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ANJO MAU

SÉRIE IRMÃOS ANTUNES – LIVRO 4

SILMARA IZIDORO
DEDICO ESSE LIVRO A TODOS OS LEITORES,
QUE ASSIM COMO EU, SÃO APAIXONADOS
POR SÉRIES DE TODAS AS FORMAS, E ESPERO
DO FUNDO DO CORAÇÃO QUE ESSE ELE FAÇA
VOCÊ SE EMOCIONAR, SE SURPREENDER E SE
QUERER MAIS.

SILMARA IZIDORO
AGRADECIMENTOS:

AGRADEÇO À TODOS OS LEITORES QUE HOJE SERÃO


REPRESENTADOS PELAS MINHAS "BETAS".

MAIRA, CRIS, GLEIDIENE E MARIA THEREZA,

OBRIGADA PELA PACIÊNCIA, POIS EU SEI O QUANTO ESSE


LIVRO MEXEU COMIGO E O QUANTO EU AZUCRINEI A
VIDA DE VOCÊS.

AMO DE GRAÇA E DE CORAÇÃO!

MEU MAIOR DESEJO É QUE VOCÊS GOSTEM DESSE LIVRO


TANTO QUANTO EU, E POSSAM SENTIR TODAS AS
EMOÇÕES QUE EU SENTI AO ESCREVÊ-LO.

SILMARA IZIDORO
ANJO MAU

Eu já fui chamada de anjo, o que foi um grande erro porque anjos não
existem.
Eu não era uma boa pessoa que procurava fazer o bem motivada pelo
amor. Não!
A vingança era minha única salvação e era por ela que eu iria voltar.
Era pelo ódio nutrido durante toda uma vida que eu pretendia lutar e
ninguém iria me convencer a desistir. Nem mesmo ele, o meu anjo.
Mas espera... anjos existem?
Ele viu em mim a chance para se redimir de seus próprios pecados.
Ele era bom, puro, gentil e cavalheiro, mas para o meu objetivo, não
passava de mais um obstáculo a ser superado.
Ele entrou na minha vida sem autorização e achou que seria fácil me
deter. Mal sabia, que eu não era quem ele imaginava.
Eu não era o seu anjo, porque anjos não existem!

E esse é só o começo da minha história...

Laís Antunes
1 – ONCE UPON A TIME

Era uma vez...


Uma família perfeita, que morava em uma casa perfeita. Tudo era muito
lindo, todos se amavam e não existiam problemas, até alguém cometeu um erro e
uma nova criança nasceu. Ninguém gostava de números pares naquele lugar,
onde os segredos mais sombrios eram muito bem guardados.
Ela não foi planejada e como consequência, também não foi amada. Mas
fiquem tranquilos, ela sobreviveu à infância que lhe foi roubada quando seu pai
acariciou-lhe ainda pequena, maliciosamente, e presenteou-lhe com beijos
molhados e indevidos.
Ela resistiu às ofensas, insultos e agressões da sua mãe quando ninguém
estava por perto, e do jeito dela tentou ser mais parecida com a irmã "perfeita".
Mesmo sem obter qualquer sucesso, afinal de contas, a "outra" não possuía
defeitos.
Ela não brigou com a doença que progredia e a consumia sem controle ou
qualquer tipo de tratamento adequado. Apenas sucumbiu à ela.
O tempo passou e a criança indesejada, desprovida de bons sentimentos e
proteção, cresceu.
Ela virou a mesa e tomou as rédeas de sua vida.
Deixou de ser manipulada e passou a ser a manipuladora.
Redefiniu sua trajetória quando decidiu que não seria mais apenas uma
coadjuvante, e sim, a protagonista daquela novela macabra, que ela chamava de
família.
Quando uma pessoa tem o dom para mentir, nada parece ser tão ruim,
desagradável ou sujo. A inveja se torna uma qualidade. O ódio pode ser
justificado, e as ações nunca são tão perversas quanto aparentam ser.
A mentira se torna um item indispensável para a sobrevivência humana.
Os cálculos foram feitos, o plano foi meticulosamente organizado e uma nova
mulher ressurgiu sob um novo e surpreendente disfarce.
Uma loba em pele de ovelha bondosa, que voltaria apenas para despejar o
mal acumulado, promover o caos e saborear o gosto saboroso e doce da
vingança, mas...
No meio do caminho as coisas se perderam. Ela se perdeu; e só então
descobriu que passou sua vida inteira disfarçada, e que pela primeira vez, estava
vivendo em sua forma original.
O tempo nem sempre é considerado um aliado, corre acelerado sem permitir
regresso. Agora, ela precisa decidir em qual lado irá ficar e correrá um sério
risco de não sobreviver à sua escolha.
Toda plantação um dia exigirá colheita.
A hora chegou.
As cartas estão sobre a mesa.
Façam suas apostas e que comece o último e decisivo jogo.
2 – CHICAGO FIRE
Mateus Trivisan (THOR)

