu tio a circular entre os trabalhadores, falando com
um, ora com outro, sem nunca olhar em sua direção. Depois da discussão da noite, Jonathan
preferiu respeitar o espaço. Não estavam em seus melhores dias e naquela manhã seria ainda
pior.
Ao vagar por entre os operários, Jonathan descobriu que Carlo tinha se adiantado, mentindo
em seu lugar, então apenas teve de lidar com o espanto geral ao exibir o rosto marcado.
Agradecido, Jonathan fez questão de cumprimentar a todos e, depois de discretamente resgatar
seu prêmio da noite, refugou-se na sacristia. Cometia um sacrilégio ao deixar a palmatória em
uma das gavetas de sua mesa, contudo, queria-a perto.
Por todo o dia Jonathan pôde sentir as vibrações mundanas junto a si. Faith escutou seu
pedido distante e não apareceu hora alguma, porém, nunca esteve mais presente. Foi com alívio
que às seis horas ouviu o último grupo de trabalhadores anunciarem sua partida. Sem que fosse
preciso pedir, seu padrinho se ofereceu para fechar as portas da igreja e recomendou que
descansasse alguns minutos antes do jantar. Sem fome, Jonathan o liberou para fazer a refeição
sem sua companhia e retornou a casa para se recolher em seu quarto.
Para Faith, a sexta-feira passou lenta, então, encontrar-se em sua mesa, na companhia de seus
pais e irmãos, dava-lhe novo ânimo. Poucas horas a separavam de Jonathan, pois faltavam
apenas alguns detalhes para concluir a recuperação da imagem. Com o coração leve, deixou-se
levar pela conversa fácil e assuntos corriqueiros.
Saboreava a salada de frutas feita por sua mãe, quando esta interrompeu o tema corrente e
comentou apressada, como se tivesse se esquecido de dizer algo importante:
– Acho que você não soube o que aconteceu ao padre, não é Faith?
O tom materno não indicava qualquer gravidade seja lá no que fosse que tivesse acontecido,
ainda assim a moça precisou se policiar para encobrir o súbito tremor.
– Não... – começou cautelosa, evitando olhar na direção de Mason. – O que aconteceu?
– Ele sofreu um acidente doméstico. Caiu sobre os bancos da igreja – disse Constance, sem
alarde. – Não o vi, mas dizem que está todo machucado.
– Todo machucado?! – repetiu alto demais.
– Calma Faith – Nicole tentou tranquilizá-la. – Eu disse à mamãe que isso é exagero. Grace
foi até a igreja e me disse que são só alguns hematomas no rosto e nas mãos. Nada mais.
Nada mais? Como poderia esperar para estar com ele até a manhã seguinte depois de tal
notícia? Precisava vê-lo imediatamente. Expectante olhou para a mãe, querendo crer que a
informação fosse precedida por um pedido para que levasse uma de suas milagrosas sopas.
Como Constance se calou, perguntou à Nicole:
– Será que ele está mesmo bem?... Não precisa de nada?
– Está bem, sim – confirmou a irmã. E inocentemente respondeu a sua pergunta silenciosa: –
Mamãe pensou em fazer uma sopa, mas Grace se adiantou.
– Começo a achar que todas o paparicam demais – disse Elliot, depois de engolir a porção de
salada que mastigava. – Pelo amor de Deus, foi só um tombo!
– Me desculpe, mas não acho que acidentes domésticos devam ser tratados com descaso –
Faith retrucou inflamada, sem ao menos perceber. – Muitos podem levar à morte.
– O que não foi o caso do senhor De Ciello – o pai lhe lembrou, incisivo. – Não estou
entendendo seu tom.
– Ah, capitão – Mason veio em seu auxílio. – Esqueceu que ela o ajudou no piquenique? Eles
são amigos. Nada mais natural que ela se preocupe. – Olhando para a irmã, acrescentou: – Fay
ficaria assim por qualquer outro que tivesse a mesma consideração.
– Evidente que sim – disse Faith, sustentando-lhe o olhar. Depois se voltou ao pai. – Apenas
me preocupo, pois nem bem se recuperaram da agressão ao tio e agora isso... – Sem se importar
como soaria, falou: – Talvez eu devesse ir até...
– Não vai à parte alguma – o pai a cortou firme. – Da última vez que foi até lá, esqueceu que
tinha casa. Você fica!
Faith poderia se opor, mas não seria sábio. Tudo que não queria naquele momento era chamar
a atenção para sua preocupação com Jonathan, bastava Mason a alimentar suas desconfianças.
Domando seu espírito indócil, a moça vestiu sua máscara de submissão.
– O senhor tem razão, papai. É mesmo tarde e sabemos que ele está bem.
– Isso mesmo – Elliot murmurou.
– De toda forma tenho de ir até a igreja amanhã pela manhã para levar a imagem – falou,
tentando imprimir indiferença à voz.
– Mais um motivo para evitar exageros – o pai retrucou. – Agora vamos terminar logo essa
sobremesa que quero checar a previsão das marés.
À ordem, todos voltaram a atenção para as tigelas e comeram em silêncio. Faith ainda sentia
o olhar do irmão sobre si, e novamente o ignorou. Ao contrário de Tyler, Mason não tinha
provas. Enquanto pudesse, ela sempre negaria seu interesse; mesmo que às vezes o deixasse
transparecer. Não podia evitar. Em sua mente figurativa via Jonathan inteiramente ferido e a
imagem lhe oprimia o coração.
Aflita, considerou que se já tivesse lhe dado o presente que comprou, poderia entrar em
contato sem que ninguém soubesse. Talvez assim se tranquilizasse. Talvez, pois somente
sossegaria quando o visse, confirmando por si mesma que nada de mais grave acontecera.
Com o tempo novamente a se arrastar, Faith pediu licença e praticamente fugiu para seu
atelier. Parou seu serviço apenas para atender a ligação de Peter. Conversaram brevemente.
Durante a conversa, a moça especulou sobre o andamento dos reparos ao Free Soul I. Soube
que em uma semana o barco do pai estaria pronto para zarpar. Faith nunca imaginou desejar tal
coisa, mas pedia fervorosamente que o capitão Green juntasse seus homens e finalmente
partisse.

Naquele sábado, Jonathan despertou mais bem disposto. Contudo, ainda que não sentisse
tantas dores, depois de conversar com alguns dos trabalhadores, anunciou aos que vinham
procurá-lo que não ouviria confissões à tarde nem celebraria a missa da noite. O dia seria para
o adiantamento das obras, pois segundo seus colaboradores, logo chegaria o dia em que
precisariam voltar ao mar. Mesmo que o telhado já estivesse recuperado, não queria a pintura
ou o conserto dos bancos parados até o retorno da próxima pescaria.
Decidido a cooperar – e a ocupar a mente – Jonathan vestiu suas roupas comuns e arregaçou
as mangas, indo ao trabalho. Como não o deixaram lixar nem pintar paredes, até o meio da
manhã tinha ajudado a envernizar boa parte dos bancos. O padrinho o assistia de longe uma vez
que não podia fazer esforços físicos, nem tinham encontrado o equilíbrio em sua convivência.
Por vezes Jonathan o procurava com o olhar. O velho padre lhe sorria timidamente ao que
ficava sem resposta quando o afilhado voltava sua atenção ao banco.
Quando o corpo aquecido pelo esforço não apresentava nenhuma dor e as perguntas sem
respostas deixaram os pensamentos de Jonathan por completo, Faith materializou-se ao seu
lado. Conheceu-a pelas pernas esguias que tinham as coxas ocultas por um vestido lilás.
Ao erguer os olhos, encontrou-a abraçada a algo grande, enrolado em um pano; seguida de
perto pela mãe. Jonathan descobriu que não estava preparado para vê-la depois da cena
presenciada em Wells. O olhar, brilhante e terno, não o comoveu.
– Bom dia, senhor! – ela disse com ansiedade indisfarçada, quando ele se levantou.
– Bom dia! – cumprimentou as duas, secando o suor de sua testa com a manga da camisa.
Jonathan evitou olhar para a moça, pois até mesmo a preocupação que via nos olhos
castanhos o irritou, afinal, deviam manter a discrição e nenhuma outra se mostrou inquieta como
ela. Para alguém tão dissimulada, que enganava a todos naquela cidade por mais de seis meses,
Faith deveria melhor encobrir seus sentimentos.
Jonathan deveria estar descansando, Faith considerou, ansiando tocá-lo. Acreditou que fosse
sossegar seu coração ao vê-lo, mas somente se preocupou mais. Se não tivessem lhe contado
sobre o tombo entre os bancos juraria que ele tivesse sido agredido. Até mesmo as marcas em
suas mãos denunciavam uma briga, contudo sabia ser excesso de imaginação.
– Vim trazer seu santo, senhor – falou, atribuindo à frieza no olhar azul a necessidade de
prudência. Queria ter ido sem sua mãe, mas não teve como dispensar a companhia uma vez que
Constance também estava decidida a ver o padre.
– E eu aproveitei para vir saber como o senhor está – disse a mãe, às suas costas. Faith
revirou os olhos e recebeu em troca um duro cerrar de cenho do padre diante de si. Colocando-
se em alerta, ouviu-o dizer:
– Agradeço a preocupação, mas como podem ver, estou bem... Foi apenas uma queda infeliz.
– Olhando para a moça que agora via o quanto desrespeitava aos pais, pediu sem se mover: –
Se não se importa, você pode deixá-lo sobre minha mesa. Quando terminar esse banco eu irei
vê-lo.
– Farei isso, mas... – ela o encarou também com a testa franzida. – O senhor não deveria fazer
esforços.
– Faith tem razão, senhor De Ciello – a mãe fez coro. – Parece tão machucado. Não deveria
se esforçar tanto.
– Meu corpo é forte! – assegurou, sustentando o olhar da moça, alto o bastante para que seu
padrinho que se aproximava o pudesse ouvir. – Fraco é meu espírito. Este sim me adoeceria por
mentiras e segredos vindos daqueles a quem tenho algum apreço, não por um acidente sem
importância.
– Não foi sem importância – desdisse Carlo ao acercar-se deles. – Bom dia! – ele
cumprimentou as duas mulheres. Após lhe responderem se dirigiu apenas a mais jovem. – Este é
nosso São Nicolau?
– É, sim – Faith respondeu cautelosa. Estranhando o tom amistoso.
– Dê-me cá – pediu Carlo, já o tomando dos braços dela. Ao acomodá-lo nos seus, pediu a
Constance: – Eu gostaria de ter um particular com sua filha, antes que fossem embora. A senhora
se importa?
Jonathan olhou de um ao outro enquanto Constance aquiescia:
– De forma alguma... Somente não esperarei. Tenho muito trabalho a fazer em casa. Tudo bem,
Faith?
– Tudo bem... – murmurou tomada pelo medo. O que o tio do padre poderia querer com ela?
– Venha menina! – Carlo a chamou, pondo-se a caminho da sacristia.
A Faith restou segui-lo. Jonathan ameaçou fazer o mesmo, porém Constance o deteve para
reafirmar sua solidariedade no que fosse preciso; a qualquer hora. Tudo o que ele queria era
que a mulher fosse cuidar dos citados afazeres e o liberasse para descobrir o que seu padrinho
tramava ao chamar a moça para uma conversa a portas fechadas.
Carlo depositou a imagem sobre a mesa e a descobriu. Enquanto ele a analisava, Faith era
tomada de expectativa. Não podia imaginar o que o velho padre queria lhe falar e o suspense a
inquietava. Estava prestes a questioná-lo, quando este falou:
– Fez um bom trabalho! É realmente uma lástima pedir para que pare com a restauração
mesmo diante desse profissionalismo. É melhor separarmos os assuntos, de vez.
– Por que diz isso? – indagou, mesmo acreditando saber resposta. – A quais assuntos o senhor
se refere?
– Não se faça de desentendida, menina – pediu Carlo, colocando-se à frente dela. – Nós dois
sabemos o que vem fazer nessa igreja. E não me venha dizer que se preocupa com a
conservação de nossos santos ou desta casa.
– Senhor, eu...
– Não a chamei aqui para que falasse, sim, que me ouvisse – ele a cortou. – Quero que pare
imediatamente o que está fazendo! Jonathan não é um homem livre para que flerte com ele. Meu
sobrinho é um padre que tem preceitos a seguir, um Deus a ser fiel. O mesmo a quem deveria
temer e saber que a castigará com toda Sua fúria por tentar um de Seus servos, por pura vaidade
e capricho inconsequentes.
Deveria ter esperado por aquele momento e se preparado para ele, no entanto, Faith fora pega
de surpresa, ficando sem reposta. Não poderia dizer que vaidade e capricho nada tinham a ver
com os motivos que a levavam a flertar com um padre. Ela o amava! Por sua vontade Jonathan
deixaria seus preceitos e fidelidade para que ficassem juntos, livres de qualquer culpa. Antes de
castigá-la o Deus citado deveria levar aquele amor em consideração.
Trêmula, Faith tentou formular alguma defesa. Uma que negasse veementemente aquelas
palavras para que pudesse dar andamento ao proposto por Jonathan, porém a porta fora aberta,
interrompendo seus pensamentos.
– O que há aqui? – Jonathan perguntou a nenhum dos dois em especial.
– Estava conversando com a Srta. Green sobre o primoroso acabamento da restauração –
Carlo explicou, sustentando o olhar da moça, desafiando-a a desmenti-lo. – É uma pena não
poder fazer o mesmo pelas outras imagens. Ela está desistindo do trabalho.
– Está? – Jonathan perguntou diretamente para Faith. Qual era o problema dela afinal?
– Estava – disse segura, recuperada pela presença dele –, mas seu tio foi tão convincente nos
elogios que resolvi voltar atrás.
Ao engasgar de seu padrinho e ante a postura defensiva da moça, Jonathan soube que ambos
mentiam. Antes se surpreenderia, agora que os conhecia, não mais. Precisava apenas saber o
que se passava, mas não era seu desejo fazer uma acareação. Sem dar continuidade ao assunto
dissimulado pelos dois, pediu ao padrinho:
– Poderia nos deixar a sós, por favor.
– Não acho certo que conversem...
– Quis que soasse assim, mas não foi um pedido, senhor – disse sério. – Dê-nos licença.
Carlo olhou de um ao outro, então, corado, saiu pela porta que o levaria para casa. Fechou-a,
porém Jonathan foi até ela para abri-la. Temia que o tio se pusesse a ouvi-los, mas viu que
marchava pelo corredor, empertigado.
Ao se voltar para Faith, Jonathan flagrou seu sorriso satisfeito. Irritado, não querendo ser
confundido com a própria falta de respeito, falou duramente:
– Não se iluda com meu tom. Sabe muito bem o quanto ele é importante para mim. Jamais lhe
faltaria o respeito ou o humilharia diante de quem quer que fosse.
– Não, eu... – ela começou confusa. – Não pensei isso. Eu só...
– Você só está acostumada a ridicularizar os outros e julga qualquer um capaz de fazer o
mesmo – falou encarando-a. – Conheço você, Faith Green. Já tive mostras do que sua língua é
capaz e ainda agora a vi revirar os olhos, menosprezando a preocupação de sua mãe.
– É sério isso? – ela perguntou, aproximando-se. – Eu venho aqui, toda preocupada com você
e quando ficamos sozinhos enumera meus defeitos?
Diante dele Faith tentou tocar-lhe o rosto, sobre a vermelhidão, porém Jonathan lhe segurou a
mão, impedindo-a. Ficaram próximos por poucos segundos, antes que ele a soltasse e se
afastasse para lhe dar as costas.
– Enumerar seus defeitos tomaria muito do meu tempo.
Decididamente não estava preparado para encontrá-la ainda. Vê-la reacendeu a raiva sentida
na noite de quinta-feira e não queria confrontá-la quando poderia dizer coisas das quais viesse a
se arrepender. Voltando-se para olhá-la, ignorou o olhar torturado e prosseguiu:
– Não quis ficar a sós com você para que pudesse falar sobre sua preocupação. Como pode
ver, estou inteiro. Quero que me diga o que meu tio falou... Que história é essa de que não vai
mais cuidar das imagens?
Se acaso Jonathan não tivesse lhe lembrado da importância do tio, ela o atenderia. Contudo, a
verdade perturbadora era que, naquela história, ela era o lado fraco. Tudo o que tinha era a
promessa de um relacionamento que, pela estranha postura do padre, nem ao menos sabia se
ainda valeria. E levando em conta a altivez de Carlo De Ciello, Faith poderia deduzir que
qualquer palavra dita por ela seria prontamente desmentida.
Se aquele era um jogo, deveria saber jogar.
– Foi exatamente como ele disse... Seu tio gostou do meu trabalho e quando eu tentei me
desobrigar ele me fez desistir.
A mentira deveria abalá-lo. Contudo Jonathan descobriu naquele instante que, depois de vê-la
se exibir nua para tantos homens, nada mais que viesse dela o espantaria. O pior era constatar
que seria igualmente inútil questionar seu padrinho. Estava de mãos atadas. Talvez fosse o caso
de aproveitar a deixa dos grandes atores e se resguardar até que estivesse completamente certo
se queria fazer parte da peça.
– Talvez não devesse desistir – falou sério.
– Como disse?! – Faith indagou com o coração aos saltos.
– Acho que devia parar com a restauração se era esse seu desejo. Na verdade, eu não quero
que faça nada por obrigação... Agradeço o trabalho que teve com São Nicolau, mas ficamos por
aqui.
– Não! – alarmou-se. – Eu me precipitei. Não posso parar. Se acontecer eu não terei mais
motivos para vir aqui... Como poderei ver o senhor?
A insistência deveria envaidecê-lo, porém as palavras dela somente o exasperavam mais.
– Esta casa não é abrigo para encontros amorosos nem estes santos são alcoviteiros – ciciou
muito próximo a ela. – Quando resolvi ficar com você, não a incumbi de determinar quando ou
onde. Disse que precisaríamos ter cuidado e discrição. Se eu não fui claro ou minhas condições
não lhe agradam, podemos deixar tudo como está.
Sentindo seu rosto arder, pela proximidade e em parte por raiva de si mesma, Faith lhe
sustentou o olhar escurecido. Não queria se rebelar contra aquele tom superior, contudo as
palavras incisivas que a excitavam, fizeram-na igualmente se aborrecer. Como Jonathan poderia
não considerar o santo um alcoviteiro, quando ele mesmo o usou de pretexto para tirá-la das
vistas do pai e, na primeira oportunidade, deu-lhe um tremendo amasso?
E também não tinha muito respeito por aquela casa visto que declarou seu interesse num dia e
segurou-lhe as mãos no outro sob seu teto.
Por não querer colocar tudo a perder, Faith achou melhor seguir por aquele caminho e
novamente dar-lhe espaço para fazer como bem entendesse.
– Suas condições foram claras e eu as aceito – disse ao se afastar. – Não se preocupe que não
virei mais te procurar. Esperarei que o senhor o faça ao determinar onde e quando deseja ficar
comigo.
A postura desafiadora dela o instigou a segurá-la pelo queixo erguido e beijá-la, porém tal
atitude iria contra seu discurso. A moça já tripudiava sem dar-lhe armas, não precisaria atribuir-
lhe maior poder, quando queria se resguardar. Sufocando o desejo premente, também se afastou
um passo e a dispensou:
– Acredito que não temos mais nada a conversar, agora.
– Às vezes eu me pergunto se teremos algo a conversar, algum dia – retrucou.
Faith agradeceu seu timing em não trazer o celular que comprara para os contatos exclusivos.
Com certeza Jonathan não apreciaria seu gesto. Prevendo que ele novamente se fecharia por
alguns dias, acrescentou azeda, já a seguir para a porta:
– Tenha um bom dia, padre, e tome cuidado com os bancos de sua respeitável casa.
Jonathan ameaçou segui-la, porém se deteve. Não iria prolongar uma discussão que não os
levaria a lugar algum. A falta de respeito demonstrada por Faith à sua religião ou à sua igreja
também não era novidade então não deveria se irritar. Na verdade, ali e na casa anexa, havia
duas pessoas que desrespeitavam mais aquele local com concupiscências e pensamentos
impuros, incongruentes aos votos firmados.
Faith não devia nada a ninguém. Melhor deixá-la ir. No final das contas, com sua saída
intempestiva, mostrou-lhe ser soberbo de sua parte julgá-la ou considerá-la enlameada, quando
ele mesmo e seu tio habitavam um pântano particular.
Era um fato, não prestava tanto quanto ela e, ainda assim, sentia-se travado quando tudo que
queria era chafurdar-se ainda mais.
Capítulo Seis

Os dias passaram corridos, envoltos numa névoa de saudade e desencontros; premeditados ou


não. No domingo seguinte à conversa tensa na sacristia, Faith se recusou a comparecer na missa.
Se sua distância tinha trazido o italiano uma vez, confiava que o traria uma mais. Contudo dias
se passaram sem que ele viesse. Sem a desculpa da restauração – apenas suspensa por tempo
indeterminado para seus pais – ela não podia procurá-lo. Também foi inútil ir à praia onde
somente sentia a presença de Tyler que se aproximou uma única vez.
Ia sempre sozinha, pois com a proximidade da entrega do Free Soul I, Elliot e Mason se
tornaram voluntários na finalização da pintura da igreja. Por eles Faith soube que todos os
bancos estavam recuperados e que em poucos dias, depois de um trabalho intensivo, as paredes
estariam novamente brancas e imaculadas como sempre foram. Faltaria a colocação do pequeno
sino, mas uma vez que este ainda nem fora encomendado, ficaria para a volta da próxima
temporada no mar.
Por duas vezes não suportou a saudade e desobedeceu ao padre. Valendo-se da desculpa de
falar com seu pai ou Mason, foi até a igreja. Porém em nenhuma delas viu Jonathan que sempre
tinha acabado de sair. Faith queria crer que fosse apenas coincidência e não uma fuga. Numa
dessas vezes, encontrou-se com Carlo. Como a conversa interrompida jamais poderia ser
concluída diante de terceiros, trataram-se com fria polidez e nada mais.
– Você está ficando paranoica, Fay – disse Helen depois que externou suas lamúrias durante
seu intervalo nos ensaios na tarde de quinta-feira. – Ainda não aprovo essa loucura de se
envolver com um padre e acho extraordinário que ele tenha dito com todas as letras que quer
ficar com você, mas já que foi o caso, apenas espere.
– E não é o que estou fazendo? – perguntou sinalizando para Kristina que a chamava de volta
ao palco. – Helen, eu preciso desligar... Tenho de voltar ao meu ensaio.
– Espere! – a amiga pediu. – Não tinha me dito que pararia de ir aí?
– Disse e talvez aconteça, mas como ele não me deu nada de concreto, não tenho por que
parar ainda... E vir aqui me distrai, sabe disso.
– Bela distração – Helen zombou. – Começo a achar que isso tem outro nome, mas como
não sou psicóloga nem nada... Sou só uma amiga nunca levada a sério, eu me calo.
– Ótimo! Guarde suas análises especulativas para si... Agora preciso desligar.
– Se cuida, Fay – a amiga falou carinhosamente.
– Estou me cuidado... – respondeu no mesmo tom. – Tchau!
– Tempos ruins novamente? – Kristina perguntou tão logo se juntou a ela no palco.
– Acho que esses nunca vão me deixar – Faith retrucou. – Mas não quero falar sobre isso...
Vamos voltar ao nosso ensaio?
– Vamos! – concordou Kristina, animada.
Ensaiaram por uma hora. Durante aquele tempo, Faith tentou ignorar o olhar insistente de
Barry e focar no quanto a amiga era verdadeiramente parecida com ela. Enquanto ambas
executavam a mesma série de movimentos – muitos dos quais ensinados por Kris – Faith
alimentou a ideia maluca de que, talvez, o dono da casa noturna nem precisasse se preocupar
com sua saída. Bastaria fazer uma substituição.
Provavelmente nenhum dos frequentadores da casa notaria. Animada com a possibilidade,
decidiu que a exporia no dia em que fosse deixar a The Isle definitivamente. Como disse para
Helen, uma vez que Jonathan não mais a procurou, não tinha por que parar. Poderia ser alguém
com sérios problemas, mas sentia que precisava daquilo.
Entretanto, apesar da necessidade libertadora, dançar aquela noite não lhe trouxe prazer
algum. Antes disso, Faith se sentiu incomodada até mesmo com a presença de Tyler que parecia
não somente julgá-la com sua postura sempre rígida, como também sentenciá-la como Helen
provavelmente o fazia.
Pois os dois amigos que fossem ao inferno, pensou irritada enquanto retirava a máscara. Ela
sabia si!
Aquela noite era uma das exceções, nem sempre seria só prazeroso. Ao contabilizar seus
ganhos, descobriu que sua falta de animação não refletiu nos seu desempenho, pois seu lucro
tinha sido o mesmo das outras semanas. Era aquilo que importava. O resto era mero detalhe.
Sempre ignorando Úrsula que se aprontava para sua apresentação, terminou de se trocar,
pegou suas coisas e saiu. Estava com a pick up do pai, tornando dispensável a carona com Tyler,
contudo não era garantia de estar livre de sua abordagem.
– Boa noite, patroa! – ele a cumprimentou em tom alegre demais para alguém que a encarou
com seriedade durante toda apresentação.
– Não me lembre disso, pois posso querer despedi-lo – ela retrucou ao se voltar, já parada ao
lado da porta da caminhonete.
– Ei, calma! – ele ergueu as mãos. – Amigo, lembra?
– Ah, desculpe... – ela desarmou-se. – Estou chata hoje e quero ir embora.
– Chata hoje? – Tyler troçou. – Quanta falta de autoconhecimento... Você é chata sempre.
Considerando que talvez ele tivesse razão, foi impossível não sorrir. Melhorando o humor,
perguntou livremente da má vontade:
– E o que o pobre amigo da chata congênita deseja?
– Só queria ver você – disse simplesmente tomando a liberdade de tocar-lhe o rosto. – Nos
falamos na terça... Estava com saudade.
– Está maluco, Ty?! – ela indagou sem se mover. Talvez por uma carência deixada pelo
afastamento de Jonathan depois de lhe oferecer o céu, o toque não a exasperou. – Você me levou
para Sin Bay todos esses dias, garoto.
– Levei uma amiga calada e emburrada. Como eu disse, conversamos mesmo na terça pela
manhã e nada mais... Oi e tchau não contam. Muito menos resmungos que não entendo.
– Tenho agido pior que o costume, eu sei – falou Faith, segurando-lhe a mão, sem afastá-la de
seu rosto. – Desculpe por isso.
Provavelmente animado pela inédita receptividade, Tyler tentou beijá-la. A moça desviou o
rosto e recuou um passo. Deveria estapeá-lo, contudo ao ver a expressão sofrida, expectante,
Faith desarmou-se. Naquele instante, Faith percebeu o que se negou a ver em anos: gostava de
maltratá-lo.
Nicole sempre esteve certa, aquela era, sim, uma relação doentia. Incentivava o rapaz e o
menosprezava ao quando era atendida. Impossível não comparar tal situação à outra, entre ela e
o padre. Jonathan ficava igualmente irritado ao tê-la perto, contudo a atraia quando se afastava.
E mesmo sendo frio e grosseiro às vezes, ele não era nem de longe tão cruel quanto ela.
Tomada pela ternura, Faith ergueu a mão para tocar o rosto do amigo. Vê-lo se esquivar, foi o
golpe final para sua compreensão.
– Eu não ia bater em você – disse magoada, mesmo sabendo não ter o direito.
– Não ia?! – Tyler indagou com estranheza e, depois de olhar a mão ainda erguida, arriscou
relaxar sua postura defensiva.
– Não ia – Faith confirmou e aproveitou para tocar-lhe. Tyler fechou os olhos e inclinou a
cabeça na direção do afago, como um cachorro que recebe carinho.
A comparação pejorativa, que confirmava os comentários maldosos de seus conhecidos,
trouxe um travar dolorido à garganta da moça. Ao abaixar a mão, Faith pigarreou e disse:
– Espero que não entenda errado, Ty, pois o que vou dizer não é uma aceitação ao que sempre
me ofereceu. Apenas saiba que nunca mais vou brigar com você.
– Você está bem, Fay? – o rapaz a olhou, unindo as sobrancelhas em estranheza. Seu tom era
preocupado, agravando mais a culpa sentida. Como se as brigas fossem aceitáveis e certas.
– Estou – ela disse à beira das lágrimas, voltando-se para seu carro. – Boa noite, Ty.
– Ei... – ele a deteve. – O que há?... Não pode dirigir assim.
– Eu estou bem, só me deixe ir embora, Tyler – pediu embargada.
– Uma droga que deixo! – ele exclamou antes de abraçá-la.
Faith reconheceu sua carência e liberou as lágrimas represadas durante todos os dias da
semana ao ser envolvida pelos braços acolhedores. Chorou por si mesma que sofria de saudade,
pela inércia da irmã e pela tristeza de Peter ao telefone. Chorou pela culpa por desejar que o
pai e o irmão fossem embora para que pudesse dar início a um relacionamento proibido; um
que, talvez, nem se concretizasse. E ainda, chorou pelo remorso por todo o mal que causava a
Tyler.
– Shhh... – o amigo exalou, passando a acariciar seus cabelos presos num rabo de cavalo. – O
que há? – perguntou com voz mansa, então, como se recordasse de algum assunto indesejado,
apressou-se em dizer: – Quer saber? Não me conte... Acho que faço uma ideia e não quero ficar
enjoado.
Faith riu levemente, ainda com o rosto comprimido contra o peito largo do rapaz.
– Você não tem jeito, Ty... – murmurou. Sentindo-se melhor, imprimiu certa força para ser
libertada. Dando um passo para trás, limpou o rosto com as mãos e esboçou um sorriso. –
Obrigada por me aturar.
– Fazer o quê? – ele perguntou, revirando os olhos teatralmente. – Todos precisam aturar a
sua sina.
Talvez o amigo tivesse razão e a sua sina fosse morrer de amores pelo padre, sem nunca tê-lo
na verdade. Expiar seus pecados, sendo atraída e afastada até o fim de seus dias como castigo
por corromper a pureza de uma amizade nascida na infância e por alimentar um amor indevido.
Resignada com o que viesse por considerar bem merecido, novamente sorriu.
– Vou tentar ser mais aturável... Agora tenho de ir.
– Espere – Tyler a deteve. Ao ter sua atenção de volta, indagou: – Vai ao baile?
Já seria naquele sábado?! Como se perdia com o passar dos dias? Nem seria preciso se
esforçar para saber a resposta. Com um suspiro, respondeu:
– Não perderia por nada.
– Vai dançar comigo? – ele perguntou ansioso, colocando as mãos nos bolsos da calça jeans.
– Eu sempre danço – falou sorrindo. – Marque uma vaga na sua caderneta. – Depois de lhe
piscar, acrescentou: – Agora preciso mesmo ir embora. Vai me seguir?
– Bem de perto, como sempre – Tyler afirmou subitamente sério.
Sem que pudesse resistir, Faith foi até o amigo e o beijou no rosto antes de entrar na pick up e
partir. Em menos de um minuto Tyler estava colado à sua traseira. A viagem até Sin Bay foi
reservada à ponderação. Faith repassou todas as decisões erradas e comportamentos
inconsequentes. Assim como fora péssima com Tyler, o era com Nicole, afinal, não cabia a ela
provocar qualquer tipo de reação.
Depois de buzinar sua costumeira despedida para Tyler, e lançar um olhar à igreja – agora
reluzente ao luar –, Faith decidiu que era hora de olhar também ao que se passava em seu
entorno e não somente para seu umbigo.
Como sempre àquela hora encontrou a casa às escuras. Ao passar pela porta do quarto do
irmão descobriu que ele não estava – provavelmente passaria a noite com Helen. Seus pais
dormiam em um silêncio sepulcral, somente quebrado pelos soluços baixos que ouviu ao se
aproximar do próprio quarto. A exemplo de toda casa, o cômodo estava com as luzes apagadas
sendo somente iluminado pelo luar que entrava pela porta da sacada, aberta.
Ao perceber sua chegada, a irmã tentou calar o choro, porém falhou ao não abafar seu soluçar
e a respiração entrecortada. Preocupada, Faith deixou a bolsa sobre sua cama e foi se sentar na
de Nicole.
– O que aconteceu? – perguntou carinhosamente, tocando-lhe o ombro.
– Eu só quero ficar em paz... Vá dormir! – disse Nicole entre soluços.
– Essa de tentar fugir do assunto é minha, nem tente... – troçou. – Conta.
– Essa é sua? – perguntou ressentida, sentando-se abruptamente. – Ao que parece tudo é seu.
– Está chorando por alguma coisa que eu fiz? Como pode ser? Eu acabei de chegar... – Nicole
a confundia. Faith pousou as mãos sobre o colo, sem entender a volta do tom rancoroso.
– Não! – negou Nicole, veemente. – Você chegou há vinte anos e depois disso pouco sobrou
para mim... Tudo passou a ser seu desde então.
– Ah, não... – Faith murmurou indo se sentar na própria cama. – Esse é mais um daqueles
papos de irmã do meio com ciúmes da caçula?... Se for, eu estou fora!
– Ciúme simplifica demais o que venho sentindo – disse Nicole, séria. – Deus que me perdoe
pelo o que vou dizer, mas se você sumisse não me faria a menor falta.
– Nicole! – Faith exclamou por puro reflexo, no fundo sabia que merecia aquilo. E novamente
agradeceu o tempo perfeito entre sua resolução e a oportunidade de ação. Estava ali a chance de
esclarecer algumas coisas. – Está assim por causa de meu namoro com Peter? Se for, lembre-se
que eu disse a você que bastavam duas palavras e eu desistiria dele.
– E de que me adiantaria?... Por que desistir dele se eu nunca poderei... – a moça se calou,
acometida de um novo acesso de choro compulsivo. Preocupada e expectante, Faith se pôs ao
lado da irmã e a abraçou pelos ombros.
– Ei... Adiantaria sim... Gosto do Peter, mas minha palavra ainda vale. É só você me dizer
para parar que eu acabo com essa história. – Decidida a fazê-lo de toda maneira, arriscou dizer:
– E não se preocupe com Peter, pois... ele gosta mesmo é de você.
– Não diga isso... – a irmã pediu, chorando ainda mais. – Não hoje...
– Mas é verdade – falou com mais firmeza para que Nicole acreditasse. Então o final da frase
chamou-lhe a atenção. – E por que não hoje?
– Porque hoje... – explicou embargada, afastando-se para olhar a irmã através das lágrimas. –
Hoje eu tomei coragem e procurei papai para dizer que não gosto de Joe.
– Você falou?! – Não era sua intenção soar incrédula, mas Faith não pode evitar diante do
extraordinário da informação. Com o coração aos saltos de puro orgulho, perguntou ansiosa: – E
ele?
– E ele? – Nicole repetiu amarga. – Não conhece mais o seu pai? Veio com toda aquela
conversa do bom marido e que na minha idade logo nenhum homem decente iria me querer...
Falou para eu deixar de bobagens românticas que não sustentam ninguém e aproveitar a
oportunidade que a vida estava me dando... Foi isso que o Capitão Elliot Green, marido
exemplar e pai zeloso me disse.
Não era surpresa, mas a tentativa fora válida. Estava prestes a tentar animá-la, quando Nicole
prosseguiu:
– E tem mais... Ele disse que eu deveria me espelhar em você.
– Em mim?!
– Você faz seu papel de boa filha direitinho – a irmã comentou com renovada acidez. – Ele
acha que você está com Peter por considerá-lo o melhor, mesmo que goste de outro.
A percepção paterna enregelou Faith. Mais uma vez questionou o quanto era transparente
quando acreditava ser capaz de encobrir seus sentimentos. Com toda sua cautela, perguntou:
– E ele disse de quem eu gosto?
– Ora de quem?... Tyler. Papai acha que você gosta dele, mas que não assume porque ele é
pobre e mais novo do que você. Acredite, nem mesmo sendo filho do cara que ele diz ser o
melhor amigo, papai abriria uma exceção. E o pior, tem orgulho de você pelo o que está
fazendo. Esse é o belo exemplo que ele quer que eu siga... Devo ser fingida e interesseira.
Faith liberou a respiração, aliviada. O irmão possuía melhor visão do que seu pai. O segredo
estava seguro. Contudo não relaxou completamente, afinal Elliot percebia sua falta de interesse
em Peter mesmo se mostrando tão receptiva. Aproveitando a deixa, suspirou e sugeriu:
– Então por que não faz como ele deseja?
– Já faço, caso não tenha percebido – retrucou secamente. – E nem posso mudar. Tudo que
consegui foi adiantar meu casamento... Papai ligou para Joe e acertou tudo com ele. Na volta
dessa nova viagem vamos juntar as famílias para tratar de todos os detalhes.
– Esqueça esse casamento, Nick! – Faith falou séria. – Não estou falando em fazer o que
determina, mas fazer parecer que sim.
– Ah, vai me dar lições de ser dissimulada como você? – escarneceu.
– Pare com isso, Nick – pediu. – Você pode não acreditar, mas não sou sua rival. Se ser
dissimulada me trouxer alguma paz e deixar papai feliz no canto dele, melhor para mim... O que
você ganha abaixando a cabeça para as maluquices machistas dele?
Nicole a encarou por alguns segundos. Depois de fungar e secar as lágrimas, falou livre do
rancor e do deboche:
– Paz é que não foi. – Arrumando os cabelos desgrenhados atrás da orelha, prosseguiu: – O
Sr. De Ciello me disse que devia fazer como você e agora me diz o mesmo... Acho que os dois
têm razão, mas não sei se posso. Eu...
– Você o quê? – incentivou-a, recuperando-se após a simples menção a Jonathan.
– Eu sei o quanto é ridículo dizer isso, mas... eu tenho medo do papai.
– Não acho ridículo, pois eu também tenho – confessou. – A diferença é que não vivo refém
desse medo... Eu arrisco. Se um dia ele me pegar... Bom, daí eu vejo como fica. Mas não vou
sofrer por antecedência.
– Isso é sério? Sempre parece tão segura... A pequena dona do mundo!
– Certo! – Faith simulou mais seriedade do que sentia. – Se quer mudar tem de parar com a
agressão verbal... Isso dói.
Após encararem-se por um instante, ambas riram com cumplicidade.
– Desculpe – Nicole pediu segurando-lhe a mão. – Vou tentar.
– Tentar não vale. Quero sua palavra... Senão não conto outro segredo meu.
A curiosidade não era algo que se pudesse ignorar em uma pessoa e Faith acertou seu alvo.
Animada com a possibilidade de descobrir mais alguns podres da desprezível irmã caçula,
Nicole levantou a mão e contrita prometeu:
– Nada de agressão verbal.
– Assim é melhor! – Faith sorriu. E feliz em se livrar da brincadeira que se tornou um fardo,
falou de uma só vez: – Peter e eu não estamos juntos.
– Como é que é? – Nicole indagou confusa, ainda sustentando um meio sorriso pela
brincadeira recente.
– Foi isso que ouviu. Não namoramos... Todas essas ligações à noite, as visitas que me fez e
os passeios de final de semana... Tudo fachada.
Faith esperou até que a irmã assimilasse a descoberta. Olhava diretamente seus olhos, mas a
pouca claridade não lhe permitia descobrir as emoções que passavam por eles. Durante o
silêncio, temeu a reação da irmã. Caso se sentisse traída e a desprezasse, seria merecido.
– Está mesmo com ele por causa de Tyler? – Nicole perguntou por fim, sem encobrir o
espanto. – Eu sempre pensei que sim, mas acho que no fundo duvidava que pudesse gostar dele
de verdade.
– Não, não... – Faith exclamou alarmada. – Está confundindo tudo. A encenação não era para
Tyler... Era para você.
– Espere. Está me dizendo que todo esse teatro foi por minha causa!
– Foi o que eu disse – Faith brincou. – Olha, está tarde, se ficar me fazendo repetir tudo não
dormimos essa noite.
– Cale a boca, Faith! – a irmã sibilou, pondo-se de pé. A moça esperava uma reação negativa,
mas a violência sentida no tom baixo e incisivo a assustou. – Quanto você ficava toda saltitante
pela casa por causa de um telefonema era para tripudiar sobre a minha dor?
– Confesso que no começo eu me diverti – disse a verdade –, mas logo eu me arrependi de ter
embarcado nessa ideia.
– Depois de rir bastante... De ter beijado Peter?
– Tudo de mentira. E acredite... nós nunca rimos de você. Ele te ama de verdade. Não pense
negativamente, leve em consideração todo o trabalho que citou. Todas às vezes que ele me liga é
para perguntar de você... O beijo foi para te fazer acreditar e tomar uma atitude, mas você não
reagia nunca.
– E agora a culpa é minha?!
– Não, Nick...
– O que está acontecendo aqui? – a voz de Mason chegou até elas. – Eu as escutei da escada.
Querem levar uma bronca do nosso pai caso ele as veja brigando?
– Não! – responderam quase que simultaneamente. Como Nicole apenas a encarasse ofegante,
Faith falou: – Já terminamos.
– Uma ova que terminamos – a irmã murmurou.
– Certo, então não terminamos – Faith falou ao se levantar –, mas conversamos quando
amanhecer. Estou com sono e cansada desse assunto.
– Que assunto? – irmão perguntou dando um passo à frente. – Vão me dizer ou não?
– Não! – negaram em uníssono.
– Tudo bem... – Mason recuou rumo à porta. – Então deixem mesmo para conversar depois.
Boa noite!
Seguindo o conselho do irmão, Nicole voltou para a cama, deitou e se cobriu. Faith
considerou resolver a questão definitivamente, mas achou por bem deixar as coisas como
estavam. Nicole precisava se acalmar e travesseiros costumavam serem bons conselheiros.
Sendo positiva, consideraria ter atingido sua intenção em consolar a irmã. Nicole não mais
chorava.
Capítulo Sete

Jonathan entrou em seu quarto agradecendo aos céus por não ter encontrado o padrinho
acordado. Sair uma semana após ter voltado sujo e ensanguentado requereu alguma persuasão
mesmo que sua consideração por Carlo estivasse abalada. Não mentira ao dizer a Faith que
independentemente de como se dirigia a ele, sentia que lhe devia certa obediência. Não lhe
pediu permissão, afinal, há muito sua guarda era apenas simbólica, mas considerou ser seu
dever comunicar e partir sem discussões.
O tio deixou evidente seu desagrado, e seu alarme, em saber que voltaria a Wells. Tentou, mas
não pôde demover o sobrinho da decisão, então o fez prometer que não iria ao antro da semana
anterior; que não beberia nem entraria em novas brigas. Prometer não pesou sua consciência e
menos ainda o impediu de dirigir diretamente para a The Isle.
Aquela noite não importava sua posição. Era um homem fraco com uma evidente queda para a
perversão. Evitou a moça bravamente por toda a semana somente para passar toda quinta-feira
ansiando se vestir de cidadão comum e correr atrás de cenas reais que substituíssem as imagens
que o torturaram por horas a fio.
Na casa noturna, refugiou-se no canto mais escuro e distante do palco. Pediu rum e, enquanto
se deixava envolver pelo ardor em sua garganta e corpo, esperou expectante pela versão loira
de Faith, pedindo para que se confirmasse algum engano de sua parte. Para sua agonia, não
havia erro algum. Mais uma vez, Jonathan viu aquela que lhe roubava a razão se despir quase
completamente diante da mesma plateia animada.
À exceção do inseparável Tyler Mills, ele sentia por todos os outros o mesmo pesar que tinha
por si. Todos desgraçados excitados. Levados ao limite pela dança lasciva de uma mentirosa
compulsiva.
Ao final da apresentação, não permaneceu na casa noturna. Aproveitou a comoção masculina
e deixou o local, evitando olhar o deposito das notas no cordão da calcinha. Ganhou a rua
necessitado de ar. Saiu desnorteado e, em sua confusão mental, seguiu na direção oposta à que
tinha deixado seu jipe. Percebeu apenas alguns metros adiante.
Fazia o caminho de volta quando Tyler deixou o galpão, obrigando-o a parar abruptamente.
Sem que pudesse evitar foi tomado pela velha fúria e cegamente o seguiu.
– Fui um estúpido! – ciciou ao jogar as chaves do carro juntamente com sua carteira sobre a
cômoda.
Com o peito sendo atacado por finas pontadas, Jonathan se atirou sobre a cama e cobriu os
olhos com os braços cruzados. Antes não tivesse ido atrás do rapaz. A lembrança de Faith
exposta a todos seria perturbadora o bastante para ainda se obrigar a assistir a paciência
passiva com que o maldito amante a esperou.
Aquela era a definição certa para o pirralho. Vira os carinhos trocados e novamente ele a
consolá-la. Jonathan considerava-se um desgraçado, pois mesmo com todos os detalhes
sórdidos que comprometiam o caráter da moça, ele a queria. Aquela noite queria-a mais do que
todas as outras!

– Johnny, acorde! – ele ouviu a voz do padrinho alta demais. – Acorde!
Logo ouviu o som de sua janela sendo aberta. Abriu os olhos para ver o motivo da pressa e
da gritaria somente para fechá-los fortemente e gemer com o ardor de suas pupilas.
– Feche, por favor... – Sua boca tinha um gosto ruim e até mesmo seu pedido lhe soou como
um grito. Novamente gemeu ao sentir um latejar em suas têmporas.
– Não vou fechar a janela – Carlo informou sério. – E trate de se levantar? Já passa das sete
horas. Daqui a pouco os homens chegam para a pintura do interior da igreja e você está deitado.
E com a mesma roupa que saiu ontem!
Jonathan não brigou. Ao sentar, sentiu-se quase tão debilitado quanto na semana anterior. Com
as pálpebras semicerradas olhou na direção do padrinho que o encarava visivelmente
transtornado.
– Você bebeu. – Não foi uma pergunta. – Eu pedi e ainda assim, você bebeu.
– Mas não bati em ninguém – troçou. Sem querer ser desrespeitoso, na verdade. Falara
apenas como piada particular, visto que vontade não lhe faltou.
– Eu desconheço você! – Carlo se exaltou, suas palavras em italiano repercutiam pelo quarto
mínimo e se convertiam em pontadas agudas na cabeça de Jonathan.
– Poderia falar mais baixo, por favor? – pediu, colocando-se de pé.
– Não, eu não poderia!... O que posso fazer por você é informar que não serei conivente com
esse comportamento. Uma coisa é se sentir atraído por uma mulher, outra bem diferente é sair à
noite como se fosse um homem do populacho para se embriagar em lugares espúrios.
– Não vai ser conivente? – Jonathan sustentou-lhe o olhar mesmo que as vistas lhe doessem. –
E o que pretende fazer uma vez que não sei se pretendo parar?
De súbito a tristeza varreu a raiva incontida nos olhos azuis do padrinho. Quando falou seu
tom foi baixo e sentido.
– Lamento ouvir isso... E também lamento dizer que, por mais que me doa, se insistir em agir
contra sua doutrina e os votos que proclamou, serei obrigado a denunciá-lo.
Inicialmente o jovem padre nada disse. Apenas permaneceu a encarar o padrinho. E à medida
que a voz sussurrada de Grace ganhava vida em sua memória, deixou que um sorriso zombeteiro
surgisse e crescesse. Antes que pudesse se conter, riu abertamente para espanto do padrinho.
Logo Jonathan gargalhava e, sem forças, voltou a se sentar.
– Jonathan?! – bradou Carlo, rubro. – O que há com você?... É culpa daquela menina, não é?
Está fora de si por causa dela!
– Não vou mentir – falou, recuperando-se do riso frouxo. Abrindo os braços como que para
exibir sua lamentável figura, prosseguiu: – Estou como estou por causa daquela diaba que me
atormenta noite e dia. Satisfeito?
– Você nem sabe mais o que diz – o tio retrucou. – Não gosto da Srta. Green, mas verdade
seja dita. Ela está se mantendo longe. Veio aqui apenas duas vezes e eu sei que não
conversaram, pois, queira ou não, eu estou vigilante. E ela não tem perturbado você.
Decidira não se expor, mas fechou ao seu limite. Sem medir a força empregada, com
violência socou a própria têmpora.
– Ela está aqui! – Sem condições de negar nem mesmo para si, socou o peito. – E está aqui!...
Vigie isso, senhor.
– Johnny, não... – Carlo começou pesaroso, contudo Jonathan se pôs de pé, cortando-o.
– Dispenso sua piedade assim como dispenso seus sermões. – Também sem condições de
ocultar sua decepção, acrescentou sugestivamente: – Na verdade, nem está em condições de
fazê-los.
– O que disse? – Carlo se mostrou confuso.
– Isso mesmo que ouviu. Que não está em condições de aplicar sermões. Ou melhor, não tem
embasamento moral para aplicá-los.
– Está louco! – exclamou ao recuar um passo. – O que aquela enviada dos infernos fez com
você?
– Infelizmente, nada do que Grace Campbell faz com o senhor – disparou.
A vermelhidão que o tio trazia na face pelo calor da discussão desapareceu de súbito,
tornando-o lívido às palavras do sobrinho. Após um instante em que o encarou em choque, falou
num murmúrio rouco:
– Não sabe o que está dizendo... A Srta. Campbell e eu não temos nada um com o outro.
– Não têm? – Jonathan escarneceu. – Então se eu denunciá-lo, como explicará a presença dela
em seu quarto?
– Eu deveria ter adivinhado – o tio disse com o que para si mesmo. – Está estranho desde o
dia em que voltou cedo para casa.
– Justamente! Se Faith tivesse me levado a Wells eu nunca descobriria sobre seu nada com
Grace.
– Pois saiba que guardou essa desconfiança à toa – disse Carlo, cansado. – Se tivesse me
cobrado uma explicação, eu a daria.
Jonathan riu em escárnio.
– Agora vai tentar me convencer de que eu não ouvi direito?
– Não sei o que ouviu, mas com certeza viu a Srta. Campbell saindo de meu quarto – Carlo
falou com a cor do rosto recuperada. Jonathan assentiu. – Pois bem... Levá-la até lá foi meu
único erro, mas não aconteceu o que essa sua mente deturpada imagina. Eu apenas comentei que
os pontos expostos da operação estavam prendendo em minha roupa e ela, gentilmente, se
ofereceu para cobri-los.
– Perdoe-me se minha mente deturpada não me deixa acreditar no senhor. Eu não apenas a vi
sair, como escutei o suficiente para saber que aquele encontro fortuito não foi o primeiro.
– Impossível! – exclamou sério.
– Eu acho bem possível – Jonathan retrucou. – Nesses últimos dias descobri que não o
conheço. Não só por seu envolvimento com Grace, mas lhe ouvi a sussurrar ao telefone... Antes
eu não via, mas agora sei que esconde muitos segredos.
– Não vou ficar aqui ouvindo essas bobagens! Provavelmente ainda esteja sob o efeito do
álcool.
– Se estou errado me diga o motivo de serem discretos como Grace comentou? Conte-me com
quem falava ao telefone depois de me fazer acreditar que era engano.
– Eu não tenho de dizer nada, porque não há o que dizer. – Carlo ergueu as mãos em sinal de
derrota. – Acredite no que quiser. E fique tranquilo... Não vou mais ameaçá-lo. É adulto agora,
responsável por seus atos e somente você responderá por eles. Se não perante os homens, será
perante o Senhor... De minha parte, tenho a consciência tranquila. E se quer manter essa vida
dupla na qual se lança, ao menos seja discreto. Tome um banho e melhore essa cara para
receber seus voluntários.
À saída intempestiva de Carlo, Jonathan cerrou os punhos para não aplaudi-lo cinicamente.
Esteve certo ao não desejar confrontá-lo, pois este escorregaria por entre seus dedos como
acabara de fazer. Era um bom ator, pena para ele que não tivesse convencido o afilhado com
suas justificativas inconsistentes. Apenas um detalhe de seu discurso tinha valia. Caso quisesse
ingressar na vida dupla, teria de ser discreto. Tal tutorial vindo de um dissimulador nato não
poderia jamais ser ignorado.

O silêncio à mesa do café da manhã na casa dos Greens não era completo pelo som vindo das
xícaras, copos, pratos e talheres manuseados. Faith, vez ou outra, arriscava olhar na direção da
irmã tentando adivinhar-lhe os pensamentos. Fez o mesmo com Mason que chegou em hora
completamente imprópria; tarde para seus passeios com os amigos e cedo caso estivesse com
Helen.
– Dia estranho – Elliot comentou, quebrando o silêncio.
– Por diz isso, querido? – Constance deu voz à pergunta geral.
– Todos calados... Nick eu imagino que esteja comovida pela proximidade do casamento, mas
Faith e Mason? Nem foram à praia hoje. Qual o milagre?
Ao comentário claramente maldoso, Faith se compadeceu da irmã. Não era à toa que
mendigava afeto e a desprezasse. E mais do que nunca desejou que ela seguisse seu péssimo
exemplo.
– Perdi a hora – Mason explicou. – Mas se o senhor me liberar um pouquinho antes de eu ir
ajudar com a pintura da igreja, ainda tenho tempo. Eu agradeceria muito, pois só tenho essa
semana para aproveitar da companhia de minha irmãzinha linda – brincou, estendendo a mão e
apertando a bochecha de Faith.
A informação afugentou os pensamentos rebeldes da moça que, encobrindo sua ansiedade,
perguntou diretamente ao pai:
– O senhor pretende zarpar na próxima semana?
– Se seu namorado devolver meu barco no sábado como prometeu, sim... Partimos em nove
dias. Na segunda-feira bem cedo como sempre.
A moça evitou olhar para a irmã. Agora Nicole sabia da farsa e, caso quisesse, tinha em suas
mãos uma boa arma para se vingar de todas as mágoas acumuladas durante anos. Porém seu
medo foi infundado. Nicole apenas terminou de tomar seu café e, depois de pedir licença ao pai,
levantou e partiu, despedindo-se de todos de um modo geral.
Aliviada e querendo crer que aquele fosse um bom sinal, fez coro com o irmão. Se eles iriam
partir em breve, ela normalmente também iria querer sua companhia.
– Se é o caso então libere Mason para um passeio rápido.
– Ou uma possível disputa até a piscina... A maré está boa hoje.
O pai olhou de um ao outro, e liberou:
– Está bem! Já somos muitos de toda forma.
– Legal! – Mason exclamou. – Hoje você perde para mim, maninha.
– Veremos! – ela retrucou. Então voltou sua atenção à panqueca preparada pela mãe, com
fome renovada. Não deveria estar feliz com a partida, mas não podia evitar. Finalmente teria um
pouco mais de liberdade.
Com o espírito em festa, Faith terminou seu café em silêncio, domando seu coração saudoso.
Queria poder avisar a Jonathan sobre a iminente partida e queria que ele se alegrasse, como ela.
Contudo ainda considerava melhor se manter distante, pois não sabia o que se passava e não iria
reincidir nos erros. Cedo ou tarde ele saberia e viria até ela, como prometido.
– Bom, com licença – pediu deixando a mesa. – Já que vou ser derrotada é melhor eu me
aprontar.
– Vou esperar lá fora – Mason avisou enquanto a irmã deixava a cozinha.
Faith apenas confirmou com o polegar em riste. Subiu a escada de dois em dois. Em seu
quarto, vestiu short e camiseta rapidamente. Quando prendia seu cabelo em um rabo de cavalo,
teve de expulsar uma leve tristeza ao lamentar que as corridas propostas por Jonathan nunca
tivessem sido iniciadas. Mas teve coisa melhor, conseguiu seus beijos. E certa cumplicidade
mesmo que essa ainda fosse frágil e falha. O interesse existia e mesmo com aquele silêncio, não
tinha sido oficialmente dispensada.
– Então nada de desânimo! – disse ao seu reflexo no espelho antes de se mandar um beijo,
sorrir e sair. Como combinado encontrou Mason já fora da casa, no início da trilha. – Pronto
para perder?
– Não haverá corridas, Fay – o irmão falou sério, abraçando-a pelos ombros quando se
puseram a andar.
– Não? – ela estranhou. O irmão pareceu tão animado à mesa.
– Acabamos de comer, sua maluca – disse Mason, sorrindo.
– É verdade. Então será só um passeio mesmo... – ela murmurou contente. Um dos últimos
antes do irmão voltar ao mar.
– Será... – Mason confirmou novamente sério. – Na verdade, queria falar com você a sós para
te pedir um favor. Já falei com Nick antes do café e ela disse que tudo bem.
– Precisa de um favor de nós duas? – A moça se voltou para olhar o rosto do irmão. – Para
quê?
– É por causa de ontem – ele falou, olhando sempre à frente. – Não esperava encontrar
ninguém acordado quando cheguei. Mamãe e papai pensam que voltei de Wells agora pela
manhã, acham que dormi com Helen.
Faith parou abruptamente e se desvencilhou do abraço.
– Vai me pedir para não contar a ela? – indagou com as sobrancelhas unidas. – Onde estava?
– Como se soubesse a resposta, arregalou os olhos, incrédula. – Estava com outra garota?
– Não! – Mason negou veemente. – Não é nada disso!
– Então o que é? – Faith cruzou os braços, encarando-o duramente. – Precisa ser muito bom.
Amo você, mas Helen é minha melhor amiga e não vou deixar que a engane.
– Não estava enganando – ele falou, passando as mãos pelos cabelos. – É que eu queria
conhecer um lugar e ela sempre se negou a ir comigo, então combinei com Joe e fomos juntos na
noite passada. Essa parte eu contei para Nick, pois ela não se importa mesmo.
De repente, algo estalou na mente de Faith. Poderia ser seu receio soprando pensamentos
pessimistas ao ouvido, mas à menção de conhecer um lugar que Helen se recusasse a ir, deixou-
a em alerta. Com o corpo levemente trêmulo, Faith tentou por fim à dúvida.
– Que lugar era esse? – Sua voz saiu muito baixa.
– Ah, você deve conhecer... – falou Mason, alheio ao seu rosto pálido. – É aquela casa
noturna, a The Isle. Eu nunca tive vontade de ir, mas os rapazes comentaram que agora eles têm
uma atração imperdível... Quis conferir.
Faith esteve paralisada, em choque, até que seu irmão lhe piscasse ao final. Nesse momento,
todo o conteúdo de seu estômago fez o caminho de volta, obrigando-a a se curvar à beirada da
trilha. Sem forças, caiu de joelhos enquanto expulsava todo seu café da manhã. Os engulhos
persistiram até mesmo quando já tinha expelido a bili ácida e não tivesse nada mais a vomitar.
Suando frio, tremendo violentamente, ela percebeu que o irmão estava curvado às suas costas,
com um braço atravessado por seu peito e segurando sua testa com a mão livre. O toque a
exasperou e enojou tal qual acontecia durante os assédios de Tyler. Ainda a engulhar sem nada
expelir, Faith procurou por sua força e o empurrou.
– Tire as mãos de mim! – gritou descontrolada.
A simples ideia de que Mason estivesse na plateia sempre anônima, vendo-a nua, adoecia-a.
Ao tentar se erguer, suas pernas falharam obrigando o irmão alarmado a ampará-la. Debilmente
ela tentou reagir, batendo sem força alguma nas mãos que tentavam segurá-la, estapeando
também o rosto, quando este estava ao seu alcance.
– Já disse para me soltar.
– Pare com isso, Fay! – Mason ordenou, imobilizando-a.
Sentir o irmão completamente abraçado às suas costas a enojou mais. Era um contato
fraterno, mas graças a ela e ao seu imenso poder de estragar as boas relações, estava
corrompido. Com lágrimas quentes a rolar pelo rosto, ela implorou:
– Me solta, Mason... Por favor, me solta...
O irmão hesitou por um instante antes de atendê-la. Imediatamente Faith caiu sentada e, sem
nada explicar, cobriu o rosto para chorar sua vergonha e estupidez. Considerava-se muito
esperta, mas não passava de uma garota arrogante e inconsequente. Como se tivessem acendido
a luz da The Isle, Faith pôde ver boa parte dos homens de Sin Bay entre todos aqueles que ela
nunca enxergara.
Divirta-se agora sua imbecil!
– Fay... – Mason a chamou, agachando-se diante dela, sem tocá-la. – Sabia que você amava
Helen, mas não ao ponto de reagir assim por acreditar que o que fiz foi tão nojento. – Sorrindo
sem humor, comentou: – Quando eu iria imaginar que eu tinha uma irmã moralista!
A moça digeriu as palavras, calando uma gargalhada mordaz pela piada que era seu grau de
moralidade. Sem altivez alguma, agradeceu aquela facilidade em obter respostas daqueles que
deveriam cobrar pelas ações dela.
Mesmo que o irmão tivesse visto seu corpo nu, não a reconheceu e não era sua intenção se
delatar, então deixaria que pensasse o que bem entendesse. De toda forma, não conseguia lhe
dirigir a palavra. Sua garganta estava dolorida e travada. Tudo que bravamente conseguia era
olhá-lo nos olhos e chorar.
– Ajudaria se eu disse que não gostei? – ele confessou, parecendo sincero. – Sou homem é
claro, mas aquele não é meu ideal de afirmação. Preferia mesmo ter ficado com Helen, por isso
não quero me indispor com ela. Ainda mais agora que vamos voltar para o mar.
Ao menos aquilo! Seu irmão não se excitou com suas contorções eróticas, pensou na tentativa
fraca de consolar-se. Então um pensamento lhe ocorreu. Mason e Joe poderiam ter visto Tyler
na plateia. Obrigando-se a colher mais informações, indagou num murmúrio:
– Por que não gostou?
– Sei lá. – Mason deu de ombros e se sentou. – O lugar é escuro e barulhento demais. Como
não consegui que Helen me liberasse na hora em que combinei, tive de remarcar com Joe e com
isso nos atrasamos... Nossa curiosidade era conhecer a atração que te falei. A Virgem que dizem
ter lá... Mas ela já tinha se apresentado.
Faith se sentiu desfalecer quando o alívio arrefeceu boa parte de sua aflição. Não merecia,
mas sem dúvida alguém no céu gostava dela. Deveria tomar aquilo como um aviso divino – o
cruel e mais eficaz de todos – para mudar a forma leviana como levava sua vida.
Extenuada, com o estômago agora vazio a doer fortemente, ela tentou encerrar o assunto.
– Se é como me diz, pode ficar sossegado. Não direi nada a Helen... Mas me promete que
nunca mais volta àquele lugar?
– Nunca mais! – Mason prometeu com a mão erguida, como sempre faziam desde criança. –
Eles que façam bom proveito das virgens e de todas as outras. Eu quero é paz com minha noiva.
Sorrindo mansamente, Faith nada disse, apenas tentou se erguer. Falhou completamente e caiu
sentada no mesmo lugar. Preocupado, Mason se pôs de pé e, sem se importar com os protestos,
puxou-a do chão e a pegou no colo.
– Se me bater de novo, ou espernear, eu te jogo no mato – ameaçou, antes de tomar o caminho
de volta para casa.
Não havia mais motivos. Mason nunca a viu nua, ele não a desejou como mulher, tudo estava
de volta ao seu lugar. Pousando o rosto contra o ombro forte do irmão, Faith considerou que
aquele episódio infeliz teve o poder de esclarecer outro relacionamento. A similaridade
asquerosa dos toques fez com que enxergasse a razão de não suportar que Tyler a acariciasse
com intimamente.
Dizia por dizer, mas era fato que o amigo era equivalente a um irmão.

Naquela sexta, Jonathan foi o voluntário mais aplicado entre todos os outros. Sentindo falta
da ação de suas corridas ou de suas flexões, o jovem padre se lançou ao trabalho braçal com
afinco até a completa exaustão.
Movimentar-se durante todo o dia ajudou não somente a concluir a pintura interna da igreja,
como a ocupar sua cabeça. Como se não bastassem todas as costumeiras perturbações, havia
agora a preocupação com a indisposição de Faith, descrita por Mason, tão logo ele se
apresentou ao trabalho pela manhã.
Sim, estava preocupado, mas ainda não queria ver a moça. Enquanto cobria as paredes
lixadas com tinta branca, tentava dizer para si mesmo que Mason não mentira ao afirmar que ela
estava bem, de certa forma.
Já durante o jantar com o padrinho – ambos imersos em seu próprio silêncio – Jonathan
agradeceu pela noite que veio ligeira e pelo esgotamento físico que lhe acenava com a promessa
de sono ininterrupto, quando então, acordaria para o dia em que teria a possibilidade de ver a
caçula dos Greens sem se comprometer. Finalmente o tão comentado baile chegaria e esperava
que ao pousar os olhos em Faith, conseguisse tomar uma decisão definitiva.
– Como está sua mão? – a voz do tio, na língua natal, sobressaltou-o.
– O que disse?
– Perguntei sobre a sua mão. Já não era hora de retirar esses pontos?
Jonathan olhou para sua palma instintivamente. Nem se lembrava dos benditos pontos dados
pelo pai de Tyler.
– Depois eu dou um jeito de tirá-los – falou sem se importar como faria. – Obrigado por
perguntar.
Sem mais, voltou sua atenção ao prato. Estava apreciando o silêncio anterior, mas parecia
que seu tio não partilhava o mesmo gosto.
– Então a garota está doente? – indagou Carlo. Jonathan não sabia o que esperar, ainda assim
respondeu sem entonação especial.
– Segundo o irmão, está sim.
Fez-se silêncio. Quando Jonathan desconsiderava o comentário vago, o tio voltou a falar:
– Gostaria de visitá-la?
Jonathan engasgou com o bocado que mastigava. Foi preciso tomar um grande gole de água
para limpar a garganta. Quando falou estava completamente rouco e incrédulo.
– Foi isso mesmo que quis perguntar?
– Não me olhe como se eu fosse uma aberração – Carlo pediu com seriedade. – Não
perguntei como padre. Estou fechando meus olhos e falando como seu tio. Por mais que me
custe, eu não posso negar o que sente por ela. Se for o que imagino, sei que deve estar
preocupado.
Por um momento Jonathan considerou que o padrinho falava por experiência própria. Talvez
fosse o caso, afinal, deveria se preocupar se alguma coisa acontecesse a Grace Campbell. Carlo
não confirmou, mas ele sabia que estavam juntos e o oferecimento poderia ser uma tentativa de
trégua. Fosse como fosse, ainda não estava preparado Faith Green.
– Por hoje vamos deixar como está – disse, voltando a encher o garfo com a comida deixada
pela Sra. Williams. O padrinho seguiu-lhe o exemplo sem nada acrescentar. Quando engoliu o
bocado, Jonathan suspirou e, verdadeiramente agradecido, disse: – Obrigado por perguntar!
– Por favor – pediu seu padrinho, taciturno –, não me agradeça por isso.
Como não havia nada mais a ser dito, finalmente comeram em silêncio. Ao final da refeição,
Jonathan anunciou que se recolheria mais cedo. Ainda não tinha escurecido, mas ansiava por sua
cama onde esperava ter um pouco de paz em um sono instantâneo.
Não merecia, mas foi atendido prontamente.
Capítulo Oito

– Quem está aí?! – Faith perguntou à irmã ao se sentar abruptamente.


O susto matinal deixou-a mal durante todo o dia, fazendo com que pedisse dispensa até
mesmo da galeria. Somente a notícia que Nicole trazia teria o poder de reanimá-la.
– O senhor De Ciello veio te ver. Papai permitiu que ele viesse até aqui e me pediu para ver
se estava acordada e vestida decentemente.
– Estou – disse o que sua irmã já tinha visto. Arrumando o cabelo com as mãos trêmulas,
falou: – Deixe que ele suba.
Animada com a visita de Jonathan, descobriu-se para sentar corretamente em seu colchão.
Pensou em alisar a coberta, mas não quis ser pega durante a arrumação atabalhoada. Ele estava
ali para vê-la, não para reparar em uma cama que fora usada o dia inteiro. Logo ouviu os passos
na escada que fizeram seu coração disparar. Acreditava que seria capaz de se jogar ao pescoço
do padre tão logo ele cruzasse sua porta, quando seu visitante pediu do limiar.
– Posso entrar?
Ao reconhecer a voz arrastada, carregada no sotaque, toda alegria de Faith se converteu em
cautela. O que Carlo De Ciello poderia querer ali?
– Tem toda – falou, voltando instintivamente para baixo das cobertas, como se estas lhe
oferecessem alguma proteção contra o homem que lentamente entrava em seu quarto. Ele lhe
sorria, mas ela não se deixou contagiar. Séria, cumprimentou: – Boa noite, senhor!
– Boa noite – ele disse. Indicando a cama de Nicole, perguntou: – Posso?
– Por favor – liberou. O italiano se acomodou e a encarou. Por alguns segundos apenas a
analisou, então disse:
– Vim saber como está.
– Por quê? – ela indagou diretamente. – Sabemos que não gosta de mim.
– Você é direta – observou o senhor com um sorriso leve, sem humor. – E não abaixa a cabeça
diante dos mais velhos... Talvez seja essa empáfia que a torne atraente.
– Ah... Veio mesmo foi me insultar.
– Não é o que faço. Apenas digo o óbvio. E você tem certa razão... Não é minha pessoa
preferida no momento, mas está diretamente ligada a alguém que amo e é por isso que estou aqui
– esclareceu. A ideia era absurda, mas a moça simplesmente não pôde calá-la.
– Jonathan pediu que viesse me ver?
– Por quem me toma, menina?! – Carlo ciciou bruscamente.
– Me desculpe – Faith pediu realmente sentida. A ideia era mesmo absurda. Encarava o rosto
muito sério, quando a verdade lhe ocorreu. – Veio pedir para que eu me afaste? Caso não tenha
percebido, é o que estou fazendo.
Não pela vontade deles dois, mas não precisava explicar.
– Não está fazendo direito – retrucou Carlo, sustentando-lhe o olhar. – E também não sei
como seria certo, tudo o que sei é que você está destruindo meu sobrinho.
– Eu?! – Faith uniu as sobrancelhas. – Como? Não sei o que o senhor acha que acontece, mas
está enganado... Eu não faço nada com seu sobrinho.
– Não tenho dúvidas de que não mantêm relações – replicou seco e direto. – Ainda assim
você o afeta, pois meu sobrinho é uma pessoa... complexa.
– Complexa? – Não era para dizer em voz alta, mas a descrição em uma única palavra fez
com que externasse o espanto.
Não que a considerasse mal empregada, mas pela adequação do resumo. Seu visitante
conhecia bem as complexidades daquele que ela desistira de entender. Jonathan, em sua
duplicidade, sempre seria uma incógnita. Naquele momento desejou ser, no mínimo, bem
considerada por Carlo. Ele com certeza traria luz aos pontos obscuros do comportamento
sempre contraditório do homem que amava.
– Sim, ele é complexo – Carlo prosseguiu. – Jonathan já passou por muitas coisas nessa vida.
– Quando ela ameaçou interromper, ele ergueu a mão para silenciá-la. – Coisas que não lhe
dizem respeito e que não merecem ser lembradas. O problema é que depois de conhecê-la, ele
perdeu a paz que o deixava centrado. Você desperta seu pior lado quando o afasta de seu
caminho. Deixa meu sobrinho descontrolado.
Por mais que sua curiosidade estivesse aflorada, a intensidade com que o velho padre lhe
dizia aquelas coisas fazia com que calasse e duvidasse que quisesse um dia descobrir mais
sobre Jonathan.
– Acredite – ele foi incisivo. – Jonathan não merece o mal que está causa a ele então espero
que pare de cercá-lo. Se possível evite ir às missas e fale com ele somente quando não puder
evitar. Resumindo, quero que o desestimule a querer qualquer aproximação com você caso já
tenha pensado na possibilidade.
– O que me pede é impossível. Essa cidade é pequena, não tenho como evitá-lo.
– Mas vai – Carlo afirmou num sussurro, livre de qualquer autoridade. – Entenda que não vim
ordenar para que faça essas coisas, pois está claro que age de acordo com sua própria vontade.
Vim procurar por compreensão e humildemente pedir que tenha piedade de meu sobrinho. Não
sei o que a move... Se diversão, vaidade ou capricho, não importa... Somente, por favor... Pare.
Antes tais palavras a levariam a fazer exatamente o contrário. Contudo, desde o dia anterior
com Tyler – e mais efetivamente depois da conversa desesperadora com o irmão –, Faith
parecia ver tudo com outros olhos. E essa nova visão mostrava um homem sofrido, não um rival
a ser vencido. Ainda assim não poderia atendê-lo. Carlo disse ter ido atrás de compreensão,
então desejou obter o mesmo. Não queria que ele a visse como uma garota voluntariosa, mesmo
que nada mudasse.
– Ajudaria se eu confessasse que amo seu sobrinho? – murmurou.
– Ajudaria. – Carlo pareceu sincero, contudo, antes que se animasse ele acrescentou: – Mas
seu amor não basta. Se acreditasse que sim por apenas um minuto, eu mesmo seria a favor que
Jonathan se relacionasse com alguém. Eu o aconselharia a deixar o sacerdócio para tomá-la por
esposa e até abençoaria essa união.
– O senhor não tem como saber – falou esperançosa. – Ninguém pode prever o futuro.
– Quisera poder fazê-lo! – exclamou. – Contudo, se me permite uma citação, não tenho
objetivos distantes demais de minhas mãos... Eu tenho certeza do que acontece hoje. E no
momento, meu sobrinho precisa de paz e proteção. Precisa ser quem é, não quem você desperta
nele.
Faith cogitou insistir, mas, de repente se deu conta do absurdo da situação. Ambos
conversavam como se Jonathan fosse um homem incapaz de tomar as próprias decisões. Por
solidariedade à preocupação demonstrada poderia dar sua palavra e se manter longe, mas o que
faria quando ele viesse procurá-la? Iria contra seu coração?
– Escute – começou, sem desejar prolongar um assunto que nem mesmo deveriam estar tendo
em sua casa. – Como já deve ter percebido, nós nem mesmo conversamos. Vou continuar quieta,
por ele. Isso é tudo que posso fazer. – E não era uma promessa, pensou.
– Como também lhe disse, ainda é pouco, mas não vejo mesmo o que mais possa fazer. –
Carlo se pôs de pé. – Então, vou confiar em você. No mais, vamos rezar para que seja o
suficiente.
– Vamos – murmurou, sabendo que tomaria a liberdade de rezar para que não fosse. –
Obrigada pela visita!
– Obrigado por não ter tornado essa conversa difícil como eu imaginei que seria.
– Posso ter vários defeitos, senhor, mas eu sou educada.
– Vou acrescentar isso à lista das coisas boas que consegui ver em você essa noite – disse
sorrindo sinceramente, confundindo-a. – Boa noite, Srta Green. Estimo suas melhoras!
Ela apenas assentiu e o viu sair. Apenas quando se atirou de costas sobre seu travesseiro
percebeu o quanto estava tensa. Se repassasse as palavras ditas naquele quarto, poderia crer ter
conseguido algumas respostas através do velho padre. Seria por temer voltar aos dias difíceis
que Jonathan resistia a ela?
Aquela era um justificativa válida que a enternecia, e não desmotivava. Comoveu-se com o
pedido de Carlo e sabia ser errado desejar um padre, mas nada podia fazer quanto a ambos.
Entre todas as coisas que decidiu consertar em sua vida, havia tantas outras que permaneceriam
defeituosas.
– Já que está em condições de receber visitas – Nicole falou, entrando no quarto e ocupando
o lugar deixado por Carlo. – Acho que podemos conversar agora.
– Podemos – Faith concordou, voltando a sentar. – Mas já vou avisando que não estou com
ânimo para brigas. Se vai me ofender, faça de uma vez e depois me deixe.
– Você merecia que eu fizesse exatamente isso – disse. – O problema é que também estou
cansada de brigas.
– Isso é bom... – murmurou. – Então, o que vai ser?
– Pensei em tudo que conversamos ontem e acho que entendi.
– Sério? Estou perdoada?
– Isso já é outra história – Nicole respondeu com seriedade duvidosa. – Antes terá de se
redimir. Ligue para Peter e diga que quero falar com ele.
– E por que você não faz isso? – Faith alcançou seu celular e começou a discar os números.
– Não sei se tenho coragem – Nicole confessou receosa.
– Deixe de bobagem, Nick! Ele está em outra cidade. Nem pode te ver e... Alô, Peter! –
cumprimentou com um sorriso.
– Que milagre você ligar para mim... – o rapaz exclamou. – O que houve?É alguma coisa
com Nick?
– Por que não pergunta a ela? – Sem esperar pela reação, estendeu o celular para a irmã
pálida à sua frente. Com mãos trêmulas, Nicole pegou o aparelho.
– Oi, Peter – murmurou timidamente.
Nesse momento Faith achou melhor deixá-la à vontade. Ao sair da cama, calçou seus chinelos
e foi para a varanda olhar a noite. Satisfeita, pensou que ao menos o romance de uma Green
estava bem encaminhado. Indo para uma das cadeiras dispostas no extremo oposto à porta que
levava ao seu quarto, sentou-se e esperou pacientemente que a irmã fosse até ela. Sabia que o
casal tinha muito a conversar, então se surpreendeu ao vê-la deixar o quarto poucos minutos
depois.
– Já?!... Pensei que fossem trocar juras de amor a noite inteira – troçou.
– Combinamos de fazer isso amanhã – Nicole informou toda sorridente.
– Amanhã?!... – Faith se pôs de pé. – Amanhã é o dia do baile, esqueceu? Joe vai estar com
você. E papai... Está maluca?
– Só estou fazendo o que sempre me aconselhou – falou segura. – E não estou louca, apenas
conto com sua ajuda. Você me deve essa. E se não bastar, lembre-se que ainda me deve aquela
ida à igreja para pegar a imagem.
Lembrava-se e a irmã nem precisaria usar o favor para ter sua ajuda. Apenas achava
arriscado que se encontrasse com Peter sendo tão inexperiente no que ela mesma era mestre.
Então, recordando tudo pelo que passou naquele dia, considerou que estava novamente sendo
arrogante.
Talvez, pensou ao se sentar, a irmã em seu amadorismo fosse bem-sucedida.
– Está bem... O que devo fazer?
– Bom... – Nicole se sentou ao seu lado e falou cúmplice: – Não se preocupe com nossos
pais... Eles disseram durante o jantar que não vão ao baile. Mason também não, pois Helen tem
um trabalho para apresentar na segunda e ele vai ajudá-la. Temos somente de lidar com Joe.
Pensei em tentar cancelar, mas achei que poderia levantar suspeitas.
Faith olhava para a irmã com admiração. Com orgulho, em silêncio, ouviu o que ela
combinara com Peter. O arranjo do encontro fortuito podia não ser perfeito, mas era ideal em
sua simplicidade.

Ao que tudo indicava nem o cansaço físico poderia manter Jonathan livre da libertina
exibicionista. A prova foi despertar no meio da noite, suado e excitado depois de assisti-la se
despir exclusivamente para ele, obedecendo a uma ordem sua. Era estranho que ele tivesse em
suas mãos um punhal como aqueles trancados em sua caixa. E mais ainda que, a despeito da
expectativa pelo sexo que viria quando ela estivesse nua, fosse compelido a atirá-lo no coração
dela.
Enquanto mirava o breu de seu quarto, Jonathan mal podia crer na decepção ao descobrir se
tratar de um sonho. Não que quisesse ferir a moça – esse detalhe era um capítulo à parte –, mas
a ilusão lhe chamou a atenção por segurar o punhal pela lâmina do que pela vontade de
arremessá-lo. E o exasperou não ter consumado o ato antes que despertasse. E aquela
interrupção, mesmo de um coito irreal, fez com que aceitasse o inegável...
Qualquer tentativa de fuga sempre seria inútil.
Ao se sentar – recusando-se bravamente em atender ao chamado daquela parte desperta pela
dança da moça intangível –, Jonathan respirou fundo na tentativa de se acalmar. E de juntar força
suficiente para o que ainda viesse a descobrir ou ver relativo a ela, pois nada mais o
demoveria. Nem faltas de Faith, seus próprios deveres, sua doutrina, muito menos sua
consciência.
Tomar a decisão, agora imutável, pareceu trazer a tranquilidade desejada por fim. Voltando a
se deitar, Jonathan fechou os olhos e saboreou o resquício de excitação até que adormecesse.
Horas depois, desperto e satisfeito após uma série de flexões e de seu banho matinal,
Jonathan entrou na cozinha com disposição renovada. Encontrou seu tio e a Sra. Williams a
conversarem acaloradamente sobre a limpeza da igreja. Pegou o assunto pela metade, mas soube
que a moça que povoou seu sonho fazia parte do tema central.
– Bom dia! – cumprimentou. Ao ter a resposta conjunta, perguntou: – Posso saber o que
discutem?
– Estou dizendo a Sra. Williams que a Srta. Green já cumpriu com a tarefa que você
arrematou no leilão – o tio explicou contrafeito em inglês. Em italiano, indicando a vizinha
discretamente com a cabeça, acrescentou: – Não acho boa ideia ter a menina por perto, pois ela
fez insinuações.
– Senhor De Ciello – Sarah ralhou. – Desculpe lembrá-lo, mas não é educado falar em outra
língua quando todos não entendem... Acaso está falando mal de mim?
Jonathan achou por bem intervir, sorrindo, sem se importar com o acréscimo do tio, falou:
– Não, ele não está falando mal da senhora. Apenas deu sua opinião. Agora me diga a sua...
Qual o problema com a Srta. Green?
– Pelo o que eu me lembro, ela só limpou a casa e no dia do leilão o senhor comprou também
a limpeza da igreja.
– E a senhora faz questão que ela venha participar do mutirão de limpeza? É isso ou sugere
que ela limpe toda aquela sujeira sozinha? – indagou já a se servir de café.
Intimamente pensou mordaz que vê-la limpar a bagunça deixada pela pintura recente seria
uma forma interessante de castigá-la por tudo que o faz passar. Quando estivesse exausta e
redimida, ele a ampararia. Quando a senhora falou, Jonathan agradeceu pela interrupção do
pensamento que ganhava ares licenciosos.
– Não disse ao seu tio que precisava ser hoje, estávamos falando sobre a limpeza e comentei
que ela não cumpriu todo o combinado e ele já ficou todo exaltado... Como quando descobriu
que Faith cortou as rosinhas dele. Acho que depois disso ele ficou cismado com ela,
pobrezinha! – voltando-se para o velho padre, falou: – Ela não fez por mal.
– Tenho certeza de que não – Carlo retrucou –, mas nem sempre fazer as coisas com boas
intenções justifica o mal feito.
– Muito bem! – Jonathan novamente interferiu. – Eu estou lembrado de que a Srta. Green deve
a limpeza da igreja e se estivesse em condições eu pediria que viesse mesmo hoje e já a
liberaria da obrigação. Porém ontem soube que ela não se sentiu bem, então vamos deixá-la
quieta. Quando for preciso, eu cobro o serviço. – Para o tio, perguntou: – Está bem assim?
– Está bem, não é? – resmungou. – Bom, como não posso ajudar no mutirão, vou cuidar de
minhas plantas. Se precisarem de mim é só chamar.
A sua saída a senhora veio se sentar ao lado do padre para cochichar:
– Eu acho mesmo que seu tio não gosta da garota. Será mesmo só por causa das rosas?
– Quem saberia dizer? – Jonathan murmurou, partindo um pedaço de pão que mordeu sem
acrescentar qualquer acompanhamento.
– Uma pena, pois Faith é uma boa menina – disse alheia a expressão de desagrado do padre.
– E parece gostar tanto do senhor...
Carlo não mentira afinal. Negar veementemente traria luz às desconfianças já existentes.
– Eu também gosto dela, como a todos dessa adorável cidade. – Baixando a voz, disse
confidente: – Não conte a ninguém, mas a senhora é minha preferida. Eu não poderia desejar
vizinha mais esmerada e atenciosa.
Jonathan não esperou vê-la corar e sorrir, acanhada. A reação da senhora o divertiu,
dissipando o leve aborrecimento pela maledicência mal disfarçada.
– Cuido dos senhores com prazer – ela disse satisfeita.
– E serei eternamente grato por isso. – Foi sincero. Depois de tomar todo o café, levantou e
anunciou: – Agora me dê licença. Vou ver quem já chegou.
– Mas o senhor nem comeu direito – ela se queixou, apontando o pão inacabado e um bolo
intocado. Nem tinha se dado conta, mas a insinuação velada lhe tirou a fome.
– Comi o suficiente. Até logo...
Por fim, a limpeza da igreja se mostrou ser mais trabalhosa do que a reforma em si. Talvez
pelo acúmulo de tinta e poeira, mais do que pela baixa dos voluntários. O número reduzido de
pessoas se dava pela necessidade de preparação do galpão da cooperativa para o comentado
baile mensal, que por seu piquenique estava atrasado em algumas semanas.
Não fosse a necessidade de ter a igreja pronta para sua missa na manhã seguinte, teria
liberado a todos. Em especial depois de saber por Elliot Green sobre a inesperada visita de seu
tio a Faith. O comentário veio distraí-lo da alegria que sentiu ao saber que o capitão regressaria
ao mar muito em breve.
Com Elliot e Mason longe de casa, talvez pudesse ignorar a presença de Tyler e voltar ao que
era antes, às suas idas à praia. Isso se seu padrinho não se tornasse um problema ainda maior.
Suas ações o confundiam. Na noite anterior lhe perguntou resignadamente se desejava ver a
moça, para, após sua recusa, ir ele mesmo? Com qual propósito?
Enquanto ajudava a passar os baldes de água – alheio quanto aos olhares que vez ou outra
recebia das moças que esfregavam o chão da igreja – decidiu questionar o tio, contudo com o
passar das horas acabou por desistir. Provavelmente não gostasse do que ouviria e a trégua
estabelecida durante o jantar se perderia.
Repassando as possibilidades, Jonathan chegou à conclusão de que Carlo pouco ou nada
poderia fazer para manter Faith afastada. Estava claro que a moça fazia apenas o que queria. E,
mesmo distante, esperando obedientemente a sinalização, ela o queria, pensou orgulhoso antes
de se dedicar à limpeza.
Horas depois, à frente do púlpito, olhava satisfeito o salão, ainda que exausto.
– Senhor – disse Elliot depois de se prostrar ao seu lado –, eu acho que isso é tudo.
– Infelizmente é menos do que eu tinha em mente para nossa igrejinha, mas é o suficiente para
termos uma casa limpa, arejada e sem goteiras sobre nossas cabeças durante as celebrações que
faremos aqui. – Enquanto Jonathan falava verdadeiramente emocionado em ver o resultado do
trabalho ininterrupto e conjunto, todos os voluntários se colocaram diante dele. Fazendo um
gesto expansivo, alteou a voz e acrescentou: – Esta casa sempre foi e agora é ainda mais de
todos vocês. Como não tenho palavras para expressar o quanto sou grato pelo tempo que
dispensaram a ela, deixando seus afazeres para muitas vezes passarem o dia inteiro aqui, só me
resta dizer, muito obrigado!
Houve um burburinho geral no qual o desobrigaram de agradecer e em alguns casos
externaram declarações do quanto aqueles dias foram divertidos. Contente com o entusiasmo
após o trabalho extenuante, Jonathan sinalizou para que se aquietassem.
– Antes de dispensá-los para que tenham o descanso merecido, o que me dizem de fazermos
uma oração em agradecimento e boas-vindas aos muitos dias que nos encontraremos nessa
igreja renovada?
Como era de se esperar, sempre em meio a um falatório ininteligível, todos se espalharam
pelos bancos, recuperados e reluzentes. Quando sua audiência incompleta, suada e satisfeita se
acomodou, Jonathan fez o sinal da cruz, convidando-os a fazer o mesmo.
Ao final das orações, Jonathan agradeceu mais uma vez e liberou a todos. Antes de seguir o
exemplo dos voluntários que saiam tão logo pegavam os respectivos utensílios de limpeza que
trouxeram de suas casas, o líder comunitário veio novamente até ele sendo seguido pelo filho.
– Senhor – começou já ao seu lado –, eu gostaria de lhe pedir uma gentileza.
– Uma gentileza? – Jonathan indagou com o cenho franzido, recusando-se a imaginar que este
tivesse algo a ver com sua filha caçula.
– Sim. – confirmou. – Hoje vou receber meu barco de volta. Talvez Peter até já o tenha
trazido. Vou confirmar ao sair daqui... – esclareceu, então pigarreou e voltou ao assunto
principal. – O caso é que eu gostaria que o senhor o abençoasse antes de nossa partida.
O pedido era novo, mas não causou estranheza ao padre. Aliviado por ser somente aquilo, e
contente por deixar o capitão satisfeito, quando inocentemente também o faria imensamente feliz
com sua partida, sorriu.
– Será um prazer.
– Muito obrigado, senhor. – Elliot lhe sorriu. – Agora vou deixá-lo descansar. Depois
tratamos do horário.
– Poderíamos conversar a respeito essa noite, no baile.
– Nós não vamos – Mason se adiantou ao pai que lhe lançou um olhar enfezado.
– Como meu filho disse, hoje não vamos ao baile.
– Então combinamos amanhã pela manhã... – Ou ele poderia ir à casa do capitão, Jonathan
pensou, sentindo seu coração se enregelar pela oportunidade perdida de ver Faith ainda naquela
noite.
– Faremos isso... Agora vou ver se meu barco já está de volta. Até mais, senhor.
Com a saída de Elliot e Mason, Jonathan permaneceu a olhar a porta aberta e o salão
completamente vazio, cismando consigo mesmo. Nada poderia fazer num baile, mas ao menos
veria Faith. Recriminava-se por não ter colhido informações, não sabia se ela estava
recuperada. Contendo uma imprecação que macularia o bom clima deixado após a oração
conjunta, Jonathan colocou as mãos nos bolsos da calça e, com o coração oprimido, caminhou
até a imagem de São Nicolau.
Colocando-se aos seus pés, ergueu os olhos para analisá-la e viu além dela. Era como se em
cada detalhe sua restauradora tivesse deixado uma impressão pessoal.
Não importava como, de um jeito ou de outro, a moça se fazia presente em sua vida. Fosse ao
olhar o primeiro banco destinado para sua família, mas que parecia ser todo dela, ou nas
palavras das pessoas que o cercavam. Agora na imagem que o encarava bondosamente como se
entendesse e já o perdoasse pelo rumo sem volta que daria para sua vida. Na verdade, que
finalmente seguiria, pois fora convidado a neste se perder desde que pôs os pés em Sin Bay.
– Desde que pousei meus olhos nela e me apaixonei – murmurou para o santo, reconhecendo o
que por semanas tentou negar. – Então, por favor, não me condene por ser incapaz de matar o
que sinto.
Ecos de passos o fizeram calar. Ao olhar para a porta, Jonathan viu Nicole caminhando
apressada em sua direção. Retirando as mãos dos bolsos foi até ela. Encontraram-se no meio da
nave central. A moça parecia agitada, preocupando-o.
– Bom dia, senhor – ela cumprimentou e, sem esperar por sua reposta, perguntou: – Será que
poderíamos conversar?... Sei que deve estar cansado. Vi que a faxina terminou agorinha, mas eu
realmente preciso.
Jonathan fez um gesto expansivo mostrando a si mesmo.
– Não estou preparado para ouvir confissões. Por que não...
– Por favor, senhor... Estou nervosa. Preciso conversar e, fora minha irmã, o senhor é o único
que sabe o que se passa na minha vida. Se não se importar, não precisamos ir ao confessionário.
Podemos nos sentar aqui – disse, indicando o banco mais próximo.
– Tudo bem! – aquiesceu. – Mas espere enquanto fecho as portas. Estou mesmo cansado para
receber mais pessoas.
Enquanto Nicole se acomodava, Jonathan foi a passos largos cerrar as portas da igreja. Logo
estava de volta, sentindo-se sujo e incomodado com a roupa suada, mas decidido a ouvi-la de
boa vontade.
– Então? – perguntou para que ela iniciasse.
– Bom... Em primeiro lugar, quero que saiba que segui seu conselho e falei com meu pai
sobre o que sinto.
– Muito bem! – elogiou admirado. Nunca acreditou que a moça um dia o fizesse.
– Não se anime. Tudo o que consegui foi ter meu casamento adiantado – ela explicou sem
emoção.
– Lamento – disse Jonathan, sinceramente. Aí estava a prova de que Elliot seria capaz de
extremos para fazer o que considerava certo.
– Ah, também não lamente – disse decidida, chamando a atenção pelo tom despreocupado. –
Resolvi seguir seu outro conselho e fazer como minha irmã que procura viver a sua maneira,
sem enfrentá-lo.
Jonathan recordava-se de ter dito algo naquele sentido, mas na ocasião não tinha a
confirmação de que Faith possuía algum comportamento que pudesse ser seguido.
– O que quer dizer?
– Vou tomar as rédeas da minha vida.
– E como pretende fazer isso? – preocupou-se.
– Nada que não devesse ter feito antes – falou ao levantar. – Viu como foi rápido? Eu só
queria mesmo dizer que estou fazendo como me aconselhou... E por enquanto é só o que posso
contar, mas depois que tudo estiver acertado volto e lhe digo.
– Estarei aqui para o que precisar – assegurou também se pondo de pé. Antes que ela se
despedisse, tentou se redimir da falha anterior. – Poderia dizer como está sua irmã?
– Seu tio esteve ontem lá em casa – comentou com as sobrancelhas unidas –, ele não contou?
– Hoje o dia foi tão corrido que mal conversamos. Eu me informo com ele depois, obrigado.
– retrucou, encobrindo a contrariedade.
– Não precisa. Fay está bem... Ontem passou o dia de cama, mas hoje está melhor. Se o
senhor for ao baile, verá que ela está bem disposta. Agora preciso ir... Pedi cinco minutos a
Grace. Sua bênção, senhor De Ciello.
O padre abençoou a moça em estado de graça. Novamente sozinho correu os olhos para a
única imagem restaurada e, mesmo sabendo não ser certo acreditar em uma interseção em
assuntos mundanos, agradeceu-lhe silenciosamente.
Capítulo Nove

Conferindo o salão, Faith se perguntou se tinha sido ela ou se o baile estava mudado. Mesmo
incomodada com a tranquilidade imutável de Sin Bay, sempre considerou as reuniões mensais,
animadas. Aquela noite, porém, nada parecia agradá-la. A iluminação parecia diferente, a
sequência de músicas escolhidas pelo filho dos Owen, agitada demais. Com um suspiro
profundo, alisou sua saia, reconhecendo aborrecida que a mudança se deu nela própria.
Antes, nada daquilo importava, pois deixava sua casa decidida a se divertir, fosse por dançar
com suas amigas, esnobar os rapazes ou zombar intimamente dos modos simplórios de quase
todos daquele lugar. Atitudes presunçosas de uma garota pedante que, ao que parecia, não mais
existia. Aquela que ali estava era outra Faith. Uma garota apaixonada que, quando muito, era
desejada, não correspondida por quem amava.
Alguém que pelo visto nem iria ao baile, pensou ao perscrutar se entorno mais uma vez. Viu a
irmã dançando com Joe, ineditamente animada. Outros conhecidos também se moviam no meio
do salão. Antes estaria com eles, agora, não tinha ânimo.
– Posso saber por que não está dançando? – Karen perguntou às suas costas, assustando-a.
Valendo-se da desculpa já usada, respondeu:
– Não estou me sentindo muito bem... Ontem fiquei mal do estômago.
– Que pena! Todos estão comentando sua apatia, afinal, sempre foi uma das mais animadas.
– Bom... – Esboçou um sorriso. – Ao menos eu estou aqui. Quem sabe mais tarde eu me
anime.
– Tomara! – Karen exclamou. – Vou dançar... Quando quiser, vá se juntar a nós.
Antes que respondesse, Faith finalmente o viu. Jonathan, assim como o padrinho, estava ao
lado de Netty e Harry Owen. Vestia a mesma roupa preta com o famigerado colarinho branco, o
cabelo estava úmido e penteado para trás. Absolutamente lindo como se lembrava dele. Ela não
reparou quando chegou, mas, pela animação da conversa, parecia que estavam nela há algum
tempo. Jonathan a teria visto?
Provavelmente, sim, mas não demonstraria imbuído em ser discreto como estava. Ela não
compartilhava de tanta rigidez de postura, afinal, para todos os efeitos, uma amizade fora
estabelecida e nada mais natural do que fosse cumprimentá-lo. Sua vontade era ir até ele, mas
não sabia como sua aproximação seria recebida.
Na dúvida, Faith resolveu permanecer quieta e lhe acenar quando olhasse em sua direção,
mas o olhar que cruzou com o seu foi o de Carlo, fazendo com ela procurasse outro foco
rapidamente. Droga!
Os minutos corriam e Jonathan nunca a olhava. Apenas o padrinho que parecia lhe vigiar
todos os gestos. Não confiava nela afinal. Se antes considerava o baile aborrecido, com a
presença de Carlo estava ainda pior.
– E então? – ouviu novamente a voz de Karen ao seu lado. – Nada de ânimo ainda?
Faith olhou para o rosto afogueado e suado da amiga que sorria esperançosa. Semanas atrás
também esteve esbaforida e satisfeita daquela maneira. De súbito, não pareceu certo
desperdiçar sua noite com lamúrias. Especialmente quando Jonathan nem ao menos se dignava a
olhar em sua direção depois de dias e dias de afastamento. Rebelando-se, Faith estendeu a mão.
– O ânimo acabou de chegar.
Expandindo o sorriso, Karen segurou a mão oferecida e levou Faith para o grupo de amigos
que dançavam animados. Maggie foi a única a torcer o nariz, mas a opinião da garota não
contava.
Todo o rancor da moça era dirigido exclusivamente ao padre bipolar que, mesmo não tendo
dito com todas as letras, parecia ter desistido dela, mais uma vez. Sufocando o nó em sua
garganta, Faith se misturou à algazarra, determinada a aproveitar a noite ao máximo.
Minutos depois Nicole chegou ao seu lado, com o rosto tão corado quanto o de todos os
outros.
– Está chegando a hora – disse diretamente em seu ouvido, se deixar de dançar.
– Tem certeza de que vai fazer isso? – Faith perguntou também em seu ouvido.
O plano era sair tão logo Peter fizesse seu celular vibrar. Sua parte seria distrair o noivo para
que não a seguisse. Nada daquilo tinha a cara da irmã.
– Nunca tive tanta – Nicole afirmou em tom normal, dançando à sua frente. Era bom ver
alguém decidida e feliz naquela noite.
– Onde está Joe? – Faith perguntou, sorrindo, contagiada com a alegria da irmã.
– Foi cumprimentar o Sr. De Ciello.
Impossível não olhar na direção dos citados. Joe agora fazia parte do grupo. Mais uma vez o
olhar de Carlo encontrou o da moça. Desta feita, ele inclinou a cabeça levemente, em mudo
cumprimento, antes de voltar sua atenção à conversa. Contrafeita, Faith lhe deu as costas e
passou a dançar com a irmã. A noite era de Nicole e se recusaria a ficar triste diante dela.
Com a aproximação de Joseph Wilson, Jonathan se manteve rígido, esperando pelo momento
que sua noiva ou sua futura cunhada viessem lhe fazer companhia, contudo não aconteceu. As
duas moças continuavam misturadas ao grupo de jovens que dançavam animadamente no meio
do galpão.
Faith, linda em sua simplicidade, agitava o rabo de cavalo de um lado ao outro. Vestia
camiseta preta e saia creme, de pregas, curta demais, mas ainda decente se comparada a outro
figurino que costumava usar. Aborrecido com a lembrança, Jonathan reconheceu que preferia os
momentos em que ela apenas observava o movimento. Quando lhe dera a falsa impressão de que
era uma garota decente.
Seus olhares não se cruzaram, mas a observava desde sua chegada. Não fora falar com ela
atendendo a um pedido do padrinho. E a uma voz interna que fazia coro e ordenava que fosse
discreto. Não precisava de mais comentários como o de Sarah Williams.
Uma vez assumida sua paixão tinha medo de se expor mesmo com gestos ou palavras que
pudessem ser ouvidas por quem estivesse próximo. Aquela noite bastava vê-la. Porém era
incômodo assisti-la dançar, mesmo vestida.
– Senhor, ouviu o que eu disse? – A voz de Joseph o resgatou da observação hipnótica.
Rogava para que esta tivesse passado despercebida.
– Perdoe-me. O que disse? – falou, estranhando que estivessem somente eles e seu tio. Não
tinha visto o afastamento do casal Owen que os monopolizava desde sua chegada.
– Eu disse que me lembrei de onde acho que o conheço – repetiu.
– Eu digo que é um absurdo – Carlo interferiu, contrariado. – Já disse que é impossível que
ele o conheça.
– É verdade. – Jonathan se lembrava da insistência em dizer que o conhecia. Voltando-se
para o padrinho, explicou: – Joseph cismou que me conhece. Tem comentado essa impressão
desde nosso encontro na casa do capitão Green.
– Bom... Agora eu sei que foi apenas impressão mesmo. Como eu disse, agora sei onde achei
que o tinha visto.
– E onde foi? – indagou Jonathan, curioso.
– Num retrato falado – disse, antes de rir de suas próprias palavras. – É realmente um
absurdo, senhor.
Jonathan não considerou engraçado. Assim como seu tio que pareceu engasgar ao seu lado.
– Retrato falado? – inquiriu, com o cenho franzido. – E o que eu supostamente fiz?
– Não dê asas a esse disparate, Jonathan! – Carlo ralhou com seriedade.
– Bem – Joe falou, recuperado do riso –, meu pai é aficionado por todos os assuntos que
saem nas páginas policiais e, como não poderia deixar de ser, tem uma pasta com retratos
falados, panfletos com foragidos, essas coisas... E entre eles tem um desenho de um cara muito
parecido com o senhor. Estávamos vendo as coisas dele esses dias e me deparei com o bendito
desenho e vi que era mesmo impressão. Em primeiro lugar porque o senhor não é um bandido e
tem todos os mínimos detalhes que os diferem como o nariz e os olhos. Talvez se o senhor
deixasse crescer o cabelo até os ombros ficassem mais parecidos. Nada mais que isso...
– Comentou essa impressão com seu pai? – Carlo perguntou antes que Jonathan esboçasse
qualquer reação.
– Que em Sin Bay tem um padre parecido com um procurado? – indagou Joe, descrente. –
Não mesmo! Do jeito que ele é paranoico seria capaz de vir aqui perturbar o Sr. De Ciello.
– Ao final da perturbação daríamos muitas risadas – Jonathan falou, taciturno, destoando do
clima jocoso que tentou imprimir. – Mas você ainda não disse o que esse procurado fez.
– Nem me lembro... – Joseph deu de ombros. – Apenas fiz as contas e hoje ele teria uns trinta
anos, mas quem se importa? Só vim dizer que nunca mais vou aborrecer o senhor com esse
assunto. Agora, se me dão licença, vou voltar para minha noiva. Até logo...
Jonathan não identificou o motivo, mas não gostou do que ouviu. Esperava que a impressão
fosse sem embasamento, não firmada em uma pessoa real, quanto mais em um bandido.
– Johnny – Carlo o chamou –, você se importaria se eu fosse embora?
– Tão cedo?! – estranhou, porém se lembrou da aversão ao acúmulo de pessoas em um
mesmo lugar. – Não me importo. Quer que o leve?
– Não precisa. Vou caminhando e respirando um pouco do ar da noite. – Ao ver o sobrinho
assentir, acrescentou: – Lembre-se do que pedi. Não se exponha em público por uma confusão
momentânea.
– Essa nunca foi minha intenção – retrucou, calando o desejo de mandar recomendações a
Grace Campbell. Não era certo ser leviano e provocar com suposições.
Com a saída do tio, Jonathan pensou que fosse ficar sozinho – livre para pensar sobre as
palavras de Joseph ou finalmente ter a chance de falar com Faith –, porém não foi deixado um
minuto sequer. Todos requisitaram sua atenção. Mesmo com a música alta foi obrigado a
conversar em vários grupos, sobre os mais variados assuntos. E em todo esse tempo,
disfarçadamente, acompanhou a moça em todos os seus movimentos.
Faith estava no seu limite no que se referia a Jonathan. Passado o surto birrento, novamente se
encontrava afastada de todos. Nicole fazia seu número apaixonado junto ao noivo, esperando
pelo sinal de Peter. Os amigos que antes dançavam com ela, agora formavam pares ao som de
uma música lenta, fazendo com que ela e todos os outros solteiros desacompanhados saíssem à
caça de bebida ou do ar noturno.
Faith ficara na turma da bebida, mas já tinha terminado sua Coca-Cola e se mantinha à
margem do salão, olhando os casais, lamentando que nunca estivesse entre eles.
– Devo dizer que é estranho ver você sozinha – Tyler falou às suas costas.
– Hoje tiraram o dia para me assustar, é isso? – perguntou, contendo um sorriso. – Por que
vocês não vêm pela frente?
– E perder a oportunidade de te surpreender? – disse ele, antes de beijar-lhe a bochecha
rapidamente. – Nunca!
– Pare com isso, Ty – ela pediu, afastando-o gentilmente, evitando olhar na direção do padre.
– Parei! – Tyler ergueu as mãos. – Não vim te perturbar. Vim somente para que cumprisse sua
promessa.
– Não sei, Tyler... – ela murmurou receosa, mirando a mão que o amigo lhe estendeu. – Não
estou no clima.
– O que tem demais, Fay?... O grandalhão nem está aqui. Eu já verifiquei. – Olhando em
volta, furtivamente, Tyler sugeriu: – Ou tem outra pessoa aqui que não queira chatear?
– Deixe de bobagens, Tyler! – Faith o socou de leve, no ombro.
– Então, vem... Você sempre dançou ao menos uma música comigo e hoje estou aqui
especialmente para isso. Vem... – repetiu o pedido com olhar implorativo. – Por favor... Eu me
arrumei todinho só para você.
Faith o analisou e sorriu ao constatar que o amigo sempre manteria o estilo despojado. Tyler
usava uma calça jeans surrada, camiseta preta e um de seus conhecidos pares de tênis. Era um
rapaz bonito e, naquele instante, de todo o coração, Faith desejou que um dia ele arranjasse
alguém que o fizesse feliz. Alguém que fosse o oposto dela.
Ao pensamento, Faith correu o olhar ao longo do galpão até que encontrasse Jonathan, ainda
parado a alguns metros, compenetrado em uma nova conversa com os Owens; sem nunca olhá-
la. Com um suspiro resignado, questionou-se o que fazia afinal.
Qual o propósito de ficar parada, apática, quando tal atitude não mudaria em nada sua
situação? Jonathan pediu discrição, mas um mísero aceno não os comprometeria.
– Escute – Tyler pediu, indicando o ambiente quando uma balada country substituiu a música
lenta. – Estão tocando a nossa canção.
– Não temos uma canção, Ty – ela retrucou um tanto divertida.
Sem pensar duas vezes, segurou a mão que o rapaz ofereceu depois de um trejeito teatral e
engraçado. Com um sorriso morno, porém sincero, Faith se deixou ser conduzida para o meio do
salão. Quando se juntaram aos demais casais, Tyler conduziu a dança, girando-a levemente
algumas vezes, fazendo com que ela risse divertida de seus floreios.
Aquele era o clima! Nunca fora derrotista ou dada a lamentos, então não era tempo de se
entregar.
Quando estava completamente distraída com a dança, sentindo-se leve há dias não acontecia,
Tyler a atraiu para perto depois de um rodopio. Faith estava de tal forma descontraída que se
deixou ser envolvida pela cintura, sempre conduzida ao ritmo da música, abraçada. Contagiada
pela leveza do momento, passou os braços pelo pescoço do rapaz e o acompanhou; agora
agradecida ao amigo por não permitir que ficasse sozinha.
– Vai me dizer o que há? – Tyler perguntou junto ao seu ouvido. – Tem a ver com seu sumiço
ontem? Quando demorou a aparecer fui buscar informações da galeria e me disseram que passou
mal. É verdade?
– É, sim... – Ineditamente se recriminou por não tê-lo avisado. – Poderia ter me ligado.
– Eu?! Ligar para você?... – Tyler a afastou o suficiente para olhá-la. – Tem certeza de que
está bem para estar aqui?
Faith nem poderia retrucar. Seu comentário fora infundado uma vez que o proibira
terminantemente de importuná-la com ligações de qualquer espécie.
– Esqueça o que eu disse – pediu, voltando a abraçá-lo. Ele era o único com quem poderia
conversar uma vez que o irmão lhe pedira segredo. – Estou bem, Ty... Não tive nada grave.
Apenas um mal-estar depois de descobrir que Mason e Joe estiveram na The Isle nessa quinta-
feira.
– Bom... – ele começou sem se abalar. – Se eu disser que te avisei você ficaria brava?
– Nunca me alertou sobre isso – retrucou.
– Fala sério, Fay! Essa possibilidade sempre existiu. Eu não precisava ficar enumerando
todas as falhas dessa sua brincadeira idiota. – Como ela nada dissesse, ele perguntou: – Eles te
viram?... Eu sei que não os vi, mas também não fico procurando por ninguém.
– Felizmente, não. Eles se atrasaram.
– Então esqueça! – ele aconselhou. – Mas espero sinceramente que aquela apresentação tenha
sido a última.
– No que depender de mim, com certeza foi – ela afirmou.
– Então realmente esqueça. – Tornou a pedir, acariciando-lhe o cabelo.
O carinho não a exasperou, pois agora era o toque de um irmão. Apenas lhe preocupou como
pareceria a quem os visse. Como se Jonathan fosse notar! Pensou, exalando um suspiro. Em
todas as voltas que deu, permitiu-se olhar em sua direção. Em nenhuma das vezes lhe flagrou o
olhar. Estava sendo uma estúpida em esperar, aquela era a verdade.
– E agora... – Tyler perguntou sério. – Por que tantos suspiros, Fay?
– É complicado explicar.
– Tente... Não vai dizer que está triste porque vai deixar de ir àquele lugar!
– Não é nada disso. É que... ultimamente eu sinto uma saudade estranha – disse com os olhos
pousados em Jonathan até que ele novamente sumisse de seu campo de visão. – É uma saudade
de alguém que está perto. Que posso ver... Por vezes conversar... Mas que dói como se essa
pessoa estivesse longe, entende?
– Eu sinto essa saudade todos os dias, Fay – Tyler assegurou seriamente. – Sinto agorinha
mesmo.
Sim, ele sentia, reconheceu Faith, culpada.
– Ty, me desculpe, eu... – agitou-se em seus braços para se afastar.
– Fique quietinha, Faith – ele pediu, segurando-a firmemente. – Vai me deixar sozinho, no
meio do salão, logo agora que posso matar um pouquinho dessa maldita saudade que também
sente?
– Não. – Ela voltou a abraçá-lo. – É que não é justo com você.
– Você é injusta comigo há anos... Não tem porque mudar agora. – Apesar do gracejo, cada
palavra continha a verdade perturbadora. E o rapaz tinha razão, era tarde para mudar. Como não
havia mais nada a dizer, calou suas desculpas e se deixou ser conduzida em mais uma música.
– Ainda está caidinha pelo padre, não é? – ele perguntou depois de alguns minutos.
– Estou. – Não havia motivos para mentir.
– Eu disse, não foi?... Disse para sair fora. Sabe que isso não tem como acabar bem. – Ao seu
silêncio o rapaz perguntou: – Tem certeza de que ama o padre esquisito?
– Você sabe a resposta – disse Faith, entristecida, tendo Jonathan novamente em seu campo de
visão.
– É... A porra é que sei – ele resmungou enraivecido. Nesse momento Faith percebeu sua irmã
acenando discretamente à margem dos casais que dançavam no centro do salão. Era hora!
– Ty... – Faith chamou, afastando-se. – Obrigada pela dança, mas agora preciso ir... Nick está
me chamando.
– Se importa de ir até ela, sozinha? – ele perguntou sem soltar-lhe a mão. – Já tive o quê vim
buscar... Acho que vou embora.
– Não me importo, mas acho que deveria ficar... Dance mais um pouco... Com a Maggie,
talvez... Sabe que ela gosta de você.
– Eu passo... – o rapaz torceu o nariz e lhe piscou. – Vou embora levando uma boa lembrança.
– Está bem... – Ainda agradecida pela atenção e culpada, ela se aproximou para beijar-lhe o
rosto ternamente. – Boa noite, Ty.
– Agora a noite está completa. Boa noite, Fay – ele lhe sorriu enlevado.
Após as despedidas, Faith abriu caminho por entre os casais e foi até sua irmã.
– Nossa! – Nicole exclamou. – Pensei que iria embora com Tyler. Preciso correr, posso
contar com você?
– Eu lhe devo duas, esqueceu? – brincou, piscando-lhe. – Só não esqueça você de voltar...
Esperaram tanto por essa conversa que tenho medo de Peter não te largar.
– Não se preocupe, volto logo.
Faith rogou que fosse daquela forma, pois entreter Joe não era animador. Automaticamente
procurou por Jonathan e pela primeira vez na noite seus olhos se encontraram. Ao exemplo do
tio, cumprimentou-a com um leve inclinar de cabeça. Faith nem se permitiu animar ao gesto
breve e frio. Com um suspiro resignado, obrigou-se a ignorar a fraqueza em suas pernas e
manter o foco em sua missão.
Antes que saísse à procura de Joe, ele a encontrou.
– Pensei que sairia com sua irmã.
– E te deixar sozinho? Nick jamais permitiria. – Decididamente nada animador e como não
possuíam assuntos em comum, convidou: – Quer dançar?
Sem esperar resposta, puxou-o pela mão até o meio do salão. A música romântica ainda
enchia o ambiente então se posicionou e o enlaçou pelo pescoço. Após um instante de hesitação,
Joe a segurou pela cintura e a guiou no ritmo lento da balada.
– Pensei que não gostasse de mim – ele comentou minutos depois, estreitando o abraço.
Na verdade, era-lhe indiferente, porém depois do aperto estranho e do comentário em tom
capcioso, Faith cogitou confirmar a suspeita. Como não poderia, retrucou começando a se
impacientar ao senti-lo iniciar o que parecia ser um carinho em sua nuca.
– Você é como Helen. Fará parte de nossa família. Não tenho porque não gostar de um futuro
irmão.
– Por isso ficou? – perguntou depois de se curvar para que não fosse preciso mais do que um
sussurrar próximo ao seu ouvido. – Para dançar com seu futuro irmão?
Muito bem! Faith pensou, irritada. Sentindo a bili subir-lhe à garganta ante a recordação
asquerosa de que ele poderia tê-la visto nua.
– Estava apenas fazendo um favor à minha irmã – replicou duramente, engolindo em seco ao
interromper a dança. – Nick não quis te deixar sozinho. Interessante é constatar que sabe se
virar muito bem na ausência dela. Acho que devo informá-la para evitar cuidados futuros.
– Faith, não! – ele engasgou. A expressão galante cedeu lugar ao temor. – Eu, não... Se você...
– Tudo bem, irmãozinho. – Faith se desprendeu do abraço. – Vamos considerar que o que
aconteceu aqui foi somente um mal-entendido de ambas as partes. Acho que Nick já deve estar
chegando, apenas a espere para não se desencontrarem... Agora, se me der licença, preciso de
ar puro.
E sua provação não tinha fim! Jonathan pensou enraivecido. Ver Faith nos braços de Tyler,
não mudava sua decisão, mas considerava dispensável presenciar demonstrações públicas de
carinho. Assim como era prescindível notar a rotatividade com ela passava de um para outro.
Nem seria preciso salientar o quanto reprovava o comportamento dela, mesmo que suas ações
lançassem sombra ao tipo estranho que relacionamento que teriam.
– Aceita outro refrigerante, Sr. De Ciello? – alguém perguntou ao seu lado.
– Grazie... – começou e ao se ouvir, corrigiu negando com um aceno de mão. – Obrigado!
Descobriu que o oferecimento viera de Anne Owen. Frequentadora assídua de seu
confessionário, ela recorreu aos seus fracos pecados como forma de manter uma conversa
amigável. Jonathan lhe ouvia vagamente e retrucava quando necessário; desinteressado do
assunto. Preocupava-o mais reparar a postura estranha entre Faith e Joe, pois não conseguia
decifrá-la. Agradeceu a ausência de Peter, contudo no momento preferia que ele estivesse
presente. Um namorado oficial imporia certo respeito.
– O que o senhor acha? – a voz de Anne, um tom mais alto, chamou sua atenção. Olhando o
rosto ansioso sem saber sobre o que deveria dar sua opinião, falou apertando uma das têmporas:
– Acho que devemos conversar sobre isso outra hora. Essa música alta agravou a dor que
senti durante todo o dia.
– Não devia ter vindo – ela disse solidária. – O senhor se esforçou muito hoje. Deve ser
cansaço.
– Todos fizeram o mesmo esforço ou até mais, no entanto, estão aqui... – retrucou, sorrindo-
lhe para que não se alarmasse. A desculpa era uma fuga à sua pergunta, contudo, ao ver Faith
sair apressada depois de deixar Joseph sozinho, complementou-a: – Mas tem razão, é melhor
que eu vá embora.
– Vou chamar meus pais para se despedirem.
– Não é necessário. – Jonathan a segurou pelo braço. Logo a soltou e pediu: – Não os
preocupe por minha causa. Prefiro sair sem alardes e, de toda forma, verei todos amanhã pela
manhã.
– Então está certo! – aquiesceu entristecida. – Uma pena que não esteja bem e tenha de ir
embora. O senhor nem dançou. – Ao se calar, tapou a boca como se tivesse proferido alguma
obscenidade. – Desculpe, esqueci que padres não podem dançar em bailes.
– Não podemos muitas outras coisas – retrucou taciturno ao reconhecer que boa parcela do
ciúme que sentia se dava ao fato de não poder ser um daqueles que dançavam com Faith. Ainda
mais irritado, completou: –, mas não espero que se lembre de tudo. Boa noite, Srta. Owen.
Ouviu a reposta baixa quando já se afastava. Sua saída foi menos custosa do que sua entrada,
pois não se deixou segurar por quem tentou barrar-lhe a passagem, acenando para aqueles que
percebiam sua partida. Por sorte não foram muitos.
Jonathan chegou ao jardim em tempo de ver a moça entrar na casa de Netty. Olhando em seu
entorno, Jonathan percebeu estar praticamente sozinho. Apenas dois ou três casais namoravam,
recostados nos carros distantes, ocupados demais para reparar em alguém que caminhasse pelo
gramado.
Capítulo Dez

Ao entrar na casa, Faith seguiu direto para o banheiro. Após lavar o rosto, ela ficou alguns
minutos a encarar sua imagem no espelho, incrédula. Sua vontade era voltar para o galpão e
dizer umas boas verdades ao noivo metido a conquistador. Joe se revelara um convencido
boçal. Os chifres que estaria levando eram mais do que merecidos.
Inquietante era saber que boa parte de sua raiva era dirigida a quem nem mesmo esteve entre
eles. A cantada barata serviu apenas para inflamar a irritação por ser ignorada. No final tudo
sempre se resumiria a Jonathan! Inferno! O que havia de errado com ela para se apaixonar justo
pela porcaria de um comedor de hóstias?!
– Que se dane a resposta! – exclamou contrafeita, molhando os pulsos.
Estava descontrolada, aquela que era a verdade. Ninguém – nem mesmo Joe – tinha culpa do
que lhe acontecia. Talvez, apaixonar-se por alguém inatingível fosse apenas castigo por todas as
mentiras contadas; por sua vida dupla.
Era aquilo! Não era digna de ter um amor tranquilo ou prontamente correspondido por ser a
maçã mais apodrecida dentre todas as boas. O problema era que nunca soube ser diferente. E
mesmo fora dos padrões, queria seu milagre, pois jamais amaria a mais ninguém.
Com um suspiro exasperado, Faith lavou o rosto mais uma vez. Ficar trancada no banheiro,
ruminando sua comiseração, não resolveria sua vida. Decidida a voltar para o baile, enxugou-se
e conferiu seu cabelo, reacomodou algumas mechas que se desprenderam durante a dança e
reforçou seu rabo de cavalo. Considerando-se arrumada o suficiente para voltar ao salão para
se divertir com seus amigos, saiu do cômodo.
Ao deixar a casa, depois de descer os poucos degraus, Faith mal deu dois passos pelo jardim
e foi contida por seu rabo de cavalo. Teria caído após o vigoroso puxão caso um braço forte não
a prendesse pelo dorso e a sustentasse, de costas. Desnorteada, muda ante a surpresa do ataque
e sentindo a dor latejante em seu couro cabeludo, Faith tentou se desvencilhar do aperto
restritivo.
A luta se tornou impossível quando foi erguida e carregada para a ala escura do jardim como
se nada pesasse.
– Tyler, dessa vez eu mato você! – ela sibilou roucamente. Seria possível que ele nunca
entendesse? – Me solta!
Ainda preso ao prazer sardônico por imaginar o quanto havia doído sua puxada daquele
monte de cabelo indecente e tendo seu ciúme inflamado ao ser confundido com o pirralho, ele
vociferou junto ao seu ouvido:
– Duvido que tenha coragem de matar seu amante.
Jonathan?! Faith sentiu o coração enregelar. Ouvir a voz cantada junto ao seu ouvido, mesmo
dura e rouca, agravou sua surpresa. Imediatamente parou de espernear. Como sempre, seus
membros se tornaram inúteis.
Ao ser solta, suas pernas oscilaram, entorpecidas. Faith sequer teve tempo para qualquer
recuperação, pois foi empurrada de encontro à parede, sem cuidado, e prensada por um corpo
forte. Ainda tentava entender o que acontecia, quando Jonathan falou:
– Não fará diferença, mas respeite ao menos um mandamento.
– Senhor, eu não...
A frase morreu num beijo ávido, que tornou desnecessário entender a ação intempestiva. Com
um gemido profundo, Jonathan moveu a língua exigente, separando os lábios de Faith. Passado o
choque, a saudade substituiu a raiva, tirando Faith da inércia. Logo ela o prendia pelo pescoço
para que não se afastasse e correspondia ao beijo invasivo. Não mais pensava apenas se
deixava levar pelas sensações excitantes que somente Jonathan lhe provocava.
Ao sentir o monte túmido roçar seu ventre, a moça gemeu alto, esquecida de onde estavam.
Sem nem pensar, querendo mais daquela parte enrijecida, precipitou-se para o colo de Jonathan,
obrigando-o a sustentá-la. Como se entendesse sua real intenção ao enlaçá-lo pelo quadril, ele
lhe apertou as nádegas sob a saia e se moveu perceptivelmente, enlouquecendo-a.
Enquanto Faith sentia sua parte mais íntima latejar ansiando ser preenchida, Jonathan
abandonou os lábios dela para beijar a curva delicada do pescoço. Ainda desfalecia com o
contato da barba rala em sua pele, quando Jonathan passeou as mãos por seu dorso e, aflito,
suspendeu sua blusa, descobrindo os seios para apertá-los sobre o sutiã.
A força desmedida machucava, e excitava. Trêmula, Faith sentiu dedos ágeis afastarem a
renda que cobria um dos mamilos rijos, facilitando o acesso à boca sedenta. Simplesmente
queimava nos braços amados e ansiava por mais. Mesmo temendo perder o que tinha, implorou
quando Jonathan passou a provar o outro seio:
– Por favor, senhor... me faça sua.
– Non! – ele exclamou roucamente, erguendo a cabeça.
Jonathan soube que era daquela entrega que precisava para fechar os olhos à promiscuidade
de Faith e se libertar de vez de um senso moral há muito extinto. Todavia, por mais que
desejasse atendê-la, ainda possuía algum juízo. De ações impensadas bastava ter cedido ao
ciúme e a atacado, ameaçando arruinar a discrição que sustentou por toda a noite.
Os fundos da casa dos Owens não era o lugar ideal para fazer o que pretendia. Domando seu
ímpeto apaixonado, Jonathan se desvencilhou de Faith. De volta ao chão, ela precisou se firmar
para não cair tamanho seu tremor.
Faith sabia o que viria e custava a crer que Jonathan fosse capaz de refrear o desejo que
sentia. Não poderia deixar que ele se afastasse, então o abraçou ao que foi prontamente presa
pelos ombros e recostada à parede. Decidida, sem se importar com a ousadia ou onde se
encontrava, estendeu a mão e tentou puxar a camisa preta do cós da calça. Imediatamente
Jonathan soltou um dos ombros para afastar sua mão com um tapa.
Inabalável, Faith voltou a estender a mão, agora à procura do cinto. De pronto sua mão foi
afastada com um tabefe mais forte. Sem se dar por vencida, recorreu às duas mãos para
novamente tentar erguer a camisa, obrigando Jonathan a prendê-la pelos pulsos e mantê-los
acima da cabeça, de encontro à parede.
– Pare de tentar tirar minha roupa – ciciou. – Tu sei pazza?
– Por quê? – indagou arfante, ignorando as palavras que não entendia. O vento frio,
excitando-a ao tocar seu dorso ainda exposto. – Eu preciso do senhor.
– Questo è sbagliato – ele murmurou sem soltá-la. Logo se corrigiu: – Isso é errado.
– Não, não... Não de novo!... – Faith choramingou, apavorada com a partida iminente. – Não é
errado fazer o que temos vontade... Por favor, apenas me beije... Senti tanto sua falta.
– Não sentiu – Jonathan sibilou preso ao seu ciúme. – Não tem como sentir a falta de homem
algum quando têm tantos.
– Não tenho ninguém... Só desejo o senhor... Meu senhor!
– Não me chame assim... – pediu em um fio de voz.
– Chamo porque assim o considero. Porque assim me instruiu... Meu senhor...
Queria crer nas palavras que arrefecia o ressentimento despertado ao vê-la dançar com o
amante renegado e depois com o futuro cunhado, mas não era ingênuo. Ainda a segurá-la,
Jonathan se aproximou e disse junto ao seu rosto:
– Basta!
Ao sentir o hálito morno diretamente em sua boca a moça nem ao menos pensou, apenas
moveu a cabeça para que os lábios se unissem. Não tinha nada a perder então gemeu em
contentamento quando Jonathan não só se deixou beijar, como correspondeu com paixão. Ao ser
solta, Faith o abraçou, tomando o devido cuidado de não tocar em suas roupas para não espantá-
lo. Receberia o que Jonathan lhe desse.
Percebeu que ele estava disposto ceder quando sentiu uma das mãos correr por suas costas
descobertas e a outra deslizar por seu couro cabeludo. Os dedos longos de Jonathan se
entranharam pela amarração do rabo de cavalo. Depois de desfazê-lo, escovaram os fios. A
urgência demonstrada, fez com que ela gemesse e se moldasse mais a ele. Imediatamente
Jonathan quebrou o beijo, contudo manteve o rosto dela cativo entre suas palmas.
– Non so cosa mi fai?... – Jonathan murmurou junto ao rosto dela, como um lamento que Faith
não entendeu. Antes que perguntasse, ele repetiu: – O que faz comigo?
– Não sei o que fiz agora, senhor, se é a isso que se refere – ela murmurou enquanto
procurava por ar e calma para seu corpo fortemente estimulado. – Continuo quieta no meu canto,
como me pediu.
– Não há cantos para você, Faith – Jonathan retrucou ainda com as testas unidas. Ela desejava
poder ver-lhe o rosto, os olhos que com certeza estavam escuros como a noite, contudo podia
apenas imaginar e se alegrar com suas palavras.
– Então não tente me colocar em um... Me dê espaço, senhor... Faça amor comigo. Vamos
ficar juntos como disse que queria.
– Non... – Jonathan sibilou enfaticamente.
Tal pedido o recuperou do torpor mental no qual entrou ao tocá-la, ao desfazer aquele maldito
rabo de cavalo. Pouco importava que ela fosse acostumada a copular em locais inapropriados.
Ele não romperia seus votos como um animal no cio, de pé, nos fundos da casa de uma família
decente.
– Por que me aborda e me beija se no final sempre me afasta? – ela perguntou conformando-
se de que naquela noite ele lhe escaparia por entre os dedos. – Isso não é certo.
– O certo e o errado perdem o sentido quando a vejo – Jonathan murmurou com os lábios
próximos aos dela. A moça acreditou que seria novamente beijada, mas não aconteceu.
– Então o que quer de mim? – Faith perguntou num sussurro, sentindo que desfaleceria com o
desejo não satisfeito, sempre renovado pela proximidade e a brisa em seu dorso despido.
Com a pergunta, Jonathan se lembrou do que o levou a espreitá-la. Sem pressa correu os
olhos já adaptados à escuridão pela boca entreaberta e arfante, pelo pescoço e a camiseta que
erguera ansiosamente. Amparando um seio em sua palma, acariciou-o de leve.
Comprazendo-se com o gemido baixo, Jonathan acreditou estar no caminho certo quanto ao
que faria. Abdicaria de muitos valores para estar com ela então se reservava o direito de ser
atendido em algumas exigências.
– Por ora isso é irrelevante – começou sem rispidez. Acariciando a lateral do seio, com
leveza, divertindo com a agonia que causava. – Procurei-a para falar sobre o que não quero.
Cansei de vê-la com outros homens. Pouco me importa o tipo de relacionamento que mantém
com cada um. Se sente mesmo a minha falta como diz, e quer que eu faça amor com você, e que
fiquemos juntos, livre-se de todos eles.
Naquele momento Faith seria capaz de abandonar até mesmo os homens de sua família caso
Jonathan assim ordenasse, porém perdeu a chance de dizê-lo ao ouvir o som de um aplaudir
pausado e baixo.
– Uma salva de palmas para o casal do ano! – Tyler exclamou, aproximando-se lentamente.
Seu rosto jovem, escurecido pela noite e pela raiva represada.
– Que porcaria está fazendo aqui? – Faith indagou num sussurro alarmado, baixando a
camiseta apressadamente para se colocar entre ele e Jonathan que, depois de sibilar o nome do
rapaz, precipitou-se em sua direção.
– Não há nada aí que eu também não tenha visto ou tocado, querida Fay – disse Tyler,
apontando o dorso já coberto. – E a pergunta certa é, o que um padre faz aqui com você?
Era incalculável a intensidade do ódio que o rapaz despertava em Jonathan. Ouvir-lhe a voz,
confirmando o que Faith negava enquanto invadia sua privacidade fazia com que este chegasse
às raias da fúria extrema, incitando o homem irritadiço à violência.
– É melhor ir embora, rapaz – Jonathan vociferou, empurrando Faith de sua frente para dar um
passo adiante, cerrando os punhos, mal contendo seu antigo desejo.
– Ou o quê? – Tyler desafiou de queixo erguido.
Com os dois a se encararem, empertigados, Faith percebeu o quanto Jonathan era maior. Sem
se deixar intimidar pela força com a qual tinha sido afastada, novamente tentou se colocar entre
eles para afastá-los, evitando assim a luta iminente que os denunciaria.
– Por favor, parem. Aqui não é o lugar.
– E existe esse lugar onde padres possam trepar? – Tyler debochou. – Refresque minha
memória. A santa igreja já permite essa safadeza? É melhor eu me informar com algum bispo
ou...
Jonathan interrompeu a ameaça desferindo um poderoso soco no maxilar do rapaz. Cego, sem
saber como tirou Faith do caminho, ele apenas se deixou envolver pelo prazer de por fim calar
o garoto insolente. Incapaz de frear seu ímpeto Jonathan avançou sobre Tyler mesmo que este
estivesse caído e lhe desferiu um novo golpe.
Recuperada do empurrão que a desequilibrou e a derrubou no solo arenoso, Faith se pôs de
pé somente para se ajoelhar ao lado de Tyler. Ele era abusado e desrespeitoso, mas apanhar
quando estava caído era covardia. Mesmo assustada com a violência demonstrada por um
padre, curvou-se sobre o amigo fiel – quase um irmão – para receber o terceiro soco em seu
lugar. Não aconteceu, pois sua atitude protetora fez Jonathan estacar com o punho erguido.
– Vai defendê-lo? – perguntou incrédulo.
– Se insistir em bater nele, vou – retrucou decidida antes de ser novamente empurrada; por
Tyler daquela vez.
– Não preciso que ninguém me defenda – falou alto demais depois de se colocar de pé e
conferir o sangue que sentia escorrer de sua boca. – Pensando bem, você merece esse padre
esquisito!
A despeito de seu choque por ver a moça tomar partido do rapaz, Jonathan se preparou para
se defender quando Tyler veio em sua direção, porém ele apenas seguiu seu caminho. Não sem
esbarrar fortemente em seu braço.
Era melhor que fosse embora, pois a adrenalina ainda o atiçava. No mesmo instante Jonathan
flagrou o olhar acusador de Faith antes que ela seguisse os passos do amante. Ao vê-la passar
ao lado sem uma única palavra ele a segurou pelo braço.
– E agora vai atrás dele?
– Aqui, com o senhor, é que não posso ficar não é mesmo?
Não, ela não podia, pensou sombriamente. Quando Faith forçou sua liberdade, Jonathan a
soltou. Sem olhá-lo uma segunda vez, ela correu até alcançar o rapaz que mais uma vez a
afastou. Não com firmeza que a fizesse desistir. Restou assisti-los ganhar distância. Sem que
nada pudesse fazer, repentinamente livre da fúria – realizado –, Jonathan analisou sua reação.
Não fosse pela diferença de idade, o reconhecimento de Joseph não pareceria absurdo. Toda
aquela ira e luxúria que o exortavam eram condizentes a um bandido procurado, não a um padre.
Mesmo o mais esquisito!
Faith corria para junto de Tyler sentindo seu coração pequeno, tentando ordenar as cenas
recentes em sua mente alarmada. Jamais imaginou presenciar a fúria vinda daquele cuja função
era pacificar os ânimos exaltados.
O momento era tenso, Tyler o provocou, porém Jonathan simplesmente surtou, esquecendo
quem era ou onde estava. Por esse motivo que também ia até seu amigo. Faith sabia que não
poderia deixá-lo sozinho, mas preocupava-a mais o que aquela agressão poderia acarretar para
Jonathan.
Olhando para o galpão, ela confirmou que não havia ninguém à porta, nas imediações estava
os mesmos casais que namoravam. Mesmo sendo poucos, deveria tomar cuidado com as
testemunhas. Temendo que vissem o rosto machucado de Tyler, Faith correu e o segurou pelo
braço para que não chegasse mais perto.
– Me deixa! – Tyler se livrou bruscamente, sem parar. Sem atendê-lo a moça adiantou o
passo para novamente alcançá-lo.
– Tyler, pare – pediu. – Por favor, não vá por aí. Eles não podem ver como está.
Dito isso o rapaz estancou abruptamente e se voltou para encará-la, sentido.
– É com isso que está preocupada? Que alguém veja o que o padre esquisito é capaz de fazer?
– Não! – ela negou sem muita convicção, comovida ao ver o lábio partido. Com pesar no
olhar e na voz, falou enquanto erguia a mão para tocar-lhe o rosto: – Estou preocupada com
você também.
– Dispenso – Tyler retrucou, alto demais, afastando a mão.
Ao dar as costas a ela, marchou duramente para longe do jardim. Ao ver aqueles que estavam
próximos olharem em sua direção, Faith teve a confirmação de que poderiam ser ouvidos, então
deixou que Tyler se fosse, porém seguindo-o de perto. Melhor que saíssem das imediações da
cooperativa de uma vez.
– Pare de me seguir, Faith! – Tyler vociferou já destravando a porta de seu carro.
– Eu vou com você – ela anunciou ao ocupar o banco do carona.
– A porra que vai! – bradou. – Sai!
– Não! A gente precisa conversar sobre o que viu... – insistiu. Com mais um impropério,
Tyler ligou o carro e partiu, queimando pneu.
– Vai me dizer que não era o que estou pensando? – zombou, sem olhá-la.
– Nem teria como? – disse Faith, preocupada com a velocidade. – Só quero te fazer entender
que não tem por que ficar assim... Você sabe que eu gosto dele.
– O cara é um padre! – gritou. – Por isso é um filho da puta sem vergonha! Se bem que isso
não é novidade para mim... Eu sempre soube que ele não prestava.
– E vai fazer o quê, Ty? – Estava confusa, e os xingamentos a Jonathan incomodavam-na. –
Vai denunciá-lo? Teria coragem de me expor? Aproveite e diga a todos que eu também sou uma
filha da puta sem vergonha que fica pelada toda semana em troca de dinheiro.
– Talvez eu devesse fazer isso mesmo – o rapaz retrucou e freou subitamente, fazendo com ela
se segurasse no painel. – Quem sabe assim o cego do seu pai não te desse um jeito ou talvez
naquele padre dos infernos fosse mandado para o buraco do qual saiu. Se for para você se
ferrar, Faith, que se ferre de vez. De preferência, bem longe daqui. Qualquer coisa seria melhor
do que assistir a vocês dois juntos.
E tudo se resumia ao ciúme! Como Spencer, Tyler não seguia nenhuma religião específica,
então, para ele pouco impressionava que Jonathan fosse padre. Era apenas um homem que tinha
dela o que ele nunca teria.
– Eu não amo você, Ty – disse cansada. – Não da forma que você queria. Acredite. Se eu
pudesse escolher, eu escolheria você.
Nesse momento ele a encarou.
– Claro! Diz isso como se eu fosse acreditar... Não precisa se esforçar tanto – debochou.
– Estou falando sério! Apesar de todas as brigas e das vezes que te machuquei de alguma
forma, você é meu melhor amigo. É bonito. A gente se diverte junto e eu confio cegamente em
você. Como poderia não te escolher?
– Talvez pelo fato de que mal suporta que eu te toque – ele retrucou de modo acusador.
– Não suportava – ela corrigiu. – Quando Mason tentou me abraçar depois que me contou
sobre a ida à boate, eu entendi o que acontece. Desculpe dizer assim, mas, eu senti o mesmo
nojo. – Independentemente de sua vontade, ao ver-lhe o sofrimento pela palavra empregada,
lágrimas lhe vieram aos olhos.
– Você tem nojo de mim? – ele murmurou.
– Não de você, Ty, mas de que me deseje e me toque como mulher – explicou, embargada. –
Eu descobri que você representa o mesmo que Mason... Eu te amo, sim, mas como meu irmão. A
simples ideia de que ele me viu pelada ou me desejou, assim como você, foi demais. Eu também
o afastei. É por isso que entre a gente não vai rolar nada... O que sinto nunca vai mudar. Por
favor, Tyler... Tente entender.
O rapaz a encarou por um minuto. Como se testasse a veracidade do que disse sua amiga
estendeu a mão e tocou a bochecha úmida pelo choro manso. Faith não cogitou se mover.
Apenas deixou que os dedos delicados seguissem o caminho das lágrimas e depois por seus
lábios, rogando aos céus que ele a tivesse entendido e não tentasse beijá-la.
– Eu não tenho irmãs para fazer a mesma comparação – ele falou por fim, sem recolher a mão.
– Talvez eu nunca entenda, mas posso ver que alguma coisa mudou em você. Antes era uma leoa
selvagem... Agora parece uma gata castrada.
– Só uma garota apaixonada, Tyler – murmurou.
– Por um maldito padre – ciciou, encerrando o carinho. – Eu sei.
– Não posso mandar no meu coração. Ninguém pode.
– É verdade... Ninguém pode – repetiu ao segurar o volante. Sem olhá-la, pediu: – Agora sai
do meu carro.
– Não! – Faith negou, alarmada, dando-se conta pela primeira vez que estavam na praça. – A
gente precisa conversar... Não me disse que entendeu nem o que vai fazer...
– Se é isso que espera, não tem mesmo o que fazer aqui. Eu preciso pensar. Minha cabeça
está explodindo.
– E o que vai dizer ao seu pai?
– Faith, sai do carro! E se preocupe com o que eu possa dizer ao seu pai – alertou um tom
mais alto.
Não havia nada mais a ser dito. Mais uma vez estava nas mãos de Tyler, sem que nada
pudesse fazer. Secando o resquício das lágrimas, pediu antes de atendê-lo:
– Só não acabe comigo, Tyler.
Já na calçada, Faith o viu partir em alta velocidade. O som do motor do velho Windstar
tomou o espaço amplo, cortando o silêncio como um lamento enfurecido de seu dono. Não era
para nada daquilo estar acontecendo... A noite que começou estranha, apesar da inesperada
aproximação de Jonathan, terminou ainda pior.
Olhando para a igreja, Faith caminhou até um dos poucos bancos da praça e se sentou. Não
poderia ir até Jonathan quando ele chegasse. Na verdade, nem sabia se queria, mas ao menos
veria que deixou o jardim dos Owens sem maiores problemas.
Mesmo com o clima ameno, Faith abraçou o próprio corpo após um calafrio. Era como se
depois da agressão de Jonathan, as palavras de seu padrinho ganhassem novo sentido. Parecia
possível que o padre tivesse sido uma pessoa violenta e o sacerdócio o mantivesse controlado.
Talvez aquele fosse o recado que Carlo tentou enviar sem comprometer o afilhado.
Com isso, a nova pergunta era: estava preparada para conhecer aquele outro Jonathan? Ele a
ameaçara na lanchonete, demonstrando que em outros tempos costumava aplicar corretivos.
Tinha o chicote que usava sem piedade contra si mesmo... Seria capaz de usá-lo em outra
pessoa?
Pelo o que fizera a Tyler, ela poderia julgar que sim. E agora tinha também a possessividade
que, antes mesmo de nomear o tipo de relacionamento eles teriam, dava a Jonathan o direito de
ditar com quem ela se relacionava. Ou melhor, ditar que não se relacionasse com ninguém.
Enquanto derretia sob as mãos dele era fácil não questionar e atendê-lo de pronto, mas,
recobrada a lucidez, Faith via que não seria tão simples. Não sabia o que Nicole e Peter tinham
decidido e, para todos os efeitos, estavam juntos. E como faria com Tyler? Não estava disposta
a voltar-lhe as costas; ele era seu melhor amigo.
– Inferno de vida complicada! – resmungou. – E inferno de Jonathan que não volta nunca.
O que teria acontecido? O mesmo valia para a irmã. Elas deveriam ter determinado a hora de
se encontrarem. Ou melhor, ela não deveria ter deixado Joe sozinho no baile. Nesse ponto todo
o resto desandou. Se antes não queria, agora não podia voltar para casa. O que diria aos pais
caso estivessem acordados?
Com um suspiro cansado, Faith passou as mãos pelos cabelos. Com todo o alvoroço e tensão
nem se lembrava de que Jonathan os soltara. Massageando o ponto levemente dolorido onde ele
a puxou pelo rabo de cavalo, ela estremeceu.
Friamente pensando, via o quanto fora cega no que se referia a ele. Apesar das reações
assombradas no início de sua provocação ou da vulnerabilidade ante o ataque do tio, quando
Jonathan passou a aceitá-la, ela deveria ter notado que ele exalava força e certa violência. Até
aquela noite, não no sentido negativo.
A intempestividade dele podia ser sentida na forma arrebatada com que a pegava. E como
pegava! Faith pensou, sentindo o rosto afogueado. Ainda assustava, não sabia o que faria a
seguir, apenas desejava que Tyler não arruinasse a chance de ver até onde todo aquele furor
sufocado por uma batina poderia chegar. Isso se Jonathan ainda a quisesse depois de ter ido
contra o que ele tinha acabado de pedir, correndo atrás de Tyler.
– Droga! – exclamou contrariada.
– Fay?! O que faz aqui sozinha sua maluca? – Ela ouviu a voz da irmã que lhe cortou os
pensamentos. Olhando em sua direção, descobriu-a de pé, às suas costas. Joe estava ao volante
de seu carro e, desconfortável em encará-la, mirava um ponto além do para-brisa. – Procuramos
por você em toda parte. Só agora a pouco que fiquei sabendo que estava com Tyler. Por que saiu
com ele sem avisar? E cadê ele afinal?
– Tyler já foi – respondeu agradecida por não ter que inventar uma desculpa. – Fiquei com
preguiça de voltar para o baile então resolvi te esperar aqui.
– Certo, então vamos embora. Joe ainda precisa pegar a estrada para Wells.
Perguntando-se o motivo da demora de Jonathan, Faith lançou um último olhar à igreja antes
de seguir a irmã. Em silêncio, seguiram até sua casa. Bastou que Joe estacionasse para que ela
murmurasse uma despedida e deixasse o casal.
Nada a ajudaria aquela noite, mas esperava que um banho morno a livrasse do suor e da
tensão. Não aconteceu. A água apenas limpou seu corpo, não o relaxou. De volta ao quarto,
descobriu-o vazio e agradeceu. Nicole fatalmente iria colocá-la a par do seu encontro e
sinceramente não estava com ânimo para narrativas suspiradas de romances possíveis.
Capítulo Onze

Enquanto Jonathan arrumava a estola que usaria durante a missa, ainda tentava sufocar o
incômodo de ter sido preterido. Entendia que naquele momento Faith não pudesse ficar, mas não
gostou que ela se fosse. E seria de admirar que voltasse depois de presenciar seu destempero.
Por conta daquele moleque insolente, maltratou-a sem se importar. Pois tudo que queria era por
fim surrar aquele que sempre se interpunha entre eles.
– Você está bem, Johnny? – Carlo perguntou pela terceira vez aquela manhã.
– Já disse que sim – respondeu seco.
– Eu estive pensando – começou receoso –, se não teria ficado impressionado com o que
aquele rapaz falou... Sobre o tal retrato.
– Não tenho motivos – replicou ainda sem expressão. Seu problema era com as faltas reais,
não com crimes desconhecidos, cometidos por um sósia. – Agora, se me der licença, vou para a
porta receber os que chegam.
Sua intenção era receber somente Faith. Ver em seus olhos, mesmo que num breve contato que
não lhe guardava mágoa pelo ocorrido. Essa certeza já seria suficiente para que esperasse
conformado até que tivesse outra chance de lhe falar e pedir desculpas por sua brutalidade.
Contudo ela não apareceu. Apenas seus pais.
– Bom dia, senhor! – Elliot cumprimentou após Constance lhe pedir a bênção.
– Bom dia! – disse, simulando tranquilidade. – E o restante de sua família?
– Mason não está na cidade e deixamos as meninas dormindo. Elas chegaram tarde do baile.
Quão tarde, era a pergunta. Faith ficou quanto tempo com Tyler?
– Por mim estariam aqui – o pai replicou. – Responsabilidades vêm sempre em primeiro
lugar.
– Sr. Green, releve. São apenas jovens – pediu Jonathan, incapaz de seguir o próprio
conselho.
Queria que Faith fosse mais comprometida, mas sabia bem seu pensamento quanto suas idas à
igreja e seus reais motivos. A falta daquela manhã talvez pudesse ser tomada como uma resposta
muda ao que aconteceu na noite anterior. Maldito garoto!
Assim como Faith, boa parte daqueles que estiveram no baile deixaram de comparecer. Com
a assembleia desfalcada, Jonathan realizou sua missa de forma vaga e ensaiada. Algumas vezes
Carlo precisou lhe soprar ao ouvido qual passo seguir e, já ao final da homilia, encontrava-se
impaciente. Ao término do que para ele foi uma tortura de erros e tropeços, Jonathan liberou a
todos e saiu rumo à sacristia. Não receberia o costumeiro aperto de mãos à sua porta.
– Por que eu sinto que devemos conversar? – Carlo perguntou ao segui-lo.
– Por que está se tornando um velho tão bisbilhoteiro quanto a Sra. Williams – retrucou
azedo.
– Acho que não preciso lembrá-lo do respeito que me deve.
– Não precisa. – Jonathan sustentou-lhe o olhar. – O respeito ainda existe, mas vou mostrá-lo
quando o senhor fizer o mesmo, contando-me tudo o que esconde. E cuide de tudo por mim...
Estou saindo.
Caso não corresse seu peito explodiria. Sentia-se preso por obstáculos que pareciam se
adiantar a ele todas às vezes que se movia em direção a Faith. Talvez fosse obra da mesma
providência que enviou Elliot à sua porta, impedindo-o de trair seus votos, contudo, depois de
estar tão perto, quebrá-los era uma questão de oportunidade. Ou antes, uma questão de honra.

Faith esperou com ansiedade pelo retorno de Elliot e Constance. Sabia ser impossível que
alguém no jardim de Harry pudesse associar sua saída a do padre, mas ainda assim se
preocupava. E tinha Tyler que poderia abordar seu pai à saída da missa ou fazer um escândalo
que os denunciasse.
Não aconteceu uma coisa nem outra. A chegada dos pais fora sem novidades, permitindo que
ela respirasse com certo alívio. Conseguiu até mesmo sorrir sinceramente para a irmã que
aguardava por algum entusiasmo desde que narrou seu encontro em detalhes dispensáveis.
Ficou feliz por Nicole, apenas não conseguiu externar por não gostar da ideia de manter a
farsa. A irmã estudava uma forma de ser mais enérgica com o pai para romper o noivado e
assumir seu verdadeiro amor. Contudo, tal atitude épica estava reservada para a volta da
pescaria.
– Quanto tempo pretende ficar fora dessa vez, papai. – Precisava estimar quanto tempo teria
de fingir.
– Acho que três ou quatro semanas.
– Quatro semanas?! – estranhou. Nunca excediam as três.
– Trouxemos um bom suprimento, mas não alcançamos a capacidade de todos os frigoríficos
– ele explicou. – Como agora temos o novo contrato, quero ver se conseguimos mais. Talvez
alguns tubarões.
Se era assim, estava bom para ela! Teriam um mês para dar um rumo em suas vidas. Na tarde
seguinte ela se livraria da casa noturna, se possível teria uma conversa definitiva com Tyler
quando ele a cercasse à saída da galeria. Restando determinar como ficaria sua relação com
Jonathan. Por fim, não teve muito a pensar. Apesar de temer a nova faceta, esta a atraía mais.
– E o senhor partirá mesmo na segunda? – A pergunta fora feita por Nicole.
– Sim. E lembre que ao voltar, vamos nos dedicar ao seu casamento. Eu iria conversar sobre
isso com o Sr. De Ciello, mas ele não foi se despedir de todos como de costume – comentou. –
E quando fui procurá-lo na sacristia, soube que tinha saído.
– Reparou como ele estava estranho, querido? – Constance perguntou entre uma garfada e
outra.
– Era impossível não reparar. Teve momentos em que o tio pareceu dizer a ele o que falar...
Isso que dá misturar as coisas. Ele não deveria ter ido ao baile.
– Pois eu não vejo problema algum – Faith falou sem pensar. – Padre Lewis ia a todos... Por
que o padre Jonathan não deve fazer o mesmo?
– Ele é novo demais – rebateu Elliot. – Pode se sentir tentado com tantas moças.
– E isso seria um escândalo quando tantos outros, muito mais velhos, são pedófilos ou
homossexuais.
– Mas o que é isso?! – Elliot exclamou, largando o garfo sobre o prato, audivelmente. – Que
falta de respeito é essa?
– Não é falta respeito comentar a verdade.
– Certas verdades não precisam ser ditas, muito menos durante a refeição, quando se espera
conversas agradáveis. E não estou entendendo toda essa defesa.
– Não estou defendendo ninguém – falou segura. – Só não acho certo julgar uma pessoa pela
idade. Jonathan, não...
– Jonathan?! – Elliot engasgou. Encarando-a duramente, falou: – Eu sabia que aqueles
encontros na praia não dariam em boa coisa. Com essa suposta amizade você o considera seu
igual... É a isso que me refiro.
– Foi apenas um ato falho – Faith se defendeu. – Afinal, esse é o nome dele... E depois do
piquenique mal nos falamos... Não estou confundindo ou supondo nada.
– E é bom que continue assim. Saiba que se eu perceber que a idade dele está atrapalhando o
serviço que veio prestar aqui, eu faço com que o transfiram.
Ante a ameaça Faith cerrou os lábios. Tinha ido longe demais e se insistisse seu pai
desconfiaria mais do que talvez já estivesse. Decididamente ele tinha de partir. Respirando
fundo, Faith revestiu seu rosto com indiferença e falou:
– Pois saiba que se isso acontecer terá meu apoio. Gosto do Sr. De Ciello, não vejo os
problemas que o senhor aponta, mas se eles acontecerem é melhor mesmo que tome
providências... Sin Bay já tem um caso sórdido na história de sua criação.
– Justamente! – Elliot a olhou enviesado e recuperou o garfo para voltar a comer. Depois de
engolir o tanto que mastigou, sem pressa, acrescentou: – Sinceramente espero que não aconteça.
O padre é novo, ainda fico cismado, mas fora os deslizes de hoje, ele tem feito um bom
trabalho. Fiquei impressionado com o afinco com que dedicou à recuperação da nossa capela.
Faith não se atreveu a retrucar. Como Constance nada disse, assim como Nicole, Elliot
prosseguiu:
– Devo dizer que ficarei feliz com a bênção que dará ao meu pesqueiro antes de zarparmos.
Daquela vez, Faith calou seu espanto. Jonathan estaria no portinho. Assistiriam juntos à
partida daquele que, indiretamente, se interpôs entre eles. Recuperada de seu temor, Faith rogou
que a despedida tivesse seu simbolismo e marcasse o progresso de uma futura união.

Abraçada à sua pasta de desenho, Faith olhou para os dois lados da rua pela terceira vez.
Nada de Tyler. Tentava não tirar conclusões precipitadas ao não encontrá-lo à saída da galeria.
Outros tantos atrasos ocorreram, quando ela, em sua má vontade, não o esperava; sendo seguida
quando já se encontrava na estrada. Logo, porém, a demora começou a preocupá-la, pois não
sabia até onde o afastamento estava relacionado ao ocorrido na noite de sábado.
Precisava que Tyler a esperasse para saber que tudo estava como antes. E se assim fosse,
também levá-la à The Isle e fosse seu apoio enquanto comunicasse a Barry que encerraria as
apresentações.
Enquanto olhava mais uma vez para ambos os lados, Faith percebeu como o rapaz era
importante em sua vida. Talvez por medo de ser denunciada ou somente dependência adquirida
nos muitos anos de presença constante, não sabia. Apenas ansiava fervorosamente que ele
aparecesse.
Após meia hora sem que acontecesse, Faith se conformou. Teria de adiar sua conversa com
Barry Reagin, pensou, seguindo para o ponto de ônibus. Poderia ligar, mas preferia avisá-lo
pessoalmente. Esperava que não tivesse maiores problemas, pois não tinha volta. Jamais
correria o risco de ser descoberta por seu irmão, Joe ou qualquer outro.
Por sorte seu ônibus veio em poucos minutos, livrando-a de seus pensamentos até que se
acomodasse, quando então sua mente vagou para Jonathan. Não o viu no dia anterior nem
naquela manhã. Por ser a última semana em terra, Elliot requisitou sua companhia na
cooperativa.
Na verdade, ela agradecia a ocupação, uma vez que não sabia se deveria procurar por
Jonathan ou não. Agora que conhecia a extensão de sua complexidade não tinha coragem de
provocá-lo como antes. Ainda cismava com sua súbita covardia, quando o celular chamou-lhe a
atenção. Por um instante acreditou ser o Tyler, e não era.
– Oi, Peter... – soou jovial, mesmo baixando o tom para que os poucos conhecidos que
estavam no ônibus não a ouvissem. – Obrigada por ligar depois de ter ficado com outra.
– Liguei justamente por isso – falou após rir. – Nem agradeci pelo o que fez. Acho que se
fossemos esperar a reação só viria no dia de nosso casamento.
– Acho que nem assim, mas agora isso é passado. Nick está decidida. Só está juntando um
pouco mais de coragem para enfrentar nosso pai.
– Estou confiante de que seja assim... Ela me disse que Elliot quer adiantar o casamento.
– Não vai acontecer. Assim que papai voltar de viagem nós daremos um jeito nesse rolo. Ele
agora o tem em alta conta e isso deve mudar alguma coisa.
– Espero que sim. Ele me ligou para agradecer pelo Free Soul I e reclamar por eu não ter
ido pessoalmente levá-lo.
– Papai fez a mesma reclamação para mim, essa manhã. A propósito, o barco ficou perfeito!
Com isso você ganhou o capitão Green de vez.
Faith não poderia afirmar, mas queria que fosse assim. Estava cansada daquela confusão,
quando a sua própria vida já se encontrava bem enrolada. De toda forma, era fato que seu pai
estava satisfeito com o rapaz. Bom partido por bom partido, Elliot mesmo dissera que Peter era
um melhor do que Joe.
Os amigos conversaram por alguns minutos. Ao desligar, animada pela conversa amena, Faith
resolveu tentar contato com Tyler. O amigo não a atendeu. Não era dada a alarmismos, mas não
tinha outra explicação senão estar sendo cortada descaradamente. Talvez ele ainda estivesse
com raiva e esta nunca fora boa conselheira. Mesmo tendo se passado muitas horas, ele ainda
podia delatá-los.
– Tyler não pode fazer isso comigo – murmurou, olhando pela janela sem ver a paisagem que
passava ligeira.
Ao chegar a Sin Bay, imbuída na decisão tomada no ônibus, mesmo sem saber como seria sua
recepção, Faith rumou para a igreja. Caso sua desconfiança tivesse fundamento, o mínimo que
poderia fazer era alertar a outra parte interessada.
Decidida, caminhou pela curta nave central, sentindo as pernas bambas, pedindo aos céus que
não encontrasse com Carlo durante sua conversa com Jonathan. Seu pedido mudo não fora
ouvido. O tio do padre foi o primeiro que encontrou quando estava a apenas alguns passos da
sacristia.
– O que faz aqui?! – o senhor murmurou rispidamente vindo em sua direção, fazendo com ela
fosse obrigada a recuar alguns passos. – Não disse que ficaria longe?
– Eu disse, mas preciso falar com ele... – falou em tom normal. – É urgente.
– Não acredito que tenha nada urgente a tratar com meu sobrinho – ciciou o senhor, sempre
fazendo com que recuasse. – Vá embora antes...
– Se a Srta. Green tem algo a tratar comigo, é melhor deixar que fale – a voz cantada de
Jonathan soou alto à porta da sacristia e ecoou pelo salão, causando um leve tremor em Faith. –
Venha.
Abraçando-se mais à sua pasta, Faith obedeceu, passando ao lado de seu antagonista. Evitou
olhar nos olhos que chispavam enraivecidos. Faith caminhou lentamente, como suas pernas
trêmulas permitiam, sendo seguida de perto por Carlo.
– Oi! – Foi tudo o que conseguiu dizer ao se aproximar.
Estar diante de Jonathan depois do último encontro, despertava nela sensações contraditórias
de temor e fascínio. À luz dos acontecimentos, confirmava que ele jamais voltaria a ser o padre
arisco que saltou a distância quando o tocou com o pé ou o fragilizado que chorou em seu
ombro. E o olhar rígido que dirigia a ela, assim como sua postura empertigada em conjunto com
o famigerado colarinho branco somente endossavam sua grandeza.
– O que tem de urgente a conversar comigo, hoje? – enfatizou, sem se importar com a
presença do tio.
– É... É particular, senhor – ela sussurrou, não para indicar sigilo, sim porque a voz se
recusava a sair.
– Totalmente inadequado – Carlo falou às suas costas. – Que assunto particular vocês podem
ter?
– Saberei quando for colocado a par – Jonathan retrucou, sem desviar o olhar do rosto corado
que tinha diante de si.
Se Carlo não estivesse presente, ele a beijaria para aplacar a falta que sentiu. E também
acalmar o persistente aperto no peito pelo temor de tê-la afugentado. Agradecia que ela o
desobedecesse e viesse procurá-lo depois da forma conturbada como se separaram, sem se
importar quão urgente pudesse ser o assunto. Apenas curioso quanto ao teor particular, moveu
os olhos para o rosto muito vermelho do padrinho e pediu:
– Por favor, deixe-me conversar com ela e, quando sair, feche as portas como pedi.
– Johnny, eu...
– Por favor, senhor! – Foi um pedido, porém tão incisivo que Faith não se surpreendeu que
Carlo não insistisse. Com a mesma intensidade anterior, Jonathan a chamou: – Vamos.
Faith o seguiu com o coração aos saltos, fazendo da pasta seu escudo; certa de que o
desculpara pela agressão a Tyler. Se Jonathan fosse aquele homem que a cada minuto crescia
aos olhos, era certo que jamais toleraria as ameaças de um moleque provocador. Seu amigo teve
o que procurou, simples assim.
Tinha passado por Jonathan e avançado na sala, quando o som da maçaneta sendo fechada
ecoou em todo seu corpo, estremecendo-o. Soube o que viria, ainda assim sobressaltou-se ao
sentir a mão morna escorregar por sua nuca e, de súbito, girá-la. Antes que tomasse fôlego,
Faith teve a boca coberta para receber um beijo faminto. Incapaz de qualquer reação abraçou-se
mais à pasta, apenas permitindo que sua língua fosse capturada e provada, mesmo temendo que
fossem flagrados por Carlo.
Ao ficar a sós com Faith, a saudade especulação a especulação, fazendo com que Jonathan
aproveitasse a presença inesperada para suprir o vazio deixado desde a noite de sábado. Teve
de beijá-la, e o fazia com fome, retendo gemidos em sua garganta. Não a abraçou, agradecendo
a pasta que o mantinha distante, não permitindo que esquecesse onde estavam ou a gravidade em
infringir as leis que jurou zelar.
Quando Faith acreditou que desfaleceria, Jonathan liberou seus lábios. Mas não a soltou.
Manteve as testas unidas enquanto recuperava o fôlego, tão comprometido quanto o dela.
– Sono contento che sei venuto – falou sinceramente.
– Senhor, sabe que eu não entendo – lembrou-o, confusa e amolecida pelo beijo e palavras
cantadas. E pela visão os olhos azuis escurecidos com a excitação quase palpável como nos
momentos de fúria.
– Disse que estou feliz que tenha vindo – repetiu.
– Então estou perdoada por ter ido com Tyler?
A pergunta sussurrada teve o poder de roubar a paz do reencontro. Jonathan a soltou e recuou
um passo. Desejando ter mordido sua língua, Faith o viu colocar as mãos nos bolsos antes de
falar secamente:
– Eu preferia que não tivesse ido, mas não tinha muito que pudesse fazer. Sei a importância
daquele rapaz em sua vida, então não tenho o que perdoar. – As palavras tinham gosto amargo e
o faziam se lembrar da exigência interrompida. – Entendo que talvez não tenha o direito de lhe
pedir, mas preferia que não tornasse a fazê-lo.
Faith não queria contrariá-lo justamente quando se tornava receptivo, porém se viu na
obrigação de refrescar-lhe a memória.
– O senhor o agrediu. Também seria interessante se não tornasse a fazê-lo.
– Não me orgulho do que fiz. – Estava satisfeito, mas verdadeiramente não se orgulhava. – Eu
deveria ter tentado acalmar os ânimos, mas ouvir as coisas que disse ou a ameaça que fez... –
Jonathan não pôde terminar a frase. Encarando-a seriamente, decidiu que era hora de
resolverem aquela questão. – Já que estamos nesse assunto, gostaria de saber se pensou sobre o
que lhe disse, a respeito dos relacionamentos que mantém?
– Não há o que pensar – assegurou. Somente mal-entendidos a serem desfeitos; muito a
explicar quando não dispunha de tempo. Pedindo silenciosamente para que a entendesse, falou:
– Mas podemos conversar sobre isso outra hora? O que eu tenho a dizer é mesmo urgente.
O padre não se agradou da fuga, contudo desde a chegada de Faith que sabia de sua pressa.
Não estava inclinado a liberá-la sem ter sua resposta, porém era preciso reconhecer que ali não
era o melhor lugar para determinadas conversas.
– Podemos – aquiesceu, resignado. – O que tem de tão urgente para me dizer.
A moça não via como dar voltas, então foi direto ao ponto.
– Eu vim te avisar para que fique preparado. Tyler ficou muito alterado com o que viu.
– O que seu namorado secreto pode fazer? – A secura em sua voz demonstrava todo seu
desagrado ao saber que o pirralho insolente era o tema da bendita conversa afinal.
– Pode te denunciar – Faith disse apenas. Não tinha tempo para se repetir.
– Ele não tem provas – Jonathan murmurou, soturno. – Seria a palavra de um namorado
fantasioso contra a nossa.
– Fico tranquila em ver o quanto está seguro. Acho que me apavorei à toa.
– E tenho certeza de que, sim – retrucou, aproximando-se. – Talvez tenha sido por já ser presa
a ele pela história da boate. Se não gostasse tanto do que faz já teria resolvido essa
dependência.
Faith não queria entrar naquele assunto, não com ele. E já avançava muito no seu tempo de
voltar para casa, então recuou um passo em direção à porta.
– Talvez seja isso, senhor... Vou tentar resolver esse problema amanhã ou depois, assim nem
preciso trabalhar na quinta.
A revelação era alvissareira, mas Jonathan não se permitia acreditar. Era testemunha do
prazer que Faith sentia ao se despir diante de todos; diante daquele que ele odiava. Enquanto a
encurralava junto à porta, descobriu ser um erro ter mencionando a maldita boate. Duvidando
que Faith a deixasse tão facilmente, sibilou junto ao rosto corado:
– Tem certeza de que é capaz? Afinal, o bico lhe rende um bom dinheiro. Não é assim?
– Posso passar sem ele, senhor – Faith afirmou sem muita convicção, confusa com a
proximidade e a expressão estranha no rosto anguloso.
Sentindo os lábios ressequidos, ansiosos, lambeu-os para receber o beijo que a boca próxima
à sua prometia. E mesmo que o ciúme o corroesse, Jonathan novamente a beijaria, porém
batidas nervosas, vindas da porta que dava ao corredor da casa anexa, frearam-no. Tiveram
tempo apenas de se afastarem dois passos antes de Carlo entrasse para se juntar a eles.
– Acho que o assunto urgente já se estendeu por demais, não? – falou, olhando diretamente
para a moça.
– Eu já estava de saída, senhor De Ciello – ela anunciou com voz trêmula. Agradecendo a
interrupção antes que fossem flagrados aos beijos onde decididamente não deveriam, disse a
Jonathan: – Boa noite, senhor... Acredito que agora só nos veremos durante a bênção ao barco
de meu pai, não?
– Se insiste em faltar às missas, acredito que sim – falou, desejando que assim fosse. Sentiria
sua falta, mas preferia vê-la dali a oito dias do que flagrá-la sobre o palco. Uma vez que não
acreditava nela, iria conferir a anunciada desistência com seus próprios olhos. – Até a próxima
semana, então.
– Até – ela murmurou.
Sem conseguir sustentar o olhar acusador de Carlo, ela rodou nos calcanhares, girou a
maçaneta e saiu. Jonathan ficou a vê-la se afastar. Faith atravessou a pequena igreja de cabeça
baixa como se cada objeto sacro a apontasse e condenasse. Longe de se sentir arrependida,
apenas disse a si mesma que deveria se habituar às acusações, pois ainda tinha muito a pecar
caso Tyler não estragasse seu progresso.
– Jonathan! – Carlo o chamou no momento exato em que Faith saiu para a rua. Depois de se
voltar para encará-lo, este prosseguiu: – Você testa minha paciência e a inteligência de todos ao
receber essa moça a portas fechadas.
– Estávamos apenas conversando – minimizou, indiferente.
– Não foi o que me pareceu – o tio rebateu com seriedade.
Cansado da hipocrisia vinda daquele que acreditou cegamente durante anos, replicou:
– Flagrar Grace no seu quarto também me pareceu ser algo mais grave... Quer me falar a
respeito?
– Eu já me expliquei quanto a isso. Até quando vai usar de desculpas para rondar essa
garota? Isso tem de parar Jonathan, antes que seja tarde – Carlo não encobria sua preocupação.
– Aquele cunhado dela já cismou com você... Imagina se descobrem o que estão fazendo...
– Como o senhor em relação à Grace, não estou fazendo nada – falou impaciente. – E o que
Joseph poderia fazer caso eu estivesse... Além de me delatar junto à diocese diria a todos que o
pai tem o retrato de um criminoso parecido comigo e que por eu ser esse o tal procurado, vivo a
desencaminhar moças indefesas?
– Não brinque com coisa séria! – Carlo ralhou. – E esqueça o que aquele homem falou.
– Sinceramente estou cansado de esquecer as coisas. – Depois de pegar as chaves para
trancar as portas da igreja, assegurou: – Se acaso descobrir ser esse homem trouxesse minha
memória de volta, acho que preferiria.
– Senhor misericordioso! – Carlo exclamou alarmado. – Realmente não sabe mais o que diz!
– Ou o que faço – acrescentou indo rumo à porta. – Então, não se preocupe tanto quando ainda
não estou fazendo nada que o senhor mesmo não fizesse. Estou indo trancar as portas, vai me
esperar aqui?
– Não... Vou voltar e avisar a Sra. Williams, que insistia em vir em meu lugar, que você logo
irá jantar.
Enfim, mesmo que o recriminasse, Carlo o protegia. Aquela era mais uma prova de que havia
algo de podre a esconder. Não fosse isso, com certeza consideraria um bom castigo assustá-lo
caso sua prestativa vizinha viesse bater à porta. Decididamente, tinha de entendê-lo.
Depois que Elliot Green partisse, facilitando o envolvimento com sua caçula, poderia se
ocupar de remexer nos esqueletos que o valoroso tio escondia no armário.
Capítulo Doze

– Onde você estava? – o pai a abordou tão logo pôs os pés na sala. Estava visivelmente
agitado. – Demorou tanto!
– Eu vim de ônibus – explicou, tentando decifrar o motivo do alvoroço. Como seu pai sabia
das caronas, falou: – Esperei por Tyler, mas ele não apareceu.
– Nem poderia – Elliot exclamou. Temendo que o amigo tivesse estourado a bomba, ouviu-o
completar: – Spencer me disse que ele sofreu um acidente.
– Um acidente?! – O medo da exposição se esvaiu. – Que tipo de acidente?
– Parece que Tyler despencou do telhado.
– Despencou do telhado?! – Provável, ainda assim tão absurdo.
– Faith, pare de repetir tudo o que digo.
– Me desculpe, estou assustada. – Não tinha como esconder o que sentia e o pai que
entendesse como quisesse. – Preciso vê-lo. Posso ir, por favor?
– Iremos todos – Constance falou, contrafeita, deixando a cozinha. – Essa visita vai atrasar o
jantar.
– Mason e Nicole também vão? – Sem dar maior importância às manias da mãe, Faith olhou a
sala vazia inutilmente, não raciocinava.
– Nicole ainda está na lanchonete e Mason foi para Wells – o pai explicou. – Seremos nós
três. Vamos?
– Vamos! – Faith falou, já a deitar a casa.
Por sorte era seu pai quem dirigia, pois suas mãos não pararam de tremer um minuto sequer;
antes somente pela preocupação e à medida que se aproximavam da casa dos Mills, pelo receio
do que a aguardava. Tyler poderia aproveitar a presença de seus pais e despejar toda a sujeira
que por meses encobria. Era um risco, mas precisava corrê-lo. Não conseguiria dormir
enquanto não o visse.
Logo estacionavam diante da casa simples. Todos saltaram e foram recebidos à porta por
Spencer. Faith reparou no quanto ele estava abatido enquanto apertava a mão de seus pais.
– Obrigado por virem! – agradeceu após liberar a mão da moça. – Entrem.
Faith evitou olhar para a maca disposta no canto da sala onde dias antes Jonathan fora
atendido. Esperava que Tyler estivesse descansando no sofá, porém soube por seu pai que os
danos da queda o deixaram de cama. Cada vez mais preocupada, seguiu Spencer pelo corredor
até o quarto do amigo. Ao vê-los, Tyler ameaçou sentar, contudo seu pai o deteve.
– Fique deitado. Não force a costela.
– O que houve com a costela? – Faith indagou, prostrando-se ao lado da cama.
Vendo Tyler com clareza, duvidou ainda mais da versão dada. Como na queda de Jonathan, o
rapaz tinha o queixo marcado – mais do que deveria estar depois dos socos recebidos – e um
dos olhos escurecidos.
– Não tenho como ter certeza – Spencer respondeu –, mas talvez esteja quebrada. Por via das
dúvidas, eu o imobilizei e tenho o mantido em repouso.
– Lógico que tem como saber, Spencer. – Foi Elliot quem falou. – Vamos levá-lo ao hospital.
– Não precisa! – Tyler recusou. – Eu estou bem... Disse isso para o meu pai, mas ele é todo
exagerado.
– Mas afinal, menino – Constance começou –, como foi cair do telhado?
– Ele estava trocando algumas telhas quebradas, quando escorregou – seu pai respondeu
rapidamente por ele. – Agora tudo o que precisa é mesmo de repouso e sossego.
Impossível não entender o recado; Spencer dava a visita por encerrada logo no seu início,
como se desejasse se livrar de todos rapidamente. O clima era estranho, mas Faith não poderia
forçar sua estada. E pela resposta de seu pai, soube que ficar não era sua intenção.
– Também acho melhor assim. Fiz questão de vir vê-lo, pois já estava em falta com você,
Spencer. Deveria ter me avisado quando adoeceu.
– Não gosto de te perturbar, sabe disso... – Spencer falou, levando-os para fora do quarto
mínimo.
– Poderia ficar um minuto, Fay – Tyler pediu. – Queria falar com você.
Não satisfeito com o pedido, Elliot aquiesceu com um aceno de cabeça. Spencer lhes lançou
um olhar incerto, porém nada disse. Quando estavam no corredor, Faith ouviu sua mãe
resmungar algo sobre atrasar mais o jantar. Constance era inacreditável!
Como não queria transformar aquele atraso em calamidade pública, Faith foi se sentar na
cama, ao lado do amigo. Com um suspiro resignado, perguntou diretamente:
– Vai me contar o que aconteceu de verdade?
– Você sabe o que aconteceu. Eu caí do telhado.
– Sem essa Tyler. Alguém bateu em você.
– O único que fez isso foi seu padre esquisito.
– Fale baixo! – Faith demandou num sussurro alarmado, olhando para a porta.
– Não se preocupe. Foi por isso que pedi que ficasse. – Depois de segurar a mão dela,
assegurou: – Pode ficar sossegada. Não vou contar a ninguém o que vi.
– Por quê? – Faith não via como se tranquilizar. – E como explicou seu rosto machucado para
Spencer?
– Não disse nada. Meu pai tem seus próprios problemas. Sempre tem alguém para remendar...
Ele não repara muito em mim. E caí ontem cedo, então ele acha que o machucado foi por isso.
– Por que eu não acredito nessa sua queda? – perguntou séria.
Tyler se calou por um tempo sugestivo, então, indiferente, retrucou:
– Acredite no que quiser, Fay. E respondendo, não vou falar nada porque não sou dedo-duro.
Se for esse o caminho que quer seguir, se perca sozinha. Está por conta própria agora. Já estava
mesmo se tornando desgastante seguir você por todos os lugares... Minha única preocupação é
com aquele monte de velho babão. Já que está disposta a parar, nem volte àquele lugar, Fay.
Simplesmente desapareça.
– Não posso – confirmou embargada. Deveria estar contente por finalmente se ver livre da
perseguição de Tyler, mas, depois de tantos anos, saber que não o teria por perto, trazia um
travo de perda à garganta. Pelo visto demoraria até abandonar de vez seu lado vaidoso e
egoísta. – Mas vou mesmo parar. Eu prometo.
– Legal! – disse Tyler, sem entusiasmo. E, esboçando um sorriso, acrescentou: – Mas não
fique toda animadinha achando que se livrou de mim. Ainda faço questão da vaga para amigo.
Faith sorriu, e chorou ao mesmo tempo.
– Nunca pensei preenchê-la. Se você não a quisesse, ficaria vazia.
– Está bem! – Por fim, ele lhe soltou a mão. – É melhor ir agora... Se continuar falando essas
coisas para mim é bem capaz que eu me arrependa e fique no seu pé. Mesmo que agora seja uma
gata castrada.
– Obrigada, Ty! – Faith secou as lágrimas e sorriu. – Por não me expor nem denunciar o...
– Não fale! – ele a cortou bruscamente. – Não fale o nome nem o comente comigo. E não me
agradeça por ficar de braços cruzados enquanto acaba com sua vida. Agora vá!... Por favor, Fay.
Sentia que deveria consolá-lo ou se desculpar, porém achou melhor não forçá-lo. Fazia uma
boa ideia do quanto lhe custava dizer tais coisas, então apenas levantou.
– Então se cuida, Ty...
– Já estou fazendo isso! – afirmou sugestivamente. – Boa noite, Fay.
Tyler finalmente estava se cuidando, pensou Faith, seguindo pelo corredor. Precavia-se dela e
do rumo que dava à sua vida. Melhor para todos que fosse daquela maneira. Passado o surto
egoísta, Faith respirou o ar da liberdade. Sem seu eterno guarda-costas, com seu pai no mar,
poucos ou ninguém se colocariam em seu caminho.
Durante a volta, Faith se manteve calada aos comentários do pai sobre o quão estranhos eram
os machucados de Tyler. O capitão quis saber por ela se o amigo lhe segredou o que de fato
acontecera, ao que – sem mentir – assegurou que não. Se Elliot acreditou, nada disse. Por sua
vez, Faith ainda cismava com a improvável queda. A seu ver, Tyler tinha sido espancado. Mas
por quem? E por qual motivo?
Caso se permitisse fantasiar, poderia atribuir a ação a Jonathan. Na cidade, ele era o único
com motivos para tanto. Tyler não concluiu a ameaça, mas deixou clara a intenção em delatar o
padre. E naquela noite, mais cedo, este não se abalou em momento algum quando ela o alertou
sobre a possibilidade de ser exposto. Jonathan pareceu bastante, seguro na verdade.
Antes da noite de sábado, Faith o consideraria incapaz. Agora, porém, não se surpreenderia.
Contudo, caso confirmasse sua suspeita, novamente se questionaria que tipo de vida difícil
Jonathan levava antes de ser ordenado.
Ao passarem ao lado da igreja, a visão das paredes fantasmagóricas iluminadas pela lua,
causou um tremor de excitamento em Faith. Jonathan poderia, sim, ter sido alguém violento, mas
a desconfiança não a incentivava a recuar. Como se não bastasse o gosto pelo proibido, agora
lhe atraia a ideia de estar brincando com o perigo.
Com a face quente, Faith acompanhou seus pais pelo caminho de cascalho até a casa,
desejando um dia conhecer a fundo o homem misterioso que amava. Ao entrar, Faith se deparou
com Nicole a andar em círculos pela sala. A aflição estampada no rosto da irmã afugentou seus
devaneios inconsequentes.
– Ainda bem que chegaram! – exclamou tão logo os viu.
– O que aconteceu? – Constance correu para abraçar a filha. – Não está se sentindo bem?
Nicole esperou que a irmã e seu pai também estivessem próximos para explicar a razão de
sua visível agonia:
– Joe está desaparecido.
– Como? – indagou o pai.
– Tem certeza, Nick? – Faith perguntou antes de se sentar. – Como sabe?
– Os pais o procuram desde ontem – falou. – Hoje pela manhã o Sr. Wilson me telefonou para
perguntar se ele dormiu aqui em casa e não comentou sobre a desconfiança, mas me ligou agora
para contar sobre o desaparecimento.
– Então já avisaram a polícia? – indagou Constance, ainda abraçada a filha.
– Sim – Nicole confirmou preocupada. – E parece que mais pessoas estão desaparecidas.
Três homens estão sumidos desde a semana retrasada.
– Minha querida, muitas pessoas deixam suas casas e simplesmente não voltam. Isso não
significa que algo ruim aconteceu a elas – Constance tentou animá-la.
– Está querendo dizer que Joe simplesmente foi embora? – Nicole se afastou para olhar a mãe
de frente. – Isso não faz sentido.
– É uma possibilidade. – Constance deu de ombros.
– Por favor, querida. Vá preparar um chá para Nicole e deixe que eu converse com ela –
Elliot se dirigiu a Constance, indulgente. A saída da esposa foi até a filha e fez com que
sentasse. – Não fique assim... Tenho certeza de que há algum mal-entendido. Joseph deve ter
saído para uma pequena viagem, a serviço da câmara, e ter tido algum contratempo.
– E por que não telefonou para os pais?
– Como eu disse, por algum contratempo – ele insistiu. – Quantas vezes eu mesmo tento
manter contato com vocês por celular ou via rádio e não consigo?
– Muitas vezes – ela murmurou.
– Então! – exclamou. – Não seja alarmista. Wells não é uma cidade violenta, nem seu noivo
tinha motivos para ir embora, como sugeriu sua mãe... Logo ele aparecerá com uma boa
explicação e todos nós vamos rir desse alarde infundado.
As duas moças trocaram olhares significativos. Faith entendia a preocupação da irmã.
Também não gostava do noivo imposto, mas não desejava seu mal. Queria vê-lo longe de sua
família, porém bem, junto aos seus.
Sorrindo de forma encorajadora para Nicole, Faith tentou crer que tudo se desenrolasse como
o pai descreveu, contudo algo lhe dizia que não seria daquela maneira. Sexto sentido, talvez. Ou
somente descrença vinda de seu envolvimento semanal com o lado não tão pacato de Wells.
Fosse como fosse, suas suspeitas se confirmavam a cada dia passado sem notícias de Joe. Na
noite de terça-feira Elliot as levou até a casa dos Wilsons para demonstrar sua solidariedade.
Estes não possuíam nenhuma novidade, apenas repetiram o relato feito ao telefone para a noiva
do filho e externaram sua angústia pela falta de notícias.
No dia seguinte, Nicole se mostrou conformada, deixando em Faith uma sensação de alívio.
Por alguns momentos temeu que ela retrocedesse mil passos ao alimentar algum sentimento de
culpa por ter enganado Joe na noite do baile. Por sua vez, Faith segregou o desaparecimento ao
segundo plano à medida que não conseguiu meios de ir à The Isle, desligar-se das apresentações
pessoalmente.
Em sua ansiedade ela não conseguia encontrar uma boa desculpa que justificasse seu atraso
no retorno das aulas vespertinas uma vez que – sem as caronas de Tyler – era obrigada a voltar
de ônibus para sua pequena cidade. Como não pôde seguir seu intento de se afastar desde o
início da semana, restou-lhe ir à casa noturna somente na tarde de quinta-feira, depois de sua
consulta com a ginecologista.
Já munida com os anticoncepcionais prescritos, ia atrás de sua liberdade, guiando a pick up
do pai. Conseguira tomá-la emprestada ao alegar que não poderia faltar em sua aula de dança,
pois seria uma das últimas. Até ali, tudo corria à perfeição!
Esquecida de Joe, Faith sorriu para a estrada a sua frente. Apesar de saudosa por não
encontrar Jonathan naqueles dias, não via obstáculos em seu relacionamento. O único que a
preocupava era o próprio padre. Caso se fechasse em copas mais uma vez, ele seria o pior dos
empecilhos.
– Seria muito castigo! – falou em voz alta e sorriu num misto de ansiedade e humor negro.
Se fosse ser castigada por merecimento, Jonathan nunca mais a olharia, aquela era a verdade.
Antes do susto com Mason não se dava conta, mas diante da ameaça real de ser descoberta,
percebia o quanto seus erros e pecados poderiam causar danos irreversíveis junto a todos que
amava. Consertaria enquanto era tempo.
Ansiosa, Faith apertou o volante e refreou a vontade de acelerar mais do que a velocidade
máxima permitia. Dar um fim àquele capítulo de sua vida se tornava urgente. Repassara todas as
respostas para todos os possíveis argumentos de Barry e queria colocar o diálogo em prática.
Após a conversa, esperava sair da mesma forma amigável na qual entrou, mesmo que não fosse
fácil.
Com um suspiro profundo, Faith desejou poder ligar para Helen, porém seu irmão resolvera
passar todos os últimos dias de sua folga ao lado da noiva. Com sua presença constante e as
obrigações com a faculdade não sobrava muito tempo ou privacidade para conversarem à
vontade. Faith perdera as contas de quantos dias não falava com a amiga. Nunca precisou tanto
de seu apoio quanto naquele momento, e teria de se virar sozinha.
Ao deixar a pick up no estacionamento reservado aos funcionários, por um minuto cogitou
atender ao pedido de Tyler, dar meia volta e desaparecer. Tudo seria muito mais simples se
nunca mais colocasse os pés naquele lugar. Porém não era covarde! Entraria e sairia de cabeça
erguida. Decidida deixou o carro e seguiu para a porta lateral. Após três toques um dos
seguranças a deixou entrar. Daquela vez o ensaio ainda não tinha começado. As meninas
deveriam estar se aprontando no camarim.
Sem olhar na direção do palco, caminhou até a sala de Barry Reagin. Após três toques à
porta, esperou.
– Quem é? – ele indagou.
– Sou eu, Faith. – Em troca obteve silêncio. Estava prestes a repetir seu nome quando a porta
foi aberta abruptamente.
– Ora, ora... – Barry exibiu um sorriso satisfeito. – E não é que é mesmo você! Entre – pediu
dando-lhe passagem. Com um sorriso pálido, ela fez como pedido. Barry fechou a porta e,
depois de passar por sua dançarina e se recostar à mesa, perguntou: – Ao que devo a honra de
sua visita logo cedo?
– Bom... Vou ser direta – começou depois de respirar profundamente. – Agradeço pelo tempo
que me recebeu aqui. Foi divertido... Consegui algum dinheiro, mas não dá mais para continuar.
Hoje vim somente lhe dizer que encerrei com as apresentações.
O dono da casa noturna ouviu em silêncio, com os braços cruzados sobre o peito. Por seu
rosto impassível, Faith não conseguia adivinhar o que se passava em seu íntimo.
– Você entendeu o que eu disse? – Faith perguntou por fim, impaciente.
– Entendi perfeitamente – falou. Ao prosseguir seu tom era um lamento debochado. – Apenas
me perguntava como iria te dizer que não há a mínima chance de você encerrar qualquer coisa.
– Como disse?! – Faith indagou atônita.
– Foi o que você ouviu – Barry reiterou. – Não há a mínima possibilidade de você deixar de
dançar para mim.
– Desculpe te lembrar – ela modulava a voz para que não tremesse –, mas eu nunca fui uma de
suas meninas. Estou aqui por conta própria. Sabe disso. Você mesmo me assegurou que eu
poderia parar quando quisesse.
– Ah... Isso foi há quanto tempo? – Barry perguntou ao léu, e respondeu-se: – Seis... Sete
meses?... Muito tempo!Que culpa eu tenho por ser volúvel e você ter se tornado uma gostosinha
rentável? Já disse que o lucro das noites de quinta é algo considerável?
A cada novo detalhe acerca de suas apresentações via o quanto fora inepta, no mínimo, uma
descuidada imbecil. Enquanto sustentava o olhar de Barry, perguntava-se como pôde acreditar
na palavra de alguém que vivia da exposição alheia. Friamente nomeando: um cafetão.
– Disse – Faith ciciou secamente –, mas sei que esse lucro não fará muita falta.
– Qual é o dinheiro que não faz falta, lindinha? – zombou. – E não se trata só do vil metal!...
E a diversão? Você não faz ideia de como eu curto te anunciar, ver nos rostos ansiosos o quanto
os homens normais precisam de fantasia... E você dá isso a eles. As outras já estão rodadas,
mas você é aquela que eles não podem ter... Que ninguém pode ter porque é a Virgem.
Nunca antes sua condição a enojou como naquele instante. Não importava a forma colocada,
ela era tão rodada quanto às outras. Não foi para a cama com nenhum daqueles homens, mas
eles a tocavam, pagavam por ver seu corpo. Poderia negar o quanto quisesse, mas no minuto que
aceitou ficar, se tornou uma das meninas de Barry.
– Nada disso importa – retrucou ao encontrar sua voz. – Arranje outra garota e coloque no
meu lugar, pois eu não subo mais naquele palco. Como disse, vim só te colocar a par de minha
decisão.
– Essa é sua palavra final? – ele indagou inabalável.
– Sim, senhor – confirmou, afastando-se em direção à porta. – Muito obrigada por tudo Sr.
Reagin. E desculpe o transtorno.
– Sim, senhor... Muito obrigada... Desculpe o transtorno... – Barry parecia se divertir ao
imitá-la. – Você é sempre tão educada. Seus pais devem ser bem orgulhosos.
O enregelamento súbito fez com que Faith estacasse junto à porta. Ainda a segurar a
maçaneta, Faith se voltou. O riso que enviesava os lábios masculinos era sardônico, indicando o
propósito de suas palavras.
– Sim, eles se orgulham – ela confirmou num murmúrio.
– Então seria muito triste para eles descobrirem o que a filhinha tão educada faz às quintas-
feiras, não? – Barry descruzou os braços e apoiou as mãos sobre a mesa.
– Não faria isso comigo – ela murmurou já diante dele, afastada apenas dois passos. – Pensei
que gostasse de mim.
– E eu gosto! – Barry afirmou veemente. – Mas entenda que eu sou um homem de negócios e
gosto mais de você quando me faz feliz. E veja só que interessante... Enquanto eu gostar de
você, seus pais continuarão orgulhosos.
– Está blefando! – Faith arriscou confiante. Sempre tomara o cuidado de não falar sobre si.
Barry não tinha a quem delatá-la.
– Não estou, mas talvez você consiga convencer o capitão Green de que esteja. Pode até dizer
que não me conhece, mas saiba que tenho provas.
Depois de dar a volta na mesa, Barry se sentou para capturar uma pasta em sua gaveta. Desta
tirou um maço de papéis, pouca coisa menores que sulfite e passou a folheá-los, compenetrado.
Faith assistia a cena paralisada com o nome de seu pai ecoando em sua cabeça. Obrigava o ar a
entrar em seus pulmões quando o chantagista sorriu para uma folha em especial antes de
estendê-la. A moça conseguiu mover somente seus olhos para descobrir se tratar de uma foto.
– Essa é uma das minhas preferidas.
A foto não era indecente. O que a denunciava era sua postura descontraída sobre o palco
durante um dos ensaios. Não tinha sido apresentada a todas, mas imaginava que eram similares
àquela e que em cada uma estaria estampada sua familiaridade com aquela casa.
– Ah!... Como eu pude me esquecer dessa? – Barry analisou outra foto antes de também
estendê-la. – Esta me proporciona bons momentos, se é que me entende – concluiu com uma
piscadela.
Faith novamente moveu os olhos para se encontrar seminua durante uma de suas trocas de
roupa. Kristina lhe fazia companhia. As duas riam para o espelho enquanto a dançarina a
ajudava com o figurino.
– O que o papai Green pensaria ao ver essas fotos? – Barry perguntou, recostando-se no
espaldar de sua cadeira.
– As reações dos membros de minha família não interessam a um homem de negócios – falou
sem emoção. Indicando as fotos, sem tocá-las, ela prosseguiu: – Se é essa sua proposta diga o
que quer. Vai me obrigar a dançar por quanto tempo?
– Obrigar?!... Não! Que palavra horrível! – exclamou Barry, conciliador, colocando-se de pé.
Ao passar por ela, disse: – Aqui, ninguém é obrigado a nada. O que ocorre são trocas de
favores.
– E essa é nossa troca de favores? Eu danço nada satisfeita por um tempo indeterminado e
você deixa minha família longe dessa história?
– Correção! – disse ele depois de se jogar displicentemente sobre o sofá e abrir os braços
sobre o encosto. – Você dança com todo seu entusiasmo como tem feito desde o início e depois
de algum tempo eu a libero. Em troca esqueço que você tem família. Ou... Você pode dançar
uma única vez e eu a deixo ir da mesma forma, na hora que quiser.
– Uma única vez – Faith repetiu por reflexo.
– Uma única vez – Barry reiterou, acomodando-se melhor sobre o sofá, medindo-a de alto a
baixo. – Exclusivamente para mim. Aqui... Agora... Nem precisa de fantasia. Gosto desse seu
falso ar de ingenuazinha campestre. – Com um suspiro profundo e lento, passou a apertar-se
sobre a calça e prosseguiu: – E você vai tirar tudo dessa vez e antes que eu comprove que não
vendi gato por lebre, vai me mostrar do que essa sua boquinha linda é capaz de fazer.
Presa à perplexidade do que Barry propunha, Faith entendeu que aquele sempre foi o plano.
Ela não fora somente arrogante, fora também obtusa. Ele era, de fato, um homem de negócios e
não deixaria uma devassa pueril dançar sobre seu palco uma vez por semana se não por
interesses pessoais. As noites de quinta-feira eram agitadas, mas não valiam uma chantagem.
Aquele homem largado sobre o sofá, que evidenciava uma ereção sob a própria mão sempre a
desejou. Provavelmente se divertia às suas custas enquanto lhe cedia corda suficiente para que
um dia se enforcasse. Todavia, mesmo com o laço apertado em seu pescoço, ainda era cedo
para puxá-lo.
– Se é um homem de negócios então eu posso crer que mantém sua palavra – falou, lutando
contra o asco em ver o volume rígido pela manipulação obscena.
– Evidente que sim. Se me fizer muito feliz não tem com o que se preocupar.
– Sendo assim, eu fico com a primeira opção – anunciou de queixo erguido. – Continuo com
as apresentações. De muito boa vontade.
Ver a decepção no rosto masculino não lhe trouxe prazer algum. Assim como vê-la se
transformar em descrença e então em raiva contida não lhe provocou temor. Faith não sentia
qualquer emoção. Percebia apenas seu estômago revoltoso.
– Muito bem! – Barry exclamou, contrafeito. – Eu te dei as opções então nada mais justo que
escolha. – Tão rápido que Faith mal recuou dois passos, ele se pôs de pé e foi até ela. Ao
segurá-la pelo queixo, alertou: – Por ora ficamos assim, mas não pense que se livrou da segunda
alternativa. – Soltando-a bruscamente, ordenou: – Agora vá ensaiar.
Faith deixou a sala sem notar. Passou pelo salão alienada ao que acontecia em volta,
arrastando-se. O mundo clareou ao entrar no camarim e seus olhos pousarem sobre Úrsula a se
trocar no canto costumeiro. Seu raciocínio poderia ser limitado no tocante à gravidade da
diversão arriscada, contudo estava afiado no que se referia às fotos que a manteria presa àquele
lugar. Sua vontade era ir até ela e colher um chumaço de cabelo diretamente da nuca, contudo
agredi-la não mudaria em nada sua condição.
– Está olhando o quê? – Úrsula indagou altiva.
– Estou tentando entender como funciona a cabeça de uma puta senil – falou secamente.
Úrsula sabia bem o que fez então não havia motivos para não confrontá-la.
– Como é que é, estrelinha?! – A mulher se voltou bruscamente, deixando as poucas meninas
que estavam no camarim em alerta. – Está maluca?
– Não tanto quanto, você – disse diretamente à dançarina e então, às demais meninas, pediu: –
Poderiam nos deixar a sós?
– Não sei... – disse uma delas. – Barry não gosta de brigas e...
– Quero apenas conversar – ela garantiu. – Ninguém vai se pegar a tapas aqui.
– Fale por você – Úrsula ciciou. – Quem pensa que é para me ofender?
– Posso não ser ninguém, mas você é menos ainda... – disse ao serem deixadas. – Se quer
tanto me ver pelas costas, por que ajudar o Barry a me manter aqui?
– Está drogada, estrelinha? Eu jamais faria isso!
– Claro! – Faith zombou. – Está tão velha que não se lembra, mas as fotos que ele tem de mim
foram todas tiradas por você.
– Fotos?! – Úrsula exclamou, maximizando os olhos. Sem nada acrescentar, voltou até o canto
que costumava ocupar e abriu a gaveta logo abaixo. Nervosa, remexeu os muitos papéis em seu
interior antes de vociferar: – Bastado filho de uma puta! Ele me roubou!
– Então, foi mesmo você – Faith falou indiferente, sem se abalar com a fúria da dançarina.
– Sim, fui eu – admitiu inutilmente. – Iria usar, mas para te obrigar a sumir daqui.
– Pois saiba que por causa delas, agora sou obrigada a ficar... Obrigada por isso.
– Ele não tinha o direito – Úrsula exalou para si.
– Na verdade, Barry é o único que o tem – Faith murmurou cansada. – Eu é que não deveria
ter me metido no mundo dele.
Ao se calar, mediu de alto a baixo a mulher seminua, livre da maquiagem carregada que usava
à noite. Era bonita, mas os sinais da idade se faziam presentes em todo seu corpo. Ou talvez
fossem as marcas das noites insones e da entrega constante em troca de dinheiro.
Faith especulou se Úrsula possuía família: pais ou filhos. Se prostituir-se não teria sido sua
única opção ao não encontrar um rumo decente para sua vida. Não poderia alimentar sua
antipatia quando não se sentia muito diferente dela e fornecera a munição para ser atacada. Se
alguém ali tinha de ter os cabelos arrancados pela raiz, era ela. Livre de emoção, disse:
– Talvez, nem com você.
Sua declaração final pareceu surpreender a mulher.
– Escute...
– Não, escute você – Faith a cortou, sem rispidez. – Sabemos que não vai se desculpar e nem
adiantaria, então vamos encerrar esse assunto. Você continua no seu canto, eu continuo no meu,
mas veja se agora larga do meu pé de uma vez, pois estou aqui por sua culpa.
Úrsula ameaçou retrucar, mas se manteve calada. Voltando a ignorá-la como comumente fazia
Faith finalmente pendurou sua bolsa para que pudesse se trocar. Antes de perder seu tempo com
picuinhas que não lhe ajudariam em nada, deveria ocupá-lo para encontrar uma forma de
libertação. Não estava disposta é ficar refém de um chantagista asqueroso, indefinidamente.
Enquanto vasculhava a arara de figurinos para separar o que usaria aquela noite, deu-se conta
do quanto àquela apresentação seria anormal. Finalmente estaria sem Tyler, mas o queria
presente. Não sentia animação alguma, quando deveria demonstrar que sim. Ficaria nua e, pela
primeira vez, iria se sentir como tal.
Se fosse uma piada do destino, deveria achar algum ponto para rir, no entanto, só encontrava
motivos para chorar.
Capítulo Treze

Sin Bay era minúscula se comparada a uma grande cidade, ainda assim por vezes era
praticamente impossível encontrar quem se desejava como se vivesse em uma metrópole. Era
assim que Jonathan comparava enquanto guiava para Wells. Após o encontro de segunda-feira
não esteve com Faith uma só vez. Nem mesmo a viu. Manteve breve contato com Nicole que lhe
acenava da lanchonete sempre que se viam. E com Mason que fora ajudar os homens da
cooperativa no recolhimento dos andaimes. Não esteve nem mesmo com Elliot.
Estava ansioso por vê-la. Queria saber por ela o que se passou com o garoto indolente.
Confirmar a veracidade do acidente doméstico que soube através de Samuel e da senhora Scott.
Segundo os vizinhos, o rapaz acidentado estaria de cama por recomendação do pai enfermeiro.
Contrariando o que ditava sua formação, Jonathan pouco se importava com o rapaz. Queria
mesmo era saber se o sumiço de Faith fosse por ela estar constantemente na casa dos Mills.
Aquela seria uma dedução acertada, mesmo que Maggie tivesse se encarregado de cuidar do
rapaz, segundo a mãe dissera.
Enquanto guiava, Jonathan apertou o volante com força, irritado por preferir que fosse
daquela maneira: que Faith estivesse ocupando seu tempo livre para vigiar a aproximação da
garota junto ao seu amigo do que vê-la se despir sobre o palco, como sugeriu que talvez não
fizesse. Faith tinha de ter lhe dito a verdade, pois não mais toleraria sua mentira caso insistisse.
E também não poderia vigiá-la, quando se tornava cada vez mais desgastante sair, indo contra
Carlo sem confrontá-lo, a fundo, com suas próprias ações libidinosas.
Definitivamente Faith tinha de ter abandonado a boate! Com esse pensamento, Jonathan
estacionou seu jipe a alguns metros do grande galpão e colocou-se na fila de entrada.
Considerou-a grande demais para a primeira noite sem a atração principal, mas quis crer que
aquele não fosse um indício de coisa alguma. Já no interior da boate, procurou uma mesa
distante do palco. Todas estavam ocupadas, restando se refugiar no canto do bar.
– O que vai ser amigo? – o barman perguntou tão logo chegou junto ao balcão. Correndo os
olhos ao longo dos copos variados disposto sobre o mesmo, não cogitou pedir água, pois
provavelmente chamaria a atenção sobre si.
– O mesmo que ele – pediu, apontando o copo mais próximo.
– Conhaque – o homem nomeou antes de se retirar. Jonathan aproveitou para procurar Tyler
com o olhar. Àquela hora, ele já estaria presente, contudo não o viu, confirmando seu repouso.
– Aqui está! – o barman anunciou ao depositar o copo bojudo à sua frente.
Jonathan olhou-o com indiferença então conferiu as horas. Em poucos minutos começaria a
apresentação que rogava aos céus para que não acontecesse. Com os braços cruzados sobre o
peito, esperou. Um banco ao seu lado vagou e foi ocupado por um homem de jaqueta preta. Não
lhe deu importância até que dissesse:
– E não é que nos encontramos de novo?
Jonathan apenas moveu os olhos para o rosto sorridente, sem a intenção de retrucar, porém
reconheceu seu salvador. Revê-lo não lhe trouxe qualquer sentimento especial a não ser a
mesma sensação de reconhecimento. Como a impressão já tinha sido comentada e prontamente
negada, apenas cumprimentou sem entonação:
– Boa noite.
– Boa! – disse o homem, sinalizando para o barman. Depois de pedir uma dose de uísque,
voltou sua atenção a Jonathan. – E então?... Ficou bem depois daquela noite animada?
– Sim... – Não estava ali para conversas, mas não poderia ser grosseiro justamente com quem
o livrou do espancamento. – Mais uma vez, obrigado pela ajuda.
– Não precisa me agradecer – o moreno exclamou jovialmente – Como disse, eu não curto
injustiça. – Olhando-o com curiosidade, perguntou: – Algum deles voltou a te perturbar?
– Não voltei a vê-los – assegurou, sem desviar os olhos do rosto tão familiar.
– Melhor assim! A propósito, meu nome é Coleman – apresentou-se ao estender a mão. – Jack
Coleman.
– Sou Jonathan – disse apenas o nome, apertando a mão oferecida. Não era sábio falar de si.
Encerrando o aperto amistoso, intimamente lamentou que o nome nada lhe acrescentasse. Seria
interessante reconhecer alguém afinal; mesmo em uma cidade improvável.
– Muito bem... Jonathan! – Jack exclamou, erguendo seu copo de uísque. – Um brinde ao
nosso reencontro! Sem brigas dessa vez!
Indiferente ao entusiasmo, Jonathan se viu obrigado a tomar seu próprio copo e aceitar o
brinde. Depois do tilintar do vidro, provou a bebida que pediu à revelia. Era forte, mas não
agrediu sua garganta e lhe trouxe certo conforto ao aquecê-lo inteiramente. Somente naquele
instante percebeu o quanto estava gelado pela expectativa. Tomava seu segundo gole, quando
Jack lhe ofereceu um cigarro.
– Eu não fumo, obrigado.
– Vai se importar se eu fumar? – perguntou já acendendo seu isqueiro.
– Fique à vontade – liberou.
A presença falastrona de Jack Coleman incomodava mais do que a fumaça que passou a vir
em sua direção. O odor do tabaco – tão presente naquele lugar – daquela vez chegou puro e
agradável, trazendo-lhe um reconhecimento quase palatal, como o clima do salão e a bebida
ingerida. No entanto, ainda Jonathan não atinava quando em sua vida poderia ter estado em um
ambiente como aquele.
Cismava com as verossimilhanças daquela situação, quando sua atenção foi atraída para
movimentação geral.
– Vai começar o show! – Jack anunciou ao seu lado. – Mal posso esperar para ver essa
primeira garota.
Jonathan engoliu em seco ignorando o apresentador que cumprimentava a todos e lhes
recordava a necessidade do bom comportamento para com suas meninas. Depois de beber mais
um gole de conhaque, comentou, evasivo, sem desviar os olhos do palco:
– Fiquei sabendo que essa que espera ver abandonou a casa.
– Sério?! Seria uma lástima. – Apesar da entonação incrédula o homem moreno não parecia
convencido.
Jonathan se preparava para reiterar, quando o apresentador questionou a todos sobre sentirem
saudade daquela que se apresentaria. Depois de respostas desencontradas, porém afirmativas, o
homem prosseguiu:
– Pois então se preparem para recebê-la e não se esqueçam de serem breves em seus agrados.
– Voltando-se para a parte escura do palco, falou: – Eles são todos seus, querida.
Jonathan sentia o estômago revirar. Não pela bebida ou pela fumaça do cigarro que lhe
envolvia, mas pela possibilidade da nova mentira. Faith não poderia tê-lo enganado!
– Ainda bem que estava mal informado, Nathan – Jack exultou.
– Do que me chamou? – Jonathan, indagou, unindo as sobrancelhas ante a estranheza de
aquele nome desconhecido soar familiar.
– Desculpe minha liberdade, Jonathan – pediu sem ser ouvido.
Jonathan se esquecera de todo o resto ao ver a querida entrar em cena. Era ela, Faith! Como
podia?
Para piorar sua situação, a messalina mentirosa se apresentava como que saída de seus
sonhos. Para alguém que se despiria ela vinha praticamente descoberta. Vestia um corpete de
couro muito justo que lhe marcava a cintura mínima, roupas íntimas reveladoras demais, meias
de seda e sapatos de salto, todos pretos. Em uma das mãos trazia um chicote de tira única e,
para a danação definitiva do jovem padre, a máscara escolhida assemelhava-se a uma venda.
Esquecido do homem ao lado e de todos os outros, Jonathan excitou-se antes mesmo que Faith
iniciasse a dança indecente. A cada açoite que ela dava em seu próprio corpo, ele considerou
que sucumbiria. Como das outras vezes, ensurdeceu aos gritos e à música, desejando apenas que
Faith se despisse para ele. E, como se lhe ouvisse os pensamentos, a pecadora se despiu.
Não por completo. Daquela vez ela presenteou seus olhos somente com os seios fartos antes
de voltar a se açoitar. Jonathan se indagava se a mentirosa traidora estaria sentindo tanta dor
quanto ele mesmo sentia ao se castigar. Faith merecia cada fustigada, mas queria ser ele a dá-
las. A expectativa o endureceu mais.
– Às vezes eu me pergunto se essa garota tem namorado – ouviu o comentário de Jack vir de
muito longe, vidrado na autopunição como estava. – O cara deve passar muito bem com ela.
Por fim, Jonathan entendeu o que ouviu ao despertar do transe. Sim, aquela alma perdida tinha
não somente um como dois namorados que passavam muito bem, e nenhum deles era ele
próprio. Com a respiração contida, Jonathan ignorou as palavras de Jack e sorveu o conhaque
restante a um só gole.
– Se bem que eu preferia ter uma namorada comum e morninha a ter uma que se expõe desse
jeito. – Jack parecia não notar sua indiferença. – Ela é bem gostosa, mas eu jamais admitiria que
me traísse assim. E você, Jonathan?
Já admitia, não? E compactuava uma vez que não tomava nenhuma providência. Era tão
conivente e passivo quanto Tyler, mas a inércia terminaria aquela noite. Decidido, Jonathan
depositou uma nota de dez dólares sobre o balcão e se afastou sem despedidas.
Com os olhos postos no palco, esperou o quanto pôde para se aproximar e, sem se importar
com todos os homens que se acotovelavam para depositar as notas na tira fina da calcinha,
chegou até Faith, agachada, de costas. Não lhe daria dinheiro algum, apenas queria mostrar que
conhecia seu segredo.
Sua vontade era desferir um vigoroso tapa, mas a aglomeração não permitia, então, sem
demora, apertou com força a nádega que estava ao alcance de sua mão. Aqueles que
presenciaram sua ousadia se voltaram para ele entre alarmados e indignados. Jonathan ignorou a
todos. A única que importava era Faith.
Com o susto, a stripper se voltou, empertigada, pronta para a bronca, porém estacou quando
os olhares se encontraram. Jonathan a encarou, reprimindo toda raiva que sentia. Ela, por sua
vez, não demonstrou qualquer sentimento por vê-lo ali. Apenas terminou de receber o que lhe
ofereciam, ergueu-se e deixou o palco.
– Tá maluco?! – um dos homens perguntou. – Não sabe que não deve quebrar as regras?
– Idiota do caralho!
– É um palhaço filho da puta, só pode!
O palhaço idiota do caralho ao menos se fez notar, pensou satisfeito. Sem responder aos que o
hostilizava, Jonathan voltou ao balcão. Seu salvador inoportuno não estava em parte alguma e,
antes que procurasse descobrir para onde tinha ido, foi abordado por dois homens vestidos com
discrição. Estavam à paisana, mas claramente se notava a postura de seguranças da casa.
Evidente que a intenção era se misturar aos clientes habituais para que pudessem lhes vigiar
mais de perto.
– Senhor, queira nos acompanhar, por favor – disse um deles. Sem criar caso, Jonathan seguiu
escoltado até a saída. Pensou que seria somente até aquele ponto, porém, ao chegar à calçada
foi seguro discretamente por um dos braços e afastado da entrada, sempre acompanhado pelo
outro segurança. – Onde está seu carro?
– Não tenho carro – respondeu de modo desafiador.
– Não teste minha paciência. As ordens são claras. Ninguém toca em nossa menina.
Geralmente todos conseguem se comportar, mas às vezes algum cliente mais afoito burla nossa
vigilância. O problema é que ela não está ali querendo mãos pegajosas sujando sua pele. Então,
se ela aponta algum engraçadinho é nossa função colocá-lo para fora. E de preferência ensinar a
não repetir a dose. É sorte sua que ela o conheça e tenha pedido que apenas o colocássemos em
seu carro e o mandássemos ir embora.
Então Faith o delatara! Inflamado, Jonathan mediu os seguranças de alto a baixo. Talvez por
ter se saído tão bem por algum tempo ao brigar com três homens, acreditasse que poderia lidar
com os dois. Porém algo lhe disse para deixar que fizessem como recomendado.
– Fala logo. Onde está a porra do carro? – perguntou o outro, alterando-se.
– Calma! – Jonathan ergueu as mãos em rendição. Então apontou para o final da rua. – Está
ali.
Sem mais palavras os dois o escoltaram até seu jipe. Esperaram que entrasse e partisse, então
o observaram até que dobrasse a esquina.
– Maldita! – Jonathan, vociferou socando o volante.
Não fizera uma cena, mas tratou de tirá-lo de perto. Cego pelo despeito, Jonathan dirigiu até
um pouco além da saída da cidade. A diaba não perderia por esperar!
Depois de alguns quilômetros rodados, estacionou no acostamento e desligou o carro. Pouco
importava que fosse perigoso ficar ali, no escuro. Aquele era o único caminho. E uma vez que
Tyler estava fora do seu, não teria problemas em, ele mesmo, pôr fim às apresentações.