— Você vem ou não? — Breno, agente especial do BOPE e inimigo mortal de


Rômulo perguntou me avaliando.
— Vou. Tem certeza que é ela?
Perguntei para confirmar a informação que havíamos recebido uma hora
antes.
— Tenho, o bombeiro que está com ela confirmou o nome.
Eu não queria, mas não poderia deixar aquela merda atingir minha mulher.
Lívia não merecia sofrer mais por causa daquela desgraçada que só aparecia para
infernizar. A presença dela era sempre um sinal de perigo.
— Onde ela está?
— No Rio Sul Center, em Botafogo.
Nós seguíamos para o lado de fora da Delegacia, minha arma estava
carregada e eu não hesitaria em usá-la se fosse necessário. Breno se acomodou
no banco do passageiro, enquanto eu me sentei atrás do volante. Eram quatro
horas da tarde e nada me fazia acreditar que Laís Antunes estava mesmo
disposta a acabar com a própria vida como haviam nos informado.
— Quem é o bombeiro que está com ela?
Breno pegou o celular, desbloqueou a tela e iniciou o relatório completo do
nosso companheiro:
— Estamos falando do Tenente Castelli, e pelas informações que tenho ele
estava fechando um negócio no mesmo andar que a sua cunhada escolheu para
se pendurar na janela. Ele ordenou que evacuassem o local, informou a situação,
e foi até ela pra tentar convencer a ruiva a não pular.
Eu poderia ligar pra ele e ordenar para que deixasse a desgraçada terminar o
que tinha começado, mas sabia que ele não iria me obedecer. Aqueles caras eram
muito diferentes de mim, e sempre achavam que a vida de qualquer pessoa era
importante, pensamento que eu mesmo não partilhava há muito tempo.
Laís, irmã de Lívia, minha esposa, era a pessoa mais maquiavélica que eu já
tinha conhecido, e olha que durante os anos que vivi no morro do Teteu, tive o
desprazer de conhecer vários seres humanos cruéis, capazes de matar apenas por
diversão. Mas aquela mulher era fora do normal e só de imaginar que a peste
estava de volta ao Rio, me colocava em estado geral de alerta.
Nada que tivesse relação com Laís Antunes poderia ser considerado bom, ou
normal, na pior das hipóteses. Ela esteve presente em todas as merdas que
aconteceram com seus irmãos e conseguiu sair impune por ser considerada
doente psicologicamente. Aquela mulher tinha uma nuvem negra sobre sua alma,
e eu não iria sossegar enquanto não a afastasse de vez da minha família.
— Como ela conseguiu subir até o topo?
— Pelo que o segurança informou, ninguém a viu passar. Acho que só ela
mesma vai poder nos contar o que aconteceu. Isso se ela não se jogar antes da
gente chegar lá.
— Laís pode ser muitas coisas, Breno, mas burra ela não é e posso fazer uma
aposta com você. — o agente apenas esperou em silêncio a minha conclusão —
Ela tá aprontando alguma coisa, e se suicidar nunca foi uma opção. Vai por mim.
— Mas o que ela pode estar querendo?
— Não sei, mas vou descobrir.
Meu celular tocou e vi o nome do meu cunhado, Nestor piscar na tela.
Acionei o botão e atendi pelo auto-falante. Provavelmente já estava sabendo
sobre a irmã caçula. Merda!
— Fala Nestor.
— Você já sabe?
— Estou à caminho, você tá onde?
— Chegando lá.
Passei a mão pelo cabelo. Nervoso.
— Nem pense em se aproximar dela, cara!
— Não pretendo fazer isso, até porque tem um bombeiro do lado dela, eles estão
conversando e o cara conseguiu convencê-la a sentar no parapeito.
— Como você sabe?
— Porque está passando ao vivo na televisão, Mateus. O Brasil todo tá
acompanhando...
— Caralho! Então a Lívia já sabe.
— Foi ela quem me avisou.
— Merda! Como ela está?
— Nervosa. Hoje é aniversário da Laís, Thor.
— Era só o que faltava. Tô chegando aí, me espera do lado de fora.
Breno que ouviu toda a conversa estava pensativo. Uma enxurrada de
lembranças invadiu minha mente e as imagens de Lívia no meio do mato com
Macaco, o dia em que ela foi baleada, a descoberta da gravidez, a minha fuga, as
lutas clandestinas de Rômulo até a morte de Clara em Angra dos Reis vieram
com força, reais, recentes. Laís sempre esteve do outro lado, sempre contra seus
irmãos.
A caçula da família Antunes tinha uma ideia fixa de vingança contra seus
irmãos, e mesmo que ninguém conseguisse entender seus motivos, eu sabia que
havia muita sujeira para ser recolhida. Aquela mulher estava armando alguma
coisa, eu podia sentir. Laís não tinha voltado para o Rio de Janeiro para cometer
suicídio no dia do seu aniversário, ela estava apenas querendo chamar nossa
atenção e para o meu desespero, a filha da puta tinha conseguido.
Ao redor do enorme arranha céu de quase cento e setenta metros de altura,
havia muitas viaturas da polícia e dois carros de bombeiro. Não foi possível
evacuar o prédio, mas os andares que ficavam abaixo de onde minha cunhada
estava foram esvaziados.
Parei o carro na esquina e fomos caminhando até a entrada do edifício que
tinha um shopping ocupando os primeiros andares. Nestor logo me viu e se
aproximou.
— E aí cara? O que você pretende fazer? — perguntou tentando parecer calmo.
— Pra ser sincero, eu queria ajudar ela a se jogar, mas acho que poderia ter
problemas com isso... então, vou subir e tentar falar com o tenente pra saber
como anda a conversa.
— Eu sei que ela só faz merda, Mateus, mas ainda é nossa irmã.
— Eu sei e espero que você também saiba que eu vou fazer o meu trabalho,
mesmo não gostando muito dele nesse momento.
— Posso ir com você?
— Não. Você fica aqui embaixo e não faz merda. O Breno vai comigo, quanto
menos gente envolvida, melhor.
— Conseguiu falar com a Lívia?
Eu nem queria pensar muito na minha esposa para não ficar com mais raiva
da minha cunhada. Lívia era a mulher mais generosa que eu conhecia e sempre
estava disposta a ajudar outras pessoas, mas em relação à sua irmã, eu já não
sabia mais o que ela sentia. Para a minha mulher era muito difícil lembrar de
todas as maldades que Laís tinha feito, e eu acreditava que ainda tivesse medo
de que a irmã caçula fizesse algum mal para os nossos filhos.
— Não, vou resolver essa merda primeiro e depois falar com ela, com calma. Ela
deve estar nervosa e eu não vou querer contar nada sobre a Laís, então é melhor
esperar tudo se acalmar.
— Não quer mesmo que eu vá com você? — Nestor insistiu.
— Não. Vou até lá e ver como estão as coisas, se eu achar que você pode ajudar
mando te chamar.
Segui em direção ao prédio e antes de entrar, ouvi a voz do meu cunhado