Faith seguia pela estrada sem notar a escuridão da noite. Nunca tivera medo de percorrer
aquele trecho com ou sem Tyler. Nem mesmo quando ele cismara que foram seguidos. Sabia que
a impressão era fruto de sua fértil imaginação. Além do mais, todo receio que pudesse sentir
aquela noite seria sufocado pelo desespero ao ver Jonathan entre todos aqueles homens que
pagavam por sua apresentação bizarra, encarando-a repreensivo.
Seu temor se concretizou da pior forma possível! De todos os homens de Sin Bay, Jonathan
era um dos últimos que poderiam vê-la naquela situação. Enquanto se trocava automaticamente,
em choque, questionava-se como ele fora aparecer na boate. Seguiu-a? E como a reconheceu
afinal? Na verdade, importava era que Jonathan descobrira que ela não era garçonete porcaria
nenhuma. E, agora, ela poderia dar adeus ao breve envolvimento.
Um padre jamais ficaria com uma stripper, sentenciou de súbito enraivecida.
– Qual direito aquele padre bipolar pensa que tem? – perguntou ao léu, a plenos pulmões. –
Errada ou não, é a minha vida e ele não tinha de se meter.
Alheia ao caminho, lutando contra lágrimas, ponderou que a raiva sentida era por si mesma,
afinal, indiretamente ela o chamou. Para demonstrar um prazer que não sentia, decidiu que
dançaria para ele. Jonathan influenciara até na escolha do figuro ao se lembrar de seu chicote e
de sua autopunição. Aquela noite ela merecia todo o castigo que pudesse receber por sua
estupidez e arrogância que agora a mantinham cativa.
– Não importa! – gritou. – Era para Jonathan estar na casa dele, com as hóstias dele. Com
toda sorte de quinquilharias litúrgicas, não numa boate apertando minha bunda e...
Faith se interrompeu ao passar por um carro estacionado, com luzes apagadas. Seu coração
afundou no peito assim que viu por seu retrovisor que passou a ser seguida. Os faróis a
cegavam, impossibilitando que visse sequer qual a marca do veículo.
– Um dia aconteceria, Faith – disse era a si mesma. – Jonathan a reconheceu então qualquer
outro pode fazer o mesmo.
Tentando manter a calma, Faith acelerou o máximo que sua habilidade ao volante permitia.
Pela primeira vez, sentiu falta de Tyler. Expectante, viu que o motorista se aproximou sem o
mínimo esforço até que emparelhasse seu veículo ao dela. Nesse momento seu temor retornou à
raiva. Jonathan nem ao menos esperaria para dispensá-la?
– Encoste! – ele ordenou.
Pois o bom pastor que fosse dar ordens às suas ovelhas, pensou Faith com rancor, sem reduzir
ou olhar em sua direção. Não tinha pressa em ser destratada. Contudo, o mesmo não se dava
com Jonathan.
– Droga Faith! Encosta!
A raiva contida no tom de comando a assustou. Definitivamente não estava preparada para
obedecê-lo. Ele que esperasse, pois pararia apenas ao chegar à proteção de sua casa. Como se
soubesse sua intenção, depois de liberar um impropério nada próprio a um padre, Jonathan
acelerou até ultrapassá-la.
– Isso mesmo! Vá esfriar a cabeça com água benta – disse sem achar graça alguma da piada
imprópria. Na verdade, enquanto o via ganhar distância, arrependia-se por não ter atendido. Era
inútil protelar o inevitável. Aceitava o seu erro, quando as luzes de freio do jipe se acenderam
antes que seu condutor o girasse de forma ruidosa, imprudente, e o parasse atravessado na pista.
– Padre maluco! – Faith exclamou ao pisar no freio, reflexiva. Parou a pouco menos de um
metro. Ainda se recuperava do susto quando Jonathan apareceu na janela ao seu lado.
– Por que não parou? – perguntou alterado.
– Você é maluco ou o quê? – ela perguntou igualmente irritada.
– Vamos sair daqui – Jonathan comunicou sem dar-lhe ouvidos. – Não quero que aconteça um
acidente por sua causa.
– Por minha causa?!
– Se não parar da próxima vez, reze para nunca cruzar meu caminho – ameaçou, ignorando
seu comentário. – Vamos sair da estrada. Quando eu parar, trate de fazer o mesmo.
Sem esperar por resposta, Jonathan seguiu duramente até seu carro para tirá-lo do meio do
caminho. Guiou-o até que entrassem na estradinha vicinal que os levaria a Sin Bay. Àquela hora
da noite esta estava deserta e a polícia rodoviária não os perturbaria. Lugar perfeito para trazer
a moça à razão. Tentando domar a raiva que o movia, ele logo estacionou à beira do caminho.
Faith o imitou, mas não se furtou em passar à frente e parar adiante. Pelo retrovisor, viu
satisfeita que Jonathan se preparava para segui-la. Porém o prazer da pirraça durou parcos
segundos. Subitamente, sentiu-se temerosa por estar em um lugar ermo, com alguém fora de seu
estado normal. Nem poderia usar seu taco contra ele, pensou saltando do carro para ir até
Jonathan. Como não havia outra forma de defesa, atacou:
– Qual o problema com o senhor?
Antes que pudesse prever, Faith foi agarrada pelos ombros e chacoalhada fortemente.
– Qual o problema comigo?!... Qual o problema com você? – Jonathan perguntou com a voz
contraditoriamente controlada.
Recuperada do susto, Faith passou os braços entre os dele e o forçou a soltá-la.
– Não encoste! – ordenou furiosa, equilibrando-se para não cair.
– Ah... Esqueci que a donzela imaculada não gosta de ser tocada. Scusami.
– Pode me poupar do deboche e vá direto ao ponto – pediu ao cruzar os braços para disfarçar
seus tremores.
– Vou direto ao ponto – Jonathan ciciou mordaz. – Essa foi a última vez que você foi àquele
lugar.
– O quê?!... – ela indagou estupefata. Era certo que deixaria de ir à boate tão logo se livrasse
da chantagem, mas não permitiria que ele ditasse o que fazer já que a mandaria embora. – Só
pode ser brincadeira!
– Já avisei que não brinco com coisas sérias – retrucou, duramente.
– E quem o senhor pensa que é para me dar ordens? Já sou bem grandinha para ir aonde bem
entender.
– Trabalhar em uma casa de prostituição não é direito.
– Não estou me prostituindo se é essa a preocupação. – Sua vontade era explicar o que de
fato ocorria, mas simplesmente não conseguia evitar a defesa quando sabia o quanto Jonathan
era capaz de ferir.
– Não ir para cama com eles não a torna diferente ou melhor do que aquelas mulheres. Você
talvez seja pior do que elas, pois tira vantagem da crença alheia.
– O quê...? – Faith encarava-o atônita.
Como se não bastasse se materializar onde o imaginava, agora partilhava dos mesmos
pensamentos? Deveria aproveitar que Jonathan ainda não a escorraçara para se justificar,
contudo percebeu que revelar a verdade não a ajudaria. Um padre não poderia libertá-la da
armadilha na qual se colocou por vontade própria. Se o amava, o melhor era afastá-lo daquela
sujeira. Para acelerar o inevitável, debochou:
– Agora eu sou a menina má? Faça-me o favor... Apenas danço para eles. Não estou partindo
corações.
Não era verdade, Jonathan negou em silêncio. Feria o dele e com certeza o dela própria ao
fazer algo tão imoral; ainda que não notasse.
– Não importa! – bradou. – Não estou aqui par defender ou julgar ninguém. Apenas vim dizer
que acabou! Você não volta para lá. Não se expõe daquela maneira nunca mais.
– Veremos! – ela retrucou e lhe deu as costas. Aquela conversa não tinha fundamento uma vez
que não poderia atendê-lo. Ainda de costas, pois não aguentaria encará-lo, falou: – O senhor
não é meu pai, meu marido ou meu dono. Entendo que esteja decepcionado então é melhor
cuidar de sua vida que da minha cuido eu. Para onde vou não é problema seu. Se me exponho
não é problema seu. Enquanto existir um pobre inocente disposto a pagar para me ver dançar
pelada, eu danço. E ninguém vai me impedir. Buonanotte!
Ao se despedir, Faith deu o assunto por encerrado e marchou para sua pick up. Antes que
desse o terceiro passo, ouviu os dele, decididos, atrás de si. Virou-se para enfrentá-lo, porém
nunca estaria preparada para a ação que se seguiu. Sem que previsse, Jonathan a ergueu nos
ombros e a carregou, como a um saco de batatas, em direção ao jipe.
– Me larga seu desgraçado – gritou, esperneando, socando-lhe as costas. – O que pensa que
está fazendo?
– Acertou no desgraçado – Jonathan sibilou enraivecido, tendo o eco das palavras dela
ferindo continuamente. Faith pagaria pela dor que lhe causava. – E talvez tudo que disse
realmente não seja da minha conta, mas vou mostrar que mesmo não sendo seu pai, seu marido
ou seu dono, deve me obedecer.
– Ah, claro! – Faith exclamou desistindo de lutar. Todo seu esforço aquela noite seria em vão.
– Vai me delatar não é seu italiano linguarudo de uma figa?
– Vou fazer melhor! – Jonathan anunciou. Ao colocá-la no chão, segurou-a de forma que o
encarasse. – Vou fazer o que seu pai deveria ter feito antes que se tornasse tão irresponsável,
malcriada e viperina.
A voz sempre melodiosa soou baixa, letal. Apesar da pouca luminosidade, Faith pôde ver um
brilho perverso cruzar os olhos azuis. Não tinha assimilado o significado do discurso, quando
Jonathan caiu de joelhos e a puxou para deitá-la de bruços em suas coxas e prendê-la com
firmeza. Antes que se refizesse do susto, ele bateu a mão espalmada em seu traseiro como em
alguém que merecesse correção.
Jonathan muitas vezes se mostrou ameaçador, contudo Faith jamais acreditou que um dia, de
verdade, ele tomasse a liberdade de bater nela.
– Maluco! – gritou, finalmente liberando as lágrimas que tanto represou. – Me solta seu
comedor de hóstias desgraçado!
Fato! Era um maluco desgraçado, sem chances de recuperação. Perdera o bom senso e o
resquício de controle após a espera e a abordagem temerária. Ultrapassou todos os limites,
porém pouco importava. Estava cansado do ciúme, do desejo degradante que sentia quando a
via sobre aquele palco. Não suportava ouvir dos lábios dela o que sabia de cor: não tinha
direitos! E o pior, que continuaria a expor o que deveria ser reservado apenas para os olhos
dele.
Todas às vezes que descia sua mão esta carregava toda a frustração por não ser livre; por
saber-se tão amoral e depravado quanto ela. Ressentia-se por Faith ter o poder de desmascará-
lo, desnudá-lo de todas suas armaduras. Por deixá-lo miserável e fraco quando tinha sido
moldado para resistir às mais diversas tentações.
Sim, naquele momento ele a odiava e em contrapartida, odiava-se na mesma proporção.
– Pare! – ela gritou mais uma vez, decepcionada com sua fraqueza.
Mason a ensinou como se livrar de situações piores, no entanto, não conseguia se desprender
do aperto férreo. Sua bunda ardia a cada novo golpe. Pedras mínimas arranhavam seus joelhos e
cotovelos, as lágrimas roubavam-lhe a força. Com o orgulho ferido, Faith desistiu de lutar.
– Eu te odeio... – ela sussurrou embargada.
Estavam quites, Jonathan quis dizer. Porém, reconhecer a rendição enquanto ainda a punia
anulou seu rancor e o tornou consciente da proximidade dos corpos. Sua mão ardia tanto quanto
a carne sob o fino tecido da saia, mas ele ainda desferiu três tapas, todos com novo teor. Entre
cada um deles, Jonathan acariciou os montes quentes, liberando o desejo recolhido toda vez que
precisou recuar quando teve a chance de possuí-la ou quando a viu sobre o palco.
Imediatamente após sua declaração inflamada, Faith sentiu o excitamento de Jonathan contra a
lateral de seu quadril. Quis repetir que o odiava, tentou se indignar por ele endurecer enquanto
aplicava as palmadas perversas, porém seu corpo traidor igualmente se excitou, quando entre
uma palmada e outra, Jonathan lhe acariciou as nádegas, nada punitivo.
Sem que pudesse conter, Faith gemeu em deleite ao restar apenas o carinho ritmado. A
lânguida lamúria inflamou Jonathan que, sem forças para resistir, se curvou para apertá-la mais
contra si.
– Guarda... – murmurou muito rouco. – Sinta o que fez comigo...
Então sempre seria a culpada?! Pensou, incrédula. Sabendo bem como terminaria Faith
aproveitou a trégua e escapou de seu algoz. Uma vez livre, pôs-se de pé e, mesmo vacilante,
correu. Novamente não deu dois passos antes de ser capturada e presa por braços fortes. Ainda
tentou se libertar, porém, fraca, desistiu e se deixou abraçar, sucumbindo lentamente ao sentir o
membro enrijecido pressionado em seu traseiro dolorido.
Jonathan não a deixaria se afastar. Não quando estava ciente do corpo pequeno. Quando
estava longe de tudo e de todos sem nada para lembrá-lo de quem era. Com Faith novamente
rendida, libertou-a apenas para erguê-la pela cintura e prensá-la contra o capo de seu jipe. Não
sabia mais o que sentia por ela aquela noite, somente que não resistiria se a deixasse ir embora.
E com aquela ânsia desesperada a correr por suas veias, segurou-lhe o rosto e a beijou.
Entregue, Faith o abraçou e retribuiu ao beijo quase hostil, enroscando-se a ele também com
suas pernas, deixando que o desejo despertado de forma violenta ganhasse força dolorosa ao ter
aquele monte túmido prensado contra si. Rogando que daquela vez nada os detivessem, correu
as mãos pelo abdômen plano e as subiu até alcançar os ombros para livrá-lo da jaqueta.
Indicando que não retrocederia, Jonathan a ajudou e retirou a peça, deixando que caísse ao
chão.
Jonathan tinha perdido a consciência de onde estavam. Apenas sentia a quentura convidativa
da boca de Faith e aproveitava ao máximo do beijo. Todo seu corpo respondia à dança das
línguas, ansiava por mais. Afastou-se da boca arfante somente para retirar a camiseta
rapidamente, então retomou o beijo, abafando um gemido ao ter as mãos delicadas diretamente
em sua pele.
Lamentando apenas a escuridão que não lhe permitia vê-lo, Faith passeou os dedos por todo o
dorso oferecido de bom grado. Ainda tinha seus lábios cativos quando acariciou o peitoral
forte, coberto de pelos.
Maldosamente, Faith apertou um dos mamilos mínimos e como recompensa teve outro gemido
abafado em sua boca. Continuando a exploração, tocou acidentalmente o pingente do cordão que
ele carregava sempre ao pescoço.
Ignorando-o, Faith afastou os dedos daquele símbolo que a recordava do compromisso
eterno, vagando as mãos até as costas largas. Outro erro, pois sentiu as ondulações que as
deixavam ásperas. Imediatamente se arrependeu de suas palavras anteriores. Jonathan não a
feriria deliberadamente, apenas lhe daria aquilo que procurasse. Tinha a alma torturada e não
ajudaria ouvir que era odiado.
– Senhor... – tentou se retratar, porém sequer foi ouvida.
Jonathan liberou outro gemido e introduziu as mãos pela barra de sua camiseta para tocar-lhe
os seios. Ao sentir as mãos grandes fecharem-se sobre os mamilos hirtos o que intencionou
declarar foi esquecido.
Jonathan poderia torná-la mulher ali, no acostamento daquela estradinha de terra e ainda seria
especial. Como se tivesse ouvido seus pensamentos, ou talvez também enfraquecido, ele a
deitou no solo arenoso e se estendeu sobre ela.
Não aguentava mais; precisava prová-la como havia feito antes. Imediatamente ergueu a
camiseta para liberar os seios macios. Depois de assistir a três apresentações, conhecia-os de
cor. Preso ao ciúme daninho, vindo com a recordação Jonathan tomou um deles em sua boca e
esmagou outro em sua palma ainda dolorida.
– Ai... – Faith exclamou lamuriosa.
Não de dor, apenas confirmação da volúpia que terminou por instigá-lo a prová-la com
sofreguidão. Ansioso, Jonathan comprimiu sua ereção de encontro a ela, desejoso por se
colocar dentro; por sentir como seria estar em uma mulher. E não de qualquer mulher, mas da
única que lhe despertava tal vontade.
– Faith... – gemeu em agonia ao sentir a mão delicada correr por seu abdômen e parar
somente quando o tocou sobre a calça. Jonathan murmurou palavras desconexas antes de afundar
o rosto na curva do pescoço feminino. – Faith mia...
As pedrinhas soltas arranhavam, mas Faith simplesmente não tinha como protestar. Apesar de
apreensiva, adorava perceber as reações que provocava nele. Se conseguisse se entregar,
ficariam juntos para sempre. Jonathan ficaria viciado nela, assim como ela própria já estava
irremediavelmente dependente dele.
– Estou aqui, senhor...
Ouvi-la sussurrar de forma lamuriosa enquanto o acariciava daquela maneira indecente,
despertou o fio de sanidade que ainda restava. Vinha agindo como um nos últimos dias, mas não
era nenhum animal!
– Per favore, pare! – pediu Jonathan.
– Não! – Foi a resposta firme. Contudo, não cabia a ela decidir.
– Faith, pare! – Jonathan demandou. Precisava voltar à razão, então ignorou os protestos e se
pôs de pé, levantando-a consigo.
– Por que parar agora?... Faltava tão pouco... – ela choramingou, abraçando-o. Trêmula de
desejo; de frustração; de medo.
– Justamente – Jonathan retribuiu o abraço. – Faltava pouco para que cometêssemos uma
loucura à beira dessa estrada.
– Eu não me importo! – ela declarou, beijando o peito amplo.
Evidente que não se importaria em copular em qualquer lugar, Jonathan pensou, voltando a
ser visitado pelo despeito. Tal consciência também fez voltar sua raiva. Não lhe era permitido
ter mulher alguma e desejar uma perdida como Faith, agravava seu pecado.
Todavia, estava resignado com sua desgraçada sina, considerou, comprazendo-se com os
lábios que passeavam por sua pele. Não tinha retorno, pois mesmo que a parasse, procurá-la-ia.
Então, engolindo a revolta de saber-se irremediavelmente corrompido, disse seriamente:
– Mas eu me importo. Aqui não é lugar apropriado para o que pretendemos fazer. Já nos
arriscamos demais.
Faith sentiu seu peito se encher de esperança. Jonathan não fugiria? Livre do arroubo
apaixonado, consciente de sua vida dupla, indicava que ficariam juntos?
– Haverá um lugar adequando? – Tentou uma confirmação, acariciando-lhe o abdômen. Após
um breve momento em silêncio, no qual ela acreditou ter brincado com a sorte, ele seriamente
assegurou:
– Haverá.
Soltando a respiração, suspensa até então, Faith sorriu. Satisfeita, beijou-lhe o pescoço, a
mandíbula, antes de procurar por sua boca. Jonathan aproveitou o beijo enquanto sentia os
dedos libertinos vagarem por seu abdômen e novamente acariciá-lo sobre a calça, sem nenhum
decoro. Com a boca ainda sobre a dela, pediu muito rouco:
– Não faça isso... Precisamos ir embora.
– Vamos ficar só mais um pouquinho... – lânguida, rogou. Antes que retrucasse, a libertina
tentou desafivelar seu cinto. A insistência o envaidecia, mas era imprópria.
– Non... – Freou-a, retendo a mão raptora para novamente a beijar, apaixonadamente.
Cedo demais quebrou o contato, pois era preciso acalmar seus corpos. A cada minuto se
tornava imperioso partir. Complicado era não saber como fazê-lo. Nunca antes ficaram juntos
tanto tempo sem qualquer intromissão.
– Estranho deixá-la ir embora – comentou sem notar.
– Devo entender que vai sentir minha falta e pensar muito, muito em mim? – Faith indagou,
deixando que o contentamento pelas últimas palavras sufocasse a recusa recente.
– Não preciso alimentar seu ego, não é mesmo? – Jonathan retrucou ainda que gentilmente.
Não era seu desejo expor-se tanto, contudo, ao senti-la murchar em seu abraço, decidiu que
era tarde demais para se precaver dela. A declaração que faria era de suma importância, então
não se surpreendeu quando sua voz saiu rouca ao acrescentar:
– Corro um risco real ao dizer isso, Faith, mas acho que deva saber... Penso em você desde a
primeira vez que a vi e todos os dias me enlouquece mais.
Então seriam os dois a perder a sanidade, Faith pensou comovida. O italiano bipolar era
louco por ela! Por ela e mais ninguém! Queria dizer que não havia motivos para temê-la, porém
foi interrompida por aquela voz cantada que tanto amava.
– Tu se una serpente, Faith, ma anch’io non sono molto meglio... Poi como posso non
inammorarmi di te?
– O que disse? – perguntou enlevada.
– Que precisamos partir, mesmo que me custe deixá-la ir. – Não foi o que disse, mas era uma
variante aceitável, pensou. Descobrir estar apaixonado não o deixava preparado para admiti-lo
de forma que ela entendesse. Não quando havia tanto a esclarecer. – Está tarde e já afrontamos a
sorte por tempo demais.
– Certo – ela murmurou contrafeita, afastando-se um passo para arrumar suas roupas. – Tenho
mesmo de ir embora. E precisarei de uma boa desculpa pelo meu atraso caso encontre meu pai
acordado.
Jonathan recolocou sua camiseta e se abaixou para pegar a jaqueta enquanto a moça falava. A
citação de uma boa desculpa fez com que o tema que os levou até ali retornasse com força na
mente do padre que sério falou:
– Tenho certeza de que conseguirá uma das melhores.
– O que houve? – Faith se aproximou, estranhando o tom. Como não enlouquecer com aquele
homem de humores variados e bruscamente mutáveis? – Está com raiva?
– Não com raiva – assegurou, acariciando-lhe o rosto para tranquilizá-la. – Apenas me
lembrei do quanto é boa com mentiras... Arrumará uma boa desculpa.
– Tudo bem... Depois de hoje nem tenho como me defender, mas posso explicar...
– Acredito que possa – falou, abraçando-a pelos ombros. Uma vez que teria que deixá-la
partir, fez com que seguisse até a pick up. – Mas não asseguro acreditar.
– Novamente não tenho como retrucar a isso – Faith disse sem rancor, apenas colhia o que
plantou. – Mas vou tentar... Poderíamos conversar amanhã pela manhã se for à praia.
A possibilidade era animadora, contudo estavam livres de Tyler, não de Mason.
– Como fará com seu irmão?
– Se marcarmos muito cedo eu posso fugir pela varanda antes que todos levantem.
– Fugir pela varanda? – Jonathan estranhou. – Não quero. É arriscado.
– Não se preocupe. Faço isso sempre. Desço e subo por uma grade de madeira. O senhor a
viu – lembrou-o. – Passamos por ela para ir até meu atelier.
Talvez lembrasse caso saber daquele hábito não incitassem seu ciúme. Evidente que a rota
usual de fuga era usada com frequência para seus encontros secretos. A certeza lhe trouxe uma
ressentida resignação. Se a moça estava habituada a colocar seu lindo pescoço a prova, que se
arriscasse também por ele.
– Está bem! – assentiu lacônico. Sua ideia era deixá-la e partir, porém Faith o segurou num
abraço apertado e o beijou. Ainda enciumado, não retribuiu, apenas a afastou. – Boa noite,
Faith! E se lembre de que nossa conversa será sobre sua ida àquele lugar.
A moça o viu se afastar e entrar no jipe, sem entender a mudança. Foi preciso que Jonathan
sinalizasse com os faróis para que saísse da inércia e o imitasse. Por mais que repassasse suas
últimas palavras não via o que poderia ter dito para distanciá-lo.
Caso não fosse a dor em seu traseiro ou os faróis que a seguiam de perto, poderia acreditar
que havia sonhado. Mas não sonhou. Ainda não estava certa quanto aos tapas que recebeu, mas
todo o resto seria para sempre lembrado. Tudo tinha sido quente, muito quente e não se deixaria
influenciar pelas variações de Jonathan, nem pensaria no futuro. Saltaria um obstáculo por vez
e, por ora, o maior era Elliot Green.
Enquanto guiava, rogava que ainda tivesse algum crédito e encontrasse todos a dormir.
Capítulo Quatorze

– O que farei com você, Jonathan? – Carlo indagou em sua língua natal imediatamente à
entrada do sobrinho. – Isso são horas de chegar? Onde esteve?
Jonathan sustentou-lhe o olhar. Não se encontrava num bom estado de espírito para
discussões. Queria se deitar e dormir para abreviar o tempo que o separava do novo encontro.
– Por favor, senhor – começou cansado –, eu não quero ser grosseiro então apenas me deixe ir
dormir.
– Deixou-me falando sozinho – Carlo o lembrou. – Nossa conversa ficou inacabada.
– Não ficou – Jonathan retrucou, comprimindo o espaço entre seus olhos fechados. Previa
uma dor de cabeça incômoda caso prosseguissem. – Eu a interrompi pelo mesmo motivo que o
peço para que me deixe ir dormir. Não quero ser mal-educado com o senhor. Estou farto de
nossas brigas.
– Frequentes de uns dias para cá – Carlo salientou. – Eu queria saber o que há?... O que tem
feito de sua vida. Olhe como está!... Sujo. Cheirando a cigarro... Fico me perguntando se
também bebeu... Diante disso, como posso vê-lo se destruir e simplesmente deixá-lo ir dormir?
Jonathan encarou seu eterno tutor, seu confessor – aquele que aprendeu a respeitar e confiar –,
que a partir de uma única conversa fortuita deixou de reconhecer. Pelo afeto que ainda lhe tinha
não foi descortês, contudo usou de sinceridade mordaz ao replicar:
– E se eu lhe dissesse que pela primeira vez em anos sinto que tenho uma vida? É nova. Não
sei o que faço com ela... Se a descarto ou se apenas a vivo intensamente. A única coisa que sei é
que somente agora, depois daquele maldito acidente que me levou tudo deixando um imenso
vazio aqui – socou a têmpora direita –, eu me sinto vivo. Não vou esquecer minhas obrigações
nem chamar a atenção sobre mim se é esse seu medo. Mas vou encontrar um meio termo que me
permita ir aonde tenha de ir, fazer o que tiver de fazer sem ter de dar satisfações a ninguém.
Nem mesmo ao senhor.
Carlo sustentou-lhe o olhar, altivo, porém a emoção podia ser vista em seus olhos. Sem
envergonhar-se ou tentar ocultar, deixou que uma lágrima caísse por seu rosto consternado.
– Não posso condená-lo por desejar se sentir assim, mas temo pela forma que vai guiar essa
nova vida. Não percebe como está indo contra sua vocação?... O que sua mãe diria?
– Não tenho como saber o que minha mãe diria e sabe por quê? – Jonathan chegou ao seu
limite. – Porque ela está morta! Não tenho como confirmar o que a faria sentir orgulho ou
decepção assim como não posso saber se sempre tive essa vocação que tanto cita e que me
colocou aqui – disse, indicando seu entorno de braços abertos. – Não posso ter certeza de nada
nessa existência que criou e me faz crer... Somente aceitar sua palavra que, no momento, bem
sabe que pouco vale para mim.
– Pare de dizer essas coisas – Carlo ordenou embargado. – Não admito que questione o que
lhe digo.
– Quando muito pode não aceitar, mas não me obrigar a acreditar no que quer que seja.
Agradeço por toda a dedicação que sempre me teve. Na medida do possível, por respeito ao
nosso parentesco e à sua idade, vou obedecê-lo. Mas entenda de uma vez por todas que eu
cresci. Não preciso mais de um tutor que me diga aonde ir ou quando. Sou responsável por meus
atos e se um dia cometer alguma falta a qual deva responder, eu o farei sem pestanejar. Agora,
por favor, deixe-me dormir. Não quero ser acusado de deixá-lo falando sozinho.
– Vá de uma vez, Jonathan – o tio o liberou por fim. – Mas antes de dormir, reze, pedindo
iluminação para sua vida. Farei o mesmo para que não encontre trevas por esse caminho que, ao
que vejo, está decidido a trilhar.
– Farei exatamente isso – retorquiu, encaminhando-se para o corredor. – Pedindo apenas para
me manter em meu caminho, seja ele qual for.
No quarto, Jonathan refreou o ímpeto infantil de bater a porta e, sem se importar com a sujeira
mencionada, atirou-se sobre a cama. Carlo não precisava aporrinhá-lo mais, quando já fora bem
ruim seguir Faith, substituindo o lugar antes ocupado por Tyler. Sendo igualmente conivente e
até fraco por ter se rendido a ela sem conseguir sua confirmação de que deixaria a casa noturna.
De qual outra forma poderia agir quando sua paixão por ela terminou por eclipsar seus erros?
Nada, então deveria se esquecer de Carlo e dormir para então estar junto dela uma vez mais.
Minutos depois, ainda agitado, Jonathan levantou e passou a vagar de um lado ao outro.
Inquieto, sem saber ao certo o que o movia, acendeu a luz e foi até o guarda-roupa para resgatar
a velha caixa de madeira. De volta à cama, acomodou-a sobre o colo e correu os dedos pela
inscrição: SADE.
Repassou a palavra mentalmente, rogando que esta lhe trouxesse alguma centelha de
reconhecimento. Nada! Poderia significar qualquer coisa. Iniciais de um nome completo,
referência ao Marquês de Sade. Não tinha como saber. Sem se aprofundar na especulação,
retirou o cordão do pescoço e abriu a caixa.
Entre intrigado e fascinado, Jonathan ignorou as algemas e tomou um dos punhais em sua mão.
Empunhou-o pelo cabo, sentiu seu peso e correu o indicador pelo fio conseguindo um corte
mínimo. A gota de sangue lembrou-o do pavor paralisante ao ver a palma ensanguentada. Outra
peça sem encaixe para o quebra-cabeça incompleto que era sua vida, pois, no momento, nada
sentiu.
Aproveitando a lâmina afiada, Jonathan cutucou os pontos esquecidos até soltá-los. No
processo, novamente se feriu, mas tão superficialmente que, como seu dedo, logo estaria curado.
Estava mais interessado no próprio punhal. Voltando a girá-lo, também recordou seu sonho no
qual manuseava enquanto Faith dançada e se despia, somente para ele. Na ocasião, segurava-o
pela ponta, com o profundo desejo de arremessá-lo, confiante de que acertaria.
– Como se adiantasse alguma coisa – murmurou descrente, antes de atirá-lo.
Para sua surpresa, o punhal atingiu o alvo. Não se fixou na porta do quarto e pelo adiantado
da hora fez estrondo ao cair. Admirado, Jonathan viu haver alguma lógica em atirarem facas
daquela maneira, até então, pouco usual a ele. A novidade prendeu sua atenção, desviando-o das
inquietações que o mantinha insone.
Considerando-se um tanto imbecil, Jonathan retirou a jaqueta e, depois de capturar o punhal,
voltou à posição anterior. De pé, empregou maior força e novamente o arremessou, conseguindo
prendê-lo na madeira, contudo, logo o punhal caiu com estardalhaço. Daquela segunda vez
Jonathan reconheceu ser divertido, porém, mesmo tentado a prosseguir, parou. Se continuasse a
fazer barulho, Carlo viria bater à sua porta e não estava disposto a um novo encontro.
Guardaria o punhal, mas mudou de ideia no último minuto, deixando-o sobre a cama. Depois
de trancar a caixa e recolocá-la no lugar, apagou a luz e se descalçou. De volta à cama, passou a
rolar o punhal pelo cabo. Talvez estivesse apenas impressionado por ter sentido um leve prazer
ao atirá-lo, contudo, notou certa intimidade com o objeto. Como ocorreu com a bebida, o tabaco
e o clima da maldita casa noturna.
O que aquelas similaridades poderiam representar? Quais as chances de todas elas terem
feito parte do passado de um precoce aspirante ao sacerdócio? Nenhuma. Ou todas. Bastava
aceitar que seu tio não tão confiável, tenha mentido todo aquele tempo.
– Pouco provável – murmurou.
Mais fácil seria crer que se autoinduzia a reconhecer aquelas coisas espúrias para estar mais
próximo ao mundo de Faith. Ao pensar nela as especulações infrutíferas se esvaíram. Ficou o
que fez na estrada, não o começo, sim, depois. Também abstraindo sua consternação final,
apenas apreciou os ecos daquela satisfação desvirtuada, vinda com cada contato violento de sua
mão com a carne arredondada.
Acalentando o desejo maldoso de que ainda estivesse doendo, Jonathan finalmente dormiu.
Acordou atrasado, com o corpo desperto como de costume. Ignorando-o, banhou-se até que se
aquietasse. Também dispensou as flexões, trocando-se para finalmente sair. Antes deixou o
punhal ao lado de seu chicote; esquecido na gaveta desde a manhã de sábado na qual este foi
empunhado por Faith. Correndo os dedos pelas tiras negras, Jonathan confirmou que seu antigo
companheiro de correção, quando muito, seria um cúmplice em seus delitos, não um carrasco.
Como não havia tempo a perder, deixou de divagações libertinas, fechou a gaveta e saiu. A
sala estava deserta, assim como a praça e todo percurso. Tanto melhor!
Jonathan não queria encontrar ninguém que o detivesse. Queria apenas seguir aquela força que
o compelia até Faith, rogando para que ela já tivesse se valido de sua habilidade em fugir e o
esperasse. Não estava, viu ao terminar a trilha. Inferno!
Correndo os olhos ao longo da faixa de areia, Jonathan decidiu abandonar a má vontade e
aproveitar sua volta à praia. Enchendo seus pulmões com o ar puro, observou que aquele seria
um lindo dia e seu mau humor por um atraso apenas o estragaria. Caso Faith não viesse, valeria
como lembrete de que nem sempre seus encontros seriam bem-sucedidos. Conformando-se
Jonathan alongou seus músculos e, ao se sentir bem disposto, iniciou a corrida.
Seguiu até uma das extremidades e fez o caminho de volta. Corria distraído, então avistou a
moça sobre a conhecida pedra quando já estava perto. Invariavelmente ele não se ocupava em
distinguir as sensações estranhas que o visitavam ao vê-la, mas a dor fina e gélida que cruzou
seu peito naquele momento assustou-o, fazendo com que desacelerasse e caminhasse até ela.
Faith levantou para recebê-lo. Os cabelos estavam presos no rabo de cavalo que ele lamentou
não poder desfazer. Vestia camiseta branca, uma calça de moletom preta e tênis da mesma cor. E
nenhuma peça a cobria perante seus olhos. Esboçava um sorriso tímido que o incitava a beijá-la
somente para apagá-lo por saber ser tão embusteiro quanto quem o ostentava. Naquele instante
Jonathan novamente a desejava e odiava por tê-lo feito esperar.
Iria cobrar-lhe a falta grave, quando Faith alargou o sorriso e murmurou:
– Posso tomar a bênção, senhor?
Surpreendente perceber o poder que a messalina exercia sobre ele. Faith abria-lhe as portas
do inferno por erotizar algo sagrado. E ele se atiraria às chamas, satisfeito, sem nunca negar-lhe
tal ação, pensou ao estender a mão. Faith a segurou e comprimiu os lábios macios em seus
dedos, causando-lhe uma prazerosa agitação abaixo da cintura.
A vontade de Jonathan era puxá-la para si. Beijar-lhe a boca aliciadora e, talvez, dar
sequência a todo o resto como qualquer casal normal bem o faria. Todavia, não poderia jamais
se esquecer de que não formavam um par. Nem estavam encobertos pela escuridão da noite.
– Basta! – pediu, recolhendo a mão. Apesar de desértica, a praia não era segura para que
permitisse contatos prolongados.
– Bom dia! – ela cumprimentou, sem se abater com a interrupção. Colocando-se muito perto,
Faith indicou compartilhar da vontade proibida.
– Buon giorno! – murmurou num fio de voz, mirando a boca rosada tão próxima. Com um
pigarro libertador, Jonathan recuou um passo e assumiu o controle da situação. – Você demorou.
– Não vai me beijar? – ela indagou com um muxoxo, ignorando o comentário.
– Aqui não é o lugar – lembrou-a. Afastando-se mais, antes que também se esquecesse.
Evidente que não, Faith pensou, deixando-o ir. Em sua ansiedade ficava alheia aos cuidados
que deveria tomar. Não seria sempre que sua boa estrela sorriria como na noite anterior, quando
não foram flagrados na estrada nem ela cruzou com os pais ao chegar a casa.
– Vamos caminhar então? – sugeriu.
– E conversar, como combinado – disse Jonathan, emparelhando-se a ela.
– E conversar – repetiu com o coração aos pulos.
Durante a madrugada alimentou fantasias românticas, somente para ser despertada pela dura
realidade; era hora da verdade. Por ser um momento decisivo, ambos ficaram calados por
tempo demais. Ela a sentir as palmas suadas e frias, pois não sabia como dizer que não podia
deixar de ir à casa noturna. Ele, cansado de tantas mentiras, descrente de que em algum
momento viesse a acreditar em explicações dúbias.
– Então. – Faith foi quem rompeu o silêncio. – Qual o tema?
– Tyler Mills – Jonathan falou sem pensar, afinal, o rapaz era o maior de todos seus
problemas.
– Não sei o que ainda possa dizer sobre ele – ela retrucou com cautela. – É um grande amigo
e nada mais.
– E baseado em sua concepção de amizade, eu devo entender que Peter também o seja? –
ironizou acidamente.
– Peter é apaixonado por Nick – Faith contou sem rodeios. – E estou considerando o que
acabo de dizer, segredo de confissão.
– E mesmo assim se sujeita a ficar com ele?! – Jonathan ciciou. Nem mesmo ser lembrado de
sua condição apagou o espanto da declaração. A leviandade da moça não conhecia limites. –
Sinceramente não sei como ainda me surpreendo.
– Não julgue o que não sabe – ela pediu. Ao detê-lo pelo braço, esclareceu: – Nunca
estivemos juntos como imagina. Era apenas encenação para que minha irmã covarde tomasse
alguma atitude e o assumisse. Acredite – pediu, sentindo seu rosto corar de vergonha genuína
ante ao olhar duro que recebia. – Estou dizendo a verdade, senhor. Quando aceitei a proposta de
Peter, não me pareceu tão estúpida como agora.
Se a face carmim não endossasse suas palavras, os olhos castanhos o fariam, porém longe de
se tranquilizar, Jonathan inquiriu:
– Então devo entender o quê do espetáculo que presenciei nessa praia, quando sua irmã não
estava presente? – Ao registrar o morder de lábios e um leve encolhimento de ombros, imaginou
ter sua resposta. – Eu estava aqui, não é mesmo?
– Me desculpe! – pediu. – Foi imaturo de minha parte. Eu estava com raiva por me destratar
sem motivo. Daí quis revidar, causar ciúmes, nem sei mais...
– Pois saiba que conseguiu – revelou, taciturno, irritado por ter se entregado de bandeja ao
tio, movido pela infantilidade dos jovens amigos. Para evitar erros futuros, foi sincero: – Sei
que não devo, mas sinto ciúme de você. Por isso quero que esteja livre, pois não suportaria
divisões.
– Não há divisão – ela assegurou, apoiando-se ao peito largo, sem se importar onde estavam.
Sem sentir qualquer orgulho ou vaidade ao saber que atingira seu objetivo. – Somos apenas nós
dois, senhor. Por favor, acredite em mim.
Em meio àquele mar de mentiras no qual ela parecia viver mergulhada, acreditar era tudo o
que ele mais queria, contudo, havia tantos detalhes sórdidos a serem analisados que não via
meios de conceder-lhe alguma credibilidade. Retirando as mãos delicadas de seu peito, falou ao
dar um passo atrás:
– Posso acreditar no acordo infantil. Ambos parecem capazes de qualquer inconsequência e
podem ser somente amigos. – Quando a moça sorriu satisfeita, prosseguiu: – Mas com Tyler é
diferente. Eu os observei, Faith... Não uma, mas várias vezes.
Ela abriu a boca para protestar, porém Jonathan não permitiu.
– E se não bastasse toda a intimidade e a tensão presente nos encontros que presenciei, tem as
palavras dele que confirmaram já tê-la tocado. Há a presença dele naquele lugar maldito.
Foi a vez de Faith recuar. Na noite anterior Tyler não estava na boate. Tinha apenas uma
forma de Jonathan saber. Forçando o ar para seus pulmões, indagou num fio de voz:
– Ontem não foi a primeira vez que me viu dançar?
– Não.
– Quantas vezes o senhor esteve em The Isle? – ela sussurrou. Tinha a garganta obstruída.
– O suficiente para não acreditar no que diz.
– Então como vai ser? – Faith perguntou no limite do seu constrangimento.
Se pudesse voltar no tempo nunca teria colocado os pés naquele antro como Jonathan mesmo
o denominava, pensou com os olhos a marejarem. Sem dúvida, aproveitaria a chance e cortaria
os avanços de Tyler desde o início, e não concordaria com a estupidez de Peter. Faria qualquer
coisa que naquele momento a livrasse do impasse no qual se colocou.
– Se não acredita, como nós poderemos...
Faith não foi capaz de concluir. O choro que lhe travava a garganta veio fácil, calando-a. Pelo
tanto que conhecia da bipolaridade de Jonathan à luz do dia, cada vez mais parecia que aquela
conversa era apenas o prenúncio para o que temeu acontecer na noite anterior.
– Per favore, non piangere – Jonathan pediu, olhando em volta antes de fixar sua atenção na
figura arqueada da moça, sem entender por que ela chorava.
Nervosamente Jonathan correu a mãos pelos cabelos sem saber como agir. Quantas vezes
desejou consolá-la? Inúmeras e, quando tinha a chance, descobria que era incapaz de fazê-lo. O
impedimento ante algo corriqueiro tornava-o mais consciente da inviabilidade daquela relação,
porém não tinha como recuar.
– Por favor, Faith, não chore... – repetiu.
Queria atendê-lo, mas não podia. Desamparada, sentindo a falta antecipada da voz cantada e
dos beijos que não receberia, caiu sentada na areia macia. Queria que Jonathan encerrasse sua
agonia, porém ele não poderia e vê-la desmoronar o desesperou de vez. Enraivecido por sua
inutilidade, Jonathan passou à circular diante da moça, assistindo seu choro silencioso.
– O que eu disse para deixá-la assim? – perguntou por fim, sem encobrir a rispidez em sua
voz. – Não pode me culpar por acreditar mais em ações do que em palavras.
– Não culpo – disse Faith, embargada. Era a única errada. – Só não quero que vá embora...
– Dio santo! – Jonathan estacou confuso, porém aliviado por vê-la reagir sem sua ajuda. – E
quando eu disse que iria embora?
– É a lógica, não? – Faith indagou igualmente aturdida, secando as lágrimas com as costas das
mãos. – Depois de ver o que faço e não acreditar que esteja sozinha, como vai me aceitar?
– Eu já aceitei, bambina! – Jonathan afirmou ao se agachar diante dela.
Chamou-a de menina sem nem pensar por ser exatamente como ela lhe parecia. Chorosa, com
o nariz e as bochechas avermelhados; tão mais nova do que ele, além dos seis anos que os
separavam. Quando os olhos castanhos e lacrimejantes maximizaram-se, incrédulos, Jonathan
pôde até conferir-lhe alguma inocência. Estava perdido! E como não retrocederia, decidiu
confortá-la com palavras.
– Estou lhe dando o benefício da dúvida, Faith. Quem sabe com o tempo eu entenda esse
relacionamento estranho que insiste em chamar de amizade?
Faith seria capaz de beijá-lo tamanha alegria em ouvir tais palavras, contudo a postura rígida
e a distância que nem ao menos o permitiu tocá-la, indicava que nunca haveria exceções.
Sempre seria preciso manter a discrição.
– Vai entender – assegurou. E decidida a não esconder coisa alguma para fazer por merecer a
confiança empenhada, acrescentou: – Na segunda-feira, depois que te deixei, fiquei sabendo do
acidente de Tyler e fui com meus pais visitá-lo. E foi bom, porque tivemos uma conversa
definitiva.
– Definitiva como? – Jonathan se mostrou contrafeito.
– Ele entendeu que eu nunca ficaria com ele. Não vai mais me perseguir nem demonstrou
interesse em te denunciar pelo que viu.
– E você acreditou?
– Bom... Só o tempo dirá, mas no momento não tenho porque duvidar – falou, esboçando um
sorriso.
O jeito era esperar, ele decidiu um tanto mais calmo por vê-la finalmente tranquila. Com
aquelas palavras, Tyler se tornava um problema menor ante o impedimento de abraçá-la.
Jonathan esperava nunca mais passar por algo parecido.
– Se confia, vou fazer o mesmo – garantiu antes de se certificar: – Está mais calma?
– Disse que não vai embora, então estou. – Faith sorriu mais confiante.
– Não vou – Jonathan reiterou gravemente. – Esqueceu o que eu disse ontem? Que me
enlouquece desde a primeira vez que a vi?
– Não esqueci, mas tem de concordar que também não é muito confiável, senhor. Há horas em
que me atrai e em outras me rejeita sem qualquer motivo aparente. O que eu deveria pensar
quando agora os tem aos montes?
Não poderia lhe tirar a razão e se a queria em sua vida deveria mostrar-se um pouco. Com as
pernas doloridas pelo agachamento, sentou-se a liberar um suspiro cansado. Depois de passar
as mãos pelos cabelos já em desalinho, sem deixar de mirar o rosto corado, explicou:
– Não foi sem motivos. Sabe que é errado isso que estamos fazendo. Não posso querer estar
com você Faith, no entanto, é o que quero. E tudo piora quando faz coisas que não me agradam.
– Poderia ter me dito.
– Não tinha o que dizer... Não vim para essa cidade a passeio. Nem à procura de flertes,
então não espere que eu fique me declarando. Eu deveria era calar o que sinto, mas como parece
impossível, estou disposto a fazer com que isso entre nós dê certo de alguma maneira.
– Não precisa se declarar desde que me mantenha por perto – falou contente; animada por
Jonathan ter feito uma declaração mesmo sem perceber.
– Você entende o que acontecerá entre nós? – ele indagou receoso de que ela não tivesse se
dado conta do que a aguardava.
Naquele instante, ansiou que ela compreendesse e fizesse o que ele não era capaz, colocando
fim na insanidade, recusando-se a tomar o caminho sem futuro que a convidava a seguir. Aquela
talvez fosse a última chance para eles dois.
– Não tenho nada a oferecer, Faith. Não se trata apenas de declarações. Nunca serei seu
namorado. Não haverá passeios de mãos dadas, sorvetes divididos com a mesma colher na
lanchonete ou qualquer dessas bobagens românticas que jovenzinhas como você esperam.
– Mas eu terei você para mim, não terei?
– Raríssimas vezes. – Explicar para ela dava a si próprio à devida dimensão do sacrifício
que lhe impingia. Era um homem egoísta sem chances de remição. – Todas discretas, pois
ninguém nessa cidade além de Tyler pode sequer sonhar com nosso envolvimento. Acha que
pode suportar?
– Me deixe pensar... – Faith pediu jocosa, contorcendo os lábios como se efetuasse um
complicado cálculo mental. – Será que posso suportar ter um não namorado que por ser padre
não poderá me assumir perante todos... Difícil essa!
– Por que brinca com assuntos sérios? – Jonathan indagou com o cenho franzido.
– Porque se não brincássemos às vezes enlouquecíamos, senhor – ela exclamou de modo
jovial. Então, voltando à seriedade, pediu: – Por que não fazemos assim... Vamos deixar
acontecer, depois veremos o que podemos suportar. Não tem como prever o futuro, não é
mesmo?
Era arriscado, mas não tinha outra solução. Faith poderia simplesmente se cansar de ser sua
amante e deixá-lo, contudo, nenhuma palavra empenhada naquele momento seria garantia de uma
permanência duradoura. A inegável possibilidade do fim enregelava seu coração.
– Tem razão... – disse rouco. – Não podemos prever o futuro.
– Já que é assim... – Faith começou esperançosa, mirando a boca que durante todo encontro
quis provar. – Poderíamos não namorar só um pouquinho?
Ouvir o pedido manhoso e vê-la correr a língua entre os lábios enquanto seu coração ainda
era atacado pelo temor de uma possível separação, reacendeu nele a vontade de abraçá-la e
beijá-la. Considerava precipitar-se e atendê-la, quando uma movimentação distante chamou-lhe
a atenção, mostrando que esteve certo por em momento algum se render às suas vontades.
– Seu irmão veio buscá-la – informou, acenando para Mason que antes o cumprimentou. – Vê
que aqui não é seguro? – acrescentou, colocando-se de pé.
– Então onde? E quando? – Faith perguntou rapidamente, imitando-o, também acenando para
o irmão.
– Ainda não sei, mas darei um jeito – Jonathan assegurou ansioso com a separação
momentânea e com a percepção de todas as complicações que teriam.
– Bom dia, padre Jonathan! – Mason exclamou jovial, medindo um e outro. Fixando o olhar
no rosto corado da irmã, comentou: – Saiu cedo. Por que não me acordou?
– Cheguei tarde, Mason. Nem sabia que você estava em casa.
– Helen me trouxe ontem à noite – explicou. – Quis se certificar de que eu viria direto para
casa. Acho que está desconfiada da semana passada.
Faith não queria nem lembrar o mal-entendido, contudo Jonathan se mostrou curioso.
– O que aconteceu?
– Ah... Uma bobagem. Fui a uma boate lá de Wells. Helen não sabe, mas desconfia – contou,
alheio a troca de olhares significativos entre o casal.
– Entendo – Jonathan falou levemente enjoado por imaginá-lo a ver a irmã despida. Como se
lesse seu pensamento, ela esclareceu:
– Sei que não está interessado nessas coisas, senhor, mas meu irmão queria conhecer uma das
atrações. Só que ela já tinha se apresentado e ele nem a viu.
– Pois é... – exalou Mason, lamurioso. – Uma pena, mas não vale arriscar me desentender
com a Helen. Não volto mais lá.
– Acho que muitas pessoas deveriam deixar de ir a lugares desse tipo – Jonathan retorquiu
contrariado por ter se deixado levar pelo choro da moça que o distraiu, fazendo-o esquecer
daquele assunto. Sério, recuou um passo. – Que bom que chegou para fazer companhia para sua
irmã... Preciso cuidar de meus afazeres. – Olhando para Faith, despediu-se: – Foi um prazer
encontrá-la aqui. Gostei muito de nossa conversa. Consegui convencê-la de voltar às missas?
– Se conseguiu foi um milagre – Mason se adiantou a ela. – Eu já estava estranhando ela ir
com frequência. Essa aí nunca gostou de igrejas.
– Veremos senhor – ela respondeu, impressionada com a dureza da voz cantada. Estava claro
que a menção da casa noturna tinha quebrado o clima bom. Como prova Jonathan não retrucou;
apenas se despediu dos dois irmãos e se foi, sem olhar para trás.
– Agora nós dois, maninha – Mason falou ao lado, atraindo sua atenção.
Faith o encarou com as sobrancelhas unidas. Algo no olhar do irmão lhe dizia que encontrá-la
a conversar com o padre, depois de escapulir muito cedo, tinha alimentado suas suspeitas.
Colocando as mãos nos bolsos da calça de moletom para ocultar seu tremor, desentendida,
indagou:
– O que fiz para usar esse tom?
– Eu perguntei uma vez e você negou, mas tenho de insistir... Você está a fim do padre?
– Agora uma pessoa não pode conversar com outra que já é interesse? – rebateu ofendida. –
Apenas nos encontramos aqui... E ele aproveitou para me chamar de volta à igreja. Você ouviu.
O irmão a encarou desconfiado. Mediu-a de alto abaixo, então falou:
– Não acredito em você, mas não é da minha conta. Não quero ser o irmão chato que fica
regulando sua vida. Só espero que não seja louca de se insinuar para o padre. Respeite-o e
também ao Peter.
– Pode deixar... – murmurou, cansada. – Agora podemos ir? Estou com fome.
– Todos nós estamos – Mason comunicou, seguindo para a trilha com a irmã ao seu lado. –
Papai está nos esperando para tomarmos o café juntos. Sabe como ele fica quando está perto de
uma viagem.
– Sei, sim... Eu deveria ter prestado atenção à hora.
– Deveria, mas com tanta distração... fica difícil.
Faith não retrucou. Seguiu calada até sua casa, ainda temerosa com o que viria em seu
próximo encontro com Jonathan. Baseada em tudo o que foi dito aquela manhã, considerava
contar a verdade. Apesar da chantagem, estava decidida a deixar a casa noturna e talvez ele lhe
desse alguma ideia sobre como agir.
– Finalmente! – Elliot exclamou a entrada dos filhos. – Pensei que fosse preciso eu mesmo ir
buscá-los.
– Nem demoramos tanto assim – Mason falou indo se sentar. – Assim que a encontrei, viemos
embora.
Faith agradeceu intimamente por seu irmão não ter mencionado o padre da cidade. Depois de
lavar as mãos, ocupou seu lugar à mesa. Depois de cumprimentar a todos corretamente,
perguntou à irmã:
– Alguma novidade? – Não foi preciso mais do que isso para que Nicole a entendesse.
– Nada ainda – falou sem emoção.
– Joseph aparecerá – Constance sentenciou. – Agora podemos tomar nosso café sem assuntos
desagradáveis?
Houve um consenso geral ao qual Faith também agradeceu. Perguntara somente para puxar um
assunto qualquer. No fundo somente conseguia se preocupar com sua própria vida.
Atendendo ao seu pedido mudo, aquela manhã Elliot requisitou sua ajuda para que, com os
voluntários do centro comunitário, o ajudasse a deixar tudo em ordem para sua partida. De bom
grado Faith os ajudou a decidir o que seria prioridade para tratar na volta ou as amenidades
cuidadas durante sua ausência. Também ajudou na organização do recebimento dos poucos
habitantes queixosos.
Samuel Bailey estava entre eles para pedir – pela quinta vez – autorização para abrir um
pequeno bar. Novamente assegurou que não faria concorrência com a lanchonete, pois seria um
lugar voltado aos adultos, com bebidas e uma mesa de bilhar para a diversão dos pescadores.
Assim como seu pai, Faith sempre fora contra por solidariedade a Grace, pois mesmo negada, a
concorrência existiria. Contudo, com o novo temor em ser descoberta, preferia que os homens
de Sin Bay permanecessem na pequena cidade.
– Papai, o senhor deveria deixar – falou despretensiosa. – Acho que seria divertido ter onde
jogar bilhar. Ou dardos. Já pensou nisso, Samuel?
– Está nos meus planos, caso o Sr. Green finalmente autorize – falou esperançoso.
– Não sei – o capitão olhou-o com seriedade. – Conhece meu medo.
– Não vou criar alcoólatras – o dono da casa de iscas falou veemente. – Podemos tirar uma
base por nossos bailes mensais. Que oportunidade melhor todos teriam de encher a cara, no
entanto, mesmo que bebam nunca ninguém passou dos limites.
– É verdade. – Elliot concordou.
– Deixe papai – Faith pediu.
– Eu asseguro que mantenho a ordem – Samuel empenhou sua palavra. – Gostaria que me
desse sua resposta antes que fosse para o mar, pois queria começar a adaptar minha garagem,
integrando-a ao porão.
Elliot olhou de um a outro. Depois de deliberar consigo mesmo por alguns instantes,
aquiesceu.
– Está bem... Mas não invista muito, pois se tivermos problemas eu pedirei para fechar o bar.
– Sim, senhor! Obrigado! – Samuel exclamou satisfeito. – Obrigado!
Samuel piscou para Faith em agradecimento e saiu. Depois dele outros entraram. Ouvia-os
aérea e nunca mais interveio. A cada demonstração de respeito similar a de Samuel, sentia-se
mais culpada. Se um dia sua vida dupla viesse à tona, causaria um forte abalo na reputação de
seu pai. Como alguém obedeceria ou respeitaria um homem que não tomava conta da própria
família?
Nauseada, Faith pediu que o pai a liberasse. Ao passar em frente à igreja tomou o devido
cuidado de não a olhar. Juntamente com seu mal feito na boate estava seu romance ilícito que
igualmente deixaria seu pai desacreditado perante todos. Infelizmente aquele era um risco que
não deixaria de correr. Seria o mais discreta possível e negaria com veemência convincente
caso alguém mais observador como seu irmão levantasse a hipótese, mas, de Jonathan não
abriria mão.
Capítulo Quinze

Naquela noite durante o banho, Faith descobriu que a falta de apetite, assim como a dor de
cabeça e na base de seu ventre não estavam somente relacionadas à iluminação quanto ao seu
péssimo comportamento, ficara menstruada. Finalmente algo para animá-la. Era hora de
começar a tomar as pílulas que ganhou da ginecologista. Com a recordação percebeu como fora
imprudente todas às vezes que se ofereceu a Jonathan sem estar devidamente medicada.
Com o humor melhorado Faith se vestiu e desceu. Encontrou toda sua família reunida,
esperando-a para se sentarem à mesa. Antes que se juntasse a eles, Constance apontou seus
joelhos, com as sobrancelhas unidas.
– O que foi isso? Durante o café não comentei seus cotovelos lanhados, mas agora vejo seus
joelhos nesse estado...
– Eu caí ontem à noite – disse prontamente. – Aqui em frente, quando chegava de minha aula
de dança.
– Ultimamente os jovens dessa cidade andam tão trôpegos... Primeiro o padre Jonathan,
depois Tyler e agora você. Sorte não ser de nenhum telhado, não? – Elliot indagou sério.
– Nem brinque com isso, Elliot – Constance exclamou, aproximando-se da filha. – Tratou
disso direitinho?
Tratou na mesma hora com os beijos de Jonathan, pensou saudosa. Ignorando o comentário do
pai, falou para tranquilizar a mãe:
– Do jeitinho que a senhora sempre ensinou. Lavei com água e sabão e passei antisséptico.
Não se preocupe, são somente leves arranhões.
– Todos bem, então vamos jantar? – Nicole pediu em tom estranho. – Trabalhei o dia inteiro,
estou com fome.
– Todos nós estamos, Nick – Mason retrucou, tomando-a pelo braço para seguirem até a
mesa.
Com todos acomodados, Faith procurou pelos olhos da irmã à procura de alguma indicação
para o mau humor evidente, sem encontrar nenhuma. Quando ela lhe sorriu, chegou à conclusão
óbvia. Nicole sempre teria suas recaídas e se ressentiria por ser a filha do meio, com
complexos de inferioridade que não suportaria ver a caçula receber maior atenção; tonta!
Esquecendo-se dela, a moça se ocupou de comer, mesmo que fosse pouco. Não sabia quais as
reações que o remédio lhe provocaria então não queria tomá-lo sem estar alimentada.
– Faith – seu pai a chamou a certa altura do jantar –, eu quero que convide Peter para vir
almoçar conosco no domingo. Ainda não tive a oportunidade de agradecer a ele pelo excelente
trabalho que fez em meu barco.
– Vou ligar para ele assim que terminar o jantar – respondeu com um sorriso, voltou a olhar a
irmã. Daquela vez o sorriso que recebeu foi sincero. – O senhor gosta mesmo dele, não? –
especulou.
– Confesso que antes não dava muita coisa nem mesmo por seu pai, mas vi estar enganado
com relação a todos os Shaws. Eles têm visão empreendedora, são dedicados ao que fazem e se
estabeleceram em pouco tempo. Fico feliz em reconsiderar e, mais ainda, que tenha se acertado
com Peter. Vou gostar de tê-lo na família.
– Bom saber – ela comentou e piscou para a irmã.
Tarde demais Faith percebeu que Mason acompanhou na troca de olhares. Por sorte, ele não
tinha por costume se meter em assuntos particulares entre as duas; perturbava-as separadamente
como fazia com ela. Apenas deu de ombros como se não lhe importasse entender, porém antes
que Faith se tranquilizasse, falou ao pai, sem desviar os olhos dos dela:
– Deveria chamar o padre Jonathan para o almoço. Afinal, na segunda ele irá abençoar nosso
barco. Seria uma forma adiantada de agradecimento.
– É uma boa ideia! – Faith ouviu seu pai dizer, muito concentrada em não esboçar nenhuma
reação que pudesse dar ao irmão a certeza para suas desconfianças. – E você pode convidar sua
noiva, assim poderemos dizer que a família ficará completa. Pena que Joseph ainda não tenha
voltado.
Elliot não tinha ideia do quanto estava certo em sua assertiva. Apenas um detalhe destoava.
Nicole pareceu seguir seu pensamento, falando antes que ela o fizesse:
– Quando vão aceitar que possa ter acontecido alguma coisa mais séria com Joe? – levemente
embargada, acrescentou: – Talvez ele nunca mais apareça.
– Não diga isso, querida – a mãe pediu ternamente. – Logo ele estará de volta.
Faith quis fazer coro com a irmã, contudo considerou inútil. Quando os Greens fechavam os
olhos ao óbvio muito pouco poderia ser feito. Movendo a cabeça em uma negativa quase
imperceptível, desmotivou a irmã a prosseguir. Nicole suspirou exasperada, mas a atendeu.
– Sim... Ele aparecerá. Eu é que perco a esperança às vezes.
– Não perca – o pai falou duramente. – E reze para que ele volte, pois corre o risco de ficar
solteira caso não aconteça.
– Às vezes eu também me pergunto se esse seria um grande problema e chego à conclusão de
que não, não seria – ela retrucou, deixando os talheres sobre a comida inacabada. – Se me der
licença... Eu perdi o apetite.
– Fique onde está, Nicole! – Elliot ordenou ao vê-la se levantar antes que a liberasse.
– Hoje não, senhor – desafiou-o. – Vou para meu quarto rezar pela volta de Joe, afinal ele é a
única esperança de eu ter minha própria família perfeita e feliz.
Faith precisou travar o maxilar para que seu queixo não despencasse. Enquanto seu pai
bufava irritado e sua mãe saltitava sobre a cadeira, indecisa entre ficar ou ir consolar a filha,
seu peito se enchia de orgulho pela inédita ousadia da irmã.
Na verdade, tinha de reconhecer sentir certa inveja por Nicole ter a coragem de contrariar o
capitão Green abertamente, quando ela própria o fazia sempre de forma indireta. Para Mason
nada aconteceu. Faith também se orgulhava dele, sempre a salvo em seu mundo particular.
Viva as famílias perfeitas e felizes! Faith pensou ao beber sua água num brinde zombeteiro e
mudo antes de finalizar o jantar, agora, silencioso e tenso. Dispensando a sobremesa, pediu
dispensa, depois de ser dispensada pelo pai e pela mãe que a desobrigou de qualquer ajuda, ela
seguiu para seu quarto.
– O que deu em você – perguntou a Nicole ao entrar.
– Estou cansada. O machismo de papai me irrita. E sua maldade também. É necessário me
dizer aquelas coisas?
– Não é, mas... Acreditaria se eu dissesse que acho que ele não faz por mal?
– Acreditaria – falou rancorosa. – Você é puxa-saco. Por isso é tão paparicada, mas eu
simplesmente não tenho estômago.
– Não se trata disso – a moça falou na defensiva. – E não concordo com ele, nem estou
dizendo que você deva. Só acho que justamente por ser machista ele fale o que acredita, sem
imaginar o quanto magoa.
– Se é feliz pensando assim, bom para você! – Nicole deu de ombros. – Agora vamos ao que
interessa. Já ligou para minha segunda opção contra a solteirice quase certa?
– Nem vou ligar. Pensei que seria melhor a segunda namorada fazer o convite. Diga que eu
mandei um oi.
Ao se calar, pegou um romance qualquer de sua coleção de livros e levou à varanda, decidida
a se ocupar com a leitura até a hora de dormir.

Para Jonathan o sábado foi longo e enfadonho. Depois de passar o dia anterior em silêncio,
evitando novas brigas com Carlo, este lhe sinalizou com uma nova trégua. Aceitou-a de pronto,
realmente cansado de argumentações inúteis. Visto que nenhum dos dois iria ceder o melhor era
viverem em harmonia até que todas as verdades não pudessem ser encobertas.
Mesmo com a paz estabelecida, cada um cuidou de seus afazeres separadamente. O tio passou
metade do dia recolhido, preparando seu sermão como ofereceu fazer durante o café da manhã.
Ocupou-se dele depois de cuidar de suas plantas e dar um passeio breve pela praça. Jonathan
por sua vez ouviu confissões à tarde e se preparou para a missa da noite; a última que
ministraria naquele dia tendo em vista a baixa frequência.
Jonathan estava na sacristia, quando recebeu o pai daquela que não deixava seus
pensamentos.
– Boa noite, Elliot – retornou o cumprimento recebido. – Posso ajudá-lo em alguma coisa?
– Não quero atrapalhá-lo, senhor... Vim apenas convidá-lo para almoçar em minha casa,
amanhã.
Não era boa ideia. Uma vez que o tempo da mútua provocação tinha passado, queria estar
com Faith longe de todos, quando não seria preciso se policiar a cada instante. Antes que
pudesse declinar, Elliot prosseguiu:
– Seria uma honra recebê-lo. É minha forma de agradecer pelo o que fará segunda-feira.
– Sabe que não precisa me agradecer pela bênção – desobrigou-o, ainda tentado a recusar.
– Sei, mas ainda assim eu insisto. Leve seu tio. Serão somente os da família.
– Já que insiste, está bem – aquiesceu. – Obrigado pelo convite. Vai assistir a missa hoje?
– Como sempre somente eu e minha esposa. As crianças preferem se divertir.
Jonathan sentiu a nota de reprovação daquele pai obtuso e conservador. De crianças nenhum
de seus filhos tinha qualquer traço. E a caçula menos ainda, acrescentou um tanto consternado.
Para onde ela iria? Não poderia perguntar então restou sorrir complacente e pedir que Elliot
Green o deixasse para que pudesse se aprontar. Logo seu tio o ajudava a arrumar a estola sobre
os ombros, caracterizando-o como o padre impoluto que talhara.
– Amanhã temos um almoço – Jonathan comunicou em italiano para se livrar do ressentimento
que ameaçava tomá-lo de assalto. Antes que Carlo dissesse qualquer palavra avisou: – Na casa
dos Greens.
– Posso ficar em casa? – o tio perguntou sem tom especial. – Finjo melhor que não sei o que
se passa, quando estou longe de vocês.
– Fingir é sempre muito importante – o sobrinho retorquiu, sem conseguir domar o gênio ruim.
– Ainda mais em nossa posição.
– Até quando vai me torturar? – indagou, cansado.
– Já que estamos tentando viver em paz, pare de fazer suas insinuações que eu abandono as
minhas de vez.
– Qualquer coisa que o deixe feliz, Jonathan. Saiba que, para mim, isso é tudo que importa.
Jonathan não soube o que responder. Já no púlpito, mais uma vez ministrou uma missa
automaticamente, mas não disperso. Não a estendeu e em uma hora estava livre para dispensar
as quinze pessoas que compareceram; decididamente aquela seria a última.
Jonathan dormiu mal aquela noite, imaginando os programas que uma moça teria num sábado
sem baile no galpão onde poderia dançar com todos os homens disponíveis, sorvetes na
lanchonete com namorados de mentira ou um strip-tease no qual se exibiria. Qual outra
atividade o abalaria tanto quanto aquelas, Faith poderia ter? Talvez nunca soubesse. Ou devesse
fechar os olhos ao que ela fazia em seu tempo livre já que não poderia obrigá-la a ficar em casa
quando não estivessem juntos. Raramente, como ele mesmo salientou.
Como poucas vezes acontecia, Jonathan despertou de seu sono agitado, livre de desejo. Não
dispensou as flexões e depois de seu banho, foi se juntar ao tio e a Sra. Williams na cozinha.
Tomou uma xícara de café amargo e nada mais antes de seguir para a igreja. Não carregava
muitas esperanças então foi com satisfação quase explícita que apertou a mão de sua amante à
entrada da igreja.
– Bom dia, senhor – sua diaba particular disse em voz muito mansa. – Sua bênção.
Abençoou-a lamentando não poder aproveitar as mãos unidas e levá-las em direção à boca
rosada, mas se valeu do calor vindo com o olhar fortuito e o sorriso breve. Seguiu com os
cumprimentos tendo o corpo ciente da proximidade e o peito pequeno para o prazer quase
maldoso por se saber transgressor. Errado se sentir daquela forma. Inadmissível apreciar tais
sensações, mas nunca antes se sentiu tão vivo!
Já diante da assembleia lotada, depois de saudar o altar, Jonathan evitou descer os olhos
sobre Faith e iniciou a missa. Para sua surpresa, logo nos primeiros minutos, antes da primeira
leitura, toda a alegria malfazeja por ludibriar a todos desapareceu, restando apenas o desejo de
cumprir o papel ao qual fora moldado, exortando seus fiéis a cantarem e orarem.
Esteve tão imbuído em sua obrigação que nem ao menos se abalou ao ouvir seu tio citar o
Provérbios 7 no qual se observavam os cuidados para com as mulheres adúlteras, numa livre
alusão à Faith. Hipócrita!
Em seus ouvidos as palavras caíram no vazio. Apenas o alertaram para o teor do sermão
preparado no dia anterior. Caso fosse seu desejo aproveitar o melhor dos dois mundos – assim
como o velho padre ao seu lado tão bem o fazia – tinha de manter o foco em todos os momentos,
sem repassar o que era de sua competência fazer.
Ao assumir a palavra, tomou a liberdade de falar o que lhe veio ao coração e sua missa
transcorreu sem mais incidentes. Carlo não se mostrou satisfeito, mas ele sempre poderia se
queixar com Grace, quando tivesse a oportunidade. Aquele foi o único pensamento maldoso que
Jonathan se permitiu ter durante toda a celebração dominical onde seu ponto alto foi ver com
satisfação que Faith novamente se manteve em seu lugar durante a comunhão, não vindo até ele
para receber a hóstia; demonstrava algum respeito afinal.
Com os ritos cumpridos, após liberar a todos para voltarem à suas casas desejando boa
viagem àqueles que partiriam na manhã seguinte, Jonathan saboreava o prazer do dever
cumprido. Livre de sua obrigação poderia dar espaço ao homem que tinha um encontro marcado
com uma infiel. Alguém que um dia haveria de perfumar sua cama com mirra, aloés e canela e o
convidaria para se saciarem de amor até a manhã. Sim, seu pérfido tio não era o único que
poderia fazer citações.
– Você nem ao menos leu o que preparei – Carlo acusou ao entrar na sacristia, logo após ele.
– Não foi necessário – falou calmamente, retirando suas vestes litúrgicas.
Não se despediria à porta, pois tinha pressa. Contudo não tanta que o impedisse de deixar a
igreja organizada e devidamente fechada. Durante o tempo em que permaneceu nela Jonathan
teve Carlo em seus calcanhares, ora rogando que tivesse algum juízo e parasse imediatamente o
que fazia, ora ameaçando-o com novas citações que ele mesmo conhecia de cor, até que por fim
conseguiu a sua atenção de volta ao perguntar:
– Já que está decidido a desviar de seu caminho, poderia ao menos ser discreto?
Jonathan parou abruptamente, exatamente no meio da nave central. Estava ali algo que lhe
dava o que pensar.
– Seja específico quanto ao desvio que cita – pediu, encarando o tio sem qualquer desafio no
olhar. – Devo ser discreto no tocante a quê?
– Você sabe – o velho padre esquivou-se. – Não me obrigue a dizer. Não aqui.
– Que diferença faz? Aqui, em nossa casa, na praça... Onde essa conversa seria menos
imprópria?
Com um suspiro resignado, aceitando que não havia lugar onde pudessem ocultar o que seria
dito Daquele que era onipresente, Carlo falou:
– Estou me referindo à moça. Se estiver disposto a... estar com ela, ao menos se mantenha
acima de suspeitas.
– Devo tomar suas palavras como uma dica dada por experiência pessoal?
– De novo não, Jonathan – Carlo rogou com severidade. – Pela última vez lhe digo que jamais
tive qualquer envolvimento com Grace, então tome como conselho. Não imagina o quanto me
custa dizer-lhe isso, mas... Sei que continua interessado na moça e está disposto a ficar com ela,
então faça de forma que nunca percebam... Não jogue fora sua vida.
– Era a esse ponto que eu queria chegar – comentou Jonathan, igualmente sério. – De onde
vem essa certeza? Saio da cidade, brigo na rua, volto tarde cheirando a cigarro e a bebida... E
disso deduz que estou com Faith?
Carlo travou o maxilar e o encarou muito rígido, como alguém descoberto de súbito a cometer
algum delito. A postura, contudo logo se desfez antes que ele dissesse em tom casual:
– Sair da cidade e agir como um homem do povo nada mais é do que consequência desse
caminho que deseja seguir. E se está nele foi conduzido por ela...
A explicação era fraca, porém Jonathan não tinha tempo – nem ânimo – para tentar extrair o
que quer que fosse que garantia ao tio um envolvimento até pouco tempo somente ansiado. Seja
como for, não estava disposto a endossar suas conclusões certeiras.
– Se isso é uma aprovação, saiba que não preciso. Assim como o senhor em relação à Grace,
nada tenho com Faith. Agora me dê licença, acho que me atrasarei para o almoço caso nossa
conversa se estenda muito mais.
– Então vá... – Carlo o liberou. – Ficarei aqui um pouco mais.
Talvez para se desculpar por suas palavras, Jonathan cogitou ao deixá-lo. Ou apenas pedisse
perdão pelas constantes mentiras; não lhe concernia. O que lhe competia era se trocar e partir.
Logo seguia para a casa dos Greens, levando no peito a vontade de estar novamente junto à
Faith. Agora com a devida aprovação do padrinho, escarneceu. Seu sorriso mordaz morreu
antes de ganhar força ao reconhecer um dos dois carros estacionados diante da casa: o
namorado estava presente. Nem mesmo saber a verdade dissipava um crescente mau humor. E
não ajudou que a primeira a recebê-lo tenha sido Constance.
– Senhor! – ela exclamou satisfeita como se não o tivesse visto a pouco mais de meia hora. –
Entre.
– Boa tarde – cumprimentou aos demais que estavam na sala; Nicole, Mason, Helen. E mais
ninguém.
– Sente-se senhor e fique à vontade... – a anfitriã lhe indicou o sofá depois que todos
responderam ao cumprimento. – Sabe que essa casa é sua. Faith e Peter estão com Elliot no
quintal. Logo eles virão... Mason converse com o senhor De Ciello enquanto eu termino de
arrumar a mesa.
– Eu ajudo – Nicole anunciou e se levantou para segui-la, depois de sorrir levemente para o
visitante.
– Eu poderia oferecer alguma bebida, mas sei que o senhor não a aceitaria – Mason falou
incerto. Jonathan bem seria capaz de beber algo que diminuísse sua ansiedade, mas aquela
também seria uma mudança acentuada.
– Não aceitaria – confirmou apenas, desconfortável com o olhar insistente que recebia de
Helen. Para quebrá-lo, comentou: – Não a vi na missa.
– Cheguei há pouco tempo – ela respondeu resumidamente. – Como vai o senhor?
– Vou bem – disse seguro, estranhando o tom. – E a senhorita?
– Infelizmente, atarefada. E forçada a ficar longe de minhas amigas mais queridas. Talvez
quando elas mais precisem de mim. Ou de meus conselhos...
– Lamento – retrucou ainda sem a entender. Não cria que a amiga necessitada fosse Faith,
mesmo assim acrescentou, sustentando-lhe o olhar: – Se eu desmerecesse os bons conselhos
estaria indo contra ao que prego, mas se vale para acalmar seu coração, saiba que todos têm
livre arbítrio. Por mais que tentemos poupar nossos entes queridos de algum dissabor, no final
das contas, eles farão o que bem entendem de suas vidas.
Antes que ela ou o noivo pudessem replicar, os três faltosos vieram do jardim. Elliot e o
casal de amigos de braços dados logo atrás, todos rindo. Com o peito atacado por finas
pontadas, Jonathan somente ouvia os sons que vinham dela: sua Faith. Não se lembrava de outra
ocasião em que a tenha visto tão descontraída. Quando estava com ele eram somente
provocações, tensão e choro. Independentemente do ciúme que sentia, desejou um dia alegrá-la
daquela maneira.
– Senhor! – Elliot exclamou sendo o primeiro a vê-lo. – Finalmente chegou!
– Sì – disse automaticamente vendo a leveza deixar a moça tão logo seus olhares se
cruzaram; ela estava de volta à tensão que os prendia. Faith apenas lhe acenou discretamente
enquanto Peter se adiantou para lhe apertar a mão.
– Padre Jonathan! Eu queria ter ido à sua missa, mas me atrasei ao sair de casa e cheguei há
pouco.
– Não faltarão oportunidades. – Jonathan se obrigou a esboçar um sorriso cortês.
– Com certeza – Elliot exortou com o mesmo bom humor com que acessou a sala. – Ainda
mais quando ele voltar a morar aqui.
– Ah!... Está pensando em voltar, Peter? – Mason poupou Jonathan de fazer a pergunta.
– Sempre pensei, mas...
– Ele voltará quando se firmar com sua irmã – Elliot o cortou.
– Papai, não... – Faith tentou detê-lo sem ser ouvida.
– Acho que deveriam morar em Sin Bay depois do casamento.
– Teremos mais casamentos? – Novamente Jonathan fora livrado de externar seu espanto,
mesmo que Nicole não parecesse compartilhar do mesmo que o abalava. Em tom jovial, ela
pediu: – Deixem para contar quando estivermos à mesa... Mamãe está chamando.
De repente Jonathan se viu levado para a sala de jantar sem muito perceber em seu entorno.
Ainda tentava juntar as informações quando outra novidade surgiu. Daquela vez não fora
colocado ao lado de Faith. A cadeira à esquerda do anfitrião estava reservada para Peter. A ele
coube se sentar no lado oposto, diante do casal.
Que bela visão para lhe abrir o apetite! Zombou.
– Senhor – Elliot o trouxe à mesa –, seria muito abuso se...
– Absolutamente – Jonathan o interrompeu ao entender o que queria. Sem demora juntou as
mãos e fechou os olhos. Pouco preocupado se o imitaram ou não, fez uma oração breve em
agradecimento pela oportunidade de estarem todos à mesa e pelo alimento tão generosamente
fornecido.
– Faith, sirva seu namorado, o Sr. De Ciello e seu pai – Constance pediu, já tomando o prato
da futura nora para servi-la.
Faith fez como recomendado e até mesmo o ato simples de servir primeiro a Peter trouxe
certo ressentimento a Jonathan. Naquele almoço ele não era o visitante especial. Quando Faith
tomou seu prato pôde encará-la livre de qualquer temor. Esperava que ela notasse o quanto não
estava satisfeito com o que era obrigado a ver.
Como era possível que Jonathan estivesse aborrecido? Faith se questionou ao devolver seu
prato e novamente receber um duro olhar. Acaso ele levou aquela conversa de casamento a
sério? A oportunidade de confirmar suas suspeitas veio tão logo todos estavam servidos e
Nicole retomou o assunto:
– E então? Teremos mais casamentos na família?
– O quê?! – Constance maximizou os olhos. – Como assim?
– Não é nada disso – Faith tomou a palavra. Talvez para incentivá-la a prosseguir, Peter
segurou-lhe a mão disposta sobre a mesa. Nada bom, ela pensou antes de esclarecer: – Papai
que veio com essa conversa, mas nós mal começamos a namorar... Ainda é cedo para usar a
palavra com C.
– Nunca é cedo para se falar em casamento – Elliot retrucou, voltando-se para Jonathan,
indagou: – Não é mesmo, senhor?
– Na verdade – começou após um pigarro – sua filha tem razão. A junção de duas pessoas é
algo que precisa ser pensado para se ter a certeza do passo dado. Matrimônio é um sacramento
que santifica de forma indissolúvel a união entre um homem e uma mulher para formarem uma
nova família cristã. Não pode ser tratado levianamente ou decidido no calor das paixões. –
Mirando as mãos unidas sobre a mesa, acrescentou: – Se os jovens se amam devem se conhecer
melhor antes de tomarem tal decisão.
Era fato, Faith pensou alarmada, Jonathan acreditou no absurdo dito por seu pai. Podia sentir
no tom firme da voz melodiosa. Assim como Peter inocentemente complicava sua vida ao
prender sua mão, Elliot estava disposto a ir além, pois prontamente replicou:
– Concordo com o senhor, mas não gosto de namoros ou noivados muito longos. Tudo isso
que falou talvez fosse importante anos atrás. Hoje esses jovens já vivem como se fossem
praticamente casados. Veja Mason...
– Ei... – o filho protestou.
– Fiquei quieto, pois não vou inventar nada – o pai o calou. – Quando estamos em terra ele
fica mais tempo na casa da noiva do que aqui. Qualquer um dos dois pode dizer que dormem em
quartos separados? Não, eu mesmo digo. Então... Não seria melhor que fossem casados do que
vivendo em pecado?
– Nem vou comentar o quanto seu pensamento é antiquado, Sr. Green – Helen falou entre uma
garfada e outra, sem se abalar por suas palavras.
– Nem pode – Elliot retorquiu e novamente incluiu Jonathan na conversa. – O senhor vai dizer
que é certo o que fazem?
Nesse momento o casal se mostrou interessado em sua opinião. Todos à mesa, na verdade. E
aquele era o momento de colocar sua melhor máscara de hipocrisia e responder de forma que
seu tio se orgulhasse.
– De maneira alguma. Viver em concubinato é pecado ante os olhos do Senhor mesmo que
hoje em dia seja tão aceito pela sociedade.
– Rá! – Elliot exclamou satisfeito.
– Agora eu sou a concubina? – Helen perguntou a ninguém em especial, mas Faith tomou-a
para si. O que a amiga esperava que Jonathan dissesse afinal?
– Releve meu marido, querida – Constance contemporizou dando tapinhas nas costas da mão
da futura nora. – Ele apenas quer que todos se casem logo... Ninguém está julgando ninguém.
Faith podia sentir os olhos em si; os de Jonathan, os de Helen e até os de Mason. Somente
Nicole parecia não se importar com a conversa, segura de seus planos com Peter.
– Justamente isso – Elliot anuiu. – Com o devido espaço entre eles para não ir à falência,
quero casá-los todos... E com sorte, o senhor ordenará as cerimônias.
E novamente Jonathan foi visitado pelo sufocamento ao ver-se casando o casal à sua frente;
jamais aconteceria. Alimentando uma raiva crescente por Elliot lhe impingir tal incômodo, falou
sem conseguir desviar o olhar de sua amante:
– Será um prazer.
– O casamento de Mason viria antes – o capitão prosseguiu, animado pelas ideias –, mas
resolvi que antes será o de Nicole.
Incapaz de sustentar o olhar intenso que Jonathan inadvertidamente lhe dirigia, Faith
finalmente desprendeu sua mão da de Peter e baixou os olhos para seu prato. Nesse exato
instante Nicole lembrou ao pai:
– Isso se Joseph já tiver aparecido, não é mesmo papai?
– É claro que terá! – Elliot afirmou como se competisse a ele decidir.
Livre de qualquer apetite que possa ter sentido antes de pisar os pés naquela casa, Jonathan
se interessou pelo diálogo tenso entre pai e filha.
– Perdão, mas... O que quis dizer? – perguntou diretamente a Nicole. – Onde está seu noivo?
– É o que todos nós queremos saber – Faith aproveitou para falar com ele, mesmo um assunto
que nada lhes acrescentaria; apenas precisava daquela troca de palavras. – Ele está sumido há
alguns dias? Pensei que alguém já tivesse lhe dito.
– Eu não sabia – ele lhe respondeu. – Não vi nenhuma nota no jornal. Ou talvez tenha estado
ocupado demais com outros assuntos para reparar.
– Pois eu lhe digo agora, senhor – Nicole falou. – Joseph está desaparecido desde a noite do
baile. Seus pais estão feito loucos, sem nenhuma notícia nem fazem ideia do que possa ter
acontecido. Até a polícia está a sua procura.
O comentário final fora desnecessário. Depois de tanto tempo era certo que a polícia
estivesse envolvida, Jonathan pensou já alheio a todos ao seu lado. Seu último contato com o
noivo desaparecido tinha sido no baile citado, quando este veio lhe dizer de onde o reconheceu;
ou o confundiu. E em sua última lembrança havia Joseph dançando de forma intimista com Faith.
De um jeito que ele próprio jamais poderia fazer. O que poderia ter lhe acontecido?
– Senhor? – ele ouviu chamarem de longe. – Senhor De Ciello?
– Sì – falou, olhando em volta até identificar ter sido Constance a chamá-lo.
– Perguntei o que está achando da pasta que fiz especialmente para o senhor. Parece que não
está gostando.
– Não... – falou sem compreender como tinham mudado o assunto. Ao perceber que sua vaga
negativa abalou o espírito prendado de sua anfitriã se corrigiu: – Digo, sim... Estou gostando...
É que ficamos conversando...
– O senhor tem razão – Elliot aproveitou o ensejo. – Devemos comer em silêncio.
Ninguém retrucou. Todos dispensaram a atenção ao próprio prato e fizeram como o sugerido.
Jonathan almoçou com a mente em outro lugar. Um lugar onde não se importava com
desaparecimentos inexplicáveis nem acalentava o ódio por pais ditadores. Onde também se
sentia só sem ter uma perna ladina roçando a sua e era assombrado pela possibilidade de ser
obrigado a celebrar casamentos indigestos. Como era próprio aos egoístas, Jonathan mastigou a
comida irreconhecível, orbitando no eixo de seu próprio umbigo.
Capítulo Dezesseis

Apesar dos convites, Jonathan se negou a ficar muito além de terminada a refeição. Depois de
dispensar a sobremesa – igualmente irreconhecível como a pasta em sua homenagem – tomou
apenas uma xícara do café preferido de Elliot e partiu. As despedidas foram breves então nem
ao menos levava o calor da palma de Faith na sua. Tanto melhor, pois não precisava de mais
detalhes para atormentá-lo. Bastava toda aquela história de casamento que o recordou quão
sagrada era a união de um casal.
Era um fato! Elliot Green possuía uma habilidade impar de aborrecê-lo. Assim como seu tio,
pensou ao entrar em casa e encontrar Carlo a sua espera.
– Por favor, senhor... – rogou com a mão erguida, passando diretamente por ele. – Chega de
discussões.
– Espere – ele pediu firmemente. Algo no tom, talvez uma leve ansiedade, fez Jonathan parar
e encará-lo. – Só queria saber como foi o almoço.
– Sinceramente não o entendo. – Não queria brigas, mas a curiosidade levou-o a perguntar: –
Está interessado em saber como foi o almoço na casa daqueles com quem faz questão de não se
misturar?
– Não querer aproximação não me impede de desejar que todos estejam bem – ele retrucou
com o mesmo tom falsamente casual. – Então... Como foi?
– Agradável. – Se retirasse todas as partes ruins, emendou em pensamento.
– Todos estavam presentes?
Jonathan refreou a vontade de citar a falta de Grace, mas se conteve. De toda forma a
pergunta lhe trouxe uma leve consternação quanto o lugar vago deixado pelo futuro membro da
família.
– Infelizmente não – disse sinceramente. Não que Joseph lhe fizesse falta, mas não queria que
nada de grave tivesse acontecido a ele. – Lembra-se do noivo de Nicole?
– Acho que não – Carlo falou vago.
– O senhor se lembra. Joseph foi aquele que me reconheceu em um retrato falado.
– Ele não o reconheceu – o tio negou veemente. – Apenas o confundiu com alguém muito
parecido. Isso se não for somente impressão – desmereceu a comparação, e indagou: – O que
tem ele?
– Está sumido desde aquela noite. – Jonathan colocou as mãos nos bolsos. – Acho tão
estranho.
– O quê?
A pergunta sussurrada chamou a atenção do sobrinho. Sem motivo aparente Carlo de súbito
estava lívido, vacilante, à procura do sofá. Jonathan correu para ajudá-lo. Ao sentá-lo, notou
sua testa suada.
– O que está sentindo? – Jonathan se preocupou, imaginando que poderia ser alguma fraqueza
ainda provocada pela operação tão recente. – Precisa de algum remédio?
– Um copo com água, por favor.
Sem demora Jonathan o atendeu. Voltou da cozinha rapidamente e entregou-lhe a água pedida.
Ajoelhou-se numa das pernas e esperou até que o tio esvaziasse o copo para inquiri-lo.
– O que aconteceu? – Pareceu que não o via por dias. Achou-o mais magro, o rosto tão
parecido ao seu, marcado. – O senhor almoçou?
Antes que lhe respondesse o padrinho esboçou um sorriso e, receoso, pousou a mão sobre o
rosto de seu sobrinho.
– Nem me lembrava de como era tê-lo atencioso comigo. Sinto falta desse meu Johnny.
Ele também sentia falta do tio em que confiava cegamente. Ao que parecia, nenhum dos dois
jamais voltaria. Contudo aquelas duas pessoas diferentes poderiam aprender a conviver
pacificamente. Desferindo leves tapas sobre a mão ainda pousada em seu rosto, Jonathan falou:
– Seu Johnny está um pouco mudado, mas ainda se preocupa. E não me respondeu. O senhor
almoçou?
– Sim – disse ao afastar a mão. A cor voltando à face.
– Então o que aconteceu?
– Deve ter sido uma queda de pressão. Vou me deitar e descansar um pouco... Mas antes, me
diga o que considera estranho no desaparecimento do rapaz.
– Sei lá... – Jonathan murmurou e se pôs de pé. – Não é que eu considere coincidência nem
nada disso, mas... Não acha esquisito que Joe tenha sumido logo depois de reconhecer um
fugitivo?
– Veja o absurdo que está dizendo! – Carlo pediu. – Ele não disse sobre o que se tratava o
retrato falado e você não é nenhum fugitivo. O rapaz ter desaparecido naquele dia foi
coincidência.
– Está bem – Jonathan anuiu ainda preocupado. – Agora vá se deitar, por favor. Não quero
que tenha uma recaída.
Deixando o sorriso de antes ganhar forma, o tio levantou. Uma vez de pé, voltou à seriedade.
Depois de um suspiro cansado, falou:
– É reconfortante saber que mesmo mudado você ainda se preocupa.
Depois de retribuir o breve sorriso, Jonathan o analisou enquanto deixava a sala. Carlo
parecia envelhecido, andava arqueado como se carregasse o peso do mundo em suas costas.
Também sentia falta do homem forte que ele sempre fora, mas nada poderia fazer para ajudá-lo
quando tinha suas próprias cargas.
No momento, gostaria de seguir seus passos e se refugiar no quarto, mas ainda tinha uma tarde
inteira pela frente. Como alegou à guisa de desculpa para se retirar da casa de Elliot Green,
aquele era o último domingo antes da pescaria e pretendia deixar as portas da igreja abertas
para receber quem viesse procurá-lo.
Ocupou-se de suas obrigações até que fosse hora de se recolher, dispensando até mesmo o
jantar. Já no seu limite, finalmente se recolheu e, depois de uma série extra de flexões, tentou
conciliar o sono. Pouco mais de duas horas, sem nem ao menos cerrar os olhos, o quarto
começou a sufocá-lo, obrigando-o a se levantar. Havia tentado bloquear o que viu ou ouviu
durante o almoço, mas naquele momento pareceu impossível calar as palavras de Elliot.
Precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa. O que não podia era ficar ali, andando de um
lado ao outro, como um animal enjaulado. Decidido, Jonathan vestiu apenas a camisa usada e,
depois de verificar que seu padrinho dormia a sono solto, saiu pela porta dos fundos. As ruas
estavam vazias, ainda assim tomou o devido cuidado, certificando-se de que não seria visto.
Não encontrou o carro conhecido ao chegar ao seu destino. Ignorando o fato, seguiu para a
lateral da construção indo direto para os fundos onde sabia ficarem os quartos.
Antes de entrar naquela parte do quintal, prestou atenção aos ruídos à sua volta. Como não
ouviu nada que demonstrasse ter alguém na varanda, seguiu em frente, porém sempre pelas
sombras que a noite muito clara formava. Todos dormiam o sono dos justos. Talvez a única que
não o merecesse fosse Faith, pensou, caminhando até a armação de madeira que a auxiliava nas
fugas. Depois de testar sua firmeza, subindo na primeira ripa, escalou com certa facilidade até a
varanda.
Chegando ao segundo andar se deu conta de que não sabia como faria para chamar a atenção
de Faith. Considerava desistir quando percebeu a porta de um dos quartos, entreaberta. Com
cuidado, aproximou-se e a empurrou. Satisfeito, sem crer na própria sorte, viu que havia duas
camas dispostas lado a lado: o quarto das moças. Decidido a entrar, empurrou o restante da
porta vagarosamente.
Dentro do quarto, descobriu ter outro obstáculo. Em qual das camas a garota estava? A pouca
luminosidade no interior do cômodo não era suficiente para distinguir seus corpos; e não
ajudava que o tom de cabelo fosse o mesmo. A um pensamento insano, escolheu uma das camas
e se abaixou o suficiente para farejar o ar à volta da moça adormecida. Talvez reconhecesse o
odor floral. Mal se curvara, ouviu a voz conhecida vir da cama oposta:
– O que pensa que está fazendo aqui? – ela murmurou.
O choque fez com que Jonathan suspendesse a respiração. Ele expirou o ar somente ao
endireitar o corpo antes de ir até ela. Agachando-se num dos joelhos, sussurrou próximo ao seu
rosto:
– Precisamos conversar.
– Agora?!... – inquiriu atônita. Faith esperava por aquilo, mas não que ele invadisse sua casa
no meio da noite. – Não poderia esperar até amanhã?
– Não – Jonathan respondeu simplesmente. – Poderíamos sair? Eu...
– Faith? – Elliot chamou, batendo à porta. Imediatamente Jonathan levantou e saiu para a
varanda, praguejando intimamente pela intromissão.
– Sim, papai... – ela respondeu depois de um instante de hesitação, tendo o coração aos
saltos.
– Queria falar com você.
– Claro... – Faith resmungou aborrecida. – Todo mundo resolveu que agora é hora de papo.
– O que disse? – seu pai perguntou do corredor. Aumentando a voz, ela falou:
– Perguntei se não poderia ser pela manhã... Estou indisposta.
– É justamente por isso que desejo lhe falar. Percebi que ficou estranha com minha ideia de
noivado – ele insistiu. Nesse momento a moça desejou que Jonathan realmente tivesse ido
embora. Queria explicar que ainda estava presa ao plano infantil para que não tirasse
conclusões equivocadas.
– Não fiquei, sabe que gosto muito de Peter.
– Tem certeza? Sabe que quero o melhor para você, não?
– Eu sei papai... Agora vá descansar. Temos de levantar cedo.
– Está certo – Elliot anuiu. – Boa noite, querida!
– Boa noite, papai...
Tão logo o som dos passos se afastou no corredor, a irmã sussurrou, sem se mover:
– Obrigada! Prometo que vamos achar um jeito de consertar essa confusão.
– Não me agradeça – ela murmurou de volta, olhando apreensivamente para a porta da
varanda. – Agora volte a dormir... Teremos mesmo de madrugar.
Estava claro que a irmã não viu seu visitante inusitado, contudo Faith não conseguia controlar
os saltos de seu coração. Seu pai tinha um timing perfeito. Ela queria sair e se certificar de que
Jonathan tinha partido sem ouvir o que disse, mas temia que a irmã também acreditasse que
aquela era a hora de conversarem a respeito de Peter e a seguisse.
Respirando fundo, Faith voltou a se deitar, tentando ouvir algum ruído que denunciasse uma
presença além de sua porta. Fora o refluxo das ondas e o farfalhar das folhas das árvores ao
lado da casa, nenhum outro som era ouvido.
Minutos depois, passado o susto, Faith sentia certo prazer ao associar a invasão a um
rompante possessivo, desesperado. Para alguém que não a namoraria, seguir um impulso era o
mais próximo de um ato romântico que seu não namorado poderia ter. Aquela comparação fez a
adrenalina correr por seu corpo, eliminando de vez as chances de conciliar o sono. Eletrizada,
saltou da cama e partiu para a varanda.
Tendo o mar por paisagem, especulava se Jonathan teria perdido o sono como ela, quando
teve sua boca tapada e seu corpo seguro firmemente por trás. Trêmula, enregelada pelo susto,
Faith ouviu a voz muito baixa e irritada ao seu ouvido:
– Por que demorou?
Ao indagar, Jonathan retirou a mão de sua boca, mas não a soltou.
– Eu não sabia que estava esperando – Faith se justificou num sussurro ansioso. Todo seu
corpo consciente do outro às suas costas.
– Eu disse que precisávamos conversar – ele ciciou, ainda em seu ouvido. – E também que
não poderia esperar.
– Me desculpe – Faith pediu cada vez mais temerosa de que até mesmo Mason, que dormia
como uma múmia dopada pudesse ouvi-los. – Acho que é melhor sairmos daqui... – sugeriu
indicando sua escada alternativa.
– Eu vou primeiro – Jonathan anunciou, soltando-a.
Descer se mostrou ainda mais fácil do que subir. Impaciente esperou por ela, evitando olhar
as pernas nuas que o short curtíssimo do pijama deixava à mostra. Não fora até ela nem esperara
por mais de meia hora para se deixar distrair pelos atributos que conhecia tão bem.
Faith ainda se encontrava a um metro do chão, quando foi colhida da cerca por mãos
poderosas em sua cintura. Foi preciso morder os lábios para não deixar transparecer sua
surpresa enquanto era levada para a área abaixo da varanda, próximo à porta de seu atelier.
Ao ser solta, ela girou a maçaneta da porta eternamente destrancada e puxou Jonathan para
dentro. Lamentando não poder acender a luz para ver sua expressão, perguntou:
– Por que a pressa?
– Nem eu mesmo sei – reconheceu ao se recostar à porta. – Só sei que eu precisava entender
o que foi tudo aquilo durante o almoço. Sexta-feira me disse que não tem nada com o rapaz e
hoje praticamente concorda com um casamento? – Não era sua intenção que a pergunta
sussurrada soasse com tal rispidez, mas não pôde dosar seu tom; estava irritado.
– Não concordei com nada – Faith lhe refrescou a memória, sentindo-se menor descalça
diante dele. – Eu disse que era encenação, esqueceu? É algo idiota, mas agora não tenho como
recuar sem prejudicar minha irmã.
– Então essa ideia absurda surtiu efeito? – Jonathan indagou atônito. De todas as
infantilidades inconsequentes de Faith aquela era a que mais considerava imbecil e lhe
espantava que ao contrário de todas as outras, desse certo.
– Sim, mas eles não sabem como anunciar que estão juntos... – murmurou sem desviar os
olhos do rosto escurecido. – E, para piorar, tem o desaparecimento do Joe. Nicole espera que
durante esses dias que nosso pai está fora cheguem a alguma conclusão. Por ora temos de deixar
como está. Me desculpe se causei algum transtorno, senhor.
Era um tolo apaixonado! Constatou mordaz que ser abalado por tolices pueris era o esperado
quando se envolvia com adolescentes. Então recordou que Faith já era uma mulher e não tão
mais nova do que ele. Talvez o esquema dos amigos não fosse assim tão infantil, apenas o
considerasse por ser sério em demasia.
De súbito aborreceu-se com o esquecimento de suas próprias armações e com a seriedade
agora esperada por sua idade e posição. Valendo-se de autocondescendência, despejou a culpa
de toda aquela confusão em Elliot. Não fosse por sua intolerância, suas filhas não precisariam
usar de falsos expedientes na tentativa de serem felizes.
– Já admiti meu ciúme – falou seriamente, odiando-se por demonstrar sua fraqueza. – E
também já disse que não consigo acreditar completamente em você, então...
– Então achou que eu estivesse mentindo quanto a Peter – ela completou; mais envaidecida do
que propriamente ofendida. Novamente consciente do corpo próximo.
– Basicamente – Jonathan confirmou rouco já sob o efeito da mudança no clima entre eles,
atraído pela moça que, lânguida, aproximou-se e se apoiou em seu peito. – Não pode me culpar.
– Não posso – ela concordou antes de depositar um beijo na curva acentuada do queixo
anguloso. – E devo agradecer à sua descrença que o fez vir aqui. – Na ponta dos pés, beijou-lhe
a boca rapidamente e sussurrou sobre os lábios dele. – Estava com saudade, meu senhor.
Quando a instruiu a usar o tratamento formal, que a princípio o incomodava, esperava que
este criasse um afastamento entre eles. Jamais poderia atinar o quanto as duas palavras ditas por
ela surtiriam o efeito contrário, inflamando-o inteiramente. Também sentira a falta dela e talvez
fosse esta a verdadeira razão de ter invadido seu quarto.
Estar com Faith sem poder tocá-la se mostrava ser uma tortura maior do que aquela aplicada
com seu chicote nas noites de lascívia; com certeza era mais doloroso. E presenciar os carinhos
trocados com outro – mesmo que apenas encenados – tornava o castigo ainda pior; sem
atenuantes.
Não importava o que o moveu. Aquele era um dos raros momentos em que estavam juntos e
deveria aproveitá-lo antes que fossem interrompidos. Dando o assunto por encerrado, Jonathan
a segurou pela cintura e a atraiu para si. Verdadeiramente saudoso, exigiu um pouco de paixão
da boca que o beijou timidamente, capturando a língua dela, movendo-a numa dança
compassada.
Com um gemido baixo, Faith o enlaçou pelo pescoço e se emoldurou mais ao corpo forte e
quente. Com mãos afoitas, acariciou-lhe os cabelos da nuca, satisfeita ao também ouvi-lo emitir
um gemido manso que findou em sua boca. Logo sentiu mãos tão ansiosas quanto às dela,
invadirem a parte superior do baby-doll para tocar seus seios, avidamente.
Ao ter os mamilos apertados de modo descuidado entre os indicadores e polegares de
Jonathan, Faith choramingou de dor e prazer, arqueando o corpo em direção ao dele.
– Machuquei você – ele perguntou não muito preocupado, no fundo desejando torturá-la por
tê-lo tornado tão dependente de seu corpo antes mesmo de provar sua completude.
– Não, meu senhor – ela murmurou antes de passar a desabotoar-lhe a camisa, apressada.
Logo corria as mãos por seu peito, fazendo-o perceber que estava igualmente viciado naquele
toque explorador que não se contentava em passear por seu dorso. Beijava a curva delicada do
pescoço dela, quando uma mão pequena descobriu seu membro teso.
Jonathan abafou o urro na pele que rescindia a flores, lamentando antecipadamente ter de
afastá-la, pois o risco de um flagrante era real. Contudo, ao ter sua ereção apertada sem
cuidado, calou qualquer negativa. Na verdade, começava a considerar muito atraente a ideia de
quebrar seu voto de castidade naquele cômodo mínimo, abaixo de um pai controlador; Faith não
se negaria.
Trêmulo pela expectativa, ele anunciou rouco contra a boca arfante:
– Quero-a aqui... Agora!
– Agora? – Faith repetiu sem encobrir o lamento. Sua intenção era aproveitar o momento,
pois sabia que nada poderiam fazer. Principalmente naquela noite em que ainda sangrava.
Entristecida pela chance perdida e por decepcioná-lo, disse sem receio: – Hoje não podemos,
senhor...
Faith explicou a razão da recusa. Saber de seu ciclo não o enojou ou desestimulou, apenas o
deixou mais ansioso por ela que, maldosamente, ainda o incitava mesmo impedida de recebê-lo.
– Se é assim, pare, por favor – Jonathan pediu sem muita convicção.
– Se o senhor deixar eu posso compensar – ela silvou contra sua boca como a serpente
tentadora que era.
– Como seria? – ele se ouviu indagar muito inclinado a ser ressarcido.
Em resposta teve o maxilar beijado antes de a boca macia vagar para a base de seu pescoço e
ao peito. Deleitou-se com um mordiscar em seu mamilo antes que Faith descesse mais seus
beijos, passeando os lábios úmidos por seu abdômen, provocando-lhe novos calafrios que se
instalavam todos na porção que não seria atendida.
Antes que lamentasse, Faith se ajoelhou, desafivelou seu cinto e abriu sua calça para, sem
restrições, liberar a prova de seu desejo. Expectante, incitado pelo proibido, Jonathan elucidou
o que viria. De olhos fechados, considerando o ar rarefeito, antecipava todo o deleite que teria
ao obter alívio pelas mãos dela, quando sentiu o beijo improvável, completamente amoral.
– O que está fazendo?! – indagou sufocado, incrédulo.
– Compensando, meu senhor.
Então, valendo-se de seus lábios, Faith demonstrou em ação sua ideia torpe de reparação.
Lutando para se manter de pé, Jonathan voltou a fechar os olhos e se obrigou a respirar pela
boca entreaberta enquanto era conspurcado em definitivo bem abaixo das barbas de certo
capitão.
O ato libidinoso, altamente transgressor, estimulava-o; como uma droga promitente de muitos
prazeres vindouros. Estes seriam muitos, pois era evidente que seria levado a outras quebras de
conduta pela moça experiente, pensou entre esperançoso e enciumado.
– Maledetta... – praguejou num lamento.
Como resposta obteve um gemido baixo. Ouvi-la turvou seus sentidos, deixando-o apenas
ciente da mensagem enviada a cada poro, a cada célula nervosa, pelo sugar compassivo. Logo
se renderia àquela insanidade. Uma parte dele, a cônscia, aconselhou-o a afastá-la antes do
ápice.
Porém a outra, a estrangeira que o incitava à violência e trazia familiaridade ao
desconhecido, avisou que seria mais prazeroso caso não o fizesse. Como sempre sua
irracionalidade ditou a ordem e, depois de prendê-la pelos cabelos, ele permitiu que Faith
levasse seu ato desvirtuado até o fim.
Jonathan se recompôs ainda trêmulo pelo gozo ilícito, lamentando não ver com clareza a
moça ajoelhada à sua frente. Após afivelar o cinto ele a trouxe diretamente para seu abraço e a
apertou com força, aproveitando o calor daquele corpo igualmente instável. Mesmo na
penumbra, Jonathan procurou pelos olhos castanhos, jubiloso com a corrupção.
– Perdoe-me por não saber o que fazer agora – murmurou sem receio.
Foi impossível a Faith não rir satisfeita com a sinceridade simplória vinda de um homem com
aquele porte. Estimulada pela loucura que acabara de cometer, sussurrou, sorrindo mansamente
junto aos lábios próximos aos seus:
– Agora o senhor me beija.
Jonathan titubeou. Beijá-la naquele momento lhe pareceu errado; sujo. Mas atraente. Tanto
que, segurando a nuca delgada, fez como dito e a beijou profundamente para dizer, livre de
palavras, o quanto era agradecido. Enquanto explorava cada canto da boca que o provou, ele se
comprazia também com um sentimento reconfortante de vingança concluída por toda angústia
que Elliot Green provocou durante o almoço e a tarde, ao desejar que ele casasse sua adorada
amante com um pirralho qualquer.

Os breves olhares que proposital ou acidentalmente ocorreram durante a manhã no portinho,
foram carregados da cumplicidade própria aos amantes. Após os cumprimentos matinais o casal
se separou sem mais conversa. Jonathan, vestido em sua costumeira roupa preta e diferenciado
dos homens comuns por seu indefectível colarinho clerical, subiu ao convés juntamente com
Elliot, Mason e os funcionários habituais da embarcação.
Acompanhando as famílias dos demais pescadores, Faith, sua mãe, irmã e futura cunhada
ficaram em terra, assistindo de longe a bênção dada pelo padre.
À luz do dia toda ação da madrugada pareceu surreal a Faith. Estranho crer que a figura
compenetrada ao lado de seu pai fosse o mesmo homem audacioso que esteve em seu quarto e
logo após em seu atelier, dando-lhe beijos tórridos ou se deixando ser provado por ela. No
entanto, ele o era.
– Poderia ao menos apagar esse sorriso – Helen falou-lhe ao ouvido. – Ou olhar para outra
pessoa. Está dando na vista.
– Não consigo evitar – Faith cochichou de volta. – Veja como ele é lindo...
– Peque sozinha sua herege – a amiga sussurrou um tom mais baixo. – E depois não diga que
eu não avisei.
– Fiquem quietas – Constance pediu, olhando-as reprovadora. – Já vai começar.
Estranhamente as palavras de Helen trouxeram um leve desconforto ao estômago da moça
que, talvez influenciada pela sensação incômoda, tenha sentido o calafrio agourento ao erguer os
olhos para Jonathan. Este, muito confortável em sua função, ladeava o pai de sua amante livre
de remorsos. Estava decidido a vagar pelos dois mundos e alimentar sentimentos de culpa não o
permitiria aproveitar completamente nenhum deles.
Depois dos prazeres experimentados estava seguro do que queria para si e demonstrava sua
determinação em atitudes firmes. Evitando olhar para a moça de pé ao lado da mãe, fez o sinal
da cruz ao que foi imitado por todos. Indo à proa, munido da caldeirinha com água benta,
aspergiu-a, dizendo:
– Que o Senhor, sempre presente na calmaria e na tormenta, abençoe e guarde esta
embarcação. Que persevere ante a força dos ventos e a inconstância dos mares. Que a pesca
seja farta e seus dignos tripulantes, sadios.
Enquanto exclamava seus votos e caminhava ao longo do convés, Jonathan respingava a água
sagrada sobre o piso, a cabine e os mastros próximos assim como sobre todos os homens com
que cruzava pelo caminho. Por último dirigiu-se a Elliot:
– E que o capitão permaneça sábio e forte para todos comandar. Amém!
– Amém! – o pai da moça, como todos à sua volta, o imitaram. – Obrigado, senhor! – disse
Elliot, satisfeito.
– Não me agradeça por isso – Jonathan pediu sério. – Faço por gosto e espero que tenha uma
boa viagem.
– Assim também espero – falou no mesmo tom como se desejasse dizer algo completamente
diferente. Se de fato o quis ou foi somente impressão do jovem padre, ele nunca saberia, pois o
capitão pediu logo em seguida: – O senhor se importaria de fazer o mesmo por todos os barcos?
Os homens me pediram para perguntar... – concluiu em tom de escusa.
– Certamente que não.
Ao desembarcar, Jonathan evitou olhar para Faith. A frase não dita por seu pai o indicou que
deveria tomar maior cuidado; tudo poderia apenas ser fruto de uma mente consciente de suas
faltas, mas era preferível não arriscar quando estavam tão perto de ficarem juntos. Finalmente!
Faith acompanhou todas as benções ainda com a sensação incômoda na base de seu estômago.
A certa altura, cogitou ser somente alguma reação corporal tardia a pílula contraceptiva, não
algum tipo de premonição ou qualquer bobagem sensitiva. Ou talvez fosse a tão conhecida
ansiedade causada pela expectativa do que viria com a partida de seu pai.
Livres também de Tyler, Jonathan e ela poderiam retomar as caminhadas na praia – quem sabe
iniciar as corridas – como forma de estarem mais tempo na companhia um do outro. E haveria a
consumação do romance.
Ao pensamento suas entranhas novamente se torceram. Decididamente era ansiedade, ela
determinou. Tranquilizada com o reconhecimento, Faith aguardou pacientemente pelo término da
bênção que se tornou coletiva. Quando o padre veio em sua direção, juntamente com seu pai e
irmão, a moça rogou que seu rosto não estivesse tão vermelho quanto a quentura sentida
denunciava estar.
– Até breve! – Jonathan disse a todas. – Preciso ir embora, então... Boa despedida para todos.
Tenham um bom dia! Senhor... – falou para Elliot. – Faça uma boa viagem.
– Obrigado! – disse simplesmente. A saída de Jonathan, Elliot se voltou para sua família. –
Bom... Não preciso repetir as recomendações de sempre, não é?
– Não, senhor. – Faith suspirou teatralmente, sorrindo. – Devemos obedecer à mamãe, não
nos metermos em encrenca e cuidarmos umas das outras.
– Isso mesmo! – ele retrucou sério. – E dessa vez acrescento, menos idas solitárias à praia,
menos encontros desnecessários com amigos improváveis e mais dedicação ao seu futuro noivo,
mocinha... E quanto a você – disse a Nicole –, espero que Joseph logo apareça e até lá, sumido
ou não, lembre que tem um compromisso firmado com ele.
Seu pai era vidente ou algo do tipo? Faith pensou contrafeita. Dirigia-se a elas como se
tivesse certeza dos maus passos futuros. Não poderia responder por Nicole, mas no que
dependesse dela, obedecê-lo nas últimas recomendações estava fora de questão.
– Não esqueço nem um só minuto – a irmã afirmou sem emoção.
– Só para confirmar... – Faith chamou a atenção do pai. – Estou proibida de ir à praia?
– Eu não disse isso – Elliot retrucou. – E acredito que tenha sido entendido.
– Eu entendi – afirmou tranquila, quis uma confirmação para que sua mãe não se tornasse um
problema.
– Sentirei sua falta – disse Elliot subitamente embargado, puxando-a para um abraço.
Ao enlaçá-lo pelo pescoço, Faith novamente sentiu o calafrio de mau agouro e antes que
soubesse o motivo, lágrimas lhe vieram aos olhos. Cedo demais foi deixada e, com o coração
fundo no peito, assistiu seu pai dizer o mesmo à filha do meio antes de também abraçá-la e então
se despedir da esposa. Os pais não eram afeitos a demonstrações públicas de carinho, então
apenas se abraçaram brevemente e trocaram um beijo fortuito.
Mason por sua vez foi praticamente arrancado dos braços da noiva antes de seu pai o obrigar
a se despedir da família.
– Se cuida, Fay. – Mason a socou de levemente, no ombro. Ao envolvê-la nos braços, falou
ao seu ouvido: – E se não está a fim do padre pare de olhar tanto. Está ficando esquisito.
A recomendação a deixou sem palavras até que todos embarcassem, recolhessem suas
âncoras e as amarras para finalmente partirem entre acenos e os gritos das derradeiras
despedidas. E alguns minutos além, quando somente então se deu conta de que a multidão tinha
dispersado – até mesmo sua mãe e irmã partiram – restando ela e Helen a olharem os barcos já
distantes.
– Sobramos nós duas – a amiga falou, passando o braço pelo o de Faith. – Como na chegada.
– Fico feliz que esteja aqui. – Secando o rosto das lágrimas que ainda corriam, tentou sorrir
ao dizer: – Seria muito egoísmo de minha parte se dissesse que estou feliz em te ver livre de
meu irmão?... Senti sua falta esses dias.
– Também senti – Helen afirmou num muxoxo triste. – Mas acho que não vai fazer muita
diferença... Consegui estágio como contadora então... tenho de me dividir entre ele e a
faculdade.
– Tudo bem!... – Faith anuiu, sentindo-se estranhamente sozinha. – A gente vai se falando por
telefone.
– Mas eu estou aqui e com a manhã livre... Quer me atualizar?
Faith encarou a amiga considerando as possibilidades. Com tantos projetos em andamento e
os próprios problemas para administrar, não achou justo sobrecarregá-la com seus fardos
pesados. Não a preocuparia com a chantagem sofrida ou com os detalhes sórdidos de seu
relacionamento proibido uma vez que a leveza da paquera inconsequente fora substituída pela
seriedade e necessidade de sigilo. Perdera Tyler, o único que a conhecia sem máscaras e quanto
antes de acostumasse a estar sozinha, melhor. Procurando seu melhor sorriso, falou:
– Já que temos a manhã uma para a outra, comece você a me atualizar... Como foram esses
dias de amor extremo? – indagou, revirando os olhos apaixonadamente.
Helen sorriu e se deixou contagiar. A essa altura, os barcos eram pontos distantes no
horizonte, indicando que permanecer no cais era desnecessário. Ainda assim, sem vontade
alguma de deixá-lo, seguiram para o banco de Faith e, acomodadas sobre o assento de cimento,
conversaram até que fosse hora de cada qual cuidar de seus afazeres. A vida seguia.
Capítulo Dezessete

Jonathan passou o restante da manhã, impaciente. Em momento algum Faith indicou ou


prometeu procurá-lo, mas a esperou. Na hora do almoço, encontrava-se com o humor alterado,
evitando até mesmo longas conversas com seu padrinho ou a inocente Sra. Williams. Sentia seu
peito tão revolto que acreditava ser capaz de rosnar como um animal bravio ante a mais leve
contrariedade.
Era naquela ansiedade desesperada que Faith o deixava, pensou ao largar o garfo
ruidosamente sobre o prato com a comida praticamente intocada.
– Bom! – Sarah começou cautelosa, já enxugando as mãos num dos panos. – Vou para minha
casa... Se os senhores precisarem de qualquer coisa é só me chamar.
– Obrigado pelo almoço, Sra. Williams – Carlo agradeceu com um sorriso tranquilizador.
– Obrigado por tudo! – Jonathan o imitou num ruminar de palavras.
– Quero crer que o mau humor não seja por minha companhia – comentou o tio a saída da
vizinha.
– Não é – assegurou o afilhado, recolhendo seu garfo para tentar engolir alguma comida,
alheio ao olhar preocupado que recebia de seu padrinho.
– Folgo em saber – disse Carlo, sem emoção. Após um instante no qual comeram em silêncio,
acrescentou: – Amanhã irei a Washington.
– Para quê? – Jonathan o encarou, desconfiado, antes de deixar o garfo, porém pousando-o
educadamente na borda do prato ainda cheio.
– O reitor Ramiro solicitou minha presença. Não especificou o motivo.
– Por que eu acho que está mentindo para mim? – Jonathan procurou pelos olhos do tio e viu
neles a agitação própria aos incomodados.
– Talvez porque ultimamente não acredite em nada do que digo – Carlo se defendeu. – Não
posso mudar sua nova opinião. Nem posso dizer o que deseja ouvir quando não seria a verdade.
– Tem razão – Jonathan concordou, recolhendo o prato para colocá-lo sobre a pia,
definitivamente sem fome. Então se voltou para Carlo que o encarava de onde estava. – Não
pode mudar minha nova opinião... Então espero que não esteja indo se encontrar com o reitor ou
qualquer outra pessoa, para tratar de transferências que não solicitei.
– Já disse que não sei do que se trata – o tio reiterou secamente. – Quando eu voltar, conto
como foi, se ainda desejar saber.
A menção de uma volta, incitou sua curiosidade quanto ao tempo que ficaria longe. Iluminado
pelas possibilidades Jonathan pigarreou e tentou imprimir banalidade à voz.
– Vai amanhã... E quando volta?
– Não saberia dizer, mas confesso que não tenho pressa – falou, sustentando-lhe o olhar; seu
tio sabia de suas intenções. – Se me disser que não precisa de mim, pretendo ficar uma semana.
– Não preciso – afirmou seguro, livre de remorsos ao perceber a verdade em cada palavra.
Pela primeira vez em anos não se sentia perdido com a possibilidade de ficarem separados. Na
verdade passou a ansiar a manhã seguinte, sentindo crescer em seu peito a necessidade de
liberdade.
– Exatamente como previ – Carlo murmurou muito sério. – Ficarei uma semana então. Só
espero que nesse meio tempo, não faça nada de que se arrependa.
– Não farei. – De súbito, livre da zombaria particular que utilizou na afirmação, perguntou
preocupado: – Saberá ir sozinho?
– Não há mistério... – Carlo deu de ombros. – É apenas uma viagem entre estados.
– Se é assim, só me resta desejar uma boa viagem. – Conhecendo-se, partiu rumo ao banheiro,
dizendo: – Se precisar de ajuda é só pedir.
Jonathan não compreendeu as palavras ditas em um resmungo. Já diante do espelho conseguia
identificar a satisfação que quis ocultar ao deixar o padrinho. Teria oito dias de liberdade
justamente quando mais eram preciso. Tinha de encontrar uma forma de contar a novidade à
moça. Se possível, ainda naquela noite.