Promotor Público:
— Ela faz aniversário hoje, Mateus. Vinte e seis anos.
Parei, inspirei e tentei me concentrar no que deveria fazer.
— Sinceramente, Nestor, tô pouco me fodendo...
Subi com Breno de elevador até o décimo terceiro andar, as portas se abriram
e encontramos alguns policiais armados. Todos me conheciam, ou sabiam quem
eu era.
— Onde eles estão? — perguntei quando me aproximei deles.
— O tenente Catelli está com ela dentro daquela sala, senhor. — um deles
respondeu apontando para a última sala do corredor.
— Quem mais está lá dentro?
— Ninguém, senhor. O tenente mandou todos pra fora e ficou sozinho com ela.
— Esse cara deve ter merda na cabeça!
Eu admirava para caralho os homens do Corpo de Bombeiros, assim como
todos os da Corporação. Eram homens que tinham caráter e acreditavam no
melhor das pessoas, nasceram com vocação para serem heróis anônimos,
desvalorizados e não ligavam para o fato de que salvar a vida de outras pessoas
colocaria a sua própria vida em risco. Mas esse tal de Tenente Castelli não tinha
a menor ideia de quem era a mulher que ele ajudava, ou pensava que ajudava. E
se ele soubesse, provavelmente estaria preocupado com a própria segurança, não
com a dela.
Abri a porta com cuidado e orientei Breno a me acompanhar em silêncio para
que eu pudesse entrar sem ser notado. Eu não sabia se Laís estava em surto, crise
ou apenas jogando, mas fatalmente a minha presença iria incomodá-la.
A sala estava silenciosa, me aproximei da janela e senti um aperto no peito
quando olhei para o lado de fora e avistei Laís sentada com as pernas balançando
para baixo, suas mãos apoiadas em seu colo e a cabeça apoiada no ombro do
homem que parecia lhe consolar.
Na minha visão a cena era muito irreal, mas para quem não os conhecia
parecia uma cena de um filme de romance, aqueles com os finais mais
dramáticos que existem. Parei e fiquei observando, tentando encontrar o "erro",
porque eu tinha absoluta certeza que alguma peça ali não se encaixava.
Definitivamente.
Laís estava em silêncio, enquanto o bombeiro emprestava seu ombro à ela
como se fossem velhos conhecidos. Ele falava baixo, alto suficiente para ela que
parecia absorver cada palavra dita pelo tenente.
Foram longos minutos de espera, até que ele sorriu gentilmente para ela,
ficou em pé e estendeu um braço para que ela pegasse sua mão. Um esboço de
sorriso surgiu nos lábios dela, fazendo o rosto do tenente se iluminar. Porra! Eu
sabia bem o que aquele sorriso significava e pelo jeito, a coisa era bem mais
séria do que eu poderia imaginar.
Ela aceitou a ajuda do tenente para ficar em pé lado dele e o abraçou
escondendo seu rosto. Laís parecia uma criança carente, que pela primeira vez na
vida recebia um abraço sincero. Ouvi seus soluços e quase, entendam, eu disse
quase me convenci de que aquela mulher estava realmente tentando tirar a
própria vida.
O Tenente Castelli a conduziu para dentro da sala e quando minha cunhada
colocou seus olhos em mim, percebi que eu teria muito trabalho dali em diante.
Muito trabalho mesmo.
— O que você está fazendo aqui, Thor? — minha cunhada perguntou assustada.
— Pra você é Mateus. Vim saber como as coisas estavam e se o tenente tinha te
convencido a mudar de ideia.
O suposto salvador de Laís era um homem alto, com cabelos pretos e olhos
tão azuis quanto os meus. Ele não era um homem tão jovem e pelas suas linhas
de expressão, percebi que ele já tinha recebido a sua parte de sofrimento na vida.
Seus olhos eram tristes, suas sobrancelhas levemente arqueadas, demonstrando
que a todo momento ele se preocupava em fingir que estava bem. Mas era muito
fácil perceber a dor, ela estava ali, visível, escancarada.
— Muito prazer em conhecê-lo agente Mateus. Acho que hoje temos mais um
motivo para comemorar...
O corpo dele acolhia o de Laís, ela estava encolhida, com os braços em volta
do próprio corpo como se precisasse se proteger do mundo, e eu facilmente seria
solidário à ela, se eu acreditasse nela. O que não acontecia. Ela era uma mulher
perigosa e aquele pequeno detalhe precisava ser lembrado à todo momento. Laís
não era uma mulher para se confiar. Nunca.
— O prazer é meu tenente, o senhor fez um excelente trabalho. Agora
precisamos seguir todos os procedimentos e conduzi-la até a delegacia.
— Eu vou acompanhá-la, serei sua testemunha de que precisa de tratamento para
que possa voltar a conviver em sociedade.
Franzi a testa esperando uma cena de descontrole, mas ela não aconteceu.
Laís encarava os pés, parecia envergonhada.
— Não sei como faremos isso, já que ela fugiu inúmeras vezes, de várias clínicas
em que foi internada.
— Eu vou me responsabilizar por ela.
Laís o olhou com surpresa, quase tão surpresa quanto eu. Aquele cara só
podia estar maluco.
— Uma coisa de cada vez, tenente. Vou levá-la e tenho certeza que ela vai saber
o que fazer da vida dela.
O tenente a puxou para mais perto dele, deixando claro que onde ela fosse,
ele iria também.
— Eu vou com ela, e não vou permitir que ela fique presa em uma delegacia.
Essa mulher precisa de ajuda e eu vou ajudá-la. — pegou a mão dela e a
acompanhou até o lado de fora. Inspirei profundamente e passei a mão pelo
cabelo.
— O que você vai fazer agora? — Breno me encarava preocupado.
O que eu poderia fazer àquela altura? Eu precisava tirar Laís de circulação
para que ela não fizesse mais nada contra sua família. Tinha que dar um jeito de
evitar que Lívia a visse ou a encontrasse. Precisava convencer o tenente de que
aquela mulher não prestava e muito rápido descobrir o que ela, com carinha de
anjo e alma escura, tinha em mente. E tudo isso, antes que ela machucasse
alguém.
— Faz um levantamento da vida desse cara, quero saber tudo sobre ele.
— Mais alguma coisa?
— Não, agora vamos pra delegacia. Prepare uma sala para que eu possa
interrogar minha cunhada com privacidade.
Deixamos o prédio e uma multidão de curiosos para trás, meu celular estava
carregado com mensagens dos irmãos de Laís, preocupados com ela, à procura
de informações. Ignorei todas e seguimos em silêncio com o tenente e minha
cunhada no banco de trás do carro. Silenciosos e apreensivos.
Eu sabia que os próximos dias seriam turbulentos, só desejava que a vida das
pessoas que eu mais amava não corresse perigo, porque nada impediria que o
Thor voltasse e acabasse com a porra toda.
3 – THE BLACK LIST