Chegar a sua casa trouxe certo alívio a Faith. O dia fora estressante. Em parte por sua culpa
que, agitada, não conseguia acalmar seus jovens talentos. A aula se tornou barulhenta e
improdutiva, causando-lhe uma dor de cabeça persistente. Talvez estivesse mesmo sob os
efeitos colaterais do anticoncepcional.
Cansada, mas sem se importar com o que de fato a abalava, subiu ao quarto depois de
cumprimentar a mãe – atenta a TV – e a irmã. Esta em uma atitude muito suspeita, teclando em
seu notebook há muitos dias abandonado.
Faith atirou sua pasta sobre a cama, sorrindo intimamente e foi ao seu banho. Esperava que
Nicole estivesse recuperando o tempo perdido em conversas mudas pelos sites de
relacionamento. Poderia fazer o mesmo via mensagens caso tivesse dado a Jonathan o presente
que lhe comprou, ainda devidamente escondido em seu atelier. Deveria ter aproveitado sua
última visita para lhe entregá-lo. Agora, não faltariam oportunidades, pensou.
Minutos depois, já pronta para se juntar as mulheres restantes na casa, desceu. Apenas Nicole
permanecia no mesmo lugar. Tão logo a viu, chamou-a animada.
– Venha ver isso – sussurrou. – Peter quer que eu me encontre com ele aqui – ela indicou o
monitor onde se via parte de uma conversa onde Peter deixava o endereço de um motel.
– Você vai? – perguntou incrédula, duvidando da tamanha ousadia.
– Estou seriamente tentada – disse Nicole. – O que acha?
– Eu não acho nada – Faith murmurou-lhe ao ouvido. – Só sei que você é maior de idade e
não fariam nada que já não tenham feito ao redor dessa casa.
– Fique quieta! – Nicole demandou, olhando para a cozinha. – O que aconteceu com a
discrição?
– Desapareceu quando você me chamou aqui e me colocou a par de seus encontros amorosos
– zombou antes de beijar a bochecha rosada da irmã. – Boa sorte com o que decidir
Deixando-a, Faith foi até a cozinha procurar ocupação. Sua mãe demonstrou ter sentido a
mesma necessidade de ação naquele primeiro dia sem o marido, pois não havia o que ser feito.
Com a refeição simples finalizada e a ausência dos homens, as três mulheres comeram à mesa
da cozinha. Por vezes tentaram entabular algum assunto, porém qualquer tema logo caía no
silêncio conjunto. Após a refeição, cada uma das três mulheres encontrou afazeres distintos.
Constance voltou a TV, Nicole subiu ao quarto e Faith marchou para seu atelier.
Debruçada sobre sua mesa de desenhos, Faith procurou distração, traçando riscos aleatórios
com grafite sobre uma das grandes folhas em branco. Logo descobriu que seus traços não tinham
a casualidade inicialmente pretendida, adquiriam formas distintas que logo lhe mostraram olhos
conhecidos; desprovidos de cor ainda assim tão azuis. Animada, cobriu-os com sobrancelhas
grossas e expressivas. Então partiu para o nariz grego, longo, reto e forte. Apagou-o e
recomeçou por três vezes; entregue à tarefa. Perdia-se na simetria dos lábios que sentia a falta,
quando notou a movimentação à sua porta.
– Buona sera, Faith!
Foi preciso tapar a boca para não alardear seu espanto. Tremendo violentamente, sem confiar
na firmeza de suas pernas, ela deixou o banco e foi até Jonathan. Este muito à vontade como se
não fosse errado estar ali, vestido em jeans e camiseta. Antes de responder, ela saiu para olhar
em direção à porta da sala. Ao vê-la às escuras, recuou confusa para finalmente cumprimentá-
lo.
– Boa noite. Que horas são?
– Perdoe-me, mas não vim informar as horas.
Antes que pudesse assimilar as palavras, Faith foi capturada e beijada fortemente. E quem
queria saber o horário afinal, pensou passando os braços ao redor do pescoço de Jonathan.
Caso restasse alguma dor em sua cabeça, esta se foi num passe de mágica. Toda a consciência
que tinha do próprio corpo era aquele calor que a aquecia por inteiro enquanto tinha a língua
experimentada com avidez. Queria poder se perder em todas as sensações que a visitavam, mas
ainda lhe restava um fio de consciência que a fez tocá-lo no peito e afastá-lo.
– Espere – pediu num sussurro quando Jonathan tentou retomar o beijo. – Minha mãe...
– Ela já subiu – ele informou calmamente. – Eu esperei.
– Esperou?
O ar se tornou rarefeito por imaginar Jonathan ao redor de sua casa, vigiando até o momento
oportuno para ir até ela; teria pressentido e por esse motivo também esperado enquanto o
desenhava?
– Precisava vê-la – explicou como se aquele desejo bastasse para cruzar a cidade no meio da
noite, pela segunda vez seguida, e se arriscar ser descoberto. Como não amá-lo mais?
– Também senti a sua – ela murmurou junto à boca masculina. – Eu o vi mesmo essa manhã?
– Não tenho muita certeza – Jonathan respondeu intimista.
O tempo parecia estranho longe dela. E fora justamente para falar sobre o tempo que
poderiam estar juntos que esperou pacientemente até que Constance deixasse a sala. Agora
diante da moça, não deveria se distrair, nem abusar da sorte, pois a mãe ainda não dormira.
Segurando Faith pelo rosto, falou sem rodeios:
– Vim lhe dizer que meu tio vai deixar a cidade amanhã pela manhã.
– Ele vai embora?! – exclamou alto demais.
– Shhh... Acalme-se, sua mãe pode ouvi-la – pediu mansamente antes de explicar: – Carlo não
vai embora. Vai passar alguns dias em Washington. Oito, para ser exato. Estarei sozinho em
casa. Acha que consegue ir até lá uma madrugada dessas? Quando não estiver impedida.
Seria altamente arriscado, Faith considerou. Apenas por imaginar, a adrenalina já corria
veloz em suas veias. Antes que conseguisse juntar duas palavras com coerência, Jonathan a
envolveu pela cintura, emoldurando-a ao seu corpo forte. A impetuosidade juntamente com toda
sua solidez não ajudou com o raciocínio. E para confundi-la de vez, Jonathan prosseguiu com
sua voz musical:
– Você tem de ir... Temos um assunto inacabado, lembra?
Como esquecer? Porém ao iniciarem aquele assunto ela ainda era a garota inconsequente e
ele o sacerdote arisco; estava claro que nenhum dos dois não mais existia. O que não mudara
era a virgindade de ambos. Ela não sabia quais as reações quando se fundissem. Melhor que
fosse longe de ouvidos curiosos. De preferência, longe de Sin Bay. Afinal, bastava a ameaça de
um escândalo pairando sobre sua cabeça, não precisava de outro que o comprometesse.
– Acho melhor nos encontrarmos em outro lugar, senhor – falou por fim.
– Por quê? – Jonathan recuou um passo. Fechando o semblante, acrescentou, seco: – Mudou
de ideia?
– Não, não! – negou atabalhoada, voltando a abraçá-lo. Jonathan apenas se deixou envolver,
sem se mover. Tentando entender a negativa quando tudo conspirava em seu favor.
– Então o que é? – insistiu duramente. – Não admito que brinque comigo.
– Não estou brincando. É que... – preferia tanto que ele descobrisse sem ser preciso dizer,
mas não havia maneira então, juntando sua coragem, disparou: – Não acho prudente perder
minha virgindade na casa ao lado a da Sra. Williams.
Se Faith tivesse confirmado que tripudiava não teria ofendido tanto sua inteligência.
Segurando-a pelos ombros, obrigou-a a soltá-lo. Precisava olhá-la.
– Suas mentiras não conhecem limites?
– Não estou mentindo – falou receosa ainda que sustentasse o olhar endurecido; como das
outras vezes, entendia-o perfeitamente. – Não fique bravo comigo.
Jonathan queria que pudesse ser verdade. Ser o primeiro homem dela quando já não tinha
tanta certeza de que ela seria a primeira mulher dele. Infelizmente não reconhecia a firmeza no
olhar agitado e, como sempre, suas ações falavam por si. A pergunta era: importava?
– Faith? – o chamado de Constance os separou abruptamente.
– Estou aqui mamãe... – Faith respondeu apressada, deixando-o, foi até a porta para que a
mãe não entrasse. Torcendo suas mãos trêmulas, encontrou a mãe no meio do corredor externo. –
O que foi?
– Com quem está falando? – Constance perguntou desconfiada, abraçando-se ao próprio
corpo, fechando seu robe sobre a camisola longa.
– Com ninguém – Jonathan a ouvir fazer o seu melhor; mentir. Nervoso por não haver outra
saída, nem onde se esconder, rodou pelo espaço mínimo, rogando que Constance acreditasse e
se fosse. A moça novamente falou: – Estava resmungando com meu desenho. Sabe como fico
quando não dá certo... Já ia dormir. Desculpe se a acordei.
– Não acordou. Estava me preparando para deitar quando a ouvi... Foi maluquice achar que
havia alguém.
– Com certeza. Quem viria aqui a essa hora?
– Um namorado, talvez... – Constance arriscou. Jonathan deduziu que sorria. – Mas o seu
mora muito longe.
Não tão longe, Jonathan se pegou a zombar. Então se repreendeu; não era o namorado. Ainda
remoia o pensamento, quando sua atenção foi desviada para o desenho que via de ponta cabeça.
Contornando a mesa onde este estava disposto imediatamente se reconheceu nos traços precisos.
Não mais ouvia as vozes. Nem pensava no perigo de ser descoberto ou em nomes para seu
relacionamento, apenas se encarava naquele reflexo incompleto.
– Ufa! Mamãe já foi – Faith anunciou ainda mais baixo. Ao vê-lo compenetrado a mirar o
desenho, aproximou-se. – Gostou?
Antes de responder Jonathan correu os dedos levemente sobre os olhos incolores.
– Me vê assim tão triste? – murmurou distraído.
– Estava compenetrada – explicou. – Não parei ainda para analisá-lo... Acha mesmo que está
triste aí?
– Assim me pareço – falou sem desviar os olhos do retrato, subitamente considerando se um
falado, estampando seu rosto, seria exatamente igual.
– E nesse aqui? – ouviu-a perguntar ao seu lado. Movendo o rosto, deparou-se com outro
desenho, aquele completo. Ela tomou até o cuidado de colocar o colarinho romano; retratara o
padre, também triste.
– Não estou diferente – falou por fim. Então algo lhe ocorreu: – Você desenha sem uma
referência ou é algum momento específico.
Faith entendia a curiosidade e não era sua vontade negar.
– Hoje nem era minha intenção desenhar o senhor... Mas esse primeiro é do nosso encontro na
praia. Quando mandou que eu ficasse no meu lugar.
Então a tristeza retratada era justificada. Caso Faith pudesse entrar em sua mente naquela
manhã poderia ter recriado até mesmo uma acentuada confusão. A constatação o remeteu ao
assunto interrompido por Constance. Se Faith, mesmo não entendendo sua dualidade o aceitava,
poderia retribuir não questionando seu apego à própria fantasia.
– Aquela foi uma manhã ruim – admitiu.
– Para mim também – ela se aproximou. – Por isso não quero que fique bravo.
– Não estou. – Sorriu-lhe. – E entendo. Mas se não será em minha casa, como faremos?
Boa pergunta, Faith pensou já a analisar as possibilidades. Repentinamente algo lhe ocorreu,
o problema seria expor a ideia. Para alguém que sempre se considerou descolada, ter o rosto
quente e provavelmente vermelho antes mesmo de dizer o que pensava, era novidade.
– Bom... – começou pausadamente – Está claro que aqui em Sin Bay não tem lugar adequado.
– Ao que parece não.
– Pois bem... – pigarreou. – Ao sul da 95, poucos quilômetros além da Sanford, há um motel...
– Está sugerindo que nos encontremos num motel de beira de estrada? – ele murmurou
incrédulo. Imediatamente a lembrança do quarto que dividiu com o padrinho lhe veio à mente.
Péssima ideia! – Não.
– Então não sei como poderá ser – a moça retrucou. Percebendo sua tristeza, Jonathan
estendeu a mão e tocou-lhe o rosto. Queria lhe dar uma alternativa, como não a tinha, considerou
deixar sua restrição de lado, mesmo que não lhe agradasse.
– Se eu aceitasse, quando seria?
– Posso dizer com certeza amanhã? – perguntou sorrindo, animada com a dúvida auspiciosa.
– Preciso arrumar uma boa desculpa para passar a noite fora.
– A noite inteira? – a expectativa o animou.
– A noite inteira – Faith confirmou, alargando o sorriso.
O plano finalmente o agradou. Ter a moça uma noite inteira para si era mais do que poderia
esperar; longe de todos, onde poderia esquecer quem era. Daria certo, teve certeza.
– Isso me lembra de que precisamos ter um meio de comunicação só nosso – ela prosseguiu. –
Não podemos esperar por nossos encontros sempre que precisarmos conversar.
– Posso dar-lhe o telefone da sacristia – sugeriu.
– Não acho seguro... Assim como ter o número do seu celular seria arriscado.
– Não tenho um – falou simplesmente.
– Então será perfeito! Não fique bravo, mas tomei a liberdade de te comprar um presente.
– Um presente? – indagou franzindo o cenho. Não se lembrava da última vez em que recebeu
algo do tipo. Pelo menos nada que não fosse relacionado à vocação que abraçou; como bíblias,
hinários, terços ou os crucifixos que Carlo constantemente o fazia trocar.
– Espere – ela pediu indo até seu armário para resgatar a sacola guardada desde a noite em
que comprou o aparelho. Em menos de um minuto a estendeu para que ele a pegasse. Jonathan a
tomou com uma ansiedade desconhecida. Ao verificar o conteúdo a encarou inquiridor.
– Um celular?
– Somente para nossas conversas. É mais seguro.
Voltando a atenção para a caixa, não pôde deixar de comparar sua situação com a do tio. A
similaridade dos casos novamente lhe trouxe a certeza de que Carlo mantinha uma relação como
a sua. Não sabia como lidar com o inesperado, mas determinou que se o arranjo funcionava para
o tio, funcionaria para ele.
– Obrigado! – agradeceu sinceramente. – Mas terá de me mostrar como usá-lo. Nunca tive um
desses.
– É... Esse modelo é novo. Um pouco complicado, mas quando se acostumar verá que não
difere dos outros que teve.
– Nunca tive qualquer outro – corrigiu já que não se fez entender.
– Nunca?! – Faith abafou a exclamação com as mãos sobre a boca; atônita. Em que mundo
Jonathan vivia?
– Pelo menos não que eu me lembre – murmurou curioso quanto àquele assunto; alguma vez
tivera celular? Quantos detalhes sobre si ainda se descobriria ignorante.
– E como não se lembraria? – Faith interrompeu seus pensamentos, encarava-o com
estranheza.
– Esqueça – demandou aborrecido; não estava disposto a explicar. – Eu leio o manual.
– Não. Eu posso...
– Tudo bem, Faith! – Tinha consciência de que a moça não era culpada por seu esquecimento,
mas não conseguia ocultar sua irritação. – Posso ser esquecido, mas possuo discernimento
suficiente para entender algumas instruções básicas.
– Certo... – ela anuiu, como sempre sem entender a variação súbita de humor. – Não terá
muitos problemas, a vendedora já fez as configurações básicas e eu inseri o meu número na
memória. Também o coloquei no silencioso, assim quando tocar ninguém ouvirá. Mas terá de
estar com ele o tempo todo.
– O tempo todo? – Não estava certo quanto aquilo. Sem dosar a frieza da voz, perguntou
ainda: – Quantas vezes você pretende ligar? E não espera que eu atenda sempre não é?
– Não... Sei que nem sempre será possível. – Faith o encarou, perguntando-se o que o teria
deixado tão irritado quando parecia ter gostado do presente.
– Folgo em saber. Agora acho melhor ir embora antes que Constance apareça para ver o que
tanto resmunga.
– Nesses primeiros dias em que papai vai para o mar ela toma remédios para dormir – Faith
explicou. Não queria que ele se fosse, sério como estava. – Não levantará mais... Fique.
– Preciso levantar cedo... E é melhor não abusarmos da sorte. – Jonathan a trouxe para seus
braços, sabedor de que era o responsável pelo rosto amuado por sua frieza anterior. Após beijá-
la de leve, sorriu. – Vou deixá-la terminar meu desenho. Sei que não dou muitos motivos, mas
tente me deixar mais alegre.
– Posso tentar, mas não agora... Acho que vou deixar como está. Ele saiu de minha saudade e
como já te vi... – falou receosa; confusa com a nova mudança. – Vou seguir seu exemplo e
dormir.
Jonathan gostou do que ouviu. Também sentira falta dela, contudo não lhe diria. Como
esclareceu antes, não ficaria se declarando. Em vez de palavras, preferia mostrar em ação.
Estreitando-a mais em seu abraço a beijou apaixonadamente.
Capítulo Dezoito

– Eu me esqueci de avisar que amanhã à noite terá Vernissage na galeria – Faith comunicou à
mãe durante o café da manhã. Arriscava a desculpa que formulou durante a noite, depois de ter
sido a filha exemplar, não indo à praia como recomendado e ajudando a mãe a preparar o
desjejum.
– Um nome chique demais para a exposição de meia dúzia de quadros de algum ilustre
desconhecido local naquela lojinha metida à galeria – Nicole zombou, mostrando a língua para
a irmã que a encarava com uma sobrancelha erguida.
– A Arte & Estilo não é uma lojinha, sua chata – Faith respondeu, simulando seriedade.
– Sabe que não gosto quando volta tarde de Wells, Faith – Constance falou, encarando-a com
gravidade, sem se importar com o arreliar entre irmãs. – Já bastam as noites de quinta.
Nicole apenas olhou de uma a outra e voltou sua atenção para a comida depois de lançar um
olhar pesaroso pela iminente recusa ao seu comunicado. Faith não pôde deixar de notar o rosto
corado antes de prosseguir com seu embuste; não se renderia sem lutar.
– Eu sei... Por isso mesmo que estou pensando em dormir na Helen. – Quando a mãe ameaçou
retrucar, acrescentou: – Não seria a primeira vez... E faz tempo que não vou a nenhuma reunião
assim. Por favor, mamãe...
– Ah! Está certo! – Constance aquiesceu ante o olhar suplicante. – Se eu gostasse desses
eventos iria com você assim não me preocuparia tanto, mas sabe como os acho aborrecidos...
Sem contar que nunca entendo o que esses artistas de hoje querem mostrar através daqueles
rabiscos sem forma.
– Está sendo muito crítica – Faith retrucou, sorrindo satisfeita pela noite livre. – Tudo bem
não gostar do Cubismo, mas via figuras distintas nas telas da mostra que a levei.
– Vi, sim. – a mãe concordou também sorrindo. – E por falar nisso, conseguiu terminar o
desenho que estava lhe aborrecendo? Posso vê-lo?
– Eh... – A pergunta roubou um pouco da animação. Não tinha escondido sua obra daquela
vez. – Não terminei ainda... Vou voltar a ele quando acabar essa panqueca divina. Eu já te
parabenizei? – elogiou para desviar-lhe a atenção.
– É a mesma de sempre, Faith – a mãe retrucou, ainda que envaidecida.
Com um sorriso, encerrou o assunto e comeu em silêncio. Ao terminar, deixou a função de
ajudar a mãe na organização da cozinha para Nicole e marchou até seu atelier. Logo tratou de
esconder o desenho inacabado junto ao primeiro. Após organizar seu espaço, sacou o celular e
colocou mãos à obra. Sua primeira ligação fora para a amiga.
– Já estou em aula, Fay... – Helen sussurrou tão logo avisou que precisavam conversar. – Não
pode me ligar depois?
– Não – Faith falou rapidamente. – Serei breve, apenas escute... Amanhã à noite eu preciso
estar livre e disse à mamãe que vou dormir na sua casa. Obrigada por ajudar.
– Ei! – exclamou. – Não tão rápido. Que história é essa de noite livre?... Não me diga que vai
aumentar sua participação lá naquele lugar?
– Não vou. – Por ela nunca mais iria àquele lugar, mas esse assunto deixaria para depois. No
momento Jonathan era o mais importante. E como sabia que teria de explicar, falou também num
murmúrio: – Tenho um encontro com ele.
– Minha Nossa! – a amiga falou acentuando cada palavra. – Está me dizendo que vai se
encontrar com o p-a-d-r-e? – disse assim, soletrado, num sussurro.
– E-s-t-o-u. – zombou, imitando-a.
– E eu tenho de ajudar? – exclamou incrédula. – Faith, o que foi que eu te disse?
– Por favor – pediu livre de humor, vendo seu plano ruir –, não tenho mais ninguém.
– Esse detalhe por si só já é indicativo de que está fazendo coisa errada – retrucou a futura
cunhada. – Desista enquanto é tempo. Essa brincadeira não tem como acabar bem.
– Não estou brincando – afirmou embargada. Sua chance não poderia ser barrada justamente
por seu álibi. – Esqueça o que disse sobre beijinhos, Helen... Estou apaixonada!
A amiga permaneceu em silêncio. Por um momento Faith acreditou que a ligação tivesse sido
cortada, porém ao ouvir um longo suspiro, entendeu que Helen apenas tomava o tempo para
assimilar a novidade. Expectante, esperou muda até que esta deliberasse.
– Já se cuidou como conversamos? Não quero ser tia de uma criança sem pai – falou por fim.
Naquele momento Faith liberou o ar que nem percebeu ter prendido. Estava contente com a
ajuda, mas a tensão não lhe permitiu sorrir quando a tranquilizou. Sem se mostrar aliviada,
Helen retrucou: – Ao menos isso. E como fará? Vai mesmo para minha casa ou só devo
confirmar?
Iria depois da aula para se trocar antes de seu encontro, disse à amiga. Depois de tudo
acertado sua futura cunhada simplesmente desligou para deixar claro seu desagrado agora que o
relacionamento proibido se tornava real. Trêmula, ordenou-se que se acalmasse. Helen resistia
à novidade, mas ao menos colaboraria. Era precário, mas era um ponto a favor. Antes de dar o
segundo passo, respirou fundo algumas vezes, seus dedos incertos mal acertavam os números já
decorados.
– Pronto – ouviu a voz melodiosa após alguns toques.
– Oi – ela suspirou aliviada. – Bom dia! – cumprimentou mais segura, com o coração aos
saltos como se estivessem próximos.
– Buon giorno, Faith. – Jonathan respondeu. Seria impressão ou ele riu levemente? Seja
como for, seu tom expressava um humor melhor naquela manhã. – Dormiu bem?
– Nem sei se dormi.
– Como pode não saber? – ele arremedou livremente sua pergunta da madruga anterior. O
ânimo de fato estava melhor.
– Não dormi e a culpa é do senhor. Feliz agora? – apesar de retrucar, sorriu aliviada.
– Ficarei feliz ao repetir o feito quando estivermos juntos – disse sugestivo.
Com as sobrancelhas unidas, Faith olhou para o visor, conferindo o número marcado; era com
Jonathan que falava. Sorrindo, voltou o celular ao ouvido.
– Para ajudar com sua felicidade que liguei... Estarei livre amanhã à noite.
– À que horas? – soou prático.
– Após as sete, qualquer uma que determinar... Não sei seus hábitos. – Como Helen, ele se
calou. Pacientemente esperou por uma resposta.
– Às oito horas está bem para você? – perguntou levemente rouco.
– Está perfeito!
– Há a possibilidade de desencontros? Como se chama o lugar?
– Não me lembro do nome, mas é o único mais próximo... Não tem como errar. Acho melhor
não tratarmos nada antes... Quem chegar primeiro escolhe o quarto e avisa ao outro. O que me
diz?
Tanta eficiência abalou ligeiramente o bom humor de Jonathan, mas ele não se deixou abater.
Repetiu a ladainha que recitou durante o restante da madruga depois de deixá-la; não importava.
– Gosto que seja assim – concordou, decidido a ser ele a escolher a acomodação.
– Bom... Sei que não está acostumado com esse tipo de coisa, então devo alertá-lo para que
não é bom dar seu nome. Se quiser pode usar o meu.
E novamente ela mostrava sua desenvoltura, golpeando mais uma vez o raro bom humor.
Paciência, Jonathan demandou a si mesmo.
– Bem lembrado. – Pigarreou para desobstruir a garganta. Ao contrário do que imaginou ao
receber o celular, flagrou-se querendo estender a conversa, porém ouviu o som de passos vindo
do corredor. Aborrecido com a interrupção, avisou rapidamente: – Preciso desligar agora. Até a
noite.
– Até... Ciao – ele a ouviu dizer antes de desligar e voltar o aparelho ao bolso. Já deixava sua
cadeira quando Carlo assomou à porta.
– Pensei que estivesse com alguém – comentou, olhando em volta.
– Estou sozinho – Jonathan assegurou desnecessariamente.
– Nunca estamos sozinhos – Carlo falou manso, apontando o alto num gesto corrido.
O jovem padre suspendeu a respiração por um instante, não retrucaria. Nem poderia, pois
aceitava a verdade. Exasperante era conhecer a intenção oculta na breve pregação, mas não se
deixaria abalar. Quem estava constantemente ao seu lado conhecia suas angustias e questões.
– Já arrumou tudo que pretende levar? – mudou de assunto.
– Não há muito a arrumar. Terminei agora. – Carlo disse com expressão preocupada. – Se não
fosse necessário, eu ficaria.
– Disse que não sabia o motivo de estar sendo chamado – Jonathan uniu as sobrancelhas ao
inquiri-lo. – Agora é necessário que vá?
– Foi apenas uma maneira de dizer – o tio se justificou. – E não posso me negar a atender o
reitor Ramiro.
Novamente considerou suspeita a viagem repentina que poderia lhe trazer problemas.
Todavia, ainda que desconfiado, era pouco provável que Carlo o delatasse quando possuía seus
próprios segredos.
– Acredito que não. – Jonathan ainda o encarava, perscrutador. – Bom, quando quiser é só
avisar que o levo à Wells.
– Não será preciso. Ontem Samuel me ofereceu carona. Vou com ele.
Jonathan não questionou. Talvez fosse melhor que se separassem à porta de casa. Uma viagem
até a cidade daria margem a novas discussões; ou a um silêncio sepulcral. Ambas as
alternativas não eram animadoras e apenas serviriam para afastá-los mais. Sentia-se enganado,
mas ainda o queria bem.
– E a que horas sairão?
– Poderia ao menos disfarçar a ansiedade em me ver pelas costas? – Carlo indagou, sentido,
demonstrando a Jonathan o quanto esteve certo em desejar evitar estarem juntos no trajeto até
Wells.
– Não o quero pelas costas. – Em parte, dizia a verdade. – Está viajando de livre e
espontânea vontade. – Cansado, sugeriu, indicando a saída: – Acho melhor que fiquemos longe
até que parta... Estou farto de nossas brigas.
– Não, Johnny. – Carlo o deteve. – Desculpe-me, eu não deveria ter dito isso. Bom, sairemos
em uma hora.
Desconcertado com o pedido de desculpas e a mudança repentina, Jonathan colocou as mãos
nos bolsos. Ao tocar o aparelho que o manteria em contato com Faith, apertou-o, procurando
força para enfrentar o que viesse. E então entendeu. Mesmo que indiretamente, seu tio indicara o
caminho. Antes de se ressentir, deveria ser grato. Procurando os olhos azuis, descobriu que
sentira sua falta e que o queria de volta, não importando como convivessem futuramente.
– Já que temos uma hora, o que me diz de passarmos ao salão e rezarmos, pedindo por uma
viagem tranquila, livre de percalços e um regresso seguro?
– Se eu puder acrescentar que fique igualmente tranquilo, firme diante das tentações e seguro
no caminho que escolheu seguir, tanto melhor... – falou Carlo, indicando a porta.
– Então vamos. – Jonathan tomou a frente; taciturno. Demoraria até que uma trégua fosse bem-
sucedida. – Vou reforçar todos os seus pedidos, pois preciso mesmo me manter seguro no
caminho que escolhi.
O momento da despedida não foi melhor. Distantes da naturalidade anterior, os padres apenas
apertaram-se as mãos educadamente, cada qual absorto em seus próprios pensamentos.
Jonathan, mesmo preocupado com a viagem solitária a Washington, sentiu-se aliviado quando
Carlo embarcou na caminhonete de Samuel e finalmente se foi. Estava livre!
– Que ele faça uma boa viagem – Sarah Williams falou ao seu lado, lembrando-lhe que a
liberdade era relativa.
– Ele fará – disse apenas, não consternado com a presença da vizinha.
– Agora somos somente nós dois. – A senhora lhe sorrindo ternamente. – Algum pedido
especial para o almoço?
– Nada especial, por favor... – Por ele a dispensaria, mas não queria magoar a prestativa
senhora. Bastaria reduzir sua presença. – Sabe que meus hábitos alimentares são simples, então
não se preocupe com o jantar. Passarei com o que fizer para o almoço.
– Não estou certa quanto a isso. Já come tão pouquinho... Acho que preciso cuidar melhor do
senhor, agora que seu tio não está.
– Como o suficiente – retrucou, decidido a encerrar a conversa maternal e invasiva demais
para alguém que desejava estar livre de quaisquer amarras. Lembrando-se de que surgira um
compromisso logo após a reza conjunta com seu padrinho, escusou-se: – Perdoe-me, mas agora
preciso deixá-la.
– Vai sair? – indagou mal disfarçando sua curiosidade.
– Vou até a casa dos Trents. O filho caçula veio me pedir para abençoar o pai que está
enfermo.
– É verdade... O velho Jonas Trent está nas últimas – murmurou pesarosa, porém logo
acrescentou dando de ombros; – Mas se eu fosse o senhor já iria me acostumando. Ele está
morrendo desde a época do padre Lewis.
– Tanto melhor – Jonathan retrucou, sorrindo condescendente com a maldade velada da
senhora. Poucas coisas naqueles dias o aborreceriam. – Mais um motivo para empenhar-me
mais em minha bênção. Enquanto houver vida, há esperança. Até logo Sra. Williams.

– Por que estou te achando estranha Faith? – Constance a encarava com as sobrancelhas
unidas, perscrutadora.
Seria por estar visivelmente ansiosa? Considerou sem desviar a atenção do rádio que as
colocaria em contato com o Free Soul I. Desejava que a mãe começasse a lidar com a máquina,
assim poderia escapulir para seu quarto quando não estivesse no clima de conversar com o pai.
Na verdade, não estava para conversas com ninguém. Queria apenas a noite seguinte e, caso esta
demorasse a vir como aquela, chegaria a ela sem uma única unha inteira ou fio de cabelo sem
estar incolor.
– Não faço ideia, mamãe – disse em voz alta, inconformada com sua total inépcia em
estabelecer encontros secretos.
– Tem a ver com as ligações cada vez mais raras de Peter? – a mãe voltou à carga. – Vocês
brigaram?
– É isso – Faith estava prestes a negar, porém reconsiderou uma vez que o fim do
relacionamento estava próximo. – Eu não quis dizer ontem, mas estávamos brigando quando me
ouviu falar sozinha.
– Não fique assim querida? – Sua mãe tocou-lhe o ombro, confortando-a. – Tenho certeza de
que é somente uma briguinha passageira. Está claro o quanto ele gosta de você e não se esqueça
de que seu pai está muito contente com esse namoro.
E esse era todo o ponto! Ironizou para si enquanto repetia o prefixo utilizado pelo pai
esperando por sua resposta. Se Elliot Green estava satisfeito o mundo deveria se adequar para
que ele se mantivesse assim não importando o quanto os pobres mortais estivessem miseráveis.
Contrariada, agradeceu o chiado característico e voz metalizada de Elliot a lhe responder.
– Boa noite, papai. Como este tudo por aí? – perguntou, descartando o comentário da mãe.
– Tudo calmo por enquanto e espero que continue assim, apesar da previsão de chuva. E aí,
notícias de Joseph?
– Não – disse, escapulindo da cadeira. – Eh... Vou passar para mamãe e então vocês
conversam... Boa noite, papai... Diga ao Mason que estou mandando um beijo. – Sem esperar
por resposta, passou o fone para Constance. – Assuma daqui. Vou subir.
Não dando tempo de sua mãe retrucar, deixou a sala sob o olhar avaliativo da irmã que as
ouvia sem participar. Ledo engano imaginar que ficaria sozinha ao entrar no quarto. Logo Nicole
assomou à porta já no assunto que veio abordar.
– Então? Dirá ao menos para mim o que a perturba? – ao sentar na cama, descartou uma das
hipóteses. – Sei que não é saudade de papai, senão teria ficado para conversarem como sempre.
– Não tenho nada – negou veemente, indo à varanda para apreciar o pôr do sol que cada vez
mais se dava mais cedo com a proximidade da mudança de estação. – Vocês que tiraram o dia
para cismar comigo.
– Não acredito em você e vou descobrir o que há – Nicole a seguiu. – Anda aos suspiros por
alguém, não é? Está apaixonada? Por que não diz de uma vez?
– Porque não tenho o que dizer – bufou.
– Iria me poupar o trabalho de investigar e...
– Certo Sherlock! – Faith interrompeu-a aborrecida, empurrando a irmã para que deixasse a
varanda. – Não vou facilitar nada então vá caçar pistas...
Ao atirar Nicole para dentro do quarto, fechou a porta com estrondo, considerando-se uma
estúpida elevada à décima potência. Como poderia deixar transparecer o que sentia daquela
forma? Por sorte a irmã não a conhecia como Mason ou Tyler, caso contrário já teria matado a
charada.
Procurava em sua mente pelo dia exato que se tornou uma apaixonada folhetinesca e
“suspirante” quando seu celular tocou. Pelo toque escolhi, de imediato soube ser seu herói.
– Faith... – E então seu nome era música e apagava qualquer aborrecimento.
– Oi... – suspirou. Sim, era uma mocinha de folhetim, determinou sem se importar em ser
patética.
– Quero vê-la essa noite – Jonathan disse sem preâmbulos.
– Essa noite? – repetiu incerta. Não era o que queria? Então porque o súbito receio?
– Precisamos conversar... Acho importante antes de nosso encontro amanhã.
– Sobre o quê? – Não queria saber na verdade, impressionada com a seriedade da voz.
– Digo quando chegar aí. Irei um pouco mais tarde, assim teremos certeza de que sua mãe
e irmã estarão dormindo.
Antes de responder foi até a porta do quarto e a abriu de chofre, temendo que Nicole a tivesse
escutando, porém este estava vazio.
– Combinado – disse indo conferir o banheiro; ninguém. Depois da despedida breve, a moça
olhou o visor, acabrunhada. Poderia ter uma vaga ideia do que seria e antecipadamente tentou
decidir o que fazer.
Capítulo Dezenove

Horas se passaram sem que tivesse chegado a uma conclusão minimamente satisfatória. Nem
mesmo conversar banalidades forçadas com Tyler por alguns minutos a ajudou a distrair sua
tensão. A ligação feita por se sentir culpada de nunca visitá-lo, serviu apenas para saber que o
amigo estava bem, recuperando-se de sua queda e nada mais.
Quando descia pela grade ao lado da varanda, sentia-se oprimida por não saber o que dizer
ou como os rumos da conversa afetariam o futuro de seu relacionamento ainda tão frágil.
Como da última vez, foi preciso calar um grito alarmado ao ser capturada antes que chegasse
ao chão.
– Precisa parar de fazer isso – pediu num sussurro entrecortado. Já mantida contra o peito
sólido. – Quase me mata de susto!
– Merecido já que quase me mata com sua falta – Jonathan sentenciou antes de beijá-la.
Não exagerou. A falta sentida fora verdadeiramente incômoda e se agravou ao constatar que
ela não o procuraria como esperou que fizesse. Por esse motivo lhe telefonou, indo contra ao
que imaginou inicialmente. Oito dias pareceram nada para desperdiçar o tempo logo de início.
Queria apenas estar com ela livre de cuidados, longe de tudo e de todos. Então, ao ser
abraçado pelo pescoço, separou-se dela antes que seu corpo quisesse mais. Antes que dissesse
qualquer palavra, ela falou num murmúrio vacilante:
– Também acho melhor pararmos... Veio para falar da boate, não foi?
Não, mas ao ser lembrado Jonathan considerou que seria oportuno conversarem a respeito.
– Vero... Seria bom esclarecermos isso de uma vez por todas, mas não aqui... Não quero ter
de sussurrar cada palavra.
– Então, venha.
Faith o tomou pela mão e levou para além dos limites do quintal, seguindo para a praia. A
noite não estava necessariamente escura, mas com a maré baixa não seriam visto se ficassem
próximos à faixa de areia molhada, distantes dos fundos das casas. O único incômodo seria o
frio vento marinho, caso fosse sentido. Faith estava muito quente; abalada por ainda não saber o
que diria. Verdade ou consequência?
– É bonito aqui – ele falou alheio às aflições da amante. Também pelo cenário, mas
principalmente por ela, desejável em uma camisola instigante ainda que muito decente. Os
cabelos soltos, esvoaçando ao sabor do vento.
– De onde eu vejo é bem bonito – ela murmurou, permitindo-se sorrir a despeito de seu
nervosismo. Como reparar em belezas naturais com ele diante de si, tendo os cabelos do mesmo
tom da areia sob seus pés descalços, iluminados pela lua não muito alta? Com um suspiro, focou
no que era preciso fazer. Melhor irem logo ao ponto. – Veio me pedir para parar não foi?
– Imaginei que nem fosse preciso pedir – Jonathan retrucou e colocou as mãos nos bolsos da
calça jeans, contrafeito. Já livre do encantamento que a natureza dava a ela. – Achei que minha
posição tivesse sido entendida e aceita.
– Então veio somente confirmar que eu pararia? – ela perguntou confusa. Fora ele que
sugerira o assunto, não?
– Já não importa o que vim fazer – falou ácido, não gostando da colocação empregada nas
perguntas. – Diga-me você o que vai fazer.
– Bom... – Era chegada a hora então seguiria o roteiro da forma que lhe era apresentado. Não
poderia parar com as apresentações como pretendia e um padre não resolveria seu problema,
então... Desejando-se boa sorte, prosseguiu: – Eu gostaria que entendesse que não posso deixar
a boate nos próximos dias.
– E posso saber por que não? – sibilou. – O que a prende àquele lugar?
– Não estou presa. – Como já estava decidida pela consequência era seguir em frente. – Vou
sair e até já comuniquei a Barry, mas assumi o compromisso de que esperaria até que ele
arrumasse alguém que me substituísse. Não quero voltar minha palavra atrás e deixá-lo na mão
assim sem mais nem menos. Será por poucos dias; um ou dois. Não pode entender?
– Para lhe ser bem sincero não entendo nem mesmo o que a levou a um antro como aquele em
primeiro lugar.
– Hoje nem eu mesma sei – falou intimista. – Mas na época acreditei estar apenas me
divertindo. Não vi maldade na brincadeira.
– Brincadeira?! – Jonathan arremedou atônito. Incerto quanto à integridade mental da moça. –
Dançar nua para estranhos é sua ideia de brincadeira?
– Como disse – retrucou, incomodada com o julgamento que inevitavelmente ele lhe fazia –,
na época me pareceu que sim... E se quer saber, eu nem os vejo. Pouco me importava quem
estivesse na plateia. Não os conheço... Só o que me interessava era a sensação de liberdade, a
transgressão. Era isso que me divertia.
– Estranha forma de transgredir contra o que quer que seja... E tinha um conhecido – lembrou-
a secamente, sentindo a conhecida pontada possessiva em seu peito. – Se ele é somente um
amigo, deveria se importar que a visse daquela maneira.
– Das primeiras vezes incomodou, mas depois Tyler passou a fazer parte da massa sem rosto.
Até me esquecia de que estava lá.
– Assim como espera que aconteça comigo? – Jonathan indagou raivoso por imaginar que ela
jogasse com ele, mas não era um moleque. – Saiba que jamais assistiria passivamente à mulher
minha se despindo para os outros.
– Acontece que não sou sua mulher, não é mesmo? – Pedia apenas um pouco de entendimento
enquanto estivesse de mãos atadas. Quem ele pensava que era para se recusar? Agastada,
lembrou-o: – Deixou claro que nem mesmo posso te considerar meu namorado. Não temos nada
um com o outro, senhor. Como acha que pode me cobrar alguma coisa?
As palavras estalaram no rosto dele com a força de uma bofetada. Conscientemente Jonathan
sabia que a moça tinha razão, porém não era sua parte racional que o movia naquele momento. E
o homem de brios que não toleraria ser desfeiteado de nenhuma maneira, questionou o quanto
ela poderia ser dissoluta.
– Sabe que minha posição não me permite manter qualquer tipo de relacionamento quanto
mais nomeá-los. Justamente por isso, tendo nome ou não, depois de tudo o que fizemos... Ou o
que você fez comigo bem ali – apontou a casa – acreditei que tivéssemos alguma coisa.
Tinha ido longe demais, Faith percebeu tardiamente ao seguir-lhe o raciocínio.
– Por favor, me entenda – tentou contemporizar finalmente sentindo mais que o frio noturno
nas palavras gélidas do homem ofendido. – Não foi dessa forma que quis colocar. Há sim
alguma coisa entre nós. Apenas acho que não pode me cobrar um comportamento exemplar...
– Quando eu mesmo não o tenho? – cortou-a invernal. – É a isso que se refere? Um padre sem
vergonha que se rende ao assédio de uma mulher deve aceitar qualquer promiscuidade que
venha dela, pois não tem moral para questioná-la?
– Não! – exclamou alarmada. Jonathan não estava muito longe da verdade, mas dito em voz
alta soava como afronta, completamente fora do contexto. – Não coloque palavras na minha
boca. Como eu poderia te considerar errado por me aceitar depois do tanto que provoquei?
Estou pedindo apenas que me entenda – disse, tocando-lhe o braço. Não queria perdê-lo.
– Pois não há meios – ele replicou, afastando o braço bruscamente como se seu toque o
incomodasse. – Como entender alguém que ao se denegrir permite que humilhem os pais
constantemente? Eu também estive lá, Faith... Como Tyler ou, amanhã, qualquer outro de Sin
Bay... Talvez até mesmo seu irmão. É admirável que não tenha acontecido até hoje... E quando
outra pessoa descobrir o que chama de diversão? Qual acha que será a reação de sua família? O
que Elliot dirá? Acredita que ele lhe dará os parabéns por entreter todos os homens dessa
monótona cidade? – zombou maldosamente, ferido.
Faith estava ciente de todas aquelas coisas; sentira na alma a agonia de ser descoberta. E
queria parar, gritou mentalmente, mas não poderia. Precisava apenas de tempo. De preferência
com Jonathan ao seu lado. Faria com que a entendesse depois, no momento passou a ser
primordial acalmá-lo.
– Acha que já não pensei em tudo isso? – falou pausadamente, começaria por amansar a si
mesma. – Já disse que vou sair. Não quero correr esses riscos que citou. Assim que Barry
arrumar uma substituta eu caio fora.
– Caia fora imediatamente. Qualquer uma daquele antro pode fazer o que faz. Não há
diferença – exaltou-se inflamado por vê-la nitidamente na última apresentação. E nas anteriores
quando se mostrou muito à vontade ao recebeu a gratificação diretamente em sua calcinha.
Desprezando-se por sua fraqueza ao se excitar à visão, moderou a voz: – Acho que apenas tenta
ganhar tempo.
– Juro que não.
– Disse em meu confessionário que gosta do que faz e eu comprovei pessoalmente. Aquele
palco é mesmo um parque de diversões para você – continuou como se ela nada tivesse dito.
– Já foi um dia, não é mais – Faith assegurou.
– Disse que recebe um bom dinheiro... – Jonathan realmente não a ouvia preso em seu ciúme
eclipsante. – Se eu lhe oferecer semanalmente mais do que ganha em sua única apresentação,
deixaria de ir?
– Agora está me ofendendo. – Faith se retesou. – Não sou uma prostituta!
– Isso é relativo – Jonathan prosseguiu ressentido: – Já lhe disse que, para mim, elas são
melhores do que você, pois entregam o que lhes pagam para ter.
Jonathan não dizia nada que ela não tivesse entendido por conta própria, mas na boca dele,
maculando a voz cantada que tanto adorava, a verdade adquiria proporções avassaladoras que a
esmagavam como se fosse o mais repugnante dos vermes. Não era tão desprezível.
– Não preciso ouvir essas coisas. Se eu sou pior que uma puta é melhor pararmos por aqui –
gritou, dando-lhe as costas.
Engolindo as lágrimas que ameaçavam vir à tona, Faith marchou para casa. Foi contida pelos
cabelos da nuca antes de completar o terceiro passo. Não doeu, mas o susto lhe roubou o ar.
Antes que se recuperasse, foi espremida de encontro ao corpo maciço de um Jonathan furioso.
– Não se atreva a me deixar falando sozinho! – Nem a dispensar, pensou aterrado com a
possibilidade. Trêmulo pelo temor de que ela realmente encerrasse o pouco que tinham,
vociferou: – Não pode me deixar! Não agora!
Não quando ele estava completa e desgraçadamente apaixonado, poderia acrescentar para
que ela entendesse daquela vez.
– Então como será? – Faith indagou embargada. – Eu realmente não posso parar e já deixou
claro o que pensa de mim, então... ?
– Acho que não se trata de diversão ou dinheiro. – Como ele não viu antes? – O que a prende
àquele palco é seu apego à fantasia – elucidou, estreitando-a mais em seu abraço.
– O quê? – Faith estava confusa com a brusca mudança de atitude; o tom rouco e baixo.
– Aceitar que não seja a famosa Virgem talvez facilite sua saída.
Aquele era o ponto, Jonathan determinou prendendo mais forte o cabelo que ainda segurava
para erguer a cabeça dela e ter acesso à boca entreaberta. Beijou-a com sofreguidão, sem se
importar com a resistência inicial. Os socos fracos que recebia em seus ombros apenas
serviram para estimulá-lo a imprimir maior força. Não a deixaria partir.
– Aceite a verdade, amore mio.
Queria saber do que se tratava, mas Jonathan não lhe dava espaço. Capturou-lhe a língua com
um gemido gutural enquanto a apertava mais, novamente lhe tirando o ar. A restrição a excitava
mais do que sufocava. Não morreria asfixiada pela paixão demonstrada, porém ainda queria
entender o que a desencadeara, quando brigavam ferrenhamente. Tentando se valer do restante
de suas forças, quis afastá-lo.
– Pare de tentar fugir – Jonathan pediu finalmente, livrando sua boca para prender os lábios
na curva de seu pescoço. – Vou fazer com que encare a verdade.
– Qual...? – Foi tudo o que conseguiu murmurar ao sentir o rolar da língua inexplicavelmente
experiente sobre sua pele sensível e ter um seio esmagado ainda sobre o bojo da camisola de
malha. E novamente a noite esquentou, aquecendo-a por inteiro e estabelecendo o conhecido
latejar doloroso abaixo de seu ventre.
– Que não é virgem porcaria nenhuma – Jonathan falou por fim, já arriando a alça da
camisola, substituindo a mão pela boca afoita.
– Mas eu sou... – ela miou num suspiro inaudível, amolecida pelo sugar ritmado de seu bico
eriçado.
Suas pernas vacilaram ante a languidez com que era provada. Antes que percebesse estava
estendida sobre a areia fria e macia, tendo todo seu colo despido, com o peso de Jonathan sobre
si. Estava muito acesa, mas no fundo de sua mente algo gritava para que voltasse à razão. Não
era para ser daquela forma. Cogitou protestar, mas as palavras se perderam em gemidos, quando
Jonathan correu a mão por seu ventre e a tocou intimamente de forma torturante.
– Por favor, senhor... – implorou.
Fosse qual fosse o teor de seu pedido, serviu apenas para incitar o Jonathan a ir adiante. Não
se tratava mais de fazê-la aceitar sua verdade e, sim, finalmente tomá-la, talvez até confirmar a
si próprio que já estivera com uma mulher. Talvez viesse dali todo o ardor desesperado que
dava vida própria àquela porção pulsante sempre rebelada: não conhecer o sexo, mas saciar a
necessidade deste, sufocada por anos.
– Por favor... – ela gemeu em agonia, acreditando que desfaleceria ao estimular insistente. Já
não se importava que acontecesse ali, como na beira da estrada ou contra a parede da casa dos
Owens, mas preferia que Jonathan fosse um pouco mais delicado. A impetuosidade começava a
assustá-la.
– Vá devagar... – choramingou ainda a vagar entre o prazer e o temor.
Encenação, ele sabia. Não fazia nada que outro já não tivesse feito. Para alguém que se
lamentava, ela estava muito pronta.
– Preciso de você... Ora!
– Apenas vá devagar – repetiu num murmúrio; também o queria. – Nunca fiz isso antes.
Sem responder-lhe, Jonathan prendeu seus lábios mentirosos e os beijou profundamente.
Estendendo-se sobre ela, substituiu sua mão por aquela parte enrijecida, ainda coberta, para que
ela soubesse o quanto a desejava. Com isso conseguiu excitá-la, mas na mesma medida alarmá-
la. O descuido estava claro. E Jonathan a machucaria se a invadisse sem gentileza. Então a
constatação a despertou, apavorando-a de vez.
– Pare, por favor... – pediu ao ter a boca liberada e sentir a preparação para irem além.
– Non posso... – ele rosnou roucamente, a lutar com os fechos de sua calça e os excessos de
pano que se interpunham entre eles.
Percebendo a urgência que não permitiria a Jonathan parar ou ao menos se refrear por alguns
instantes, Faith se debateu, procurando por liberdade. Não precisava ser daquela forma.
– Não...
A fraca negativa soou ao homem expectante como fala ensaiada. Resistir fazia parte do texto
de moça imaculada. Alucinado, com a respiração suspensa, Jonathan posicionou-se às portas da
cavidade que gloriosamente o receberia. Ao entrar, confirmaria a mentira e faria de Faith sua
mulher de forma inquestionável. Pareceu que a ouviu negar uma última vez, mas não teve
certeza; e então arremeteu seu quadril de encontro ao dela num único movimento.
O grito embargado não o assombrou mais do que a resistência dolorosa encontrada naquela
parte dela que deveria acolhê-lo inteira e prontamente. A surpresa o atordoou por um segundo e
mesmo muito estimulado a prosseguir, afastou-se dela, desnorteado. Queria entender o que
acontecia, porém foi novamente surpreendido ao ser empurrado para longe. Fora atingido no
peito, por um dos pés de sua amante que durante o ataque terminou por espalhar areia para todos
os lados.
Ainda mais atordoado, não esboçou reação ao vê-la levantar e, trôpega, correr em direção a
casa. Somente então Jonathan entendeu. Faith não mentia. Machucou-a e ela estava partindo. Tal
compreensão atingiu sua mente antes que seu corpo. Demorou segundos preciosos até que
conseguisse se recompor para segui-la, maldizendo o sigilo do encontro que não lhe permitia
gritar, ordenando que ela o esperasse.
Ao vê-la ganhar distância, tentou acreditar que a venceria na corrida. Contudo sua esperança
era vã. Poucos metros a separavam de sua segurança; separavam-na dele. Jonathan chegou aos
pés da grade, quando Faith já saltava para a varanda. Em uma última tentativa alarmada, falou
num sussurro que sabia ser suficiente para que ela o ouvisse:
– Faith aspetta... Lascia che ti parli... – Ao ouvir a porta sendo fechada, percebeu ter falado
em sua própria língua Ela nem ao menos o entendeu. – Inferno.

– Faith! – Nicole a encontrou no boxe, sentada no piso frio a despeito da água norma que caia
sobre sua cabeça. Ao chamado, ela encolheu os ombros e abraçou-se mais às pernas como se de
alguma forma milagrosa pudesse passar despercebida. Não passou. – O que aconteceu?
– Nada – falou sem olhá-la. Não chorava, ainda assim sabia que pareceria lamentável à irmã.
– Como nada? – Nicole insistiu. – Acordo com o chuveiro ligado a uma e quinze da manhã,
encontro você assim e me diz que não houve nada? – Sem uma resposta, a irmã olhou em volta e
se deteve nas roupas que jogou ao chão. – E esse monte de areia na sua camisola... E isso aqui?
Impossível não olhar ao ouvir o tom alarmado. Quando a viu, Nicole já se erguia, olhando a
calcinha descartada suja com seu sangue. Desconfiada, reavaliou a cena, então se voltou para
encará-la incrédula.
– Sei que seu ciclo já terminou – disse intimista, ligando os pontos. – Estava na praia... Com
alguém!... E vocês... Você nunca...
– Extra!... Extra! – Enchendo-se de uma amargura sentida, zombou: – A caçula vadia dos
Greens era virgem! Quem poderia imaginar?
– Fay, pare! – Nicole desfez a expressão de espanto e se sentou sobre a tampa do vaso
sanitário, falando baixo: – Me desculpe, mas... tem de admitir que era difícil pensar o contrário.
– E por quê? – perguntou ofendida. – Quantas vezes você me viu com alguém?
– Não é pela quantidade, Fay, mas todos esses anos você tem estado para cima e para baixo
com Tyler... Sabe muito bem o que eu pensava. Bom, isso agora não vem ao caso – falou séria. –
Não tem mais como negar. Afinal todos aqueles suspiros tinha razão de ser... Quem é ele?
– Esquece, Nick – ela pediu, voltando a apoiar o queixo sobre os joelhos. Queria se esvair
com a água e sumir pelo ralo.
– Foi o Tyler, não foi? Ele já está recuperado?
– Não sei, Nicole... – Faith suspirou. Se negasse teria que arranjar qualquer outro nome.
– Foi ele mesmo. Eu sabia! – exclamou orgulhosa de si mesma. – Mas me conta, por que está
assim com essa cara? Não foi bom? Se servir de consolo, saiba que para nenhuma de nós é bom
na primeira vez... Mas melhora com o tempo – acrescentou com uma piscadela.
Não, não tinha sido bom, Faith pensou, sentindo o nó finalmente se formar em sua garganta.
Para ser sincera estava muito bom até se desesperar. Sabia que seria doloroso, acreditou estar
pronta. Contudo, para que desse certo, era exigido o mínimo de colaboração da outra parte.
Não poderia culpar Jonathan por não acreditar em sua virgindade visto que até os membros
de sua família não o faziam, mas poderia ter sido mais gentil. Ele parecia fora de si. Como não
recordar as palavras de seu tio? Ao que parecia, de fato, ela despertava o pior que havia nele;
não criara um monstro afinal. Somente cutucou um que adormecia.
– Eu disse não – falou para si, a voz trêmula. – Mas ele não parou.
– O que posso te dizer? – Nicole tocou seus cabelos sem se importar em molhar-se. – Tyler é
praticamente um moleque... Tem o quê? Dezoito anos agora?... Seus hormônios estão em fúria e
vamos ser sinceras... Você já o provocou bastante. Até que demorou muito para ser atacada.
Fora a pessoa ou a idade todo o resto era a mais pura verdade, ainda assim Faith não
conseguia entender tamanho descontrole.
– Quando alguém diz não é não! – retrucou teimosa, resistindo ao consenso machista que de a
culpa sempre seria da mulher. Não eram animais, oras!
– Eu sei, querida... Desculpe. Está doendo muito? – falou conciliadora.
A dor não era nada. Estava decepcionada, mas muito mais envergonhada de sua fuga covarde.
Não sabia se teria coragem de encarar Jonathan no dia seguinte. Ou em qualquer outro.
– Está – disse apenas.
– Tudo bem... – Nicole se pôs de pé. – Levante-se.
– Quero ficar aqui, Nick.
– E além de dolorida arriscar ficar resfriada? Nem pensar. Pode ir tratando de se levantar.
Me deixe ver se ainda tem areia em suas costas. – Ante a firmeza da irmã, restou a ela obedecer.
Ao atendê-la foi esfregada delicadamente. Cansada demais para resistir, Faith deixou que
Nicole lavasse seu cabelo e depois a enxaguasse. Tinha cinco anos novamente e era a boneca
viva de uma irmã compenetrada. Fazendo-a sair do boxe, Nicole lhe estendeu a toalha.
– Você assume daqui. Vista um pijama e vá para a cama – ordenou, recolhendo sua roupa suja.
– Vou preparar uma xícara de chá e trazer um analgésico.
Faith fez como recomendado, evitando até mesmo olhar sua imagem no espelho. Ao voltar,
Nicole a encontrou sobre a cama, novamente abraçada aos próprios joelhos, mirando o vazio.
Recusando-se a pensar, pois todas às vezes que tentou, sentiu uma dor aguda no peito por
acreditar que nunca mais conseguisse estar perto de Jonathan.
– Tome – Nicole lhe estendeu dois comprimidos, um analgésico e outro desconhecido. Ao
notar sua estranheza, explicou: – É o mesmo da mamãe. Vai te fazer dormir depressa... Vá por
mim, ajuda a não pensar.
– Obrigada! – Não pensar era tudo o que Faith queria no momento.
Tomado os comprimidos, a irmã lhe entregou a xícara fumarenta. Faith sorveu o chá sem
distinguir o sabor ou perceber a quentura. Logo estava acomodada entre as cobertas. Pensando.
Quanto tempo aquele remédio demoraria a fazer efeito? Não tardou, mas ainda lhe permitiu
chorar ao questionar como teria sido se tivessem esperado o dia seguinte ou simplesmente não
tivessem brigado antes de tentarem fazer amor. Jamais saberia.
Capítulo Vinte

Por mais que Jonathan não acreditasse ser capaz, dormiu de pura exaustão tão logo se atirou
sobre seu colchão, nu, depois de se livrar da areia e do resquício de sangue que comprovava a
virgindade improvável. Desperto, já pela manhã, considerou que deveria estar satisfeito em
descobrir que Faith não mentia, contudo somente conseguia se recriminar por não ter lhe dado o
benefício da dúvida. Enfim, poderia dizer que Faith era sua, mas não sentiu prazer ao deflorá-la,
nem confirmou ter se relacionado com outras antes dela, pois detalhe algum daquela quase
violação lhe foi familiar.
Depois de conferir não haver nenhuma resposta às mensagens de texto que enviou a Faith,
Jonathan deixou a cama, decidido a vê-la. Vestiu-se a habitual roupa de corrida, calçou-se e
saiu. Àquela hora da manhã, algumas pessoas circulavam pela rua, comerciantes retardatários
abriam seus estabelecimentos. Entre estes, Grace que lhe acenou timidamente. Retribuiu como
para todos; acenos breves e grunhidos ininteligíveis.
Conferindo as horas, reduziu a velocidade dos passos. Queria cercar Nicole, de modo casual,
não esperar por ela. Contou com a pontualidade da moça e obteve êxito.
– Bom dia, Sr. De Ciello – Nicole o cumprimentou ao fechar o portão. – Indo tarde para sua
corrida?
– Precisei resolver algumas coisas... – explicou indiferente. – Seria melhor nem mesmo vir,
mas sinto falta.
– Sei como é... – Ele realmente não queria ser obrigado a perguntar, mas pareceu ser a única
opção quando ela se despediu. – Boa corrida.
– E como você está? – falou rapidamente. Ao ter sua atenção de volta, perguntou ainda: –
Conseguiu resolver seus problemas?
– Consegui. – Nicole lhe sorriu. – Sei que posso contar essas coisas ao senhor, pois as
manterá em segredo, não?
– Evidente.
– Sei que não é certo, pois com o desaparecimento de Joe não consegui desmanchar o
noivado, mas estou com Peter. Sei que pode parecer estranho, afinal ele estava com minha
irmã... Enfim, é uma longa história. Qualquer dia eu te conto. O importante é que tudo ficará
bem...
– E como ela está. – Pigarreou. – Digo... Sua irmã, em toda essa longa história... Como está?
– Quanto a isso ela está bem... – Nicole assegurou, terminando a frase num sussurro incerto;
Jonathan tinha uma nova deixa.
– Tem certeza? Pareceu que iria dizer algo mais.
– Não sei se devo... – A indecisão dela o elevava sua ansiedade a níveis insustentáveis.
– Não sei do que se trata, mas se a aflige, acho que deve. – Foi preciso que Jonathan
colocasse as mãos nos bolsos por acreditar que seria capaz de sacudi-la.
– Bem... Ontem à noite ela brigou com o namorado. O de verdade... – Não com o de verdade
ele pensou amargo, cerrando os punhos ocultos em seu bolso. – Ela ficou mal e está na cama até
agora. Seria bom que ela reagisse. Se fosse à praia, o senhor poderia conversar com ela como
fez comigo.
– Eu teria um imenso prazer em ajudar. – Sua voz soou rouca demais, mas a moça pareceu não
notar.
– Bom – ela se animou. – Nada o impede de visitá-la, não é? Afinal, são amigo...
– Somos... – confirmou alheio, cogitando fazer como o sugerido usando aquela conversa
como desculpa. Precisava confirmar que a fuga desabalada não fosse um rompimento do que
nem ao menos começara. – Sua mãe está de pé eu creio.
– Está... Vai vê-la agora?
– Estou livre agora – retrucou, ocultando sua impaciência. Nicole o serviu, poderia seguir seu
caminho sem questionamentos. – E você irá se atrasar por minha causa.
– Bem lembrado – sobressaltou-se. – Tenha um bom dia, senhor... E boa sorte com minha
irmã.
Ela nem poderia imaginar do quanto precisaria. Sem se despedir, seguiu até a casa. Constance
o recebeu surpresa depois de bater à porta contidamente.
– Senhor? – ela uniu as sobrancelhas. – Aconteceu alguma coisa?
– Comigo não – tranquilizou-a. – Apenas fiquei preocupado, pois Nicole acabou de me dizer
que Faith não está bem... Como ela esteve indisposta há poucos dias, e Elliot não está, vim ver
se a senhora precisaria de alguma ajuda.
– Quanta gentileza, senhor! – ela exclamou enlevada. – Desculpe, nem lhe tomei a bênção. –
Ele a abençoou rapidamente entrando ao ter passagem. Constance ofereceu: – Aceita uma xícara
de café? Está quentinho...
Não! Ele não queria a porcaria do café. Queria subir e ver como estava a caçula da família.
Se o teria desculpado e se continuavam bem. Modulando sua voz, recusou pausadamente:
– Estou com um pouco de pressa... Vim mesmo somente saber como ela está, obrigado!
– Bom, nem eu mesma sei. Faith ainda está deitada... Se ficar como da outra vez, nem vai à
cidade.
– Entendo. – Precisava subir. – Seria o caso de eu falar com ela?
– Não sei – a mãe se mostrou indecisa. Ao que parecia, a única revolvida da casa era Faith.
Justamente por isso sua fuga tornava todo o quadro ainda pior. Estava em vias de insistir,
quando ela aquiesceu: – Se bem não fizer, mal também não há de fazer.
Satisfeito, Jonathan ameaçava seguir para a escada, quando ela acrescentou:
– Mas eu conheço o gênio de minha filha... Vou ver se ela deseja recebê-lo. Com sua licença,
senhor. – Constance pareceu demorar cinco horas não os cinco minutos que levou entre subir e
descer. Por seu semblante, Jonathan soube que ainda não seria daquela vez que teria contato
com a moça. – Lamento, mas Faith está dormindo.
– Va bene – falou sem pensar. Era mentira, mas não poderia desdizê-la. – Se precisar de
alguma coisa é só me chamar.
– Obrigada pela atenção, senhor... Tem certeza de que agora não quer um gole de café?
– Tenho – ruminou a resposta já irrompendo pela porta, lamentando não poder invadir o
quarto àquela hora.
Impaciente demais para ficar parado, seguiu para a trilha. Correu até a praia e ao chegar até
ela, correu toda sua extensão. Ao cair sentado na areia, extenuado, maldizia o mau gênio
comentado por Constance. Seu crime não fora tão grave para que fosse daquela forma castigado.
Qual o problema em responder-lhe as mensagens quando em parte era também a culpada? Se
aquele era mesmo o fim Faith poderia ao menos ter a decência de dizer com todas as palavras.
– Covarde maldita! – rosnou. Era o que ela era.
De volta à praça, Jonathan a cruzou empertigado, sua irritação aumentada em ver as primeiras
moças a esperar que abrisse a igreja para começar com as confissões. Dispensou-as todas, sem
explicações, apenas comunicando que a igreja permaneceria fechada aquele dia. Já em seu
quarto, desobrigou também Sarah Williams que foi bater à sua porta para perguntar sobre o que
desejava almoçar. Nada, pois era o que passaria por sua garganta obstruída.
Faith tinha razão em não recebê-lo então não mais a considerava uma covarde maldita ao se
atirar sobre o colchão, suado e sozinho. Descobriu que era exatamente daquela forma que queria
estar. Reconheceu a total necessidade de solidão ao ouvir batidas insistentes à porta principal.
Cogitou ignorar, porém a certeza súbita de ser a moça, fez com que saltasse da cama e corresse
para recebê-la. Ao abrir a porta, sufocou a exclamação que exprimiria sua decepção.
– Boa tarde! – Grace Campbell lhe sorriu vacilante, trazia uma sacola de papel pardo. –
Desculpe perturbá-lo, senhor, mas... Fiquei preocupada ao ver a igreja fechada toda manhã. –
Jonathan não sabia o que lhe dizer. Nem mesmo os cumprimentos costumeiros lhe vinham à
boca. Como se sua falta de ação não fosse anormal, ela prosseguiu: – Encontrei Sarah no
armazém e ela comentou que o senhor a dispensou, então tomei a liberdade de lhe trazer isso.
Jonathan tomou a sacola e sem conferi-la, finalmente falou:
– Obrigado!
– Espere – ela pediu ao perceber que fecharia a porta. Com um suspiro exasperado, ele a
encarou. – Não quero ser intrometida, mas não se sente bem? Sei que está sozinho... Posso
ajudar.
– Agradeço, mas não preciso de nada – anunciou seco.
– Parece abatido – ela comentou rapidamente. – Tem certeza de que não está doente?
– Tenho! – afirmou. – Escute, preciso mesmo entrar...
– É que eu me pergunto se não vem por aí um surto de gripe... Nicole me contou que a irmã
dela também está mal.
– E acaso eu disse à senhorita que estou gripado? – indagou em alerta. E beirando a rispidez,
acrescentou: – Não vejo qual relação pode ver entre minha igreja estar fechada com seja lá o
que estiver acontecendo com a Srta. Green.
– Não, eu... – atrapalhou-se, mas logo se recompôs. – Não associei, só fiquei mesmo
preocupada... O senhor aqui sozinho... Enfim, vou deixá-lo descansar. Coma o que lhe
trouxe.
Ninguém fica bem de barriga vazia. Boa tarde! – Então ela finalmente
se foi.
Para quem esteve em vias de lhe bater a porta no nariz, Jonathan somente a fechou quando não
tinha Grace em seu campo de visão. A última frase martelava em sua cabeça. Tivera a certeza
de já tê-la ouvido, mas logo se esqueceu das palavras que poderiam ser ditas por qualquer pai
ou mãe. Deixaria a sacola com a comida intocada sobre a mesa da cozinha, para retornar ao
quarto, contudo foi atraído pelo som do telefone vindo de muito longe. Sabia ser da sacristia.
Cogitou não atendê-lo, mas logo se lembrou de seu tio.
Tudo o que não precisava era ter Carlo de volta antes do tempo por estar preocupado com
ele. Correu o tanto que pôde para atender antes que desistissem. Ao fazê-lo, soube estar certo.
– Jonathan?! – Carlo começou exaltado. – Onde esteve? Desde ontem que tento contato.
– Estive em meu quarto – mentiu sem remorsos. – Não tem como ouvir o telefone de lá.
– E suponho que hoje pela manhã estivesse na praia.
– Estive. – Não mentia afinal. Para encurtar o assunto, perguntou: – Como foi sua viagem? A
que horas chegou?
– Vim de ônibus. Cheguei pela manhã...
– Já descobriu o motivo de ser chamado? – indagou realmente interessado.
– Ainda não tivemos nosso encontro. Está marcado para a tarde.
– Transmita minhas lembranças ao Reitor Ramiro – Jonathan pediu já impaciente. Ainda
precisava encontrar uma forma de estar com Faith. Ou falar-lhe. Cedo ou tarde a moça teria de
atendê-lo.
– O farei – o tio assegurou, trazendo à conversa. – E como você está?
– Estou bem. Atarefado, afinal hoje é quarta... Tenho de ouvir confissões.
– Muito bem... Não vou tomar mais do seu tempo. Só queria avisá-lo de que cheguei com
segurança já que não me ligou.
– Desculpe-me – pediu sincero. – Foi uma falta imperdoável.
– Não foi tão grave – Carlo falou resumido, mesmo que seu tom indicasse haver mais. – Fique
com Deus, Johnny.
– Que Ele também nunca o desampare – disse em resposta, livre de duplo sentido.

Antes de recusar a quarta ligação do dia, Faith permaneceu a olhar o nome no visor como se
dele surgisse coragem para atender. Não aconteceu então apenas apertou a tecla: cancelar. E à
medida que ignorava os contatos de Jonathan, parecia se tornar mais difícil fazê-lo. Como das
outras vezes, colocou seu celular de lado com a mão trêmula, o coração disparado. Os textos
breves não lhe davam nenhuma indicação de como ele a receberia. O primeiro fora um pedido
de desculpas. Era o mínimo depois do que fizera. Todos os outros diziam apenas: Ligue-me
Não o fez, mas não conseguiria fugir para sempre. Corria o risco de Jonathan novamente vir
visitá-la como naquela manhã, segundo soube por sua mão tão logo desceu para o café tardio;
ainda aérea depois do calmante ministrado por sua prestativa irmã. Agradeceu intimamente que
estivesse dormindo, caso contrário seria bem capaz de denunciar seu nervosismo. Recuperada
da dor em seu corpo, considerava-se ainda mais idiota por ter corrido. Pior! Por ter chutado
Jonathan para longe. Queria vê-lo e, ao mesmo tempo, não queria.
– Não tinha uma abertura para ir hoje? – Constance perguntou a certa altura, quebrando o
silêncio.
Estavam na cozinha onde a moça comia um sanduíche por imposição de sua mãe, preocupada
com sua reclusão no atelier. Com um suspiro, Faith mirou o celular; mudo há algumas horas.
Esteve evitando aquele assunto citado pela mãe por não saber o que faria. Com pesar na voz
falou:
– Não sei se vou...
– Não fez as pazes com Peter? – ela perguntou, colocando seus afazeres de lado para encarar
a filha.
– Não. Na verdade brigamos mais.
– É uma pena... Gosto daquele rapaz – falou voltando ao trabalho. Nicole gostará de saber,
pensou à guisa de zombaria, porém livre de humor. E então seu celular cantou a chegada de uma
nova mensagem.
Com os dedos incertos abriu o texto: Nada mudou. Local indicado. Quarto 22. Nome N.
Hughes. Venha na hora combinada, já estou esperando.
Sem conseguiu dominar suas mãos, Faith as espalmou sobre o tampo da mesa tão logo deixou
o aparelho de lado. Com os olhos fechados, abaixou a cabeça e passou a respirar com
dificuldade. Nada mudou, dizia a mensagem truncada.
– Faith? – E então a mãe estava ao seu lado. – Você está bem? Quem era?
– Só uma menina da galeria confirmando se irei à abertura – falou, ainda de cabeça baixa, os
olhos cerrados.
– Avisou que não vai, não é? Não pode sair assim...
– Eu estou bem, juro... Foi só uma tontura por ter ficado tanto tempo sem comer... Vou me
deitar um instante.
– Ainda acho melhor ficar em casa.
– Não se preocupe... Não sei se vou – falou antes de deixar a cozinha. Fora sincera. Ainda
não atinava como poderia encará-lo depois do que acontecera, mas queria conferir se nada tinha
mudado de fato. A droga toda era que no momento sua vontade parecia depender de seu
equilíbrio. Este subitamente muito abalado pelo o que parecia ser uma violenta crise de pânico.
Capítulo Vinte e Um

Para alguém que esperava desde o final da tarde, meia hora de atraso não era considerada
normal. Nervoso, Jonathan se colocou a janela para olhar a noite, ainda clara àquela hora. De
onde estava não tinha a visão da estrada, mas podia ouvir o som dos veículos que iam e vinham.
Nenhum reduziu a velocidade ou entrou no estacionamento. Faith não iria, era a verdade. Aflito,
fechou a cortina listrada de tecido barato e foi até o pequeno sofá do quarto escolhido. Não
sentou sobre ele, sim, no chão, recostando contra a base.
Manteve os olhos fixos na garrafa de conhaque deixada sobre o criado mudo. Comprou-a num
impulso na mesma loja de conveniência em Wells onde conseguiu os preservativos que trazia no
bolso traseiro de seu jeans. Jonathan riu escarninho ao recordar o constrangimento durante o
pagamento. Era um clérigo otimista com a possibilidade de reconciliação e de usar camisinhas.
E que consumia álcool, acrescentou alcançando a garrafa. Achou que poderia evitá-la, mas
naquele momento precisava do mesmo calor atenuante que sentia ao beber na boate.
Recordar o motivo que desencadeou a briga e logo após, sua péssima conduta, agravou a
inquietação de Jonathan. A função de Faith naquele lugar maldito o transformava, lutou como um
arruaceiro, surrou-a e como se não bastasse a violentou. Pensando friamente, deveria ser grato
caso ela ainda quisesse alguma coisa com alguém tão instável. Não, argumentou consigo mesmo.
Faith não tinha como saber que brigou. E tirando o ocorrido na noite anterior, Faith gostara tanto
quanto ele das palmadas recebidas, tão eróticas ao final.
Somente por vislumbrar a cena, Jonathan estremeceu de pura luxúria e antecipação, contudo
as reteve. Estava naquele motel primeiramente para recuperar a confiança de Faith. Caso tivesse
a chance, considerou finalmente rompendo o lacre da garrafa. Lamentou não ter um copo, mas
não se importou em beber no gargalo. Pondo-se de pé, passou a andar de um lado ao outro. Logo
estralava os dedos da mão livre. Ainda com a garganta seca e desejosa de alguma ardência,
tomou outro gole. Aquele sim, aquecendo-o por inteiro.
A noite seria longa, mas estava convicto que a esperaria. Não era hipócrita. Desejava-a mais
depois do encontro desastrado. Tão logo a reconquistasse, terminaria o que começou. O padre
que sufocasse sua mortificação diante do ato que cometeria. Aquela noite era do homem
apaixonado e inquieto. Decidido, tomou seu terceiro gole.
– Cadê você? – murmurou.
Impaciente, deixou a garrafa no chão para verificar além da janela. Escurecia. Fora isso, nada
novo. Cerrando as cortinas, Jonathan voltou ao sofá e mirou a cama. Não a experimentou.
Quando caísse sobre ela seria com Faith. Não antes, não sozinho. Onde ela estaria? Em resposta
ouviu batidas tímidas, tão fugidias que acreditou tê-las imaginado.
– Senhor?... Ainda está aí? – soou a voz incerta.
E então não era o álcool que o aquecia. Sem saber nomear o que sentia, Jonathan cruzou a
distância até a porta com longas passadas e a escancarou. E Faith estava lá. Em segundos
registrou sua beleza jovem – não abalada pela notável palidez – e reparou como estava
desejável metida num vestido de festa azul escuro. Ao perceber o brilho receoso nos olhos
castanhos, todo seu corpo vibrou.
– Me desculpe a demora, eu...
Jonathan a puxou bruscamente de encontro ao peito e, sem maiores reservas, calou-a com um
beijo voraz. Segurou-a em um dos braços e fechou a porta com a mão livre antes de prendê-la
num abraço esmagador, sempre a explorar os recantos de sua boca com língua sedenta.
Estimulada, Faith gemeu languidamente e deixou sua bolsa escorregar até o chão para que
pudesse abraçá-lo.
Sem soltá-la, Jonathan a carregou até o sofá onde a depositou lentamente, acomodando-se
acima do corpo trêmulo sem quebrar o beijo. Ou seria ele quem tremia? Não sabia. Faith estava
com ele, era o que importava. Quando sua porção violadora pulsou impaciente, Jonathan se
obrigou a interromper o beijo invasivo e se ajoelhou diante dela.
– O que houve? – Faith perguntou arfante, confusa. Sem esperar resposta, sentou diante de
Jonathan para retirar a camisa amarela que ele usava sobre a camiseta branca; gostava da
recepção acalorada que não lhe permitia pensar na vergonha sentida durante o dia.
– Espere – ele pediu, segurando-lhe as mãos juntamente com os lados de sua camisa. – Temos
de conversar.
Evidente! Faith se preparou para tal conversa durante todo o trajeto até o motel, mas
continuava sem coragem como no momento em que deixou sua casa.
– Desculpe por ontem. Não quis te machucar – ela falou a um só fôlego, mirando um ponto
aleatório do peito largo que ousou chutar. Atônito com as palavras, Jonathan demorou alguns
segundos para entender.
– Está se desculpando por se defender? – inquiriu incrédulo. – Por favor, não faça isso
comigo... Quem deve todos os pedidos de desculpas possíveis sou eu. Deveria ter acreditado
em você. Acha que pode me perdoar?
– Acredite... Se tivesse alguma coisa a perdoar eu nem teria vindo...
– Foi assim tão horrível? – perguntou preocupado, segurando-a pelo queixo para que o
encarasse. – O quanto eu a machuquei?
Na hora a dor fora lancinante, mas passou. Não havia motivos para agravar a culpa nos olhos
azuis. Ainda mais depois de ignorá-lo durante todo o dia. Agora que percebia não ser tão
perturbador encará-lo, considerou estarem quites. Sorrindo, tranquilizou-o:
– Se eu dissesse que foi pouco estaria mentindo, mas já estou bem... – Para mudar o assunto,
valeu-se da curiosidade a cerca de uma novidade. – O senhor esteve bebendo?
– Não desconverse – pediu seriamente. – O quanto a machuquei?
– Bom... – desconhecia-se por se constranger – não vamos pensar que me machucou, afinal é
assim para todas... O que posso dizer é que doeu... muito. Sangrei um pouco, mas amanheci bem,
de verdade... Sem dores.
Seus sorrisos encorajadores não surtiam efeito sobre Jonathan. Poderia ser ruim para todas,
mas ajudaria se não tivesse agido como brutalidade. Diante daquilo já não estava tão certo
quanto ao que fariam naquele motel. Talvez fosse o caso de poupá-la até a completa
recuperação. Faith parecia não compartilhar de sua reserva. Como prova, puxou-o pela nuca e o
beijou. Ele retribuiu sem o mesmo ardor e logo se desprendeu; confundindo-a.
Fora Jonathan quem disse que nada tinha mudado, não?
– O que aconteceu? Você não...
– Não mudei de ideia se é o que está pensando – disse ao unir as testas e fechar os olhos. –
Como poderia quando não tenho um mísero minuto de paz longe de você?
– Então...? – ela indagou num suspiro ainda receoso.
Como dizer sem soar como um covarde ridículo?
– Seu silêncio me assusta... – Faith sussurrou.
– Não tenho pressa – respondeu com a verdade, abrindo os olhos. Devia a ambos uma noite
perfeita. Aquela ou qualquer outra seria considerada a primeira de Faith e no seu caso, um rito
de passagem no qual iria contra sua doutrina, em definitivo.
– Ah... – Foi a exclamação silábica antes que ela se afastasse. Depois de retirar os sapatos,
Faith foi até a janela que por várias vezes naquela noite ele mesmo se recostou para olhar o
estacionamento praticamente vazio.
– Faith?
– Me desculpe – ela falou enquanto olhava pela fresta mínima entre as cortinas. – Eu entendo
que não tenha pressa... Minha reação te assustou não foi? Se te deixei com alguma dúvida acho
que devo respeitar.
– Não é o caso – assegurou, aproximando-se para fazer com que o encarasse. – Não ter
pressa não significa que tenho dúvidas. Quero apenas preservá-la depois do que fiz. Acho que
devemos apreciar esse momento como se ontem nem tivesse existido... Vamos apenas ver o que
acontece, pode ser?
– Tem certeza?
– Absoluta! – Sério, correndo as costas dos dedos ao longo do rosto agora ansioso,
delineando os lábios rosados pela violência do beijo recente, acrescentou: – Está cansada de
saber que aceitei o óbvio... Não consigo ficar longe de você amore mio.
Como não acreditar em suas palavras quando Jonathan as pronunciava de forma lânguida e
terna, olhando-a com aqueles pedaços de céu escurecidos como a noite do Maine? Com o
coração acalentado, abandonou sua postura defensiva e sorriu contente, deliciando-se com o
contato dos dedos que ainda tocavam seus lábios.
– E o que tem em mente para apreciar o momento?
– Não sei ao certo – Jonathan retribuiu o sorriso luminoso, apenas para ocultar seu
nervosismo. – Já se deu conta de que essa é a primeira vez que ficamos sozinhos?
– Já. – Faith abandonou o sorriso para dizer num fio de voz. – Justamente por isso estava
ansiosa para chegar. Por causa de meu atraso perdemos minutos preciosos.
– È vero!... . – concordou, ainda a acariciar seu rosto. – O que houve?
– Não viu meu recado? – Faith perguntou com as sobrancelhas unidas. – Avisei que minha
mãe não queria que eu saísse, mas que já estava a caminho.
– Então finalmente me enviou um recado! – exclamou, exagerando a surpresa. – Fico honrado
depois de tanto silêncio.
– Não seja um chato – ela pediu com um sorriso tímido, não confessaria que esteve fugindo
por vergonha. Justo ela! – Onde está seu celular afinal?
Como resposta Jonathan olhou para o móvel ao lado da cama onde seu presente repousava ao
lado das chaves e do documento de seu jipe.
– Nem viu meu recado?
– Por que procuraria por um quando não me respondeu antes? – comentou sem ser acusador.
– E me esperou mesmo assim? – murmurou. Decididamente Jonathan era inacreditável.
Envaidecida, não cabendo em si de contentamento, Faith se atirou em seu pescoço para beijá-lo.
Com um gemido abafado, Jonathan retribuiu, içando-a pelas coxas, carregou-a de volta ao sofá.
Não a deitou. Sentou-se, acomodando-a em seu colo para se entregar ao beijo; permitindo que
ela o guiasse.
Quando Faith aventurou a boca por seu pescoço, Jonathan pendeu a cabeça sobre o encosto
para que os lábios vagassem por uma área maior. Logo sua porção enrijecida protestou sob seu
jeans limitador. A reação não passou despercebida a Faith que, mordiscando-lhe a pele, liberou
um gemido alto. Movendo-se sobre seu colo, provocando-o. Iam rápido demais. Depois de frear
aquela dança perturbadora, Jonathan pediu:
– Aspetta un attimo, per favore...
– O que...? – encarou-o aturdida, a respiração entrecortada.
– Apreciar o momento... – ele a lembrou também com certa dificuldade em respirar.
– Eu estava apreciando, senhor – seu sorriso era matreiro –, mas vou me comportar.
– Obrigado!
– Sabe como me sinto? – Faith perguntou. – Como se roubasse sua virtude de vez.
– Já roubou – Jonathan disse subitamente sério. Já não tinha tanta certeza de ser virtuoso. –
Isso a incomoda?
– De forma alguma! Agora sabe que seremos dois ladrões de virtudes.
– Agora sei... – Jamais esqueceria. Ela não o acusava, apenas tentava fazer graça da
temeridade sofrida. Antes assim, pois ninguém poderia julgá-lo quando a experiência de seus
atos sempre a desmentiram.
– E já que temos virtudes a roubar – Faith murmurou, mansa, enquanto retirava-lhe a camisa
–, determino que já apreciamos o momento até demais...
– Infelizmente, não... – Jonathan lamentou, tentando ganhar tempo. Ou talvez fosse a leveza
que o entorpecia, incutindo nele a necessidade de dizer o que pensava. – Há tanto que eu
gostaria de partilhar com você e que minha condição jamais permitirá.
– No momento eu só consigo pensar numa coisa proibida...
Quando a moça afundou a cabeça em seu pescoço e o beijou, Jonathan fechou os olhos mais
uma vez, rendendo-se aos leves espasmos, mas se conteve. A recordação da declaração
inflamada de que não tinham nada um com o outro, que não era sua mulher, dera-lhe o que
pensar.
– Nem tudo o que desejo fazer com você é proibido, Faith, mas com certeza tudo é
inadequado.
– O que seria inadequado? – perguntou interessada.
Depois de lhe perscrutar o rosto com exagerada atenção, Jonathan expôs sua lista, arrumando
delicadamente uma mecha persistente de seu cabelo escuro atrás da orelha, causando-lhe leves
arrepios:
– Tocá-la sempre que sentisse vontade... Segurar sua mão durante uma refeição ou enquanto
caminhássemos pela praia... Poder consolá-la quando chorasse. Dividir um sorvete ou passear
com você... Acompanhá-la ao cinema... Ou...
– Ou... ? – Faith encorajou-o, expectante.
– Ou dançar com você como tantos outros o fizeram na noite do baile.
– Resumindo... – murmurou comovida. – O senhor queria ser meu namorado!
Jonathan não colocaria daquela forma, mas as palavras ditas pela boca rosada eram a
expressão da verdade. Queria poder ser reconhecido de alguma forma. Ainda sem se importar
com a exposição, sinceramente assentiu.
– Sì, credo di sì...
Poder assumi-lo era o que Faith mais desejava. E também queria as mesmas coisas, contudo
ambos sabiam que não aconteceria. Seu futuro era incerto e sem muitas esperanças, restando
eles viverem um dia de cada vez. Ou uma noite, ela pensou antes de deixar aquele colo
perturbador para alcançar sua bolsa.
– Aonde vai? Eu disse alguma coisa errada? – ele indagou, com o cenho franzido. Flagrando
a expressão consternada, Faith depositou a bolsa ao lado do sofá e sorriu para tranquilizá-lo
antes de voltar sua atenção ao celular, movendo os dedos rapidamente sobre a tela.
– Não vou a lugar algum. Já aceitei que somos não namorados... Sei que dificilmente faremos
tudo que citou, mas não vejo problema em segurar minha mão por alguns instantes quando
estivermos na praia e agora...
– E agora...?
– Podemos aproveitar essa noite em que vamos quebrar todas as regras e dançar... – Ao se
calar, clicou uma única tecla e então a música os envolveu. Depositando o aparelho sobre o
braço do sofá, ela se colocou em posição e o chamou.
– Dance comigo, meu senhor.
Comprazendo-se com a oportunidade, Jonathan se deixou envolver pelo calor que o
tratamento formal sempre lhe causava antes de se aproximar, pegá-la pela cintura e trazê-la para
si.
– Já pedi para não me chamar assim... – lembrou roucamente.
– Estou apenas me resguardando de desentendimentos futuros – retrucou, passando os braços
ao redor de seu pescoço. – Se um dia nosso relacionamento ganhar um nome, eu paro... Ou
quando pedir de coração.
Jonathan se obrigou a rir, descartando a seriedade da declaração, pois dificilmente seriam
mais que amantes. Contudo era inspirador perceber que mesmo alegando o contrário, Faith o
conhecia bem; apreciava ser tratado daquela forma. Depois de um pigarro, focou sua atenção ao
que ela lhe propunha e admitiu, mudando de assunto:
– Também sou inexperiente nesse negócio de dança...
– É impossível que nunca tenha dançado! – Faith se afastou com um sorriso descrente.
– Como não me lembro, vamos dizer que você será a primeira com quem danço.
Sem retrucar ao comentário estranho, ela alargou o sorriso satisfeito e pegou seu aparelho
para voltar a música ao começo, então se colocou diante dele para explicar.
– Bom... Dançar é bem fácil, venha...
Ao menos a posição das mãos Jonathan conhecia bem. Durante o baile desejou ser ele a
segurá-la daquela forma enganadoramente inocente, que apenas disfarçava a possessividade de
seus pares. Refreando um ciúme inoportuno, ele novamente a tomou nos braços.
– Isso... – ela exclamou. Depois de colocar as mãos nos seus ombros, mantendo distância
suficiente para que ele visse seus pés, falou: – Agora me acompanhe... Dois para lá, dois para
cá... Dois para lá, dois para cá...
Antes de sua repetição, Jonathan já estava familiarizado com o movimento, então a trouxe
para junto de si; era sua vez de ser possessivo. Quando Faith estreitou os braços em seu
pescoço, ele fechou os olhos e se deixou envolver pelo ritmo da música. Estavam dançando!
Capítulo Vinte e Dois

O tempo pareceu suspenso enquanto se movia junto a Faith. Completamente à vontade com ela
junto a si, Jonathan correu uma das mãos pelas costas delicadas, até alcançar-lhe a nuca. Talvez
estimulada por seu movimento, Faith o imitou e passou a desenhar pequenos círculos na linha
entre seu cabelo e a pele, provocando-lhe sucessivos tremores. Tentando não se influenciar
pelas palavras da cantora, somente se prendendo ao ritmo lento da balada, retribuiu o carinho.
– Tem certeza de que nunca dançou antes? – ela perguntou junto ao seu peito.
– Como já disse, não me lembro... – repetiu roucamente enquanto escorregava sua mão pelas
costas femininas até chegar ao quadril e juntá-lo ao seu. Deliciou-se com a compressão do
ventre plano contra a rigidez que considerava não mais domar.
– Nossa! – Faith arfou.
Jonathan sorriu; satisfeito por afetá-la tanto quanto era afetado, mas sem conseguir se render
completamente, por estar cada vez mais incomodado com a letra da canção. Iria questioná-la
sobre a escolha, mas se calou ao sentir sua camiseta ser erguida. Os dedos delicados subindo
por seu dorso, roubaram-lhe o raciocínio. Quando o tecido chegou aos seus ombros, Jonathan
deixou que ela o despisse. Ao novamente abraçá-la, Faith afundou o rosto diretamente sobre seu
peito e correu o nariz por seus pelos; excitando-o.
– Seu cheiro é tão bom!... – exclamou; sua voz abafada.
– Faith... – Foi tudo que ele conseguiu exalar junto ao seu gemido. Desejando senti-la, ele
correu a mão por suas costas, daquela vez descendo lentamente o zíper do vestido. Ao tê-lo
frouxo, afastou-se para que escorregasse para os pés de Faith que logo o chutou para longe.
Esquecido da música, determinou já terem esperado o suficiente.
Cada vez mais ansioso por tocá-la, Jonathan procurou pelo fecho do sutiã rendado. Enquanto
duelava com a peça, Faith apoiou a cabeça em seu peito e correu os dedos por seu abdômen até
chegar ao cinto. Antecipando o que viria, ele paralisou sua ação. Expectante esperou que ela o
desafivelasse e abrisse o botão da calça. Retendo o ar e acreditando que sucumbiria lentamente,
ele sentiu a mão pequena descer mais para tentá-lo.
– Faith... – ofegou ao se dar conta de que, com o carinho ousado, ela abrira o zíper. Logo
insinuava a mão além, tocando-o sem nenhum receio, agravando toda urgência. Sem refrear sua
paixão, Jonathan segurou-lhe os cabelos da nuca para obrigá-la a erguer a cabeça.
– Jonathan? – ela exalou, surpresa.
– Questo sono io... Solamente Jonathan. Non signore... Non sacerdote... Solamente un uomo
innamorato di te...
– O quê...?
Faith queria entender o que ele dizia, mas não teria tradução. Com ela segura firmemente
pelos cabelos, Jonathan prendeu-lhe a boca e a beijou apaixonadamente. A ferocidade destoante
do clima romântico surgido com a dança a confundiu, e excitou na mesma medida. Fraca,
rendeu-se às sensações que a língua áspera e exigente lhe despertava. Sem conter um gemido
agoniado ou temer o que viria, atirou-se sobre ele, obrigando-o a segurá-la pelo quadril ao
enlaçá-lo pela cintura com as pernas.
– Serpente tentatore... – Jonathan gemeu antes de levá-la para a cama e se estender sobre ela,
comprimindo sua dureza onde ansiava provar. Era chegada a hora de fazê-la sua mulher.
– Ah... – expirou Faith, arqueando-se inconscientemente.
Jonathan abandonou a boca e afundou o rosto na curva de seu pescoço enquanto baixava as
alças de seu sutiã. Faith soergueu o dorso para retirar a peça e, imediatamente, sentiu as mãos
grandes conferirem a pujança de seus seios. A despeito da maciez da palma, ele foi impiedoso,
causando-lhe uma mistura perturbadora de prazer e dor.
– Devagar... – pediu, um tanto ressabiada.
O pedido lembrou a Jonathan a necessidade de gentileza, ainda assim continuou a rolar um
mamilo entre o polegar e o indicador enquanto provava o outro avidamente, mais uma vez
arrastando-a às ondas de prazer doloroso. Logo estava úmida, ansiando pela posse. Como se
pressentisse que o esperava, Jonathan espalmou a mão em seu ventre e a desceu até tocá-la.
– Sempre con la pelle senza peli...
Ainda sem entender uma palavra, apenas desfalecendo com o som cantado e os carinhos
vigorosos que recebia em sua parte mais secreta, Faith se moveu contra a mão agora delicada.
Obrigando-se a sair da inércia, acariciou-lhe as costas, sobre as cicatrizes. Em resposta
Jonathan gemeu e lhe mordeu o mamilo que rolava em sua língua.
– Ai... – ela choramingou.
– Questo fa male? – Não era sua intenção machucá-la, mas era inevitável se excitar ao
imaginar que lhe causava alguma dor. Melhor era terminar com a tortura que os afligia.
Decidido, Jonathan deixou a cama e, sem deixar de olhá-la, retirou a calça e a cueca para expor
seu corpo também à contemplação feminina; ainda que levemente incomodado.
E Faith o admirou sem reservas ou falsos pudores. Correu os olhos por seu dorso até se deter
naquela parte de seu corpo antes tantas vezes repudiada, agora desperta. Sem desviar o olhar, a
moça se livrou da peça restante e se afastou até a cabeceira. Livre de qualquer temor separou os
joelhos minimamente, deixando evidente que se oferecia a ele; somente a ele.
Ajoelhando-se sobre a cama, Jonathan engatilhou até estar sobre ela. Trêmulo, incapaz de
qualquer palavra diante do passo irreversível que daria, colocou-se entre as pernas dela.
– Por favor, seja gentil... – ela pediu, retesando-se por um instante.
Ele seria, mesmo que sua vontade fosse penetrá-la de imediato. Contendo a respiração,
moveu-se com cuidado. Entrando lento até estar todo nela e parou. Faith aproveitou a
imobilidade para se acostumar com o incômodo doloroso. Passada a estranheza, logo queria
mais, então se moveu de forma mínima e incitante, causando forte estremecimento no homem
teso sobre si.
– Amore mio – Jonathan urrou antes de imitá-la com cautela, ritmadamente, satisfazendo-se
com a pressão luxuriante que lhe entorpecia os sentidos. Mesmo alheio a tudo à sua volta, ainda
tinha consciência de Faith. Não desejava magoá-la mais do que fizera, mas estava disposto a ter
o que considerava seu direito, e intensificou o serpentear de seu quadril.
– Senhor... – Faith choramingou a crescente cadência, agarrando-se às suas costas. – Não
aguento...
– Não conseguiria parar, bambina... – anunciou gutural. Ainda que verdadeiramente
preocupado seria incapaz, pois sentia algo poderoso se formar em seu âmago.
– Não pare, senhor... – Uma vez que nenhum incômodo era sentido, apenas ansiava pela
libertação daquela agonia desesperadora em suas entranhas que lhe prometia a morte quase
certa.
– Repita! – ordenou, cobrindo-lhe os olhos com uma das mãos enquanto atendia a um instinto
primitivo que o compelia a ir e vir. Presa a dança desesperadora, Faith arqueou o dorso sob o
peito forte. E lamentando ter perdido o contato com os olhos muito azuis, obedeceu.
– Não pare, meu senhor...
– Angelo mio... – ele exalou antes de reclamar a boca arfante da moça para sufocar o grito
que lhe subiu à garganta quando o gozo explodiu em fagulhas por todo seu corpo, fazendo-o
estremecer violentamente. Deleitava-se com a satisfação plena de finalmente despejar seu fruto
na cavidade morna de Faith, quando a sentiu se contrair e então vibrar como uma corda musical
tensa ao mais leve toque.
Enquanto aprofundava o beijo para igualmente calá-la, Jonathan considerou que a
comparação era válida; Faith era um instrumento novo e tenso que ele adoraria afinar e tocar
para extrair as mais finas notas. E ele saberia como, pois depois de todo o prazer sentido tinha
certeza: aquela não fora a primeira vez.
À sua amante, apenas ofereceu uma castidade de anos, pois a virgindade – ainda que não
recordasse os detalhes – há muito fora perdida. Confirmou a importância do momento vivido ao
não se interessar pela descoberta.
Primordial a Jonathan foi prolongar o beijo silenciador antes de se estender sobre a moça por
alguns instantes até que seus corações sossegassem, seus corpos estabilizassem. Somente depois
– parcialmente recuperado – foi que se apartou dela e imediatamente a trouxe para si. Quando
Faith pousou a cabeça em seu peito, apenas um detalhe o incomodava.
– Perdoe-me... Ontem deveria ter sido assim.
E teria sido tão bom? Ela se perguntou passando a brincar com a cruz e a chave do cordão
preso ao pescoço de Jonathan, muito satisfeita por estar viva depois da força avassaladora que
ele fez desprender dela. Difícil acreditar que teria sido melhor. Tudo na vida tinha hora e lugar
certo para acontecer; agora acreditava. Ainda assim falou, sorrindo, brincando com o que lhe
arreliou o dia inteiro.
– Se eu não tivesse fugido talvez terminasse assim.
– Ou talvez se eu não tivesse agido como um animal – replicou sério, assistindo-a rolar os
pingentes de seu cordão entre os dedos.
Faith parou o que fazia e ergueu o rosto à procura dos olhos azuis. Encontrou-os brilhantes,
demonstrando todas as emoções sentidas. Sem nada dizer, aproximou uma das mãos do rosto
sisudo e fez um carinho leve desde a linha do cabelo, passando entre suas pálpebras e, depois
de atravessar o contorno do nariz, chegou aos lábios rígidos e os delineou.
– O traço de seu perfil é bonito – disse serenamente. – Forte. Dificilmente um animal seria
assim tão bem desenhado... – beijou-o levemente e acrescentou: – Por favor, vamos esquecer o
talvez? Acredite... Independentemente de qualquer dor que eu tenha sentido, hoje estou
infinitamente feliz.
– Eu seria incapaz de estragar sua felicidade – ele afirmou, segurando-lhe a mão que o
acariciou e a prendeu junto ao peito. – Apenas me diga que está bem.
– Estou muito bem, senhor! – exclamou no momento exato de um protesto audível de seu
estômago. Rindo, acrescentou: – Mas acho que minha barriga não está...
– Está com fome? – Jonathan indagou franzindo o cenho. Preocupado, mas no fundo satisfeito
por mudar de assunto, pois não sabia como agir. – Quando comeu?
– Bom... Não tive muita fome durante o dia... Minha mãe me forçou a comer um sanduíche,
mas recebi seu recado avisando que estava aqui... então o apetite sumiu. – Ao terminar encolheu
os ombros instintivamente.
Como em muitos aspectos, agora bem o sabia, não tinha moral para repreendê-la, mas não se
furtou de fazê-lo quando tinha certa experiência com longos períodos em jejum.
– Não pode ficar sem comer... Ainda mais quando vai pegar a estrada. E se algo lhe
acontecesse?
– Mamãe é você?! – Faith o encarou com falso espanto. Constance dissera exatamente o
mesmo, apenas variando as palavras.
– Não tente fazer graça – Jonathan ordenou. – Você não deveria ter ficado sem comer.
– Bom... – ela sorriu tentando dissipar a carranca. – O senhor pode me levar na lanchonete
aqui ao lado.
– Deixar o quarto? – ele perguntou intimista; para ser sincero não queria nem ao menos deixar
aquela cama. Era cedo demais. – Não acho prudente.
– Não somos conhecidos aqui, Sr. N. Hughes – brincou. – Depois pode me contar o porquê
desse nome? O que significa o N?
Nathan, pensou automaticamente, distraído do assunto “deixar a cama”. Este facilmente se
explicava, pois fora sugerido em forma de apelido por Jack Coleman, seu salvador. O
sobrenome era uma incógnita, viera-lhe a mente tão logo imaginou usar a variante de seu
próprio nome. Muito a descrever, quando tudo o que queria era demovê-la da ideia estapafúrdia
de deixarem a segurança do quarto.
– Nem eu mesmo sei – disse apenas. – Quanto a sairmos...
– Por favor... – ela pediu suplicante. – Não há perigo. Estamos a 35 km de Wells, muito longe.
– Em tempo isso dá pouco mais de meia hora, dirigindo na velocidade permitida. Estamos é
muito perto. Odeio ter de lembrá-la, mas não podemos ser vistos juntos. Ainda mais aqui.
– Se é assim – ela retrucou, sem se dar por vencida – também odeio te lembrar de que depois
dessa noite, talvez nunca mais tenhamos a oportunidade de irmos a uma lanchonete juntos. Não
foi o senhor mesmo quem disse que gostaria de passear comigo?... Eis sua chance!
Colocado daquela forma, pareceu tentador. Jonathan gostou de dançar com ela. Guardaria a
lembrança para sempre. E friamente pensando, depois daquela noite, poderiam fazer amor – não
copular – em qualquer lugar desde que fosse seguro, contudo todo o resto continuaria sendo
impossível. De repente, ele desejou acumular boas lembranças em sua mente apenas ocupada
por espaços vagos ou perturbações.
– Está bem... Vamos à lanchonete – concordou. Em troca recebeu um sorriso radiante e um
beijo estalado no rosto antes que ela deixasse a cama e, muito à vontade com sua nudez, o
chamasse:
– Então venha! Vamos tomar banho para podermos sair...
– Vá você – falou, horrorizado pela simples ideia de dividir o boxe com alguém. Ao que
parecia as propostas absurdas não teriam fim. – Eu irei quando terminar.
– Seria mais divertido se viesse junto. – Ou assim lhe parecia, Faith pensou. Segundo Helen,
era costume fazer o mesmo com seu irmão. Agora, passada a expectativa e livre da vergonha
idiota que a dominou, queria que estivessem juntos todo o tempo. – Sem contar que é um dever
cívico e ecológico economizar a água do nosso planeta.
Jonathan apenas sorriu manso. Depois de um dia mergulhado em dolorosa incerteza e culpa,
estava tranquilo como nunca antes em sua vida. Satisfeito, congratulou-se por manter alguém
como ela em sua vida. Faith possuía defeitos? Talvez os piores, mas mantinha o espírito leve
que o fazia se sentir da mesma forma. Ainda assim era muito cedo para mudanças radicais.
– Posso ter dado uma falsa impressão de que não me importo – falou seriamente –, mas não
gosto de estar despido, nem de ser visto quando estou.
– O que é uma pena – Faith torceu o rosto, pesarosa, medindo-o descaradamente –, pois o
senhor é bem bonito de se ver... Veja e aprenda.
– Prefiro ver e apreciar – replicou, voltando a sorrir, enquanto ela seguia para o banheiro,
despreocupada. – E se está tão preocupada com as reservas naturais, não demore.
À saída de Faith, Jonathan saltou da cama para vestir a cueca e a camiseta. Realmente era
muito cedo para mudanças. Ao recolher sua calça, o conteúdo do bolso traseiro caiu ao chão.
Os envelopes laminados pareceram zombar de seu amadorismo que o fez se esquecer de algo
tão vital. Com sua inédita tranquilidade fortemente abalada, pegou os preservativos e se sentou
na beirada da cama, imaginando quais as chances de o pior acontecer logo na primeira relação.
Ao deixar o banheiro, enrolada na toalha áspera oferecida pelo motel, Faith se deparou com
Jonathan parcialmente vestido, a olhar o vazio. Ignorando a visão das coxas grossas, cobertas
de pelos espessos, analisou-o atentamente e se aproximou até tocá-lo no ombro. Precisou se
conter para não saltar após a reação sobressaltada dele.
– O que houve? – indagou preocupada.
– Fomos irresponsáveis – disse sem rodeios. Em choque, Faith deu um passo atrás. Jonathan
não podia ter se arrependido; não tão rápido. Antes que terror a dominasse, ele concluiu: –
Esquecemos isso.
– Ah... – ela exalou com a respiração contida ao ver os preservativos. O alívio durou um
instante. – Está assim só por causa disso?
– Só?! – Jonathan levantou e a encarou, assombrado com a limitada compreensão. – Não
posso engravidá-la, Faith.
– Seria assim tão ruim se acontecesse?
– Não seria ruim – foi conciso. – Seria um desastre!
– Entendo... – Faith murmurou. Para ela não seria tão horrível. Adivinhando seu pensamento,
Jonathan segurou-lhe o queixo.
– Não basta entender, menina. Para que isso dê certo, jamais pode se esquecer de quem sou.
Um filho jamais seria aceito.
Por ele e a igreja, talvez até mesmo seus pais ou toda Sin Bay, mas ela o aceitaria e amaria
com todo o seu coração. Engolindo a tristeza que ameaçava macular uma noite perfeita, Faith
decidiu não sofrer por conjecturas. Era nova e maternidade também não estava em seus planos.
Em especial quando seu “isso” com Jonathan estava só no começo. Pigarreando para limpar a
garganta, tratou de acalmá-lo:
– Pois saiba que está preocupado à toa. Não tem como esquecer quem é o senhor... E
justamente por isso já tomei providências para que desastres não aconteçam.
– Como? – perguntou ainda preocupado.
– Passei a tomar pílulas anticoncepcionais dias atrás, quando disse que iríamos ficar juntos –
endossou a explicação com um sorriso. – Estamos seguros. Agora vá ao seu banho, pois toda
essa conversa séria agravou meu apetite.
Já vestida no jeans e na camiseta que trouxe em sua sacola, Faith abraçou as próprias pernas
sem se importar em colocar as sapatilhas sobre o sofá. Com os olhos fixos na garrafa de
conhaque que descobriu ao lado enquanto se vestia, recriminou-se por ter cogitado chorar
quando somente tinha motivos para comemorar.
Não deveria dar importância à consternação que viu nos olhos azuis antes que Jonathan a
deixasse. Tudo corria a perfeição! E ao pensar em perfeição, seu padre deixou o banheiro já
vestido, dispersando o odor de sabonete que tanto apreciava pelo quarto. Depois de lançar-lhe
um olhar terno, calçou-se, pegou a carteira e a chamou.
– Pronta?
– E faminta – brincou.
Enquanto contornavam a construção térrea, caminhando pelo corredor externo, cruzando por
portas fechadas, Jonathan se arrependeu de ter cedido. Sentia-se muito exposto, observado,
como se uma assembleia invisível o condenasse por exibir seu erro. E a sensação pareceu
piorar quando Faith tentou caminhar de mãos dadas. Permitiu o contato por parcos segundos, e
se soltou. Depois de acariciar-lhe o rosto para atenuar o gesto, guardou as mãos nos bolsos.
Mais uma vez, Faith lutou com a tristeza. Sabia que seria assim. Ao chegarem à lanchonete,
praticamente vazia àquela hora da noite, deixou-se ser guiada até a mesa mais distante da porta,
por falta de melhor opção que os ocultasse. Sentaram-se um de frente ao outro e logo foram
atendidos.
– O que vão querer? – A garçonete atarracada, vestida num uniforme rosa e branco, dirigiu-se
diretamente a Jonathan, tendo o bloquinho de anotações a postos.
– Fay? – ele indagou, encarando-a. A surpresa pelo tratamento incomum feito de forma tão
natural, calou-a por alguns segundos. Respondeu-lhe apenas ao vê-lo erguer uma sobrancelha,
questionador.
– Eh... Um hambúrguer simples, sem maionese e uma coca, por favor.
– Para mim basta uma xícara de café amargo, obrigado – dispensou a garçonete e voltou sua
atenção à moça. – Refrigerante e pão simples vão aplacar tanta fome?
– Será o suficiente. – Sorriu. – E o café amargo? É para curar a ressaca? Ainda não acredito
que bebeu.
– Você estava demorando – falou sério. Tentou se distrair com a provocação, mas o incômodo
cada vez mais aumentava. Alguém os observava.
– Ainda bem que cheguei então – continuou alheia ao desconforto. – Não quero ser acusada
de te levar ao alcoolismo.
Aquele seria apenas mais um item na lista de coisas erradas que o levava a fazer, pensou
livre de acusações. Seguia contra seus preceitos de livre e espontânea vontade. Depois de ter
estado miserável por quase todo o dia, obcecado à espera de uma mensagem ou ligação, nem um
pouco preocupado com as portas fechadas de sua igreja, Jonathan acreditava que se tornar um
alcoólatra seria o mínimo que lhe aconteceria caso ela o tivesse deixado.
Quando tinha se apegado tanto? Talvez nunca soubesse dizer.
– Ainda bem que chegou.
Melhor encerrar com as gracinhas, Faith considerou ao notar o olhar intenso. Procurou por
algum assunto adequado, mas não se agradou de nenhum. Pensou ainda em perguntar se Carlo
tinha feito boa viagem, porém considerou que o tio deveria ser o último a ser lembrado.
Especular sobre sua vocação também estava fora de questão então arriscou uma curiosidade
sem muita importância, baseada em um comentário recorrente.
– Sabe o que notei?
– Não. – Jonathan sorriu de modo condescendente com a pergunta impossível de ser
respondida.
– Que o senhor algumas vezes não se lembra de coisas simples, como... ter ou não ter aversão
a sangue. Se já teve um celular ou se já dançou... Como pode ser?
Ao ver o olhar não tão límpido turvar de vez, Faith se arrependeu de ter aberto a boca e
perguntou aos seus botões o que poderia ter dito de errado. Carlo não poderia estar presente,
mas foi impossível não se lembrar de seu aviso; o sobrinho era de fato um homem complexo.
Por sua vez, Jonathan considerou a pergunta. Pensou em se valer de alguma desculpa qualquer,
contudo, descoberta a importância de Faith em sua vida, decidiu revelar sua história. Mas não
naquela lanchonete onde já se sentia pouco à vontade.
– Depois eu conto – prometeu incisivo, não deixando margem a insistências. A garçonete
chegou trazendo os pedidos, ajudando a manter Faith quieta.
– Vou cobrar – ela avisou tão logo ficaram a sós. Parecia-lhe que seu chute despretensioso
tinha acertado em cheio. – Então sobre o que vamos conversar?
– Prefiro que coma e sugiro que todas as nossas conversas se deem no quarto. Não gosto de
estar aqui.
– Que pena! Eu estava pensando em pedir um sorvete. Poderíamos dividir.
– Fay, não precisa me proporcionar todas as coisas que citei – Jonathan falou pausadamente,
temendo magoá-la. – Entrei nisso conformado com o que não teremos. Para mim, basta ter você.
Apesar da variação do “isso” que era seu “não namoro”, ela ficou feliz com a declaração.
– Tudo bem! – Faith pegou o sanduíche. – Vou comer quietinha então voltamos ao quarto. Sem
sorvetes ou pegadas de mão – sentenciou antes de morder o pão.
Jonathan seguiu-lhe o exemplo e passou a beber o café amargo em silêncio, influenciado pela
jovialidade da moça; não positivamente. Percebeu que ser divertida era uma característica dela,
assim como não se deixar abater com as limitações que lhe impunha, então especulava se um dia
seria contagiado por sua luz ou se a arrastaria para a escuridão na qual vivia. Antes de chegar
até ali, duelou brava e internamente até ceder, preocupado com os estragos que ela poderia fazer
na sua vida, sem nunca pensar naqueles que ele poderia causar na dela.
Existiria no mundo homem mais soberbo e egoísta?
– Nossa! – ela chamou sua atenção quando terminou o sanduíche, ao limpar os dedos. – Não
conte à garçonete, mas estava horrível. Fiquei com saudade do lanche preparado por Grace.
O nome o livrou de sua divagação perturbadora e antes que percebesse, indagou:
– Também gosto da comida que ela prepara. – No entanto, apenas beliscou o que gentilmente
recebeu, mas não vinha ao caso. Repentinamente queria saber mais sobre a amante do tio. – Ela
está na cidade há muito tempo?
– Não saberia dizer quantos anos, mas ela mora em Sin Bay desde antes de meu nascimento. –
respondeu antes de beber sua Coca-Cola. A informação não dizia muita coisa, Jonathan pensou,
contudo, como se recordasse algo importante, a moça colocou o refrigerante de lado e
acrescentou: – Também não posso afirmar, mas eu me lembro que certa vez, mamãe comentou
que antes de se mudar, Grace passou uma temporada na Itália. Não é uma coincidência incrível?
– Sem dúvida – ele murmurou para si.
– Verdade ou não, é fato que ela fala italiano. Isso eu posso afirmar, pois já a ouvi conversar
com um grupo de turistas que se aventuraram por Sin Bay anos atrás. Grace nunca tentou
conversar em italiano com o senhor? – De súbito teve a iluminação. – Agora entendo ela ser
amiga de seu tio. Como ele às vezes se atrapalha com nossa língua, talvez quando estejam sós,
eles conversem na de vocês.
Evidente, Jonathan pensou, sem acreditar em coincidência. A descoberta explicaria a
conversa que flagrou ao voltar da casa dos Mills, assim como sua escolha para assumir a
paróquia naquele lugar esquecido. Fora usado descaradamente para que seu padrinho pudesse
ficar perto da amante.
– Não sei como não pensei nisso antes – Faith falou sem se dar conta do silêncio. – Acho que
vou pedir algumas aulas. Digo que fiquei curiosa por causa de vocês.
– Acho melhor que não faça – Jonathan opinou. Mais preocupado em identificar o que sentia
com a revelação do que necessariamente com a possibilidade de Faith indiretamente os expor.
– Pois saiba que vou pensar a respeito – teimou e terminou de tomar sua bebida. – Só assim
para te entender sempre. Já me explicou ser reflexo, mas é bem estranho não saber o que me diz.
– Realmente o faço sem pensar – e resolveu provocá-la para se distrair de assuntos que não
queria se ocupar naquela noite –, na maioria das vezes.
– Então faz de propósito! – Faith simulou maior assombro do que a surpresa lhe causou. –
Sabia que é falta de educação falar coisas que os outros não entendem?
– Assim como prender as pessoas onde elas não querem estar – ele retorquiu. – Podemos
voltar?
– Devemos – falou a levantar.
O que começou como uma especulação para passar o tempo livre de suas brincadeiras se
tornou assunto sério. Era estranho constatar que estava envolvida com um homem que não
conhecia. E que invariavelmente desconversava quando o assunto ameaçava decifrá-lo.
Enquanto o via pagar pelo que consumiram, Faith decidiu que mesmo aos poucos, descobriria o
que fosse possível ainda aquela noite. Mentalmente anotou todas as particularidades percebidas
para questioná-lo. Por mais escorregadio que ele fosse, saberia mais.
Capítulo Vinte e Três

Deixar a lanchonete não trouxe o alívio esperado. Para Jonathan estava claro que somente se
sentiria seguro quando estivessem entre as quatro paredes do quarto. Talvez estivesse paranoico
com a necessidade de sigilo, mas ainda se sentia observado. A sensação incômoda fez com ele
incitasse Faith a acelerar o passo.
– Posso perguntar uma coisa? – Faith o distraiu.
– Pode – falou, olhando para ela. Pequena ao seu lado por estar com sapatos baixos; frágil,
desejável. As mãos metidas nos bolsos da calça, como ele, desde que deixaram a lanchonete.
– Por que, às vezes, cobre meus olhos com a mão? – Aquela era uma dúvida perturbadora e
não estava preparada para a resposta direta.
– Cubro seus olhos porque me excita... E com minha mão porque não tenho uma venda.
Ouvir a confissão do fetiche pela boca do padre – que há pouquíssimo tempo era virgem – é
que fora excitante, Faith constatou ao sentir o calor conhecido abaixo de sua cintura. Poderia
apenas imaginar todos os detalhes implicados, provavelmente como acontecia com ele, então,
como já estavam no tema, quis saber mais.
– E aquele seu chicote também te excita?
Ser lembrado da existência do objeto, por ela, instigou-o naquele exato momento. E agora a
possibilidade real de dar vida aos seus sonhos, inflamou-o por inteiro. Quando falou sua voz já
apresentava sinais de rouquidão.
– Imaginar você e ele na mesma cena me excita muito. – A essa altura, Grace, seu padrinho ou
a sensação de observação virara história; queria estar em Faith. Saciar todo o desejo represado
por anos e anos de celibato forçado com aquela que o despertou. – Venha.
Jonathan a tomou pelo braço, segurando logo acima do cotovelo, fazendo com que o
acompanhasse em passos mais largos. Faith praticamente corria para se manter ao lado de
alguém com pernas tão longas, mas não se queixou. Entendia bem a súbita pressa, pois também a
sentia. Tão logo se trancaram no quarto 22, ela se viu comprimida contra a porta e beijada
possessivamente.
– Espere – pediu com lábios ainda presos. – Preciso escovar meus dentes.
– Talvez outra hora, angelo – Jonathan falou com o rosto já em seu pescoço, as mãos
invadindo-lhe a camiseta para indelicadamente esmagar seus seios. – Quero você, Fay. Tudo
bem?
– Sim, senhor... – tranquilizou-o ao entender teor da questão.
Como resposta foi içada e levada para a cama depois de urro agoniado. Antes de se juntar a
ela, Jonathan se livrou dos sapatos e da camiseta, revelando aquele peito coberto de pelos que
segundo suas palavras, ele sempre tentaria ocultar.
E então Jonathan estava sobre ela, beijando-a com sofreguidão enquanto suas mãos a despiam
e exploravam, preparando-a para acolhê-lo. E ela estava pronta. A primeira relação deles fora
estranha, mas muito prazerosa, fazendo-a crer que aquela seria ainda melhor. De toda forma
queria se habituar a recebê-lo o quanto antes, visto que o fogo atiçado prometia nunca se apagar.

– Fay... – ela ouviu de muito longe, mas não tinha de responder, Em silêncio se encolheu
contra aquela solidez morna e acolhedora; era bom estar ali. – Faith, acorde!
A voz demandou com maior firmeza, porém não queria atendê-la. Com um resmungo passou o
braço pelo peito ao seu lado e afundou o rosto de encontro a ele. Então a improbabilidade de ter
alguém na sua cama a despertou. Sonolenta, Faith descobriu estar abraçada a alguém num quarto
que não era o seu. Ao se deparar com os olhos azuis de um Jonathan sorridente ela se lembrou
de onde estava e o que acontecera.
– Buon giorno! – ele cumprimentou. – Dormiu bem?
– Não! – ela resmungou inconformada, mais uma vez a esconder o rosto no peito nu. Faith o
confundia, pois, para ele, aquelas foram as melhores horas de sono de sua vida; pelo menos da
parte que conseguia se lembrar. Antes que a questionasse, ela emitiu um gemido lamurioso e o
acusou com a voz abafada por seu corpo: – O senhor me deixou dormir!... Disse que me
manteria acordada.
Jonathan sorriu. A queixa era envaidecedora. Naquele sentido também lamentava que
tivessem sido vencidos pelo cansaço, sendo privados de aproveitar mais do pouco tempo que
tinham, porém nada poderia fazer. Depois de amá-la – com menos cuidado daquela vez – Faith
simplesmente apagou em seus braços. Era sua ideia deixar que descansasse e então despertá-la,
contudo não pôde domar o torpor manso e acolhedor que se apossou dele.
Por sorte despertou antes que o dia raiasse. Infelizmente não com tempo suficiente para
usufruir muito mais da companhia da moça, somente o necessário para acalmar a necessidade
dela que o fazia procurar por alívio solitário todas as manhãs. Não naquela!
– Prometo cumprir da próxima vez, mas temos alguns minutos antes de irmos embora – falou
ternamente, acariciando o pedaço de rosto que a moça não conseguiu ocultar.
– Ir embora?! – Faith olhou na direção da janela e de novo para ele. – Mas ainda nem
amanheceu.
– Justamente por isso – explicou, correndo a mão livre pelas costas macias até a curva
acentuada da cintura dela. – Não quero que a Sra. Williams dê pela minha falta.
– Sem chances... Com certeza ela já sabe – avisou, chegando-se mais a ele, aceitando a
sugestão ditada pela mão grande e delicada. Depois de beijar um mamilo mínimo, considerando
as chances de correr ao banheiro para escovar os dentes, alertou-o para o óbvio. – Se está aqui
desde a hora que me mandou a mensagem, Sr. Hughes, não só ela como muitos outros vizinhos
sentiram a falta de seu jipe. Caso ainda não tenha feito, é melhor arrumar alguma desculpa.
Por mais que lhe custasse, tinha e reconhecer sua razão. Deixou a cidadezinha com o dia
ainda claro, sem dar satisfação a ninguém. Era evidente que a vizinha tinha notado sua falta
antes de dormir. Ficaria como aviso caso futuramente pudessem repetir aquele feito, pensou
fazendo-a rolar para se colocar acima dela. O corpo aceso, ciente da proximidade feminina
naquela manhã incomum.
– Acorda sempre animado assim, senhor? – Faith se contorceu sob ele, um tanto surpresa com
a gravidade da necessidade masculina.
– Todos os dias desde que a conheci – confessou e beijou a curva de seu pescoço.
– Fico lisonjeada.
– Prefiro que me compense.
– Preciso escovar meus dentes – ela avisou, quando Jonathan tentou beijá-la.
– O que preciso é mais urgente. – Foi tudo o que ele disse antes de prender-lhe a boca.

Jonathan saiu do quarto para deixá-la à vontade enquanto juntasse suas coisas. O combinado
era se encontrarem no estacionamento tão logo terminasse. E deveria se apressar, segundo a
recomendação enérgica. O homem sério, mas de certa forma mais leve da noite anterior, tinha
desaparecido, dando lugar ao padre ansioso pela partida. Faith não queria provocá-lo logo
cedo, então deixou o cenário de uma noite perfeita sem olhar para trás. Avistou Jonathan a vagar
ao lado de sua pick up, mirando o chão. Ao vê-la suspirou agastado:
– Càspita! Pensei que fosse preciso ir buscá-la.
– Não demorei tanto assim – Faith se defendeu, considerando-o exagerado, mas sem se
aborrecer de fato. Amanheceria em breve, mas ainda estava escuro. E não demorou, mas o
entendia.
Na verdade, Jonathan não estava nervoso por alguma demora, ou pela hora que chegaria, sim,
por aquilo que a volta à Sin Bay representaria. Fora do quarto eles estavam sujeitos a todos os
problemas e limitações que aquele tipo de relacionamento implicava. A começar com as outras
pessoas envolvidas. Ajudando-a com a sacola para que abrisse a porta da caminhonete,
respondeu-a por fim, controlado:
– Eu sei... É que acho melhor voltar o quanto antes. Ainda preciso arrumar uma desculpa
qualquer para ter passado a noite fora. – Preocupado indagou: – E o que dirá para sua mãe?
– Ela acha que estou na casa da Helen – informou, tomando-lhe a sacola para jogá-la no
banco do passageiro.
– E o que disse a Helen? – perguntou com o cenho franzido.
– Ela sabe que eu viria encontrar com o senhor – falou sem rodeios.
– Sua futura cunhada sabe que está aqui, comigo?! – Jonathan quase engasgou não tento
qualquer dúvida quanto à loucura da moça.
– Não fique assim – Faith tentou acalmá-lo. – Helen é de confiança.
Em assuntos onde padres eram dados à fornicação não havia ninguém que pudesse ser
considerado confiável. De repente pareceu não ter controle sobre o que viria, contudo não tinha
como retroceder. Diante do que já tinha sido feito e dito a quem quer que fosse, restava-lhe
aprender a confiar.
– Se é o que diz... Vou tentar acreditar – prometeu, mirando o rosto iluminado pela luz
amarelada do estacionamento. Em agradecimento recebeu um sorriso satisfeito.
– Bom... Porque não quero te aborrecer. – Após um suspiro Faith se aproximou mais para
olhá-lo bem de perto. – Estou feliz que nada tenha mudado mesmo quando eu fui tão idiota. Essa
foi a melhor noite da minha vida.
– Tirando a parte da melhor noite, não sei a que se refere. – ele retrucou.
Preferia manter sua sugestão e nunca mais se lembrar da violência que cometeu contra ela.
Estavam juntos e bem. Era o que importava, não? Sentindo um estranho e súbito aperto a
oprimir seu peito pela separação e pela volta ao mundo onde não poderia tê-la inteira, Jonathan
se lembrou da música escolhida para dançarem. Bastaria simplesmente tocá-la no rosto antes de
partir?
- Tu sei il mio angelo del mattino.
– Certo – ela troçou para encobrir a tristeza pela partida. – Isso foi proposital. Vou saber o
que disse?
– Falei que você é meu anjo da manhã – traduziu, acariciando seu rosto. – Não posso prendê-
la em nenhum lugar, somente pecar, tocá-la no rosto e partir.
A declaração não tão subliminar a amoleceu, roubando seu entendimento, somente segundos
depois entendeu que ele fazia alusão a Angel of the morning, a canção escolhida para dançar
com ele. Como na música, não queria simplesmente pecar, sim, atar seu coração, mas ainda era
cedo. Já tinha muito de seu padre bipolar e era melhor não brincar com a sorte. Sufocando o
desalento vindo com a aproximação da despedida, brincou:
– Se não temos mais tempo para não namorarmos, é melhor não me dizer essas coisas com
essa sua voz cantada. – Ao se atirar em seu pescoço, beijou-o em despedida já se perguntando
quando estariam juntos novamente. Demonstrando a sintonia de pensamentos, Jonathan pediu ao
interromper o beijo, sem soltá-la:
– Tente ir até minha casa essa noite? Depois que todos dormirem. – E sem ter esquecido um
segundo sequer do dia em que estavam pediu: – Não vá à boate.
– Não vamos voltar a esse assunto, senhor – ela implorou retesando-se. – É melhor irmos de
uma vez, prometo tentar ir até sua casa.
Jonathan não a deixou se afastar, irritado.
– Antes não me considerava alguém que pudesse cobrar-lhe, mas, e agora? Você é minha
mulher então acho que tenho algum direito. Não vá!
– Está fazendo uma cena, senhor – ela alertou mesmo que não tivesse ninguém no
estacionamento. – Logo vai clarear, vamos de uma vez...
– Não sem que diga o que quero ouvir – ele determinou, ainda mais aborrecido.
– Verei o que posso fazer – prometeu mesmo sabendo que nada poderia ser feito. – Vou tentar
conversar com Barry e encerrar as apresentações. Então agora sou eu quem te peço, não vá à
The Isle hoje. Por favor... Talvez eu tenha de fazer uma última apresentação e não quero que me
veja.
– Verei o que posso fazer – remedou-a secamente. Faith se apresentaria.
A despedida não foi como esperavam. O beijo foi frio e sem abraços. Faith entrou em sua
pick up e deixou o estacionamento. Jonathan a alcançou poucos metros além do motel e a seguiu
de perto. A moça evitou olhar pelo retrovisor por medo de encontrar o olhar endurecido e
acusador. Maldito fosse Barry por arruinar sua noite perfeita. Ou maldita fosse ela mesma por
ter-lhe dado a chance de fazê-lo.
Ao chegarem à Wells, Faith sinalizou a entrada que a deixaria na casa de sua futura cunhada.
Jonathan respondeu piscando os faróis e seguiu caminho, acelerando mais do que a velocidade
em que vieram. Não era uma separação definitiva, mas o desentendimento deixava-a apreensiva,
pois estava claro que o italiano e sua complexidade não deveriam ser afrontados.
Na verdade, não passava por nada que não merecesse. Resignada, Faith estacionou à porta de
Helen. Ainda era muito cedo, mas não estava com paciência para esperar que acordasse. De
toda forma ela teria que ir para a faculdade então não se sentiu culpada ao tocar a campainha
insistentemente.
– Calma!... É o fim do mundo? – Helen indagou antes que abrisse a porta, enrolada nem
roupão rosa e os pés numa pantufa da mesma cor. – Faith? O que faz aqui à uma hora dessas?
– Posso entrar? – perguntou já a passar pela amiga.
– Pensei que viria ontem à noite... Eu me confundi? – Ao ter sua resposta negativa através de
um aceno de cabeça, maximizou os olhos. – Está chegando do encontro? É isso?
– Estou – confirmou ao desabar sobre o sofá e deixar sua sacola ao chão. Ao recostar a
cabeça sobre o encosto, fechou os olhos, sentindo-se muito cansada como se nem ao menos
tivesse dormido.
– Então não posso nem tentar demovê-la – a amiga lamentou. – Agora é oficial. Você se
tornou amante de um padre.
– Correção – falou sem abrir os olhos. – Eu me tornei a mulher mais feliz do mundo pelas
mãos do homem mais incrível que poderia existir. O resto é detalhe.
– Pequenas pedras também são detalhes na paisagem, mas nos fazem tropeçar e quebrar o
nariz do mesmo jeito – Helen retrucou séria. – Já que não posso fazer mais nada, vou voltar
para minha cama. A sua está preparada desde ontem. Já sabe o caminho. – Seguindo para o
corredor, falou ainda: – E não espere que eu te dê os parabéns.

– Pobrezinho do senhor! – Sarah Williams exclamou enquanto lhe servia o almoço, que fora
informado desde cedo que seria obrigado a comer caso se recusasse. Estavam na cozinha da
casa anexa à igreja e aquela era a quarta vez que a senhora se compadecia de sua péssima sorte
por ter passado a noite numa oficina mecânica de Wells depois que seu jipe o deixou na mão. –
Não deveria ter ido tão longe para comprar suas coisas... Acredito que o velho Baker tenha tudo
o que precisa.
– De fato Billy Baker tem um armazém bem abastecido – concordou; era sempre o melhor
caminho. Exatamente como Faith fizera ao prometer que veria o que faria quanto à boate, pensou
irritado. Como a prestativa vizinha não deveria pagar pelos erros de sua amante, ele sorriu. –
Eu deveria ter comprado tudo aqui mesmo, mas também queria aproveitar o passeio.
– Eu sei como é... Tem tantas responsabilidades sendo tão novo – ela falou condescendente. –
Precisa espairecer às vezes. Sei que não me deve qualquer tipo de satisfação, mas gostaria de
pedir para me avisar quando for sair. Achei muito estranho não ver seu carro na rua. Até perdi o
sono de tanta preocupação. Estive tão apavorada que seria capaz de telefonar para seu tio caso
tivesse o número. Ele me pediu para tomar conta do senhor e logo no segundo dia de sua
ausência eu o perco? O senhor De Ciello jamais confiaria em mim novamente.
– Lamento ter lhe causado tamanho transtorno. – Jonathan agora encobria sua raiva. Carlo se
fora, mas deixara o melhor cão de guarda. Deveria ter se preparado para aquilo.
– Já passou. Agora que o senhor está de volta, são e salvo, vou manter meus olhos bem
abertos para que nada lhe aconteça.
Ou seja, confirmando que ela seria um problema, teria a senhora tão prestativa quanto
bisbilhoteira atenta a todos seus movimentos. Era incômodo dar satisfações de sua vida, mas a
posição que ocupava não lhe dava escolhas. Tinha uma reputação a zelar. Tanto melhor para
Faith, considerou ainda enraivecido.
Como não poderia dispensar o cuidado sem levantar suspeita ou se ausentar da cidade por
duas noites seguidas, restava ficar em Sin Bay. Sua amante não teria com o que se preocupar
afinal. Inconformado por deixá-la prosseguiu com a exibição sorriu para sua vizinha sem
vontade e forçou-se a comer. Alguma vez duvidou que o prazer proibido viesse livre de ônus?
Capítulo Vinte e Quatro

Diante do grande espelho iluminado, Faith aplicava várias camadas de pó compacto sobre o
pancake já aplicado. Tudo para tentar ocultar a palidez excessiva como se esse pudesse ser
visto sob a máscara. Na verdade, se fosse obrigada a dançar, eles veriam. Todos eles e talvez
até mesmo Jonathan, pois não acreditava que ele a deixasse se apresentar. Por várias vezes ao
longo do dia, olhou para a porta, alarmada ao mínimo ruído, por acreditar que fosse ele a
invadir seu ensaio para tirá-la da casa noturna a tapas.
Não aconteceu. Recebeu apenas suas duas mensagens onde pedia: não faça. Respondeu-lhe
que estava cuidando para atendê-lo, então era esperar para ser arrastada diretamente do palco
durante sua apresentação quando ele visse que nada tinha mudado. Talvez ficasse grata caso
Barry entendesse que a culpa não era dela e a liberasse da chantagem. E então, pensou
sardônica, a família Von Trapp toma seu lugar cantando Climb Ev’ry Mountain. Estúpida!
Bom, se ao menos o que tinha arranjado desse certo e Jonathan viesse, resgataria a garota
errada.
– Nervosa, estrelinha? – Úrsula zombou, quando atirou o pó compacto sobre a bancada.
– Já que ajudou a me manter aqui ao menos fique calada – vociferou sem olhá-la.
– Não gosto disso mais do que você. – Ela se voltou na cadeira. – Acredite, estrelinha, se eu
pudesse, recuperaria aquelas fotos. Não para te ajudar, mas para me ver livre de olhar para essa
sua cara sonsa.
– Então me ajude a pegar as fotos – pediu ansiosa. – Eu dou um jeito de distrair o Barry.
– Parabéns, espertinha! – Úrsula zombou antes de perguntar, enfadada: – E quem distrai os
seguranças? Sem contar que Barry não é primário. Já deve ter feito cópias.
Seria muito empenho por sexo, mas Faith não poderia arriscar irritá-lo mais.
– E se você o denunciasse? – Úrsula opinou. – Quantos anos têm?
– Esqueça! Denunciá-lo me exporia e isso é justamente o que não preciso, então vamos
permanecer com o plano A. – Que no caso contava com a ajuda de sua eterna antagonista, assim
como a de todas as outras meninas de Barry. Ao seu lado, Kristina terminava os retoques de sua
própria maquiagem. Se nada as atrapalhasse, naquela noite ela seria a Virgem. Romântica como
quase todas naquele camarim o eram, a colega aceitou ajudá-la quando revelou seu desejo de
sair por estar perdidamente apaixonada.
– Dará certo! – disse ao seu lado, animando-a.
Contudo não dependia da vontade de nenhuma delas. Tanto que, como que atraído pelo
embuste, Barry Reagin fez questão de visitar sua atração naquela noite, encontrando as duas
vestidas exatamente iguais. Com uma de suas eternas camisas com listras aberta no peito,
colocou as mãos na cintura e olhou de uma a outra, desconfiado.
– Que novidade é essa? – perguntou, quebrando o silêncio que se instalou à sua chegada. – O
que estão aprontando?
– Ideia da sua estrela – Úrsula falou de seu canto, fazendo os pelos de Faith se eriçarem; a
cobra as denunciaria. Odiando-a com todas as suas forças, ouviu-a acrescentar: – Duas virgens
em vez de uma. Tipo fetiche sabe?... Sim, o senhor sabe. Afinal todos os homens são iguais.
– Duas virgens? – Ele as avaliou maliciosamente, revoltando o estômago da moça já abalado
pelo flagrante. – Duas gostosas praticamente iguais, nuas em meu palco.
Enquanto o dono da casa noturna considerava a possibilidade, murmurando intimista, Faith
tentou se apegar ao fato de que ao menos não estaria sozinha. A novidade desviaria um pouco a
atenção de si; ou ao menos queria acreditar que sim. O inacreditável era ter que agradecer à
Úrsula por salvar sua pele. Engoliria seu orgulho e o faria. Pensava a respeito quando Barry deu
seu veredito.
– Perfeito!... Se não me trouxesse um problema.
– Qual problema? – Faith mal pôde acreditar que sua alegria tivesse duração de míseros
segundos.
– Se virem que temos uma sósia, perdemos a credibilidade – explicou antes de dramatizar
como se fosse um dos clientes: – Hoje estou vendo a cópia ou a original?
– Que diferença faz? – Faith quase gritou, trêmula pela gana de experimentar em Barry todos
os golpes que seu irmão tinha lhe ensinado.
– Toda a diferença – ele retrucou lacônico. – Agora venha. Hora do show.
Já na coxia, ouviu-se ser anunciada e a costumeira citação aos seus pais. Foi preciso respirar
fundo para conter a bili que lhe amargava a garganta. Jonathan estava certo. Não existia
explicação para sua presença ali. Sentia-se insatisfeita com a passividade de sua vila perdida?
Que se mudasse! Estava sem rumo? Procurasse algum decente. E se queria afrontar um pai
controlador pretenso senhor da razão, que deixasse de ser hipócrita e o embaraçasse de vez
dançando de rosto limpo para que todos a vissem. Mas não o faria, pois estava ali sem motivo
algum. E também por, no fundo, ser tão covarde quanto acusava sua irmã de ser.
Ao ouvir seu codinome – ultrapassado, uma vez que sua virgindade entrara para a história –
respirou fundo e entrou no palco que por semanas foi seu habitat natural. seguia sem sorrir, sem
nada mais ouvir ou sentir. Apenas pedindo fervorosamente para que Jonathan não estivesse entre
todos aqueles rostos que naquela noite finalmente via um por um.

– Buona sera, signorina Campell. Come sta? – Jonathan cumprimentou a dona da lanchonete
quando esta se colocou ao seu lado, prestativa.
Sua vontade era estar em outro lugar, confrontando outra pessoa, mas impossibilitado de
deixar a cidade, valeria interrogá-la. O dia exasperante longe de Faith, com suas mensagens
vagas e inconclusivas o deixava ciente de que ela não o atenderia. Com o cair da noite decidiu
sair da inércia. Como poderia esperar comandar a vida da moça quando nem mesmo o fazia com
a sua?
– O que disse, senhor? – Grace indagou com as sobrancelhas unidas, então lhe sorriu e
arriscou: – Isso foi um boa noite, não é?
– Foi exatamente o que entendeu – falou sério, sem desviar os olhos dos dela. – Ogni parola.
– É alguma brincadeira? – Ela deu um passo atrás, defensiva ainda que lhe sorrisse. – Não
estou entendendo.
– Eu acho que entende – Jonathan a desmentiu. – Seria estranho morar na Itália e não aprender
ao menos algumas palavras básicas.
Depois de seu espanto, logo oculto por um floreio desdenhoso com uma das mãos, ela falou:
– Nossa!... Isso foi há tanto tempo. Quem lhe disse que morei em seu país? Ou melhor –
cortou-o antes mesmo que falasse. – Faça seu pedido primeiro e depois o senhor me responde.
Eu já ia fechar. Com os pescadores no mar isso aqui fica às moscas. Será bom conversar um
pouco.
– Não quero nada, obrigado – falou sinceramente. – Vim mesmo para conversarmos.
A dona da lanchonete o encarou por alguns instantes antes de finalmente se sentar à sua frente.
– E o que veio conversar? Quer saber sobre essa minha estada na Itália?
– Sim, achei interessante que nunca tivesse comentado.
– Não há o que comentar, senhor – ela tentava banalizar. – Fui com minha família para
Nápoles. Eu era tão nova que nem me lembro os detalhes, quanto mais as palavras básicas –
brincou.
– O quanto era nova? – ele insistiu. Se não havia o que esconder, não tinha problema em
perguntar.
– Treze para quatorze anos – respondeu prontamente. Depois de seu erro com Faith, poderia
estar perdendo a mão em reconhecer mentirosos, mas para ele pareceu que ela disse a verdade.
– E sua família ficou somente em Nápoles?... Por acaso não foram conhecer outras cidades
mais ao norte... Caserta, Tivoli... Ou uma comunidade provinciana como Agnani?
– Não – ela negou com um fraco sorriso. – Apenas me lembro de Nápoles mesmo. Como
disse, eu era nova demais...
– Seria muita indiscrição de minha parte se perguntasse quantos anos tem agora? – Jonathan
insistia em saber mais; seu desconforto era evidente.
– Não se pergunta a idade de uma mulher – Grace retrucou, simulando embaraço. – Mas vou
dizer como segredo de confissão – brincou. – Tenho quarenta e quatro anos.
– Por que nunca se casou? – ele indagou de chofre. A idade nada acrescentou. Ela esteve na
Itália há 30 anos. Era extraordinário crer que até mesmo seu tio, que no momento desconhecia,
tenha iniciado um caso com uma menina de 14 anos e o mantido em sigilo até o presente
momento.
– Isso é um interrogatório, senhor? – ela perguntou pouco à vontade.
– Absolutamente – ele sorriu de modo amistoso. – Como é amiga de meu tio pensei que talvez
pudesse o ser também... Se fui indiscreto, eu...
– Não – ela o interrompeu. – Tudo bem... Não me casei porque ainda não apareceu alguém
que valha a pena.
– Entendo. – Ou achava que entendia. A conversa realmente não estava ajudando.
– Estou falando sério – ela disse subitamente incisiva, encarando-o. – O senhor deve saber
que nem todos os homens são bons. Há aqueles que querem uma mulher apenas para abusarem
dela. Denegri-la de todas as formas possíveis até tirar o que ela tem de melhor: sua inocência,
seu amor-próprio... o desejo de viver. Mesmo quando em sua vida desgraçada ela ganha um
bom motivo para seguir em frente. Quando alguém se descobre morto por dentro, não tem como
ver as dádivas que Deus lhe deu.
– Deus ama a todos indiscriminadamente. Mas é justamente a esse alguém que dá suas
melhores dádivas. Para trazê-las à vida – pregou, sabendo vagamente a que se referia ao
perceber o quanto Grace se abalou com o breve discurso. Quem teria tirado sua vontade de
viver? Repentinamente uma ideia lhe ocorreu e antes que pudese filtrá-la, indagou; – Já atentou
contra sua vida?
Grace arregalou seus olhos de um verde arenoso e, lívida, ameaçou deixar a cadeira. Sem
saber o que o movia, Jonathan a prendeu pelos braços dispostos sobre a mesa e sem se importar
com a grosseria invasiva, voltou-lhe os pulsos para cima. A dona da lanchonete forçou sua
liberdade e ele a deixou ir.
Não precisava mais do que o primeiro olhar para reconhecer as cicatrizes claras e verticais
que iam da base de suas palmas em direção ao centro do braço; curtos e tão contrários aos
feitos pelos suicidas, aqueles cortes deveriam ser mais letais, pois atingiam uma área maior das
veias. Contrangido com seu ato reflexo, Jonathan a encarou.
– Per favore... – Pigarreou para limpar a voz e falar no idioma dela. – Perdoe-me. Eu não
tinha o direito.
– Realmente não tinha – ela replicou a beira das lágrimas. – Poderia ir agora? Preciso mesmo
fechar as portas.
– Não assim – pediu. – Sente-se. Vamos conversar mais.
– Não vejo o que possa haver para conversarmos – falou magoada. – Não estou entendendo
esse súbito interesse por mim...
– Já disse – falou ao se pôr de pé. – Queria que fosse minha amiga.
– Amigos não invadem a privacidade do outro como fez – Grace acusou. – Se eu quisesse que
conhecesse meus segredos eu lhe diria. Agora saia, por favor, senhor...
Não tinha mais o que fazer ali, Jonathan reconheceu derrotado. Fora atrás de respostas e saía
com mais perguntas. Não deveria ser novidade.
Capítulo Vinte e Cinco

Era pouco mais de meia-noite, quando Jonathan ouviu o pastor alemão dos Nicholls ganir
após dois latidos e então silenciar. Eram raras às vezes que o cachorro dava sinais de vida, mas
não causou estranheza ao padre. Os latidos serviram apenas para trazê-lo de volta de seus
pensamentos autoacusatórios. Ainda não acreditava em sua ousadia de especular grosseiramente
a vida da dona da lanchonete.
Em seu remorso começava a duvidar até que ela fosse amante de seu tio. Durante a breve
conversa pôde ver o quanto Grace era solitária, amarga. Evidente que fora maltratada por
aquele homem não nomeado, mas que a denegriu de todas as formas possíveis, segundo ela
mesma. Pelo o que passara afinal? E se não era seu amante, onde Carlo se encaixava naquela
história? Muitos nós a desatar quando ainda tinha a famigerada apresentação de sua própria
amante desobediente a lhe perturbar a cabeça.
Com um bufar exasperado, Jonathan passou os braços sobre o rosto, decidido a se esquecer
do que descobrira sobre Grace Campbell e a tentar apagar a imagem de Faith a se exibir. Sem
as buzinadas, não tinha nem mesmo como saber se sua amante já estaria em casa. Talvez fosse o
caso de verificar a caixa de mensagens de seu celular, mas, depois das três vezes frustradas – e
de ela não ter atendido a uma ligação –, não se animou.
Se Faith não fosse até ele, ele iria até ela, determinou. De súbito ouviu duas pancadas em sua
janela. Foi abri-la sem temer atender quem solicitava sua atenção num acesso tão inusitado.
– Pela janela? – indagou soturnamente.
– Não poderia bater à sua porta – disse Faith simplesmente. – Vai me deixar entrar ou não?
– Venha. – Estendeu a mão para ajudá-la.
– Prefiro que saia da frente – Faith instruiu, recusando a mão estendida.
Com o cenho franzido, Jonathan se afastou. Faith o imitou e voltou num curta corrida, ganhou
impulso e se apoiou ao parapeito para sentar sobre ele. Nesse momento Jonathan deu um passo
e a puxou para seus braços. Como no motel, beijou-a enquanto fechava a janela com a mão
livre. Entre os sentimentos havia saudade e o contentamento de tê-la onde, de certa forma, tudo
tinha começado.
Depois de saciada a falta que sentiu de seu beijo, Jonathan recordou do que o preocupou o
dia inteiro. Depositando-a no chão, tratou de acender a luz de seu quarto. Descobriu Faith
vestida na mesma roupa da manhã, acabrunhada, com uma expressão estranha no rosto de anjo.
– E o senhor sempre impaciente. Não poderia me esperar pular a janela direito? – Ela tentou
parecer jovial, destoando da rigidez de sua postura. A conversa fiada só poderia significar uma
coisa. Constatar a verdade tirou um pouco do contentamento por tê-la perto.
– Você fez, não fez? – indagou duramente, sem nem conseguir nomear a ação que tanto
abominava, encarando-a de braços cruzados.
– Não – Faith murmurou, mordendo o lábio nervosamente.
– Não precisa mais mentir para mim – ele informou, contrariado com a tentativa. Amargo,
zombou de si mesmo: – Agora sou tão conivente quanto seu amigo Ty. Não a suporto naquele
lugar e não tenho como obrigá-la a sair.
De pé, sentindo-o distante, Faith suspirou incerta. Não mentia. Não se apresentou e não sabia
o que aquilo representaria em sua vida. Um Barry furioso ficou a fazer ameaças quando a
expulsou da boate. Infelizmente, ainda não em definitivo, pois exigiu que não aprontasse da
próxima vez, caso contrário seria a última antes de delatá-la. Após um pigarro explicou para
que ele acreditasse:
– Não vou mentir... Eu cheguei a subir ao palco. Ia mesmo dançar, mas... não consegui.
– Como não? – Jonathan a encarava, mas descruzou os braços, desarmando-se.
– Eu travei. – Não queria parecer fraca, mas simplesmente não quis mais prender as lágrimas
que sufocou durante todo o caminho de volta. Nunca se sentiu tão sozinha e exposta como
naquele palco, ainda vestida. E não apenas travou como também devolveu o lanche feito na casa
de Helen, proporcionando aos clientes um espetáculo nauseante.
– Não chore – Jonathan pediu confuso. Faith não o atendeu e logo cobria o rosto, para abafar
seus soluços. Ele não soube o que fazer até se dar conta de que estavam sozinhos. Em três
passadas estava junto dela, envolvendo-a em seus braços. – Shhh... Non piangere, angelo mio.
Finalmente tinha a oportunidade de consolá-la, mas descobria que preferia não fazê-lo. Sua
Faith fora feita para sorrir, não importando quão errada ela pudesse ser. Igualmente incomodava
não saber o motivo do choro.
– Por favor, Fay, me conte o que há? – pediu aflito. – Está triste porque não dançou?
– Claro que não! – ela exclamou embargada. – Eu odeio aquele lugar!
Aquilo era novo, Jonathan estranhou.
– Até bem pouco tempo atrás disse gostar de estar lá... – falou sem se importar em parecer
cruel; precisava entender.
– Isso foi antes – ela declarou com o rosto junto ao seu peito. – Antes de perceber o quanto é
errado o que faço... Antes de o senhor ter aparecido.
Nesse momento Jonathan a afastou e fez com que ela o encarasse, segurando o rosto úmido.
– Então devo entender que não vai mais voltar? Que acabou? Está chorando porque está
contente? – Quando ela moveu a cabeça negativamente e iniciou novo choro, ele se desesperou.
E se enfureceu ao novamente se lembrar do amigo pirralho. Tyler era muito melhor do que ele
naquilo de consolá-la. – Dê-me alguma coisa, Faith! – ordenou. – Preciso entender.
– Eu não posso – ela disse por fim. Um padre não poderia ajudá-la, mas lhe contaria a
verdade. – Barry tem fotos minhas e está me ameaçando desde que avisei sobre minha saída.
Como se temesse feri-la com uma reação desconhecida, Jonathan a afastou.
– Está sendo chantageada? – grunhiu.
Faith assentiu antes de soluçar mais. E deveria mesmo chorar, Jonathan pensou irritado, afinal
fora ela quem dera munição ao inimigo. Agora pagava por sua inconsequência. Contudo, logo
viu não poder acusá-la. Se cedo ou tarde eram cobrados por sua estupidez, ele próprio poderia
se preparar para o pior dos castigos.
Ao reconhecer não ser menos irresponsável, compadeceu-se. Ao se aproximar, pegou-a no
colo e a levou até sua cama, sentou e a acomodou sobre suas coxas.
– E esse Barry... Ele ficou com muita raiva? Ameaçou você de alguma outra forma?
– Não – Faith murmurou junto ao seu pescoço. – Ele ficou bravo, mas não quis me bater se é
o que quer saber.
Era exatamente o que queria saber! E tremia somente por imaginar alguém ameaçando agredi-
la. Sentiu que seria capaz de matar aquele homem que nem mesmo conhecia caso se atrevesse.
Imediatamente se assombrou com o próprio pensamento. Padres não eram assassinos. Nem
poderiam fazer nada para ajudar alguém naquela situação, além de aconselhar que procurasse a
polícia. Todavia, Faith não poderia fazê-lo. Não sem revelar-se. Seu caso era indissolúvel.
– Não sei como posso ajudá-la – falou, ocultando a raiva por sua inutilidade.
– Eu sei... Por isso não queria contar... Não queria te preocupar.
– Não resolve o que sinto, mas prefiro saber que ainda vai à casa noturna porque não pode
parar, não porque não se importa com o que peço.
– É claro que eu me importo! – exclamou, ainda a mirar seu peito, rolando os pingentes do
cordão que estavam sobre a camiseta. – Tanto que hoje tentei enrolar o Barry para não dançar,
mas não deu certo.
– Tentou enrolá-lo? – Jonathan não gostou daquilo. Faith se expunha mais e mais.
– Sim. Eu tenho uma sósia na The Isle... Pura coincidência, mas ela é bem parecida comigo.
De todas é a única que posso chamar de amiga – dito isso a moça o colocou a par da ideia
frustrada e de como Barry ficou furioso quando ela passou mal sobre o palco, antes de concluir:
– Mas se quer saber, eu faria tudo novamente, pois o senhor é muito importante para mim.
Poderia dizer que o amava, mas não tinha coragem. Aproveitou que estava mais calma e o
silêncio de Jonathan para pedir:
– Já que não podemos fazer nada no momento, peço que apenas me entenda... Vou tentar
reverter essa situação, mas até lá, queria que não fosse à The Isle. Por favor... Já vai ser
horrível para ainda saber que está me vendo daquele jeito.
– Não vou prometer – falou, obrigando-a a olhá-lo. – Tente imaginar como também será
horrível saber que está lá, sozinha. Sem ter como se defender desse homem. Nunca pensei que
fosse dizer isso, mas preferia até que Tyler continuasse a guardá-la. Acredite! Se eu pudesse
fazer alguma coisa, qualquer coisa, para livrá-la... Eu faria. Seria capaz de dar um fim a esse
Barry, somente para vê-la livre.
– Shhh... – Faith pediu alarmada, cobrindo-lhe a boca com os dedos. – Não brinque com isso,
senhor... Já basta eu estragar minhas boas relações. Não posso agora imaginar que o levei a
fazer alguma loucura desse tipo. Deixe Barry comigo. Por ora, vamos esquecê-lo?
Era imperioso mudar de assunto, pois sentiu em cada palavra que Jonathan dizia a verdade. Já
o vira fora de controle algumas vezes para não duvidar de qualquer ameaça.
– Eu não vou esquecer – ele falou taciturno –, mas como disse, por ora nada podemos fazer.
Então vamos mesmo deixar esse assunto de lado.
– Obrigada. Afinal, dei um duro danado para chegar até aqui e estamos perdendo tempo. –
Ela sorriu timidamente. – Acho que nunca imaginou ter uma não namorada tão complicada.
– Nunca imaginei ter mulher alguma – ele corrigiu –, até você tumultuar minha vida.
– E isso é muito bom! – Faith exultou, decidida a se livrar do assunto indigesto. Sem se
abalar com a verdade crua dita por um padre denso, moveu-se sobre seu colo, ficando de frente
para ele. – O senhor é todinho meu. Nunca foi de ninguém. Nem nunca será, porque nunca vou te
deixar.
Não sabia quem ou com qual profundidade de sentimentos, mas já foi de alguém. Contudo
aquele detalhe do passado esquecido ainda era irrelevante. O que o preocupava, ao ponto de
sentir fortes ferroadas em seu peito, era saber que o “nunca” de uma jovenzinha como ela, teria
um fim ao perceber que marcava passo num romance sem futuro. Quando Faith amadurecesse –
e desejasse também um nome, casa e filhos –, ter somente a ele não bastaria.
E mesmo que ela ainda dispensasse todas aquelas coisas, haveria de querer um homem que no
mínimo a protegesse de pessoas como o tal Barry, não um padre que jamais se exporia. Então,
quando esse dia chegasse, tocaria o rosto de seu anjo da manhã e a deixaria partir? No momento
lhe era inconcebível até mesmo cogitar.
Foi com o coração apertado, como se ela fosse simplesmente levantar e sair para nunca
voltar, que a segurou pelos braços, com firmeza.
– Promete? – Jonathan indagou rouco.
– Senhor?! – Faith não entendia o que o levou a segurá-la daquela maneira ou porque os olhos
azuis escurecidos brilhavam intensamente. – Prometer, o quê?
– Que sou o bastante para você.
O bastante? Ele era tudo para ela, Faith pensou tendo por fim um motivo para sorrir naquela
noite. Poderia apenas dizer, mas, alheia ao turbilhão que devastava Jonathan, resolveu provocá-
lo.
– Isso é muito sério. Eu precisaria pensar...
Com um esgar irritado, incitado pela desconhecida insegurança, Jonathan a derrubou em sua
cama, fazendo o móvel protestar ao movimento brusco.
– Per favore... Não brinque com isso, bambina – pediu com o rosto muito próximo ao dela.
Estimulada por atingir seu objetivo, ainda não acreditando que ele pudesse estar falando sério,
perguntou languidamente:
– Se eu brincar... e o senhor ficar muito bravo... quais as chances de me castigar com aquele
seu chicote?
– Esqueça o chicote – demandou, finalmente percebendo que ela apenas provocava, não
tripudiava. – Agora prometa.
De súbito o humor se foi. Não por ele negar saciar sua curiosidade acerca de seu fetiche, mas
por imaginar a situação contrária.
– Claro que prometo. Na verdade... é mais fácil o senhor se cansar de mim.
– Se é assim, não temos problemas – Jonathan murmurou junto aos lábios que iria beijar. –
Você trouxe luz à minha vida, angelo... Não quero voltar à escuridão.
Aquilo era intenso. E um tanto intimidador. De repente, a Faith aquela pareceu ser uma
responsabilidade maior do que estava apta a administrar, mas não teve como pensar a respeito
quando Jonathan finalmente a beijou. Nada mais importou ao ter a boca exigente esmagando a
sua sem cuidado. Deleitou-se ao ouvir urros incontidos vindos daquele que amava enquanto
tinhas os seios torturados pelas mesmas mãos que a prenderam.
Logo se remexeu abaixo dele, acariciando-lhe os cabelos e as costas rijas, antes de insinuar
as mãos pela barra da camiseta para sentir-lhe a pele ondulada pelo uso do instrumento que ele
se negou a usar. Como que tomado por uma necessidade ardente, Jonathan a despiu e, de pé,
ciente de que não seriam interrompidos, admirou o corpo nu em sua cama enquanto se livrava
das próprias roupas. Enterrar-se nela, movido pela ânsia e pelo temor, teve novo sabor e logo a
atraia para uma dança contínua e ritmada, abraçado a ela até que tiveram seus corpos e mentes
tomados pela névoa aveludada da satisfação terminal.
Pouquíssimos minutos depois, com Faith abraçada a ele sob suas cobertas, a cabeça sobre
seu ombro enquanto rolava a chave e a cruz entre os dedos, ouviu-a suspirar antes de perguntar:
– Se a prática leva à perfeição... Significa que vamos ter mais disso que já é tão bom?
– Espero que sim – Jonathan respondeu sorrindo. Decididamente ele jamais poderia estragá-
la. Faith era sua garantia de leveza mesmo tendo suas próprias cargas pesadas. Não queria mais
do que tinham. – Essa é a razão dos suspiros?
– Também. Estou feliz de estar aqui. Deu muito trabalho – ela novamente suspirou. Faith tinha
comentado o quanto fora custoso chegar até sua casa.
– Muito trabalho com o cachorro dos Nicholls?
– Não me referi a hoje apenas – murmurou, segurando-lhe a mão para brincar com seus
dedos. Então ele entendeu.
– Não tinha como ser fácil. – Jonathan mantinha os olhos nos dedos entrelaçados aos seus. –
Pode se congratular, pois praticamente conseguiu o impossível.
– Eu sei. – Faith sorriu e ergueu o dorso para olhá-lo e, livre de pretensão, dizer: – Por isso
os suspiros... Estou com muito orgulho de mim.
– Eu também – ele falou sério, acariciando-lhe o rosto ainda rosado pelo gozo recente.
Ela, sim, nunca foi de ninguém e, se possível, seria apenas sua. Ele fora um cego arrogante
que contrariou o que pregava, julgando-a erroneamente. Faith apenas seguia seus impulsos, mas
jamais fora promíscua como acreditou. Talvez arrastasse a quem amava para a vergonha pública
caso as fotos que citou, um dia, se tornassem públicas, mas ele não poderia se considerar muito
melhor do que ela.
Para onde ele arrastaria quem amava? Era um padre com passado obscuro, que tinha notável
familiaridade em locais improváveis. Que se satisfazia em agredir e sentia certo prazer em
saber que causava dor. E que declarou quase abertamente ser capaz de matar, muito consciente
de que podia. Talvez estivesse impressionado por todas aquelas coisas. Contudo, caso não fosse
a discrepância entre as idades, cogitaria ser quem Joseph Wilson citou.
Àquela altura dos acontecimentos, não duvidaria que seu tio tentasse protegê-lo de si mesmo
quando o descobriu sem memória. Tal atitude justificaria a insistência de discrição. E, se fosse
além, revendo friamente todos os acontecimentos recentes, poderia acrescentar o nervosismo ao
tê-lo perto de investigadores. Estaria assim tão longe da verdade?
– Senhor? – ele ouviu a voz preocupada de Faith e então era como se ela simplesmente se
materializasse ao seu lado. Ele tinha desligado. – Ouviu o que eu disse?
– Perdoe-me...
– Já me tornei aborrecida?! – ela gracejou, simulando admiração. Brincando para encobrir a
estranheza que foi vê-lo com o olhar vago. – Imagine daqui a dez anos. Será um feito se o
mantiver acordado durante um beijo.
– Prometo fazer maior esforço para ir além dele – ele aproveitou o tom.
Algo no comentário dela o remeteu a outro assunto que igualmente o inquietava. A questão do
tempo! Se tampouco aceitava cogitar um afastamento era fato que a queria em sua vida
indefinidamente. Se fosse o caso, o que impediria seu tio de querer o mesmo com relação à
Grace? Dez, vinte, trinta anos... Mesmo com períodos de afastamento, o quanto seria bastante
para uma relação como a deles?
– Fico feliz em saber. – Ela voltou a distraí-lo. – Bom... Como não ouviu vou repetir. Eu
disse que não posso ficar muito mais tempo. Logo precisarei ir embora.
– Tão cedo? – Jonathan lamentou, estreitando-a no abraço.
– Não é cedo, senhor... – Ela sorriu satisfeita. – E eu preciso me recuperar. Não estou
acostumada com tanta... atividade.
As palavras e a forma como foram ditas o instigaram, mas não era quanto àquilo que
lamentava. Correndo os dedos pelos lábios carnudos, falou manso:
– Supor que quero que fique para forçá-la a novos exercícios, fica por conta de sua mente
pecaminosa. Somente a queria por perto... Conversar com você.
– Ainda tenho uns minutos... – Faith se tornou curiosa. – Sobre o que quer conversar?
– Ficaria chateada se não fosse nada referente a nós dois?
– De jeito nenhum! – Faith sorriu, enlevada com a preocupação. – Temos muito tempo para
isso. O que quer saber?
– Estou curioso quanto a uma descoberta que fiz hoje.
– Descoberta? – Intrigada, Faith se acomodou melhor sobre o peito largo. – Qual?
De súbito, Jonathan se arrependeu de iniciar o assunto. Não era certo citar as particularidades
alheias. Contudo ele estava ansioso por informações, quaisquer que fossem. Afinal, era fato que
alguma ligação havia entre Grace e seu tio. Talvez, descobrindo sua natureza pudesse de alguma
forma desvendar seus próprios mistérios.
– Talvez já saiba, mas hoje eu descobri que Grace Campbell tentou o suicídio.
– Ah... Era isso? – ela indagou um tanto decepcionada.
– Então realmente sabia? – Jonathan não podia crer na expressão desanimada.
– É notícia velha. – Faith deu de ombros. – Sei disso desde pequena. Talvez tenha sido
motivo de comentários quando ela veio morar aqui, mas quando nasci toda a cidade já sabia e
nem se importava mais... Acho que ninguém nem se lembra desse detalhe. Os maledicentes
dessa vila se ocupam mais em falar de sua solteirice.
– Entendo – disse aéreo. Estar solteira talvez fosse outro forte indício da relação mantida
com Carlo. Ele mesmo não adoecia a mínima menção de casamentos para Faith? Todavia aquele
detalhe ainda não o interessava; queria saber do atentado contra a própria vida. – E você
saberia o que a levou a fazer tal atrocidade a si mesma?
– O senhor acha isso mesmo, não é? Uma atrocidade alguém tirar a própria vida.
– Evidente! – exclamou o sacerdote inflamado com o descaso a uma dádiva divina. – Deus
nos deu a vida, somente Ele a tira quando for chegada a hora. Não antes nem depois. – Ao se
ouvir recordou seus pensamentos anteriores sobre dar fim a Barry. Decididamente estes vieram
do homem novo que tomava todos seus espaços. Por um instante o temeu, mas estava mais
interessado na opinião de Faith e no que ela tivesse a lhe dizer. – Você considera suicídio algo
normal?
– Não diria ser certo, mas acho que cada um sabe de si... Acredito que ninguém tome uma
atitude tão extrema sem um motivo muito forte.
– Nenhum motivo é forte o bastante – ele retrucou seriamente. – Sempre há uma saída para
todos os problemas.
– Desculpe discordar, senhor... – ela replicou num suspiro, perguntando-se como foram parar
naquele debate mórbido. – Mas nem todas as pessoas estão preparadas para lidar com seus
problemas... E não acredito nisso de sempre haver solução. Muitas vezes não tem e a pessoa é
obrigada a conviver com o problema. Dependendo do mal que causa, talvez seja demais para
suportar...
– Deus nunca nos dá carga mais pesada do que podemos suportar – insistiu.
– Poderia, por favor, esquecer que é padre e tentar entender os pobres mortais não tão
convictos de todos esses ensinamentos?
– Não tenho como esquecer o que sou – falou taciturno. – E entenda que um padre não é um
deus... Também sou um pobre mortal, apenas creio na esperança. E nunca ficamos
desamparados. Soluções sempre hão de existir, mas as pessoas em seu desespero não as veem.
– Tudo bem! – Faith sentou, levando o lençol junto ao corpo, prendendo-o como uma frente
única sob os braços. Seu gênio contestador inflamado pela obtusidade de Jonathan. – Já que
estamos no tema e temos um padre presente – acrescentou indicando-o –, me diga... O senhor
sabe por que Sin Bay tem esse nome?
– Não. – E sempre esteve curioso quanto ao nome, mas tantas coisas aconteceram que deixou
passar. Agora queria saber qual a relação entre sua condição, o tema discutido e o nome da
cidade. Imitando-a, sentou e se recostou ao seu travesseiro. – O que tem ele?
– Isso foi há muito tempo – ela começou encarando-o. – Essa vila foi formada pelo meu avô
paterno quando ele ainda era novo, antes de meu pai nascer. Foi nessa época que aconteceu.
Uma mulher veio morar aqui, Anabelle Flinn... O “marido” arrumou uma casa para ela. Para
todos disseram que ela necessitava ficar junto ao mar, que lhe fazia bem para a saúde, essas
coisas... Como ele trabalhava em Wells, aparecia só uma vez por semana. Viveram assim por
um tempo até que todos descobrissem do que se tratava.
– E do que se tratava? – Jonathan por algum motivo desconhecido antevia que não gostaria de
saber, mas estava curioso demais para fazê-la parar.
– Bom... – ela prosseguiu sem jeito, meio arrependida de ter usado aquele exemplo. – Depois
de um tempo descobriram que o marido era um padre. Por isso o povo de Wells começou a
chamar nossa vila de baía do pecado... Sin Bay.
– Entendo... – E por fim ele estava certo. Não gostou do que ouvia, mas Faith teria de ir até o
fim. – Prossiga.
– Dizem que foi um escândalo, mas a Sra. Flinn tinha esperança de que com isso eles fossem
ficar juntos... Só que não aconteceu. Depois de tudo o que ele fez; de seduzi-la, roubá-la do
marido e trazê-la para cá, o padre Jones simplesmente a deixou. Parece que foi transferido. Para
mim sempre foi muito claro. Ele nunca a amou e ela teve de ficar sozinha e difamada depois de
uma péssima escolha. Aqui entra minha pergunta ao senhor. Qual a solução para esse caso?
– Essa senhora teria de se conformar com as consequências das péssimas escolhas que fez. –
A voz lhe custava a sair. Preferia nunca ter sabido daquela história, encerrar aquele assunto,
mas ainda havia o detalhe não comentado. – E não se suicidado. Foi isso que aconteceu, não?
– Foi sim. A única solução aceitável para ela era ficar com quem amava. Como não foi
possível, sem conseguir suportar a dor de ter sido deixada e passar a ser achincalhada por
todos, ela se atirou ao mar... Foi encontrada dias depois. Alguns dizem que ela estava grávida,
mas eu acho que é o acréscimo natural das histórias repassadas.
– Ou talvez ela não soubesse – Jonathan murmurou alheio, tentando digerir as semelhanças da
narrativa com sua própria situação.
– Pode ser... – Faith deu de ombros. – Mas consegui me fazer entender? Ficar sozinha foi
mais do que ela pôde suportar.
– Você suportaria? – ele indagou, tocando-a no rosto, verdadeiramente impressionado.
– Prefiro não pensar sobre isso, mas me conheço o suficiente para saber que morrer cedo não
está nos meus planos... Como já disse, o senhor é muito importante para mim. Tanto que às vezes
até me assusta, mas não ao ponto de atentar contra mim mesma se um dia me deixar.
O que sentia por ela também o assustava, pensou ao segurá-la pela nuca. Ficou sem sua
resposta quanto ao que levou Grace à tentativa de suicídio, mas estava farto daquele assunto.
Realmente preferia não saber daquela triste história na qual ao que parecia, ninguém se
importou com a sina do padre aliciador. Talvez Jones tenha amado Anabelle e deixá-la tenha
sido um ato de sacrifício. Talvez ele tenha se arrependido e ao tentar voltar tenha descoberto
sua amada morta; nunca ninguém saberia.
A única coisa que todos deveriam saber é que enquanto há vida há esperança e morrer anula
qualquer possibilidade de Deus atuar em suas vidas, mas não diria a Faith. Como ela pediu,
deveria esquecer quem era – principalmente naqueles momentos –, e evitar suas pregações. E
ainda, sua amante tinha pouco tempo para estar com ele então não deveria ocupá-lo com
assuntos perturbadores. Movendo o polegar sobre pele macia, sorriu ao vê-la fechar os olhos ao
seu carinho.
– Então vamos encerrar esse assunto? – indagou. – Entendo o que quis demonstrar, ainda não
sei se aceito esse ponto de vista, mas vou tentar ser mais flexível. Agora venha cá... – pediu
antes de atraí-la para si e beijá-la. Influenciado por toda aquela história de abandono, ele se
tornou urgente. Sempre iria querer mais dela, contudo a moça tocou seu peito não para acariciá-
lo, mas para afastar-se.
– Preciso ir agora... – anunciou com um muxoxo. – Não posso abusar da sorte.
– Fique! – pediu, tentando abraçá-la. – Não disse que sua mãe toma remédios para dormir?
Ela não sentirá sua falta.
– Ela, não – Faith falou já deixando a cama antes que caísse em tentação –, mas tenho uma
colega de quarto que não dorme tão pesado assim... E o que é pior, que está bem curiosa para
saber quem é meu namorado secreto.
Diante daquilo só lhe restava assistir a ela se vestir e deixá-la sair. Novamente recostado em
seu travesseiro, Jonathan a assistiu fazer o contrário do que estava habituado a ver e a cada peça
estar novamente vestida. Odiava aquela dependência que já o deixava saudoso antes mesmo que
ela se fosse.
– Vamos nos ver na praia?
– Combinado – disse Faith ao se atirar sobre ele para um último beijo. – Agora durma bem,
meu senhor!
Vinte e Seis

Ao despertar, Faith tinha o corpo tão leve que ainda de olhos fechados sorriu satisfeita,
considerando aquela a segunda melhor noite da sua vida. Espreguiçou-se demoradamente sob as
cobertas somente então abriu os olhos. Qual não foi seu susto ao se deparar com Nicole
debruçada sobre ela com um sorriso provocador no canto dos lábios.
– Credo, Nick! – exclamou ao sentar, alarmada. – Nunca me viu dormir?
– Nunca a ouvi suspirar tanto ou resmungar enquanto dorme – falou ao se sentar na beirada de
sua cama. – O que estava sonhando?
Não se lembrava, mas tinha certeza de que nada melhor que sua realidade.
– Nada que seja de sua conta – retrucou, forçando passagem para se pôr de pé. Tinha um
encontro para o qual, ao que parecia, já estava atrasada, pois a irmã se encontrava devidamente
arrumada para sair. Teria de se trocar e correr.
– E é da minha conta saber onde esteve até às duas da manhã? – perguntou sugestivamente. –
E não venha dizer que a pick up quebrou.
– Se já descarta minha melhor desculpa logo de cara fica complicado escolher outra – Faith
zombou enquanto escolhia o que usaria. – Então só me resta repetir... Não é da sua conta.
– Ah, Fay... Conta. Foi se encontrar com Tyler de novo?
– Não quero falar sobre isso, Nick... Sou grata por ter me ajudado, mas não pode apenas
esquecer o que viu?
– Tudo bem!... – A irmã ergueu as mãos em sinal de derrota. – Não está mais aqui quem
perguntou. Mas eu estou curiosa para saber onde Maggie entra nesse rolo. Segundo a Sra. Scott,
a filha e o Tyler estão se entendendo.
– O quê?! – Faith parou de vestir a camiseta para encarar a irmã. – Que história é essa?
– Desculpe falar assim, mas eu queria mesmo entender... E também não quero que sofra,
afinal, vocês deram esse passo no relacionamento.
Não sofreria, apenas queria detalhes daquela ligação inusitada visto que o amigo sempre
esnobou a colega eternamente apaixonada. E também tinha o transtorno de perder seu álibi. De
toda forma parecia ser boato e se não fosse, ficaria feliz pelo amigo. Tyler precisava de alguém
melhor do que ela em sua vida.
– É conversa da Sra. Scott – falou, assumindo certa indiferença. – E agradeceria se não
comentasse com ninguém sobre a gente, pode ser?
– Sem problemas... – Nicole disse ao levantar e seguir até a posta. – Mas da próxima vez que
ficar com ele até tão tarde tente descobrir o que está acontecendo... Boatos sempre têm um fundo
de verdade.
– Farei isso. – retrucou enquanto voltava a se vestir. Odiava boatos. Ainda mais quando a
irmã estava naquela fase boazinha, mas nem tanto, demonstrando certo prazer em lhe dizer
aquelas coisas. Eram picuinhas normais entre irmãs, porém dispensáveis.
Relegando Nicole a um segundo plano, mais preocupada com seu atraso que lhe permitiria
fugir pela sacada, foi ao banheiro. Depois de pronta, desceu os degraus de dois em dois. Sua
estratégia era passar rapidamente pela mãe, sem dar-lhe chances de detê-la.
– Bom dia, mamãe! – cumprimentou já de passagem pela cozinha. – Vou à praia e...
– Espere! – Constance pediu firme. Algo em seu tom fez Faith estacar, ou talvez fosse
impressão ditada por uma mente culpada.
– O que houve? – perguntou do limiar, pronta para sair.
– Não tem tempo de ir à praia – anunciou Constance. – Preciso que você me leve a um lugar.
– Não pode ser depois? – Já sentia seu coração fundo no peito.
– Não. Tem de ser agora, pois quero voltar logo. Sente, tome seu café.
Tinha perdido o apetite, mas se demonstrasse seria pior. E de toda forma precisava comer.
Acomodada em seu lugar habitual, serviu-se de pão com geleia e um copo de suco.
– Aonde vou te levar? – perguntou depois de um gole no suco de laranja.
– Até a casa dos Mills – disse contrafeita.
Aquele era o motivo do tom estranho. Faith iria revirar os olhos, compartilhando seu
desagrado, mas flagrou o olhar conspirador da irmã então optou por lhe piscar.
– Por que quer ir até lá? – Estava mesmo interessada.
– Ontem seu pai insistiu para que eu fosse ver como está o garoto. Como lhe disse será
rápido. Quero voltar logo, então coma para sairmos.
– Você sabia desse passeio? – perguntou diretamente à irmã.
– Claro! – Nicole deu de ombros. – Eu atendi o rádio. E não esqueça o que lhe falei...
– Pode deixar... – resmungou antes de comer em silêncio, lamentando não ter trazido seu
celular consigo.
Poderia ao menos mandar uma mensagem a Jonathan avisando que faltaria ao encontro. Teve a
chance quando voltou ao quarto para trocar o short e a camiseta, por um vestido discreto. Para
sua consternação, descobriu seu aparelho sem bateria. Ironia! Não poderia se comunicar com
Jonathan por estar sempre distraída por ele. Paciência.
Faith se encontrou com sua mãe já a lhe esperar ao lado da pick up. Antes de sair olhou para
a trilha na esperança de ver Jonathan a voltar da corrida, contudo o caminho estava deserto. O
jeito foi partir de uma vez para abreviar a volta, como sua mãe desejava.
– A que horas chegou ontem? – esta perguntou. – Semana passada não era a última aula?
– Não ainda – ela disse desconfortável pela primeira vez ao tocar naquele assunto com a mãe.
– Uma das últimas... Está quase acabando.
– Espero que acabem de uma vez. Não gosto que chegue muito tarde.
– Também estou cansada... – falou a verdade.
– Bom... E como está com Peter? Fizeram as pazes?
– Fizemos – respondeu sem conter um sorriso luminoso.
– Fico feliz. – Constance lhe sorriu de volta, inocente. – Seu pai também estava preocupado.
– Mas porque foi dizer para ele? – Faith a encarou brevemente antes de voltar os olhos para a
estrada.
– E por que não contar? Ele é seu pai e gosta do rapaz.
– Tudo bem! – anuiu. – Depois o tranquilize.
– Farei isso. – Ao falar, liberou um suspiro e prosseguiu: – Fico preocupada com Nicole.
Também queria que tudo estivesse bem no relacionamento dela, mas esse desaparecimento...
Não quero alarmá-la querida, mas eu e seu pai já perdemos a esperança... Achamos que o pior
aconteceu e só esperamos pelo dia da confirmação.
– Como é? – Faith olhou para a mãe, brevemente. – E toda aquela conversa de que ele logo
voltaria?
– Falamos isso para não entristecer sua irmã – explicou. – Ela não se mostrava muito
entusiasmada, mas eu conheço minha filha. No fundo ela amava Joe.
Muito no fundo, Faith poderia acrescentar, mas se calou. Sua mãe sempre seria mais feliz no
mundo rosa no qual vivia.
– então não vamos perder a esperança, certo? – pediu.
– Infelizmente não há esperança, querida – a mãe retrucou lamuriosa. – Vá se acostumando,
pois logo teremos de consolar sua irmã.
– Se é assim, está bem...
O pensamento de seus pais era também o dela, mas folgava em saber que a irmã sofreria o
mesmo que ela própria; apenas a perda de uma vida jovem, não um noivo amado. Cansada
daquele assunto, Faith tratou de introduzir outro, perguntou sobre o pai e o irmão. Depois da
partida, não conversou com eles um dia sequer. Faria naquela noite. Ainda os queria longe, mas
sentia-lhes a falta. Antes que as informações da mãe findassem, chegaram ao seu destino.
Spencer veio recebê-las à porta. Apresentava o rosto mais corado e não parecia tenso como
da última vez que o viu.
– Ao que devo a visita? – perguntou jovial a aproximação das duas.
– Elliot me pediu que viesse pessoalmente ver como está seu filho – Constance informou. –
Ele está melhor?
– Está sim... Venham! – Antes de levá-las para dentro, informou a alguém que não podiam ver.
– Temos mais visitas.
Ao entrar, Faith descobriu que os boatos poderiam conter um fundo de verdade afinal.
Sentada ao lado de Tyler, Maggie parecia muito à vontade; satisfeita até que seus olhos
pousassem nas recém-chegadas.
– Fay! – Tyler exclamou feliz em vê-la. Certas coisas demorariam a mudar, Faith constatou
enquanto era apertada entre os braços do rapaz. – Senhora Green – ele cumprimentou somente
ao deixar a amiga.
– Vejo que a costela já está boa – Faith comentou em tom de gracejo antes de se voltar para a
colega. – Oi Maggie.
– Oi – Maggie falou no geral, acenando para mãe e filha. Mal ocultando seu desagrado,
levantou. – Bom, agora que tem mais visitas acho que vou embora.
– Mas acabou de chegar! – Tyler comentou com o cenho franzido. – Pensei que a gente fosse
conversar.
– Maggie, não vá por nossa causa – pediu Constance. – A visita será breve.
Faith agradeceu a intervenção. Não queria intervir no estivesse acontecendo ali, nem estragar
um possível romance em evolução. Como pensou antes, seu amigo precisava de alguém melhor
do que ela. Até mesmo Maggie era melhor!
– Se é assim. – A garota deu de ombros, encarando Faith. Logo se voltou para Tyler e sorriu.
– Vou até a casa de Dorothea ver como estão as crianças.
– Está certo! – ele anuiu. Com a saída da moça, ele voltou sua atenção à amiga. – Que bom
que veio. Eu estava pensando em te procurar. Queria conversar com você.
Por um segundo o coração de Faith falhou, temendo ter entendido tudo errado e que o amigo
tivesse alguma recaída, mas descartou a hipótese. O Tyler perseguidor não pensaria a respeito,
agiria.
– Desculpe não ter vindo antes. – Faith encolheu os ombros, culpada. Era péssima amiga.
– Bom... Já que vão conversar e vejo que está bem, vou ver o que Spencer foi aprontar na
cozinha. – Constance anunciou antes de deixá-los. – Não se estendam...
– Visita relâmpago? – Tyler zombou.
– Pois é... Mas pelo menos estou aqui. O que queria conversar? – perguntou ao se sentar.
Então troçou, apontando a porta: – Quer falar da sua namorada?
– Maggie não é minha namorada – ele negou sem tom especial. – Acho que tão cedo não
quero saber disso, mas ela tem sido uma boa amiga.
– Já é um começo – Faith retrucou, desejando que o amigo logo mudasse de opinião. – Então
me diga o que queria?
– Bom... Na verdade não tenho um assunto específico. Só sinto falta de nossas conversas. –
Foi a vez de Tyler encolher os ombros. – Era bom quando não estávamos brigando.
– Era sim – ela concordou, mas não poderia encorajá-lo. – Só que ainda acho cedo para a
gente retomar qualquer tipo de conversa. Ainda não é o momento...
– Entendo! – ele se afastou. – É por causa dele?
– Tyler, não... – Não poderiam falar sobre Jonathan com Maggie por perto, com Constance a
dois passos.
– Tudo bem! – Ele colocou as mãos nos bolsos da calça. – Tenho de me acostumar que não é
mais da minha conta. Apenas me diga se está bem.
– Estou bem, Tyler. – Faith se levantou. – De verdade. E quero o mesmo para você... Espero
que um dia se acerte com Maggie ou qualquer outra. Quero que você seja feliz.
– Obrigada. Também quero o mesmo, por isso me preocupo...
– Não precisa... Agora me diga você, está mesmo bem daquela queda esquisita?
– Quase pronto para outra – ele zombou e, piscando matreiro acrescentou: – Mas não conte
para Maggie... Ela é divertida, quem diria? E sua mãe me manda uns bolos da hora.
– Não vou contar – disse rindo. Antes que dissesse qualquer outra coisa, ouviram as vozes de
seus pais vindo da cozinha.
– Tem certeza de que não aceita uma xícara de café? – Spencer insistia com Constance. Ao
chegar à sala falou para Faith. – E você?
– Não, obrigada... Como mamãe já disse era mesmo uma visita rápida. Outra hora eu volto
com mais calma.
– Promete? – Tyler indagou ansioso. De fato era cedo, mas não precisava entristecê-lo com a
verdade.
– Prometo!
As despedidas foram breves, assim como o aceno que Faith deu a Maggie que deixava a casa
de uma das vizinhas de Tyler quando já estavam acomodadas na caminhonete. Pelo torcer de
lábios da outra, a moça soube que nunca seriam grandes amigas, mas não se importava. Se
Maggie fosse mesmo divertida – como ela duvidava que fosse – e conquistasse o coração do
amigo ainda interessado nela, sempre lhe seria grata.
No momento a interessava saber que ainda estivesse bem, pois não avisou de seu atraso ou
sua falta e mesmo que já tivesse maior acesso à vida de Jonathan ou à cama dele, não acreditava
que a bipolaridade estivesse extinta. E era fato que o deixou esperando sem prévio aviso. Com
a mãe ao seu lado, sufocou o gemido de agonia. Ao cruzar a praça, descobriu a igreja com as
portas abertas e antes de chegar à sua casa já tinha tomado a decisão.
– O que acha de voltarmos à igreja? – arriscou, dando início ao plano.
– Agora? – Constance estranhou. – Para quê?
– Primeiramente para pedir por Joseph, para que ele apareça. Ou ainda para que papai tenha
uma boa pescaria. Estou com o resto da manhã livre.
– Mas eu não estou... Quero cuidar de minhas coisas.
– Precisaria de minha ajuda? – Sabia a resposta.
– Não... Faça o que quiser com seu tempo livre!... – disse ao saltar em frente a sua casa.
– Então não se importa se eu for?
– Não, mas não demore... Quero vê-la almoçar antes de sair para Wells. Você está muito
magra para meu gosto.
– Não tenho porque demorar – disse, calando sua alegria.
Como em todas as outras vezes, ao se aproximar, tinhas as pernas bambas e o coração aos
saltos por não saber como seria recebida. Ao que parecia, nunca saberia. Por sorte, não foi
barrada por ninguém e logo entrava na igreja. E mais uma vez seu coração saltou frenético, ao
se lembrar de Jonathan a ministrar a missa. Tão bonito!
Contudo preferia que ele nunca tivesse de usar aquela batina que constantemente a lembrava
de que ele nunca seria inteiramente seu. Infelizmente usava e ela teria de se acostumar uma vez
que aquele fora o caminho escolhido. E tortuoso que a obrigava a dar voltas para que chegasse
até Jonathan. Era assim que se sentia ao ter de se ajoelhar e esperar até que as duas mulheres
que já se encontravam a rezar, cada uma ao seu tempo, se levantassem e partissem.
Depois de ficar sozinha, quando considerou seguro, caminhou para a sacristia contando os
passos que ecoavam. Encontrou Jonathan sentado à mesa, mirando a porta demonstrando que a
ouvira chegar. E sua expressão não era nada amigável.
– Oi – ela disse timidamente, sorrindo, incerta. Sem ter uma resposta, caminhou até se
colocar diante da mesa. Todo o tempo os olhos muito azuis estiveram em seu rosto. Com certa
dificuldade em sustentar aquele olhar, perguntou: – Não vai me responder?
Iria. Depois, pois no momento queria olhá-la de perto. Provavelmente por ter dormido ainda
cismado com a história que nomeou a cidadezinha ele tivera uma noite de sonhos conturbados,
onde a via chorar sem que nada pudesse fazer, pois estava longe, muito longe. Despertou com o
peito oprimido, o corpo livre de desejo. Queria vê-la, porém ela não apareceu ao encontro.
– Não vai ficar todo estranho só porque eu não apareci na praia, não é mesmo? – perguntou a
desenhar círculos aleatórios no tampo da mesa por ter se tornado incômodo sustentar o olhar
fixo aliado àquela roupa intimidante. – O senhor sabe que será assim... Nem sempre dará certo.
– Eu sei – Jonathan falou por fim –, mas não gostei de esperar.
– Não tive culpa – Faith se defendeu arriscando olhá-lo. – Tive de levar minha mãe à casa
dos Mills.
– Na casa do Tyler – Jonathan corrigiu, impassível. – Poderia ter me avisado. Como disse,
não gostei de esperar.
– Estou aqui agora... Vim assim que cheguei. Se eu demorei foi porque tinha gente...
Ele sabia. Minutos antes a descobriu de joelhos, como se rezasse. Por estar com a mente
cheia de rancores, foi tomado por ideias punitivas ao vê-la em posição tão sugestiva. Antes de
sua entrada tentava racionalizar, afinal, como citado, nem sempre daria certo. Infelizmente, ter
sido trocado por um encontro com o pirralho não ajudou a demovê-lo.
– Eu vi.
– Então por que está assim todo sério? – Sem poder com olhar incisivo, baixou o seu para a
ponta do dedo que ainda vagava sobre a mesa e reclamou num murmúrio: – Nem me
cumprimentou direito...
– Olhe para mim – ordenou. O tom combinava com a postura rígida, ainda assim Faith o
estranhou e foi com o coração aos saltos por não saber o que viria que o atendeu. Quando mirou
os olhos soturnos, a adrenalina a eriçou e enregelou. – Eu a cumprimentaria direito quando
chegasse à praia. Mas você não foi não é mesmo?
– Mas a culpa não foi minha... – ela voltou a dizer, incrédula. – Minha mãe...
– O que sua mãe faz não me interessa – Jonathan a cortou, saboreando intimidá-la. – Como eu
já disse, poderia ter avisado. Afinal me deu o presente justamente para essas situações, não?
– Foi – disse simplesmente. Parecia que as justificativas seriam vãs. – Me desculpe por
deixar que esperasse à toa. Não vai se repetir.
– Disso não tenho dúvidas, mas aconteceu hoje – lembrou-a, trêmulo em expectativa. – Como
ficamos?
– Não tenho como consertar, senhor. Então é só desamarrar essa cara, me perdoar e me
beijar... Já estará muito bom para mim – ela arriscou.
– Seria fácil para você e pouco para mim – ele retrucou antes de introduzir sua ideia de
reparação. – Ontem se mostrou bem disposta a ser punida caso me aborrecesse, ainda vale para
hoje?
Logo Faith acreditou entender que se tratava de um jogo. Recordando como a reprimenda na
estrada se tornou muito quente, ansiou jogá-lo.
– Sempre que achar necessário, senhor – assegurou já excitada.
– Boa menina! – Jonathan sorriu, satisfeito.
Não sabia de onde vinham aquelas ideias, mas antevia o prazer que sentiria ao finalmente
fazer uso de seu prêmio. Antes de se levantar para verificar o movimento do salão, tirou a
palmatória da gaveta e a deixou sobre a mesa, como preparação. Ao vê-la, Faith uniu as
sobrancelhas e sentiu seu coração bater mais forte. Não era bem aquilo que tinha em mente.
– Reconhece? – ele perguntou ao voltar depois de encostar a porta; estavam sós.
– É uma palmatória – Faith nomeou sem tirar os olhos do objeto. Aquele jogo talvez não fosse
tão divertido. – Mas não pode usá-la. Isso deve doer e eu preciso dar aula hoje.
– Não se preocupe – pediu Jonathan antes de pegar a palmatória e se aproximar. Mostrando-a
de perto, falou diretamente ao ouvido da moça: – Vê... Não é uma palmatória qualquer... É a que
usou durante aquela sua dança indecente.
– Mas como pode ser? – ela se lembrava de ter jogado para quem quisesse pegar. Imaginar
que desde aquela vez ele a assistia e, sem saber, atirou-a diretamente para Jonathan, roubou-lhe
o ar. – Foi o senhor quem a pegou...
– Infelizmente, não – ele novamente sussurrou com os lábios roçando sua orelha, fazendo-a
estremecer. – Eu a tomei de quem pegou. Era minha e agora vou usar em você, como quis fazer
naquela noite e como hoje bem merece.
– Mas minha aula... – ela tentou explicar, e se calou ao sentir a mão livre de Jonathan
acariciar uma de suas nádegas ritmada e lentamente. Agravando a leve excitação como o hálito
morno vindo com o sussurro cantado acima de seu ouvido.
– Já disse que não tem com o que se preocupar, cara mia...
Então, como se ele tivesse se esquecido de onde estava, com a mão livre ergueu a barra do
vestido dela e desceu um pouco a calcinha. Com as nádegas expostas, Faith, incrédula, arfou
quando Jonathan a acariciou delicadamente, relaxando-a, excitando-a mais. Para ela aquele
seria um castigo suficiente, pois seu centro doía e sabia que ali, não iria tê-lo.
Sim, não estavam em local adequado, ainda assim, apoiando as mãos na borda da mesa, Faith
inconscientemente ergueu o traseiro, oferecendo-se. Deleitava-se com a mão macia, desejando
que esta a explorasse mais, quando Jonathan ordenou roucamente:
– Não se atreva a gritar. – A palmada veio repentina e forte, obrigando-a a morder os lábios
para não desobedecê-lo.
Fascinado pelo gemido contido e a visão da vermelhidão imediata que tingiu a carne alva de
sua amante faltosa, Jonathan calou o seu próprio arfar de pura satisfação. De imediato correu a
mão sobre a carne atingida para sentir a quentura. Perguntava-se o quanto deveria estar dolorido
quando Faith voltou a se oferecer. Faria o que ambos queriam. Atingiu-a na nádega oposta e
novamente se deleitou com a lamúria sofreada.
Àquela segunda palmada mais duas se sucederam sempre alternadas e antecedidas de um
carinho dúbio sobre a porção agredida. Faith chorava sem nem saber o motivo, pois apesar da
ardência latejante, descobriu ser tão fetichista quanto Jonathan. Talvez por no fundo saber que
merecia ser castigada. Não pela falta no encontro, mas por todas as coisas erradas que já fizera
– e ainda faria – em sua vida. Trêmula por espasmos quase orgásticos, ela empinou-se à espera
de mais, contudo Jonathan pareceu satisfeito.
– Basta! – disse-lhe ao ouvido depois de depositar a palmatória sobre a mesa e se emoldurar
às suas costas, mostrando o quanto aquele castigo também o afetou. Quão fácil seria libertar sua
porção enrijecida e colocar-se em Faith para dar vazão à luxúria? Muito fácil e eclodiria numa
satisfação gloriosa, contudo Jonathan ainda conservava um resquício de sanidade – Qui non è il
posto...
Faith não queria saber o que ele dizia, apenas ansiava pela posse e foi à procura dela que o
provocou, movendo o corpo de encontro ao dele. Como resposta foi girada e colocada sobre a
mesa. Emitiu um lamento pela súbita dor dardejante, mas logo foi silenciada por uma boca
ávida. Em meio ao beijou tentou prendê-lo num abraço, porém foi deixada bruscamente.
Evitando olhar para a moça arfante sobre sua mesa, Jonathan abriu a porta e depois de
verificar que o salão continuava vazio, voltou até ela.
– Desça e se arrume – pediu muito rouco, já livre do rancor que o moveu. – Preciso que vá
embora.
– Mas eu pensei... – ela começou confusa, de fato esquecida de onde estavam.
– Como disse, aqui não é o lugar – cortou-a. E, segurando-a pela nuca, permitiu-se um último
beijo. Apenas um mover de lábios que não agravaria a revolta de sua parte não atendida. – Sua
falta está completamente quitada. O restante nós retomamos à noite.
– Não sei se poderei vir aqui – ela falou, correndo o dedo indicador por sobre aquele pedaço
de tira branca fixado no colarinho dele, ainda excitada, desejando arrancá-lo como se, uma vez
livre daquele símbolo, Jonathan deixasse de ser o que era e não fosse pecado mortal aplacar
aquele fogo que a consumia.
– Eu irei até sua casa – informou ao se afastar, pois a proximidade quando ainda estava tão
estimulado, não ajudava. – Quando sua irmã dormir você desce, estarei esperando. Tente não
demorar, mas se acontecer eu acho que tenho uma boa ideia do que posso fazer com você. Agora
vá de uma vez.
Capítulo Vinte e Sete

Com apetite renovado, Jonathan comia o tanto que se serviu, considerando acrescentar a gula
aos seus tantos pecados cometidos e repetir a porção.
– Nunca o vi com tanta disposição para minha comida – comentou a Sra. Williams, satisfeita.
– Não por culpa dela, tenha certeza – ele assegurou entre uma garfada e outra.
– Eu sei. Tem sido bem tumultuado desde que o senhor chegou... O piquenique, o ataque ao
seu tio, a reforma... Como já comentei, é muita responsabilidade para alguém tão jovem.
– Faz parte do que escolhi – falou sem entonação, apenas expondo um fato.
– E eu acho isso tão bonito! – ela exclamou enlevada. – Ver que ainda tantos rapazes abraçam
o sacerdócio.
Mais do que nunca Jonathan duvidava de que tivesse abraçado uma vocação. Todo aquele
fogo abrasador atiçado pelo prazer em castigar uma mulher e que o compelia a comer
compulsivamente não era próprio a alguém convicto do caminho que seguia. Verdade fosse dita,
estava mais à vontade com a situação. Não se sentia uma fraude, mas cada vez mais reconhecia
ser o caso. Preferia se lembrar, mas como não aconteceria, já ensaiava ter uma séria conversa
com Carlo quando este regressasse.
O pensamento trouxe outra lembrança coligada que o livrou da imagem perturbadora da carne
avermelhada – e dolorida – de Faith. Sua amante não sanou sua curiosidade na noite anterior,
talvez alguém mais velha o fizesse aquela tarde. Depois de tomar um gole de água, falou;
– Sempre haverá Sra. Williams, sempre haverá... Eu jamais duvidei do que queria ser e
acreditei estar pronto para o que viesse... Só não imaginava que minha primeira paróquia
ficasse em um lugar tão agradável. É realmente uma bênção estar aqui como me disse em meu
primeiro dia.
– O senhor ainda se lembra! – Sarah estava envaidecida.
– Evidente que sim... A senhora foi a primeira que conheci e jamais me esquecerei de nenhum
detalhe de sua prestimosa recepção. – Ao ganhar um sorriso luminoso, acrescentou: – Outra que
igualmente me recebeu muito bem e até nos forneceu as primeiras refeições antes que a senhora
o fizesse, foi a Srta. Campbell... Vocês duas são muito queridas por mim e por meu tio.
– Fico tão feliz em ouvir isso, senhor. Grace é mesmo uma boa mulher. – Condoída,
comentou: – Pena ser sozinha. Tenho certeza de que seria boa esposa, boa mãe... Fico triste em
ver o tempo passando sem que ela nunca se interesse por ninguém. É como se nenhum homem
fosse bom o bastante ou...
– Ou... – Jonathan a encorajou. Depois de ponderar um instante, ela concluiu:
– Ou ela ainda tenha medo de se relacionar com alguém.
– E por que ela teria medo? – indagou de modo casual.
– Não sei se devo lhe dizer essas coisas, senhor... – a senhora falou indecisa.
– Bom, se não se sente à vontade eu a entendo – disse apenas levemente decepcionado, pois o
mais provável fosse ela lhe contar; ela queria aquilo.
– Ah! Que mal pode haver?
– Eu digo que nenhum. – Jonathan encobriu seu contentamento. Antes que terminasse sua
frase, a Sra. Williams já estava sentada à sua frente para segredar:
– Parece que Grace tinha um noivo antes de vir para cá... Isso foi há mais ou menos vinte e
cinco anos. Grace nunca fala de si mesma, mas logo que chegou ficou hospedada na casa ao
lado da minha. Eu era muito amiga de Rebeca e soube por ela que sua hóspede tinha acabado de
vir da Itália. Não sei como ela foi parar lá, mas parece que o tal noivado não deu certo, então
ela voltou. Eu sempre achei isso muito estranho, mas o fato é que ela, mesmo sendo tão novinha,
teve dinheiro para comprar onde hoje é sua lanchonete.
– Entendo – exalou alheio. Ao menos a estada na Itália era verdadeira. Gostaria de saber
mais, mas não se lembrava de nenhuma Rebeca. – Essa vizinha se mudou?
– Não. Faleceu tem alguns anos então seu marido e filho foram embora.
– Lamento... Mas me diga, quando Rebeca lhe contou essas coisas, disse de qual cidade a
Srta. Campbell veio?
– Não estou lembrada... – Sarah lamentou, contudo arriscou: – Não era um nome de cidade
italiana que costumamos ouvir como Roma ou Veneza... Começava com “Te” ou “Ti”, disso eu
tenho certeza, mas essa minha cabeça já me confunde às vezes... Imagina como é complicado
lembrar nomes desconhecidos que ouvi há mais de vinte anos.
– Imagino – Jonathan já estava esquecido da comida, ansioso tentou ajudá-la. Ainda sem
querer crer, começou pelas improváveis. – Seria Terni? – Sarah negou concentrada em se
lembrar. – Teramo... Tivoli...
– Tivoli? – ela experimentou o nome, então consternada falou. – Não sei... Pode ser esse, mas
não tenho certeza. Desculpe.
– Não se preocupe – disse levemente contrafeito. – Era apenas curiosidade.
– Compreendo... O senhor conhece alguma dessas cidades?
– Uma delas vagamente – murmurou. Não mentia, pois sua mente livre de lembranças
guardava quase nada de sua cidade natal. Sarah Williams não confirmou, mas notou certa
familiaridade com o nome; não poderia ser coincidência. Estranho era imaginar Grace em
Tivoli quando o certo seria ter morado em Agnani, próximo ao seu tio. – É uma história
interessante a dela. Ainda mais para alguém tão jovem.
– Pois é... – a senhora prosseguiu alheia à expressão ansiosa do padre. – E tem mais... Antes
de vir para nossa vila, Grace tentou se matar por causa desse tal noivo. Muito triste... Espero
que Deus a perdoe pelo pecado no dia do juízo...
– Acredito que ela já tenha se arrependido. Ele já a perdoou – retrucou. Sua mente num
turbilhão de informações desencontradas.
– Eu acho que ele a agredia, pois nos primeiros dias ela era uma garota muito assustada.
Arredia é a palavra – Sarah continuava estimulada a falar. – Eu acho isso uma temeridade.
Homem nenhum tem o direito de bater numa mulher.
Jonathan não estava certo quanto àquilo. Compartilhava a aversão por espancamentos
gratuitos que as ferissem, mas depois do que fez na estrada e na sacristia há pouco mais de uma
hora, considerava não só agradável como altamente estimulante distribuir alguns tapas no
traseiro de uma mulher; no de Faith especificamente. O pensamento não lhe despertou qualquer
desejo, apenas constatava o óbvio. De toda forma estava muito envolvido com o que ouvia para
se deixar arrastar pela lascívia.
– Também considero uma temeridade – concordou.
– Claro que sim! – ela reiterou, inflamada com o próprio discurso. – Uma mulher quer antes
de qualquer coisa um homem que a proteja de tudo e de todos, não que a maltrate ao ponto de
traumatizá-la como aconteceu com Grace.
Após o último comentário de sua vizinha, para Jonathan, não se tratava mais de Grace. Não
era o caso de reconsiderar o que fez, pois estava claro que sua amante gostou tanto quanto ele
das punições que lhe aplicou. Preocupante era a falta de proteção. Ele se satisfazia dando o que
ela queria, mas era só. Nunca seria aquele homem que protegeria sua mulher das adversidades
que viessem. Naquele momento Faith precisava dele não para manter suas nádegas quentes ou
suas dobras preenchidas. Precisava de alguém com pulso firme que tomasse as rédeas da
situação e a livrasse da chantagem sofrida.
– A senhora tem razão – falou para encerrar o assunto. – Obrigado por me deixar conhecer um
pouco mais de minha amiga... Qualquer outra hora eu quero ouvir a sua história. – Quando a
senhora abriu a boca como que para iniciar a nova narrativa, gentilmente a interrompeu: –
Infelizmente não agora. Já me estendi demais... – Lembrando algo importante, acrescentou: –
Ocupei-a com minha curiosidade e nem lhe perguntei o que devia... Preciso saber quem era o
coroinha do padre anterior... Acho que já é hora de chamá-lo de volta. Com meu tio ausente
preciso de alguém que me auxilie.
– Ah!... Era o Tommy, senhor, mas agora ele ajuda o pai no barco. E infelizmente nunca soube
de nenhum outro que se interessasse.
– Então depois verei o que farei – disse ao se levantar. – Mais uma vez, obrigado! Vou
descansar um pouco. Sinta-se à vontade para deixar tudo como está. Mais tarde eu arrumo.
– De forma alguma, senhor... – ela negou já de pé. – Vou para minha casa assim que deixar
tudo limpinho.
– Faça como desejar. Boa tarde, Sra. Williams.
Jonathan ouviu a reposta já à saída da cozinha. Em seu quarto, não pôde evitar que seu corpo
reclamasse a falta de sua amante ao considerar a cama muito espaçosa sem ela. Tal pensamento
agravou a raiva igualmente crescente. Era contraditório ser homem suficiente para romper com
seus votos, copular com uma mulher, puni-la e ainda assim continuar incapaz de enfrentar
alguém equiparável em gênero e força.
Cada vez mais sentia que para ser merecedor de fazer o que fazia tinha de assumir sua
hombridade por completo. Antes de Faith, ele próprio resolveria aquela situação. Que mal
poderia haver? Ninguém naquela boate maldita o conhecia então poderia muito bem procurar o
tal Barry e chamá-lo para uma conversa entre iguais.
Antes mesmo de deixar sua cama e começar a se despir do padre, já apreciava a ideia. De
cueca, vasculhou o guarda-roupa à procura da calça jeans. Vestiu-a e, depois de se calçar,
marchou para a cômoda. Da segunda gaveta retirou uma camiseta. Depois de vesti-la, sem nem
saber por que, da primeira gaveta retirou o punhal deixado dias atrás. Rolou-o em sua mão e,
antes que pudesse pensar sobre o que fazia, enfiou-o no cós da calça, nas costas, enviesado.
Ato contínuo tirou-o rapidamente. O que tinha na cabeça? Não sabia, apenas agiu por reflexo
e naquele breve instante se sentiu inexplicavelmente protegido. Após olhar a arma branca por
alguns minutos, tomou-a mais uma vez e a recolocou no cós da calça; sem temer se ferir. Vestiu
sua jaqueta e, depois de pegar a chave de seu jipe e seus documentos, deixou o quarto. Por sorte
sua cozinha já estava vazia. Poderia sair sem ser visto; daria satisfações depois.
Enquanto Jonathan guiava a caminho de Wells sua metade cônscia quanto à necessidade de
reserva tentou demover o homem determinado, sem sucesso. Estava decidido a encontrar uma
solução ao problema de sua mulher. Não poderia ser – não se sentia ser – alguém passível ao
ponto de permitir que ela continuasse a se exibir sem nada fazer.
Ao se aproximar da casa noturna, toda sua excitação se convertera em desejo de ação. No
entanto esta arrefeceu tão logo Jonathan avistou o galpão com pretensões em ser uma ilha.
Diante dele estavam três viaturas de polícia com suas luzes vermelhas e azuis piscando
freneticamente, sem alardes. Sua primeira vontade fora parar e descobrir o que se passava, mas
sua cautela o fez seguir caminho como se nada tivesse visto. Teria tempo de retornar antes da
próxima quinta-feira.
Como não conhecia outra saída, Jonathan fez o retorno a alguns metros e voltou pelo mesmo
caminho. Passar duas vezes pelo mesmo lugar num curtíssimo espaço de tempo chamou a
atenção dos policias que estavam à porta. Antes que cruzasse pelas viaturas um deles sinalizou
para que parasse. Nesse momento Jonathan se tornou muito consciente da arma às suas costas.
Cogitou escondê-la, mas achou por bem não fazer movimentos suspeitos. Fazendo como o
indicado, apenas estacionou e esperou.
– Boa tarde! – cumprimentou o oficial que parou ao lado de sua janela aberta.
– Boa tarde! – retribuiu impassível.
– Documentos, por favor – ele pediu, polido. Jonathan retirou a habilitação do bolso traseiro
juntamente com seu passaporte e os entregou para verificação. – Estrangeiro.
– Italiano – confirmou ainda sem qualquer entonação.
– Estou vendo... Com visto religioso – observou o policial e talvez por considerá-lo novo
demais, perguntou com o cenho franzido: – O que faz?
– Sou padre. Recém-ordenado. Administro a paróquia de Sin Bay.
– Conheço – comentou. Jonathan esperou algum acréscimo uma vez que agora conhecia a
história por trás do nome, mas essa não veio. – E o que faz aqui nessa estrada? Está perdido?
– Isso – confirmou ao receber seus documentos. – Mas se voltar por aonde vim eu acho o
caminho...
– Faça isso, senhor... Pode ir agora.
– O que aconteceu naquele galpão? – perguntou rapidamente antes que o policial partisse.
– Aparentemente um suicídio, senhor – ele disse sem emoção. – Não sei os detalhes, estamos
retendo os funcionários para colher alguns depoimentos.
– Entendo... e lamento – Jonathan murmurou. – Que Deus tenha piedade da alma dele ou dela!
– Foi um homem. O dono... – informou. – Bom, vou deixá-lo seguir seu caminho e voltar ao
meu posto. Tenha uma boa tarde, senhor.
– O senhor também – Jonathan desejou antes de finalmente partir, considerando quais as
chances daquela coincidência ter acontecido.
Antes que chegasse a uma conclusão, preocupou-o que Faith mentisse quanto à assiduidade e
estivesse presa na casa noturna naquele exato momento. Depois de reduzir a velocidade, sacou
seu presente e digitou: Onde está?
Jonathan deixou o aparelho no banco ao lado até que instantes depois tivesse a resposta: Em
aula. Pq?
Deduzindo o óbvio ao ver as duas letras, respondeu: Só checando.
Ao enviar, ocorreu-lhe que poderia ser uma tentativa de poupá-lo, então enviou outra
mensagem logo em seguida: Estou na cidade. Posso ver?
Antes que Faith respondesse informando o endereço de onde estava, Jonathan já apreciava
sua ideia súbita. Como não conhecia Wells foi preciso pedir informações, mas não teve
problemas em segui-las e em pouco mais de dez minutos estacionava a porta da Arte & Estilo.
Deixando seu punhal no porta-luvas, seguiu para a entrada principal. Ao entrar descobriu se
tratar de uma loja de arte. Quadros e esculturas espalhavam-se por todos os lugares; alguns de
gosto duvidosos, mas não estava ali como apreciador. Tão logo foi recebido por uma mulher
loira e sorridente, informou de seu interesse em ver a aula vigente.
– Está pensando em trazer seus filhos? – ela perguntou, avaliando-o.
– Não. Não tenho filhos. Só queria trocar duas palavras com Faith Green... Se não for
atrapalhar.
– Ah! – a moça exclamou, medindo-o, enquanto apontava o corredor. – Ela me avisou que um
amigo viria... É naquela sala e não se preocupe. Não atrapalha.
Jonathan agradeceu com um sorriso e um aceno de cabeça antes de seguir na direção
indicada. Logo estava parado à porta e pousava os olhos em sua Faith. Agradeceu intimamente
que não estivesse envolvida na confusão instaurada na boate, mas ali, de joelhos entre tantas
crianças sentadas. Tão absorta a remexer os papéis espalhados pelo chão que quase se
assemelhava a uma delas. Antes que identificasse uma pontada fina em seu peito, sua vigília foi
delatada.
– Fay... – a menina chamou a atenção de sua professora. – Veja!
Ao descobrir Jonathan à porta o coração da moça saltou e todo o falatório silenciou. Sorrindo
em sua direção, administrando o tremor nas pernas, ela se pôs de pé. Depois de pedir que todos
se comportassem, foi até ele.
– A que devo a honra, senhor? – Nunca deixaria de reparar como ficava bonito em roupas
normais.
– Apareceu um assunto para resolver aqui, então me ocorreu vir ver o que faz. – Não daria
maiores explicações.
– Legal! – Contente, ela lhe segurou a mão e chamou: – Venha ver o que minhas crianças estão
fazendo...
– Não! – negou veemente, já arrependido de seu impulso. Depois da constatação da noite
anterior não fizera bem vê-la à vontade em meio às suas crianças. – Já vi o suficiente antes de
ser delatado. – Brincou na tentativa de desfazer a ruga de estranheza que surgiu na testa de sua
amante. Depois de correr o dedo por sua bochecha, mostrou a ponta pintada de verde. – E não
quero ficar como você.
– Então faz bem em não entrar! – Faith relaxou ao saber que ele somente não queria ser sujo.
– Parece que eles adivinham quando estou aérea e permissiva.
– E hoje é esse dia – Jonathan arriscou, sorrindo.
– Não só hoje – ela confessou. – Tenho sido muito pintada ultimamente...
– Conheço a razão dessa alienação permissiva? – Jonathan se permitiu envolver pela leveza
dela.
– Acho que tem uma vaga ideia. – Faith mirou a boca que não poderia beijar. Resignando-se a
limitação do lugar, escusou-se quase num lamento. – Bem, fiquei muito feliz com a surpresa,
mas preciso pedir que o senhor vá embora... Tenho de entrar antes que pintem as paredes. Estou
até estranhando estarem tão quietos.
– Scusami – Jonathan pediu também a focar a boca rosada. Não fora até ali para beijá-la e
uma vez que confirmara estar longe da casa noturna, era mesmo hora de voltar a Sin Bay. – Até
a noite.
– Até a noite, senhor... – disse num sussurro e ficou a vê-lo partir até que deixasse a loja. Ao
mover os olhos para Sue, dona da galeria, esta lhe sorria, abanando-se teatralmente com um
catálogo. Faith não se enciumou com a alusão à beleza incendiária de Jonathan. Ele de fato era
bonito, verdadeiramente quente e exclusivamente seu.
Jonathan voltou à Sin Bay mantendo Faith isolada na cena que guardava da galeria. Era
precoce se impressionar com sua desenvoltura com crianças. Não a conhecia a fundo e talvez
ela apenas gostasse do que fazia. De toda forma, aquela que tomou para amante era ainda muito
nova para pensar em ter suas próprias crianças. Decididamente era cedo para se preocupar com
especulações sobre desejos futuros, determinou ao sentir seu estômago se contorcer.
Deveria se importar em saber como a morte de Barry afetaria o destino de Faith na boate.
Para ele parecia muito simples. Livre da chantagem, ela nem deveria voltar a pisar no antro
infernal, contudo ainda havia as fotos. Caso alguém as encontrasse não lhes daria importância?
Esperava que não e que sua mulher estivesse livre de uma vez por todas para virar aquela
página manchada de sua vida. E seguisse em frente... com ele.
Ao chegar à cidadezinha, estava satisfeito por sua iniciativa, mas agradecia não ter sido
preciso interceder. Tudo ia muito bem! Ou quase, recapitulou ao cruzar a praça e pousar seus
olhos sobre Grace. Vê-la a circular diante da entrada da lanchonete fez com que parte do
contentamento se esvaísse.
Uma vez que ele conhecia um pouco de seu passado, considerava-se com menos direito de ser
invasivo; e grosseiro. Antes de contornar a praça estacionou exatamente à porta da Blue Moon.
Sua proprietária lhe lançou um olhar vago antes de virar-lhe as costas e seguir para o balcão,
evitando-o. Apressado, Jonathan saltou do jipe e a seguiu. Acenou num cumprimento mudo a
Nicole e reteve Grace, segurando-a pelo ombro.
– Podemos conversar?
– Acho que já conversamos o suficiente ontem à noite, senhor – disse ela ao se voltar para
encará-lo.
– Por favor – pediu suplicante.
Grace sustentou seu olhar com o semblante impassível, porém gradativamente o suavizou e
aquiesceu.
– Está bem... – indicando uma das mesas, ofereceu: – Aceita algo? Parece tão magro... Tem
comido direito nesses dias em que seu tio não está?
– Não quero nada, obrigado! – agradeceu ainda mais culpado com a preocupação com sua
alimentação. Ao tê-la acomodada diante de si, ignorou o olhar curioso de Nicole e falou: – Vim
pedir seu perdão. Não sei o que deu em mim. Eu... Eu não tinha o direito.
– Realmente não tinha – falou sentida, juntando as mãos ao corpo instintivamente. – Mas tudo
bem... Vou considerar que o senhor tenha agido por impulso ao saber o que fiz. Apenas
esqueça... Eu mesma nem me lembrava.
– Agora está mentindo – ele retrucou gentilmente, estendendo as mãos em palma sobre a
mesa, queria que ela confiasse nele. – Ninguém esquece uma coisa dessas.
Grace olhou para as mãos dispostas e, depois de uma breve hesitação, as segurou
timidamente. Quando falou sua voz saiu embargada.
– Quero acreditar que esqueci. É melhor dessa forma, senhor. O que conta é o presente.
Animado com a aceitação, Jonathan arriscou:
– Sei que não é da minha conta... Nem tenho o direito de lhe perguntar coisa alguma, mas... Eu
gostaria de saber o que aconteceu.
– Águas passadas, senhor – ela disse, recolhendo as mãos para cruzar os braços diante do
corpo, defensiva. – Não se preocupe com isso. O importante é que está no passado, o pior não
aconteceu e agora nós estamos aqui... Todos bem! – ela atalhou rapidamente.
– A que nós você se refere? – indagou ansioso, baixando o tom.
– Ninguém em especial... Apenas forma de expressão.
– Quero contar uma coisa. – Jonathan decidiu ser direto.
– O quê? – ela lhe perscrutou o rosto, séria.
– Antes que eu diga, quero que saiba que preciso apenas entender... Foi por isso que a
procurei ontem.
– Diga de uma vez, pelo amor de Deus! – Grace implorou visivelmente abalada. Inclinando-
se em sua direção para se certificar de que somente ela o ouviria, Jonathan revelou:
– Eu vi que esteve no quarto do meu tio semanas atrás.
– Ah! Isso? – De súbito desinteressada, afastou-se. – Foi no dia em que o ajudei com os
pontos que o incomodavam.
Jonathan pôde senti o baque de seu rosto ao cair no chão. Era ingênuo ou o quê? Evidente que
os amantes sincronizaram as desculpas. Todavia não se daria por vencido.
– Isso, no dia em que cortei minha mão. Não é hábito ouvir atrás das portas, mas pelo pouco
que escutei entendi que já se conheciam.
– Impossível! – negou veementemente. – Conheci seu tio no mesmo dia em que ao senhor.
Como havia de ser diferente?
– Da Itália, talvez... – Jonathan arriscou mesmo sabendo que ela jamais admitiria.
– Certo! Eu acho que entendi o que aconteceu aqui... O senhor nos ouviu a conversar e depois
soube que estive na sua terra e confundiu tudo.
– Não acho que tenha confundido e saiba que não estou aqui para julgá-la, entendo que sejam
amigos.
– Justamente – disse mais baixo, encarando-o. – Nem há o que julgar, ainda mais quando
também tem uma boa amiga.
Merecido, contudo Jonathan não gostou do comentário.
– Não há comparação – ciciou sem nem notar, deixando evidente seu desagrado.
– Não há nada para ser comparado. Escute, não tente encontrar o que não existe. Apenas fiz
um favor ao seu tio... Se por isso ficou curioso quanto a mim, saiba que perdeu seu tempo...
Minha vida não é interessante nem guardo segredos mirabolantes. E se era só... – falou ao se
levantar – a lanchonete está vazia, mas tenho muito trabalho a fazer. Boa tarde, senhor!
– Boa tarde – disse, imitando-a. Conseguira apenas ser desculpado, mas saía contrariado sem
nada acrescentar ao que sabia. Grace parecia ser tão boa quanto Carlo em ludibriar, o problema
dos dois era que ele estava livre da cegueira. Acenando para Nicole, saiu apressado. No
momento era inútil insistir.
– Senhor, espere! – ouviu a voz atrás de si. De má vontade se voltou para a irmã de sua
amante, sem muita paciência.
– O que deseja?
– Eu pedi que esperasse, mas o senhor não me ouviu – começou à guisa de escusa por pará-
lo. – Se estiver atrapalhando, eu...
– Não atrapalha. Diga o que quer.
– Quero te agradecer por tudo o que fez por mim.
– O que fiz? – indagou com estranheza ao tom, reparando que ela parecia mudada.
– Me deu coragem para falar com meu pai, me aconselhou a tomar as rédeas de minha vida...
E é exatamente isso que vou fazer – disse decidida. – Com o desaparecimento de Joseph me
considero livre e não vou posar de viúva. Se o pior aconteceu eu lamento, pois até que gostava
dele e jamais desejei seu mal, mas vou cuidar de mim.
– E como pretende fazer isso?
– Vou embora daqui.
– Vai embora? – Jonathan perguntou com o cenho franzido. – Como assim? Já disse isso para
sua mãe? Ao seu pai?
– Direi essa noite. Acho que com meu pai em casa não teria coragem, então vou sair enquanto
ele está fora. Talvez ele nunca me perdoe, mas quer saber?... Pouco me importa!
– Nicole, não é certo pensar assim... Ele é seu pai.
– Senhor... Sei que é sua obrigação tentar manter as famílias unidas, mas a minha é diferente.
Estamos todos juntos, porém separados... Cada um no seu lugar. Acho que já é hora de deixar de
ter medo e formar minha própria família com Peter, tomando o devido cuidado para que seja
completamente diferente dessa na qual cresci.
– E o que vai fazer? Vai se casar sem o conhecimento de seus pais?
– Por enquanto não estamos falando em casamento. Peter me chamou para ir morar na casa
dele. Seus pais aceitaram e eu vou... Será só até ele conseguir um lugar para nós dois. Sei o que
deve estar pensando de mim, mas isso é algo que eu simplesmente tenho de fazer. Por favor, não
me condene...
Como ele poderia? Ou o que haveria de dizer? Ser hipócrita e pregar sobre a necessidade de
manter íntegros os valores morais e sociais?
– Não a condeno – disse livre de emoção. – Não sou ninguém para julgar... E desejo de todo
o meu coração que seja feliz, Nicole.
– Obrigada, senhor. – Ela lhe sorriu satisfeita. – Poderia me dar sua bênção?
– Que Deus a abençoe... Faça o que acredita ser certo, com a paz em seu coração.
– Assim será. – Depois de acenar, Nicole sumiu no interior da lanchonete, deixando-o livre
para voltar para sua igreja, às suas cismas, aos seus pecados.
Capítulo Vinte e Oito

A tarde pareceu ficar mais bonita. Depois da visita inesperada, Faith se tornou uma instrutora
mais participativa. Tanto que regressava para Sin Bay com tinta até mesmo em suas roupas, e
achava ótimo. Como seria diferente? Fora seu contratempo na casa noturna, tudo em sua vida
corria à perfeição. Quando se livrasse daquele entrave, somente teria motivos para sorrir.
Muito satisfeita com o todo que tinha, a moça aumentou o volume do rádio e fez coro com a
cantora pop. Cantou a plenos pulmões até que a música findasse. Estendia a mão para baixar o
volume quando o locutor interrompeu a programação para dar um informe.
– Nada novo quanto a suspeita de suicídio de Barry Reagin. Segundo nossa fonte, o
empresário do ramo de entretenimento foi encontrado no início dessa tarde em sua casa
noturna, The Isle. A polícia descartou a hipótese de assassinato e...
Faith não mais ouvia. Foi preciso estacionar no acostamento, pois mal sentia suas mãos.
Como assim Barry estava morto? Suicídio? Seria possível? Forçando o ar a entrar em seus
pulmões, Faith se obrigou a pensar. No momento ele não era sua pessoa preferida, mas nunca
desejou sua morte. Refutou-a até mesmo quando Jonathan... De súbito, uma ideia absurda
bloqueou seus pensamentos. Extraordinária para ser levada em conta, mas não pôde refreá-la.
– Pare agora mesmo! – ordenou-se em voz alta. – Está maluca? Pura coincidência... Jonathan
é um padre e por mais que tenha dito aquelas coisas, não se tornaria um assassino da noite para
o dia. – Ao se ouvir ela riu.
E logo seu riso nervoso se transformou numa gargalhada que a levou às primeiras lágrimas.
Estas se converteram fácil num pranto convulsivo. Faith chorou sua alegria por se imaginar
livre, sentindo pouco pela vida perdida. Com a morte de Barry nada mais a prendia à boate, se
possível jamais passaria por sua porta.
Minutos depois, parcialmente recuperada, ela se pôs a caminho de Sin Bay. Queria contar
para Jonathan o quanto antes, mas guardaria a novidade para o encontro. Agora, as horas que os
separavam seriam longas. Contudo não enfadonhas, descobriu ao chegar ao portão de casa. De
sua calçada podia ouvir as vozes exaltadas de Constance e Nicole. Alarmada, Faith nem mesmo
guardou a pick up na garagem, apenas correu para ver o que acontecia.
– Você não vai! – a mãe gritou para a filha do meio, esta impassível aos gritos.
– O que está acontecendo aqui? – Faith perguntou a nenhuma das duas em especial.
– Ainda bem que chegou! – Constance exclamou alterada. – Sua irmã está me dizendo que vai
embora de casa.
– O quê? – a moça mirou a irmã admirada. – Nick...?
– Foi isso mesmo que você entendeu – confirmou sem se abalar.
– E tem mais... Ela está me dizendo que vai morar com Peter... Com seu Peter! – gritou ao
repetir. Faith se preocupou com sua mãe sempre tão comedida.
– Calma mamãe... – pediu acercando-se dela. – Não fique assim.
– Como não?!... Eu achando que estivesse sofrendo com o desaparecimento do noivo e ela
traindo você!... Nunca imaginei que tivesse uma filha tão...
– Mamãe! – Faith a interrompeu antes que dissesse algo de que se arrependesse. Olhando
para a irmã, lívida ante a iminência de um xingamento, falou: – A senhora precisa saber de uma
coisa.
– Eu já tentei explicar, mas ela não quer ouvir... – Nicole falou sentida. – Começou a gritar
antes mesmo que eu terminasse.
– Sente-se aqui, mamãe... – a caçula pediu docemente. – E escute.
– Não quero escutar nada... Quero que me coloque em contato com seu pai. Elliot precisa
saber disso.
– Não! – Faith negou firme. Ter seu pai de volta pela precipitação de sua irmã era tudo o que
ela não queria. – Papai acabou de iniciar a pescaria... Não deve aborrecê-lo por tão pouco.
Pense no transtorno até mesmo para os outros pescadores que nada têm a ver com nossos
problemas... Vamos resolver entre nós três.
Constance encarou a filha por alguns instantes. Depois de dardejar o olhar na direção da mais
velha, anuiu mesmo a contragosto.
– Está bem...
– Claro! – Nicole falou com rancor. – A queridinha todos escutam...
– Agora não, Nick – Faith pediu apaziguadora.
– Como não? Vai dizer o mesmo que eu. Só que você ela vai ouvir.
– Então agradeça que ao menos uma das duas ela está disposta a ouvir – Faith ciciou
subitamente cansada.
– Estão brincando, não é? – Constance falou olhando de uma a outra até prender o olhar
ansioso no rosto de sua filha caçula. – Não vai repetir a bobagem que ela me falou.
– Se a Nicole disse que eu e Peter não temos nada um com o outro, então, vou sim... Nunca
tivemos. Sinto muito, mamãe, mas foi o único jeito.
– Enganar seu pai? Não pensaram como ele ficará? – ela indagou incrédula. Nesse momento a
moça entendeu a exasperação de sua irmã. Não queria se voltar contra a mãe, mas não se furtou
de retrucar:
– E alguma vez ele pensou como cada uma de nós ficaria?... Por favor, mamãe... Eles se
amam! Isso deve dizer alguma coisa para a senhora.
– Eu não sei – disse olhando as próprias mãos, visivelmente exausta com tudo o que ouviu. –
Preciso pensar... Eu perdi o apetite. Vou para meu quarto, se quiserem comer, o jantar está
pronto. – Constance se levantou sem olhar para Faith e ao passar por Nicole pediu, também sem
encará-la: – Só não faça nada hoje... Acho que podemos resolver isso de outra maneira.
– Sim, senhora – Nicole anuiu sem muita convicção. Faith esperou que a mãe se fosse então
foi até a irmã.
– Que novidade é essa? Quando decidiu ir embora? Pensei que fossem somente se encontrar
por um tempo.
– Não tenho mais idade para encontros em motéis, Faith. Quero um relacionamento sério e se
nossos pais não podem entender isso, que se danem!... Se nessa casa é cada um por si, vou
cuidar do meu.
Não poderia desdizê-la, nem refreá-la quando finalmente parecia ter vida.
– Então está mesmo resolvida? Quando vai?
– O quanto antes... Por mim iria hoje, mas não sei como ficaria se deixasse mamãe alterada
como está...
– Também acho melhor não fazer nada de cabeça quente.
– É... Mas estou sem paciência para essa casa... Se Peter vier me encontrar vou passar a noite
com ele.
– Boa sorte! – E sem que a irmã pudesse prever, Faith a abraçou. – Você é uma chata na
maioria das vezes, mas eu te amo!... Espero que tudo dê certo com ele.
Enquanto seguia até a pick up para pegar o material que largou para trás, Faith saboreava
certa inveja do romance possível de sua irmã. No seu caso, por mais que desse certo, jamais
poderia tomar atitudes extremas para vivê-lo por inteiro. Aquela era sua vida, pensou com um
suspiro resignado.
Quem disse que na vida se podia ter tudo?