Laís Antunes
Eu sempre me considerei uma mulher corajosa, não apenas por tudo que
passei ainda criança, mas por tudo que vivi até os meus vinte e seis anos. O
plano para a minha vingança foi armado com muito cuidado, bem pensado e não
tinha a menor chance de dar errado, seria o fim de todos, e provavelmente o meu
também, mas quando subi naquele estreito parapeito no décimo terceiro andar,
quase me borrei nas calças.
Ali em cima, algumas coisas vieram à minha cabeça e por míseros segundos a
ideia de realmente cair e acabar com tudo foi tentadora. Lembranças ruins de
uma vida toda baseada em mentiras, orgias, depravação de todas as formas
possíveis, ações que perturbavam meu cérebro tendencioso à sentir-se culpado e
nada, nenhum resquício de amor, me obrigaram a questionar o que uma mulher
como eu ainda fazia naquele lugar que todos chamavam de mundo.
Algumas lágrimas escaparam e foram suficientes para que minha alma
assombrada tomasse à frente e me colocasse novamente no foco, me lembrando
o motivo que me levou até ali. O dia estava calmo, o sol brilhava no céu e o Rio
de Janeiro continuava lindo. Mulheres como eu apenas preenchiam lacunas
deixadas por outras pessoas, tomavam posse do que não lhes pertencia e no fim,
faziam o que melhor sabiam para usarem as pessoas e conseguirem o que
queriam.
Meu coração batia acelerado e eu evitava olhar para baixo. Eu sabia que a
qualquer momento alguém iria aparecer, só precisava esperar e interpretar bem
minha personagem. Mas muito antes do que esperava, os passos quase
imperceptíveis aos meus ouvidos e a voz mais sedutora que eu já tinha ouvido,
alertaram que as coisas tinham saído muito melhor do que eu esperava.
— Será que tem espaço pra mim?
Apertei os olhos com força, sentindo um calafrio na espinha. Fiquei quieta.
— Espero que não se incomode de me juntar à você. — A voz era firme, grossa,
gostosa de ser ouvida. Não falei, ele continuou.
— Eu sempre tive medo de altura, quando era criança minha mãe sempre tentava
me convencer a andar na roda gigante, mas quando eu olhava aquela bola
enorme tocando o céu com as lâmpadas coloridas, a única coisa que eu
conseguia pensar era: "e se eu cair?" Então, depois de muitos anos tentando sem
sucesso, ela finalmente desistiu. Mas quando eu falei pra ela que queria ser
bombeiro, percebi que o medo era uma das poucas coisas que eu não poderia ter
e aqui estou eu, — sentou ao meu lado — sentado ao lado de uma mulher linda e
jovem, com as pernas balançando no décimo terceiro andar de um dos prédios
mais altos do Rio de Janeiro. Coisa estranha, não acha?
Suas palavras poderiam até surtir algum efeito em pessoas que tivessem
depressão e realmente quisessem se matar, mas como eu não tinha uma coisa e
não queria a outra, claro que eu precisaria fingir para manter a imagem de
"madalena arrependida". E quando virei para encará-lo pela primeira vez, o
choque ao enxergar seu rosto provocou uma reação em cadeia em meu corpo.
Olhos, nariz, boca... boca... boca... chupando, lambendo, beijando. Produzi
algumas dezenas de cenas de sexo quente com aquela boca em várias partes do
meu corpo. Minha boceta latejou apenas com a ilusão de ter seu rosto entre as
minhas pernas, e sua boca faminta me devorando.
A minha doença era foda, e me fazia querer foder o tempo todo. Claro que
nem sempre eu conseguia um homem lindo daquele para saciar a minha fome,
mas quando um macho delicioso aparecia, eu não deixava escapar. Sexo era a
minha fraqueza, e sem sexo eu era apenas um monte de merda largada pela vida.
Não era a pessoa escolhida que influenciava na minha necessidade, era a minha
necessidade que influenciava na pessoa escolhida.
Eu queria transar o tempo todo, pensava em sexo o tempo todo e quando não
aguentava mais, qualquer um servia. E quando eu digo qualquer um, acredite, é
exatamente o que eu quero dizer. Já transei com morador de rua, depois que fugi
de uma das dezenas de clínicas em que fui internada, transei com enfermeiros
que se aproveitaram do meu estado durante as internações, transei com
presidiários, traficantes, mafiosos, playboys, homossexuais, casados, velhos,
adolescentes, enfim... a lista é enorme e muito, muito variada.
Todos os médicos que me avaliavam, diziam que os sintomas eram os de uma
pessoa traumatizada, que havia sofrido algum tipo de abuso ou trauma, mas
como eu não abria a minha maldita boca para contar o que realmente havia
acontecido comigo, nada de diferente no país das maravilhas acontecia, e eu
seguia sendo dopada apenas para que o stress diminuísse e eles conseguissem
convencer meus pais de que o tratamento estava finalmente, surtindo efeito.
Claro que com os remédios tudo mudava e eu me tornava uma pessoa
digamos, "sociável", traduzindo, uma mulher normal que consegue ficar mais de
vinte e quatro horas sem querer ser fodida por qualquer macho que pareça na sua
frente, mas eu não iria me submeter a viver à base de medicação, até porque eu
sabia que enquanto meus problemas não fossem resolvidos, nada que eu fizesse
seria o suficiente.
Minha única saída era mostrar o que realmente acontecia por trás do arco-íris,
brilhante e encantador da família Antunes. Quem sabe daquela forma, eu, a
caçulinha dos irmãos mais "perfeitinhos" do Brasil, não conseguiria finalmente
descansar em paz? Era um risco que eu teria que correr.
— Eu não tenho medo de morrer, eu tenho medo de continuar vivendo...
— Sua vida é muito importante pra mim.
— Você nem me conhece, e se eu for uma criminosa fugitiva?
— Eu sei quem você é.
— Sabe?
Vejamos, aquele homem à minha frente conseguiu o que poucos haviam
conseguido em anos. Ele chamou minha atenção.
— Sei...
— E quem eu sou?
— Você é uma mulher que cresceu em um lar desestabilizado, sofreu calada
durante anos da sua vida, fez muita merda, prejudicou pessoas que você deveria
amar, foi prejudicada por pessoas que deveriam ter amado você e depois de
muitos tempo sem conseguir sua rendição, ou à delas, decidiu subir aqui e acabar
com tudo. Como se a sua morte fosse resolver todos os problemas da sua família.
Acertei?
Tudo bem, ele me impressionou. Nunca durante a minha existência, alguém
tinha feito um resumo tão perfeito sobre a minha vida.