– Buona sera, Fay.
E quem iria querer tudo quando tinha um italiano que cantava seus cumprimentos? Não ela,
determinou enquanto via Jonathan se aproximar de sua cama depois de cruzar o limiar da porta
da varanda na hora combinada. Tão distanciado do sacerdote, vestido em jeans e casaco de
moletom cinza chumbo. Os cabelos de areia umedecida aloirados artificialmente pela luz
amarelada de seu abajur. Os olhos azuis, brilhantes como fogo.
– Boa noite, senhor – trêmula, retribuiu ao se ajoelhar sobre o colchão na tentativa falha de se
equiparar em altura.
– É mesmo seguro? – ele indagou ao prostrar diante de sua amante, leve e fresca, vestida em
sua camisola de algodão. Tão convidativa que antes de se calar já corria a mão por sua nuca
delgada, recordando a maciez de sua pele.
– Como avisei, mamãe está dopada e Nick vai passar a noite fora... É seguro! – afirmou já a
baixar o zíper do agasalho. Jonathan deixou que ela o tirasse, assim como retirasse sua
camiseta, antes de requerer os lábios que desde a manhã desejou beijar.
Faith se entregou à voracidade apaixonada, aquecendo-se ao ter o bojo de sua camisola
invadido pela mão exigente que logo aprisionou um seio. Ainda de joelhos, aproximou-se mais
a ele, abafando um gemido baixo na dança de suas línguas. Este logo se converteu num lamento
lânguido quando a mão livre apertou uma de suas nádegas levemente dolorida.
– Ainda dói? – Jonathan indagou roçando os lábios aos dela, apertando mais o monte que ele
mesmo injuriou.
– Dói... – ela exalou. – Foi complicado sentar durante o dia.
Era a verdade. Não a flagrou ajoelhada durante a aula? Com um silvo de contentamento e
deleite, Jonathan retomou o beijo, aprofundando-o mais. Apertando-lhe as nádegas com ambas
as mãos, fazendo-a igualmente aumentar seu lamento. Inflamando-o, anulando o receio de estar
naquele quarto. Elevando o desejo de tão somente possuí-la para confirmá-la sua.
Faith compartilhava da ânsia sofreada pela impossibilidade de concluírem o que a palmatória
iniciou. Resolveriam naquele instante onde as palavras eram desnecessárias. Jonathan se
descalçou enquanto a deitava sobre a coberta que rescindia ao olor floral. Presos à ânsia que os
movia, apenas encontraram passagem entre os vãos de suas roupas e se uniram uma vez mais,
calando mutuamente os gemidos em suas bocas.
O temor de serem descobertos dava novo sabor ao roçar dos corpos e logo aquele frenético ir
e vir culminou num gozo libertador que desde cedo esteve à borda, levando a moça morder os
lábios para não alardear o nome daquele que a livrava da crescente agonia. Enfim, tinha tudo
bem ali, em sua cama.
Com a respiração entrecortada, o corpo trêmulo pelos resquícios de prazer extremo, Jonathan
se deixou ficar sobre sua amante por alguns instantes. De olhos fechados, sentia os corações
batendo em sincronia. Eram apenas um homem e uma mulher. A ele bastava estar com ela para
se sentir inteiro. Livre de seu cargo limitador, do passado ou do futuro.
– Está me esmagando, senhor – ela brincou junto ao seu ouvido. – Eu odiaria ter de pedir
socorro.
– Scusami – pediu ao se acomodar ao lado, recompondo-se para fechar sua calça. Faith se
estendeu junto a ele e se aninhou em seus braços. Passando uma de suas pernas por sobre a dele,
perguntou:
– Não é melhor tirar essa calça?
– Ela a incomoda?
– Não. Só queria que ficasse à vontade.
– Então deixe como está – falou, acariciando-lhe o ombro.
– Ontem eu já fui aborrecida... Hoje o senhor fica de calça e de meias... Estamos juntos há
quantos anos? – pilheriou, capturando os pingentes que começava a apreciar brincar depois do
sexo.
– Não estive contando – Jonathan retrucou de olhos fechados; muito satisfeito com os toques
fortuitos que recebia em seu peito enquanto ela rolava a chave e o crucifixo. – Não importa o
tempo, para mim sempre será como se tivéssemos começado há dois dias.
– Vou me lembrar disso – disse como ameaça. E uma vez que a saudade fora aplacada,
considerou ser hora de contar a novidade. – Tenho uma notícia a dar.
Estranhando a mudança no tom, Jonathan a olhou de soslaio.
– Notícia? Boa ou ruim? – Não sabia o que esperar.
– Boa, sem dúvida, mas para que fosse possível uma coisa ruim aconteceu.
– Pois então conte – incentivou curioso.
– Acho que eu estou livre da boate. Barry foi encontrado morto... Parece que foi suicídio.
Notícia velha! Ele soube em primeira mão. Tanto que não procuraria por ela nas páginas
policiais do jornal que Samuel fazia chegar à igreja. Nem considerava que a liberdade dela
tivesse vindo após algo ruim, mas não diria. Apenas contaria a verdade.
– Disso eu já sabia.
– Sabia?! – Faith ergueu o dorso, apoiando-se no peito largo para olhá-lo. – Como?
– Estive na boate essa tarde – revelou sem rodeios. De imediato Faith se sentou, mirando-o
com incredulidade, recusando-se a dar asas ao pensamento que teve na estrada.
– O senhor não...? – Nem conseguiu concluir; era absurdo!
– Nem o vi – Jonathan contou, considerando-a tão bonita à luz do abajur, com os cabelos
escuros em desalinhos, emoldurando o rosto angelical. Seu anjo de perdição! Não fez o que
Faith temia, mas a cada minuto se convencia de que, por ela, poderia tirar uma vida. – Quando
cheguei a polícia já estava lá. Fiquei sabendo do ocorrido por um dos policiais. Por isso fui vê-
la. Tive medo que mentisse quanto a ir somente às quintas-feiras e estivesse presa na confusão.
– Nunca mais vou mentir ou omitir coisa alguma do senhor – anunciou ainda digerindo a
informação, descrente quanto à atitude de seu padre. – Mas o que foi fazer?
– Não sabia exatamente – confessou. – Conversar, tentar comprar as fotos... Talvez ameaçá-
lo, não sei. Agi por impulso. Precisava defender minha mulher, oras!
Com o coração inundado de orgulho e pura alegria, a moça sorriu. Jonathan se arriscou para
defendê-la! Sabia que ele não poderia se expor e que deveria agradecer a forma como tudo se
ajeitou sem ser preciso sua interferência, mas no fundo queria que fosse o contrário.
Estava curiosa a cerca do que ele poderia fazer com Barry caso este tivesse coragem de
enfrentá-lo. Contudo refutou a ideia. O dono da boate – mesmo que possuísse coragem para
tanto – estava em desvantagem quanto a estatura e idade e com certeza se valeria de seus
seguranças para resolver suas diferenças. Bem medido e bem pensado, foi tudo perfeito como
foi.
– Que bom que não precisou encontrá-lo. Obrigada pelo o que fez, senhor – agradeceu,
decidida a esquecer a boate. E maximizando o sorriso, comentou: – Essa é a segunda vez que
diz isso... Que sou sua mulher. – Riu satisfeita. – Sou mesmo, não sou?
O riso feliz aqueceu o peito de Jonathan. Queria ser dono de todos os sorrisos, pois estes
iluminavam a noite escura que era sua vida. Mesmo que com ela fosse outro homem, capaz de
pensar e fazer coisas que iam contra tudo que acreditava; tudo que deveria pregar. Quando
estava com ela nada parecia errado. Talvez Nietzsche* tivesse razão e aquilo que se fazia por
amor estivesse sempre além do bem e do mal.
De repente Jonathan engasgou mesmo estando calado. Estaria certo no que pensou? Tratou-a
por “meu amor” algumas vezes, mas somente pela necessidade de ser carinhoso. Não imaginou
que estivesse expressando o que realmente sentia. Não era apenas movido pela paixão? Naquele
instante ficou claro que não. E uma vez que reconhecia a verdade, entendeu tampouco foi
movido pela rebeldia. Ressentir-se com Carlo fora somente uma boa desculpa para ir atrás dela.
Amava aquela moça de mente indecifrável, que se colocava nas situações mais inusitadas e
despropositadas. E que, mesmo se metendo com a ralé humana, se mantinha incorruptível, jovial
e iluminada.
– Sì, Fay! – Rolando uma mecha do cabelo escuro em sua mão, falou como bem sabia que ela
apreciava. – Tu sei mia donna. La cosa più importante della mia vita. Io ti amo, angelo mio!
– Certo! – Faith começou emocionada. – Isso foi lindo de ouvir, mas eu só entendi anjo...
Traduz para mim – pediu com certa dificuldade em sustentar o olhar abrasador.
– Eu disse que sim... Você é minha mulher... E a coisa mais importante da minha vida. – O
restante ainda não estava preparado para externar. Já se expunha demais.
Para alguém que não ia ficar se declarando, Jonathan o fazia com certa frequência e com
primor invejável, Faith pensou à beira das lágrimas. Mas aquele não era o momento para choro,
nem mesmo de alegria. Mirando a boca bem talhada, estendeu-se sobre ele e o beijou. Era para
ser um beijo terno, em agradecimento pelas coisas lindas que ouviu, contudo Jonathan a prendeu
com braços de ferro e mãos decididas que a seguravam pelos cabelos para que não fugisse da
força imprimida contra seus lábios.
Logo estava livre de sua camisola e a boca ávida não estava mais na sua. Cobria-lhe o seio
exposto, provando-o de forma faminta enquanto uma mão errante acariciava aquela parte dela
que já se contraía ansiosa pela posse que viria.
– Meu senhor... – ela assobiou, contorcendo-se sob ele, instigando-o mais.
Novamente Jonathan precisava dela como no instante de sua chegada. Depois de despi-la,
deixou-a pelo tempo de também se despir, admirando o corpo nu, excitando-se mais ante tão
bela visão. Ao pairar sobre o corpo frágil, estimulado pela boca arfante, cobriu-lhe os olhos
com uma das mãos então moveu seu quadril lentamente, entrando sem pressa. Torturando-os.
– Eu te amo, senhor... – Faith declarou em meio a um gemido.
Ainda a cobrir-lhe os olhos, Jonathan urrou junto ao pescoço de flores, abalado pela
declaração minutos após dar-se conta de seus próprios sentimentos. Sua amante o amava!
Beijando-lhe a carne macia, disse entre gemidos lascivos e movimentos de sua dança lasciva.
– Anch’io, amore mio... Anch’io!
Não era o caso de entender, somente ouvir e sentir. De toda forma, enquanto se entregava ao
novo turbilhão que os envolvia com violência quase prostrante, Faith quis acreditar que em
meio às palavras ininteligíveis estivesse uma confirmação de reciprocidade ao amor declarado.
– Isso foi... Uau! – ela exalou junto ao ouvido dele quando achou sua voz, acariciando-lhe as
costas suadas, sentindo as ondulações das cicatrizes. – Preciso tomar cuidado com meus beijos
de agradecimento.
– Então era disso que se tratava? – Jonathan troçou não se lembrando de outra vez em sua
vida onde tenha sido mais feliz. – Perdoe-me pela confusão!
– Por mim, senhor, pode se confundir o quanto quiser – retrucou, movendo-se sob seu peso. –
Apenas se lembre de não me soterrar depois...
Jonathan riu manso e se afastou sem nada dizer. Sentando-se sobre a cama, curvou-se para
alcançar suas roupas. Acompanhando a intenção, Faith também se sentou para segurar-lhe o
braço.
– Fique assim – pediu. – Podemos nos confundir mais vezes...
– A ideia me agrada, mas eu precisaria me recuperar – avisou antes de vestir sua cueca. – E
como disse, não gosto de ficar despido.
– Posso perguntar por quê? – ela arriscou. Queria conhecê-lo. Não era especialista, mas
nunca soube de homens com tantos pudores. Ainda mais um eu corria regularmente e tinha cada
músculo bem definido e em seu devido lugar.
– Falta de costume. Até onde me lembro, eu nunca me mostrei a alguém.
– Eu sempre gosto muito dessa parte! – ela exclamou satisfeita, contudo, séria, acrescentou: –
Pensei que tivesse a ver com suas cicatrizes... – Afinal ele nunca mostrava suas costas.
– Não penso sobre elas – disse com indiferença. As cicatrizes realmente não incomodavam.
Não tinha vaidade.
– Então eu posso ver? – indagou esperançosa.
– Não acho que seja grande coisa para ser vista, mas se faz mesmo questão... – Jonathan se
moveu sobre a cama, ficando de costas. Ao ouvir a moça conter a respiração, pela primeira vez
ele se preocupou que a visão das marcas pudesse ser chocante. Ele próprio nunca as vira. – São
tão horríveis?
– Não são... É que... – Faith não encontrava palavras diante do que via, pois deveria ser
impossível. – O senhor é tatuado!
– O quê?! – Jonathan não pôde conter seu espanto. – Está maluca?
– Não!... – Ela correu os dedos pouco acima da base esquerda de suas costas. – Está bem
aqui.
– Impossível! – Ele deu voz ao pensamento dela, pondo-se de pé para encará-la. Faith, já
coberta com seu lençol, sorriu incrédula.
– Como pode duvidar de que seja tatuado? O senhor não só passou por todo o processo
doloroso como agora eu estou vendo – disse, indicando seu corpo.
Sem responder, Jonathan correu as mãos onde ela tocara. Para ele a pele estava normal ao seu
toque, não poderia crer que havia um desenho em seu corpo. Que ele não lembrasse não era
espanto, mas como Carlo nunca comentou o fato?
– Isso me lembra de que temos uma conversa adiada. – Faith abandonou o lençol e vestiu sua
camisola. Queria entender o que se passava. – Essa sua surpresa se soma a todas as outras
coisas de que não se lembra... Como pode?
– Eu realmente não me lembro – Jonathan murmurou para si. Então, mirando o rosto ansioso,
fez como o prometido. – Não sei muito a meu respeito, pois tenho amnésia.
– O quê?
Era estranho imaginar alguém que não conhecia a si mesmo. Contudo, aos poucos aceitou.
Ainda de pé, Jonathan lhe contou de seu acidente; do tempo em que ficou em coma e da
demorada recuperação logo depois. Faith se comoveu ao imaginá-lo naquela situação e, mesmo
contra sua vontade, passou a ter maior respeito pelo padrinho que o cuidou prestativamente.
Recordou de suas palavras quanto a uma vida difícil e a complexidade do afilhado. Não
admirava que o padre fosse um homem ambíguo.
– Por isso – Jonathan concluiu –, muito me espanta saber que tenho uma tatuagem. Eu não
poderia imaginar, afinal, segundo meu tio, eu sempre quis ser padre. Como e quando faria algo
desse tipo?
– Talvez – ela deu voz ao que começou a cogitar ainda durante a narrativa –, não tenha sido
assim... – Receosa em ir contra o tio ausente, atalhou: – Ou o senhor resolveu depois de ter feito
a tatuagem...
– È vero – disse sem pensar. Todavia as palavras dela iam ao encontro de suas especulações.
Tudo o que acreditava poderia ser uma grande farsa. A pergunta era: qual o propósito? A cada
descoberta ficava claro a necessidade de ter um único lampejo que ajudasse a desfazer os nós
cegos do novelo tão magistralmente enrolado por seu padrinho. Talvez se visse sua tatuagem
algo se iluminasse. – O que tenho desenhado na minha pele?
A pergunta súbita a confundiu por um instante, contudo logo a descreveu.
– É uma faca – linda por sinal, acrescentou em pensamento – com um “S” enlaçado a ela pelo
cabo e lâmina.
Jonathan não ouviu a conclusão. Sua mente deixou aquele quarto, subiu a rua, cruzou a praça e
invadiu sua casa até chegar a sua cômoda para ver, em riqueza de detalhes, o punhal que o
fascinava. Não poderia ser coincidência.
– Preciso ver! – imperou. Antes mesmo de perguntar por um, correu os olhos pelo quarto e ao
pousá-los sobre a cômoda, marchou até ela para analisar suas costas no grande espelho. Então
viu não se tratar de invenção. Tinha mesmo o desenho de uma faca em suas costas, mas não o
via com clareza. – Inferno! – ciciou, contorcendo-se mais.
– Espere – Faith pediu, alcançando seu celular ao lado do abajur. – Volte aqui, senhor...
Jonathan fez como pedido, ainda ruminando a descoberta. Carlo teria muito a contar quando
voltasse.
– O que vai fazer? – indagou sem notar a rispidez em sua voz.
– Apenas se vire – ela pediu um tanto intimidada ante a súbita mudança de humor. Tão logo o
fotografou, mostrou a imagem. – Veja.
Então aquela era sua tatuagem, pensou ao se sentar na beirada da cama. Era um punhal – o
cabo semelhante aos daqueles que guardava – envolvido pela letra “S”. Sade?
Provavelmente, Jonathan concluiu correndo a mão livre nervosamente por seu cabelo. Não
havia coincidência, apenas precisava saber qual a ligação. Aquela caixa sempre fora sua? Sade
seria algum apelido? Que tipo de aspirante ao sacerdócio possuía aquelas coisas? Um que na
verdade nunca fora aspirante à coisa alguma! Era a única explicação.
– Preciso ficar sozinho – anunciou ao deixar o celular sobre o colchão e se pôr de pé; não
suportava olhar mais para aquela novidade em seu corpo. Enquanto abaixa-se para pegar sua
calça, Faith o deteve.
– Não vá! Ainda é cedo...
– Não serei uma boa companhia – Jonathan falou gravemente. – Preciso entender o que isso
significa.
– E acha que vai chegar a alguma conclusão ficando sozinho? – ela indagou, segurando-o pelo
braço. – Pelo o que me disse nunca se lembrou de nada. Acha que isso vai mudar se for
embora?
– Não vai – disse duramente.
– Então vem... – chamou-o ao deitar-se sob a coberta e manter a ponta erguida para que ele se
juntasse a ela. – Tente entender aqui comigo. Dizem que duas cabeças pensam melhor do que
uma.
Jonathan hesitou. Conhecia-se e poderia ficar com péssimo humor durante suas divagações.
Contudo, estava cansado de estar sozinho. Talvez fosse o caso de nem tentar chegar a lugar
algum sem a explicação de Carlo. Poderia se aninhar nos braços convidativos daquela que
amava e procurar por um pouco mais de paz quando sabia que a tormenta logo viria.
Capítulo Vinte e Nove

Minutos depois, enquanto recebia afagos em seu cabelo, Jonathan se congratulava de ter
atendido ao chamado dela, deixando-se envolver por braços e pernas. A descoberta da tatuagem
ainda o abalava, mas não ao ponto de exasperar-se. Esta fazia parte do que ele era e deveria se
habituar.
– Não posso dormir aqui, Fay – falou, manso, pacificado pelos cuidados que recebia. Onde
Faith esteve todas as vezes que precisou?
– Então não durma, oras! – exclamou divertida, tentando manter o clima leve para que não
voltassem à tensão que antecedeu a quase partida. – Sabe que amo quando me chama assim?
– Sou íntimo, não? – indagou de olhos fechados, entregue aos carinhos, livre de ciúmes.
– Mais do que todos os outros. – Sorriu, mas logo voltou à seriedade. A curiosidade
sufocando-a. – Senhor...? Posso fazer uma pergunta?
– Pode – anuiu em alerta. – Se vou responder é outra história.
– Vou correr o risco – disse com um sorriso sem humor. – Alguma vez... Em todo esse tempo
depois de sua recuperação e que estar com seu tio... Já se perguntou se realmente queria ser
padre?
– Várias vezes. – Uma resposta fácil. Animada, Faith passou a acarinhar o peito largo.
– O que aconteceria se um dia lembrasse e descobrisse que realmente nunca quis seguir a
vida religiosa? O senhor a deixaria?
E uma resposta difícil... Sempre levantou a questão, mas nunca considerou o que faria de sua
vida caso não fosse padre. Muitas vezes se sentira deslocado, mas a verdade era que não sabia
ser outra coisa. No fundo, começava até a gostar. Não fosse o impedimento de ficar com Faith,
poderia considerar que tudo estava perfeito.
– Eu não sei – disse sinceramente, sem saber da leve decepção que causou na moça.
– Entendo – ela murmurou, tomando o crucifixo em seus dedos. O que esperava? Que ele
dissesse que largaria tudo e correria para ela? Era uma boba romântica que sem nem saber se
era amada queria competir com anos e anos de formação, com a vida que ele conhecia.
Arrependida por ter tocado no assunto, desconversou: – Que pedrinha é essa em sua cruz? É
mesmo um rubi?
– Não saberia dizer. – Jonathan estranhou a mudança súbita. Para que o assunto anterior não
caísse no vazio, comentou: – Só para completar o que dizia... Primeiro eu preciso lembrar o que
pretendia fazer da minha vida. Mas, às vezes, eu acho que nem mesmo assim. Muitos jovens não
sabem o que querem aos dezessete anos.
– Eu queria que se lembrasse – murmurou. Quando acontecesse, talvez tudo mudasse entre
eles. Poderia parecer contraditório, mas não o considerava o tipo indeciso. E isso não mudava
com o tempo. Caso Jonathan descobrisse não ter vocação alguma, mesmo que não viesse para
ela, largaria de vez a batina.
– Também quero me lembrar – assegurou. – Bem... É melhor me deixar ir embora. Já fiquei
tempo demais. Não devemos abusar.
– Está bem... – Algo no tom não deixou que ela o detivesse.
Ao ser deixada sentiu frio, sua cama pareceu imensa. Assistiu-o vestir a calça, em silêncio,
porém quando Jonathan voltou a se sentar, colocou-se às costas dele para correr os dedos nas
marcas avermelhadas. Sorriu satisfeita ao ver os músculos se contraírem.
– Isso é o oposto de me deixar ir embora – ele falou sério. – Não provoque.
– Certo! – Obediente, afastou-se. Jonathan não estava no clima para brincadeiras. – Vamos
nos ver amanhã à noite?
Sábado. Seria desapegado de seus valores ao ponto de se permitir ficar com ela horas antes
de uma missa? Com certeza não faria diferença, quando não deveria estar com ela em tempo
algum, mas se descobriu preso a uma súbita crise de consciência; necessitando de algum
resguardo.
– Não! – Foi o padre quem determinou enquanto o homem saciado vestia a camiseta.
– Por que não? – Faith perguntou com um muxoxo entristecido. – Eu vou até lá e...
– Não! – Foi veemente. Sua amante ir até sua casa seria pior. – Prefiro que nem vá à igreja.
Amanhã é dia de ouvir confissões e seria bom ficar só, antes da missa. – Mesmo que estar com
Faith lhe fosse certo, tratar aqueles assuntos com ela parecia impróprio.
– Está bem... – Faith anuiu desolada.
– Não fique assim. – Depois de vestir o agasalho, Jonathan se aproximou. – Vou dar um jeito
de nos vermos no domingo à noite. De toda forma, sempre soubemos que seria assim... Quando
Carlo voltar talvez fique ainda pior. Então me ajude.
– Está certo. – Ela esboçou um sorriso.
– Boa menina. – Jonathan se deixou contagiar por seu sorriso antes de beijá-la em despedida.
Segurou-lhe o rosto com ambas as mãos, relutando em não se render ao apelo incitado pelas
bocas unidas. Quando acreditou que sucumbiria, deixou-a. – Buonanotte, Fay!

– Faith?! – ouviu a voz da mãe vinda de muito longe. Olhando em volta a descobriu ao seu
lado, à mesa do café. – Onde está com a cabeça?
Na igreja, pensou. Sendo específica: no padre. O dia sem vê-lo não parecia promissor, mas
sempre teria as lembranças da noite para contentá-la. Como se não bastasse o sexo bom, teve
todas as descobertas. Jonathan, além de bipolar, era desmemoriado. Possuidor de um passado
desconhecido no qual poderia nem ter desejado seguir o sacerdócio. Como disse, pediria com
todas as suas forças para que ele se lembrasse, pois confiava que a verdade seria benéfica para
seu romance. Ele ainda não sabia, mas com certeza viria definitivamente para ela.
– Faith?! – a mãe alteou a voz. – Estou falando com você! O que tem hoje?
– Desculpe mamãe... Amanheci dispersa. O que disse?
– Perguntei se sua irmã não dormiu em casa.
– Não. – Nicole a liberou para dizer a verdade. – Ela passou a noite com Peter. A senhora
deveria se acostumar.
– Sei pai vai odiá-la. – Constance lamentou.
– Com o tempo ele entende. Já é hora de o capitão Green saber que não pode mandar em tudo.
Muito menos nos sentimentos de suas filhas.
– Mas a decepção... – ela deixou a frase no ar.
– Peter continuará a ser o mesmo genro que ele adorava... Só vai ficar com a filha diferente. –
Faith retrucou indiferente, chamando a atenção de sua mãe.
– Você está diferente! – Constance a olhava com atenção – O que aconteceu com vocês? Não
as reconheço mais.
– Talvez porque nunca tenha nos olhado como deveria – retrucou sem ser desrespeitosa. – E
espero que a senhora goste do que vê, pois somos essas que agora enxerga.
– Decididamente não devo falar nada ao seu pai... É muita novidade de uma vez só. De minha
parte não vou dar palpites. Vou confiar que saibam o que estão fazendo.
– Obrigada! – agradeceu por ela e pela irmã. Nesse momento ouviu o silvo do vento e olhou
para a janela. Seu pai já havia alertado sobre a mudança no tempo. Confirmando a previsão, o
dia amanhecera encoberto, logo choveria. – Será que já está chovendo em alto mar?
Arrependia-se de não ter tentado contato com o Free Soul I.
– Deve estar – Constance falou tranquila. – Mas com certeza está tudo bem... Se algo
estivesse errado Elliot já teria avisado.
– É verdade – concordou sem muita convicção. – Em todo caso mais tarde vou chamá-lo.
Ontem não falamos com ele.
Sua mãe assentiu, voltando a atenção ao seu café da manhã com apetite redobrado por não ter
se alimentado na noite anterior. Faith compartilhava da mesma fome, mas por outros motivos.
Era feliz!
– O dia está mesmo feio – Constance comentou, olhando para a janela. – Acho que não faria
mal ir à igreja pedir para todos estejam bem... Vamos?
– Eh... – Faith analisou as possibilidades. Iria com sua mãe, mas o desobedeceria. Tentador.
Repassava todas as reações que sua ida à igreja poderia gerar, quando seu celular tocou sobre a
mesa. – Um momento mamãe. – Seria muita coincidência se fosse seu padre, mas logo viu não
se tratar dele. De toda forma Jonathan era de recados, pensou ao não identificar o número. –
Alô!
– Faith? – ela não reconheceu a voz.
– Sim...
– Sou eu, Kristina. – Ao ouvir o nome, sem que pudesse evitar passou a tremer levemente,
como se sua colega stripper estivesse bem no meio de sua cozinha. – Faith, está me ouvindo?
– Estou – disse por fim, então pigarreou para limpar a voz. – Pode falar.
– Você já sabe o que aconteceu?
– Sei, sim... Uma lástima – falou, olhando sua mãe de soslaio. – E agora, como vão ficar as
coisas?
– A boate está fechada. Acho que estamos todas na rua.
– Eu lamento... – As meninas de Barry não estavam perdendo o emprego dos sonhos, mas
aquele era seu trabalho. Por elas, realmente sentia.
– Não se preocupe... Cada uma dá um jeito de se virar. E logo a família vende o galpão,
quem sabe o novo dono não nos contrata de volta.
– Acho que vou torcer por isso. – Então perguntou o que martelava na sua cabeça: – Como me
achou?
– Consegui seu número ontem, na galeria... Fui para falar com você, mas já tinha saído.
Fiz mal?
– Não! – apressou-se em dizer; gostava dela e não queria magoá-la, mesmo que preferisse se
manter longe de tudo referente àquela fase de sua vida. O problema era nunca ter lhe dito nada
sobre a galeria. Como ela poderia saber? – Só estava curiosa.
– Tenho uma encomenda para você.
– O quê? – Tudo era muito estranho.
– Acho melhor te entregar sem dizer... Tem como me encontrar na galeria?
– Não sei. – Decididamente queria distância o quanto antes.
– Venha! – ela pediu suplicante. – É importante.
– Está bem... Quando seria?
A colega marcou o encontro para dali a pouco mais de uma hora. Faith desligou sentindo o
olhar de Constance travado em seu rosto.
– Quem era?
– Uma amiga da galeria. Não somos tão chegadas, por isso estranhei ela me ligar...
– E o que ela queria?
– Ela esta com problemas e pediu para conversar comigo... Disse que eu seria imparcial.
Posso ir à Wells, rapidinho?
– Com esse tempo? – Constance falou incerta.
– Ainda nem está chovendo – salientou.
– Tudo bem... Mas não demore. Eu vou me aprontar para ir à igreja.
Faith apenas lhe sorriu. Não iria contra Jonathan afinal. Ao terminar seu café, curiosa quanto
ao presente citado, ela liberou a mãe da arrumação da cozinha tomando a tarefa leve para si. Em
pouco mais de vinte minutos rumava para seu quarto. Ao entrar pousou o olhar sobre seu ninho
de amor, com os lençóis revirados muito mais que o normal, suspirou feliz indo arrumá-lo. Com
todos os vestígios da passagem de Jonathan eliminados, trocou-se e finalmente saiu.
Pouco além do meio do caminho a chuva finalmente veio. Ao chegar ao local do encontro, os
pingos formavam uma cascata ininterrupta. Por sorte Kristina já a esperava à porta da galeria.
Sem guarda-chuva, correu em direção à pick up. Faith abriu a porta para receber sua cópia,
sorrindo.
– Sua maluca! Não poderia esperar até outro dia para me dar a tal encomenda?
– Não! – Kristina não retribuiu o sorriso. Então vasculhou a bolsa e dela tirou um envelope
pardo.
– Isso não é o que estou pensando, é? – Faith indagou descrente.
– Eu sei que não deveria ter mexido, mas não resisti. E, sim, é exatamente o que está
pensando. Pegue, são suas...
– Mas como...? – ela tomou o envelope, porém não o abriu. – Você as pegou?
– Não – negou ainda séria. – Eu bem que pensei quando estive com Barry no escritório. Você
acredita que aquele porco nojento me obrigou a ficar com ele depois que todos foram embora na
quinta? Disse que teria a virgem substituta... – divagou.
– Ele era mesmo um cretino! – Faith disse impaciente. – Se não foi você então quem?
– Um cara todo esquisito. – Kristina estremeceu, como que impressionada com a lembrança. –
Não o vi direito, estava com o capuz do casaco e óculos escuros. Disse que eu não deveria abrir
e te entregar o quanto antes. Que se eu não fizesse o que ele mandou, saberia e viria atrás de
mim... – Olhando-a de esguelha, como se não a reconhecesse, Kristina perguntou: – Com que
tipo de gente você anda se metendo, menina?
– Eu?! – Faith assombrou-se. – Eu estou entendendo tanto quanto você!Se eu tivesse pedido
para alguém pegar essas fotos essa pessoa as entregaria diretamente para mim, não usaria você.
– Faz sentido – a colega murmurou. – Desculpe ter pensado mal de você...
– Tudo bem!... Isso está mesmo confuso – encarando a stripper, Faith indagou: – Quando que
esse homem te deu as fotos?
– Ontem, depois que fui liberada da boate.
– Isso foi tarde? Já tinha escurecido? Como ele era? Branco? Negro? Ele...
– Calma! – Kristina pediu, interrompendo-a. – Não era tão tarde, tanto que ele me mandou ir
até a galeria, mas como disse você já tinha saído.
– Então foi esse cara quem te deu o endereço? – murmurou para si. Sua mente dava voltas,
mas não estava sozinha para especular. Kristina chamou-lhe a atenção.
– Foi sim. A dona lá me disse que você dá aulas de desenho e pintura para algumas crianças.
Até me deixou ver as obras que fazem... Agora me diga uma coisa – pediu, analisando-a. –
Como uma menina que tem esse tipo de vida, com família e um trampo legal... vai se meter no
meu mundo?
– Nunca tinha parado para pensar – Faith falou sinceramente –, mas tenho me perguntado isso
ultimamente. Não sei... Insatisfação. Revolta. Desejo de afirmação. Vontade de quebrar regras...
Realmente não sei. Acho que no fundo fui somente uma caipira idiota metida à esperta
deslumbrada com os dois minutos de fama daquela primeira apresentação.
– Ao menos com a parte da idiota eu devo concordar – Kristina sorriu sem humor. – Espero
que tenha caído em si depois desse susto. Se está insatisfeita com sua vida, tente mudá-la de
outra forma.
– É sério? – Faith zombou. – Vou receber lições de moral justamente de você?
– E por que não? – ela indagou com uma sobrancelha erguida, desafiadora. – Considera ser
melhor do que eu?
– De forma alguma – contemporizou –, mas estamos no mesmo barco... Você também deveria
parar de fazer o que faz.
– Alguma vez me ouviu lamentar sobre outra coisa além de um ou outro cliente com manias
bizarras? Ou me preocupar por magoar alguém? Esse tipo de coisa que Barry fez a você jamais
colaria comigo, pois não tenho ninguém... Sou sozinha no mundo e se quer saber... Gosto muito
do que faço. Não me exponho ou vendo meu corpo por insatisfações, rebeldia, nem nenhuma
dessas bobagens que afligem as filhinhas de papai.
– Acho que mereci ouvir isso – Faith murmurou, olhando as próprias mãos dispostas sobre o
envelope.
– Mereceu – retrucou a colega, segurando-lhe a mão. – Esse era o problema com Úrsula, e
com outras meninas também... Sempre soubemos que lá não era seu lugar. Eu e todas as outras
nunca a hostilizamos porque você é essa coisa fofinha, toda divertida e caímos de amores...
Você era nossa mascote – brincou – Mas sabíamos que cedo ou tarde não acabaria bem.
– Mascote... E eu sempre me achando tão superior – fungou embargada. – Sempre pedindo
para você parar de se prostituir.
– Acredite. Nunca fizemos piada de você... E eu sempre gostei de ver sua atenção comigo, só
não era o caso de se preocupar... Bom, de toda forma tudo acabou!... Agora espero que crie
juízo, se estabeleça com esse carinha que apareceu para você e siga com sua vida. Longe dos
palcos!
– Longe dos palcos!... – Faith imitou-a.
No que dependesse dela nunca mais passaria aos pés de um, reafirmou a si mesma, minutos
depois, enquanto sua melhor amiga conferia as fotos, boquiaberta. Apoiada sobre a mesa de sua
cozinha.
– Não acredito que o cretino estava te chantageando – Helen falou incrédula. – E você não
iria me contar?
– Já trago problemas demais para você – Faith se justificou. – Achei melhor que ficasse fora
dessa sujeira.
– Sou sua amiga para qualquer hora, Fay. Sei que não poderia fazer muita coisa, mas ficaria
do seu lado.
– Sei disso... Mas agora acabou! – falou recolhendo as fotos. – Fiz questão de vir aqui para
as destruirmos juntas... Como um rito final. Você estava lá quando tudo começou e agora me
ajuda a terminar.
– Espere – Helen pediu indo até seu armário. Logo voltou com uma panela pequena, álcool e
fósforos. – Vamos queimar as fotos aqui.
Depois de colocá-la sobre a mesa, esperou que a moça picotasse uma a uma todas as fotos e
as depositasse na panela. Bastaram algumas gotas de álcool e um fósforo aceso para
conseguirem uma pequena, porém eficaz, labareda.
– Posso contar que as idiotices inconsequentes acabaram? – Helen perguntou, olhando
diretamente para o fogo.
– Se não considera meu envolvimento com Jonathan uma dessas idiotices, pode sim – Faith
retrucou enquanto via os últimos pedaços de fotos se contorcerem e virarem cinzas. Ao que
parecia viria outro sermão.
– Eu considero, mas para essa eu vou abrir uma exceção e tolerar – disse, avaliando-a. – Não
posso me negar a ver o quanto esse amor maluco tem te feito bem. Está mesmo feliz?
– Completamente – Faith murmurou com um tímido sorriso. O único problema era aquele
pensamento insistente que tentava a todo custo sufocar desde que Kristina lhe entregou o
envelope. Jonathan já havia negado seu envolvimento na morte de Barry, não tinha porque
duvidar. Não deveria procurar por coisas que não existiam, principalmente quando tudo estava
dando tão certo. Ou quando não importava, emendou desconhecendo-se.
– Odeio ter de te dizer essas coisas, mas não vê que essa felicidade é passageira?
– Não é – teimou, sem ser grosseira. – Eu o amo, Helen.
– Um padre, Faith... – a amiga lembrou com pesar. – Ele nunca poderá te oferecer mais do
que tem agora.
– Realmente – retrucou ao levantar, tentando não explodir com sua melhor amiga. – Não tem
de me dizer essas coisas. Sei de todas as limitações e acredite... Não quero mais do que tenho.
Jonathan me basta. Se ele me deixar perto já fico satisfeita.
– Até quando, Fay? – ela insistiu. – E quando quiser ter um marido, filhos?
– Talvez ele desista de ser padre e me proporcione essas coisas, mas vou pensar sobre isso
quando esse dia chegar – replicou, pegando sua bolsa para partir. Já tivera seu rito de
passagem, nada mais a prendia na casa da futura cunhada. – Vou te deixar voltar aos seus
estudos.
– Talvez você devesse fazer o mesmo... – Helen falou, seguindo-a até sua sala. – Retomar
seus estudos... Conhecer gente nova. Outros rapazes...
– Talvez esteja certa quanto a voltar a estudar... Talvez eu faça algum curso, mas não quero
conhecer ninguém Helen. Entenda de uma vez por todas. Estou bem como estou!
– Então vou tentar ficar feliz por você. Ao menos está se cuidando, não é? Não vai fazer a
besteira de engravidar de um padre.
– Não se preocupe – disse livre do mau humor causado pelas palavras da amiga. – Você não
será tia de uma mulinha sem cabeça, não é isso?
– Não, sua maluca! – Helen exclamou acompanhando a mudança de clima. – Segundo a lenda
brasileira mula sem cabeça é mulher do... Ah, esquece! Apenas se cuide e se mantenha feliz.
– Anotado! – brincou abraçando a amiga. – Quero o mesmo para você. – afastando-se
perguntou. – Antes que eu vá embora, me diga... Falou com Mason ontem?
– Falei. Ele comentou a mudança no tempo, mas disse que não receberam nenhum alerta de
tempestade... Estão bem se é o que quer saber.
– Era justamente isso. Ontem não nos falamos... Mamãe e Nicole brigaram porque ela quer
sair de casa e...
– Cala a boca! – Helen pediu erguendo as mãos teatralmente. – Você me diz que Nick quer
sair de casa quando já está de saída?... Pode tratar de voltar e me contar essa história direito.
Faith apenas riu levemente e a atendeu. Ainda era cedo e estava com o dia livre. Somente o
dia, pois, antes mesmo de chegar à casa da amiga já estava decidida a dividir sua alegria com
Jonathan. Promovida por ele, ou não, era justo que visse o resultado. Assim como destruíra as
fotos com Helen, com Jonathan teria uma despedida simbólica de tudo o que fez na The Isle,
com o bônus de ter uma plateia exclusivíssima.
Capítulo Trinta

Jonathan passou o dia sentindo o peso da tatuagem. Esta parecia lhe queimar a pele como
deveria ter acontecido na ocasião em que a fez, assim como a sua imagem não lhe deixava a
mente. O punhal e a letra S: Sade. Que era ele! Tinha certeza. Contudo ainda não se lembrava.
Não aconteceu nem mesmo ao manusear a caixa, ciente de que sempre fora sua. Nem quando em
uma ânsia desesperada, passou a atirar os punhais contra sua porta até que os fincasse todos
com destreza.
Sua cabeça continuou a ser um buraco escuro e vazio. Sem lembranças, sem respostas, sem
esperança. Restou dormir de exaustão. E ao dia se obrigar a esquecer da novidade, cuidando
das contas da paróquia durante a manhã, à tarde ouvindo as confissões das mesmas penitentes.
Agradeceu que nem mesmo a chuva as demovesse de seu hábito semanal, pois ineditamente
queria atendê-las. Precisava de ocupação.
A visita inesperada ficara por conta de Constance Green. Ao vê-la, por um instante acreditou
que Faith tivesse desobedecido, mas logo viu que a mãe estava sozinha. Fora pedir pela
proteção de seu marido e filho. Por ela ficou sabendo que sua amante iria à Wells se encontrar
com uma amiga da galeria. Considerou estranho, mas esperou até o início da tarde para enviar
uma mensagem perguntando onde estava. A resposta fora breve: Com a Helen.
Tanto melhor! Temeu que fosse algum assunto relacionado à boate. Enquanto o tempo não
passasse, seria difícil esquecer. Na verdade aquele episódio ficaria gravado em suas memórias
como a tatuagem em seu corpo. Por mais que ficasse esquecida, um dia ressurgiria; era a vida.
À noite, depois de fechar as portas da igrejinha, Jonathan voltou à sacristia e retomou seu
lugar à mesa. Precisava terminar de elaborar suas leituras para a missa, rever os utensílios que
usaria; as hóstias. Como estaria sozinho, tendo apenas uma pequena ajuda da Sra. Williams,
nada poderia faltar. Esteve tão absorto em seus afazeres que se sobressaltou ao ouvir o toque do
telefone. Antes mesmo de atendê-lo sabia ser seu padrinho.
– Johnny... – Carlo falou logo após seu cumprimento. – Como está tudo por aí?
– Tudo correndo muito bem – disse secamente. – E aí?
– Tudo está indo bem também. Desculpe-me não ter ligado esses dias... Estive bem ocupado.
O Reitor me levou para conhecer algumas paróquias aqui da capital e também o ajudei com um
novo seminarista italiano. Talvez eu precise ficar mais...
– Eu prefiro que volte na data combinada – Jonathan o cortou. Então, lembrando-se de que
não poderia alertá-lo de sua urgência, acrescentou: – Isso se o Reitor Ramires não se opuser.
– Tem certeza de que está tudo bem, Jonathan? – Carlo indagou, desconfiado.
– Está... Bem, na verdade, estou ansioso. Não consegui ninguém para me auxiliar durante a
missa. – E dosando seu tom para não deixar transparecer seu rancor, falou: – O senhor está
fazendo falta.
– Peça a ajuda da Sra. Williams se for o caso, mas tenho certeza de que se sairá muito bem –
ele o encorajou. – Com o início da pescaria a assembleia não estará lotada. Conseguirá fazer
tudo por si só... De minha parte vou ver se consigo voltar na terça ou na quarta. Agora preciso
desligar... Tenha uma boa noite, Johnny.
– O senhor também... Durma em paz! – Poderia acrescentar “se puder”, mas isso seria o
oposto de não espantá-lo.
Ao desligar imediatamente o esqueceu. Teria que esperar sua volta para ter suas respostas e
não estava disposto a remoer suas questões até então. Se fosse ocupar sua mente, que o fizesse
com a saudade de sua amante. Acaso não estivesse tão imbuído na seriedade da missa, voltaria
atrás em sua palavra, contudo era melhor que ela ficasse longe naquela noite; o dever deveria
vir sempre antes do prazer.

Faith olhou da mãe a irmã, ambas caladas depois da nova discussão. Ao menos o saldo tinha
sido positivo. Constance não só aceitou o romance como a liberou Nicole para se encontrar com
Peter e passar o domingo com ele em York Harbor. Seu ex-namorado viria buscar sua irmã em
uma hora. A mãe não parecia muito satisfeita, mas era auspicioso ver que se esforçava para
tentar entender a nova postura de sua filha mais velha.
A caçula, por sua vez, contentava-se em ver que tudo ia bem. Só não apreciava o silêncio na
mesa do jantar, mesmo que em seu íntimo festejasse a proximidade de seu encontro não
agendado com Jonathan.
– Não parou de chover... – comentou para quem quisesse retrucar.
– Isso está me preocupando – Constance falou entre um bocado e outro de comida.
– Não fique assim. – Foi Nicole quem falou. – Não parou de chover, mas o vento não está tão
forte.
– É verdade – Faith reiterou. – Vai ver que onde eles estão não está chovendo... E se estiver,
não há de ser nada... Se tivesse perigo de tempestade, saberíamos.
– Ainda assim vou ficar sossegada quando falar com Elliot – Constance retrucou às duas.
Como que atraído por suas palavras, elas ouviram a voz metálica do capitão Green, anunciando
seu prefixo a quem pudesse atendê-lo. Faith se adiantou, respondendo ao som por vezes
picotado e chiado, ainda que inteligível.
– E como está tudo por aí? – ela perguntou, preocupada.
– O mar está bravio e ventando muito, mas nada com que devam se preocupar. De toda
forma amanhã vamos mais ao Norte. E vocês, como estão?

A moça achou por bem deixar sua mãe responder, esta pigarreou e disse:

– Todas bem! Não se preocupe. Mason está se alimentando direito?

– Bom, ele mandou dizer que não tem cinco anos... – brincou.

Decididamente tudo ia bem. Despedindo-se do pai, Faith deixou que sua mãe assumisse o
posto e voltou à cozinha. Dando a refeição por encerrada, recolheu os pratos. Limpou a mesa e
então partiu para a lavagem da louça; precisava de ação, estava elétrica.

– Acho que mamãe não vai me delatar afinal – Nicole falou parando ao seu lado. – Será que
posso confiar?

– Bom, só saberemos confiando... – disse a esfregar um prato vigorosamente. – Acho que


agora tudo está como deveria, não? Está feliz?

– Muito! E completamente arrependida do tempo perdido, por isso não quero mais esperar...
Mas vou fazer como mamãe pediu. Vou ficando com Peter e quando papai voltar eu resolverei
tudo de uma vez. Agora me sinto preparada. Não pode ser pior com ele do que foi com mamãe.

– Acho que não – Faith concordou e, piscando para a irmã, troçou: – Papai vai bufar e soprar,
mas a casa continuará de pé.

– Assim espero! Agora deixe eu me arrumar, logo Peter estará aqui.

A moça apenas assentiu, dedicando toda sua atenção à louça restante na pia. Ao terminar sua
arrumação, encontrou sua mãe sentada na sala às escuras.

– O que houve? – parou ao seu lado. – Não está bem?

– Estou preocupada... Com seu pai.

– Não deveria. Ele é experiente e como disse já passou por chuvas piores... – Ainda era
cedo. O dia estava escurecido pelo mal tempo, não pelo cair da noite, ainda assim arriscou: –
Por que não vai se deitar? Quer que lhe prepare uma xícara de chá?

– Ainda não... Vou ficar aqui mais um pouco. E ainda preciso receber Peter.

Faith tinha se esquecido de mais aquela exigência da mãe. Iria deixá-la, mas sua expressão
desolada não lhe permitiu. Colocando-se no seu lugar, poderia imaginar como ficaria caso
sentisse que Jonathan corresse algum perigo.
– Então te faço companhia.

Constance apenas lhe sorriu. Como não puxou nenhum assunto, a moça deixou que o silêncio
as envolvesse. Por mais que estivesse ansiosa era cedo até mesmo para colocar seu plano em
prática. Aproveitou o tempo livre para pensar em seus detalhes. Nicole logo se juntou a elas e
pouco tempo depois, Peter. Este entrou receoso, envergonhado ante ao olhar da dona da casa.
Constance o recebeu sem julgamentos, com sua boa educação de agradável anfitriã.

– Não vai se sentar? – disse, indicando o sofá.

– Não, obrigado!... Eh... Não queria me demorar Sra. Green...

– Entendo... – Analisou-o. Então de chofre acrescentou: – Quero que saiba que nada tenho
contra você, mas não fiquei feliz com essa brincadeira.

– Me desculpe – ele murmurou muito vermelho. – Não pensei nas consequências.

– Deveriam! Todos três, afinal são adultos. Enfim... Não vou ficar reclamando, mas não quero
que roube minha filha. E quando Elliot chegar, você se entende com ele, estamos combinados?

– Sim, senhora – Peter falou firme, respeitoso. Constance lhe sorriu satisfeita e, a caminho da
escada, falou:

– Eu não deveria ter me espantado. Sempre achei que você pendia para o lado de Nicole...
Boa noite, Peter... Boa noite minha filha.

– Boa noite, Sra. Green.

– Boa noite, mamãe...

Ao ficarem sós, os três se entreolharam admirados. Constance não era tão alheia afinal.
Passado o choque finalmente, sorriram. Faith ficava feliz por eles. E tomava uma nota mental de
que deveria ser menos leviana quanto à atenção de sua mãe.

– Bom, vou deixá-los ir embora... Preciso preparar um pouco de chá para mamãe e depois
vou me dedicar à leitura de um livro que está há dias esperando por mim.

– Boa noite, Fay! – disseram quase em uníssono. Antes mesmo de deixarem a sala, a moça já
tinha sumido no interior da cozinha. Quando voltou, com a xícara fumegante, a casa era dela e
de sua mãe apenas. Seu encontro estava cada vez mais perto.

Prevendo que naquela noite seria difícil conciliar o sono, Jonathan ficou a estudar suas
leituras, distraído do tempo, ouvindo o vento que atirava a chuva contra a janela da sacristia.
Também se doutrinando quanto à necessidade de não se render a dependência de encontros
noturnos.

Resignado a sua própria determinação, acomodou-se melhor sobre a cadeira e focou sua
atenção ao texto. Foi quando seu celular – sempre ao lado – vibrou. Antes de pegá-lo esboçou
um sorriso. Enfim... Não ver sua amante não significava não terem contato. Contudo sua
satisfação se esvaiu ao ler a mensagem: Abra a porta.

Não poderia ser sério, pensou deixando a cadeira para seguir até sua casa a passos largos. O
corredor de ligação entre as duas construções nunca lhe pareceu tão longo. Ao chegar à sala,
sem nem acender a luz, fez como pedia a mensagem para descobrir não se tratar de brincadeira.

– O que faz aqui?! – ciciou. Mais aborrecido em vê-la na rua a tomar chuva do que pela
desobediência. – Não mandei que ficasse em casa essa noite?

– Me desculpe. – Assustada com o tom e a postura altiva imposta pelas roupas negras, Faith
recuou um passo, encolhendo-se sob seu guarda-chuva. – É melhor que eu vá embora?

– Não! – ele a deteve. – Já que veio, entre um instante. Saia da chuva!

– Acho melhor... – ela começou, recuando outro passo. Imaginou que a recepção seria
diferente.

– Entre de uma vez, Faith! – ele ordenou, dando-lhe passagem. – Não posso ficar com a porta
aberta.

A hesitação da moça durou parcos segundos, morrendo precocemente ante ao olhar


endurecido de Jonathan. Já que estava ali e o aborrecera era melhor não piorar sua situação,
determinou, colocando-se para dentro depois de fechar o guarda-chuva. Com os olhos fixos em
algum ponto no chão, disse:

– Vou colocar isso na...

Não deu um passo adiante, pois Jonathan tomou-lhe o guarda-chuva, levando-o ele mesmo
para a cozinha. Definitivamente a recepção que projetou em sua cabeça era muito melhor,
pensou arrependida. Abraçando-se, argumentou consigo mesma sobre as vantagens e
desvantagens de dar andamento aos seus planos. Jonathan parecia mesmo muito irritado com sua
presença.

Ao voltar, ele esquadrinhou sua amante voluntariosa. Notou-lhe a postura rígida, o casaco
preto muito longo indo até abaixo dos joelhos. Intrigado, viu as meias de seda preta e os sapatos
de salto da mesma cor; nada próprios para dias de chuva. Faith era imprópria, aquela era a
verdade.
– O que está aprontando? – indagou, indicando-a por inteiro.

– Nada! – Agora considerava sua ideia uma furada. Ela sentia frio, os pés estavam molhados
pela chuva que aumentou enquanto se dirigia até ali, e Jonathan nada receptivo.

– Tire o casaco – ele ordenou depois de levar as mãos aos bolsos.

Faith considerou que não deveria. Àquela hora esperava que ele estivesse à vontade, fosse o
homem comum, não o padre. Já o beijara vestido daquela maneira algumas vezes, mas fora pega
de surpresa, sempre com ele tomando a iniciativa. Como agora ficaria seminua deliberadamente
perante ele? Seria o seu pecado máximo. Após um pigarro, abraçando-se mais ao corpo, falou:

– Estou bem assim, senhor... Talvez eu devesse mesmo ir embora. Queria te ver, mas vejo que
não fiz bem...

– Eu disse para que ficasse em casa – lembrou-a, passando a apreciar o embaraço que
ruborizava as bochechas dela. – Avisei que queria ficar sozinho antes da missa.

– Não vi mal em vir para conversarmos... – arriscou a mentira descabida. Jonathan estragara
toda sua atuação. Estava sem texto.

– Acho que amantes não se procuram para conversar amabilidades. – Ao longe soou um
trovão, deixando a voz cantada, sombria. – Quanto mais em noites de chuva... Vestida assim...

Certo, ela não era a não namorada, sim, a amante. Tinha uma denominação afinal, mas esta
não lhe devolveu a coragem. Aquele novo Jonathan a intimidava, por esse motivo cogitou
insistir em uma conversa, no entanto, ele acrescentou:

– Talvez se eu vir o que você tem sob o casaco, acredite em suas boas intenções. – Estava
muito curioso quanto àquilo.

– Era uma surpresa – ela disse por fim, depois de alguns instantes. Fora descoberta então era
inútil negar –, mas o senhor a estragou.

– Sinto muito! – Não sentia. Intimamente se divertia com a expressão lamuriosa e o visível
temor que o fazia rever sua determinação. Afinal, não existia o que fosse meio errado ou pouco
certo... Resguardar-se não anularia a quebra do celibato nem seu desrespeito. E realmente
queria ver a surpresa que o casaco escondia. – Que tal se nós recomeçássemos?

– Não sei... – ela murmurou, ressabiada até mesmo com a súbita mudança. Se ele tinha ficado
bravo por desobedecê-lo, como não ficaria com ela a lembrá-lo do que fazia na boate?

– Ora, vamos... – o tom aveludado amenizando a ordem. – Olhe para mim. – Quando ela o
obedeceu, falou manso, usando sua voz envolvente e apaziguadora de Tritão. – Não cruzou a
distância que nos separa, nessa chuva, para nada... O que tem aí para mim?

Sustentando-lhe o olhar, Faith reavaliou as possibilidades. Perdera o ânimo de dançar, mas


poderia se valer de algum improviso com o que trouxera. Afinal Jonathan tinha razão e os
momentos passados juntos seriam raros e especiais para desperdiçá-los com sua covardia.

– Mostro se o senhor me trouxer um copo com água.

Jonathan estranhou o pedido, mas não questionou. Talvez fizesse parte da brincadeira, então
entraria no clima.

– Vou buscar. – Lembrando-se de que largara tudo sobre sua mesa, avisou: – Demorarei
alguns minutos, mas volto logo. Não saia daqui.

Seria perfeito, Faith considerou ao vê-lo deixar a sala. Cada vez mais expectante quanto ao
seu improviso, desobedeceu-o pela segunda vez na noite.

Com seus escritos guardados, as luzes da igrejinha devidamente apagadas e as portas


trancadas, Jonathan seguiu até a cozinha para pegar o bendito copo com água. Ao encontrar sua
sala vazia, depositou-o sobre a mesinha ao lado do sofá, sorrindo descrente, escarnecedor. Com
certeza a moça o pedira somente para escapulir sem lhe dar satisfações. E fugira sob o que
agora era um temporal, pois o guarda-chuva ainda estava na cozinha. Pequena covarde!

Paciência, ele pensou. Lidando com a frustração que lhe aferroava o peito, Jonathan trancou a
porta e apagou a luz. Depois veria o que faria com Faith por provocá-lo e fugir. Convertia o
desejo interrompido em expectativa com a possibilidade de uma reprimenda, quando descobriu
a moça em seu quarto.

– Ma che...?

O choque em vê-la roubou todo o ar de seus pulmões juntamente com as palavras. Sua amante
não fugira afinal. Estava de pé, no meio de seu quarto, livre do casaco e com as mãos para trás.
Vestia apenas peças íntimas; o corpinho de renda que lhe afinava a cintura estava ligado às
meias por finas tiras. Ainda calçava os sapatos de salto e para o bem de seus pecados
imperdoáveis... estava vendada!

Impossível domar seu coração ou refrear a volta instantânea de sua excitação ao ver do que
se tratava a tal surpresa. Acercando-se dela com passos lentos, ele a circulou para avaliá-la
inteira. Um detalhe não a deixava perfeita, ainda assim, aproximou-se de seu ouvido e falou
roucamente.

– Bellissima!

Faith estremeceu. Não o via, mas podia sentir os olhos cravados em si desde que Jonathan
interrompeu sua exclamação ao entrar. Sentia-se ridícula, era verdade. Se ele tivesse sido mais
receptivo preferia dançar como bem estava habituada. Contudo, uma vez que Jonathan não lhe
dera muita escolha, tentaria acalmá-lo, valendo-se do presente que trouxe para o final de sua
apresentação: uma echarpe para substituir sua mão. Não entendeu o que ele disse, mas
considerava que alcançava seu objetivo visto a rouquidão da voz.

Congratulava-se, quando o ouviu dizer:

– Uma coisa está errada.

– O quê? – ela perguntou preocupada.

– Shhh... – ele assobiou rigidamente. – Não falei com você.

Faith estremeceu ao tom e ao toque inesperado em seu pescoço. Todos seus pelos se
arrepiaram enquanto Jonathan juntava seu cabelo e o segurava num rabo de cavalo.

– Seu cabelo deveria estar assim... – murmurou, afundando o nariz no chumaço improvisado
para sentir-lhe o odor de flores.

– Desculpe, eu não sabia. Eu...

– Quieta! – ordenou firmemente, puxando-lhe o cabelo de leve. Faith falava demais; gostava
do som de sua voz, mas ela o distraia. – Como vamos prender esse cabelo?

Faith não se atreveu a responder, questionando se fizera bem em brincar com a fantasia
bizarra de um homem desmemoriado, dono de um humor variável. Que, por mais que quisesse
duvidar, por vezes estava metido em sumiços ou aparições suspeitas. Era evidente que Jonathan
jamais lhe faria mal e toda aquela expectativa era excitante, mas considerava estranho não
poder falar ou ver o que se passava. Como se lhe entendesse a súbita agonia, Jonathan tirou a
echarpe branca de seus olhos.

Diante da cômoda, muito absorto em sua tarefa, abriu a primeira gaveta e dela retirou seu
chicote e um punhal. Faith suspendeu a respiração ao ver a faca usada para cortar a ponta de sua
echarpe. Não lamentou o dano causado à peça, sim se assustou ao ver a semelhança da arma
com a tatuagem vista na noite anterior. O que significava?

Ensaiou perguntar, e desistiu. Talvez estivesse sugestionada, mas, de repente, Jonathan


pareceu outro. Quando veio em sua direção, trazia o tecido dividido em uma das mãos e no
rosto uma expressão determinada, o maxilar muito rígido. Sem nada dizer, ele se colocou às
suas costas e novamente segurou-lhe o cabelo depois de escová-lo com os dedos. Daquela vez
usou uma das tiras para prendê-lo, então puxou o rabo de cavalo como se testasse sua firmeza.

– Já que você veio disposta a brincar, vamos fazer isso direito? – indagou junto ao seu
ouvido, ainda segurando seu cabelo. Faith tinha dúvidas quanto àquilo, mas nada disse. Recebeu
outra puxada, um pouco mais forte. – Eu lhe fiz uma pergunta. Vamos fazer isso direito?

– Vamos... – ela murmurou, mas fez um acréscimo mental; eu acho.

– Vamos o quê? – ele silvou com a boca roçando em sua orelha. – Com quem está falando
Faith? Diga corretamente! Vou perguntar pela terceira vez e não estou gostando. Vamos fazer
isso direito?

– Vamos sim, senhor – ela falou, considerando que negar, àquela altura do campeonato seria
ainda pior. Ou melhor, pois mesmo temendo toda aquela autoridade, excitava-se.

– Boa menina! – elogiou satisfeito. Faith alimentava aquela vontade instigante de dizer tais
coisas. Ele sabia que deveria ser assim. Como uma lembrança ainda que livre de imagens, tão
palpável que o fazia se sentir ele mesmo. E queria mais do que ainda tinha a fazer. Ansioso,
colocou-se em frente a ela e demandou: – Olhe para mim.

A moça fez como ordenado, mirando aqueles orbes azuis muito escuros pelas pupilas
dilatadas. Sim, ela o temia, mas seu não namorado proibido nunca lhe pareceu mais bonito e
desejável quanto naquele momento.

– Os olhos são a janela da alma? – Jonathan divagou, sustentando o olhar brilhante de sua
amante. – Da Vinci teria revisto a frase se a conhecesse. Seus olhos não a decifram... Por isso
vou cobri-los – anunciou, vendando-a com a tira mais larga. Logo ela sentiu um polegar se
movendo sobre seus lábios. – Porque seus olhos a desmentem agora acredito somente no que
sua boca me diz... Mas não hoje. Quero ouvir apenas a chuva e os trovões enquanto dou a nós
dois, aquilo que há dias queremos.

Sem nada ver, com o coração tamborilando forte, Faith adivinhava a posição de Jonathan por
seus passos. Ele se aproximou da cômoda. Ao voltar, pacientemente desprendeu seu corpete da
meia no meio de suas coxas, depois em seu dorso. Os dedos mornos causavam-lhe breves
arrepios que se instalavam todos abaixo de seu ventre. Liberta da peça, esperou pelo o que
viria. Foi impossível não se sobressaltar ao sentir uma lâmina fria em contato com sua pele.

– O quê...?

– Fique quieta! – ele demandou enquanto escorregava a lâmina por seu colo. Depois de cortar
a frente do sutiã rendado, acrescentou: – Não queremos acidentes.

Se ele não queria acidentes não deveria brincar com facas em primeiro lugar, pensou Faith,
refreando os tremores. Evitou lembrar como o dono da boate se matou. Coincidência. Ao ter o
sutiã danificado afastado de seu corpo, esqueceu-se de todas as coisas.

Jonathan acariciou seus seios, estimulando seus bicos já eretos com a lâmina fria, então,
desceu-a, tocando a pele, até a lateral de seu corpo. Preparada para o que viria, ela não saltou
ao duplo toque da lâmina ao ter sua calcinha também cortada. Agora vestia apenas as meias e
seus sapatos.

Já nem sentia seus pés molhados, apenas seu corpo muito quente sem saber o que Jonathan
faria em seguida. Este admirou a nudez de sua amante vendada, enlevado. Despi-la e acariciá-la
com a arma que cada vez mais apreciava, estimulou-o a níveis insuportáveis. Aquela porção de
ação involuntária reclamava pela não participação, mas ainda não a liberaria. Não quando sabia
que teria mais daqueles breves espasmos que o aqueciam.

– Junte suas mãos na frente do corpo – instruiu. Ao vê-la se atrapalhar, recomendou. – Como
se rezasse.

Faith fez como pedido e logo sentiu seus pulsos serem amarrados com a tira restante. Agora
estava completamente a mercê de Jonathan: cega e amarrada. E perdida, pois queria mais.
Alheio ao que ia pela mente tumultuada da moça, sem deixar de olhá-la, Jonathan descalçou
sapatos e meias. Expectante, a meio passo de vivenciar seu sonho, tão entregue à sua tarefa que
nem cogitou se despir do padre. Este a castigaria por corrompê-lo. Ou seria o homem que a
recompensaria por libertá-lo? Pouco importava, determinou ao segurar seu chicote.

– Segure seu rabo de cavalo e afaste um pouco as pernas – ordenou. Ao ser atendido, vendo-a
entregue à sua vontade bem no centro de seu quarto, acrescentou: – Fique parada...

– Ah!... – Faith arfou e se dobrou. Mais pelo susto do que pela ardência da leve e súbita
fustigada na lateral de seu ventre.

– Quieta e calada – ele a lembrou roucamente, abalado por aquele primeiro açoite.

E juntamente com o som de um novo trovão, desferiu-lhe mais dois golpes curtos e breves
alternando as laterais do dorso esguio. Deleitava-se ao ver a pele alva adquirir tons rosados e o
morder os lábios que calava lamúrias. Circulando-a, Jonathan atingiu as nádegas nuas uma a
uma. Extremamente excitado, animado, com uma destreza nunca imaginada, moveu o pulso de
um lado ao outro. Rápido, fazendo com que somente as pontas das tiras de seu chicote, que
flanavam num movimento circular, tocassem a pele ao longo das costas dela, arrepiando-a,
tingindo-a. Perfeita!

– Por favor, senhor... – Faith choramingou dando um passo à frente, suas pernas tremiam
violentamente.

– Machuquei você? – ele se preocupou.

– Não – negou num fio de voz, mortificada. Todos os toques e os sons das fustigadas contra
seu corpo não somente faziam sua pele arder, como vergonhosamente traziam um latejar
dolorido a sua parte mais íntima, úmida. Talvez não suportasse muito mais.
– Então fique quieta – Jonathan ciciou, voltando a atingi-la nas nádegas com maior força,
fazendo-a liberar um gemido alto.

Prostrando-se diante dela, ele correu os olhos pelos braços em arco acima da cabeça que
erguiam o busto farto. Admirou a pujança dos seios por um instante, vendo-os subir e descer
com o ofegar expectante. Mirou a boca entreaberta e trêmula. Quis beijá-la, mas não era hora.

Faith tentava focar a atenção em suas pernas por ser primordial se manter de pé. O silêncio
que se seguiu à última ordem era tão incitante quanto opressor. Não sabia de onde viria o novo
golpe, somente que o ansiava, eriçada. Então Jonathan atingiu a lateral de um seio, depois de
outro antes de castigar cada um de seus mamilos com as pontas do chicote.

Foi impossível calar seus gemidos, as emoções estavam à borda. Em seguida as tiras tocaram
a pele sobre as costelas e ventre de forma fugaz, excitando-a. E num ato de compaixão, mais do
que de castigo, o chicote por duas vezes lambeu o ponto entre suas pernas, fazendo com que ela
mordesse o lábio inferior com força e oscilasse. Estava miseravelmente pronta para o ápice.

Como se soubesse seu segredo, Jonathan liberou um urro gutural, eliminou a distância e a
ergueu nos braços. Ato contínuo, ele a atirou ao colchão, descuidado. Sem prévio aviso,
colocou-se sobre ela e elevou seus braços com os punhos unidos acima da cabeça. Faith não se
rebelou ao se descobrir presa à cabeceira de ferro fundido. Apenas se deixou beijar de forma
afoita enquanto seu corpo muito sensível era completamente estimulado pelo contato das roupas
negras de Jonathan, por membro hirto, por ele inteiro.

Não mais lamentava por seus olhos cobertos, apenas pela escassez de seus pecados que lhe
renderam um castigo tão brando. Durante a posse se rendeu ao novo padecer sob um quadril
arremetido de encontro o seu com destreza, ouvindo palavras indecifráveis murmuradas contra
sua pele ardida. Lamentava não poder tocá-lo, mas Faith se comprazia ao senti-lo aflito,
desejoso dela com intensidade semelhante a da chuva que parecia despejada por cântaros e aos
trovões que se aproximavam mais e mais, fazendo trepidar tudo a sua volta.
Capítulo Trinta e Um

Jonathan ouviu o som insistente vindo de longe. Lutou contra aquela música irritante que
queria arrancá-lo de seu sonho. Liberando uma imprecação ininteligível, moveu-se sobre o
corpo debruçado e muito quente que tinha colado ao seu, e despertou. Palavras de sua adorada
amante, ele a soterrava com seu peso, mas não se moveu. Agradecido por não mais ouvir a
música que o despertou, beijou-lhe o ombro e correu a mão levemente ao longo da pele ainda
rósea.

Não fora ilusão afinal. Faith se ofereceu de bom grado ao seu chicote. E então a teve
amarrada a sua cama e reproduziu com ela cada etapa de seu sonho recorrente; antes com a
mulher desconhecida, depois com ela. Sempre com ela até que se tornasse real.

Recordar as súplicas liberadas tão logo lhe deu permissão para falar e rever como girou sua
amante de bruços e puxou aquele rabo de cavalo aviltante enquanto investia contra as nádegas
rosadas, reacendeu seu desejo. Não ajudava estarem nus. Deixá-la-ia solta como estava e mais
uma vez a teria. Matreiramente Jonathan passou a distribuir beijos ao longo do dorso feminino,
antevendo as provocações que faria ainda com ela adormecida. Contudo sua intenção foi
interrompida ao ouvir a música que o acordou. Descobriu vir do casaco de Faith. Cogitou
alcançá-lo antes dela, mas sua amante despertou antes que a deixasse.

– Isso é meu celular? – indagou debilmente, deixando a cama ainda sonolenta. Como sempre,
sem se importar com a falta de roupa, caçou o aparelho. Antes de atender conferiu o visor e
disse quase que para si, desperta: – É a Nick... Alô!

– Até que enfim! – a irmã exclamou. – Essa é a terceira vez que ligo? Onde está?

– Onde estou? – repetiu, olhando para Jonathan, alarmada. Nicole teria voltado? Ela estava
ferrada! Tentando não se deixar levar pelo pânico ou perecer ao ver seu não namorado vir em
sua direção sem uma única peça de pano sobre o corpo, devolveu a pergunta: – Onde você está?

– Ainda na casa do Peter, mas queria que ele me levasse embora.

– Por quê? – indagou entre aliviada e aborrecida pelo susto desnecessário. Nesse momento
Jonathan a abraçou pelas costas e procurou pela curva de seu pescoço para depositar um beijo.
Mordendo o lábio inferior para não liberar nenhum som delator, Faith a ouviu dizer com
estranheza:

– Como, por quê? Papai não tentou entrar em contato? Peter tem um rádio aqui e captou a
frequência da Guarda Costeira. Parece que o tempo piorou de repente e eles enfrentariam
uma tempestade.
Jonathan queria tão somente que sua amante desligasse e voltasse para a cama, porém a sentiu
se enrijecer em seus braços antes de se afastar e mantê-lo longe, com a mão espalmada em seu
peito. Acenando negativamente com a cabeça como um pedido mudo para que ele parasse,
perguntou a sua interlocutora:

– A que horas foi isso?

– Pouco menos de uma hora... Sério, Fay, onde você está?

Com os olhos azuis inquiridores perscrutando seu rosto, Faith falou apenas:

– Indo para casa. – Esperou que a irmã a recriminasse, contudo Nicole não o fez.

– Boa sorte com a mamãe... E quando conseguir mais informações me avise.

– Pode deixar.

Faith desligou meio entorpecida. Mais culpada por não estar em casa para receber notícias
importantes de seu pai do que por medo de encontrar Constance acordada.

– O que aconteceu? – Jonathan inquiriu preocupado com a súbita palidez da moça.

– O senhor sempre teve razão... – falou, caçando suas roupas íntimas para descobri-las
cortadas. – Eu não deveria ter vindo hoje. Preciso voltar correndo para casa.

– Por quê? – ele insistiu enquanto a via descartar uma a uma das peças inutilizadas.
Incomodado com a aflição demonstrada, segurou-a pelos ombros e fez com que ela o encarasse.
– Conte o que está acontecendo?

– Acho que meu pai e Mason estão com problemas por causa da chuva e eu não estava lá para
receber os recados – murmurou, engolindo o choro que apertava sua garganta. – Eu deveria ter
te ouvido, senhor.

– Não! – Jonathan retrucou veemente. Não poderia deixar que ela se arrependesse. – Fez bem
em vir... Não pedi que ficasse em casa por imaginar que algo assim aconteceria. Não há de ser
nada, angelo.

– Assim espero – ela exalou, desprendendo-se dele. – De todo jeito, minha mãe descobriu
que estou fora de casa. Preciso correr.

Naquele momento Jonathan se arrependeu de ter lhe estragado as roupas.

– Quer alguma coisa minha? – ofereceu. – Uma camiseta, moletom... Dobramos a barra.
– Tentador, mas seria perigoso levar qualquer coisa sua. Ainda tenho meu casaco, senhor.
Não se preocupe – disse já a vesti-lo, amarrando a faixa da cintura.

Resignado, Jonathan a imitou, vestindo sua calça rapidamente. Ao vê-la se erguer com os
sapatos na mão, pronta e apressada para partir, ele sentiu um aperto estranho no peito. Tão forte
que reteve o instinto de se curvar. De súbito não queria que ela se fosse, pois parecia que não
voltaria. Alcançou-a no corredor, segurou-a pelo braço e a trouxe para si.

– Aspetta!... Se Constance já deu por sua falta, não fará diferença se chegar agora ou depois.
Fique um pouco mais.

– Não se trata dela, senhor – Faith murmurou aflita sobre a boca colada a sua. Odiava ter de
partir, mas precisava saber daqueles que estavam no mar. – Me deixe ir.

Não poderia prender sua amante, então a beijou. Segurou-lhe o rosto entre as mãos e lhe
invadiu os lábios, saudoso. Faith abraçou-se a ele, mas não esteve inteira no beijo. Sua mente
cada vez mais culpada a recriminava por ter deixado a mãe quando o tempo claramente piorava.
Esperava do fundo de seu coração que Constance não tivesse acordado de seu sono sempre
profundo. Não para que sua saída não fosse notada, mas porque poderia imaginar a agonia
sentida ao não conseguir responder ao rádio.

– Senhor, eu preciso mesmo ir... – ela falou firmemente, quebrando o beijo.

– Sì... – Cabia a ele lhe tocar o rosto e deixar partir, não havia amarras. – Lamento não poder
levá-la.

– Não se preocupe – tranquilizou-o, indo à procura de seu guarda-chuva. – Assim que chegar
eu tomo um banho quente e me agasalho. – Apressada, beijou-o de leve e se posicionou à porta
para que Jonathan a abrisse.

– Não se esqueça de me manter informado – pediu, fazendo como esperado.

Quando Faith passou ao seu lado, ele a prendeu mais uma vez para um beijo breve então a
deixou partir; seu anjo da manhã. Sem olhar para trás, ela armou o guarda-chuva e correu
descalça para logo desaparecer no temporal. Viu-a ainda uma vez com o clarão dos relâmpagos
e só. Por fim fechou a porta e voltou ao quarto.

Com a saída intempestiva após fazerem algo apenas sonhado, Jonathan agradeceu os restos de
renda preta que comprovavam a presença da moça. Recolheu-os e sentou em sua cama. Sabia
ser o momento, mas foi incapaz de rogar para que Elliot e sua tripulação estivessem a salvo. Em
todos aqueles dias, entregue aos prazeres da carne, nunca se sentiu em débito com seu Criador
como naquele momento. Se Ele tivesse de olhar pelos pescadores, seria por suas próprias
preces, pois a dele de nada valeria.
Faith cruzou o portão dos fundos de sua casa com o coração aos saltos e os pés doloridos por
causa das pedrinhas da rua. Entrou diretamente na lavanderia. Depois de vasculhar o cesto de
roupas usadas, escolheu short e camiseta. Ao se vestir, livrou-se do casaco encharcado com
chuva trazida pelo vento. Deixando os sapatos molhados, seguiu para a cozinha e então à sala às
escuras onde o rádio de seu pai chiava alto.

Correu para desligá-lo, contudo a luz de um abajur foi acesa de súbito, interrompendo seu
movimento. Girando nos calcanhares, Faith encontrou sua mãe sentada em uma das poltronas.
Tinha os olhos vermelhos e o rosto marcado pelas muitas lágrimas que chorou.

– Onde estava?

– Mamãe... – O que lhe diria? Pensou abraçando seu corpo, vendo-se nos olhos da mãe.
Molhada, descalça, a usar roupas amassadas e impróprias.

– Faith, com quem estava? – Constance indagou ao se levantar e ir até ela. Jamais lhe diria,
então nada falou. Pela primeira vez temeu sua mãe ao vê-la avançar subitamente em sua direção
e segurá-la pelos ombros. – Eu lhe fiz uma pergunta!... Com quem estava?

– Com ninguém que conheça – disse por fim. Estava claro que Constance não ficaria sem
resposta. – Apenas saí... Tinha combinado com aquela amiga...

– É mentira! – ela gritou. – Por que marcaria com uma amiga de se encontrar às escondidas?

– Não estou mentindo – falou apressadamente. Precisava acalmar a mãe. – Foi idiotice não
falar, mas fiquei com medo que não me deixasse sair...

– Diga a verdade, Faith. Está claro que esteve com algum namoradinho.

– Não estava... – cogitou jurar, mas achou por bem não errar mais.

– Por que vocês estão fazendo isso? O que está acontecendo com minhas filhas? – Constance
perguntou aflita, dando-lhe as costas. – Não as reconheço mais.

Não lhe tirava a razão, afinal, a mãe a flagrou na rua em plena madrugada, contudo Faith
considerou o drama desnecessário. Por mais que fosse pecado ficar com Jonathan, para ela não
era nada demais e Nicole definitivamente não estava errada em ficar com Peter, então a moça
afugentou o temor e retrucou:

– Ou talvez esteja nos vendo pela primeira vez.

– Já me disse isso! E vocês são mesmo assim? – Constance se voltou para encará-la,
incrédula. – Mentem e nos enganam sem um pingo de remorso? Por que isso? O que eu e seu pai
fizemos de errado?
– Justamente isso que está fazendo agora – Faith falou sem emoção. – Se preocupam com
vocês? Ou melhor... Os dois se preocupam com ele. É sempre se Elliot vai gostar; se Elliot
ficará feliz; se Elliot isso... Se Elliot aquilo... Como espera nos reconhecer se nunca olhou para
nós? Somos apenas as pessoas obrigadas a serem certinhas e submissas para que Elliot tenha a
família perfeita... Puro egoísmo!

– Cale a boca! – Constance avançou sobre ela com a mão erguida, mas a freou antes de atingi-
la no rosto. Cerrando a palma, deixando o indicador em riste, sibilou: – Não fale de seu pai, sua
mal-agradecida. Acaso é errado querer uma família perfeita? Elliot lhes dá comida, um teto,
sempre se preocupa para que tenham o melhor e o mínimo que têm de lhe dar em troca é
respeito e consideração.

– Cuidar dos filhos que ele trouxe ao mundo não lhe dá o direito de decidir suas vidas – ela
teimou. Se fosse para se esbofeteada pela mãe, ao menos seria por dizer tudo o que pensava. –
Respeitarmos nosso pai não significa abaixar a cabeça para suas vontades... Temos as nossas e
também deveríamos ser respeitados...

– Quem está virando sua cabeça dessa maneira? – Constance indagou, avaliando-a; mudando
o assunto.

– Ninguém está me virando a cabeça. – Não quanto aquele assunto. – Eu só...

Antes de concluir sua frase ouviram vozes desconexas vindas do rádio. Faith foi até ele para
tentar ajustar a frequência. Encontrou somente estática por alguns segundos até ouvir uma voz
masculina metalizada; aflita.

– ... mayday, mayday... repetindo, estamos a 8°, 30 minutos a... – novamente a estática tomou
a sala.

– Era seu pai? – Constance perguntou embargada.

– Não. – Faith respondeu enquanto tentava retomar o contato. – E não reconheci a voz, não sei
se era um dos nossos.

– Ele estava pedindo socorro – falou impressionada. A filha a olhou pesarosa e já esquecida
da discussão foi até ela para abraçá-la. Como se também não se lembrasse, a mãe retribuiu e
novamente chorou. – Esse maldito rádio tem chiado e resmungado desde cedo e eu não sabia o
que fazer... Onde estava quando eu precisei de você?

Sendo feliz era a resposta. Mas a que preço? Pensou novamente culpada. Ainda não poderia
lhe responder, nem tinha ânimo para prosseguir com a briga, então disse apenas:

– Estou aqui agora. E não fique tão preocupada... Esse pedido de socorro não era do Free
Soul I... Pode ser um barco pequeno, pois nem está tão longe assim...
– Eu sempre fui uma estúpida! – exclamou nervosa. – Nunca quis aprender a lidar com essa
porcaria, agora eu fico sem entender.

– Depois vemos isso e a senhora aprende. Não é difícil... E não vou mais te deixar. – Como o
rádio que somente chiava, propôs: – Quer ir comigo à cooperativa? O rádio lá tem um melhor
alcance. Nossa antena não vale nada nessa chuva.

– Agora?! – Constance se afastou.

– Nenhuma das duas vai conseguir dormir – Faith salientou. – Estando lá teremos mais
chances de saber o que está acontecendo.

– Então vá se trocar enquanto pego meu casaco.

Unidas na trégua, subiram aos quartos. Sua preocupação com o pai e o irmão se tornou
primordial depois de ouvir aquele pedido de socorro, contudo ela não dispensou um rápido
banho para se aquecer. Adoecer não seria de nenhuma ajuda. Secou-se ouvindo a voz alarmada
em sua cabeça. Pelas coordenadas sabia não ser nenhum dos barcos de Sin Bay, mas se um
estava com dificuldades, provavelmente todos estavam.

Tentando manter a calma, Faith escolheu uma roupa quente e limpa. Terminava de se trocar
quando seu celular cantou pela chegada de uma mensagem de Jonathan. Dizia apenas: Notícias.

Faith digitou de volta: Nenhuma ainda. Durma bem.

Calçava o segundo tênis quando outra mensagem chegou: Durma bem você também.

Não lhe preocuparia avisando que iria à cooperativa com a mãe. Jonathan tinha de descansar
e já o distraíra demais quando nem deveria. Como resposta lhe mandou caracteres que
primariamente formariam um coração, esperava que ele entendesse.

– Estou pronta! – Constance anunciou à porta de seu quarto.

– Então vamos – disse, pondo-se de pé.

Saíram pela porta da cozinha que as deixaria mais próximas à garagem. Faith seguiu para a
sede da cooperativa, rezando aos céus para que conseguisse informações precisas. Fora
atendida. Ao chegar ao seu destino descobriu que outras esposas tiveram a mesma ideia para
obter notícias. A sede estava lotada. Valendo-se de sua filiação, Faith levou sua mãe até área
destinada aos rádios. Encontrou o operador exausto, sem nada de concreto a lhe dizer.

A preferência de nada adiantara.

– Mas você não sabe nem se eles estão no meio do temporal? – ela insistiu com Rhys, o
operador do rádio.

– Não sei, Fay – o senhor lamentou. – Elliot estava fora do perímetro demarcado como rota
da tempestade, mas você sabe que ninguém pode garantir 100% que os ventos não mudem de
direção. Para piorar, não estamos conseguindo contato. Falamos com ele mais cedo, mas depois
disso... Nada.

Falamos com ele mais cedo. Essa frase a matou por dentro. Também tinha falado com ele
mais cedo, mas não saberia dizer que o pai tentou novo contato. Se tivesse ficado em casa em
vez de ir tentar um padre, talvez soubesse que Elliot estava bem ou não. Seria castigo?

– Tudo bem, Rhys – disse, dando-lhe tapinhas amistosos no ombro. – Agora só nos resta
esperar.

A missa daquele domingo chuvoso contou com apenas dois homens, dezoito mulheres e cinco
crianças, Jonathan contou. Livre de qualquer remorso pelo ocorrido à noite, ministrou-a mesmo
sozinho, normalmente como se assembleia estivesse lotada. Ao seu final, ouviu o pedido de
duas esposas cujos maridos estavam no mar para que pedisse por eles. Como todo o mal feito
durante a noite parecia esquecido durante a manhã, assegurou fazê-lo não somente por eles, mas
por todos que estavam na pescaria.

Ao entrar na sacristia, depois de recolher o material litúrgico e de fechar as portas da igreja,


Jonathan conferiu pela quinta vez se havia alguma mensagem de Faith, dando-lhe notícias do
pai. Não encontrou nenhuma. Suportou o silêncio até depois do almoço, mas tão logo a Sra.
Williams se foi, seguiu para a casa dos Greens. Precisava saber de Elliot; precisava ver Faith.
Encontrou Constance. Esta o recebeu com um pano de prato nas mãos, como se tivesse ido até a
porta a secá-las.

– Senhor De Ciello! Sua bênção! Entre, saia dessa chuva – exclamou satisfeita em vê-lo.

Deixando o guarda-chuva recostado à parede ele a abençoou e entrou, já correndo olhos pela
sala, antes de comentar:

– A chuva está mesmo forte, não?

– Está sim... – disse num torcer de lábios. – Isso me deixa tão aflita!

– Não fique. Todos estão bem! – disse manso. Após um pigarro acrescentou: – Ouvi alguns
comentários depois da missa então vim obter mais notícias.

– Venha comigo até a cozinha, senhor... Lá conversaremos. – Jonathan a seguiu, depois de


lançar um olhar para o alto da escada. Não queria ter de perguntar pela filha caçula. Ao chegar
ao cômodo, Constance lhe indicou uma cadeira à mesa. – Já almoçou senhor?

– Sim – disse, rogando que sua amante aparecesse.

– Aceita uma xícara de café? – ofereceu prestativa.

– Não, obrigado! Quero apenas saber se tem algo novo, como lhe disse.

– Infelizmente não tenho, senhor – falou indo se sentar à sua frente. – Faith está na
cooperativa esperando por alguma informação. Está lá desde a madrugada. Veio me trazer,
almoçou e voltou. Eu queria que ela me levasse, mas concordamos que uma de nós já seria o
suficiente.

– Entendo. – Faith não apareceria. – Disse que foram de madrugada? Receberam algum
chamado?

– Bom... Isso é outra coisa que me aflige – Constance falou séria. – Tenho certeza de que
Elliot tentou contato, mas eu não sei mexer no rádio... De toda forma tomo remédios para dormir
e não ouvi as primeiras chamadas... Faith as ouviria, mas ela não estava em casa.

– Não? – admirou-se.

– Não... Chegou quase às três da manhã e não me contou onde estava. Isso está me matando,
senhor... Faith nunca foi de fazer essas coisas. Pelo menos não que eu soubesse.

– E a senhora tem algum palpite de onde ela possa ter estado? – perguntou cauteloso.

– Com certeza com algum namoradinho – ciciou enraivecida. – E isso já me deu o que pensar.
Ela nunca se interessou por ninguém dessa cidade. E mesmo que ela se interesse, quase todos os
rapazes estão no mar...

– Mas então... ? – Não completou apenas a incentivou a prosseguir.

– Eu cheguei à conclusão de que deve ser alguém de Wells. – Jonathan apenas acenou com a
cabeça em entendimento e ela prosseguiu: – Mas então eu lhe pergunto. Qual o problema com
esse namorado? Eu já sei sobre a armação com Peter então por que ela não o apresenta?

– Não saberia dizer, senhora – respondeu não muito incomodado com o assunto. Era bom
saber como se desenrolava as desconfianças.

– Ele deve ser casado – disse convicta. – E se não é, não quer nada sério com ela... Minha
filha é nova. Não tem experiência alguma. Perfeita para aproveitadores.

– Bom... – Pigarreou. – Tive a oportunidade de conviver um pouco mais com Faith durante a
preparação para o piquenique. Também durante nossas caminhadas na praia e sua filha não me
pareceu ser o tipo de moça sem juízo. Ela não se deixaria usar... Fique tranquila.

– Não tenho como me acalmar, senhor. Ela chegou de madrugada! – Constance exasperou-se.
Para ele foi cedo demais, mas entendia a aflição da mãe. – Talvez o senhor pudesse conversar
com ela – Constance cogitou repentinamente.

– Eu?! – Não seria sábio fazer às vezes de conselheiro.

– Sim, o senhor... Ela está mudada, tenho certeza de que é por causa dele. Converse com ela,
por favor... Poderia ser durante as caminhadas para não parecer que pedi.

– Não sei como abordaria o tema – tentou fugir ao compromisso.

– Vai encontrar um jeito – ela insistiu. – Ela é minha filha e não a quero num relacionamento
sem futuro. Faith ainda é nova demais para saber o que quer. Não quero que ela se arrependa
das escolhas que fez quando for tarde para voltar atrás. O senhor não concorda?

– Com cada palavra – respondeu taciturno. As atribulações da mãe iam de encontro às suas.
Cedo ou tarde Faith se arrependeria. Felicitando-se zombeteiramente por ter ido onde deram
voz aos seus temores, levantou rapidamente. – Preciso ir agora! Vim mesmo apenas para ter
notícias.

– Obrigada pela atenção que sempre tem conosco, senhor – agradeceu comovida. Enquanto o
acompanhava até a porta, comentou: – Senti falta de sua missa hoje, mas ainda estava na
cooperativa.

– Haverá outras – ele retrucou, modulando seu tom seco.

Ao ficar só no interior de seu jipe, Jonathan liberou uma imprecação. Não vira sua amante e
ganhara o que pensar. Poderia ir à cooperativa, mas não se animava de estar num lugar onde
pouco se dariam atenção. Melhor voltar para a igreja e abrir suas portas. Mesmo com a chuva
poderia haver alguém à procura de alívio para suas preocupações. Ocupar-se-ia ajudando aos
outros já que nada faria por si ou por ela.
Capítulo Trinta e Dois

Às cinco horas da tarde a chuva já havia cedido. Jonathan esteve o tempo todo no salão.
Como ele previu, algumas pessoas mais aflitas procuraram a paz da pequena igreja. Conversou
com alguns, aconselhou a outros e basicamente lhes disse palavras confortadoras. No momento
se encontrava sentado no primeiro banco a mirar o altar-mor. A cabeça vazia de pensamentos.
Ou queria acreditar que sim. Ouviu os passos na nave central, mas não se voltou. Durante a
tarde também houve aqueles que apenas queriam ficar em silêncio; assim como ele.

– Oi – ouviu a voz muito próxima. Antes tinha reconhecido o cheiro. Faith se ajoelhara no
genuflexório do banco no qual se encontrava, ficando às suas costas.

– Ciao, Faith. – Voltou seu rosto para olhá-la. Considerou-a pálida, mas poderia ser
impressão. – Como você está?

– Preocupada – ela disse olhando em frente, sem um foco específico.

– E de ontem? Machuquei você?

– Não mais do que eu gostei. – Era vergonhoso admitir a verdade, mas prometera não mentir
ou omitir.

– Bene! – Confortador ouvir aquela confissão, pois estava tentado a repetir sua penitência tão
logo tivessem a chance. Aquele era o único problema. Com a desconfiança de Constance e a
volta iminente de Carlo, encontros demorados seriam raros. Ao se lembrar da mãe, comentou: –
Estive na sua casa hoje.

– Mamãe me falou quando liguei para saber como ela estava. – Aquele fora um dos motivos
que a animaram a ir até ele, mas não era o caso de dizer.

– Ela está preocupada. Acha que se encontra com um homem casado de Wells. Pediu-me para
aconselhá-la.

– Ela não está de todo errada. Amo e me encontro com um homem comprometido. – Não
havia zombaria, somente o óbvio. – E acredito que não vai aconselhar que eu me afaste.

– Jamais que se afaste – disse sério, dividido entre o jubilo vindo com a declaração e a
angústia de seus temores. – A menos que assim o queira.

– Não quero, senhor – assegurou um tanto decepcionada. Seria bom ouvir daquele homem
comprometido que também era amada. Cada coisa ao seu tempo, disse consigo. E uma vez que
não ouviria o mesmo, talvez por estarem onde estavam ou por não haver reciprocidade, Faith
achou melhor mudar o assunto. – Tomarei mais cuidado com minha mãe e ficaremos bem... No
momento o que me preocupa é mesmo meu pai e Mason. Até a hora que deixei a sede da
cooperativa não tivemos notícia.

– Sabe que pode ser por vários motivos e nem todos alarmantes – disse para acalmá-la,
recriminando-se de seu egoísmo. – Seu pai pode ter ficado sem comunicação.

– Estou tentando me pegar a isso, senhor – murmurou. – Mas fica complicado quando lembro
que são seis embarcações incomunicáveis.

– Apenas tente não pensar no pior – pediu. Ele a entendia. Ouvira muitos comentários como
aquele ao longo da tarde. Aquela era a preocupação comum.

– Por isso vim antes de voltar para casa... Achei que conversar com o senhor me distrairia.

Ela provavelmente quis dizer exatamente o que disse, mas para um Jonathan sugestionado
pelo assunto anterior soou como um convite. Queria poder levar a moça para sua casa e distraí-
la enquanto tinha mais dela para si.

– Estamos sós? – ele perguntou sem querer se voltar para conferir por si mesmo.

Confusa com a pergunta alheia ao seu comentário, Faith olhou por sobre o ombro somente
para confirmar o que já sabia. E ver pela porta aberta que, mesmo fraca, a chuva tinha voltado.

– Quando cheguei só havia o senhor... E não apareceu mais ninguém.

– Então talvez estivesse com sede – ele sugeriu.

– Com sede? – Olhou-o intrigada. Sem mover a cabeça em sua direção, ele insistiu:

– Sim, você veio para falar comigo e então sentiu sede e nada mais natural do que ir até
minha cozinha... Ela está vazia. A Sra. Williams não volta hoje.

– Ah! – exclamou ao seguir-lhe o raciocínio. Era uma tonta! Fora mesmo para conversar, mas
não possuíam muitos assuntos em comum além daquele que a fazia necessitar de água quando
nem ao menos sentia sede. Seria uma boa forma de não pensar sobre coisas que não poderia
resolver. – Já conheço o caminho, senhor.

Jonathan a viu passar por ele e se afastar para a porta da sacristia. Preferia vê-la num dos
tantos vestidos, mas depois de imaginar o frio pelo qual passou ao ir embora, gostou que
estivesse de calça jeans e camisa de flanela. E tinha dúvidas quanto ao rabo de cavalo. Quando
ela sumiu de suas vistas, Jonathan confirmou o deserto do salão e a seguiu. Tomou o cuidado de
encostar a porta a sua passagem e rumou para sua casa.
Encontrou Faith sentada sobre a mesa da cozinha, com as pernas afastadas, já a desabotoar a
camisa lentamente. Sorrindo satisfeito com a iniciativa, aproximou-se para correr a mão pela
nuca que ela expunha antes de subi-la até o elástico em seu cabelo e desfazer a amarração.

– Prefiro assim – ele disse. Faith não entendia a fixação contraditória por seu rabo de cavalo.
Iria perguntar, contudo não fora preciso. Jonathan murmurou com a boca em seu pescoço. – Seu
cabelo preso me incita e não quero que aconteça o mesmo com outro. Prefiro que o deixe solto e
o prenda somente para mim.

– Não posso prometer, senhor... – sussurrou lânguida pelo carinho em sua nuca e os beijos em
sua pele sensível; ela realmente gostava de usar o cabelo daquela forma.

– Faço-a prometer – ele avisou num murmúrio rouco antes de beijá-la e encerrar a conversa.
Faith pôde sentir sua pressa, própria ao local indevido e ao desejo crescente. Enquanto sua
língua era presa à dele e seu corpo esmagado contra o peito sólido, a moça soube que
prometeria o que Jonathan quisesse desde que aplacasse aquela eterna necessidade dele e
afastasse o leve remorso por senti-la e procurá-lo quando deveria somente se preocupar com os
outros homens que amava.

Faith despertou alarmada, com o coração acelerado. Demorou alguns segundos até que se
situasse e reconhecesse o chiado que a envolvia. Estava em sua sala e adormecera sobre o sofá
ao lado de Helen. Sua mãe e Nicole estavam nas poltronas, ainda dormindo numa posição que
lhes causaria dor quando acordassem. Faith as deixou e voltou ao rádio para tentar capturar
alguma conversa animadora e não somente os anúncios de resgates ou desaparecimentos, já
lutando contra as lágrimas que as fizeram dormir de exaustão.

Ao chegar a casa, vinda da igreja depois de prometer o que Jonathan quisesse enquanto se
entregava de corpo e alma a ele, Faith soube que quatro capitães dos barcos da frota de seu pai
conseguiram contato, reacendendo o remorso por não estar presente. Por sorte sua irmã já
estava de volta e obteve informações que sua mãe sozinha não conseguiria.

Acatando uma decisão de seu pai, Bobby Scott, pai de Maggie. Harry Owen, Mark Bloom e
Erick Langrey se afastaram com seus barcos e estiveram fora da zona de perigo. Estavam todos
bem, apenas não conseguiam sinal para avisar. Com isso restavam dois pesqueiros sumidos.

Sem nada novo, a moça foi até as três mulheres adormecidas para acordá-las. Teriam um
longo dia pela frente para dormirem mal acomodadas.

– Ei, vamos vocês! – chamou cutucando a todas seguidamente. – Acordem... Vão deitar em
suas camas.

– O quê...? – Constance olhou em volta, demonstrando a mesma estranheza ao lugar, como ela
anteriormente. Ao se encontrar, perguntou: – Que horas são?

– Onze e meia... Vá para sua cama.

– Vá mamãe – Nicole insistiu completamente desperta. – Eu faço companhia a Fay.

– Eu também posso ficar. – Helen se ofereceu.

– Nada disso! – a moça negou veemente. – Basta uma ficar na sala. Vou dormir aqui no sofá e
qualquer novidade eu as chamo.

Cansadas demais para retrucar, anuíram. Depois das despedidas, as três deixaram-na sozinha.
Constance voltou somente para lhe trazer seu cobertor e o travesseiro e se foi, sem nada dizer.
Desde a discussão não voltaram ao tema, mas Faith a sentia um tanto distante. Não queria que
fosse daquela forma. Preferia que tudo voltasse a ser como antes. Sua mãe cega quanto ao que
fazia, enquanto seu pai pescava são e salvo. Não seria atendida, pensou deixando as lágrimas
voltarem. Nem poderia pedir tal coisa Àquele que afrontava.

Era uma pecadora sem remissão, obrigada a deixar seu pai a própria sorte. Poderia pedir
apenas que ele fosse poupado e não cobrado pelos erros que ela cometia. Cansada, com os
olhos já secos apesar de estar embargada, Faith novamente adormeceu. Acordou horas depois
com os toques insistentes do telefone. Amanhecera. Ao atendê-lo, sua mãe, a irmã e sua futura
cunhada já desciam apressadas e sonolentas.

– Alô! – disse, segurando o fone com força. O coração batendo em sua garganta deixando seu
peito vazio e oprimido.

– Faith, aqui é Rhys.

– Eu sei. O que aconteceu? Teve notícias?

– Apenas da Guarda Costeira, e não são boas. – Faith caiu sentada. Imaginou ter perguntado
“quais”. Soube que se manteve muda ao ouvir a voz preocupada. – Faith? Faith, você está aí?

– Estou. – Descobriu que as lágrimas estavam de volta. – Pode falar...

– Eles encontraram restos de uma embarcação e, pela descrição, parece ser de um dos
nossos. Eu...

Faith não ouviu o restante. O fone simplesmente escorreu de suas mãos ao passar a tremer
incontrolavelmente. Mais sentiu do que viu Nicole resgatá-lo e assumir a conversa, assim como
também apenas pareceu imaginar a voz de sua mãe a perguntar sobre o que acontecia. Seu pai
estava morto, tinha certeza. E era a culpada!
Carlo anunciou que o castigo viria, só não imaginou que fosse rápido e cruel. Doloroso e
escuro, onde o mundo desaparecia.

– Faith! Faith! – Alguém chamava de longe. Não queria atender, pois seu coração voltou a
doer. – Faith, acorde! – De repente sentiu tapas em seu rosto e piscou. – Graças a Deus! Quer
nos matar de susto? – indagou Nicole, enfezada.

A moça piscou mais algumas vezes, sentindo que o choro retornaria.

– Pare com isso, Faith! – a irmã ordenou, oferecendo-lhe um copo com água. – Beba isso e se
acalme. O que há com você?

– Papai... – Foi tudo o que conseguiu exprimir.

– Não sabemos nada de seu pai, querida – Constance falou ternamente ao seu lado,
cariciando-lhe os cabelos, como alguém que consola uma criança. Contudo ela não era alguém
tão puro. Não merecia consideração. Mas as palavras dela lhe chamaram a atenção.

– Como não? Rhys falou que encontraram... – Não pôde concluir.

– Restos de uma embarcação que “parece” ser das nossas – Nicole falou. – Não que tinha
acontecido algo ao papai. Ele ainda está desaparecido, mas isso não prova que esteja morto.
Você quase nos mata de susto com essa reação.

Então seu pai não estava morto? Tentou acreditar, mas não conseguia. O certo era ser
castigada por corromper um homem dito santo. Por deixar sua mãe sozinha quando mais
precisava enquanto se entregava à torpe devassidão. Por desonrar seu pai ficando nua sobre um
palco. Poderia queimar quantas fotos quisesse ou nunca mais se encontrar com o padre, seus
atos desprezíveis jamais seriam apagados. Sem nada dizer, afastou o copo com a água intocada
e se levantou.

– Aonde vai? – Constance perguntou preocupada, também se colocando de pé.

– Para a cooperativa – avisou indo para a escada. – Quero estar onde as notícias chegam
primeiro.

– Não é preciso, Faith – disse Nicole. – Eles nos avisam caso aconteça alguma coisa.

– Não posso ficar aqui – disse, subindo de dois e dois degraus. Precisava sair. Enquanto se
trocava, Helen entrou em seu quarto.

– Também estou preocupada, Fay, mas não acho que ir até lá vá mudar alguma coisa. Vamos
acreditar que eles estejam bem... Vamos rezar e...
– Você reza – retrucou rispidamente, mesmo sem intenção. – Eu faço melhor se ficar quieta.

– Ah! – a amiga exclamou. – Acho que entendi... Está assim porque se sente culpada.

– Agora não – pediu enquanto prendia seu cabelo; era um hábito afinal. Logo calçava seus
tênis.

– Não vou recriminá-la se é o que está pensando. Só ia dizer que é bobagem se sentir assim...
Não que não esteja errada em fazer o que faz, mas seu pai ou meu Mason não têm nada a ver
com isso.

– Cada um acredita no que quer acreditar – retorquiu já deixando o quarto. – Quando rezar
tente não pensar em mim para que seus pedidos não percam toda a serventia.

Faith desceu as escadas, surda aos chamados para que voltasse. De volta à sala, despediu-se
rapidamente da mãe e da irmã e saiu. Ao passar pela praça, evitou olhar na direção da igreja,
mas sentiu a força de sua presença até muito depois de deixá-la para trás. Tão logo chegou ao
seu destino, correu para a sala dos rádios à procura de informações precisas. Encontrou Netty a
servir café aos presentes.

– Bom dia – cumprimentou a todos. Spencer e Tyler também estavam lá.

– Bom dia, Faith! – disseram quase em uníssono. O pai de seu amigo falou:

– Viemos saber de seu pai. Depois iríamos até a sua casa saber se precisam de alguma coisa.

– Mamãe gostará da atenção, mas te adianto que estão todas bem... Apenas angustiadas com a
falta de notícias. – falou antes de colocar as mãos trêmulas nos bolsos, então perguntou a Rhys.
– Tem alguma notícia?

– Tudo na mesma – Netty respondeu enquanto o homem confirmava com um aceno de cabeça.
Seu rosto mais corado pela certeza de que seu marido estava bem. – Já sabe que estão
procurando por Elliot, não?

– Sei, sim – disse apenas, sem emoção. – Quero acreditar que ele esteja voltando para casa.
Vou esperar no lugar de sempre.

Sentiu os olhares de pesar, mas não se importou. Sabia o que todos pensavam. Que era
maluca visto que os outros barcos poderiam ter avisado sobre uma possível volta, liberando até
mesmo a Guarda Costeira de seu trabalho. O problema era que ela precisava acreditar.
Alimentar pensamentos positivos era tudo o que lhe restava. Despedindo-se, seguiu ao portinho
e então ao seu banco de alvenaria na elevação afastada. Teria o dia inteiro para esperar.

– Qual é o plano? – Tyler perguntou ao se sentar ao seu lado. – Ficar aqui o dia inteiro?
– Basicamente – ela disse sem ser grosseira.

– Deveria ficar com sua mãe e irmã... – ele falou terno. Porque todos eram atenciosos quando
não merecia?

– Vou ficar bem aqui, Ty. Não se preocupe. – Encarando-o, indagou: – Como vai o namoro?

– Não vai. – Tyler olhava para o mar. – Maggie é legal, quem sabe mais tarde role alguma
coisa, mas agora quero dar um rumo à minha vida. Fiz minha inscrição para servir ao Exército.
Já estou na idade para a seleção, então... Vamos nessa!

– Você vai embora? – Faith descobriu que sentiria muito a sua falta.

– É essa a ideia, gatinha! – Ele piscou matreiro, porém voltou à seriedade. – Preciso sair
daqui, Fay. Já entendi que entre a gente nunca vai rolar nada. Talvez eu também tenha
confundido o que sentia, mas está complicado fazer meu coração entender. Sei lá... Quero me
afastar de toda essa loucura.

– Que loucura?

– Você sabe! Essa entre você e o padre...

– Por favor, não agora! – pediu, empertigando-se.

– Não vou recriminá-la, mas... – Tyler correu as mãos pelos cabelos, nervosamente. – Mas eu
acho que tenho de te dizer uma coisa.

– O quê? – Faith se enraiveceu com a insistência.

– Não quis dizer antes porque não tenho provas, mas tenho o dever de te dizer que foi ele
quem me atacou.

– Jonathan?! Atacou você? Quando? – exclamou alarmada.

– Não se faça de desentendida. Quando cai do telhado – lembrou-a. Ela soube que a queda
era uma farsa, mas daí a dizer que Jonathan o atacou era demais. Antes que o defendesse, Tyler
prosseguiu: – Foi quando eu estava entrando em casa. O covarde me atacou por trás, tapando
minha boca e me levando para longe. Não tive chance de me defender, pois ele é muito forte...
Você viu como me atacou na sua frente.

– Eu vi – ela se ouviu murmurar. Não acreditava.

– Então... Ele me socou o quanto quis e quando eu estava lá, caído, ferido... Ele sussurrou em
meu ouvido para te deixar em paz. Disse também que se eu o denunciasse, terminaria o que tinha
começado.

– Está me dizendo que Jonathan te ameaçou de morte? – Impossível, simples assim.

– Foi exatamente o que ele fez – Tyler confirmou. – Como disse não iria te dizer nada, mas
como vou embora achei que deveria saber onde está se metendo.

– Tyler, ele é um padre! Não sai por aí espancando ou matando pessoas... – Então se calou.
Será que não o fazia? Jonathan não disse com todas as letras, mas deixou claro que seria capaz
de matar o dono da boate. E Barry aparecera morto; suicidou-se com uma faca. O padre tinha
uma faca não só em seu poder como tatuada. Ainda incrédula, mesmo com tantas evidências,
assobiou: – Impossível...

– Bom... Acredite no que quiser, Fay. Fiz minha parte e agora posso ir embora com minha
consciência tranquila. O que fizer daqui em diante é com você. E bem consciente do que está
fazendo... Só te digo mais uma coisa... Tome cuidado com esse padre esquisito. Depois daquele
dia até duvido que ele seja mesmo um... Pode muito bem ser um mafioso italiano escondido sob
uma batina.

– Não brinque com isso – pediu ela, nervosa, com a cabeça a dar voltas e voltas.

– Não estou brincando e como te disse, não vou me meter... Posso estar errado quanto ao
disfarce e não tenho provas da agressão. Então... Só se cuida, está bem?

– Vou me cuidar – assegurou aérea.

– Agora preciso ir... Meu pai ainda vai à sua casa.

– Se for chamado para o Exército você se despede de mim? – pediu quando ele se levantou.

– Claro que me despeço de você, gatinha. – Corrigiu ao vê-la torcer o nariz: – Maninha... Se
cuida. E não fique aí o dia inteiro.

– Meu pai vai voltar antes disso – retrucou para as costas do rapaz. Não tinha certeza quanto
àquilo, mas ainda queria acreditar.

Agora sua consternação com o desaparecimento de seu pai dividia espaço com a denúncia
feita por Tyler. Seria possível que Jonathan – padre da cidade! – tivesse mesmo feito todas
aquelas coisas? Era fato que agredira o rival, completamente descontrolado, e isso diante dela.
O espancamento também era um fato. Ela esperou por Jonathan na praça, mas ele nunca
apareceu. E na segunda-feira se mostrou muito seguro quanto a não ser denunciado.

E quanto a Barry se matar com uma faca? Jonathan apreciava tal arma! Tinha-a desenhada no
corpo, brincava com uma igual... Se ainda fosse capaz de negar, tinha as fotos entregues a
Kristina. Na noite que antecedeu o suicídio, contou sobre a amizade entre elas, a confiança. O
homem misterioso não somente recomendou que a stripper entregasse o envelope, como
assegurou que saberia caso ela não o atendesse. De súbito, Faith se lembrou de que nem ao
menos comentou sobre as fotos. Sua amiga correria algum perigo?

– Jonathan é perigoso? – questionou alarmada.

Depois de colocar os pés no banco, a moça abraçou os próprios joelhos e abaixou o rosto
entre os braços. Amava um estranho e em meio às tantas dúvidas carregadas de verdade,
considerou as palavras finais de Tyler. Seria possível que Jonathan não fosse quem dizia ser?
Toda aquela história de acidente e falta de memória poderia ser uma grande mentira e ele ser
mesmo um foragido disfarçado. Carlo saberia e por isso tentou alertá-la quando a visitou?

Como saber? Com o coração tamborilando rápido, Faith concluiu que se assim fosse,
Jonathan brincava com Deus mais do que ela acreditava afrontá-lO. Iludia a todos com suas
pregações e todas as suas benções não tinham a menor valia.

– É culpa dele, não minha! – ciciou, quando sua mente sugestionada lhe mostrou Jonathan dias
antes, a aspergir água benta em todas as embarcações.

Não, a culpa era dos dois, corrigiu-se. E estava perdida, pois ainda que Jonathan se valesse
de sua posição para encobrir possíveis crimes, doía-lhe fisicamente imaginar um rompimento.
Justamente por ser tão doloroso, Faith decidiu que somente seu pai e seu irmão importavam.
Talvez, por sua inconsequência, eles e todos os outros pagassem com a vida.

Durante toda aquela manhã a moça mirou o mar calmo diante de si tentando não pensar, pois
todas às vezes que o fez sofria ao ver crescer sua culpa. Já na hora do almoço se lembrou de
avisar na galeria que não iria. Voltou o celular ao bolso da calça, sem retornar os recados que
recebeu de Jonathan; o grande mentiroso. Hipócrita era o que ele era. Sempre a acusando por
suas mentiras. Se comparada a ele era uma ladra de doces. A constatação de súbito a liberou
para clamar pela volta dos pescadores. Inocentes não deveriam pagar pelos erros de dois
amorais.
Capítulo Trinta e Três

Jonathan vagava impaciente em frente à igreja. Há mais de vinte horas não conseguia contato
com Faith. Não queria dar demasiada atenção àquela dor fina em seu peito, sentida ao se
despedirem em seu quarto e novamente na tarde anterior ao deixá-la partir de sua cozinha
enquanto ainda se recompunha. Nunca fora dado a pressentimentos ou superstições, pois tais
crendices iam contra o que acreditava. Contudo a verdade era que, a cada mensagem não
respondida ou telefonema recusado, sentia-a mais distante.

Não ajudava que o tempo ainda estivesse ruim ou ver a agitação geral pelo desaparecimento
dos barcos. Odiava o clima opressor assim como aquela sensação de inutilidade, sem vê-la,
sem saber como estaria lidando com a situação. Mais frustrante era não poder simplesmente ir
atrás dela. Todavia, por vias tortas, tentaria. Ciente da necessária discrição, Jonathan seguiu
decidido para a lanchonete. Ainda poderia recorrer aos inocentes.

Ao entrar percebeu a mudança na postura de Grace, contudo não estava ali por ela. Apenas
lhe acenou em cumprimento ao que foi respondido da mesma forma, então seguiu até Nicole.

– Olá – disse ao seu lado.

– Oi, Sr. De Ciello. – Ela parou de limpar uma das mesas para atendê-lo. – Como está?

– Preocupado com seu pai e irmão. Alguma novidade? – Pelos olhos vermelhos que se
destacavam na palidez, percebia que não.

– Nada ainda. Nenhum contato... – disse chorosa. Jonathan iria confortá-la, contudo logo
soube que sua tristeza tinha um agravante. – Pelo menos não deles, mas essa manhã nós tivemos
algumas notícias de Joe. – Após um soluço, passou a contar, retendo as lágrimas: – Bom, ainda
não é oficial, mas a polícia encontrou um corpo em um carro carbonizado numa estradinha
pouco utilizada a alguns quilômetros de Wells. Parece que vão tentar fazer a identificação pela
arcada dentária.

Antes que ele expressasse seu pesar, a moça inesperadamente o abraçou. Não estava
habituado àquele tipo de contato se não com Faith, então demorou alguns segundos até que a
envolvesse para acalentá-la.

– Não fique assim Nicole – pediu manso, olhando para Grace que deixou o balcão para vir
até eles.

– Eu disse que não precisava vir, Nick – ela falou, acercando-se deles. – Tudo está
acontecendo de uma só vez... Deveria ter ficado em casa.
– Ficar em casa é pior – retrucou Nicole entre soluços, contra o peito de Jonathan. – Minha
mãe e Helen ficam lá, oscilando entre o otimismo e o luto. E depois dessa notícia de Joe
passaram a me tratar como se eu fosse uma viúva. Lamento por ele, realmente lamento... Mas o
mesmo que lamentaria por um amigo que morresse precocemente, não quero que sintam pena de
mim...

– Nós sabemos disso, querida. – Grace acariciou seus cabelos. E, percebendo o embaraço do
padre, tomou-a de seus braços. – Venha se sentar.

– Eu sinto muito, Nicole – Jonathan disse por fim. – Não consigo imaginar quem seria capaz
de uma atrocidade dessas.

– O mundo está cheio de pessoas ruins, senhor. – Foi Grace quem retrucou, olhando-o
enviesado. – Os espertos mantêm distância delas.

– Certamente. – Jonathan estranhou o tom. Sentia-se deslocado e nem conseguira saber de


Faith. Dando atenção a Nicole, falou: – Mesmo com o tratamento que lhe incomoda, concordo
com Grace, você deveria ficar em casa com sua mãe e irmã.

– Faith não está lá... – finalmente informou, já contendo suas lágrimas. – Foi para a
cooperativa logo cedo e não voltou. Soube de Joe porque eu telefonei.

O comentário preocupou o jovem padre. Ao que parecia somente seus telefonemas não eram
aceitos.

– Entendo – murmurou. Após um pigarro acrescentou: – Preciso voltar à igreja. Vou rezar
pela alma de Joseph... Mas ainda tenho esperança de não ser dele o corpo encontrado.

– Obrigada, senhor... – Nicole fungou. – Fique sossegado. Se tiver qualquer notícia de meu
pai e meu irmão, eu o aviso.

– Obrigado! – disse se afastando, precisava mesmo sair. – Boa tarde às duas.

Ouviu-lhes o cumprimento já ao chegar à porta da Blue Moon, sem registrá-los. Sua mente
ocupada demais procurava respostas quando não havia motivos para Faith não atendê-lo. Ao
chegar à igreja já tinha descartado a possibilidade de uma nova ligação visto que não seria
atendido. Também de nada adiantaria ir até a cooperativa que provavelmente estaria cheia não
lhe permitindo conversar em particular com ela. Sua única e odiosa opção era se recolher à tão
abominada inutilidade. E esperar.

Exercitou sua paciência até a manhã seguinte, depois de atravessar uma noite mal dormida.
Na tentativa de se livrar do estresse causado pelo silêncio inexplicável, lançou-se a uma série
de flexões enfurecidas. Após fazê-las todos os dias contou quinhentas daquela vez até que não
mais aguentasse. Banhou-se rapidamente, trocou-se sem notar e fez as orações matinais no modo
automático. Tudo com o intuito de ganhar tempo, pois ainda era muito cedo para procurar por
Faith.

Queria fazê-lo naquela manhã, pois o padrinho chegaria à tarde. Não que ele fosse capaz de
impedi-lo de sair, mas porque também ansiava pelo momento de confrontá-lo. Aquela terça-
feira prometia ser conturbada. E ainda não chegar às sete horas! Ao menos o tempo tinha
melhorado. Ao contrário do clima interno dele.

Quando a Sra. Williams chegou para preparar-lhe o café, liberou-a, pois nada comeria. Sarah
resmungou, mas o atendeu. Intimamente Jonathan agradecia que se fosse, porém antes, ela minou
sua intenção de sair logo em seguida.

– Senhor... – disse como se tivesse acabado de se lembrar. – Consegui um coroinha para


ajudá-lo. Timothy é neto daquela minha amiga... Agatha. Deve se lembrar deles, pois veem a
todas as missas.

– Credo di sì... – resmungou intimista. Preparou-se para agendar uma visita, porém ela se
adiantou dando de ombros por não entendê-lo.

– Eu lhe disse para trazer o garoto agora pela manhã... Já, já estarão aqui... Trago-os para cá
ou os levo à igreja?

Jonathan engoliu a vontade de mandar que os levasse para um lugar indevido – se possível
lhes fazendo companhia –, ao se lembrar do quanto lhe era agradecido pela devotada atenção. E
de que ninguém deveria pagar por seus problemas sentimentais quando nem lhe era permitido tê-
los.

– Traga-os aqui, por favor. – Antes que ela se fosse, acrescentou: – E obrigado por se
lembrar.

– Disponha, senhor.

A sua saída Jonathan passou a circular por sua sala; estava enjaulado. Ao retornar, Sarah
trouxe a amiga e o menino. Ele novamente se doutrinava para não extravasar sua frustração em
pessoas inocentes. Lembrou-se de quem se tratava tão logo os viu.

– Qual o seu nome rapazinho? – perguntou.

– É Timothy, senhor... – respondeu a avó.

– Agatha... Felker, não é isso? – Jonathan indagou incerto. Ao ter o assentimento com um
aceno de cabeça, pediu firme: – Deixe que ele responda, por favor. Então, Timothy... Quantos
anos você tem?
– Onze.

– E você quer mesmo ajudar aqui na igreja?

– Quero sim – disse lhe sorrindo. – Acho que deve ser legal.

– Achar que deve ser legal já é um começo. – Por fim sorriu. – Mas saiba que terá algumas
responsabilidades. Mais durante a missa...

– Vovó disse que sobraria tempo para brincar – comentou.

– Sem dúvida sobrará, Timothy – Jonathan assegurou, gostando de sua desenvoltura. – Você já
fez a primeira comunhão? – O menino negou. – Bom, então terá de fazer... Nesse meio tempo
explico-lhe o básico e você vai me auxiliando... Se for o que realmente quer, fica sendo o
coroinha. Combinado?

– Combinado – disse e lhe estendeu a mão. Jonathan novamente sorriu e a apertou.

– Acho que isso é tudo – disse para a avó de seu futuro auxiliar. – Acho que é o caso de
formarmos um grupo para a primeira comunhão. Comentarei a respeito na próxima missa.
Obrigado por trazê-lo.

– O prazer é todo nosso em ajudar, senhor – Agatha assegurou. Sarah apenas sorria, satisfeita.

Quando todos se foram, Jonathan sentia-se um pouco mais leve, contudo logo a seriedade o
abateu. Não só por Faith, mas pela conversa com o menino. Especulou se em algum momento de
sua vida teve um diálogo semelhante com seu padrinho. Achava pouco provável. E então a
inquietação estava de volta. Decidido a sair, foi à caça de suas chaves. Logo ganhou a rua,
contudo foi parado em seu portão por um grupo de cinco mulheres, todas visivelmente
consternadas.

– Padre Jonathan – uma delas o abordou. –, não vai abrir as portas da igreja hoje?

– Na verdade eu... – Jonathan se calou ao correr os olhos pelos rostos ansiosos. Era sua
obrigação acolher todas as pessoas que procurassem aquela casa. Ainda mais quando sabia o
que as afligia. Eram esposas, talvez mães. Com que direito lhes negaria abrigo para suas
preces? Não o tinha, reconheceu com um suspiro resignado. – Eu ia até a venda, mas isso pode
esperar. Deem a volta que já vou abrir.

E uma vez que as portas foram abertas, como um complô conjunto para atrasá-lo, outras além
daquelas cinco vieram à igreja para pedir pelos seus. Cada uma ao seu tempo o impediu de sair.
Conseguiu fechar as portas já além do horário de almoço, mas não pôde se livrar da Sra.
Williams que com a liberdade adquirida com a convivência, não o deixou ir à cooperativa de
barriga vazia, segundo suas palavras.
– Entendo sua preocupação, senhor, mas já dispensou o café da manhã... Como vai ajudar
alguém se cair duro de fome?

Aquele era o problema: não tinha fome. Ainda assim ensaiou comer o que lhe foi servido.
Estava na terceira garfada, quando ouviu chamarem à porta de sua casa. Reconheceu a voz de
Nicole. Pondo-se de pé foi atendê-la.

– Desculpe por incomodar, senhor – pediu a moça com a expressão melhor do que a tarde
passada, mas estava ansiosa. – É que minha mãe lhe pede um favor.

– Não incomoda. Do que se trata?

– É que nós já tentamos de tudo para fazer Faith sair daquele banco, mas ela está irredutível.
Disse que só sai de lá quando papai e Mason voltarem.

– Qual banco? – ele perguntou, tentando encobrir seu agradecimento pela boa providência por
não ter que arrumar subterfúgios para estar com a moça.

– É um banco que nosso pai fez para que ela o esperasse sempre que volta do mar... Faith está
lá desde ontem. Disse para mamãe que dormiu na Netty, mas acho que é mentira. Minha irmã é
bem maluca para passar a noite ao relento.

Então toda satisfação se foi ao imaginar Faith em tal situação. Poderia imaginar o que a
tornava determinada. Tanto ao ponto de acreditar ter conseguido as respostas ao não retorno de
seus contatos. E não era nada bom. Uma mente culpada jamais seria boa conselheira.

– E onde fica esse banco? – indagou quase sem ocultar sua aflição.

– Lá no cais... É só o senhor chegar à cooperativa que qualquer um lhe mostra o caminho.

– Pois diga a sua mãe para que não se preocupe... Vou tentar fazer o possível para trazer a
caçula dela de volta. – E o impossível para não perdê-la, acrescentou para si.

– Obrigada, senhor! Não vou te acompanhar porque ela já se mostrou bem aborrecida com
nossa presença hoje cedo – Nicole escusou-se.

– Não se preocupe. Pode ir agora, eu vou em seguida.

Ao se despedirem, Jonathan entrou somente para explicar a situação para Sarah Williams que
o livraria de um almoço forçado e então saiu. Seguiu em seu jipe, lamentando não poder
acelerar mais. Chegou à cooperativa em pouquíssimos minutos e logo se dirigia à sede. A meio
caminho encontrou-se com Netty que ia para a própria casa.

– Padre Jonathan! – exclamou ao vê-lo. – Lamento tanto ter perdido a missa...


– Não se preocupe – disse apressado. Não estava à caça de fiéis faltosos. Então, policiando-
se tardiamente, acrescentou: – Entendo a falta e saiba que estive rezando por todos.

– Obrigada, senhor! – Netty lhe sorriu. – Graças ao bom Deus meu marido e meu filho estão
bem, mas ainda restam os outros... – Com expressão contrita, tocou no assunto que interessava:
– A pobrezinha da Faith está lá no banco dela, com os olhos compridos para o mar... É de partir
o coração.

– Por isso estou aqui. A Sra. Green pediu que viesse buscá-la. Ela está preocupada. Acha até
que a filha passou a noite toda lá.

– Só não passou porque eu não deixei – disse séria –, mas assim que acordou correu de volta,
sem nem comer...

– Entendo – comentou alheio, mais domando sua vontade de dar-lhe um corretivo pela
irresponsabilidade do que comovido. Aquele tipo de atitude não mudaria o que tivesse
acontecido. Com um suspiro resignado, perguntou: – Então, como faço para ir até esse banco?

–Vá por ali, senhor – indicou a direção do portinho. – Quando estiver no cais, siga à direita
até deixá-lo. Há um caminho de terra. É só seguir que chegará direito até onde Faith está.

– Grazie. – Despediu-se com um aceno e se foi, ouvindo ainda os votos de boa sorte.

Esta teria Faith se não lhe desse umas tapas por se comportar como uma criança birrenta.
Cumprimentando ou abençoando brevemente quem cruzava seu caminho, Jonathan seguiu
decidido na direção indicada. Logo subia pelo curto caminho de terra até que finalmente a viu.

Encontrá-la sentada sobre o bendito banco, abraçada aos joelhos com os olhos fixos perdidos
no mar, arrefeceu a ira de Jonathan. Faith parecia devastada. Aproximou-se com cautela,
temendo assustá-la, contudo, antes que chegasse mais perto ela perguntou sem se voltar:

– O que faz aqui?

– A pergunta é o que você faz aqui? – ele retrucou, abalado. Desestabilizado pelo tempo sem
vê-la.

– Estou esperando por eles – disse ainda sem se voltar. – Eu sempre espero. Eles sempre
aparecem bem ali... – Apontou o horizonte. – Como pontinhos no mar... Que logo são
acompanhados de vários pontinhos no céu. Gaivotas... Elas...

– Faith! – Jonathan a chamou firmemente para que parasse com a divagação alienada e o
olhasse. A moça se calou e depois de um suspiro finalmente se voltou para ele. – Sua mãe está
preocupada e pediu que eu viesse buscá-la.
Domando o pulsar de seu coração, frenético desde a chegada inesperada de Jonathan, Faith
reparou como ele estava abatido, com a barba não feita; ainda assim muito imponente em sua
costumeira roupa escura. Era difícil crer que pudesse fazer mal a alguém, mas durante todas
aquelas horas em que esteve esperando, chegou à conclusão de que ele poderia ser um perigoso
impostor. Todas as evidências apontavam para ele, mesmo que não existissem provas.

A droga toda era estar tão desgraçadamente apaixonada ao ponto de se habituar e não se
importar. E era dessa condescendência com os erros dele que nascia sua raiva. Por ser igual ou
pior do que ele que seu pai e seu irmão estavam perdidos.

– O que fará comigo se eu não for? – perguntou, encarando-o sem levantar. O mínimo que
exigiria era saber a verdade daquele que sempre a acusou de mentirosa. – Vai me bater como fez
com Tyler?

Irritado com o tom desafiador e a menção descabida ao seu desafeto, retrucou:

– Se fosse eficaz. – Olhando em volta percebeu que daquela ponta de terra não poderiam ser
vistos e acrescentou: – Eu poderia fazer algo parecido, mas sabemos bem que você gostaria,
não é mesmo? Então, sem corretivos. Agora, vamos embora!

– Ah!... – ela exclamou surpresa, desprezando-se ainda mais por saber que ele tinha razão.
Contudo não queria falar de suas tendências submissas; não era aquele o termo? Queria era
saber a verdade sobre ele. – Então não vai negar que o espancou? Pensei que fosse penar para
conseguir uma confissão, meu senhor.

– Por que eu negaria? – indagou muito sério ante a zombaria. – Você estava lá... Se bem que
não chamaria aquilo de espancamento. – Não que não desejasse fazê-lo, acrescentou para si.

– Não me refiro aos socos que lhe deu no quintal de Netty, senhor, sim, quando o cercou à
porta de casa.

– Che cosa hai detto? – A espera a fazia delirar? Era a única explicação. – O que você disse
Faith? Está me acusando de ter agredido o garoto depois daquilo?!

– Certo, agora mudou de ideia e vai negar – debochou. – Sabe muito bem o que fez, mas vou
te refrescar a memória... O senhor foi atrás de Tyler aquela noite e o pegou antes que entrasse
em casa. Não só bateu nele como o ameaçou caso o denunciasse.

– Mentira! – negou veemente, empertigado. – Quem lhe disse isso? O próprio Tyler? – Aquele
não era o momento para ciúme, mas simplesmente não pôde evitar. – Esteve com ele? Talvez
enquanto descartava minhas ligações?

– Por que não respondi não vem ao caso. – Ela não poderia, pois voltaria atrás em sua
decisão. Era complicado estar perto naquele exato momento, mas deveria ser firme. – E não
desconverse, senhor... Naquela noite eu o esperei na praça e até que fosse embora ainda não
tinha voltado. E quem mais teria interesse em manter Tyler calado quanto ao que viu?

– Você não me viu chegar simplesmente porque não fui embora. Netty Owen me flagrou no
jardim e me convenceu a ficar. Pergunte a ela se quiser, mas até lá... saiba que nunca estive na
casa de seu amigo além daquele dia em que me levou. Não voltei nem para que o pai dele
retirasse os pontos da minha mão. Em vez de me interrogar, talvez devesse perguntar ao seu
amiguinho com qual interesse ele inventou esse disparate?

Faith se sentiu pega em flagrante. Evitando olhar para ele, levantou e deu um passo à frente,
na direção do declive. Em momento algum cogitou que Tyler estivesse mentindo, quando tinha
um bom motivo. Contudo logo se refez. A picuinha entre eles era um caso isolado. Tinha mais...
Sem temê-lo, encarou-o.

– Tudo bem... Vamos supor que Tyler estivesse mentindo... Então o que me diria sobre a morte
de Barry? E sobre minhas fotos que foram entregues para Kristina? Saiba que ela fez como
instruiu e eu já destruí todas elas.

Estupefato, Jonathan digeria a acusação absurda contida em cada palavra. Quando falou,
depois de se colocar diante dela, sua voz não passava de um ciciar rouco e enraivecido.

– Acredita que eu assassinei o dono daquele antro? Sabe muito bem que foi suicídio!

– Pois é... Ele abriu o pescoço com uma faca – ela insistiu. – E o senhor tem uma faca.

– E a perita constatou ser a mesma faca exatamente quando? – inquiriu seco.

– Talvez não seja a mesma. – Ela deu de ombros. – Talvez...

– Esqueça o talvez, Faith – interrompeu-a bruscamente, segurando-a pelo rosto. – Se vai


acusar alguém de algo tão grave, tenha certeza. – Quando a moça desviou o olhar, ordenou: –
Olhe bem para mim, inferno! – Ao ter os olhos castanhos nos seus, prosseguiu: – Acredita
mesmo que eu seja um assassino só porque viu um punhal no meu quarto?

Tentando ignorar o calor das mãos em sua pele saudosa, Faith mirou os olhos muito azuis para
ver além deles. Então toda a certeza se esvaiu. Entre ameaçar e praticar havia uma imensa
distância. Assim exposto tudo parecia surreal; irrelevante para ser negado ou confirmado. De
toda forma ela não o recriminava, queria apenas entender.

– Sinceramente não sei... Mas se não foi o senhor e ele realmente se matou, como minhas
fotos foram parar nas mãos de um homem que as fez chegar a mim através de Kristina?

– Não faço a mínima ideia – sibilou e, ainda preso ao ciúme, soltou-a como se sua pele o
queimasse. – Vai ver ela própria ou outra de suas amigas comentou com algum admirador da
famosa atração e este resolveu seu problema. – Passando as mãos pelos cabelos, bufou
exasperado. Não entendia o que tinha acontecido, mas tinha certeza de que se fosse um
assassino não cometeria erros tão primários. – Se eu tivesse matado Barry, teria destruído essas
malditas fotos. Ou as teria entregado pessoalmente a você, não me exposto, correndo o risco de
ser denunciado. Não vê que nada do que diz tem sentido?

Sentido havia, o contradisse intimamente. Até mesmo nas alternativas que ele expunha e a
constatação a fez com que percebesse que acreditou no que quis acreditar. Talvez na esperança
de reduzir sua culpa atribuindo a ele os pecados mais graves.

– O que há com você, Faith? – Jonathan lhe perscrutou o rosto atentamente. E então, para
provar que a conhecia muito bem, indagou ainda: – O que essa sua cabeça culpada e fantasiosa
andou inventando nessas horas de espera ociosa?

– Agora chegou ao ponto! – ela abraçou o próprio corpo. Embargada, não olhou para
Jonathan, cada vez mais irritado com sua atitude. – Minha cabeça culpada me disse muitas
coisas. Cheguei à conclusão de que o senhor não é padre porcaria nenhuma... Por isso acreditei
que tivesse feito todas essas coisas. Mas não o julguei se quer saber... Talvez por ser uma
vagabunda que se expõe por dinheiro, tão falsa e dissimulada que todos acreditam ser uma
santa.

– Faith, pare! – Com aquele estranho aperto no peito, ele tentou abraçá-la, contudo a moça se
esquivou.

Se Jonathan voltasse a tocá-la, ela sucumbiria e não deveria se desviar do primordial. Ele
poderia ter eliminado suas dúvidas quanto ao que aconteceu em Wells, mas ainda restava o que
nenhum dos dois poderia negar. Era fato que brincaram com a igreja, desrespeitaram a casa de
seu pai por duas vezes. Juntos eram nocivos, por isso seu pai e Mason estavam perdidos. Talvez
até...

– Não posso parar... – gritou, pois ao ver chegado o momento de fazer o certo para salvar
àqueles que ela amava, de súbito sufocou. Como não poderia bater em si mesma, socou-o no
peito repetidas vezes. – Não vê que a culpa do que está acontecendo é nossa? Por isso não
podemos ficar juntos... Somos horríveis! Fazemos mal às pessoas!

– Faith, cale a boca! – Jonathan ordenou em seu limite. As palavras ferindo-o mais do que os
fracos socos. O que ouvia não poderia ser a sério. Abalado, nem se importou que Faith
estivesse debilitada pelo jejum ou que alguém pudesse chegar, apenas reagia ao absurdo de ela
querer a separação. – Não somos culpados pelo o que está acontecendo... Escute a tolice que
diz.

– Não é tolice! – Faith murmurou já a lutar com as lágrimas; amava-o tanto. – Sou uma
péssima filha e o senhor um impostor... Além de brincarmos com coisas sérias, sua bênção aos
barcos de nada valeu...
– Não sei de que você esteve brincando, menina, mas lhe asseguro de que eu não o fiz – disse
rouco e conciso. – Não finjo ser padre se é a isso que pensa. O fato de eu não lembrar meu
passado ou minhas aspirações não significa que eu minta. Conteste minha vocação se quiser,
mas saiba que eu estudei, me formei e fui ordenado. Posso ser um padre sacrílego figlio di uma
puttana traidor de seus votos, mas ainda assim o sou.

– Então estou ferrada! – exclamou alarmada. – Eu te tentei e desviei do seu caminho e agora
estou sendo castigada... Tenho de te deixar em paz, talvez assim possamos ser perdoados.

Antes que percebesse Faith foi tomada pelos ombros por mãos poderosas que a sacudiram
violentamente. Jonathan nunca imaginou que seu coração pudesse doer tanto.

– Pare com isso! – ele demandou rispidamente. – Deixe de ser egoísta, menina. Você não é o
centro do universo. Considera-se tão importante ao ponto de Deus lhe tomar o pai e o irmão
para castigá-la? Isso sem citar aqueles que nem são da sua família. A morte deles seria o quê?
Um lembrete para nunca se despir numa boate ou em minha presença? Cresça! – vociferou junto
ao rosto dela. – Se está em crise com sua consciência, arrependa-se. Peça perdão a Deus sem
transformá-lO num carrasco vingativo.

– Seu tio avisou que eu seria castigada – retrucou chorosa. Por que Jonathan não entendia e
facilitava?

– Meu tio diz muitas coisas, mas nem tudo deve ser levado em consideração – disse ainda
raivoso. Faith não poderia deixá-lo. – É você quem se castiga ao se martirizar alimentando
esses pensamentos doentios. Seja o que for que tenha acontecido com os barcos, não pode ser
desfeito e foi livre de nossa participação. O que estiver reservado para os pescadores é de cada
um por mérito e merecimento próprio. Ninguém é cobrado pelos erros alheios.

– Minha mãe diz que quando não aprendemos pelo amor, aprendemos pela dor – ela disse
embargada, prostrada diante de Jonathan. – Não consigo imaginar forma melhor de fazer doer...

Ao senti-la derrotada Jonathan arriscou se aproximar e tocar seu rosto. Fechando os olhos,
aproveitou que ela não se afastou e acariciou a pele úmida. Como Faith poderia querer privá-lo
daquilo? Modulando sua voz, falou manso:

– Sei que está doendo, Fay... Mas se está se sentindo culpada, arrependa-se e se perdoe. Só
não volte isso contra mim... Preciso de você, angelo, então não diga que vai me deixar.

Faith não sabia mais o que pensar. E, como previu ter Jonathan perto, tocando-a, não a
ajudava a raciocinar. Confusa, ainda presa à culpa e ao temor, sussurrou:

– Eu preciso pensar...

– Não sei se aguentarei esperar até que decida – ele falou sério. – Não sabe o quanto foi ruim
não ter respostas suas.

– No fim das contas também foi ruim não responder – ela assegurou mais calma. – Mas eu
preciso ficar longe, pois me confunde. E isso que está acontecendo só piora... Não pense que foi
fácil desistir do senhor, porque não foi. Então preciso pensar para decidir se volto atrás. Não
quero me arrepender depois.

Àquelas palavras, Jonathan afastou sua mão e recuou um passo.

– Então, quando eu cheguei, estava decidida. Já tinha desistido de mim. – Ela assentiu,
contendo o choro. A revelação o chocou. Acreditou que sua amante dissera aquelas coisas no
calor da discussão, não como caso pré-definido. Não queria perdê-la, mas não se imaginava a
implorar que reconsiderasse. Com um pigarro para limpar sua garganta obstruída, falou seco: –
É mesmo melhor que pense. Mas o fará na sua casa... Vamos embora de uma vez.

Apesar de sua altivez, Faith percebeu que ele sofria. Queria poder dizer que tinha mudado de
ideia; que estavam bem, mas não o faria enquanto não fosse verdade. Tudo o que ele dissera –
ou pregara como o padre que provou ser – não anulava o que sentia nem trouxera seu pai e seu
irmão de volta. Precisava achar um modo de fazer como ele instruiu. Desculpar-se, para voltar
inteira e sem chances de arrependimentos. Rogando ser capaz de fazê-lo, decorando cada traço
daquele rosto sombrio e amado, novamente assentiu. O choro não lhe permitia falar.

Ao dar um passo à frente para acompanhá-lo, suas pernas falharam, obrigando Jonathan a
apará-la. Contida contra o peito que anteriormente esmurrou Faith não teve tempo de se firmar.
De pronto fora içada e beijada com paixão enfurecida, enquanto ele a prendia pela nuca. Estava
fraca demais para resistir. Contudo, ao passo que se entregava menos força sentia, como se toda
que restava se esvaísse pela boca exigente.

Sentindo-a escorregar em seus braços, Jonathan encerou aquele que talvez fosse seu último
beijo e a tomou completamente em seu colo. Sem se importar com o que pudessem pensar,
carregou-a por todo o caminho de volta.

Com os olhos bem fechados Faith aninhou a cabeça contra o ombro de Jonathan e deixou que
ele a levasse embora, dizendo aos que vinham abordá-los para não se preocuparem, pois ela
somente estava fraca demais para caminhar. Não era de todo mentira. Já estava acomodada no
banco do carona do jipe quando ele indagou com a mão estendida.

– Cadê a chave da pick up? – Faith vasculhou o bolso da calça e a entregou sem questionar o
que faria. Sem dizer-lhe uma palavra, ele voltou à sede para retornar logo em seguida. Ao
assumir o volante e dar ignição, falou: – Depois um dos homens vai deixá-la em sua casa.

– Obrigada – murmurou encolhida no banco. Por todo o trajeto de volta manteve os olhos no
rosto sério do homem ao seu lado, recusando-se a pensar para não ser influenciada pela
presença dele. Jonathan nunca olhou em sua direção e em poucos minutos estava à porta de sua
casa.

– Acha que consegue entrar sozinha ou precisa que eu a carregue? – ele perguntou sem
desprender os olhos do para-brisa.

Caso ela estivesse tentada a ser levada no colo, desistiu. Jonathan estava com raiva e não sem
razão. Nem que desabasse depois que ele partisse, não pediria sua ajuda.

– Consigo ir sozinha – disse num fio de voz, escorregando para fora do jipe. Antes que ele se
fosse queria dizer o quanto ele era importante, mas sua expressão taciturna igualmente a travou.
Melhor deixar o dito pelo não dito e se calar. – Obrigada por me trazer, senhor.

– Disponha – retrucou roucamente e sem nada acrescentar por saber que seria capaz de, pela
segunda vez, demonstrar sua fraqueza perante ela. Partiu sem despedidas. Se aquele era o fim
que terminassem de uma vez.
Capítulo Trinta e Quatro

A moça o viu partir até que dobrasse a esquina que o levaria à praça. Ficou parada alguns
instantes, testando a firmeza de suas pernas, então finalmente seguiu pelo caminho de cascalho
até chegar à porta de casa.

– Faith! – sua mãe exclamou ao vê-la. Helen se adiantou a futura sogra para recebê-la.

– Até que enfim voltou, sua maluca! Venha deixe-me ajudá-la.

Constance foi até elas, mas seguiu em frente, indo até a porta para olhar além.

– Veio sozinha? Não foi o Padre Jonathan quem a trouxe?

– Foi ele, sim – Faith respondeu ao sentar no sofá. – Mas estava apressado e foi embora.

– Depois vou agradecê-lo. – Seu tom era repreensivo. – Viu o que nos fez fazer? Atrapalhar o
trabalho do rapaz.

– Sinto muito – murmurou. Depois de tirar os tênis com os próprios pés, deitou e fechou os
olhos.

– Você está péssima, Fay! – disse Helen, pesarosa. Ela também não estava melhor, mas a
moça não comentou.

– Me sinto péssima – disse apenas, sentindo uma mão em sua testa. Não abriu os olhos para
ver de quem se tratava. Soube ser a mãe quando Constance exclamou:

– Você está ardendo em febre! Isso que dá ficar ao relento. Acha que seu pai iria querer isso?

Ela não achava nada, apenas queria ficar ali e morrer. Ou entender qual era o problema com
ela. Tinha se tornado uma idiota alarmista? De volta à sua casa, longe daquele banco cujo
simbolismo sobrecarregava seu remorso, sentiu-se uma estúpida por dispensar Jonathan. Mesmo
que o pior tivesse acontecido a Elliot – por sua culpa ou não –, como achava que iria
sobreviver sem o italiano bipolar?

Deixaria para morrer depois que Jonathan lhe dissesse com todas as letras que ela era uma
louca indecisa e que não precisava dela em sua vida como assegurou. Seria merecido, mas
ainda assim se desculparia. Levantou-se decidida para cair sentada no segundo seguinte.

– Fiquei quieta, Faith – Constance ordenou. – Aonde pensa que vai assim com essa pressa?
– Preciso sair.

– Ah, mas não vai mesmo. – Foi Helen quem a proibiu. – Sua mãe está aqui feito doida com
tudo que está acontecendo e ainda tem você a dar mais preocupação? Agora quem não te deixa
sair sou eu... Só para ir ao seu quarto. Vamos!... Vou te ajudar. – Sua voz indicava que não
admitiria recusas. Constance lhe sorriu agradecida.

– Enquanto a leva para cima eu vou preparar alguma coisa para ela comer antes que tome o
antitérmico.

Faith não retrucou. Deixou-se levar até seu quarto ao reconhecer não ter forças para dar um
único passo sem ajuda. Subitamente seus membros doíam – ou talvez já doessem antes e ela
estivesse alienada demais para notar. Ao se deitar em sua cama estava totalmente ciente de que
tinha feito uma tremenda estupidez.

– Acho melhor tomar banho antes que sua mãe traga o lanche. Quer que te ajude?

– Não precisa, mas fique por perto – disse ao oscilar tão logo levantou.

Lentamente foi até o banheiro. Diante do espelho, Faith se espantou ao mirar a estranha
descabelada e pálida, com bolsas lilases horrorosas sob os olhos. Jonathan beijou aquilo?!
Quando, assim como ela, ele caísse em si, agradeceria por ter sido liberado. Capaz até de rezar
pedindo para que ela não pensasse em porcaria nenhuma. Mil vezes idiota!

Durante o banho breve, a moça recorreu a cantar todas as músicas que lhe vinham à mente
para que não pensasse. Funcionou até que se lembrasse de Angel of the morning. Era egoísta
sim, pois não queria ser castigada e ainda ter seu pai, seu irmão e seu padre de volta, e não
necessariamente naquela ordem.

Se não estivesse tão fraca, desceria pela sacada e iria dizer isso a Jonathan. Talvez pedisse
para ele lhe explicar mais como funcionava aquilo de arrependimento e perdão, para voltar a ter
paz. Contudo teria de esperar, resignou-se ao deixar o boxe.

– Minha nossa senhora! – Helen exclamou da porta, assustando-a. Imaginou por um segundo
se ainda estaria marcada pelas correias do chicote de Jonathan, quando a amiga acrescentou: –
Você está que é pele e osso.

– Acho que todas nós estamos assim – ela enquanto se secava.

– É verdade, mas eu acho que você está pior.

– Não tinha como ser diferente – falou. – Não digo que esteja sofrendo mais, mas minha
cabeça não me dá trégua, Helen. Eu me arrependo de todas às vezes que nunca dei ouvidos à
você ou ao Tyler.
– Não pense mais nisso, Fay. – Helen lhe estendeu as roupas que trouxe do quarto. – E se for
se arrepender, saiba que ainda faz algo que não aprovo.

– Hoje não, por favor – pediu, passando a se vestir. – Depois você briga comigo mais um
pouco. E se quer saber, eu me arrependo disso, mas hoje... Precisamente há alguns minutos,
cheguei à conclusão que mesmo assim não posso me redimir. Agora vamos mudar de assunto
antes que minha mãe apareça.

– Está certo – anuiu Helen, acompanhando-a de volta ao quarto. Não havia o que dizer.

Antes que Faith se acomodasse, Constance entrou trazendo sanduíche, uma xícara de leite
quente e dois comprimidos antitérmicos.

– Coma, tome o remédio e descanse – ordenou, então disse a Helen. – Você vem comigo,
vamos continuar esperando por notícias.

Faith não se opôs a ficar sozinha. Cogitou dispensar o sanduíche, mas ainda estava
impressionada com a figura horrenda que vira no espelho. Comeu mesmo sem fome, tomou o
leite e os comprimidos de bom grado e depois de fazer a assepsia bucal, deitou-se. Não
adiantaria tentar ir atrás de Jonathan. Cansada, decidiu enviar uma mensagem ao acordar. Na
verdade esperava que tudo estivesse melhor quando acordasse, talvez descobrisse que tudo não
passara de um terrível pesadelo.

Depois de deixar Faith para trás, Jonathan não fez a volta na praça para ir até sua casa.
Estava inquieto, necessitado de ação. Seguiu em frente instintivamente até perceber para onde
ia. Fizera aquele caminho uma única vez, mas como todos os outros daquela região, era fácil de
ser seguido. Logo estacionava diante da casa dos Mills. Como da outra vez que esteve ali com
Faith, viu algumas crianças a brincar. Acenou-lhe de volta ao ser cumprimentado, mas sem
nenhum encantamento. Não estava naquela parte afastada de Sin Bay para socializar nem mesmo
com inocentes. Bateu palmas vigorosamente diante da porta protegida pela tela e esperou.

– Padre Jonathan? – disse Spencer ainda sem se mostrar. Quando finalmente saiu, exclamou: –
É mesmo o senhor!... Pensei que o veria na retirada dos pontos, mas nunca voltou.

– Desculpe-me se o preocupei. Estava ocupado com a reforma da igreja e acabou que eu


mesmo os tirei.

– Deixe-me ver como ficou – pediu já estendendo a mão. A contragosto Jonathan apresentou
sua palma. Enquanto o senhor analisava a pequena cicatriz, falou:

– Vim falar com seu filho, ele está?


– Se tivesse tirado os pontos no tempo certo não teria ficado assim – ele ralhou sem
responder-lhe e soltou sua mão.

– Sei disso, mas é só uma cicatriz – retrucou. Já possuía tantas! – E então... Tyler está?

– Ainda não chegou, mas... Ah! – interrompeu-se e apontou. – Ali vem ele. Vamos entrar?

– Não senhor, obrigado! – Jonathan recusou sem desviar os olhos do rapaz que já estacionava
o Windstar, também sem deixar de encará-lo. Falando alto o suficiente para que Tyler o ouvisse,
pediu: – E se o senhor não se importasse, queria falar com ele em particular.

– De forma alguma. – Depois de dar-lhe tapinhas no ombro e acenou para o filho. Antes de
entrar, acrescentou com uma piscadela: – Estou remendando outro. Com licença.

Ao ficar sozinho Jonathan colocou as mãos nos bolsos, pois sua vontade sempre seria partir
ao meio a empáfia daquele garoto que se aproximava com ar debochado.

– Ora vejam se não é o padre esquisito fazendo uma visitinha – provocou.

Ao parar diante de Jonathan, cruzou os braços e manteve o queixo erguido, desafiador. Para
Jonathan pareceu um convite ao seu punho cerrado. Adoraria socar o intrigante, mas jamais
renovaria sua munição. Ainda mais com testemunhas tão ilibadas, brincando próximo a eles.

– Sei que desconhece o respeito aos mais velhos, mas vou pedir que pule a provocação.
Precisamos conversar.

– Acho que não temos nada para conversar, senhor. Tudo o que deveria ser dito foi feito na
noite do baile. Fiz como pedido, não? Então agora me deixe em paz.

Tyler tentou passar, mas Jonathan barrou sua saída.

– É justamente sobre essa noite que quero falar – ciciou. – Não posso encerrar seu interesse
em Faith, mas gostaria de pedir que parasse de inventar histórias a meu respeito.

– Eu deveria saber que ela contaria. – Tyler revirou os olhos, alimentando o desejo de
Jonathan em socá-lo. – O que veio fazer afinal, renovar a ameaça? Tudo bem!... Eu não deveria
ter contado nosso segredinho, mas se ela quer insistir nessa maluquice de se envolver com um
padre, tem todo o direito de ver bem quem ele é.

– Vai manter sua farsa até mesmo para mim? – ciciou. Jonathan sustentava seu olhar,
descrente. – O que é isso? Repete a mentira na esperança de que se torne verdade?

– Essa pergunta é minha... O que é isso? – Tyler franziu o cenho. – Por acaso o senhor bebeu
muito naquele dia ao ponto de esquecer o que fez? Eu não estou mentindo. Fui mesmo atacado
aqui na porta de casa.

– Isso pode ser verdade, mas não por mim. Depois do baile nunca mais encostei um dedo em
você.

– Sério?! – Aquela era a vez de Tyler ser descrente. – O senhor é maluco ou o quê? Quem
mais me mandaria ficar longe de Faith e me ameaçaria caso o denunciasse?

– Está inventando isso – Jonathan sibilou no limite de sua paciência.

– O senhor já pensou em procurar ajuda? – Tyler perguntou entre sério e debochado. –


Deveria, pois se não bebeu ou nem estava drogado demais para esquecer, deve sofrer de algum
problema de cabeça. Posso não ter te visto, mas era você. O mesmo tamanho. Forte ao ponto de
me derrubar facilmente como fez no baile... E me disse com todas as letras, pontos e vírgulas
para ficar longe da Fay.

Então Jonathan ficou sem resposta. Em todo o tempo que o rapaz discursou esteve olhando em
seus olhos e ele não titubeou um segundo sequer. E para todos os efeitos “tinha” um problema de
cabeça. Seria possível que além de sua amnésia sofresse de lapsos de memória?
Repentinamente não queria mais estar ali. Não tinha argumentos para negar as palavras
claramente verdadeiras. Ansiando partir, disse apenas o que acreditava:

– Posso lhe assegurar que não fui eu. – Chegando mais próximo falou muito baixo: – Não
encostaria minhas mãos em você por consideração a Faith, pois jamais faria nada que a
magoasse. Mas lhe digo agora e muito consciente. Deixe-nos em paz. Se ela quiser ficar comigo
eu mesmo me apresento. E quanto a me denunciar, não o ameaçaria com violência. Apenas lhe
aconselharia a ter provas no dia em que o fizer, pois eu simplesmente o processo por calúnia e
difamação. Estamos entendidos?

– Perfeitamente, senhor – cuspiu.

– Ótimo! – Jonathan se afastou sem se despedir. Antes que partisse já se entregava à nova
dúvida. Enquanto manobrava para voltar à estrada, especulou, entre sério e sarcástico: – Quem
sou eu afinal? Será possível que nunca saiba? Como se não bastasse ser desmemoriado agora
sou uma versão do Dr. Hyde?

Depois de rir escarninho da piada imprópria, remoeu a possibilidade de estar certo até que
chegasse a Wells. Não quis voltar para casa, pois ainda não estava preparado para enfrentar seu
padrinho. Intrigado, vagou pelas ruas da cidade até que encontrasse um bar aberto. Seu peito
oprimido e seu corpo trêmulo clamavam por algum torpor.

Antes de saltar tomou o devido cuidado de deixar seu colarinho clerical no porta-luvas.
Abriu três botões de sua camisa e então foi ao bar. Encontrou o salão praticamente vazio
naquele final de tarde. Apenas dois homens jogavam sinuca a um canto isolado do salão.
Olharam-no, porém logo voltaram à atenção aos seus tacos. Ignorando-os, Jonathan seguiu ao
balcão inteiro à sua disposição. Ao se sentar num dos bancos foi prontamente atendido.

– O que vai ser? – perguntou o barman.

– Conhaque, por favor! – E respostas se as tiver, pensou em zombaria particular. Tão logo
recebeu seu pedido, entornou o líquido de uma só vez. Apreciando a ardência instantânea que o
aquecia e acalmava, pediu: – Outro.

Sem nada dizer o homem o atendeu. Ao ter o copo de volta uma ideia lhe ocorreu.

– Escute – disse ao barman. – Por acaso você teria algum jornal de sábado ou domingo, para
que eu desse uma olhada?

– Vocês aparecem com cada pedido! – o homem resmungou ao se afastar. – Vou ver se minha
esposa não os jogou fora – anunciou e sumiu por uma porta lateral. Voltou poucos minutos
depois com quatro exemplares e os jogou sobre o balcão. – Trouxe até o de hoje. Divirta-se.

– Obrigado! – falou polido, já dando atenção aos jornais.

Dispensando os recentes, pegou o de sábado e procurou pela sessão policial. Não teve
dificuldade em achar a matéria sobre a morte do chantagista.

Barry Thomas Reagin. Dono de um conhecido clube noturno de reputação questionável foi encontrado morto em seu escritório
no referido lugar. As evidências indicam suicídio por arma branca. A faca usada foi encontrada ao lado da vítima. Barry deixou
esposa e filhos...

Jonathan interrompeu a leitura. Faith não inventara nada afinal. Ele realmente gostava cada
vez mais de seu punhal, mas não matou o dono da boate. Poderia ter alguma dúvida quanto à
surra em Tyler. Até apreciaria se um dia descobrisse que mesmo num surto seletivo fez o que
tanto tinha vontade, contudo estava completamente consciente de que não entrou na The Isle
desde a vez que se mostrou a Faith. Se não foi suicídio e o assassino pegou as fotos
comprometedoras, ele não tinha qualquer participação.

Correndo os olhos pela página distraidamente enquanto dava um gole comedido em seu
conhaque, Jonathan se deparou com outra matéria, relacionada ao suposto suicídio. Comentava
os casos estranhos ocorridos nas últimas semanas. O aumento dos assaltos e furtos, assassinatos
e quatro desaparecimentos. Foram estes que chamaram sua atenção, pois conhecia todos os
citados. Um mais que os outros. Nem se importou em ler os nomes sob as fotos em preto e
branco. Joseph Wilson era um deles e os três restantes, aqueles com quem brigou à saída da
boate. Todo seu comedimento se foi, então novamente virou todo o conhaque em sua boca.

– Vá com calma, amigo! – ouviu a voz conhecida ao lado.

Depois de deixar o copo sobre o balcão, Jonathan se voltou lentamente até encarar o homem
que lhe falou. Logo uniu as sobrancelhas pela estranheza de encontrá-lo em local e hora tão
improváveis. Impossível não notar que nos últimos tempos ele se fazia presente em seus piores
momentos. Seria um anjo protetor ou um demônio pronto para aumentar seus tormentos?

– O que faz aqui? – perguntou rispidamente. – Por acaso está me seguindo?

– Calma... – Jack Coleman pediu antes de ocupar o banco ao lado do padre, com as mãos
erguidas em sinal de paz. – Mera coincidência.

Jonathan correu o olhar pelas fotos e então o encarou duramente.

– Não sei se acredito em coincidências.

– O que vai beber? – O barman veio atender ao recém-chegado.

– Uísque duplo – pediu, então falou a Jonathan: – Fui recebido melhor da última vez em que
nos encontramos.

– Pouco provável, pois quando estou junto a balcões de bar quero mais é ficar sozinho –
retrucou. – Talvez tenha sido somente um pouco mais educado, por ter me ajudado com aquele
problema.

– Não importa! – o moreno deu de ombros, inabalável. Depois de agradecer a bebida que lhe
foi entregue e dar um gole, comentou: – Estava de melhor humor.

Impossível ter qualquer humor animador enquanto esteve na The Isle, Jonathan considerou
para si. E cansado da conversa fiada, encarou-o. Seu rosto lhe era de fato familiar. O nome nada
lhe dizia, mas sua impressão, assim como todos aqueles encontros não poderia fazer parte de
alguma coincidência. Não sabia de onde, mas cada vez mais sentia que conhecia aquele homem
e sua presença constante não se dava sem motivo. Foi baseado nessa certeza que, aproveitando
o acaso, certificou-se de que não eram observados e girou o jornal de forma que Jack o visse.

– Já que está aqui, me diga... Lembra-se deles? – perguntou apontando os três oponentes.

– Não tenho certeza. – Jack estreitou os olhos como se padecesse de algum problema visual.

– Está brincando comigo? – Jonathan sibilou, sem se importar que ele fosse seu salvador ou
em ser educado. – Esqueceu seus óculos em algum lugar. Quer que eu peça para acender a luz?

– Não, senhor, digo... Não Jonathan, não precisa. Eu...

– Va bene! – Jonathan se pôs de pé já vasculhando sua carteira para tirar uma nota de dez
dólares. Deixando-a sobre o balcão, mostrou-a ao barman e chamou por Jack, movendo dois
dedos em riste. – Vamos sair daqui.
O recém-chegado, tão alto quanto ele mesmo, vestido em agasalho de moletom e jeans, bebeu
seu uísque de uma vez e sem nada replicar o seguiu. Chegando a calçada, Jonathan olhou de um
lado ao outro, indeciso quanto a qual direção tomar. Realmente não conhecia a cidade. Então,
encarando Jack demoradamente, que cordato lhe sustentava o olhar, determinou:

– Vamos conversar no meu carro. – Jack assentiu e o seguiu. Tudo era muito estranho, pois
não conhecia as intenções daquele homem e ainda assim confiou que ele entrasse em seu jipe. Já
acomodados, perguntou: – E então? Por que está me seguindo?... Por que eu acho que tem
alguma relação com o desaparecimento daqueles homens? O que está acontecendo aqui? De
onde me conhece?

– Devagar, por favor – Jack pediu, com a mão erguida. – Me dê um minuto.

– Um minuto para quê? – Jonathan exasperou-se. – Diga de uma vez. O que está acontecendo
aqui? Esteve me seguindo, não esteve? Por quê?

– Pedi um minuto para ordenar as ideias, senhor – ele explicou pausadamente, levando
Jonathan a novamente explodir:

– E ainda isso! Por que me chama de senhor e depois se corrige? Quem é você afinal e o que
quer de mim? – Estava farto de segredos. Até mesmo sua condescendência extensiva àqueles
que ele gostava estava por um fio, deixando quase nada para desconhecidos dados a acasos. –
Acho que já ordenou as ideias o suficiente. Vai dizer de uma vez ou não?

– É que isso é muito estranho – Jack começou. Perscrutando-lhe o rosto. – Esperei muito por
esse momento e agora não sei o que dizer.

– Comece pelo mais importante. – Jonathan o encarou e, contendo um bufar impaciente,


instruiu: – Por que esperou por esse momento? Eu o conheço não é?

– Conhece, mas você não se lembra.

Então esteve certo em sua primeira impressão. Talvez no fundo sempre carregasse a certeza,
pois não se espantou com a confirmação. Nem aventou a possibilidade de estar sendo
confundido. Aquele homem demonstrava respeito e conhecia sua incapacidade de recordar. Não
fazia a mínima ideia do que viria ou se seria relevante, mas considerava ser interessante ouvi-
lo. Com o peito antes dolorido pela rejeição de Faith, agora tomado pela expectativa, falou
comedido:

– Pois bem... Diz que eu o conheço. Posso saber de onde?

– De Nova York – Jack falou seguro. O nome da cidade não trouxe a Jonathan qualquer
recordação, mas não cogitou questionar.
– Não me lembro disso.

– Eu sei. – Jack demonstrava estar mais à vontade. Acomodando-se sobre o assento,


perguntou: – Não lembra mesmo de nada, nada?

– Sei que tenho uma dívida com você e não quero ser grosseiro, mas não o chamei aqui para
falar de mim. Quero entender o que está acontecendo então vamos voltar ao assunto... Se me
conhece de Nova York, o que faz aqui? Outra coincidência?

– Não! Estou aqui para cuidar de você – falou firme, olhando-o diretamente como Jonathan
tanto apreciava. Contudo aquela declaração lhe trouxe estranheza. Por que precisaria que
alguém o cuidasse?

– Não sei se acredito nisso. – Jonathan olhou para além do para-brisa. – Não preciso de
proteção.

– Não lembra que precisa, senhor – Jack corrigiu.

– Va bene! – encarou-o. – Vou aceitar que preciso ser protegido. Então você é o quê? Um
guarda-costas? Quem o contratou? Como soube onde me encontrar, Jack de Nova York?

– Ninguém me contratou. Se eu estou aqui é por amizade... Gratidão. Me ajudou inúmeras


vezes no passado. Inclusive salvou minha vida. O que for preciso fazer para deixá-lo a salvo eu
farei.

– A salvo de quê? – Jonathan começava a considerar toda aquela conversa absurda.

– Dos homens de Toni Galeazzo.

– Como?! – Jonathan refreou o riso descrente. – Quem é esse? E o que fiz para esses homens
estarem atrás de mim?

– Você roubou algo do chefe deles? – Jack disse inabalável ante a incredulidade do padre.

Jonathan encerrou o resquício do riso e o encarou, sentindo-se enregelar. Aquele homem


estava mesmo lhe dizendo que era um ladrão? Decididamente havia algum engano.

– Sinceramente acho que você está me confundindo com alguém. – Jonathan indicou a porta. –
É melhor nós encerrarmos essa conversa maluca por aqui. Acho...

– Não há engano – Jack assegurou, sério. – Na verdade, não o roubou sozinho... Éramos
quatro.

– Perdonami... Mas não tem como acreditar no que diz – Jonathan o interrompeu impaciente.
– Prefiro encerrar essa conversa.

– Podemos adiar se achar melhor, mas depois vai querer saber de toda a história já que eu
comecei. – Jack deu de ombros.

– Pouco provável – retrucou decidido. – Não vou querer saber de histórias fantasiosas que
me colocam como ladrão. Se esteve me seguindo sabe que sou padre.

– Sim, o senhor é padre! – De súbito o homem irrompeu numa gargalhada acintosa de breve
duração. Secando uma lágrima furtiva, Jack pigarreou. – Me desculpe por isso, mas acho que
nunca vou me acostumar. Justamente você se tornar padre!

– Já que sabe tudo a meu respeito, diga o que torna minha condição tão engraçada – pediu
secamente. Sentindo o estômago se comprimir revoltoso ante tudo que escutava. Se aquele
homem dizia a verdade, realmente nunca se conheceu.

– Não sei. – Jack coçou o queixo, ponderando sobre o pedido. – Não está reagindo bem ao
que digo, acho que seria melhor nos encontrarmos outro dia. Quem sabe com o pouco que eu
disse não chegue ao restante sozinho.

Jonathan o olhou de esguelha. Talvez Jack Coleman tivesse razão, mas ainda achava pouco
provável. Se tudo fosse verdade era extraordinário que pudesse ter esquecido algo do tipo.
Também gostaria de saber onde Carlo se encaixava em tudo aquilo. Ou ainda, se sabia daquele
passado inimaginável. Daquele passado do qual já se arrependia das vezes em que desejou
conhecer.
Capítulo Trinta e Cinco

Fosse como fosse, por mais que relutasse a crer, se Jonathan tomasse por base suas fases de
deslocamento, seus sonhos impróprios e mais recentemente a familiaridade com lugares e
hábitos opostos a vida escolhida, chegaria à conclusão de que, talvez, aquelas ações atribuídas
a ele não fossem tão extraordinárias.

– Não vou chegar a nada sozinho – disse por fim. – Já que começou, termine. Diga de uma vez
qual a graça em eu ser padre.

– Bom... – Jack hesitou um instante. – É que padres geralmente são bondosos, gostam do
próximo e você nunca foi do tipo acolhedor. Quando muito tolerava aqueles com quem convivia.
Isso quando te serviam bem... Sempre foi de poucos amigos. Dos quais eu tive o privilégio de
fazer parte – acrescentou rapidamente.

Estava ali algo que Jonathan poderia reconhecer. Até mesmo como um padre que, segundo a
explanação simplória de Jack, deveria ser bondoso e gostar do próximo, ele invariavelmente
apenas suportava os que nada acrescentavam à sua vida. Sua lista de afetos era resumida a dois
nomes de elevada importância, com alguns outros poucos acréscimos justamente pelo motivo
citado; serviam-lhe bem.

– Ainda não vi o motivo da graça, mas entendi – Jonathan retorquiu.

– Isso está diferente – Jack salientou. – Antes você era mais divertido.

– Perdoe-me se com minha memória foi-se meu senso de humor – replicou. – Acho que
podemos voltar ao assunto. O que exatamente nós roubamos desse... Toni?

– Apenas cinco milhões e meio de dólares.

– O quê?! – Jonathan engasgou. Como não lembraria que roubou tanto dinheiro?

– Parece muito, mas para traficantes italianos isso é quase troco – Jack menosprezou.

– Estou sendo procurado por homens da máfia, tenho um cão de guarda que me segue nem sei
como, por causa de troco? – retrucou ainda abalado. – Eu acho que não.

– Certo, vamos deixar clara uma coisa – Jack pediu apaziguador. – Não está necessariamente
sendo procurado, pois pensam que você está morto. Principalmente a polícia. Para esses você é
passado. A droga toda é que para alguns você é tipo Elvis... O rei não morreu! – troçou. Sem
conseguir fazer a graça esperada, concluiu: – Então, é com esses que tomo cuidado.
– Tudo bem! – Jonathan tentava assimilar tudo o que ouvia. – Vamos dizer que eu acredite em
todo esse absurdo. Ainda quero saber por que você está aqui. Não pedi que me protegesse... E
se todos acham que morri, como me achou? E por que esses homens que cita não estão atrás de
você e dos outros, se roubamos juntos?

– Primeiro, eu nunca precisei te achar, pois éramos parceiros e eu sempre soube onde te
encontrar. Te perdi de vista uma única vez. Segundo, não estão atrás de mim porque o senhor era
o líder do nosso grupo, quem lidava diretamente com Galeazzo. Para todos os efeitos eu nem
existo. E já disse que estou aqui por gratidão. Na verdade eu apareci agora, pois te acompanho
há muito tempo.

– Por que perder seu tempo me acompanhando se minha existência é praticamente uma lenda?
– Tinha algo errado ali.

– Também já disse... Salvou minha vida e eu tenho uma dívida de gratidão. Eu o guardo para
que seu segredo continue a valer. Afasto qualquer ameaça.

– Então chegamos ao que nos trouxe até esse carro. – Não era preciso ser muito inteligente
para saber o que havia acontecido. – Você sumiu com aqueles homens?

– Eu tentei fazê-los desistir de irem à polícia, mas estavam irredutíveis – disse à guisa de
confissão, com indiferença. – Como já expliquei, para os tiras o senhor é passado e deve
permanecer assim. Imagine se começam a investigar e o descobrem. Para eles você sempre foi
apenas um nome com muita fama; nunca esteve preso. Não há fotos ou digitais, mas ainda há um
retrato falado que uma de suas vítimas conseguiu fornecer. Pode parecer pouco, mas basta um
investigador mais curioso com mania de investigação para cedo ou tarde chegarem até você.

Jonathan ainda ruminava cada palavra indigesta, principalmente quanto a um comentário de


Jack, mas outro teve maior importância.

– Você disse que uma de minhas vítimas forneceu um retrato falado? – Realmente se
arrependia de ter desejado saber, mas não poderia mais frear sua curiosidade. – O que eu fiz
com essa pessoa? Já me disse que eu era um ladrão... Acaso eu a machuquei durante um assalto?

– É inacreditável como foi se esquecer! – Jack se admirou. – E o mais assombroso é estar tão
mudado, tão padre na maioria das vezes que nem sei se deveria te dizer essas coisas.

– Seu comentário inicial foi que esperou muito por esse momento – Jonathan domava sua
impaciência –, então eu acredito que sabia bem o que representaria dizer essas coisas para mim.
Agora é tarde para escrúpulos.

– Tem razão. E eu acho que você deve saber. – Jack deu de ombros. – Bom... Percebo que
entendeu errado. Não era um ladrão... Bom, não mais. No começo roubávamos carros.
Geralmente por encomenda. Então começamos a repassar drogas. Isso nos rendia bem, mas você
resolveu que queria mais.

– Eu considerava pouco o que fazíamos? – Simples retórica, ainda assim Jack ouviu e
respondeu:

– Considerava e não tinha medida das coisas que fazia. Então um belo dia resolveu fazer uma
festinha particular. Muitas mulheres, bebidas e tudo regado com o pó que deveríamos vender.
Cara... Foi animal!

Aquela era a palavra. Ele cada vez mais se desconhecia e se considerava um animal. Que tipo
de vida levava antes daquele acidente? Isso não poderia ter sido antes dos dezessete! Queria
entender, mas não ousou interromper o relato saudosista de seu cúmplice. Enojado com a
descrição da citada festa, resmungou apenas:

– Faço uma vaga ideia.

– Duvido! – Jack retrucou descrente. – Essa sua fase certinha não te dá parâmetros. Mas
enfim... A festa foi irada, só que depois não tivemos com o que pagar. O homem de confiança de
Toni foi à sua caça e te levou ao patrão. Não saberia dizer o que aconteceu nesse encontro, mas
você apareceu com um olho roxo e com a morte no olhar. E o pior era que não se importava.
Você nos contou que como forma de pagamento Galeazzo te fez cobrar outro devedor. Esse era
reincidente e parece que o velho já estava de saco cheio.

– E eu o fiz pagar? – indagou tentando se encaixar em todas aquelas situações, sem conseguir.

– Se o fez pagar? – Jack riu brevemente. – Não ouviu o que eu disse sobre a morte no olhar?
Você torturou e matou o cara...

– Isso não pode ser verdade! – vociferou enraivecido; não era um assassino!

– Lamento dizer que sim... – Jack afirmou sem se abalar. – E se quer saber de toda a verdade,
tomou gosto pela coisa e Toni Galeazzo não só te desculpou a dívida como caiu de amores por
você. Todas às vezes que tinha algum serviço desse tipo, recorria ao seu querido Nathan...

– ...Hughes – murmurou sem pensar. Jonathan sentiu como se atingido no estômago.

– Isso – Jack sorriu. – Se lembrou?

– Não – disse alheio. – O nome apenas me veio.

– Já é um começo – falou conformado. – Esse era seu nome... Nathan Hughes. Aquele dia lá
na boate te chamei assim como teste para ver se lembrava, mas não funcionou.

Se ainda restasse alguma dúvida, esta caiu por terra. Não tinha a lembrança, mas o nome
esteve perdido em seu subconsciente e bastou ser apresentado a ele para que o sobrenome
viesse fácil quando se registrou no motel. Sentindo o gosto de fel, perguntou:

– E eu sempre o atendia? Ao Toni?

– Feliz como pinto no lixo. E fazia um estrago tremendo com uns punhais que era de revirar o
estômago dos mais fortes. Nós o apelidamos de O Sádico. O senhor se tornou tão temido quanto
o próprio Galeazzo. E o amor do velho só aumentava, pois seus clientes nunca foram tão fiéis e
pontuais com os pagamentos.

Seus punhais. Torturador. Assassino. Por que mesmo ele quis saber?

– Então eu era o sádico... – murmurou. Sua boca estava seca. Uma dose de conhaque viria a
calhar; ou a garrafa inteira.

– Depois você abreviou para Sade.

– Evidente que abreviei – retrucou com deboche ácido, sentindo a tatuagem queimar ainda
mais em suas costas; era o símbolo de um assassino. – Para que um torturador iria querer um
apelido tão óbvio?

– Olhe lá seu humor aparecendo! – Jack exclamou animado. – Será que tem salvação?

– Não consigo ver qualquer forma de salvação para mim – retorquiu seco. – Eu era um
monstro.

– Não! – Jack se apressou em dizer. – Não pense assim... Imagine que apenas prestava um
favor. Até onde sei nunca tirou a vida de um inocente.

– Isso não anula ou atenua meus crimes. Ninguém tem o direito de tirar uma vida. Apenas
Deus o tem e na hora em que Ele determina.

– Certo!... Eu esqueço que agora é padre e se preocupa.

– Sim... Preocupo-me tanto que tenho outra pergunta para você. Antes, quando comentou de
um retrato falado eu me lembrei do outro desaparecido – disse com o cenho franzido. – Por
acaso está envolvido no desaparecimento de Joseph Wilson?

– Não posso negar – Jack disse sem titubear. – Assim como os outros, ele se tornaria um
problema.

– Mas ele desconsiderou a ideia! – alterou-se. – Você é maluco? Eu deveria denunciá-lo.

– Mas não vai fazer isso.


– Não vou – Jonathan ciciou enraivecido.

A possibilidade de haver um assassino tão próximo a Faith o apavorou durante o segundo que
demorou em assimilar que um assassino praticamente a violou e se deitava com ela desde então.
Quem era ele para julgar alguém? Sem contar que estava envolvido em cada uma das
barbaridades cometidas por aquele homem impassível. Aquela nova confissão lhe trouxe novas
dúvidas.

– Desconsidere o que eu disse, estou nervoso. Contudo exijo saber como soube de Joseph.
Ele comentou de onde me conhecia durante um baile no qual eu tenho certeza de que você não
estava.

– Bom... – Jack correu os dedos pelos cabelos pretos. Pigarreou. – Eu estava sim, mas não
onde me veria. De toda forma, tenho quem me informe.

– Quem?

– Certo... Talvez o senhor não goste de ouvir isso...

– Não gostei de uma única palavra dita até agora, então não fará diferença.

– Foi seu padrinho quem me avisou do perigo – ele disse de chofre.

– Carlo o conhece?! – Aquela talvez fora uma das revelações mais chocantes, dividindo
espaço com sua ficha de antecedentes.

– Mantivemos pouquíssimos contatos. Naquela noite ele me ligou apavorado para me dizer o
que tinha acontecido.

Com o estômago a dar voltas ao se lembrar do choque demonstrado pelo padrinho quando lhe
contou do desaparecimento de Joseph, Jonathan inquiriu:

– Carlo pediu que matasse o rapaz?

– Não! – Jack negou prontamente. – Ele não sabe o que faço. Acho que o velho não tem de ser
colocado a par desses detalhes práticos e nem eu ficaria dando satisfações. Ele quer mesmo que
o senhor fique longe de tudo isso. Quer te proteger, assim como eu.

Longe de se sentir tranquilo com a revelação, Jonathan perguntou ainda:

– E por que só você está interessado em me proteger? Não disse que havia mais dois? Onde
estão?

– Eles estiveram tomando conta do senhor por um tempo, mas ameaçaram te trair. Tive de
eliminá-los.

Com sua mente trabalhando vertiginosamente enquanto processava tudo o que ouvia, Jonathan
acreditou entender um acontecimento recente envolvendo seu tio e dois homens desconhecidos.
Assombrado com sua condescendência ante tantas confissões de assassinatos e sua capacidade
de ainda ponderar sobre todos os pontos citados, indagou:

– Foram esses dois que atacaram meu padrinho?

– Sim, foram eles. – confirmou.

– Foi um deles que atirou? – Nesse momento seu celular tremeu no bolso. Ignorando-o,
Jonathan acrescentou: – Tentaram matá-lo?

– Na verdade foi um acidente. Eles tentaram chantagear seu tio. Estiveram na igreja numa
noite de sábado, quando ele celebrava a missa, e o ameaçaram... Eu o instruí a marcar o
encontro em Wells, pois o velho pirou com a possibilidade de eles te procurarem. Eu iria tentar
demovê-los, mas as coisas fugiram ao meu controle e deu no que deu. Seu tio baleado e eu tendo
de acabar com os dois.

– Quais eram os nomes deles?

– E isso importa, senhor? – Jack se espantou.

– Importa para mim. Não eram animais... Eu vi as fotos deles e agora quero saber os nomes –
falou, sendo tomado por uma superioridade instintiva, demandou: – Diga a porcaria dos nomes.

– Ted Ellis e Fred Tolley, senhor – Jack respondeu de pronto.

Sabê-los não lhe acrescentou nada, mas gostou de ouvir. Eles faziam parte daquele seu mundo
obscuro e uma vez que fora apresentado, iria querer conhecer cada detalhe sórdido.

– Agora me conte como me achou essa tarde. Das outras vezes posso supor que meu
preocupadíssimo padrinho tenha avisado de minhas saídas e você tenha me seguido, mas hoje...

– É verdade. Ele me avisou que sairia... Por isso eu sempre estava na boate. – Dito isso
sorriu, novamente saudoso. – Da primeira vez foi como nos velhos tempos. Me desculpe dizer
que está um pouco fora de forma, mas ainda assim bateu para valer. Foi bom te ver brigar. Se o
cara estivesse sozinho eu nem interferiria.

Ao comentário da boate a atenção de Jonathan foi desviada para outro caso anteriormente sem
explicação, mas que naquele momento parecia solucionado. Com o cenho franzido, afirmou:

– Você matou o dono da boate.


– Livrei o mundo de mais um cretino aproveitador – Jack confirmou com um sorriso
orgulhoso. – E nem precisa me agradecer.

Como agora se descobria tolerante, ele seria até capaz de agradecer naquele caso em
especial. Isso se este não trouxesse uma incômoda indagação.

– Carlo o avisou de minhas saídas e sobre Joseph, mas como ficou sabendo do problema com
Barry Reagin?

Nesse momento a tranquilidade de Jack sofreu visível abalo. Como que pego em flagrante,
seus olhos pretos vagaram nervosamente de um lado ao outro sem nunca se fixar nos azuis de
Jonathan.

– Estou esperando! Esteve tão disposto a narrar cada imundice cometida por mim e por você
mesmo... Qual o problema em me dizer como descobriu algo somente dividido entre mim e... –
Jonathan se calou. Analisando tudo o que fora dito, poderia deduzir qual a fonte de informação
de seu cão de guarda. Sem temer errar, ciciou: – Você colocou escutas no meu quarto?

Jack pigarreou e novamente desviou o olhar.

– Eu lhe fiz uma pergunta – Jonathan ciciou muito baixo, tentando se controlar. – Sei a
resposta, mas quero ouvi-la de você. – Jack apenas coçou a cabeça e pigarreou. Jonathan perdeu
a paciência de vez ante ao silêncio que confirmava a invasão de sua privacidade. Então, antes
mesmo que o homem cogitasse responder, num ato súbito, puxou-o pelo colarinho do moletom. –
Ouviu minhas conversas com Faith?

Jack reagiu, levando a mão instintivamente às costas, mas não sacou sua arma. Mostrando a
palma vazia, disse:

– Me desculpe. Não era essa minha intenção. E não pode me culpar, afinal supõe-se que
padres não têm aquele tipo de conversa. Se ajudar em alguma coisa, eu te asseguro que
desligava o receptor quando as coisas começavam a esquentar.

Muito trêmulo Jonathan o soltou. Talvez ajudasse saber que qualquer porcaria tivesse sido
desligada se acreditasse. Poderia não se lembrar de nada daquela vida abjeta atribuída a ele,
mas conhecia um pouco das pessoas para saber que assassinos contumazes não teriam
escrúpulos em ouvir um casal durante o sexo. Para ele era como se Jack os tivesse visto.
Tomado por uma raiva súbita, sem nem pensar, fechou o punho que antes o prendeu e, num novo
gesto reflexivo, socou-o fortemente no queixo.

– Atire agora desgraçado! – berrou enfurecido.

– Não vou atirar no senhor – Jack falou massageando o maxilar. – Principalmente porque eu
mereci isso...
– Ficava nos ouvindo, não? – vociferou. Quando o moreno assentiu, novamente o prendeu
pelo moletom: – Onde está essa escuta?

– Entenda que era importante te ouvir, principalmente depois da traição daqueles dois. Eu
precisava saber tudo o que se passava.

– No meu quarto, stronzo?! – sibilou. – Onde está?

– Em cima do guarda-roupa. Lado esquerdo – disse por fim.

– Onde mais? – perguntou, soltando-o, enojado. – Carlo sabe que colocou escutas na nossa
casa?

– Não, ele não sabe. E não existem outras.

– Não confio em você – Jonathan assobiou enraivecido. – Tem alguma coisa faltando nessa
história. O que eu poderia dizer no meu quarto que seria de seu interesse?

– Meu interesse é te proteger, já disse. Fiz mal em colocar a escuta. Talvez tenha sido
exagero, mas saiba que pode confiar em mim. Eu te contei tudo que queria, não contei? Sempre
soube que o senhor queria conhecer seu passado e me calei. Só que ultimamente eu ouvia sua
insatisfação, algumas conversas entre seu tio onde ele sempre se recusava a contar a verdade.
Dando-lhe um passado fantasioso... Se isso não é prova de que sou seu amigo, não sei o que
mais possa ser.

Jonathan tinha suas dúvidas. Sentia que havia algo mais, mas chegava ao seu limite. E ainda
havia tanto a ser respondido.

– Depois que eu digerir toda essa nojeira eu decido quem foi mais amigo... Por ora quero
somente saber como me achou essa tarde.

– Bom, eu já estou queimado mesmo – Jack retrucou e contou sem rodeios. – Eu consegui o
número de seu celular e te rastreio por GPS.

– Quando e como conseguiu? – inquiriu.

– Quando o deixou no quarto daquele motel.

– Claro! – Jonathan exclamou irritado. Cansado demais para se estressar com mais aquela
declaração. – Era você que nos observava naquela noite.

– Tenho de te proteger. – Jack deu de ombros. – E já que estou contando toda a verdade, saiba
que posso fazer o mesmo com sua nova namorada.
– Nova namorada? – Não teve outra antes dela, pensou. E então entendeu. Era evidente que
em todo aquele passado estava aquela que ele tinha aceitado ter existido. Por um instante a
curiosidade suplantou sua irritação, então quis saber. – Já que comentou... Eu tinha uma
namorada?

– Bom, não era nada sério, sério. Nathan Hughes não era o tipo exclusivo, mas tinha uma
preferida.

Faith era a única. Ou foi, contudo ele sempre seria exclusivo dela. Ainda assim, perguntou:

– Quem era essa?

– Gillian Fannon, senhor... A pobrezinha praticamente enlutou quando correram os boatos de


sua morte. Era de cortar o coração.

Jonathan repassou o nome duas ou três vezes e como todas as coisas ouvidas naquele final de
tarde, este nada significou. Seu coração não sofreu um mínimo abalo como acontecia ao apenas
ouvir o nome de Faith. Aquela que, depois de descobrir todas aquelas coisas, ele não sabia
mais se queria de volta em sua vida.

Antes não sabia do mal que o rondava. Não conseguia se imaginar sendo procurado por
traficantes, mas tinha certeza de que não a colocaria em perigo. Mesmo com o peito ferido,
considerou providencial que ela o tivesse dispensado. Preferiria ser encontrado e morto a vê-la
ameaçada. E descobriu naquele instante que não desejava nem mesmo que chegassem perto dos
de sua família ou qualquer outro da pacata cidade. Nunca antes se sentiu tão preocupado ou
responsável por todos que fora escolhido para guia. Jamais se sentiu tão padre.

Então a presença de Jack Coleman em seu jipe e tudo o que representava se tornaram muito
incômodos. Jonathan sabia que havia mais para saber, mas simplesmente não suportaria ouvir
uma única palavra.

– Poderia ir embora agora? – pediu educadamente.

– Mas ainda há tanto a contar – o moreno comentou. – Posso dizer como nos conhecemos ou
como era com Gillian... Cara, se ela soubesse que está vivo, piraria.

– Mas não saberá, não é mesmo? – indagou irritado. Não queria nenhuma mulher pirada por
ele. Talvez nem mesmo Faith.

– Claro que não! – Jack exclamou apressadamente. – Ninguém vai saber.

– Ótimo!... Agora saia – ordenou, sua educação se esvaia.

– Eu vou, mas antes... – falou com os dedos na maçaneta. – Agora que sabe sobre minha
presença, se quiser saber mais, me procure.

Jonathan ia retrucar que não pretendia fazê-lo, mas refreou-se a tempo. Estava com a cabeça
cheia e desordenada, mas se conhecia o suficiente para saber que quando tudo se assentasse
iria, sim, querer saber mais.

– Onde? – perguntou sem olhá-lo; sentindo na boca um gosto amargo.

– Pode ser aqui mesmo em Wells. Eu sempre te sigo e fica combinado que se entrar em um
bar é porque deseja me ver. Mas se não quiser vir até aqui, pode ir até o casebre que tem me
servido de abrigo lá mesmo em Sin Bay.

– Onde é isso? – Não o espantava mais nada referente àquele homem.

– Na mata, atrás da cooperativa – disse. – Há um caminho distinto pelos fundos da casa dos
Owens. Está coberto pelo mato, evito usá-lo para não chamar a atenção, mas o senhor vai
encontrar com facilidade.

– Se for o caso, eu encontro – disse lacônico. – Agora vá.

– O senhor vai ficar bem? – Jack parecia realmente preocupado, levando Jonathan a
exasperar-se.

– Deveria ter se perguntado isso antes de me abordar com o firme propósito de dizer todas
essas coisas. Agora se fico bem ou não, não é de sua conta. Então, por favor... Saia.

– Boa noite, então... – ele disse deixando o jipe.

– Acho pouco provável – retrucou muito sério, colocando o carro em movimento sem nem
olhar para o moreno que, segundo ele mesmo, era seu amigo, cúmplice... Um comparsa.

Antes de deixar a cidade, Jonathan foi à conhecida loja de conveniência para comprar outra
garrafa de conhaque. Enquanto a pagava, seu celular novamente vibrou e mais uma vez foi
ignorado. Não tinha nada para dizer a Faith nem queria saber o que esta tinha a lhe falar. Não
era a melhor pessoa para estar com a moça. Não naquele momento.

Já em seu carro, tirou o lacre da garrafa e bebeu direto no gargalo. A ardência tão apreciada
não foi capaz de desobstruir sua garganta nem eliminar o gosto de fel então tomou outro e mais
outro. Enquanto seguia de volta a Sin Bay, Jonathan se manteve dentro do limite de velocidade
somente por não desejar ser abordado pela polícia rodoviária. Agora que era um fugitivo. Não
deveria, de fato, chamar a atenção como seu dileto e omisso padrinho tanto lhe recomendou.
Contudo sua vontade era pisar o máximo que pudesse em seu acelerador e correr. Correr para
descobrir se aquela angústia em seu peito era deixada para trás. Correr e sumir.
Uma vez na estrada vicinal, Jonathan estacionou e deixou o jipe, levando o conhaque consigo.
Andou a esmo até desabar aos pés de uma árvore e se recostar contra seu caule escurecido;
coberto de fungos e lama. Como seu passado, observou antes de voltar a beber. Não deveria se
sentir tão mal, afinal saber sempre fora seu desejo. Pediu inúmeras vezes que lembrasse fosse
do que fosse. Apenas fora atendido. E descobrira em detalhes torpes que era uma fraude. A mais
infame de todas.

Era um lobo sanguinário abrigado pela pele de um santificado cordeiro. Como chegara
àquilo?

Aquela parte de sua história somente Carlo poderia responder. Ou ele próprio, caso se
lembrasse. A droga toda era que não sabia se queria tomar conhecimento de mais podridão.
Enojado de si mesmo, tomou outro gole. Já nem sentia mais a queimação em sua garganta; ainda
entalada. Então bebeu mais e mais. Até que a noite ainda clara e tornasse escura. Até que a
escuridão silenciasse e em seu silêncio o deixasse novamente esquecer.
Capítulo Trinta e Seis

Não deveria se espantar por não ser atendida, Faith considerou ao jogar o celular sobre o
colchão após a terceira mensagem não respondida. Deveria ter pensado melhor antes de sair
dizendo asneiras para o padre. Fora tão custoso conquistá-lo, como pôde dispensá-lo logo na
primeira provação? Nem tinha mais xingamentos para dirigir a si mesma; estúpida era o certo e
seria constante.

Exasperada, a moça se jogou de bruços sobre seu travesseiro e olhou para o céu através da
porta da varanda. Sem reter uma lágrima, perscrutou a noite já escura. Estava sem Jonathan e
sem notícias dos homens de sua família. Queria que algo mudasse? Mudou para pior.

Rolando de lado deu vazão ao choro interrompido pela manhã. Era novo estar entregue às
comiserações e a tanto sofrimento. Nunca se imaginava tão fraca. Sem se importar em parecer
uma daquelas apaixonadas desesperadas que tanto desprezava, alcançou seu celular e,
enroscada em posição fetal, arriscou enviar nova mensagem. Apenas um pedido de desculpas.

– Responda, por favor – pediu ao visor.

Este não a atendeu. Iniciava nova mensagem, daquela vez desesperada, quando ouviu os
gritos vindos do andar inferior. Imediatamente se esqueceu de seu sofrimento e deixou a cama.
Não mais dolorida, sem febre. Correu escada abaixo, trêmula quanto ao que iria descobrir.
Encontrou sua mãe agarrada a Helen chorando copiosamente, Nicole desabada numa poltrona
em estado semelhante e Peter junto ao rádio de seu pai. Seu coração se enregelou e suas pernas
vacilaram, contudo, antes que caísse, o riso de seu amigo encheu o ar. Agarrando-se ao
corrimão, perguntou:

– O que está acontecendo?

Ao ouvi-la, Helen se desprendeu de Constance e correu para abraçá-la enquanto sua mãe caia
sentada no sofá. Sem entender, foi agarrada e apertada antes de ser informada entre risos e
lágrimas.

– Eles foram encontrados. – Ainda registrava a notícia quando a futura cunhada gritou: – Eles
estão vivos!

E então ela fazia parte da comemoração chorada. Contudo não se deixou ser abraçada por
muito mais tempo. Beijando a bochecha molhada de Helen correu até o rádio para disputar lugar
com Peter. Logo ouviu a voz metalizada do irmão.

– Mason? – chamou também rindo e chorando. – Você está bem? E papai?


– Fay... Fique calma que logo estaremos aí. Preciso desligar agora... Já estava me
despedindo... Outros também precisam usar o rádio... – Então, ouviu-se o chiado.

Faith não esperou por novo contato e antes que notasse estava abraçada a Peter. O amigo a
beijou no alto da cabeça antes de afastá-la.

– Eles estão bem, Fay!

– Mas o que aconteceu? – ela perguntou secando o rosto.

– O motor do Estrela Marinha pifou durante a tempestade e eles ficaram a deriva. A


correnteza levou-os mar adentro, tirando-os da rota.

– Os dois barcos? – era estranho. – Free Soul I também perdeu o motor?

– Não – ele disse contrito. – Infelizmente o barco de seu pai naufragou. Eles foram resgatados
pela tripulação do Estrela. – Ao ver-lhe a consternação, atalhou: –, mas o importante é que
estão bem.

– O capitão Green não está – ela murmurou. Então percebeu que o irmão não lhe deu notícias
do pai. – O que aconteceu com meu pai, Peter?

– Não aconteceu nada a nenhum deles – disse antes de ir até sua namorada. – E logo estarão
aqui. Não se preocupe mais.

– Mas... – ela quis insistir, contudo Constance a cortou:

– Não há “mas” Faith. O importante é estarem vivos. Se meu filho disse que estão bem eu
acredito. Barco, depois seu pai consegue outro. Para isso se paga o seguro.

– A senhora tem razão – aquiesceu Faith, voltando a se alegrar. – O importante é estarem


vivos.

– Sim e quando Elliot estiver em casa, peço que vocês esperem para contar tantas novidades.
– Constance pediu livre de qualquer rancor.

Sua mãe somente se preocupava com seu marido como sempre fizera. Faith não a
recriminaria, pois agora tinha alguém em sua vida que também tentaria proteger caso fosse
preciso. Finalmente ela entendia sua mãe e sua entrega incondicional ao bem estar de um
homem.

– Pode deixar – ela foi a primeira a concordar, sendo logo seguida por Nicole e Peter, que
acrescentou;
– Já disse que nunca foi minha intenção brincar com o capitão. Assim que o Sr. Green se
recuperar eu converso com ele e tenho certeza de que vamos nos entender. Não desejava que
Joseph morresse, mas já que aconteceu, Nicole não está presa a ninguém.

– E ainda isso! – Constance exclamou cansada, já refeita das lágrimas. – Gostaria que seus
pais tivessem a mesma alegria que tive hoje, mas infelizmente acho que não acontecerá.

– Não vamos pensar em coisas tristes... – Helen pediu. – Também lamento por eles, mas estou
feliz demais para me compadecer agora. Mason logo estará aqui!

– Quando eles chegam? – Nicole perguntou um tanto apreensiva.

Faith também a entendia. Livre de compromisso ou não, o pai sempre seria páreo duro para
enfrentar. Mas tinha fé de que quando chegasse a hora, sua irmã seria bem sucedida. Ela poderia
não ter se dado conta, contudo olhando para ela ao lado de Peter, tinha mais certeza de que a
versão covarde desaparecera. Só precisava de uma chance para Nicole ver isso por si só; ela
ficaria bem.

Assim como Helen, Faith pensou ao ver o sorriso luminoso no rosto ainda molhado. Com
certeza seu irmão não iria para o mar outra vez sem estar devidamente casado. Aquele era um
casal que se formou para dar certo; também ficariam bem. Tyler com Maggie também estariam
bem. Quando ele voltasse de sua temporada no Exército, poderiam se acertar, pois a garota
esperaria. Isso era tão certo como dois e dois somam quatro.

Quanto a sua mãe, nem se preocuparia. Com seu precioso Elliot a salvo, o mundo rosa estava
de volta ao eixo, pensou livre de zombaria. Ansiava por um mundo rosa para si naquele exato
momento quando não via um final animador para si, como aconteceria para todos os outros.

Bom, resolveria o problema que arranjou para si em outra hora. Depois de tantas mensagens
sem resposta poderia imaginar que Jonathan também não estivesse disposto a recebê-la. De toda
forma também não poderia sair quando todos estavam em festa. Não havia mais distrações para
Constance e uma vez que a mãe já estava ciente de suas andanças noturnas, todo o cuidado
deveria ser tomado. Iria até Jonathan na manhã seguinte. Seria dia de receber as penitentes e ele
não a expulsaria de seu confessionário. Obrigado ou não, ouviria seu pedido de desculpas.

Se iria perdoá-la ou não era outra história, mas a ouvira.

– Eu estou faminta! Quem me acompanha? – Faith perguntou decidida a tranquilizar de vez o


coração.

– Estava tão cansada que nem fiz nada – Constance falou consternada por sua falta
gravíssima.

– Tanto melhor. Descanse que hoje tem quatro ajudantes à sua disposição – falou.
Nem precisou chamar pelos cozinheiros disponíveis. Animados com a ideia de se movimentar
depois da inércia opressora, partiram para a cozinha, deixando Constance acomodada sobre o
sofá com ordens expressas de não interferir. Esta apenas riu divertida. Sim, pensou Faith, com
exceção a ela, definitivamente, todos estavam bem.


Ao se mover Jonathan, sentiu uma forte pontada em sua cabeça. Tentou abrir os olhos, mas a
claridade os feriu obrigando-o a fechá-los. Ao se lembrar de todo o ocorrido que o levou a
conhecer seu passado ignóbil, gemeu guturalmente.

– É nisso que dá se embebedar – ouviu a voz reprovadora de seu padrinho. – Tremo ao


imaginar o que fez durante minha ausência.

Imediatamente Jonathan se obrigou a olhar em volta. Percebeu que seu quarto não estava mais
claro do que em todas as manhãs. A luminosidade que o fez cerrar os olhos não passava de
penumbra; eles doeram por si só. Sentindo-os inchados, lembrou que em algum momento em sua
bebedeira, chorou. Por si mesmo, por Faith, por sua vida desgraçada. Era desgraçado!

Ao sentar e pousar os olhos sobre seu tio, recostado à cômoda com os braços cruzados,
ignorou a pontada em seu peito que denunciava a falta sentida e ciciou:

– Saia daqui.

– Como assim?! – Carlo descruzou os braços e foi até ele. – Chego depois de dias fora e não
o encontro. Sou informado de que saiu para fazer um favor para a Sra. Green, mas você
simplesmente some... Aparece tarde da noite, bêbado e agressivo. Não me dá uma única
satisfação de onde esteve ou o que fez... E agora me manda sair?

– Foi o que ouviu... Saia.

– Jonathan...

– SAIA! – gritou, levantando-se para enxotar um padrinho alarmado para fora de seu quarto e
se trancar.

Sem se dar por vencido, Carlo passou a bater à porta, chamando-o ao que foi devidamente
ignorado enquanto Jonathan tateava o alto de seu guarda-roupa à procura da escuta de Jack.
Além da poeira, encontrou um aparelhinho mínimo fixado exatamente onde ele dissera que
estaria. Depois de guardá-lo no bolso, vasculhou os cantos ocultos da cômoda, de sua cama e da
cadeira. Nada encontrando, marchou para a porta. Com o sua aparição inesperada o padrinho
deu um passo para trás, receoso, contudo logo voltou à carga.

– O que há com você, Jonathan? – perguntou, seguindo-o até seu próprio quarto.
– Fiquei aqui – o afilhado ordenou, deixando-o do lado de fora para novamente se trancar.
Contando que seu comparsa não fosse dado à criatividade, seguiu até o armário do tio e o tateou
como fez no seu. Logo voltava com os dedos cheios de poeira e um novo aparelhinho. Cria ser
somente aquele, ainda assim olhou em todos os cantos onde poderia haver mais; não havia.

– Então só havia o do meu quarto, não é? – falou esperando ser ouvido. – Porque mentiu para
mim? Pode apostar que depois vou procurá-lo ai mesmo onde se esconde. Facilitaria minha
vida se me dissesse onde estão os outros, mas não acho que vá acontecer... Então espero que
tenha conseguido todas as informações que procurava, pois sua onisciência se encerra agora.

Deixando o novo aparelhinho junto ao outro no seu bolso, novamente abriu a porta de forma
abrupta, assustando ainda mais seu tio.

– Com quem estava falando?

– Não é de sua conta! – retrucou e tentou seguir pelo corredor, contudo Carlo o segurou pelo
braço.

– O que está acontecendo aqui? Eu exijo saber.

Jonathan apenas olhou para a mão que o prendia e encarou o tio, inquiridor. Logo foi solto
sem uma única palavra. Livre, Jonathan partiu para a cozinha. Encontrou a Sr. Williams
compenetrada na arrumação da mesa para o desjejum. Acometido por uma súbita ternura para
com aquela que, assim como todos os outros, desejou poder proteger de toda sua sujeira,
suavizou o semblante e disse polidamente:

– Bom dia! A senhora se importaria de me dar licença por um instante?

– Não... – ela falou receosa, olhando intrigada para Carlo que o seguia preocupado.

– Obrigado. Serei breve. – Uma vez sozinho Jonathan fechou a porta e saiu à caça de mais
aparelhinhos. Encontrou um sobre o armarinho acima da pia. Depois de levá-lo ao bolso,
liberou a entrada da vizinha e de seu tio. Antes de sair, falou firme: – O senhor pode começar a
tomar seu café sem mim. Logo venho lhe fazer companhia, agora me deem licença.

Não foi atendido, mas não se importou. Iria vasculhar toda a sala, porém logo encontrou o que
procurava escondido sob o tampo da mesinha ao lado do sofá. Jack não ouviu seus encontros
com Faith apenas em seu quarto, também escutou a breve estada sobre seu sofá e a última vez
que estiveram juntos na cozinha: o bastardo! Aquilo não era proteção, sim, invasão. Com
certeza havia mais por trás daquilo tudo que lhe disse.

Iria ter com Jack, mas depois. Ao retornar ao seu quarto, retirou as roupas que usava desde o
dia anterior e vestido somente em sua cueca, lançou-se ao chão para uma série de flexões.
Esperava que estas o acalmassem e eliminassem a dor em sua cabeça. Era tudo o que pedia uma
vez que não tentaria elucidar os pontos obscuros por si só. Nem em suas divagações mais
delirantes poderia chegar a um terço do que ouvira na tarde anterior.

Carlo teria sua chance de contar sua versão, contudo depois que tivesse mais um encontro
com o invasor de sua privacidade. Que seria tão logo se banhasse e se trocasse. Desistindo das
flexões que nem ao menos contou, Jonathan partiu para o banheiro – como estava – levando as
escutas consigo. Antes de atirá-las ao vaso sanitário, vasculhou o cômodo. Não encontrando
nada, apertou a descarga, desfazendo-se dos dispositivos de vez. Seu banho foi breve como sua
caracterização de homem comum. Tinha pressa. Como um hábito já adquirido, colocou seu
presente no bolso sem conferir as mensagens de Faith e saiu.

– Aonde vai vestido assim? – Carlo o interceptou na sala, perguntando em sua língua. – Hoje
não é o dia em que ouve as confissões?

– Faça isso em meu lugar se desejar, pois eu estou de saída – anunciou altivo.

– Como de saída? Jonathan nós mal conversamos... – Ao receber um olhar impaciente, falou:
– Sabe que cedo ou tarde terá de me contar o que está acontecendo, não sabe?

– Ainda hoje saberá. E não se preocupe... Logo estarei de volta. – Sem mais, saiu.

Jonathan encontrou seu jipe à porta da casa, como sempre. Não se lembrava de como tinha
chegado. Enquanto guiava até a cooperativa, considerava que teria sido melhor se descobrir o
assassino de Barry ou dos homens de Wells – até mesmo ter eliminado Joseph – do que agora
ter de lidar com um amigo inescrupuloso. Ao chegar aos arredores da casa de Netty Owen, ele
também atribuía a Jack a surra dada em Tyler. Ao que parecia ninguém estaria livre do perigo
enquanto Coleman estivesse por perto.

– Padre Jonathan! – um dos cooperados exclamou ao vê-lo. – Já soube da novidade?

– Não. – Nada além da inacreditável história de sua vida.

– Eles foram encontrados – disse se aproximando. – Infelizmente o pesqueiro do capitão


Green afundou, mas parece que todos estão bem.

– Graças a Deus! – exalou, imaginando se aquele seria o motivo das mensagens de Faith.
Evidente que sim. Ela deveria querer dizer que seu sacrifício fora recompensado e que o melhor
seria ficarem longe um do outro para que todos se mantivessem seguros. Modulando sua voz,
indagou: – E como ele está? Elliot?

– Acredito que esteja bem... Não sabemos ao certo – o homem falou subitamente sério. –
Mason não deu maiores detalhes, mas estarão aqui na sexta ou no sábado... Foram resgatados
em águas canadenses quando já estavam desistindo das buscas.
– Folgo em saber – disse já impaciente.

De certa forma ficava feliz por Faith e sua família não desfeita de forma trágica, mas não
conseguia se alegrar por completo ao saber o preço que pagaria pela graça alcançada. Aquele
era o castigo máximo por todos seus delitos; passados e recentes. Um padre sacrílego deveria
mesmo permanecer apaixonado, desgraçado e sozinho. Com um suspiro resignado, focou no que
fora resolver.

– Escute.

– Sim, senhor... – disse o homem, solícito.

– É que estou decidido a conhecer mais dessa cidade, agora que ela também é meu lar. Esses
dias eu já rodei por todas as ruas, todas as praias... Já percorri algumas vezes a trilha ao lado
da casa do capitão... E hoje fui informado que atrás da casa de Harry também tem uma trilha...
É verdade?

– É sim, senhor. Ela leva a uma cabana abandonada – disse com um sorriso e observou: – Por
isso está vestido assim? Nunca o vi de calça jeans e camiseta.

– Sim, é por isso. – disse, encobrindo seu desagrado. – Fica longe daqui?

– Não... Nossa!... Há anos que não vou lá... Se quiser posso levá-lo.

– Não será necessário – apressou-se em negar. – Também uso esse tempo para a reflexão.
Prefiro ficar sozinho... Apenas me indique o caminho se puder.

– Claro! – Ele apontou para o ponto onde na noite do baile esteve com Faith. – O senhor vai
por ali... O caminho está coberto pelo mato, mas é bem visível... Basta se manter nele que em
uns... sete ou dez minutos de caminhada estará lá.

– Obrigado! – disse e se foi.

Agradecendo não se encontrar com a dona da casa, procurou pela trilha. Não teve dificuldade
em achá-la e logo caminhava entre o mato crescido, com o peito a protestar raivoso. Para que
Jack tivesse sabido da necessidade de repreender Tyler, esteve vendo ao vivo o que também
escutou. Não importava que não estivesse mais com sua amante ou se nunca retomassem o breve
relacionamento. Mesmo fora de forma, Jack aprenderia uma lição. Isso se ainda o esperasse,
Jonathan considerou.

Chegar à cabana realmente não demandou nenhum esforço. Logo estava diante da porta aberta
da construção de madeira envelhecida. Sem temer o que encontraria, Jonathan entrou. Para sua
surpresa seu suposto amigo estava sentado em uma pequena cama de armar. Vestia apenas calça
jeans e manipulava sua arma com simulada distração.
Jonathan não se impressionou. Depois de ser rejeitado por Faith e de tudo que ouvira nada
que pudesse lhe acontecer importava. Morrer encerraria de vez com toda aquela loucura.

– Bom dia, senhor! – Jack cumprimentou sem nenhuma nota especial na voz. – Disse que viria
e veio mesmo.

– Evidente. – Apontando a arma, indagou: – Pretende usar ou vai me enfrentar como homem.

– Por que eu faria isso? – Jack franziu o cenho, deixando-a sobre o colchão. – Se está com
raiva por eu ter mentido podemos resolver civilizadamente. Já disse que sou seu amigo.

– Amigos não mentem – vociferou impaciente. – Não invadem a vida do outro.

– Ah, sempre paranoico com a verdade, não é mesmo? Isso era chato no nosso tempo e agora
que é padre está ainda pior... As pessoas têm direito a algum segredo sabia?

– Engraçado dizer isso depois de colocar escutas na minha casa – retrucou. – Não tinha o
direito de escutar nossas conversas.

– Certo, não tinha – reconheceu ao levantar e ir até Jonathan, de braços abertos. – Vai se
sentir melhor se me socar de novo? Se, sim, siga em frente. Não vou nem reagir.

Jonathan bufou enfurecido, cerrou os punhos para logo em seguida flexioná-los. De nada
adiantaria bater em quem não estava disposto a reagir e nem mesmo se arrependia de seu feito.
O importante era que não mais teria a chance de ouvi-lo.

– Não vou bater em você – disse por fim. – Mas exijo saber o que esperava que eu dissesse.
E não me venha com aquele papo furado de proteção, gratidão ou amizade.

– Tudo bem! – Jack ergueu as mãos. – Em primeiro lugar quero pedir desculpas por ter
ouvido quando estava com a garota. Quando deixei as escutas em sua casa nem imaginava que
um dia um padre fosse arrumar uma mulher. Se bem que eu deveria adivinhar, afinal você
sempre seria você. Cedo ou tarde as moças de Sin Bay correriam perigo.

– Basta! – ordenou. – Pare com essas insinuações a meu respeito.

– Não tenho como evitar – Jack disse sem se importar com a carranca de Jonathan. – E se
quer saber, até que demorou. O engraçado é que foi se engraçar justamente por uma stripper.

Se a ideia era distraí-lo, Jack conseguiu. Isolando o fato de ele não só ouvir o que fez com
Faith como também a viu durante sua dança, indagou:

– O que tem isso de mais?


– Ora... Não lembra mesmo, não é?... Gillian é stripper lá em Nova York. – Admirado
acrescentou: – Sinceramente não sei como pôde esquecer um mulherão daqueles. O senhor a
assistia sempre que não tinha o que fazer. Na verdade, todos nós... E não ficava todo melindrado
como acontece com essa de agora. Particularmente prefiro a Gil. Essa Faith é até gostosinha,
mas...

E então aconteceu. Reflexivo, Jonathan cerrou o punho e o calou. O soco inesperado derrubou
o moreno e fora tão forte que fez doer os nós dos dedos. Partindo para cima de Jack ainda
caído, Jonathan o prendeu contra o chão pelo peito e sibilou:

– Nunca mais quero ouvir o nome dela nessa sua boca imunda ouviu bem, maledetto?

Com um movimento rápido Jack o derrubou e se levantou. Jonathan o imitou, contudo não se
enfrentaram. Por mais que o moreno bufasse, falou simplesmente:

– Desculpe. Não sabia que ela era tão importante.

– Se esteve ouvindo tudo, deveria saber... – retorquiu já arrependido de seu destempero. Não
deveria ser seguro se expor daquela maneira. – Agora pare com a embromação e deixe Faith
fora de nossa conversa. Quero saber o real motivo das escutas.

– Não quer se sentar? – Jack indicou a cama enquanto conferia o lábio ferido.

– Estou bem como estou – assegurou Jonathan, seco, perguntando como pôde ser amigo de
alguém como aquele homem. Se aquele era um parâmetro poderia considerar que antes era um
homem desprezível.

– Eu queria saber quando o senhor recuperaria a memória.

– Por quê? – Jonathan considerou fraco aquele motivo.

– Certo... Vou dizer tudo de uma vez, assim não haverá mais mal-entendidos entre nós – falou,
assumindo uma nova postura. Não tão subserviente. – Não menti quando disse que éramos
amigos e que te protejo, mas há outra razão para ficar por perto e querer que se lembre.

– Até aí eu já tinha concluído sozinho – zombou. – Diga algo que eu não saiba.

– O senhor ainda deve minha parte – disse finalmente.

– Parte de quê? – indagou enfadado com a explicação fragmentada.

– Do dinheiro de Galeazzo. Eu disse que nós o roubamos, mas nunca vimos a cor de uma
maldita nota de cem dólares. Você sumiu logo depois... Essa foi a vez que o perdi de vista.
– E porque eu faria isso? – perguntou incrédulo. Por tudo o que Jack lhe disse na tarde
anterior, eles eram ligados em tudo, como sumiria com o dinheiro? Um dia foi assim tão
ganancioso?

– E quem sabe? – Jack deu de ombros.

– E que dinheiro era esse afinal? Por que eu roubaria esse tal Galeazzo já que eu era seu
preferido?

– E quem te entendia, senhor? Simplesmente cismava e fazia. Esse dinheiro já estava rolando
pelas mãos de uns traidores e o velho te chamou para encontrá-lo. Apontou o cara que
desconfiava estar com a grana e te mandou torturá-lo até que a entregasse. Bom, o infeliz cantou
tudinho antes de morrer e você decidiu que ficaríamos com ela. Disse que seria nossa chance de
mudar de vida... Então combinamos que você iria buscá-lo e depois se encontraria conosco para
a divisão... Só que nunca voltou. Quando te descobri estava em coma. Então soube que um tio
italiano tinha te levado do país. Quando tempos depois te achei, já estava desmemoriado. Logo
de cara achei que fosse balela, mas depois vi que era verdade. Sua cabeça estava oca, oca. E
agora, anos depois, estamos aqui...