— Por acaso você tem uma bola de cristal?
— Não... mas já perdi alguém que eu amava muito por não ter dado a atenção
que ela precisava e não pretendo deixar você fazer a mesma coisa. Acredite,
você pode até achar que está sozinha, mas não está. Às vezes, por ter escolhido
alguns caminhos errados, as pessoas apenas se afastaram, o que não significa que
elas não te amam ou, que não estejam dispostas a te ajudar.
— Eu fiz muita coisa ruim, e não quero dizer besteiras. Fiz coisas graves, que
podem facilmente serem consideradas crimes... não espero que me perdoem.
— Tenho certeza que irão te perdoar, se você estiver realmente arrependida por
tudo que fez.
— Tudo o que eu mais queria era apenas uma chance de me redimir e mostrar
que posso mudar, mas entenderei se eles não quiserem me ver.
— De quem estamos falando?
Olhei para os meus pés soltos, balançando como se a altura que estávamos
fosse apenas ilusória. Lembrar da minha infância era reviver um sofrimento que
eu não sabia se queria esquecer facilmente. Nestor, Rômulo e Lívia nunca me
amaram como amavam uns aos outros e mesmo sabendo há muito tempo, que
apenas Nestor é meu irmão de pai e mãe, eles sempre foram ligados pelo laço de
afeto que nunca tiveram comigo. Eu me sentia o patinho feio da família
Antunes.
— Dos meus irmãos.
— Eles moram no Rio?
— Todos eles.
— Eu sei quem você é, te reconheci assim que te ti, mas precisava confirmar.
Chegamos no ponto em que eu precisaria usar todas as técnicas que havia
aprendido para chorar e convencer o meu salvador bonitão a me ajudar. Fechei
os olhos, concentrada nas feridas abertas da minha alma, lembrando de cada
toque íntimo daquele homem asqueroso que deveria ter me protegido, de todos
os insultos da mulher que deveria me acolher; e as lágrimas vieram facilmente.
Eu odiava cada um deles, com toda minha força.
— Laís Antunes, sou filha do juiz Enrico Antunes.
Por um minuto ele me encarou sério, mas logo seu rosto demonstrou o
entendimento e suas feições suavizaram.
— Irmã do Nestor, do Rômulo.
Assenti com a cabeça. E da puta da Lívia também, pensei. Aquela desgraçada
que tirou de mim o único homem que eu amei.
— Olha, eu sei que parece loucura, mas eu quero muito te ajudar. Não sei
explicar o que eu tô sentindo e nem sei se conseguiria. Só quero saber se você
quer isso tanto quanto eu, quero dizer, podemos tentar, eu prometo que vou ser o
melhor amigo que você irá ter. Laís Antunes, você está disposta a ter sua família
de volta?
Não meu bem, eu quero acabar com todos eles, e vou fazer isso em tempo
recorde, meus pensamentos gritaram, mas me controlei e respondi:
— É tudo o que eu mais quero na minha vida. — pausa para cara de cachorrinha
perdida.
— Isso é tudo o que eu preciso saber...
— Eu quero saber uma coisa antes, sobre você.
Seus olhos azuis pareciam os olhos do meu cunhado gostoso que logo
entraria no meu "hall" de conquistas, sua boca carnuda era o convite mais sexy
para uma boa trepada e seu sorriso tímido, meio constrangido era... meu Deus!
Maravilhosamente sedutor. Sim, baby, eu teria seu pau me fodendo também e
quem sabe, você e o Thor não poderiam me dar prazer em uma dupla
penetração? Pensamentos eróticos deveriam ser proibidos quando se está sentada
a mais de cem metros de altura do chão. Minha boceta precisava ser tocada, com
urgência.
— Pode perguntar.
— Qual o seu nome?
— Meu nome é Murilo Castelli, eu sou Tenente do Corpo de Bombeiros. Muito
prazer em conhecer você, Laís.
Sorri fingindo uma timidez que nunca senti, nem mesmo quando era uma
"piveta" começando a vida sexual com os meninos mais velhos da escola.
— O prazer é todo meu...
Ahhh... e como era prazeroso olhar para ele. Murilo era um nome que fazia
jus à sua beleza e saber que ele era bombeiro, me deixou extremamente satisfeita
e ainda mais excitada. Eu precisava começar aquela história com o pé direito,
mas nunca poderia imaginar que teria tanta sorte. Sem dúvida a entrada de
Murilo, o moreno lindo e gostoso na minha vida, era um aviso de que eu estava
no caminho certo e que a minha tão sonhada vingança, finalmente iria
acontecer.
— Acho que podemos ficar mais um pouco aqui, o que acha?
Ele sorriu e não precisei me esforçar para fazer o mesmo, Murilo tinha um
cheiro maravilhoso, um ar de inocente, ingênuo, e sem perceber deitei a cabeça
em seu ombro diminuindo ainda mais o espaço entre nós. Ele apoiou a mão na
minha coxa, me obrigando a fechar os olhos e me concentrar em seu toque para
tentar diminuir a vontade de arrancar as roupas e exigir que ele me comesse ali
mesmo, de quatro, com as mãos apoiadas naquela mureta de cimento.
A imagem dele com a calça jeans arriada, metendo na minha boceta por trás,
enquanto eu gemia e me abria ainda mais para que seu pau tivesse maior acesso
dentro de mim, invadiu minha mente pecaminosa e sem vergonha. Senti minha
calcinha encharcar. Definitivamente, eu precisava trepar.
— Vamos Laís, precisamos sair daqui.
A surpresa ficou por conta da presença ilustre do agente da Polícia Federal,
Mateus Trivisan, o ex traficante conhecido como Thor, que estava mais gostoso
do que nunca, o que me deixava com mais ódio da puta que dividia a cama com
ele. Um homem como meu cunhado deveria ser proibido de casar, aquele corpo
deveria ser apreciado por muitas mulheres e não ser de uso exclusivo de uma
vadia como a Lívia.
Depois de uma conversa amigável em que eu consegui manter a linha e fingir
muito bem, como sempre, seguimos para a delegacia, onde eu fui ouvida e
mantida em uma cela especial até o dia seguinte. Murilo tentou convencer
Mateus a me liberar, mas meu cunhado não se esforçou e fez questão de que o
bombeiro soubesse que parentesco algum faria diferença na hora dele realizar
seu trabalho.
Agradeci mentalmente, pois a presença do bombeiro me impediria de fazer o
que eu tanto queria. Depois que fui conduzida até a cela, meu cunhado falou:
— Eu não sei o que você quer, Laís, mas espero que saiba que eu não vou
permitir que faça mal à ninguém da minha família.
O cara era tão lindo quanto babaca, mas aquilo eu já sabia, por isso o
excelentíssimo agente também estava com seus dias contados. Mas ele não
precisava saber sobre aquele pequeno detalhe.