– Espera que eu lembre onde está esse dinheiro? – Jonathan inquiriu incrédulo.

– Seria interessante – Jack disse ao cruzar os braços.

– Ou o quê? – perguntou considerando sua atitude altiva em demasia. Temendo não por si,
mas pelas duas pessoas que amava. – Se não me lembrar você me mata? Ameaça quem me é
importante?

– Claro que não! – Jack exclamou ofendido. Jonathan não acreditou na expressão. – Se tem
uma coisa que entendi em todo esse tempo é que não se pode forçá-lo a lembrar... E te matar
nunca foi minha intenção. Se não por amizade, por não ser burro o suficiente para eliminar um
bilhete premiado da Mega Millions.

– Então sou um bilhete de loteria? – perguntou sem ver graça alguma na piada infame.

– Me desculpe Só quis fazer graça para desanuviar o clima. Essa sua nova versão é muito
tensa.

– Não tenho motivos para ser diferente – Jonathan replicou muito sério. Cada vez mais
desprezava toda aquela história. – E se eu nunca me lembrar?

– Eu acho que se lembra. Aconteceu com o nome, podem vir outras coisas. Minha teoria é que
não aconteceu até agora porque está muito longe do seu mundo... Isso de ser padre não é para
você, Nathan. Não entendo muito desses rolos com a mente humana, mas é fato que depois que
veio para cá e começou a... interagir com a garota, muito do que era antes voltou. Você passou
a enfrentar o velho padre, foi à boate, bebeu... Está limpo e não quis nem mesmo fumar, mas
tudo bem... – acrescentou rapidamente. – Brigou... Tirou o atraso...

Dito isso deu um passo atrás, simulando certo temor depois de claramente provocá-lo.
Contudo Jonathan não mais o agrediria. Estava focado no que ele lhe dizia e não o considerava
de todo errado. Antes que dissesse qualquer coisa, Jack propôs:

– Por que não damos o fora daqui? – Jonathan o encarou com o cenho franzido. – Não me olhe
assim... É uma ideia. Quem sabe se formos para Nova York e começarmos a frequentar os
mesmos lugares, sua memória finalmente volte?

– Só se eu fosse suicida, não? – Jonathan zombou. – Voltar para a cidade daquele que me
procura?

– Eu já disse que ele não te procura. Não com afinco... Há a dúvida, mas o que corre é que
você está morto e já se passaram tantos anos... Seu rosto está um pouco mudado depois do
acidente. Talvez se deixar crescer a barba, ficar quieto e longe de confusões ninguém te
reconheça. Também seria bom mudar a cor do cabelo...

Colocado daquela forma pareceu tentador. Uma vez conhecedor de toda história, não queria
se lembrar de nada relacionado àquele passado vil. Porém seria uma forma de proteger quem
amava. Jack poderia tentar melhorar todos os climas que quisesse, mas nunca confiaria nele;
instinto talvez.

Fosse como fosse, queria-o longe de Faith, de seu tio. E porque não dizer, longe de todos os
inocentes daquela cidade. E tinha o rompimento recente. Uma vez que fora dispensado, seria
uma forma de superar. Mais do que nunca não era o homem certo para a moça; era imperioso
esquecê-la. Seu peito protestou, contudo aquela era a verdade e deveria levá-la em
consideração. Pigarreando para limpar a garganta, falou:

– Essa é apenas uma ideia ou está mascarando uma coação?

– Claro que não – disse Jack de pronto. – É somente uma teoria que pode nem dar em nada.
Só acho que deveríamos tentar, senão nunca saberemos... Não te anima a ideia de ter mais de
dois milhões de dólares? Talvez muito mais, dependendo do destino que deu à grana.

Jonathan não lhe diria que pouco importava. Não queria saber quão ganancioso fora em seu
passado, no presente, tal valor nada lhe acrescentava. Ainda mais um dinheiro sujo que por ele
poderia ficar perdido para sempre. Queria apenas que todos da vila ficassem bem; sem mortes
estúpidas e desnecessárias. E, acima de tudo, queria que Faith estivesse a salvo, mesmo estando
ferido com sua pronta rejeição. Sempre a amaria e o certo era desejar que ela tivesse a chance
de ser feliz longe de um assassino ex-dependente em drogas.
Capítulo Trinta e Sete

Faith despertou decidida. Jonathan não respondia a suas mensagens, então a ouviria
pessoalmente nem que depois a expulsasse de sua igreja. Para evitar polêmicas em casa, tomou
café da manhã com Constance, Nicole e Helen. Todas envoltas pelo silêncio apaziguador. A
moça estranhou apenas os olhares indisfarçados que recebia da irmã, sempre seguido de um
leve manear de cabeça. Não teve a oportunidade de inquiri-la, pois logo ela as deixou para ir à
lanchonete. Perguntaria sobre o que se tratava sua estranha avaliação, depois.

Aquela manhã queria confrontar somente uma pessoa. Portanto, comportou-se de modo
exemplar, ajudando com a arrumação da cozinha, oferecendo-se ainda para colocar as roupas
usadas na máquina de lavar. Quando considerou ter feito o suficiente, anunciou sua saída. Não
mentiu – em parte –, dizendo que iria à igreja agradecer pela volta do pai e pela ajuda do padre
na tarde anterior. Helen se ofereceu para acompanhá-la ao que Faith não se opôs.

– É muita cara de pau, sabia? – a futura cunhada perguntou quando já estavam a caminho da
praça. – Usar esse tipo de desculpa para ver o padre.

– Não é desculpa – Faith retrucou séria. – Vou mesmo agradecer. Só depois vou falar com
Jonathan.

– Você é incorrigível, isso sim.

– Sou apaixonada, isso sim – corrigiu-a. – E você deveria me entender, afinal também o é...

– Certo! Não posso questionar o que diz... Só sendo muito apaixonada para se meter numa
relação sem futuro.

– Isso mesmo, eu... – Faith se calou ao ver a igrejinha fechada. Seu coração protestou ante a
novidade, fazendo-a acelerar seus passos.

– Calma, Fay... Não precisa correr – Helen protestou enquanto tentava segui-la de perto.

Ignorando-a, Faith rumou decidida para a casa anexa. Ver que o jipe não estava estacionado
em seu costumeiro lugar aumentou sua aflição, mas não quis se entregar ao desespero. Jonathan
não partiria, partiria? Evidente que não. Acreditar no contrário seria dar-se muita importância.
Acalmada com a verdade, mas ainda em passos largos chegou ao portão. Parou abruptamente ao
se encontrar com o tio do padre a cuidar de suas roseiras. Desperdiçou dois dias com sua culpa
exagerada!

– Ah... Bom dia, senhor! – falou apressada, recuando para partir. – Eu não queria atrapalhar,
eu...

– Espere. Fique. Quero falar com você – Carlo pediu ao levantar. Faith olhou para Helen
incerta. Antes que respondesse, ele acrescentou: – É importante... E particular.

– Tudo bem! – Helen se despediu. – Volto sozinha. Fay, eu vou dar um tempo na lanchonete,
com a Nick... E, senhor, tenha um bom dia.

Faith viu Helen se afastar alguns passos até que Carlo abrisse o portão e a fizesse entrar. Não
sem antes olhar de um lado ao outro da rua deserta.

– Per favore... – O sotaque era o mesmo, mas não cantado como o de seu padre. Onde ele
estaria?

– Não sei o que pode querer comigo, senhor. – Faith se mostrou defensiva.

– Tenho certeza de que sabe – ele a contradisse, contudo sem rancor na voz. – E não precisa
se preocupar. Não a chamei para brigarmos.

A moça cruzou o limiar, apreensiva. Carlo poderia dizer o que quisesse, mas ela jamais
relaxaria em sua presença, afinal foi contra ao que prometera. Não que ele pudesse adivinhar
que o envolvimento com Jonathan evoluíra, mas ela sabia e isso bastava. Parada no centro da
sala, Faith cruzou os braços e perguntou:

– Então, o que quer conversar comigo, senhor?

– Sente-se – Carlo convidou, indicando o espaço vago do sofá tão logo fez o mesmo. Faith
atendeu-o, ressabiada. Com ela acomodada, Carlo falou diretamente: – Meu sobrinho está
estranho. Desde antes de minha viagem e agora está pior.

– Senhor, eu não... – Quis se eximir de culpa, contudo ele a cortou, cansado:

– Não a acuso de nada, menina. Talvez devesse, mas não vou, pois... Acho que preciso de
você.

– O senhor precisa de mim?! – Faith engasgou e tossiu.

– Você está bem?Quer um pouco de água?

– Não – negou sem agradecer, sentindo o rosto corado. – Quero entender, senhor...

– Não tenho certeza, mas não posso esperar para confirmar minhas suspeitas – falou
enigmático. – Então vejo que é hora de me unir a você.
– Sr. De Ciello, eu não estou entendendo. – A conversa estava estranha. Tanto que Faith logo
desconfiou se não seria uma nova forma de afastá-la.

– Disse-me em sua casa que ama meu sobrinho. Ainda ama? – Faith assentiu temerosa,
incapaz de repetir. Carlo pareceu se animar, mas não sorriu. – Ótimo! Isso era tudo o que eu
queria saber. Agora o que você precisa saber é que há coisas horríveis esquecidas no passado
de Jonathan. Coisas que uma jovenzinha jamais sonharia. Estaria disposta a ficar com ele caso
as descobrisse?

A conversa se tornou insólita. Carlo falava mesmo sobre o passado do sobrinho? Não lhe
diria que sabia sobre o esquecimento, mas não se furtou de perguntar:

– O senhor vai me contar sobre essas coisas? – Quão horríveis poderiam ser, Faith
questionou para si.

– Tudo ao seu tempo – disse firme. – No momento confirmo que... Jonathan não possui
vocação para estar aqui e temo que, ao perceber, ele resolva ir embora.

– Ir embora?! – Faith se alarmou. – Não!

– Calma... – Carlo segurou sua mão. – Não estou dizendo que vá... Só estou me prevenindo,
pois não pode acontecer. Não posso lhe dizer o motivo, mas meu sobrinho não pode sair daqui.
E se para continuar nessa cidade for preciso que... – o senhor pigarreou – fique com você, não
vou me opor.

Faith escrutinou os olhos do velho padre, incrédula. Aquilo era uma liberação para o afilhado
– também padre – ficasse com ela? Viu no fundo das íris dilatadas que sim. Carlo parecia tão ou
mais apavorado do que ela com a possibilidade da partida iminente de Jonathan. Então, como
poderia dizer que já tinham ficado juntos e que ela, estupidamente, tinha rompido o frágil
romance um dia antes que ele desse sua bênção para que cometessem um pecado irreparável?

– Sinceramente não sei o que dizer, senhor... – ela murmurou, incomodada com aquela mão na
sua, quando talvez não houvesse esperança para nenhum dos dois.

– Não diga nada se não quiser. Só me responda se agora veio procurá-lo.

– Não... Eu – ela disse rapidamente. – Digo, eu só vim perguntar por que a igreja está
fechada, pois queria agradecer por meu pai e meu irmão terem sido encontrados.

– Entendo que não confie em mim e não vou insistir. Com o tempo você me entenderá – disse
Carlo com seriedade, dando tapinhas nas costas das mãos dela antes de soltá-la. Para mudar o
assunto, comentou: – Eu fiquei sabendo ainda em Washington sobre o que estava acontecendo
aqui e já agradeci que os pescadores tenham sido encontrados.
– Obrigada! – Faith murmurou, e levantou quando ele assim o fez.

– Como prova do que digo vou deixá-la agradecer... Quem sabe nesse meio tempo meu
sobrinho chegue e você possa conversar com ele? – ela nada disse.

Realmente não confiava nele, mas queria muito acertar as coisas com Jonathan. Isso se ele a
ouvisse. Como se adivinhasse seu receio, Carlo a alertou:

– Acho que devo avisar que Jonathan está estranho. Ontem chegou tarde e bêbado. Hoje
acordou agitado e saiu sem me dizer aonde ia. Talvez você tenha melhor sorte em saber o que se
passa.

Naquele instante Faith percebeu que o padre falava sério, pois dividia informações e se
mostrava ainda mais consternado. Ela se recusava a crer que o comportamento descrito
estivesse relacionado ao que conversaram. Jonathan não poderia se embebedar ou ficar
agressivo por ela, poderia? Imaginar que sim encheu seu coração de esperança tanto quanto a
apavorou. Conhecia o poder destruidor do jovem padre e se ele fora grosseiro com o próprio
tio pelo qual nutria um amor declarado, o que não faria com ela se o tivesse magoado?

– Senhor... Acho melhor eu não... – começou, contudo novamente fora interrompida.

– Se o ama como corajosamente me confessou, espere – desafiou-a. – Apreciei sua ousadia,


então não me decepcione. Não agora que me expus dessa maneira.

– Está, está bem... – anuiu por fim.

– Não pode esperar aqui, pois logo a Sra. Williams virá preparar o almoço, então... – Não
completou a frase, apenas indicou o caminho já conhecido que a levaria até a igrejinha.

Com o coração aos saltos após a inusitada conversa com aquele que, na maioria das vezes,
hostilizou-a, Faith fez como sugerido. Atravessou o corredor tendo as pernas bambas.
Considerava sua situação, indagando se tinha feito bem em atender ao velho padre, quando
entrou na sacristia e a descobriu na penumbra. Já que estava tão condescendente Carlo poderia
ao menos tê-la levado, pensou aborrecida, nem sabia onde poderia acender a luz. Acovardada,
deu meia volta, porém a voz improvável a deteve.

– O que faz aqui?

Assustada, Faith levou as mãos ao peito para acalmar o coração. Teve certeza de que este
atravessaria seu peito ao divisar a figura sentada à mesa tão logo seus olhos se adaptaram à
escuridão.

– Perguntei o que faz aqui – Jonathan repetiu.


– Eu... Eu...

– Ontem esteve tão eloquente – ele comentou seriamente, sem se mover. – Perdeu a língua
durante a noite?

– Não – Faith disse um pouco mais firme. E, respirando profundamente para se acalmar,
perguntou: – Onde posso acender a luz?

– Eu a vejo bem. Deixe como está. – Ela não se atreveu a contestar. O aviso de Carlo ainda
martelando em sua cabeça. Jonathan realmente estava estranho. Alheio ao seu mudo temor, ele
insistiu: – Estou esperando. Será a terceira vez que pergunto. O que faz aqui?

– O senhor não respondeu minhas mensagens. – Faith foi direto ao assunto. Desculpas
esfarrapadas não a ajudariam. – Então vim conversar pessoalmente.

– Antes me diga como meu tio permitiu que entrasse. – Estava mesmo curioso quanto àquilo e
nada animado com a iminência de ouvir pessoalmente o que Faith tinha a declarar.

– Eu disse que queria vir à igreja e ele deixou... – murmurou, incerta. Não sabia se deveria
relatar o que conversaram.

Caso não estivesse tão imbuído nas decisões importante que deveria tomar, Jonathan teria
rido da parca explicação. Com um suspiro profundo, feito na tentativa de se recuperar do susto
em ver a moça invadir seu esconderijo, ele levantou. Aceitando que nada ajudaria, com o
coração dolorido, saudoso, fechou a porta; deixando a sala ainda mais escura. Era fato que
estava preocupado com o risco que poderia representar a Faith, mas não via como eliminar
certo rancor que nutria por ela. E também por seu tio. Por não confiar em nenhum dos dois
perguntou muito próximo:

– Não espera que eu acredite nisso, não é?

Faith fechou os olhos e passou a torcer os dedos nervosamente ao sentir o hálito morno em
seu ouvido. Se nem ela acreditava, como ele poderia?

– Certo... Seu tio me deixou vir aqui para te esperar – confessou.

Jonathan riu escarninho, exprimindo sua descrença. Decididamente não conhecia seu padrinho
de todo. Ao vê-lo alterado, talvez Carlo temesse que tivesse recobrado a memória como tantas
vezes o questionou e, baseado em sua dedução, decidido se valer de sua afeição pela moça para
apaziguá-lo. Fora esperto, deveria reconhecer, contudo, tardio e ineficaz.

– Muito atencioso da parte dele – zombou. Depois de se colocar diante dela, Jonathan
salientou: – Não precisa me esperar afinal... O que quer?
– Já soube que todos foram encontrados? – ela começou, incomodada com o tom defensivo e
a escuridão. Ao não ter resposta, acrescentou: – Acho que chegam até sábado. Todos estão bem,
senhor.

– Fui informado – disse secamente, antevendo a confirmação de suas suspeitas. Queria ser
agradecido, pois uma nova rejeição o ajudaria na partida quase certa e a deixaria livre da
pessoa daninha que um dia foi. Contudo, a mágoa por ter sido descartado na primeira
adversidade, sobrepunha-se a todo o resto. – Veio agradecer a recompensa por seu sacrifício? –
escarneceu.

– Vim pedir desculpas pela minha estupidez, senhor – disparou antes que se acovardasse. De
fato ele estava estranho, carregando uma agressividade velada. – Mais uma vez fui infantil. Eu
confundi tudo e falei mais do que deveria. Percebi meu erro logo que me deixou em casa... Eu
quis vir te dizer, só que não me deixaram sair.

– Então, devo entender que antes mesmo de saber que seu pai e irmão estavam bem, tinha
voltado atrás em sua decisão?

– Exatamente – ela murmurou. – Eu me deixei levar pelo desespero e esperar por meu pai
naquele lugar só piorou. Acha que pode entender e... perdoar? Por favor, meu senhor...

Às palavras, Jonathan encheu os pulmões com o odor de flores enquanto seu peito se aquecia
ao saber estar errado em suas conclusões: não fora o fim afinal. Mas ainda se ressentia pela dor
causada e não mudava o fato de que não deveria se alegrar. Seria sábio aproveitar o ensejo e
encerrar aquele relacionamento agora que conhecia seu passado. Uma vez que a expunha ao
perigo, tinha menos a oferecer.

Todavia, descobriu-se incapaz de se conter ante a chance de ter mais um pouco daquela
satisfação poderosa que ela lhe proporcionava ao se apresentar arrependida e submissa. Mais
do que nunca precisava às raias do desespero de uma válvula de escape que o impedisse de
explodir. Não tinha como retroceder e puni-la antes de tomá-la lhe parecia uma boa opção.

– Entendo, mas... Perdoar?... Não sei... Muito fácil depois de sua desistência.

A menção à facilidade, Faith se lembrou de outra falta e da forma de reparação. Com o


coração tamborilando frenético, indagou:

– O que seria menos fácil e te faria me desculpar?

– Estaria disposta a qualquer pena? – Jonathan se inflamou com a expectativa, esquecido de


Jack e das proezas de Nathan.

– Qualquer pena, pois eu devo aprender a pensar melhor antes de fazer bobagens.
– Gostei disso! – Indo contra o que sabia ser o certo, apenas disposto a aplacar a crescente
necessidade dela, ergueu os braços e ordenou: – Tire minha camiseta.

– Aqui?! – Faith se alarmou. Acaso ele se esquecia de onde estavam? Ou que Carlo e talvez
Sarah Williams estivessem a metros de distância?

– Não vejo melhor lugar para demonstrar que nada mudou. Que sua súbita crise de
consciência e temor em pecar não nos afastarão. Agora, tire minha camiseta. Sem mais palavras
– voltou a ordenar.

Carlo tinha motivos para se preocupar, ela pensou a analisar o rosto soturno. Tinha algo
errado, mas Faith não se atreveria a contestar. Quando conseguisse seu perdão, procuraria
descobrir o que o acontecia. No momento restava provar que nada se interpunha entre eles.
Resignada, vendo-o nitidamente mesmo na penumbra, correu as mãos pela lateral do abdômen e
as introduziu sob a barra da camiseta. Enquanto subia a peça, ia experimentando aquela pele
morna e rija em suas palmas, deleitando-se ao sentir a contração dos músculos.

– Agora, tire meu cinto e o entregue a mim – ele demandou ao ter o dorso despido.

Era isso! Errou feio e deveria pagar o preço, então, trêmula, abriu a fivela, sentindo o olhar
de Jonathan em seu rosto. Ao retirar o cinto do cós da calça, entregou-o. Ele assentiu e instruiu:

– Coloque as mãos espalmadas sobre a mesa.

Ao atendê-lo, Faith sentiu Jonathan erguer seu vestido, deixando seu traseiro à mostra. Antes
mesmo de iniciado o castigo, ela já antevia o quanto arderia; e não se importava. Como ser
diferente, questionou-se ao ser acariciada delicadamente em toda extensão de sua nádega
esquerda. Distraída, deixando-se excitar pela palma morna, foi preciso morder o lábio inferior
para não gritar ao receber a cintada vigorosa.

– Diga por que quer ser perdoada – Jonathan demandou rouco.

– Porque o deixei, senhor... – ela murmurou embargada, confirmando sua perdição ao


apreciar aquele ardor que se espalhou por todos os recantos abaixo de sua cintura. Expectante,
esperou pelo próximo golpe, que nunca foi desferido.

Jonathan ergueu seu braço somente para baixá-lo. O que fazia? Faith o feriu, mas não mais do
que aquele homem abjeto que um dia fora. Não era certo lhe aplicar corretivos que apenas
alimentavam os instintos cruéis vindos de seu passado, mesmo que ela apreciasse e fosse tão
amoral quanto ele próprio. Se a amava, aquela era a hora de resguardá-la e ter o melhor do que
Faith tivesse a oferecer para assombrá-lo nas noites de solidão.

Enfim, sua decisão estava tomada!


Alheia às considerações de Jonathan, Faith se movia impaciente. Morria a cada segundo de
espera, quando teve seu corpo prensado contra o tampo de madeira. A aspereza do jeans irritou
mais sua pele quente e injuriada ao passo que a hombridade já desperta de Jonathan agravou o
desejo desvirtuado que sentia. A urgência que se seguiu era mesmo desesperada. Faith fechou os
olhos e mordeu os lábios para calar seus gemidos quando mãos certeiras invadiram o decote de
seu vestido para lhe esmagar os seios enquanto uma boca ávida beijava sua nuca.

Ansiosa pelo o que viria, Faith se deixou ser virada e sentada sobre a mesa. Seus lábios
foram praticamente violados por uma língua exigente, e não se opunha. Antes disso, atou-se ao
pescoço forte de Jonathan, correspondendo a ele que demonstrava uma saudade além da sua,
como se quisesse devorá-la. Compartilhava da mesma fome então o prendeu pelos ombros nus
para que não se atrevesse a deixá-la.

– Perdonami por castigá-la... – Jonathan exalou contra seus lábios. – Sempre esteve
perdoada, amore mio...

Comovida com o perdão, Faith gemeu, instigando-o a aprofundar o beijo. Tinha Jonathan de
volta, definitivamente. Para ele aquela entrega bastou. Não a merecia, não mais a manteria como
amante, mas precisava dela; demais e desde muito antes de deixá-la partir no domingo à tarde.
As horas de separação – passadas e vindouras – somente agravaram tão aterradora
dependência.

Portanto, ao sentir os dedos precisos lutarem com o botão de sua calça, Jonathan emitiu um
urro gutural e, determinando não ter mais a esperar, deixou que estes liberassem a prova tesa de
seu desejo. Aflito, ele apenas afastou a calcinha de Faith e os uniu para encerrar a dor de seus
sexos, antes, incompletos. E assim, presos no mover ritmado de seus quadris em local
impróprio, ao experimentarem o gozo, ambos desceram ainda mais em sua devassidão,
superando todas as faltas graves já cometidas. Nada valiam. Por isso se completavam e sempre
haveria perdão mesmo sem penitência.

Minutos depois de tocar o céu, devidamente vestidos, encontravam-se ainda em situação


muito suspeita. Com as portas fechadas, sentado em sua cadeira Jonathan mantinha Faith no
colo, e ela não protestava. Arreliava-a apenas o silêncio.

– Por que eu sinto que tem algo a me dizer?

– Porque tenho – ele respondeu após um instante de reflexão. Mesmo que não permanecesse
na vida dela, gostaria de se apresentar. – Mas não agora...

– É sobre algo que eu fiz? – Faith indagou, receosa: Ele sempre seria bipolar.

– É sobre algo que eu fiz – corrigiu.

O coração de Faith se inquietou e as palavras de Carlo fervilharam em sua cabeça. Não


queria ser fraca, mas não dominou sua voz ao dizer, embargada:

– Você se lembrou de seu passado e agora quer ir embora?

– De onde tirou isso? – Intrigado, Jonathan a afastou para olhá-la diretamente.

– Foi o que seu tio falou – contou cabisbaixa. – Que estava estranho... Disse que o senhor
chegou bêbado e mal falou com ele. O ele está certo, não está?

– Não posso entrar em detalhes agora, mas... Sim, ele está.

– Então vai mesmo embora?! – Faith murmurou já entre lágrimas. – Não pode.

– Shhh... – Jonathan lhe segurou o rosto molhado. – Não vou à parte alguma, sossegue.

– Promete? – pediu. O choro fez com que tossisse.

– A chuva a deixou gripada, não foi? – Jonathan desconversou, fazendo com que deixasse seu
colo. – É melhor que vá para casa, descansar.

– Não estou doente. – Queria respostas, não preocupação. – O senhor não prometeu.

– Já disse que não vou à parte alguma – reiterou firme. Então, secando-lhe o rosto, pediu: –
Agora vá. Ficamos tempo demais aqui. Quero lhe contar o que lembrei, mas não tem como ser
agora.

– Então quando? – Estava ansiosa. Relutando contra a alegria que surgia em seu peito. Carlo
afirmou que Jonathan não tinha vocação. Talvez o que fizeram ali fosse prova de que ele estava
disposto a deixar o sacerdócio agora que se lembrava. Tinha de saber!

– Em breve – Jonathan disse apenas, inquietando-a mais.

– Escute... – Faith começou, obrigando-se a não quicar num pé e noutro. – Se tiver como sair
à tarde, poderíamos nos encontrar naquele mesmo lugar da última vez.

– Agora à tarde? – ele estranhou.

– Sim... Com toda essa confusão do desaparecimento eu consegui a semana livre na galeria.
Mamãe não sabe então eu poderia sair agora e te esperar. Teríamos a tarde toda e poderia me
contar o que se lembrou. – Arrematou com um sorriso satisfeito pelo o que a esperava.

– Tentador, mas eu não poderia – ele comentou alheio, negando-se a flertar com a ideia de
passar algumas horas de qualidade com ela, antes de partir. Com certeza Faith o acalmaria
depois da conversa que pretendia ter com seu tio, mas também o atrasaria e talvez o levasse a
vacilar na decisão tomada. – Tenho coisas para resolver que a fariam esperar – disse com a
intenção de demovê-la.

– Eu espero – insistiu Faith. – Se eu chegar tarde da noite, no máximo levarei outra bronca da
minha mãe. Será minha última aventura mais séria, depois eu me comporto.

Jonathan lhe acariciou o rosto macio, ainda úmido. Como em tantas ocasiões, suas palavras
fizeram-na parecer tão mais jovem. Quase ingênua, como se fosse possível uma diaba o ser.
Contornando-lhe os lábios com o polegar, ele tratou de endurecer o coração. Aquela deveria ser
a despedida. Quando voltasse, livre de Jack, mostraria a ela que estava melhor sem ele. E a
vida de ambos seguiria.

– Não se dê ao trabalho. Também não acho certo afrontar sua mãe nesse momento. Depois eu
a procuro e conversamos – garantiu, decorando a maciez do rosto. – Agora vá.

– Me desculpe, mas não vou aceitar sua recusa, senhor – falou decidida. – Está claro que
temos de conversar e se lembrou de alguma coisa, acho que mereço saber. Nem que me castigue
pela desobediência, eu vou esperar.

Jonathan bufou exasperado. Porque Faith não facilitava? Aquela não era a hora de se mostrar
voluntariosa. Poderia fazê-la desistir, mas a tentativa tomaria seu tempo. Tinha muito que fazer
antes de seguir com seu plano.

– Está certo – aquiesceu por fim. Talvez a espera a fizesse se desiludir de vez. – Irei
encontrá-la.

– Ah! – Faith exclamou contente antes de beijá-lo de leve. – Combinado! Consigo o quarto e
espero pelo tempo que for preciso. Agora... – interrompeu-se, de súbito consternada. – Como
saio daqui?

– Com a mesma cara de pau com que entrou – ele troçou, tentando sorver um último resquício
de sua leveza, como um vampiro necessitado de vida. Conseguiu senti-la, mas de nada lhe
valeu. Melhor que ela se fosse de vez. – Mas não pela casa, pois a essa hora a Sra. Williams
está na cozinha. Venha...

Segurando-lhe a mão, levou-a até a porta lateral pela qual entrou na volta de seu encontro
com Jack. Por ser uma alma já condenada, não se importou em beijá-la demoradamente.
Comprimiu-a junto a si, decorando também as formas do corpo pequeno. Guardá-las-ia para
expiração de seus delitos enquanto padecesse pela falta dela. Com um gemido baixo Faith
apertou-se a ele e retribuiu sua paixão. A sentença estava completa. Com um lamento no fundo
de sua garganta, Jonathan a afastou e, sem nenhuma palavra de despedida, fez com que se fosse.

Antes que fraquejasse, Jonathan fechou a porta e lhe deu as costas. Passados alguns segundos,
nos quais se recusou a pensar no que aquela separação significava, fez o caminho de volta,
evitando olhar o altar –mor. Não pelas licenciosidades que tomou com uma mulher na casa que
deveria honrar e respeitar, mas pelos crimes que soube ter cometido e por mentir àquela mesma
mulher que tanto amava.
Capítulo Trinta e Oito

– Senhor?! – exclamou Sarah Williams ao vê-lo vir da igreja. – Não sabia que estava aí.

– Estava – disse condescendente. – E estou faminto. Sem querer abusar, o almoço já está
pronto? – Na verdade não estava desejoso de comida, mas como não poderia devorar a
ansiedade que o consumia, valer-se-ia mesmo dela. Fuçando pelas panelas, comentou para se
distrair: – Vou falar com meu tio para acertarmos uma remuneração mensal para a senhora. Não
é certo vir aqui todos os dias a troco de um obrigado.

– Pois saiba que assim o senhor me ofende – reclamou já ofendida, expulsando-o de junto do
fogão que considerava seu. – É um prazer servi-los, senhor. Antes eu passava meus dias sem
muito que fazer. Bordando, matraqueando com alguma amiga enquanto esperava a morte
chegar... Agora me sinto útil. Meu marido me deixou muito bem amparada, o senhor sabe. Não
preciso de dinheiro. Ainda mais um que vem da caridade. Então não se atreva!

– Certo! – Jonathan lhe sorrindo manso, não tão leve quanto antes, pois suas palavras sempre
o levavam a Faith, recordando-o de sua realidade. Não havia meios de deixá-la amparada.
Porém ficaria protegida, consolou-se. Todos ficariam. Olhando para a senhora que com prazer
cuidava do seu almoço, considerou com qual facilidade Jack a mataria caso cismasse que lhe
representava algum perigo. Seria rápido como um piscar.

– Vejo que está de melhor humor. – Jonathan ouviu a voz do padrinho que entrava na cozinha.
Sua presença levou o resquício da frágil tranquilidade de vez. – Entrou pela igreja?

– Sim, senhor – confirmou, sustentando-lhe o olhar. E agradeceu que não fizesse nenhuma
alusão a moça, caso contrário seria capaz de explodir, mesmo que em italiano.

– Bom... – a senhora os chamou alheia ao clima. – O almoço está pronto, posso servi-los?

Os padres assentiram e depois de lavarem as mãos, ali mesmo na cozinha, sentaram-se como
de costume e esperaram que a senhora depositasse seus pratos já completos. Comeram em
silêncio. Por vezes um deles flagrava o olhar inquiridor do outro; analisavam-se sem nada dizer.
Se a Sarah Williams estranhou, nada disse, ficando com eles até que terminassem.

– Acho que agora podemos conversar – Jonathan disse ao tio antes de deixar a mesa. –
Obrigado pelo almoço maravilhoso – elogiou a cozinheira e saiu para seu quarto, sob o olhar do
padrinho.

Novamente sozinho Jonathan olhou em volta e correu as mãos pelos cabelos. Mesmo
indeciso, antes da chegada de Faith, partir parecia certo. Vê-la o levou a decidir, entretanto,
naquele momento, depois da separação, não mais sabia. Sua única certeza era não a querer sob
qualquer tipo de ameaça. Talvez se encontrasse dentro si aquele assassino impiedoso que um
dia fora, pudesse eliminar Jack Coleman e voltar a esquecer. Se junto com a recordação viesse
a completa nulidade de seus escrúpulos, continuaria com o plano original; cumprindo suas
obrigações durante o dia, amando Faith durante a noite. O problema era que não se imaginava
tirando uma vida, não importando o quão fácil matar Jack fizesse parecer que fosse.

– Posso entrar? – Carlo pediu em sua língua, como de costume.

– Fique à vontade – Jonathan o liberou. – A Sra. Williams já foi?

– Acabou de sair – o tio confirmou. – Agora vai me dizer o que está acontecendo?

– Vou. – Sem preâmbulos, voltou-se de costas e ergueu a camiseta. – Tão logo me diga o que
isso significa.

– É uma tatuagem – seu tio soou impassível.

– Entendeu minha pergunta, senhor – Jonathan retrucou se recompondo. – Mas vou reformular.
Por que nunca me disse que eu a tinha?

– Nunca achei necessário – Carlo deu de ombros.

– Seria somente isso? – Jonathan falou incrédulo. – Ou seria pelo mesmo motivo que me
proibia de andar sem camisa? Para que ninguém, nem mesmo eu, soubesse da existência dela?

– De onde tirou essa bobagem! Você não deve se expor por sua condição, eu apenas o
lembrava.

– Sabe quando a fiz? – insistiu, sem muita convicção. Era evidente que Carlo estaria
preparado para aquela descoberta por anos a fio.

– Esteve estranho porque descobriu a tatuagem? – ignorou a pergunta. – E como foi isso?

– Foi Faith quem viu – revelou sem se importar; desafiador. – Já que é meu confessor e
liberou nossos encontros não tem problema saber, fiz dela minha amante.

– Não liberei coisa alguma! – Carlo negou veemente, seu rosto adquirindo fortes tons
avermelhados. – E exijo respeito! Não sei o que ela disse, mas apenas deixei que o esperasse.
Pensei que poderia se acalmar, afinal, sei que gosta da garota. Vejo que me enganei, assim como
me enganei ao crer que ficar longe terminaria com nossas brigas. Tudo em vão... Já rompeu com
seu voto de castidade. Ontem chegou tão bêbado que não falava uma única palavra com
coerência... É isso mesmo que quer fazer da sua vida?
– Diga-me o senhor o que devo fazer da minha vida – pediu antes de cruzar os braços sobre o
peito. – Devo servir à igreja? Devo ficar com Faith?

– Faça qualquer coisa que o deixe ser você – retrucou.

– E quem sou eu? Essa será a última vez que pergunto civilizadamente.

– Está me ameaçando, Jonathan? – Carlo ficou ainda mais rubro.

– Avisando é a palavra.

– Pois se esse é o tom, acho que devemos voltar ao silêncio. Não vou receber avisos de você
enquanto estiver alterado. Com licença.

Ao sair Carlo bateu a porta com força. Para Jonathan a reação não fora surpreendente.
Espantoso seria se seu dileto padrinho desse todas as repostas sem relutar. Como era o
esperado, o sobrinho deixou que o tio se fosse; não tinha tanta pressa. Na tentativa de se
acalmar foi até a sala. Descobriu que o tio se refugiara no próprio quarto. Tanto melhor!

Nos minutos finais da hora que esperou até o momento de agir, Jonathan atendeu a porta. Duas
das habituais frequentadoras de seu confessionário desejavam saber o motivo de a igreja estar
fechada. O padre alegou uma leve indisposição já ciente de que enquanto não resolvesse sua
nova situação, tão cedo não as atenderia. Ao trancar a porta depois de despachá-las, Jonathan
voltou ao quarto. Era hora de saber mais sobre si mesmo. Depois de pegar a caixa de madeira
pertencente a Sade, escolheu o que queria, preparou e saiu.

Decidido, seguiu ao quarto do tio. Encontrou-o deitado com os braços sobre o rosto. Carlo
percebeu a presença tarde demais. Quis se levantar, mas seu sobrinho fora mais rápido e,
valendo-se da surpresa e ainda da parcial debilidade, dominou-o facilmente. Depois de fechar
uma das algemas no pulso de seu tio, Jonathan o prendeu na barra de ferro fundido da cabeceira.

– Está louco?! – Carlo ciciou num suspiro alarmado. Jonathan o ignorou. Sem se importar
com seu contorcionismo, prendeu-lhe o outro braço. – Pare com isso! – demandou sem ser
ouvido. Empenhado em sua tarefa, muito próximo ao torturador que negava ser, o jovem padre
usou as algemas restantes, prendendo o tio pelos tornozelos.

– Meus pulsos! – Carlo gritou. – Está apertando! Está apertando!

Ainda calado Jonathan verificou as algemas. Realmente estavam justas na carne, mas nada
que seu prisioneiro não pudesse suportar. Valendo-se de um conhecimento esquecido ou de algo
que ouviu, avisou:

– Quanto mais se move, mais elas apertam. Então fique quieto, pois não vou soltá-lo. –
Contrito, pegou a cadeira sempre disposta a um canto e se sentou para logo em seguida
empunhar o punhal que trouxe às costas.

– Está louco?! – o padrinho novamente indagou, maximizando os olhos azuis. – O que


pretende fazer?

– Eu, nada... – Jonathan assegurou muito calmo, testando a ponta da arma. – Desde que o
senhor reveja o conto encantado que narra como sendo minha vida. Ontem conheci um amigo
seu... Jack Coleman. Lembra-se dele?

– Sim – murmurou. – Mas ele não é meu amigo então acho, que seja lá o que ele lhe tenha
dito, deveria esquecer.

– O problema é que estou cansado de esquecer. Por que devo acreditar no senhor e não nele?
Mentiroso por mentiroso, a versão apresentada por Jack se encaixa melhor no que sinto do que a
sua. Segundo ele eu não valia muita coisa então me mostre que está errado. E pela primeira vez
em todos esses anos... fale a verdade. Começando por essa farsa de me fazer padre. Eu nunca
disse que queria ser um, não é?

– Disse, uma vez. – Carlo parecia embargado. – Pode não ter sido sério, mas falou.

– E isso bastou para infiltrar um assassino na igreja?

– Pare com isso! – Carlo novamente se alterou. – Você não era assassino! Acaso se lembrou
disso? Ou está pendendo para o lado que o exime de culpa por fazer o que quer? Se for assim eu
já me conformei com seu interesse na garota. Fique com ela.

– Não se trata dela, sim, de mim. Agora não há mais o que esconder. Não vê que suas
mentiras caíram por terra? Conte a verdade de uma vez, antes que eu saia dessa cidade e tente
descobrir de outras maneiras.

Carlo o encarou com o cenho franzido e os lábios apertados numa linha dura, sentido. Então
olhou para as mãos que manipulavam o punhal e sua lâmina. Depois de um respirar profundo,
disse mais exaltado:

– O que quer ouvir? Que era um assassino? Uma vergonha para mim e motivo de desgosto
para sua mãe? Pois saiba que o era.

Ouvir o que já sabia através da boca de Carlo teve maior impacto, tornou-se real. Ao falar,
Jonathan não pôde conter a acidez em sua voz:

– Quanta diferença do filho exemplar com aspirações eclesiásticas, não? Se eu era assim,
como vim parar aqui? – Indicou seu entorno com o punhal em riste.

– Você se arrependeu – Carlo falou um tom mais brando, encarando-o. – E eu quis ajudá-lo.
– Eu me arrependi? – Não se lembrava, mas, tomando por base os relatos de Jack,
arrependimentos pareciam improváveis. Nathan Hughes apreciava estar entre a escória.

– Sim... E queria parar ao perceber que havia uma grande diferença entre roubar e matar.

– Como sabe dessas coisas se eu morava em Nova York?

– Sempre fui seu confessor, Jonathan. Ou melhor, você me obrigou a sê-lo quando passou a
me enviar cartas contando cada baixeza da qual era capaz somente pelo gosto de me chocar.

– E porque eu faria isso?

– Porque me odiava – Carlo revelou embargado.

– E por quê? – Jonathan enfatizou exasperado e levantou para vagar de um lado ao outro,
antes de demandar impaciente: – Conte tudo de uma vez, não me obrigue a questioná-lo. Sabe de
todas as minhas dúvidas, são as mesmas há nove anos. Vomite cada detalhe nojento de minha
vida, inferno!

– Não blasfeme – o velho padre o repreendeu, reflexivo, levando Jonathan a gargalhar


zombeteiramente.

– Eu tirei vidas... Tenho uma amante com quem desonro esta casa... Acredite, quando for
julgado não será por blasfemar, senhor. Agora fale.

– Está bem... Sente-se. Assim me deixa nervoso.

– Sou eu quem não pode se enervar! – vociferou. – Fale de uma vez, droga!

– Você me odiava porque aos onze anos cismou que eu fosse seu pai – disse após um suspiro
resignado. – E não adiantava negar. Como o bom obstinado que sempre foi nunca acreditou em
minha palavra.

Com o choque, Jonathan finalmente se sentou. Carlo ser seu pai?

– Mas... – balbuciou, contudo foi interrompido bruscamente.

– Cale-se! Pediu que eu falasse então agora escute. – Ao ser atendido o padrinho, prosseguiu:
– Nunca houve qualquer fundamento e se agora voltar a insistir nesse absurdo, um teste
resolverá esse problema. Não sou seu pai, Jonathan. Sou mesmo seu tio. Cassio era um canalha.
Seduziu sua mãe quando ainda era pouco mais que uma menina. Conheceu-a aqui nos Estados
Unidos e a levou para a Itália com a promessa de casamento. Ela não tinha família, trabalhava
num bar em troca de comida e abrigo quando ele a conheceu. A inocente acreditou e o seguiu,
mas, ao chegar a Tivoli, teve sua vida transformada num inferno.
– Como? – Jonathan balbuciou.

– Cassio tinha hábitos estranhos... – falou visivelmente incomodado. – Digo, nas relações que
mantinha com uma mulher. Quando descobri a menina na casa dele, ela estava debilitada. Eu era
um padre recém-ordenado e a pobre me adotou como seu confessor. Eu me compadeci dela.
Tentei trazer Cassio à razão, dizendo que ele deveria devolvê-la ao seu país, mas ele alegava
que a amava. Contudo a judiava mais e mais. Invariavelmente ela aparecia com os pulsos
machucados, queimada, cortada ou arranhada... Preservou-a um pouco mais quando esteve
grávida, mas tão logo se recuperou, voltou a maltratá-la.

O jovem padre ouvia ao relato, estarrecido. Reconhecia-se no pai, contudo se dizia a cada
instante não ser capaz de ferir Faith daquela maneira.

– Isso nos leva aos seus sonhos – Carlo prosseguiu. – Não saberia dizer quantos anos tinha,
mas você os viu. Guardou a imagem em sua mente e quando tinha onze anos, também em sonho,
viu seu pai com clareza e foi então que se voltou contra mim. Na verdade nos confundiu, pois
éramos gêmeos.

– Como os confundi se eram dois?

– Não éramos mais – ele falou com a voz falha. – Nos seus primeiros anos apenas via seu pai
e esporadicamente por conta das viagens aéreas. Eu me afastei, pois cansei de participar de
tudo aquilo sem tomar nenhuma providência. Eu deveria ter denunciado Cassio para ajudar sua
mãe, mas nunca o fiz. Ele era meu irmão, como poderia?... Enfim, após o acidente que tirou a
vida de seu pai eu conheci você no velório simbólico. Mal havia completado quatro anos e eu
me apaixonei, essa é a palavra. Você era o fruto da loucura de meu irmão, mas ainda assim um
pedaço de nossa família. Tão parecido com nós dois quando éramos pequenos... – divagou.

– Nessa época eu já estava em Agnani – Carlo prosseguiu –, mas sempre ia visitá-los. Sua
mãe fez de mim seu padrinho e tutor. Você me adorava!... Com sete anos disse que queria ser
padre, pois me admirava. Isso me encheu de orgulho e contentamento e à sua mãe também, pois
ela temia que você tivesse o mesmo desvio de seu pai. O problema foi você cismar que esse
fosse eu. Por mais que tentássemos explicar, você simplesmente enlouqueceu ao acreditar que
era filho de um padre. Como eu negava você passou a se sentir renegado. Reafirmei ser gêmeo
de seu pai, mostrei fotos, o levamos até seu túmulo, mas você sempre se mostrou irredutível.
Foi nessa época em que passou a fugir de casa. Sua mãe me ligava apavorada e só sossegava
quando você reaparecia muitas vezes dias depois. Quando tinha dezesseis anos desapareceu de
vez. Norah...

– Espere! – Jonathan ordenou. Ao ouvir todas aquelas coisas de repente algo espocou em sua
cabeça e antes de analisasse as possibilidades, falou seguro: – A mulher que eu enlouquecia não
era minha mãe.

Não fez uma pergunta, mas esperou algum comentário quanto à única lembrança que teve em
anos. Não era delírio, lembrava-se com clareza. Realmente fugia de casa, mas não somente por
ser desprezado pelo padre sem vergonha; era assim que se referia a Carlo. Sua revolta era por
também ter sido abandonado pela mãe. Norah, a mãe de mentira, certa vez cuspiu a verdade em
sua cara durante uma briga, dizendo não ser obrigada a ouvir desaforos de um futuro delinquente
que nem era seu filho. Como Carlo não se manifestou, perguntou:

– O que aconteceu com a minha mãe verdadeira? – O padrinho ainda se manteve calado. –
Por favor – pediu cansado. – O tempo das omissões chegou ao fim.

Após um suspiro, Carlo falou sem rodeios:

– Ela surtou um mês após a morte de seu pai.

– Depois?! – Jonathan exclamou incrédulo. – Quando já estava livre dele?

– Estudamos psicologia, Johnny, mas nunca entenderemos a mente humana. Ela surtou ao se
descobrir apaixonada por Cassio. Ficou tão enojada de si mesma por sentir falta não somente
daquele que a degradou como de todas as coisas que ele lhe fazia que atentou contra a própria
vida. Mesmo muito pequeno você a salvou ao chamar por socorro. Quando foi resgatada, você
estava ao lado dela, em meio ao sangue, tentando reanimá-la. Ela sobreviveu, mas desistiu de
tudo... Inclusive de você. Sinto muito! – acrescentou, talvez condoído em ver a expressão
desolada de seu sobrinho.

Jonathan jamais acreditou que o homem fosse fruto do meio no qual vivia, mas via ali uma
boa razão para ter se tornado párea da sociedade. Decidiu naquele instante que não se ocuparia
de sua mãe verdadeira uma vez que tinha sido abandonado por ela. Aquela que atormentou com
suas fugas era quem merecia sua atenção. Ao sentir algo úmido e quente rolar por seu rosto,
percebeu que chorava. Enraivecido capturou a lágrima e comentou:

– Se não foi Norah quem sofreu nas mãos de Cassio por que temia que eu fosse como ele?

– Admito ser meu esse temor – Carlo falou –, mas Norah sabia de tudo e de certa forma
também temia.

– Tudo bem... – Jonathan murmurou. – Então prossiga. Como fui parar nas mãos dela?

– Como sua mãe o deixou aos meus cuidados eu arrumei uma casa para você e a contratei
para que o criasse. Ela era sua babá na verdade, mas passou a chamá-la de mãe... Norah se
derreteu, assim como eu um dia. Ela não tinha ninguém por isso eu permiti que a farsa fosse
adiante. Ela era americana como sua mãe e os dois precisavam de uma família.

Odiava-se por chorar, contudo Jonathan foi incapaz de reter uma nova lágrima.

– Fale tudo – pediu. – Quando eu tinha dezesseis e sumi o que aconteceu com Norah?
– Ela enlouqueceu assim como eu. Nós o procuramos por todos os lugares e nada. Dois anos
depois você nos enviou uma carta contando que estava em Nova York. Servia ao Exército, mas
não entrou em detalhes de como viera parar nesse país. Nós tivemos notícias, mas ainda não
sabíamos onde encontrá-lo. Você passou a nos escrever esporadicamente, contudo sem
remetente certo. A cada carta ficávamos mais assustados, pois era sempre agressivo. Em
especial comigo.

– Se servi ao Exército, meu acidente não se deu quando tinha dezessete – comentou. Já sabia
ser mais velho do que acreditava. Queria apenas um número. – Quantos anos eu tenho afinal?

– Em novembro fará trinta e um.

Dez a mais do que Faith. Não admirava achá-la tão mais nova.

– Tudo bem... – disse. – Agora conte mais das cartas.

– Acho que você queria se vingar, nos chocar... Não sei. O fato é que depois de alguns anos
em silêncio você nos mandou cartas e fotos com conteúdos horríveis, atribuindo as atrocidades
retratadas a si mesmo. Norah passou a temê-lo e se mudou. Pediu que eu nunca lhe dissesse
onde estava. Tempos depois recebi uma encomenda. Era esse bauzinho que hoje carrega para
todo o lado com os punhais e essas algemas que agora usa para me manter preso... Antes de ler
a carta que o acompanhava eu o temi, pois entendi como ameaça velada. Contudo logo passou,
pois a verdade estava comigo e Deus não me abandonaria – disse convicto. – Ao ler, eu vi que
estive errado. A carta era diferente. Você pedia perdão pelas cartas anteriores e se dizia
arrependido das coisas que fez. Que me enviava seus instrumentos de trabalho como prova de
que nunca mais os usaria. Meu erro foi não me desfazer dessa porcaria e guardá-la onde você
um dia a encontrou. Aquela foi a primeira vez que temi que sua memória voltasse.

– Então sempre soube o que a caixa continha – murmurou. Não havia qualificação para o que
fez; nem mesmo poderia se considerar um animal. Envergonhado de seus atos passados e por tê-
lo assustado daquela maneira, deixou o punhal sobre a cadeira e finalmente foi soltá-lo. Àquela
altura Carlo não tinha mais como esconder coisa alguma. – Desculpe-me por prendê-lo, mas
esse foi o único jeito que encontrei de obrigá-lo a falar... Jamais poderia imaginar o que isso
representaria. Sabe que eu seria incapaz de machucá-lo, não?

– Como eu lhe disse... – disse Carlo ao se sentar, massageando os pulsos marcados. – Não
sabemos o que se passa na mente humana, mas quero sempre crer que não.

– Tenha certeza! – falou veemente, voltando a se sentar na cadeira. Não se desculparia uma
segunda vez, mas reiterou: – Nunca o faria.

– Tudo bem... – Com um suspiro seu tio retomou a narrativa, sem que pedisse. – Algum tempo
depois de recebido o baú eu fui procurado por uma enfermeira do Metropolitan. Era de origem
italiana e me avisou sobre a entrada de um sobrinho, dias antes. Ela me disse que estava em
coma e sem ninguém que respondesse por você. Evidente que vim aos Estados Unidos para
encontrá-lo imediatamente. Fiquei sabendo que tinha sofrido o acidente na saída da cidade,
ficou preso às ferragens... Essa parte eu não inventei. Você estava mesmo quase morto. Eu sabia
o que havia feito, sabia que queria mudar então não hesitei. Mobilizei todos que conhecia que
possuíam algum contato em Nova York e consegui autorização para removê-lo para Agnani.

– Quando acordou definitivamente, meses depois... Livre das crises de abstinência,


incapacitado de andar e com a mente vazia, eu entendi. Era obra de Deus a me mostrar um
caminho. Peguei-me àquele menino de sete anos e lhe disse tudo o que soube até agora. Eu
entrei em contato com Norah, disse-lhe o que tinha acontecido, mas ela ainda o temia e não quis
mais ser envolvida, por isso eu inventei que ela morreu no mesmo acidente. Não me arrependo
do que fiz... A parte que não me orgulho foi ter recorrido a pessoas de índole duvidosa para
alterar sua idade. Isso facilitaria distanciá-lo do homem que fora para que recomeçasse. – Carlo
o olhou diretamente e inquiriu: – Está satisfeito em saber de todas essas coisas?

Jonathan sustentou-lhe o olhar e após um suspiro, falou sinceramente:

– Estou. Não é uma boa história, mas é a minha verdade. Finalmente! – ainda havia pontos
obscuros, mas ao menos sabia quem era.

Conferindo as horas, Jonathan bloqueou sua mente quanto à espera de Faith. Não se
permitindo nem mesmo pensar o quanto ela aliviaria sua alma depois de todas aquelas
descobertas endossadas e agravadas por seu padrinho, verdadeiro tio e um dia tutor.

– Onde Grace se encaixa em sua vida? – indagou endurecido, livre da emoção que o
acometeu durante a narrativa. Mais ansioso em partir. Carlo demonstrou certo nervosismo antes
de retornar com outra pergunta apressada:

– O que tem ela?

– Eu a flagrei nesse quarto – falou enfatizando cada palavra. – Ouvi claramente quando ela
comentou o tempo que se conhecem e a necessidade de discrição. Se forem amantes pode me
dizer... A fase do choque já passou.

– Não tenho amantes, Jonathan – seu tio exclamou, encarando-o, seguro. – Nunca estive com
uma mulher. O que lhe disse dias atrás não é como penso. Grace é mesmo uma boa amiga.
Quando falei aquilo sobre amantes eu apenas o queria longe da garota, pois abominava a ideia
de chegar ao que aconteceu hoje. Tudo começou com seu interesse por ela. A agressividade.
Aumentaram os questionamentos quanto ao seu passado, começaram outros tantos sobre sua
vocação... Eu o perdia mais e mais enquanto ela o ganhava.

– Saiba que hoje Faith me tem por completo – assegurou.

– Eu sei... E isso há muito tempo. Soube, talvez, antes mesmo que você – Carlo falou sem
rancor ou reprovação. – Os iguais se reconhecem! A menina pode não ser nem fazer metade do
que você foi ou fez, mas ela é tão voluntariosa quanto e possui as mesmas tendências marginais.
Quando soube que ela frequentava uma boate me desesperei de vez. Assim como na vez em que
encontrou a caixa, temi que sua memória voltasse quando resolveu ir atrás dela naquele lugar.

– Como soube aonde eu ia, eu...? – Jonathan se calou. Era evidente que Carlo soube antes
dele sobre as noites de quinta-feira. – Jack lhe contou, não?

– Sim – admitiu. – Particularmente não gosto dele, mas ele me mantinha sempre informado
quanto aos perigos que o cercava.

– Poderia me dizer quando e como o conheceu? – indagou ignorando o comentário.

– Conheci-o aqui. Após a missa que ministrei em seu lugar para que fosse a casa dos Greens.
Primeiro vieram dois homens à sua procura. Como não estava, eles deixaram um telefone para
contato e foram embora, mas prometeram voltar caso você não os procurasse. Eu fiquei
apavorado. Jack chegou logo depois e disse ser seu amigo. Explicou que queria protegê-los dos
homens que tinham saído e me instruiu a marcar um encontro em Wells, em seu nome. O que
aconteceu você bem sabe. Eram aqueles que o investigador nos mostrou as fotos, mas eu não
poderia dizer, poderia?

– Agora sei que não – Jonathan exalou contrafeito. As histórias eram similares, mas sentia
que algo não encaixava. – Se Jack o ajudou, por que não gosta dele?

– Aceitei sua ajuda, mas agora não sei se fiz o certo. Ele salvou minha vida e tem olhado por
você esses dias, mas agora me parece fora de controle.

– Eu já sei sobre Joseph – Jonathan informou. – E se quer saber, também não gostei de Jack.
Ele realmente está fora de controle. E não é confiável. Essa manhã eu expulsei o senhor do meu
quarto, porque ele instalou um aparelho que transmitia nossas conversas. – Ante ao olhar
assombrado de Carlo, completou: – Ele os colocou na casa inteira. Bem... Não verifiquei a
igreja – acrescentou. – É capaz de haver escutas até mesmo lá.

– Desgraçado! – Carlo vociferou. – Vê o que disse? Deveria esquecer esse homem, agora que
sabe de tudo, devemos nos afastar.

– Não posso – Jonathan falou resignado quanto sua nova sorte. E muito convicto do que
deveria fazer, revelou: – Estou ligado a Jack e é por isso que vou com ele para Nova York.

– Não! – Carlo gritou alarmado ao levantar. Segurando o sobrinho pelos ombros, falou
exaltado: – Não pode voltar àquela vida! Pelo amor de Deus, Jonathan!... Fique aqui. Está
protegido, tem a garota... Meus erros não podem ter sido em vão!

– Acalme-se – Jonathan pediu tranquilamente.


Durante a dissertação do tio sua determinação somente aumentou e não voltaria atrás. Mais do
que nunca queria saber de tudo, todos os detalhes. E ainda havia o maldito dinheiro que fazia
com que Jack fosse uma presença constante. Não o queria como uma sombra traiçoeira, capaz
de matar sem distinção ou clemência a qualquer momento. Era preciso se livrar dele caso
quisesse ter uma vida normal.

– Como posso me acalmar quando diz que vai embora?

– Não vou embora – corrigiu. – Não é como antes quando eu fugia de casa... Vou tentar me
conhecer. Descobrir quem sou. Depois eu volto. Prometo!

– Eu lhe digo quem é. Você é Jonathan De Ciello, padre responsável pela paróquia de Sin
Bay. O que foi antes não importa, seu passado foi apagado.

– Eu tirei vidas... – murmurou. Sabia que sim, mas ainda não se imaginava no perfil.

– E se arrependeu! – Carlo reiterou enfático. – Com aquele acidente e a ameaça de paralisia


foi redimido. Tanto que foi agraciado pelo esquecimento... Deus mostrou que o perdoou dando
uma nova vida. Não se martirize com o que não tem mais importância. Apenas siga em frente,
Jonathan... Lembra-se de Heráclito? Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. Deixe as águas
seguirem seu curso.
– Não é simples assim. E já estou decidido, então não tente me demover.
– Mas e a garota? Vai deixá-la?
– Já deixei – verbalizar fez doer seu coração. – Não sei o que me espera então não vou
envolvê-la. – Para amenizar sua dor, acrescentou: – Talvez seja temporário. Vou mesmo voltar...
E, quando acontecer, eu decido o que fazer de minha vida.
– E a igreja? Mal terminou a reforma. Todos estão empolgados com sua vinda.
– O senhor assume – determinou decidido. – Vou partir sem me despedir de ninguém. O
senhor pode dizer que sai para resolver um problema urgente e que em breve estarei de volta.
– Não posso fazer isso sozinho, Jonathan. Não é assim que as coisas funcionam.
– Como disse será temporário, então, sim... o senhor pode. Em todo caso, arrumei um
coroinha. O senhor o ensina o que for preciso.
– Está mesmo decidido? – Carlo indagou, conformando-se.
– Estou... E vou essa tarde.
– Já?!... – o padrinho novamente se agitou. – Por que a pressa em voltar ao inferno?
– Já disse. Eu preciso saber do que falta. Talvez me lembrar do motivo que me levou ao
arrependimento.
– Sinceramente acho que não vai se lembrar. Os médicos me alertaram de que poderia
acontecer a qualquer momento, pois não havia motivos clínicos para seu esquecimento. Todos
os que lhe examinaram atestaram o mesmo. O que você tem é um bloqueio. Apagou sozinho tudo
o que não queria se lembrar, desde sua infância até o acidente. Eles disseram que qualquer
mínimo detalhe conhecido, situação ou conversa poderiam trazer tudo à tona, mas não
aconteceu. Acho que você ainda não quer se lembrar... É um mecanismo de defesa, Johnny.
– Pois que não me lembre – disse firmemente; voluntarioso como Carlo o disse ser. – Ao
menos descubro tudo e então recomeço... Aqui mesmo. Fique sossegado.
– Será impossível, mas vejo que nada posso fazer. – Dando tapinha leves na face do afilhado,
falou: – Que Deus não lhe desampare e o traga de volta são e seguro.
– Amém! – disse reflexivo, não se considerando digno de muita proteção. Encarando o tio,
tocou-o no ombro. – Obrigado por finalmente me contar. E saiba que o entendo e não carrego
nenhuma mágoa por tentar me manter longe da sujeira que era minha vida. E também saiba que
não me perdeu para Faith... Nunca houve disputa. Ela é a mulher que amo e o senhor, mesmo que
a biologia diga o contrário, sempre foi meu pai.
– Meu pequenino! – o velho padre murmurou antes de abraçá-lo. – No meu coração você
sempre foi meu filho.
– Por que me chamou assim? – Jonathan indagou ao se lembrar das vezes em que Carlo usou
tais palavras, lutando para não se comover com a declaração do tio.
– Era como eu o chamava antes que se rebelasse. Você sempre foi meu pequenino. – E, unindo
as sobrancelhas, indagou: – Por que pergunta?
– O senhor repetia essas palavras quando delirava na ocasião de sua operação. Jamais
poderia imaginar que se tratava de mim. Por que eu nunca o ouvi me chamar dessa forma?
– Por que quando voltou para mim já era um homem feito. – Com um suspiro cansado
acrescentou: – E assim como a caixa e tudo o que pudesse o fazer lembrar eu evitei chamá-lo
como antes. Por isso também o trouxe para cá. Acreditei que numa cidade pacata seu passado
jamais o encontrasse. Ledo engano. Como se não bastasse se sentir atraído por alguém igual a
você, ainda foi achado por quem o conhecia em sua outra vida... E agora corre atrás do que
deveria esquecer.
– Não se pode mudar o rumo da vida de ninguém, mas de certa forma agradeço seu esforço.
Assim como serei eternamente agradecido por nunca ter desistido de mim – Jonathan falou
roucamente, sentindo a ameaça de novas lágrimas ao ver seu tio se render a elas. Com um
pigarrear o afastou e seguiu decidido para recolher as algemas niqueladas. – Novamente me
desculpe por prendê-lo.
– Antes mesmo que me soltasse eu já tinha desculpado. Esqueça! – pediu embargado. – Vai
levá-las?
– Não. – De posse das algemas Jonathan caminhou para a porta, dizendo: – Não levarei a
caixa, pois ela não me tem serventia. Na verdade, não levarei muita coisa, apenas algumas
mudas de roupa. Não pretendo demorar... – Como estava resolvido, não havia motivos para
adiamentos, então enquanto falava já arrumava suas coisas.
– Será estranho ficar longe de você – Carlo falou da porta, vendo o sobrinho se aprontar para
sair.
– Acabou de passar dias fora – Jonathan lembrou-o, tentando conseguir de volta a
naturalidade anterior. – Afinal como foi lá?... E o que foi fazer?
– Confessar-me – disse sem emoção. – O reitor Ramiro é meu confessor desde a Itália. Foi
ele com seus conhecimentos quem me ajudou a ficar com você depois do acidente. E também
quem me convenceu a trazê-lo de volta, pois me alertou para o risco de você um dia querer
investigar o acidente na Dei Parchi que na verdade nunca aconteceu.
– Entendo. – Ali estava a prova de que simplesmente não queria se lembrar; nunca cogitou
investigar coisa alguma.
– O reitor sabe quem eu fui?
– Não – Carlo negou veemente. – Pelo menos não tudo. O pecado de trazer um... criminoso
para a igreja eu carrego sozinho. Ele pensa que me ajudou a livrá-lo de más influências e das
drogas. Assim como eu, ele acreditou no milagre e em sua absolvição.
– Queria nunca tê-los decepcionado, mas cada um é o que é... Não adianta tentar guiar
ninguém por outros caminhos e agora eu preciso achar o meu – retrucou ainda a recolher suas
coisas. Era imprescindível lembrar caso quisesse encontrar o rumo certo para sua vida. E mais
ainda se ver livre de Jack Coleman. Resoluto, recolheu as roupas que usaria durante sua viagem.
– Agora se me der licença, preciso de um banho.
– Tem toda... – Carlo lhe deu passagem, então de súbito perguntou: – Não vai se despedir da
garota?
– Já me despedi – respondeu do corredor.
O tio nada disse então Jonathan tratou de apressar-se. Queria partir o quanto antes sem pensar
em despedidas. Ou em Faith que lhe esperava no motel. Bloqueando o pensamento, banhou-se e
vestiu suas roupas comuns; jeans e uma camiseta. Ao retornar ao quarto encontrou seu padrinho
a esperá-lo, ereto, mãos para trás das costas e a resignação em seu rosto entristecido. Jonathan
terminou de juntar o que pretendia levar, inclusive sua inseparável roupa preta e o colarinho
clerical. Era um padre, afinal.
– Estou pronto! – anunciou, indicando a saída para o tio, após vestir sua jaqueta. Carlo partiu
à sua frente ao que Jonathan aproveitou para pegar o punhal que deixara fora da caixa. Como da
outra vez, colocou-o no cós da calça e partiu sem olhar para trás.
– Tome – Carlo lhe entregou uma de suas rosas tão estimadas quando se juntou a ele em frente
a casa. – Leve para se lembrar de voltar.
– Obrigado! – Aquela era a prova da paz. – Agora me deixe ir. Cuide bem de nossa igreja.
– Será bem cuidada. Deus o acompanhe!
Quanto àquilo Jonathan não duvidava. Mesmo não sendo merecedor, Ele nunca o deixaria.
Apenas sorrindo para o tio, tomou seu lugar ao volante. Ao correr os olhos por sua casa, notou o
movimento na janela da casa vizinha e acenou para Sarah Williams que o olhava intrigada.
Antes que ela viesse à procura de informações, ligou seu jipe.
– Prepare as desculpas que a primeira a pedi-las vem aí – avisou. – Boa sorte!
Jonathan saiu sem olhar para trás. Ao dar a volta na praça deu uma breve olhada para a
igrejinha que o dividia. Descobriu não ter vocação, desrespeitou-a, mas gostava de cuidá-la.
Assim como a todos daquela cidade que passou a considerar sua. Não era tão indiferente afinal.
Antes de passar a porta da lanchonete, Jonathan percebeu que seu padrinho não respondeu de
onde conhecia Grace Campbell. Poderia ter sido mesmo dali ou até mesmo da Itália; continuava
sem saber. Ao passar diante da Blue Moon viu sua dona chegar até a porta. Não poderia ter
certeza, mas ela lhe pareceu ansiosa. Acenou-lhe em despedida ao que foi respondido de
pronto. Jonathan determinava descobrir mais sobre aquela amizade ao retornar quando a
verdade lhe ocorreu. Incrédulo, freou bruscamente, engatou a ré e voltou.
Ao parar exatamente à frente da lanchonete, encarou sua dona, com o cenho franzido. Esta lhe
sustentou o olhar sem se mover. Nada disseram e enquanto se analisavam Jonathan pôde ver
todas as mudanças no rosto ainda jovem. Não saberia o que deu a certeza a ela, mas ao vê-la
liberar uma lágrima e dar um passo adiante, ele teve a sua. Grace era a mulher que o abandonou;
sua mãe suicida. Infelizmente não sentiu por ela a mesma benevolência dispensada ao padrinho
por enganá-lo todos aqueles anos. Antes que ela chegasse até ele, Jonathan mudou a marcha,
acelerou e partiu. Não havia nada que um pudesse dizer ao outro; não ainda.
Capítulo Trinta e Nove

Deixando Sin Bay para trás, Jonathan sacou seu celular. No visor todas as mensagens de Faith
aguardavam ser lidas. Ignorando-as, ligou para o número fornecido por Jack para o caso de
querer manter contato. Tão logo foi atendido, disse, sem cumprimentos:
– Você tem razão. Se não tentarmos o que for possível para que eu lembre, nunca saberemos o
que aconteceria.
– Vi que deixou a cidade – disse ansioso. – Já me preparava para segui-lo. Aonde está
indo?
– Nova York – disse resoluto. – Não é lá que minha história está? Vamos até ela... Apronte-se
para ser um milionário.
– Ah! – ele exultou. – Cara, não acredito!... Tenho que voltar à cabana para pegar minhas
coisas. Onde nos encontramos?
– Podemos nos encontrar... – Não queria estar com ele ainda então determinou: – No primeiro
posto de gasolina que encontrarmos na rodovia 95, depois de passarmos Ogunquit.
– Nossa! Tão à frente... Por que não nos...
– Vamos deixar claro uma coisa – Jonathan o interrompeu. – Já que me procurou e me contou
todas aquelas coisas e estou decidido a atendê-lo, quero que seja como antes. Se eu dava as
ordens é assim que vai ser, entendido?
– Perfeitamente, senhor. Nem era minha intenção que fosse o contrário.
– Então ajudaria se não me contestasse. Nós nos veremos onde mencionei. Talvez eu demore,
mas irei com certeza. – Sabia que não conseguiria passar em frente ao motel e simplesmente ir
embora. Olharia para ele alguns instantes.
– Sim, senhor. Mas se mudar de ideia no caminho não tem problema. Sei que é uma decisão
difícil. Se não aparecer, eu volto. Sempre estarei ao seu lado, Nathan.
– Sei disso. Até breve, Jack.
Antes de ter uma resposta, desligou, rogando para que Deus o ajudasse a recordar qual o
destino dado ao maldito dinheiro de Galeazzo para que se livrasse de Jack de uma vez por
todas. Era um fato que ele voltaria caso mudasse de ideia. Movido por essa certeza que partia.
Para vê-lo distante seria bem capaz de lhe entregar todas as notas de cem dólares que citou. Era
padre; ser milionário não estava em seus planos.
Já saudoso, antes de descartar o celular sobre o banco, conferiu ao menos a última mensagem
de Faith. Ela o esperava no mesmo quarto da primeira vez. Arrependido de sua curiosidade
mórbida, Jonathan atirou o celular sobre o banco do carona onde pousou ao lado da rosa pálida.
Como sempre em tudo o que se referia a Faith se dividiu, contudo logo afastou a hipótese de vê-
la.
Ainda que breve e intempestiva a despedida de Carlo fora ruim. Como seria com ela? Como
dizer que somente se veriam dali a... Quando se veriam? Não havia previsões e imaginar o
tempo distante oprimia seu peito. Tinha mesmo de ser prático. Guardar a lembrança do último
beijo e seguir em frente, sem explicações. Sem apresentar sua pior versão. Teria coragem?

Descalça, recostada ao lado da janela, Faith olhava para o estacionamento ainda iluminado
pela claridade do final de tarde. Abraçada ao próprio corpo, considerava se Jonathan tinha feito
o mesmo tantas vezes quanto ela na primeira em que esteve ali. Se sim, agora sabia a angústia
que o fez passar. Ela estava à beira de um colapso com a demora. Não apenas por isso, era a
verdade, mas agradeceria caso ele aparecesse de uma vez. Precisava tocá-lo, segurá-lo para
que aquela sensação de evasão cessasse.
Como se não bastasse ele estar todo esquisito com o que descobrira, havia Nicole. Ao
reviver o choque sentido durante a última conversa, Faith se recostou à parede ao lado da
janela, sentindo-se sufocar.
– Então – Nicole dissera depois de pedir licença a Helen que tentava demovê-la de ir ao
encontro enquanto se trocava. – Sabe quem esteve ontem na lanchonete?
– Não faço a mínima ideia, Nick – retrucara aérea enquanto alternava dois vestidos diante do
corpo, parada à frente do espelho, sem dar-lhe muita atenção. – E por falar em lanchonete, não
deveria estar lá?
– Estamos sem movimento então pedi licença a Grace, pois queria falar com você antes que
fosse dar a sua aula.
– Se o assunto é mesmo de ontem porque não disse à noite quando chegou ou nessa manhã. Ou
ainda quando estive na lanchonete para buscar Helen.
– Eu ainda não tinha certeza do que te dizer. E hoje estava apressada e lá não era o lugar... –
disse enigmática. – Vinha da igreja não vinha?
– Sabe que sim – falou ainda dividida entre um vestido vermelho e um preto. – Já que é
importante para se dar a esse trabalho de vir aqui, conte quem esteve na lanchonete.
– Maggie, juntamente com a mãe – ela falara casualmente. Em sua indecisão, nem ao menos
deu importância a algo que não lhe dizia respeito. Determinava usar o vestido vermelho de
malha fria, quando a irmã acrescentou: – Soube por ela que Tyler ficou mesmo mal da tal queda.
Tanto que semana passada Spencer o levou ao hospital, para desencargo de consciência. Parece
que dormiram mesmo por lá em Wells.
– É mesmo? – Faith lhe dissera distraidamente enquanto colocava o vestido. – Ele não me
contou... – Somente ao responder-lhe que se deu conta de onde a irmã queria chegar.
Imediatamente em alerta, perguntou: – O que tem isso demais?
– Talvez nada se eu não estivesse desconfiada de uma coisa.
– Essa desconfiança me importa? – indagou passando a escovar os cabelos para prendê-lo
como Jonathan tanto gostava.
– Claro que sim... Ele esteve em Wells na terça e só voltou na quarta pela manhã. Isso
significa que não esteve com ele na praia.
– Nunca disse que estive. Você deduziu e eu não desmenti – disse seca.
– É verdade e isso me fez ver que não há outro nessa cidade que você possa namorar.
– Claro que tem! – dissera tentando ser indiferente. – Nem todos estão no mar.
– Deixe de papo furado, Faith. – Nicole exasperou-se a certa altura. – Nunca deu atenção a
nenhum deles e não começaria agora. Mas sei de um homem bem interessante a quem você tem
dispensado muito de seu tempo ultimamente.
– Acho bom tomar cuidado com o que vai dizer...
– Jonathan De Ciello – ela falou. – Muito bonito, novidade e alguém que minha irmãzinha não
poderia ter... Estou errada?
– Está é louca! – ciciou. – Somos amigos e nada mais.
– Tanto que agora você faz desenhos dele? – Nicole insistiu.
– Mexeu nas minhas coisas?! – Faith perguntou incrédula. – Com que direito?
– Com nenhum é verdade, mas eu disse que ia descobrir. E francamente... Você e o padre?
– Cale a boca, Nicole! – pediu indo trancar a porta. – Não diga bobagens. Eu apenas o
desenhei. Isso não é prova de nada.
– Então não vai se importar se eu contar sobre os desenhos ao papai quando ele voltar, não é?
– Por que em vez de se ocupar com desenhos idiotas você não trata de cuidar de sua própria
vida quando papai voltar?
– Farei isso, não tenha dúvidas – retrucou altiva. – Mas sabemos bem que não será fácil e o
capitão vai me massacrar com suas eternas comparações com a filhinha exemplar. Sei que te
devo por hoje estar com Peter, mas não vou ouvir as grosseiras dele calada. Quero fazê-lo ver
que você não é a santa que ele acredita ser.
– E para isso vai acabar com a reputação de alguém que não tem nenhuma relação com que
acontece nessa casa? – sibilou. – Quando se tornou tão irresponsável? Que tenha suas
diferenças comigo eu até entendo, mas o que o padre Jonathan fez a você?... Pensei que ele
também tinha te ajudado a chegar até aqui... É assim que vai retribuir?
Faith gemeu enquanto ainda sufocava recostada próxima a janela, rogando para que seu
discurso inflamado tivesse surtido efeito. Nicole apenas prometera pensar, ao que ela desejava
que sua gratidão a Jonathan fosse maior que sua inferioridade perante ela; a preferida filha
caçula. Faith sabia que os desenhos não eram prova de nada, mas incutiriam a dúvida tornando
aquele relacionamento já tão conturbado ainda mais complicado. Isso se Jonathan não tratasse
ele mesmo de fazê-lo, pensou voltando a olhar pela janela. Onde ele estaria?
Eram mais de 17h30 e nem sinal do jipe. Exasperada, Faith cerrou as cortinas e antes que
deixasse a janela seu celular cantou. Animada, correu e se atirou sobre a cama onde o deixara.
Por saber se tratar de Jonathan já sorria, contudo sua alegria arrefeceu ao ler a mensagem.
Muito trêmula, fechou a página e discou para ele. Não foi atendida de pronto, contudo não
desistiu. Recusando-se a chorar, tentou outra vez, convertendo sua tristeza em impaciência.
Preparava-se para desligar e religar, quando Jonathan finalmente a atendeu.
– Pronto! – ouviu a voz grave e melodiosa. – Ciao, Faith!
– Ciao de “olá” ou ciao de “tchau”? – falou, forçando certo enfado. – Como me deixa
esperando a tarde inteira e então simplesmente me diz para ir embora por que vai viajar?!
– Voltarei em breve então lhe explico o que aconteceu – disse sério. – Perdonami, mas faça
como pedi... Vá para casa, Faith.
– Não vou – teimou, com a garganta finalmente a travar. – Me fez prometer que nunca te
deixaria... Disse essa manhã que não iria à parte alguma e agora vai assim?
– Não estou... – ele começou manso, porém exasperou-se. – Droga, Faith, por que tem de
dificultar para mim? Vá para a casa!
– Não vou – disse enfática. – Se está mesmo vindo de carro vai passar pela porta de onde
estou. Vou ficar bem aqui e esperar... Eu te amo, senhor, mas se demonstrar tamanha falta de
consideração não sei se serei capaz de te perdoar.
– Talvez fosse melhor assim – Jonathan retrucou taciturno, após um instante em silêncio. –
Não sou o homem certo para você, menina.
– Se acredita mesmo no que diz então não venha – replicou e desligou. Ato contínuo seu
celular passou a tocar. Faith não somente o ignorou como o escondeu sob um travesseiro e se
deitou sobre ele, dizendo ao teto branco: – Não vou ficar ouvindo ordens, senhor. Não mesmo.
Então bufou exasperada. A quem queria enganar? Não importava quantos surtos birrentos
tivesse, sempre seria condescendente. O motivo da súbita viagem era desconhecido, mas havia
a trégua de Carlo que lhe dava uma ideia da gravidade do que ocorria nos bastidores da
igrejinha. Tinha também a estranheza de Jonathan que inicialmente viria lhe falar sobre algo que
ele fizera. Não conseguia atinar com o quê, mas sabia que fosse o que fosse, iria entender.
Ainda assim esperava ter incutido algum receio no coração de Jonathan, pois sua ameaça era
uma faca com dois gumes; também sairia magoada caso ele simplesmente passasse ao largo,
sem se importar em não ser perdoado.
Merda!... Uma vez estúpida sempre estúpida, pensou. Jonathan não era o tipo de homem que
atenderia a ultimatos nada velados. Contudo era tarde para voltar atrás. Fechando os olhos se
enroscou em posição fetal. Restava-lhe esperar.
Logo sentiu um toque leve e fugaz em seus lábios. Sonolenta, sem descerrar as pálpebras
pesadas, ergueu a mão debilmente para afastar o que a perturbava. Depois de atingir a si mesma,
girou o corpo e se entregou ao leve torpor. Então sentiu o mesmo toque efêmero em seu nariz,
preparou-se para novamente afastar o que fosse quando sentiu o leve odor de rosa. Ao abrir os
olhos descobriu Jonathan sentado ao seu lado, vestia sua jaqueta de couro sobre uma camiseta
preta e tinha nos olhos brilhantes a expressão mais séria da qual ela poderia se lembrar.
Sua súbita aparição indicou a Faith que dormira enquanto o esperava. A noite ainda estava
clara, então não poderia determinar quanto o esperou. Nem tentou. Jonathan fora encontrá-la, o
que mais importava? Antes que dissesse alguma coisa, ele lhe mostrou e estendeu o que usou
para tirá-la de seu sono. Não era o caso, mas verteu uma lágrima ao pegar a rosa. Nunca
recebera flores.
– Não deveria dormir com a porta aberta – ele aconselhou brandamente. Então, capturando a
lágrima, indagou ainda manso: – Por que tem de ser tão teimosa, bambina? Seria tão mais fácil
se tivesse me deixado ir.
– Então por que não foi? – Faith murmurou, admirando sua flor.
– Porque você não me perdoaria – disse simplesmente.
– Perdoaria porque sou uma idiota – depreciou-se, mesmo com a alma envaidecida.
– Acho difícil. Eu não amaria uma idiota, então não quis arriscar – Jonathan retrucou tocando-
lhe a bochecha. Não tinha terminado a frase antes que a moça se sentasse abruptamente e se
recostasse contra a cabeceira com os olhos alarmados e o coração cantando em seu peito.
– O que disse?
– Seja clara – ele pediu, pondo-se de pé para retirar a jaqueta. Fazendo-se de desentendido,
acrescentou: – Eu disse tantas coisas desde que cheguei. Inclusive perguntei por que tem de ser
tão teimosa.
– Não brinque comigo, senhor – rogou. Deixando a rosa sobre o criado-mudo, engatinhou
sobre a cama para segui-lo. Enquanto Jonathan descalçava os sapatos e as meias ao lado do
pequeno sofá, ela novamente pediu: – Por favor, repita o que disse.
– Não sei... – ele murmurou com um torcer incerto de lábios. Voltando a lateral da cama,
deixou o punhal que trazia ao lado da rosa. – Você me ameaçou para que viesse, com isso
atrasou minha viagem... Não sei se merece que eu repita.
Faith, que ainda o seguia, sempre sobre a cama, ignorou a presença da arma e se ajoelhou
diante dele para tocar seu peito largo com o firme propósito de seduzi-lo.
– Por favor, senhor... Repita que me ama – implorou lânguida, retirando-lhe a camiseta. Ao
ter o dorso despido ela o beijou na clavícula, bem ao lado da cruz e da chave, incitando-o. – Se
pretende me castigar negando sua declaração, dessa vez me defendo, pois não mereço. Só lutei
pelo o que considero meu, afinal iria me deixar sem se despedir.
Entregue ao deleite de ter aquelas mãos e lábios macios em si, Jonathan se deixou inflamar,
muito consciente de que sua diaba sempre mereceria ser castigada, porém não naquela noite nem
por seus instintos egoístas. Não quando, mesmo titubeando, assim como Carlo, não desistia
dele.
– Seu? – indagou, calando um gemido.
– Todinho, já que sou a primeira e única – confirmou muito satisfeita de sua exclusividade,
mordiscando um mamilo mínimo. Jonathan emitiu um silvo baixo de prazer e remorso por não
ter sido o virgem que ela acreditou ser. Derrubando-a sobre o colchão, rogava para que ela o
perdoasse enquanto a prendia com seu peso.
– Somente iria sem me despedir, não deixá-la, Fay – corrigiu mesmo que mentindo.
Encarando-a de muito perto, sua boca sobre a dela. – Isso acontecerá quando descobrir quem
sou e me mandar embora. – Um dos dois havia de ter força para afastá-los.
– Então não temos problemas – ela murmurou se acomodando sob seu corpo. – Eu prometi
esqueceu?
Jamais esqueceria. Todas as conversas que tiveram seriam seu refrigério nos dias infernais
que estivesse longe. Mais do que antes seu tempo com Faith era limitado e quando expirasse,
metade dele morreria. Porém não diria a ela, apenas aproveitaria aqueles últimos instantes.
Valendo-se da leveza própria aos muito jovens, recusando-se a pensar no que viria, troçou,
exibindo um sorriso farto:
– Tenho problema de memória... – Com seriedade acrescentou: – Mas nunca vou esquecer o
quanto a amo, Faith. Veramente ti amo, bambina.
Era amada! E quem iria querer legenda para o restante? Não ela. Com a alma em festa, Faith
o abraçou e uniu as bocas já tão próximas. Com um leve gemido, mais uma vez se acomodou
sob aquele corpo grande e forte enquanto tinha sua língua requerida. Já em agonia antecipada,
novamente gemeu e lhe circulou a cintura com as pernas.
Recebeu em troca um lamento baixo e uma boca exploradora na curva de seu pescoço. Logo
mãos macias a livravam do vestido, deixando-a somente em sua calcinha. Ao se ajoelhar,
Jonathan a trouxe sem nenhuma dificuldade para seu colo. Segurando-a pelo traseiro que
maculou com um único golpe no encontro matinal, afundou o rosto na fartura jovem e rija de
seus seios. Um a um ele os beijou, então elegeu aquele que provaria rolando o mamilo hirto em
sua língua, antes de sugá-lo. Talvez fosse um canalha por se aproveitar, mas precisava dela.
– Meu senhor... – Faith exalou segurando-lhe a cabeça, prendendo-lhe bem ali. Com o corpo
quente, moveu seu quadril minimamente sobre aquela porção muito firme, indicando estar pronta
para a posse. Também tinha fome dele. – Vem...
– Para onde quiser, angelo – ele murmurou, deitando-a.
Cada qual se desfez das peças restantes. Os olhos de terra e de mar, encarando-se. Seus
donos tão necessitados um do outro. Tanto que logo Jonathan a tomou em seu colo, como antes,
porém mergulhado nela. Faith o abraçou com pernas e braços e se deixou ser amparada pelas
ancas. Guiada para longe e perto, num crescendo constante até que num espasmo conjunto
novamente vislumbrassem o céu. Com a respiração falha pela paixão partilhada, Faith segurou o
rosto de um Jonathan ainda trêmulo.
– Se posso te levar para onde quiser, volte comigo – pediu. Ele nada disse. Apenas segurou-a
pela nuca e a fez se deitar, para se estender às suas costas e abraçá-la firme contra o peito.
– Não posso – disse apenas; a respiração ainda descompassada.
– Por que está indo afinal? – Faith se desprendeu para olhá-lo. – E para onde vai?
– Não tem de saber para onde vou, Fay – falou, tocando-lhe o rosto delicadamente, talvez
para amenizar a súbita dureza da voz.
– E por que não? Por que o mistério? Disse que explicaria na volta, qual a diferença de me
dizer agora? – Ao se calar, flagrou o brilho estoico nos olhos azuis.
– Não há mistério, só não precisa saber. E não insista. – Jonathan preferia ter de pular as
explicações, porém, uma vez que sabotou sua partida ao lhe enviar a mensagem e logo depois ao
atender sua chamada, deveria pagar o preço. – Mas quero que saiba por que vou... – Faith nada
disse, então após um suspiro, prosseguiu: – Ontem, depois que a deixei, descobri algumas
coisas sobre o meu passado... Não gostei, mas ainda assim quero mais. Por isso preciso voltar
para onde possa me lembrar do que me aconteceu antes do acidente.
– Está indo para a Itália?! – Faith se agitou, tentando se desvencilhar, contudo ele a manteve
no lugar com força férrea.
– Pare de lutar. – ordenou. Faith foi obrigada a se render. – Como disse não importa para
onde vou. Ficarei fora por pouco tempo, não tem porque reagir assim.
– Como se lembrou? – perguntou magoada; como ele esperava que ela reagisse?
– Apenas me lembrei. – Sentia que não deveria contar a ela sobre Jack. Mirando seus olhos
castanhos, Jonathan se arrependeu de ter voltado. Já tinha deixado o motel para trás quando não
resistiu ao chamado dela e retornou. Percebia naquele momento o seu erro, pois ela não se
contentaria com pouco. – Não saberia explicar.
– Então diga o que lembrou – pediu também num murmúrio. – Por que não gostou?
– Eu não era uma boa pessoa, Faith. – disse sinceramente. Tentaria dar-lhe algo, talvez
finalmente ela facilitasse. – Não fiz coisas boas...
– Eu também não fiz – ela retrucou, dando de ombros – E com certeza no mundo há uma
porção de pessoas que fazem coisas ruins, mas nem por isso precisam ficar assim tão
preocupadas. O que fez de tão horrível? – Ao seu comentário Jonathan riu com leve ar
debochado, levando-a e indagar muito séria: – O que eu disse de engraçado?
– Não disse. Toda a minha situação que é uma grande piada de mau gosto – esclareceu,
soturno. – Eu a julguei muitas vezes, mas as coisas erradas que fez jamais se equipararão às
minhas.
– Agora eu preciso saber... – Mais uma vez Faith tentando se desvencilhar.
– Não queria assustá-la com a verdade. – Jonathan deixou que ela se afastasse. Sempre o
encarando, Faith se ajoelhou e pegou um dos lençóis aos pés da cama para se cobrir,
prendendo-o com seus braços. Ajeitando os cabelos atrás da orelha.
– Agora é um pouco tarde. Não estou necessariamente assustada, mas minha cabeça é muito
imaginativa. Preferia que o senhor me dissesse em vez de me deixar criar opções mirabolantes
para o que fez.
Ele a forçou e perseguiu até conhecê-la, agora, nada mais justo que a deixasse igualmente
conhecê-lo, sem disfarces. Deixar que ela decidisse se ele era ou não o homem certo. Por sua
reação defensiva, ficava claro que aquela era a hora. Faith mergulharia em sua lama tão mais
densa e enegrecida do que a dela? Havia apenas uma forma de saber.
– Juro a você que preferia não ter sido assim... – começou ao se sentar. – E que não me
reconheci nessa situação que lembrei, mas... sei que é a verdade. – Sem coragem de dizer a
palavra que insolitamente o denominava, amenizou: – Eu feria pessoas, Faith.
– Feria, como? – Ela sabia que deveria ter entendido, mas sua capacidade de raciocínio se
encontrava momentaneamente travada. Como uma defesa ante a gravidade do que viria.
– Eu as feria até que morressem. – Decididamente ele não conseguia dizer.
– Ah!... – Foi tudo o que Faith pôde exclamar.
Então Jonathan era capaz de matar! Imóvel, com as mãos pousadas sobre as coxas, Faith
saboreou a notícia amarga, perscrutando o rosto marcado por sombras estranhas. O ar a sua
volta estagnou, como prenúncio de tempestade. Jonathan permanecia impassível. Ele não disse,
mas aquele era o momento de ela decidir. De pegar ou largar. Após um pigarro, perguntou com
estudada indiferença:
– É esse o motivo do drama?
– Não se importa? – Jonathan franziu o cenho, sem saber se agradecia a compreensão ou se a
chacoalhava para trazê-la à razão.
– O senhor disse que não se reconheceu na situação. É o que me basta. – Não o perderia por
um passado que ele mesmo parecia repudiar. – E não se preocupe que jamais direi para alguém.
Na verdade, eu até já esqueci, mas estou curiosa com outra coisa.
– Quanto ao quê? – Jonathan ainda a avaliava, ocultando sua incredulidade.
– Não era novo demais para fazer essas coisas? – Ao se calar percebeu quão ridícula fora sua
pergunta, afinal não havia limite de idade para ser perverso. Esperou a confirmação de que ele
fora um adolescente violento, quando o ouviu dizer, um tanto receoso:
– Não era. Descobri que há um erro em minha idade. Tenho quatro anos a mais do que
acreditei ter.
– Mas então...? – Foi inevitável calcular. – O senhor tem trinta. – E novamente a mente dela
somou. Não números, sim, situações. – Se era mais velho quando fazia essas coisas, então tinha
uma vida completamente diferente da que tem hoje.
– È vero – disse, prevenindo-se contra o que viria. – Completamente diferente.
– Provavelmente teve uma namorada – ela deduziu. E sem esperar a resposta óbvia, sussurrou
sentida: – Então não fui sua primeira...
– Para mim, é como se fosse – falou ternamente, tentando capturá-la. Contudo a moça se
esquivou e deixou a cama. – Volte aqui, Faith.
– O senhor se lembrou dela não foi? – indagou, olhando-o ressentida. – Está indo procurar
por ela? Por isso não posso saber aonde vai? Era casado? Tinha filhos? – Sua mente não
parava.
– Não seja infantil – ele demandou com voz baixa e incisiva. – E volte aqui, pois não
pretendo correr nu pelo quarto, atrás de você.
Faith cogitou desobedecê-lo. Jonathan que pegasse seu desconforto e jogasse num saco,
porém logo percebeu sua infantilidade. Mais uma vez acreditou no que quis, pois desde a
primeira vez que ele a despiu no sofá evidenciou sua experiência. Engolindo a decepção e o
ciúme, Faith voltou para a cama. Jonathan logo a segurou pelos braços e a deitou, para prendê-
la abaixo de si. Como antes, falou muito próximo ao seu rosto:
– Não há esposa nem filhos. Nunca haverá outra, amore mio. E não me lembrei de ninguém...
Estou indo atrás de minha história, não de outras mulheres.
– Indo atrás de uma história que disse não ter gostado – retrucou ainda ressentida. – Tem uma
nova vida agora. Por que não volta a esquecer o que descobriu e deixa como está? Se não há
outra e realmente me ama, senhor, volte comigo.
– Não coloque dessa maneira – pediu. Tudo o que mais queria era atendê-la, mas não ia
somente por ele, sim para livrá-los daquela presença daninha que passou a habitar a mata de Sin
Bay. Nem ela ou qualquer outro estaria seguro com Jack por perto.
– Agora que sei dessas coisas não vou suportar que se vá... – ela choramingou. – Não vê?
Como será se nada acontecer? Vai ficar não sei aonde por anos e anos até lembrar?
Jonathan compartilhava de seu temor, pois não tinha a resposta. Sua única certeza era a
necessidade de se desvincular de Jack Coleman. E também gostaria de algum tempo longe para
ordenar as ideias. Digerir tudo o que ouviu de Carlo; a novidade de Grace ser sua mãe.
– Está vendo? – ela o trouxe da divagação. – Nem sabe me responder... Não tem previsão de
volta. – Sem pensar implorou: – Então me leve com o senhor.
– E você iria? – Não aconteceria, mas seu ego quis saber. – Abandonaria sua família depois
do que passaram no mar? Faria isso por mim?
A moça não precisou pensar muito para ter sua resposta. Aquela era a sua chance de sair
daquela vila insossa perdida no mapa e conhecer lugares interessantes junto ao homem que
amava. Iria de bom grado para onde seu padre a quisesse levar, caso não conhecesse seu pai o
suficiente para saber que estaria arrasado com a perda de seu pesqueiro. Não tinha notícias
concretas e talvez fosse o caso de ele ter perdido também alguns de seus arpoadores, qualquer
um deles muito amigo. Não o faria sofrer pela perda de uma filha; sua preferida. Seria demais.
E ainda tinha Nicole com a ameaça à reputação de Jonathan. O desaparecimento de ambos seria
a confirmação.
– Está vendo? – Foi sua vez de resgatá-la das considerações. Mesmo que não a levasse
preferia que ela o escolhesse, mas seu egoísmo não o tornava obtuso ao ponto de não entender. –
Nada é tão fácil quanto parece, angelo.
– Não seria fácil. – Ela lhe sustentou o olhar. – E se tudo fosse diferente eu iria sem piscar.
Antes eu acreditava que minha felicidade era a única que valia, mas vejo que não é bem assim.
– Então sossegue seu coração – ele pediu, depois de um beijo leve. – Eu vou, mas volto...
Somente diga que me entende.
– Não! – ela teimou convicta. Apenas por imaginar que ele iria embora sem uma boa razão,
seu coração afundava no peito. – Como pode querer correr atrás de um passado no qual era um
criminoso? Talvez até procurado... E se o reconhecem? – Faith se alarmou com o próprio
raciocínio. – E se for preso?... Não, definitivamente não!
– Faith... – Jonathan sussurrou compadecido, completamente arrependido de ter voltado. Não
se sentia como Nathan, mas tinha certeza de que sua versão impiedosa não teria se rendido.
– Por favor, senhor... – implorou uma vez mais. – Eu faço o que quiser, mas fique. Eu...
– Está bem! – interrompeu-a. Não precisava ser frio para fazer o que fosse necessário.
– De verdade? – Faith indagou comovida. – Posso acreditar que vamos voltar para casa?
– Quando for a hora, sim... – ele disse com outro beijo. Não havia razão de entristecê-la.
Logo sua Faith sorriu como sempre deveria ser. Seus olhos brilhavam satisfeitos quando ela o
abraçou. Depois de beijá-lo, indagou ainda sorrindo, animada como uma verdadeira bambina.
– Já que tudo voltará a ser como antes, sabe o que me deve?
– Non – falou alheio, tentando não dar ouvidos à ideia que teve ainda em seu quarto.
– O senhor me ofereceu ajuda com as corridas, mas nunca começamos. Podemos nos
encontrar quase todos os dias na praia, como antes.
– Seria perfeito. – Assim como seria perfeito encontrar coragem e apenas mais uma vez, uma
última vez, voltar a ser Nathan Hughes e se desvincular de Jack Coleman de forma rápida e
eficaz.
– Será perfeito! – ela o corrigiu e estendeu a mão para pegar sua rosa. Seus olhos pousaram
sobre o punhal. Quando se voltou para Jonathan, que a encarava intensamente, indagou: –
Porque está com isso?
– Sinceramente não sei. – Era verdade. Pegou-o num impulso.
– É o mesmo de sua tatuagem, não é? – perguntou correndo a rosa por seu perfil, fazendo-o
fechar os olhos.
– É sim. Eu o tenho há muito tempo e sinto que não posso me separar dele. – Novamente dizia
a verdade. Talvez fosse pela sensação de segurança que o punhal lhe dava. – Quero-o sempre
comigo.
– Entendo – ela murmurou correndo a rosa pela boca masculina, languidamente. Não temia a
arma de fato então não queria saber muito sobre ela. Já que Jonathan não ia à parte alguma e
estava cansada de falar sobre coisas que o remetiam à um tempo que desejava esquecer,
indagou: – Quais as chances de o senhor, eu e ele brincarmos agora?
– Como no meu quarto? – Jonathan abriu os olhos, de súbito estimulado.
– Sim... Aquilo foi interessante, mas tão breve... – Ela se moveu sob ele para provocá-lo
mais. Talvez, se desse a ele tudo o que queria, Jonathan nunca mais cogitasse ir embora. – O
senhor poderia me amarrar e... me vendar.
Satisfeita, ouviu-lhe o assobio invertido que sorvia o ar num gemido contrário. Os olhos
escureceram como ela tanto apreciava ver; nas horas de calmaria ou turbulência. Ao se sentar
sobre ela, Jonathan exibiu a Faith seu dorso forte, bem cuidado até demais para um comedor de
hóstias. Sem se importar em danificar propriedade alheia, roubou-lhe o lençol para parti-lo em
tiras com a ajuda do punhal. A visão era perturbadora e se tornou instigante quando os olhares
se cruzaram. Jonathan nem ao menos prestava atenção ao que fazia, apenas a encarava.
– Dê-me suas mãos – ele pediu com sua voz de música muito rouca.
Faith o atendeu e juntou as palmas como recomendado anteriormente, porém Jonathan tomou
apenas um dos pulsos e amarrou uma das tiras, repetindo a tarefa no outro. E em todo o
processo a fez se sentir como uma presa encantada por seu captor.
Jonathan somente liberou seu olhar quando deixou a cama para prendê-la na madeira lateral
que dava suporte ao estrado. Sem pressa, fez o mesmo com o outro braço e seus tornozelos. E
então ela estava completamente estendida sobre todo o colchão sem qualquer chance de fuga.
Pela primeira vez entre todas que esteve com Jonathan, sentiu seu rosto corar ao vê-lo admirar
sua nudez.
– Não vai ficar só olhando não é? – indagou encabulada. Justo ela!
– Shhh... – Aquele simples exalar soou imperativo. Ela sequer cogitava insistir quando
Jonathan de fato demandou: – Não quero que fale.
E como o predador que ela imaginou antes, ele se ajoelhou sobre o colchão, entre suas pernas
estendidas e avançou manso sobre ela até estar novamente sentado sobre seu quadril. Faith não
sabia o que a excitava mais; se a visão seus olhos escurecidos, da cruz e a chave entre todos
aqueles pelos do peito de Apolo ou do membro orgulhoso. Quando Jonathan falou suas palavras
soaram guturais.
– E você é bem descarada para avaliar um homem dessa maneira, não é? – Ciente de que
nenhuma resposta era esperada, ela apenas esperou que Jonathan prosseguisse. Ele o fez tão
logo pegou o último pedaço de pano; o mais largo. – Por isso vou mesmo vendá-la. Esses seus
olhos em mim seriam uma distração da qual não precisamos.
Privada de sua visão, Faith especulou expectante qual parte de seu corpo receberia o
primeiro contato da lâmina fria. Livre do temor da primeira vez, seus pelos se eriçavam
somente por imaginar o toque em algumas partes distintas. Quando este veio, causou-lhe
surpresa por contrariar suas esperanças pervertidas.
– Amo seu rosto de anjo – Jonathan declarou, correndo a lâmina na lateral de seu queixo,
fazendo-a estremecer. – Você sempre foi o anjo da minha perdição – prosseguiu enquanto
deslizava o punhal até a outra face.
Ansiosa, Faith umedeceu os lábios. Logo em seguida, após ouvir um gemido muito baixo,
sentiu algo arredondado vagar por eles. Ao entender se tratar do cabo por instinto o lambeu.
Imediatamente Jonathan o parou e sem que nada pedisse, ela repetiu o gesto languidamente. Com
um esgar agoniado, Jonathan substituiu a arma por sua boca para logo esmagar a dela num beijo
raptor. A moça queria tocá-lo. Também queria senti-lo sobre si, mas fora o peso em seu quadril
apenas as bocas estavam unidas. Com um gemido, correspondeu-o, sem se importar de que a
brincadeira terminasse ali.
– Não imaginei que sua boca também se tornasse uma distração – Jonathan falou em tom
repreensivo ao quebrar o beijo. Antes que ela cogitasse retrucar, sentiu uma haste fina ser
depositada entre seus lábios. – Morda – ordenou. Ao fazê-lo ela já sabia ter sido amordaçada
com a rosa que ganhou. – Agora se comporte e não a derrube, nem se mexa. Como disse antes,
não queremos que acidentes aconteçam.
E então o estranho carinho seguiu. Seu italiano de passado criminoso com aquela estranha
afinidade com punhais, tantricamente estimulou os bicos de seus seios um a um com a lâmina
fria, causando-lhe um latejar insistente abaixo do ventre. Quando estavam rijos como pequenas
pedras, ele flanou a ponta da arma por seu peito até parar sobre o coração. Se assim desejasse,
bastaria cravá-lo para matá-la. E nem assim ela o temeu. Era uma louca apaixonada e crédula;
Jonathan jamais a machucaria.
– Uma vez num sonho eu desejei atirar meu punhal bem aqui enquanto você se despia ao
dançar para mim – ele disse roucamente. – Acho que esse era meu desejo oculto por odiar o que
fazia... Ou talvez a vontade de parar um coração que não me amava.
Se o tivesse feito valeria somente pela primeira opção, pois seu coração sempre bateu e
bateria somente por ele.
– Mas as danças obscenas cessaram... – Desejando confirmação Jonathan retirou a rosa da
prisão dos lábios e indagou: – E seu coração? A quem ama?
– Somente ao senhor... – disse, excitando-se mais com a declaração. – Para sempre, não
importa o que aconteça.
Jonathan riu satisfeito e, deixando a comodidade do quadril arredondado, pôs-se entre as
pernas dela antes de voltar a correr a lâmina na pele delicada. Desceu-a até o umbigo e foi
além. Ao senti-lo sobre aquele ponto secreto foi impossível não se retesar.
– Fique quieta!
Era fácil mandar, ela pensou meio receosa e expectante, especulando se ele seria maluco o
bastante para brincar com facas justamente ali. Como resposta a lâmina cedeu lugar à boca de
seu amante; era o que Jonathan era. O mais malvado e torturador que poderia ter encontrado,
confirmou ao ter seu ponto de prazer estimulado por uma língua experiente. Logo era beijada
indecentemente, de forma tão invasiva quanto todos os outros beijos que recebia. Quis fugir da
agonia, porém seus tornozelos atados não lhe permitiam mais do que um parco contorcer. Em
instantes foi preciso morder o cabo da pobre rosa para não gritar pela devastação da satisfação
imprópria.
– Angelo mio – ouviu-o gemer ao avançar sobre ela e, depois de depositar o punhal entre seus
seios, fazer a nova substituição. A mais esperada, por fim preenchendo-a. A rosa fora retirada
de sua boca para que recebesse um novo beijo. E novamente toda união se dava por aquelas
duas partes que se completavam. Todo o peso sentido sobre seu corpo era o ínfimo da peça de
metal. E Faith nunca se sentiu mais instigada, mais estimulada e muito pronta para morrer nos
braços de seu amante proibido.
Minutos depois do ápice poderoso, deitada displicente de bruços sobre um corpo sólido,
solta, mas ainda com as tiras de lençol presas em seus pulsos e tornozelos, Faith estremecia ao
sentir os carinhos que recebia ao longo das costas por dedos delicados. Tão quentes, destoando
da lâmina fria que antes lhe causaram semelhantes tremores.
Somente os leves espasmos a mantinham longe da escuridão que queria envolvê-la enquanto
era acalentada pelas palavras murmuradas e indecifráveis da canção italiana que Jonathan
entoava. Não queria dormir, pois não confiava de todo e ainda nutria o temor de ser deixada.
Contudo seus olhos não a atendiam.
– É golpe baixo cantar assim... – murmurou junto ao peito dele, a mão fechada nos pingentes
de seu cordão como se assim o prendesse. – Não quero dormir...
– E eu quero que durma – ele disse, passando a acariciar seus cabelos. – Durma e tenha
sonhos felizes mio angelo della mattina.
– Não quero sonhar. Quero o senhor... – exalou. Ainda que sonolenta, ela o sentiu sorrir.
– Eu também sempre vou preferir você, Fay, mas quando estiver lúcida. Durma, por favor.
Preciso fazer uma coisa.
– O quê? – Ela tentou abrir os olhos, mas já considerava a conversa demasiadamente
cansativa.
– É só algo que tenho de fazer.
– Se o senhor for não vai voltar... – ela choramingou, apertando mais os pingentes.
– Impossível!... Não sei mais como se vive sem você, bambina. Eu volto, prometo.
– Então vá enquanto eu descanso... – Pareceu-lhe um bom arranjo; ele logo voltaria.
– Mesmo? – a voz cantada indagou de muito longe. Ela não sabia muito bem sobre o que
conversavam quando apenas murmurou seu consentimento.
– Hum-hum...
Então ela sentiu algo ser capturado da prisão de seus dedos antes que seu apoio se fosse. Não
protestou, pois ele deixou-a acomodada sobre sua quentura. Instintivamente Faith se enroscou
nas cobertas e no travesseiro. Um beijo terno em seu ombro e um leve roçar de dedos em seu
rosto foram os últimos toques que sentiu, assim como “eu te amo Fay” foi a derradeira frase
ouvida antes que as brumas do sono lhe toldassem os sentidos de vez.
Ao despertar ainda sozinha, Faith se sentou alarmada. Imediatamente se lembrou da conversa
vaga que precedeu a partida do homem que amava. Seus olhos vagaram pelo quarto, porém
antes que ela se desesperasse, eles pousaram sobre a primeira rosa que ganhou. Estava no
criado-mudo, deitada sobre o punhal.
Jonathan dissera que não se separaria dele, assim como não se apartaria dela por não saber
como viver sozinho. Pela leve penumbra que a cercava, deduziu que dormira pouco mais de uma
hora. Evidente que ele estava prestes a chegar. Com essa certeza, sem perceber, Faith sorriu
feliz. E seu sorriso se largou mais ao ouvir o mover da maçaneta. Seu padre tinha feito fosse o
que fosse e voltado para ela, como prometido.
Expectante, Faith se preparou para recebê-lo, sabendo que ao abrir aquela porta, Jonathan
estaria renegando seu passado para iniciarem em definitivo aquele relacionamento. E no que
dependesse dela, seria repleto de amor, ainda que imoral e proibido.

**********
*Friedrich Wilhelm Nietzsche foi um influente filósofo alemão do século XIX.
Verdades & Consequências*

*Subtítulo provisório do terceiro e último livro da série Enigma, em fase de construção.


Com as mentiras reveladas, resta a Jonathan e a Faith enfrentá-las, decidirem o rumo de suas
vidas e superarem o que virá. Por favor, aguardem!
Tradução das frases italianas:

Buon giorno – Bom dia

Buon pomeriggio – Boa tarde

Buona sera – Boa noite (chegada)

Buonanotte – Boa noite (partida)

Bambina – menina/ querida

Bene – Bom

Dio Santo – santo Deus

Figlio di uma puttana – Filho da puta

Guarda – Veja

Grazie – Obrigado

Maledetto – maldito

Non so cosa mi fai... – O que faz comigo?

Ora – Agora

Perfetto – Perfeito

Permesso – Com licença

Scusami – Desculpe-me

Sono contento che sei venuto. – Estou contente que tenha vindo.

Stronzo – canalha

Tu sei pazza? – Está louca? (ou maluca)

Va bene – Está bem

Questo è sbagliato – Isso é errado

Tu sei un serpente Faith, ma anch’ io non sono molto meglio... Poi come posso non innamorarmi di te? – Você é uma cobra
Faith, mas não sou muito melhor, então como posso não me apaixonar?

Per favore, non piangere. – Por favor, não chore.

Faith aspetta... Lascia che ti parli... – Faith espere... Deixe-me falar com você...

Aspetta un attimo, per favore... – Espere um pouco (ou um minuto), por favor...

Sì, credo di sí... – Sim, creio que sim...

Questo sono io... solamente Jonathan. Non signore... non sacerdote... solamente un uomo innamorato di te... – Este sou eu...
Somente Jonathan... Não senhor... não o padre... somente um homem apaixonado por você.

Serpente tentatore... – Cobra tentadora


Sempre con la pelle senza peli... – Sempre com a carne sem pelos

Questo fa male? – Isso machuca?

Tu sei il mio angelo del mattino. – Você é meu anjo da manhã.

Buona sera signorina Campbell. Come sta? – Boa noite senhorita Campbell. Como está?

Ogni parola. – Cada palavra

Qui non è il posto... – Aqui não é o lugar...

Si... Tu sei mia donna... La cosa più importante della mia vita. Io ti amo angelo mio! – Sim... Você é minha mulher... a coisa
mais importante da minha vida. Eu te amo anjo.

– Anch' io mia cara ... Anch' io! – Eu também querida... Eu também!

– Ma che...? – Mas o quê...?

Che cosa hai detto? – O que você disse?

CONTATOS DA AUTORA:
E-mail: halicefrs@outlook.com
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