— Eu mudei Mateus, e só quero que me internem para que eu possa me tratar.
Ele me encarou e sem dizer uma palavra, saiu. Depois de quase meia hora,
um dos policiais que iriam trabalhar no turno da noite trouxe uma bandeja com
comida, entrou na cela e colocou em cima da cama ao meu lado.
— Sua janta. Coma antes que esfrie.
Ele já ia se afastar quando segurei na mão dele. Ele me olhou um pouco
desconfiado, mas não recuou.
— Eu sei que você sabe quem eu sou, e deve saber também que eu tenho
algumas necessidades especiais. — me aproximei dele, segurei sua mão e a
coloquei em cima da minha boceta, por cima da calça — Se quiser me ajudar,
estarei aqui te esperando, prometo que não vou gritar quando você meter bem
forte.
O homem ficou tenso, mas manteve seus olhos em mim. Apertei ainda mais
sua mão contra a minha intimidade em total desespero pelo contato agressivo.
— Eu volto quando o chefe for embora.
Ele saiu da cela enquanto eu sorri satisfeita, peguei a bandeja e comida e fiz a
primeira refeição daquele dia. Eu odiava arroz e feijão, mas só de pensar que em
poucas horas eu teria uma sessão se sexo na cela, consegui comer sem reclamar.
A partir da manhã seguinte, eu teria que me controlar e me tornar a "santa Laís",
e iniciar a minha entrada na vida de cada um dos meus irmãos. E Nestor seria o
primeiro...
4 - FRIENDS
Murilo Castelli
Era para ser um dia comum, apenas mais vinte quatro horas empurrando as
lembranças para a parte mais distante do meu cérebro, seguindo em frente por
falta de opção e tentando ajudar de alguma forma pessoas tão ou mais fodidas do
que eu. Sim, eu era um cara fodido.
A minha ida até aquele enorme prédio no bairro do Botafogo estava agendada
desde o dia anterior, minha mãe queria alugar uma sala para seu novo escritório
e pediu para que eu fosse encontrar a corretora que estava intermediando a
negociação. Na verdade, ela só queria me aproximar da moça, na esperança que
eu me interessasse por ela.
Eu iria agradecê-la de qualquer forma, mas não pelo encontro que nem
chegou ao fim com a morena simpática, chamada Rose, mas por ter me dado a
possibilidade de conhecer Laís, a jovem linda, deprimida e instável que estava
determinada em tirar sua própria vida naquele início de tarde.
Foram momentos tensos sentados naquela plataforma estreita com os pés
balançando a uma altura de cem metros ou mais, pois eu não sabia até que ponto
eu poderia interferir para convencê-la a não fazer uma grande besteira, mas de
uma maneira geral a conversa foi até fácil e ela mostrou que estava apenas
abalada demais com as coisas que haviam acontecido em sua vida.
A mulher que tinha cabelos vermelhos, muitas sardas espalhadas em seu belo
rosto e olhos misteriosos, nada mais era do que uma menina acuada e sozinha.
Percebi no início da conversa que carregava consigo muitas marcas deixadas por
lembranças que corroíam sua alma, mas que ela ainda não havia superado e se
esforçava para esquecê-las. Eu a entendia perfeitamente.
Logo que a vi, subindo no parapeito e sentando com muita cautela, lembrei de
tudo que passei com minha esposa e sem pensar duas vezes, decidi que iria
ajudá-la.
— Não faça isso, Murilo! É perigoso e você nem conhece essa mulher! — Rose,
a corretora, tentava me convencer.
— Eu estou aqui, Rose, sou um profissional gabaritado pra esse tipo de situação
e não preciso conhecer um suicida para tentar ajudar. Faz parte do meu trabalho.
— Eu sei, mas e se ela te segurar ou coisa desse tipo? Você pode cair também!
— Eu posso cuidar de mim, agora saia daqui e espere lá embaixo, por favor.
Caminhei até o lado de fora e me aproximei calmamente da mulher
enigmática, foram alguns segundos até que ela percebesse a minha presença e
nossos olhares se encontrassem. Um misto de sentimentos me consumiram em
um curto espaço de tempo, ela era linda! Parecia um anjo sedutor capaz de
colocar qualquer homem aos seus pés.
Laís Antunes, a jovem problemática, filha do Juiz corrupto Enrico Antunes,
que cumpria pena no presídio de segurança máxima do Rio de Janeiro, irmã de
Nestor Antunes, promotor público viúvo, casado com uma ex garota de
programa. Rômulo Antunes, um médico que havia se envolvido em problemas
com a máfia italiana e lutas clandestinas, e de Lívia Antunes esposa do ex
traficante, Thor, que comandou por anos o Morro do Teteu e chegou a ser
considerado o criminoso mais perigoso do Brasil.
Não podia negar que a mulher tinha uma bagagem familiar muito pesada
para se carregar, ainda mais quando se está sozinha e completamente perdida.
Olhei para Laís sentada ao meu lado na viatura conduzida pelo seu cunhado,
o agente da Federal Mateus Trivisan, o Thor; ela estava cabisbaixa e
desanimada, seus olhos eram de uma tristeza profunda e a amargura que sentia
era palpável. Pelo menos para um homem como eu, que sentia a mesma coisa.
Era evidente a insatisfação do ex traficante em estar ali, responsável por
acompanha-la e mesmo sabendo que a jovem tímida havia feito muita merda,
como ela mesma confessou, eu me sentia ligado à ela de uma forma estranha e
irracional, e estava disposto a ajudá-la.
Eu queria ajudar aquela mulher e faria de tudo para acompanhar sua
recuperação, por duas vezes nossos olhares se encontraram e senti como se
houvesse um enigma por trás daquelas enormes bolas marrons brilhantes.
Chegamos à delegacia, e o companheiro de Mateus, que eu nem sabia o nome
ajudou Laís a sair do carro, conduzindo-a para dentro.
— Posso falar com você um minuto? — Mateus pediu segurando os passos.
— Claro. — parei, mas acompanhei Laís com os olhos até que entrasse na
delegacia.
— Eu agradeço o que fez por ela hoje. — ele me encarava como se soubesse
tudo o que eu passei.
— Fiz apenas o meu trabalho.
— Nós dois sabemos que não, mas acho melhor você deixar que daqui em diante
um advogado cuide do caso.
— Ela está doente.
— Ela não está doente, tenente. Laís É doente, e tem muitas coisas sobre ela
que...
— Eu não me importo! — não permiti que ele terminasse de falar — Você não
precisa se preocupar comigo, agente. Eu posso fazer isso sozinho.
— Você não tem ideia de quem é aquela mulher, não é mesmo?
— Aquela mulher é a sua cunhada, ela está doente e precisa de ajuda.
— Laís é a mulher que tentou matar minha esposa e meus cunhados, e como já
falei, ela não está doente, tenente. Ela é doente.
A voz de Thor em nenhum momento teve variação em seu timbre, ele se
mantinha aparentemente calmo, mas eu conseguia sentir o quanto ele estava se
controlando para não explodir e partir para cima de mim.
— Eu vou ajudá-la, mesmo contra a sua vontade.
Ele me observou por alguns minutos e passou a mão pelos cabelos,
nitidamente nervoso.
— Acredite em mim, tenente, Laís não quer ser ajudada. Essa mulher está
armando alguma coisa e se ela se aproximar da minha família, eu mesmo acabo
com ela.
— Você não pode ameaçá-la desse jeito.
— Não é uma ameaça, é um aviso e se você quer ajudar, problema seu, mas vou
te dar um conselho porque entendo como se sente. — estreitei os olhos sem
saber o que ele estava querendo dizer com aquelas palavras, já que poucas
pessoas tinham conhecimento do que realmente tinha acontecido com a minha
esposa — Aquela mulher é perigosa e se voltou agora é porque vai fazer merda,
então ajude, mas não se apaixone tenente, porque Laís Antunes não é capaz de
amar ninguém.
— Eu não pretendo me apaixonar por ninguém!
Mateus sorriu debochado e caminhou até a porta de entrada da delegacia.
— Claro que não... apenas tenha cuidado e para de olhar pra ela como se
estivesse vendo um filhote de shih-tzu. Laís é muitas coisas, mas não deve ser
encarada como uma mulher inofensivo.
Não esperou minha resposta, talvez porque soubesse que eu não teria uma.
Segurou a porta e esperou que eu passasse por ele, seguimos até sua sala, ele fez
algumas ligações e pediu para que eu sentasse em uma cadeira à sua frente.
— O que você foi fazer naquele prédio hoje?
— Fechar um negócio para minha mãe.
— E como você viu a Laís?
— A corretora estava me mostrando a sala, e eu estava na janela quando ela
chegou.
— Sozinha?
— Sim.
— E o que aconteceu depois, conte tudo o que se lembra.
Relatei tudo ao agente, que ouviu cada palavra sem tirar seus olhos dos meus.
Aquele cara era um pouco mais jovem do que eu, mas parecia conhecer a alma
das pessoas apenas ao olhar para elas.
— Quem você perdeu, tenente?
— O que? — perguntei sem entender.
— Quem você amava cometeu suicídio?
Levantei um pouco confuso e nervoso.
— Como você soube?
— Deduzi.
— Eu não quero falar sobre isso com você.
Mateus deu de ombros e caminhou até a porta.
— Você é um homem bom, tenente. Não se deixe enganar pelo rosto singelo, ela
não é o que aparenta.
— Como pode ter tanta certeza?
— Porque um suicida não ameaça se matar, ele apenas faz. Mas isso você já
deve saber.
Ele saiu pelo corredor, me deixando para trás. O segui e fomos até a sala onde
Laís seria interrogada. Na verdade, seria apenas uma conversa, já que não houve
crime, mas como ela estava foragida o agente conseguiu mantê-la em uma cela
especial. Eu ainda tentei argumentar, mas não houve acordo.
— Me desculpe, Laís, mas não consegui tirar você daqui. Essa noite terá que
dormir na cela especial, mas eu prometo que amanhã de manhã o advogado virá
pra tirar você daqui.
— Não se preocupe comigo, Murilo. Eu vou ficar bem...
Seus olhos diziam outra coisa, contradizendo suas palavras. Não insisti e por
um momento me senti tentado à abraçá-la.
— Certo, então eu já vou indo.
— Obrigada por tudo que fez por mim. Você foi um anjo...
Sorri envaidecido com o apelido carinhoso, mas eu não era nenhum anjo,
muito pelo contrário.
— Não agradeça, ainda. Quando você sair daqui, vamos procurar um especialista
para que você possa se recuperar e retomar sua vida.
— É tudo o que eu mais quero. Sinto falta dos meus irmãos e preciso que eles
acreditem que estou disposta a mudar, que me arrependi de tudo que fiz.
Laís era uma mulher que escondia vários sentimentos, mas estava disposta a
mudar e eu ficaria ao lado dela enquanto precisasse de apoio.
— Tenho certeza que depois que iniciar o tratamento e o seu estado emocional
estiver mais estável, a sua convivência com eles vai ficar mais fácil. Você só não
pode desistir de lutar.
— Eu não vou deixar de lutar nunca! Pode acreditar, Murilo, estou muito
disposta à ir até o fim.
Me senti orgulhoso por ela, a determinação poderia ser fator determinante
para que tudo desse certo, mas algo naquela frase me deixou desconcertado e eu
não gostei de ter me sentido daquele jeito.
— Eu vou estar ao seu lado...
— Acho que você é o único amigo que tenho, Murilo.
— Tudo bem pra mim.
Ela sorriu, nos despedimos e fui embora. Meu celular tinha mais de trinta
mensagens da minha mãe, algumas do meu irmão e duas de um número
desconhecido.
"Murilo, me dê notícias. Rose"
"Por favor! Está tudo bem? Tô muito preocupada. Rose"
Eu só queria ir pra casa tomar um banho e dormir, no dia seguinte entraria as
oito da manhã e só então me dei conta de que não havia feito nada do que tinha
planejado para o meu dia de folga. Conversei com a minha mãe e contei
rapidamente o que tinha acontecido, mandei uma mensagem para meu irmão e
uma para a corretora.
"Estou bem, Rose. Indo pra casa, amanhã nos falamos. Murilo"
Eu queria desligar o celular e dormir a noite toda, mas como Laís estava
sozinha, achei melhor manter o aparelho ligado, caso ela precisasse de alguma
coisa. Tomei um banho rápido, comi um sanduíche e me joguei no sofá. Desde
que Keila morreu, eu nunca mais dormi na cama. Fechei os olhos e repassei o
dia na minha cabeça.
A ida até o prédio, a visão de Laís, a conversa, os olhos, o cabelo, a ida até a
delegacia, a conversa com Mateus, a despedida. Eu não sabia exatamente o que
estava sentindo, mas tinha certeza que se ela precisava de um amigo, era um
amigo que eu iria ser para ela.
Fechei os olhos e adormeci com facilidade acordando apenas no dia seguinte.
Renovado, disposto e decidido à fazer por ela, tudo o que não havia conseguido
fazer por Keila. Laís seria a minha rendição e quem sabe, quando ela estivesse
melhor, eu não tivesse a sorte de me tornar mais do que seu amigo?
Sorri lembrando as palavras de Mateus, o cara era realmente muito bom em
ler as pessoas. Talvez fosse melhor eu mantê-lo afastado para que ele não
percebesse que a jovem depressiva tinha mexido comigo muito mais do que eu
gostaria de afirmar.
5 – PRETTY LITTLE LIARS

Laís Antunes
A noite de sexo com o moreno bombado foi produtiva e permitiu que eu
dormisse melhor, o único inconveniente, foi que o tal de "Breno", me flagrou
com a boca no pau do amigo, e mesmo muito à fim de entrar no baile após o
meu convite, recusou a oferta e nos deixou sem saber o que faria à respeito.
Na manhã seguinte, um homem velho e muito bem arrumado se apresentou
como meu novo advogado. O "tiozinho" parecia um galã de Hollywood dos anos
cinquenta e se eu não precisasse muito da ajuda de Murilo, com certeza o
dispensaria e pagaria profissional saradão que pudesse "dar algumas entradas nos
meus processos" de vez em quando. Nada melhor do que uma boa foda no
escritório do seu defensor, certo?
Mateus Tesudo Trivisan, estava cada dia mais deliciosamente delicioso,
nunca vi um homem tão fodidamente sexy como ele. O cara exalava ruindade,
tinha cara de lobo mau, cheirava a trepada bruta e parecia ter um humor
sarcástico. Seu único defeito foi ter escolhido a vaca da minha meia-irmã para
casar, e pelo jeito, seria o membro da família que eu mais precisaria me esforçar
para convencer da minha mudança. As palavras Mateus e membro na mesma
frase me enchiam de tesão.
Meu plano era simples: eu iria me internar como todos sempre sonharam que
eu fizesse, iria convencer Nestor de que minha mudança era real, me
aproximaria dele e de sua família, ficaria amiga de sua esposa, e o casal
pervertido seria minha passagem gratuita para retomar meu lugar na família
Antunes e de quebra, conheceria à fundo cada um dos meus irmãozinhos. Seus
gostos, seus defeitos, suas fraquezas.
Eu seria invisível, me tornaria apenas uma sombra, um ninguém, enquanto
meus aliados fariam o resto. Não sobraria nada, de nenhum deles. A família
Antunes seria arruinada em toda a sua glória.
Você deve estar se perguntando o que eu pretendia fazer com Murilo, o
bombeiro gato, gostoso e bonzinho que estava muito empenhado em me ajudar.
Ele seria o meu escudo contra qualquer tipo de desconfiança, meu namorado, o
homem por que eu me apaixonaria e desejaria ter uma família feliz para sempre.
O Tenente seria a cereja do bolo, mas no final de tudo, eu não hesitaria em
acabar com ele caso se atravessasse no meu caminho.
Vesti minha melhor carinha de anjo, e segui o advogado que caminhava
lentamente por causa da idade avançada até a sala do agente fodão, que nos
aguardava com a cara amarrada de sempre.
— Quanto tempo, doutor. Como vai? — Mateus cumprimentou o advogado que
não sorriu.
— Não tão bem quanto você, acredite.
— Tenho certeza disso.
— Aqui está. — o velhinho entregou alguns papeis para o agente que avaliou
cada uma das folhas vagarosamente — Minha cliente já tem autorização para ser
transferida para o hospital. Espero que não dificulte o meu trabalho.
Mateus esboçou um leve sorriso de lado, irônico, debochado.
— Sua cliente já sabe pra onde vai?
Encarei o velhinho sem entender sobre o que meu cunhado estava falando.
— Foi único lugar que aceitou minha proposta de emergência, mas assim que
conseguir outro lugar, ela será transferida. — o irmão do Papai Noel tentou se
justificar e o sorriso do meu cunhado se ampliou.
— Eu não preciso de satisfações, doutor. Apenas perguntei se sua cliente sabe
para onde será transferida?
Pela primeira vez, o agente fodástico me encarou, e claramente se divertia
com a minha expectativa em saber sobre o que eles estavam falando.
— Posso saber do que se trata? — perguntei serenamente, para que ele não
percebesse a minha vontade de pular no pescoço dele e arrancar sua cabeça fora.
— Como você deve saber, o Tenente Murilo Castelli está muito comovido com a
sua "situação atual" e se dispôs a ajudá-la na internação. O seu advogado, doutor
Francisco Abreu, vai transferi-la para o Hospital Especializado em Tratamentos
de Distúrbios Psicológicos em Duque de Caxias, não é ótimo?
Meu coração perdeu o compasso por milésimos de segundos, acelerando
rapidamente.
— Eu... — pigarreei — só posso agradecer por esse gesto tão solícito do
Tenente.
Mateus arqueou uma sobrancelha em desafio.
— Se é assim, fico muito feliz em assinar sua transferência, Laís. Tenho certeza
que terá os melhores profissionais à sua disposição por lá.
Eu queria matar aquele ex traficante filho de uma puta dos infernos.
— Vou aproveitar cada minuto, Mateus. Pode acreditar.
— Nunca duvidei. — falou sem me encarar.
Ele entregou o documento para o senhorzinho que sorria satisfeito com a
conquista. À mim, só restava torcer, e muito, para que houvessem alguns
enfermeiros dispostos à me oferecerem vários serviços extras durante a minha
estadia naquele inferno.
— A previsão é que o tratamento dure doze meses, até lá, você poderá receber
visitas duas vezes por semana. — meu advogado informou.
— Eu não tenho ninguém para me visitar.
— Está enganada minha jovem, meu sobrinho garantiu que estará de olho em
você durante todo o seu período de internação. Ele não irá deixar você se sentir
sozinha.
— Seu sobrinho?
— Murilo.
— Não sabia...
— Ninguém sabe. Mas aquele menino tem o coração de ouro e já sofreu muito
nessa vida, espero que você não seja mais uma que irá decepcioná-lo.
Levantamos sob o olhar atento de Mateus, que depois de cumprimentar o
advogado ancião, dirigiu seu olhar à mim e falou com firmeza, e... raiva:
— Murilo acredita em você, Laís, mas eu não, e pretendo descobrir o que está
tramando.
Não sorri, ou o desafiei, embora minha vontade era mandar ele se foder.
— Eu só quero a minha vida de volta, Mateus.
— Posso saber de qual vida você está falando?
— A vida que eu nunca tive... — ponto para mim, otário.
Deixamos a delegacia escoltados por uma viatura que nos seguiu até o
Hospital para loucos, já estava tudo acertado para minha internação. Murilo
providenciou algumas peças de roupa, produtos de higiene e revistas para
servirem de distração. Fui levada até o quarto que seria minha casa por alguns
meses, e a pergunta que não parava de martelar na minha cabeça era: "Será que
um dia, aquele inferno teria fim?"
Eu sabia que a vingança era o único modo de fazê-los pagar por tudo que
fizeram, ou melhor, que não fizeram por mim. Todos eles. Tomei banho, vesti
uma roupa leve e caí na cama pequena e confortável, fechei os olhos e tentei me
lembrar da última vez que em que fui realmente feliz. A única coisa que me veio
à mente, foi o Natal em que por algumas horas eu me senti acolhida, protegida e
amada há vinte e um anos, quando eu ainda tinha a minha inocência intacta .
No ano seguinte, meu querido papai decidiu que eu não seria apenas sua filha
caçula e passou a usar meu corpo para satisfazer suas fantasias sujas, me
transformando em uma menina completamente desequilibrada. O tão famoso
juiz Enrico Antunes, também pagaria sua conta e eu faria questão de cobrá-la
pessoalmente.
Consegui dormir depois de receber uma dosagem alta de um conhecido
remédio tarja preta e quando acordei, quase dez horas depois, meu corpo estava
leve e relaxado. Jantei e fui obrigada a engolir mais um comprimido, que me
obrigou a dormir por mais doze horas. Era apenas o início do plano, mas
também, poderia ser considerado o início do meu fim.
Murilo Castelli
As visitas no Hospital eram limitadas, com horários pré-estabelecidos e nem
sempre eu conseguia visitar Laís devido ao meu cargo na Corporação. Mas pelo
menos uma vez por semana eu me obrigava a falar com ela, não por obrigação,
nunca. Eu realmente queria e gostava de estar com ela e já percebia uma melhora
muito grande em seu comportamento.
O primeiro mês passou voando, ela já havia ganhado peso, estava mais
sorridente, e sempre quando me via fazia questão de dizer o quanto gostava da
minha presença, já que nenhum de seus irmãos tinham ido vê-la. Ficávamos
conversando sobre vários assuntos e aos poucos ela começava a se abrir comigo.
Estávamos nos conhecendo, nos aproximando e criando um vínculo saudável de
relacionamento, o que a cada dia me fazia questionar os verdadeiros sentimentos
que eu começava a nutrir por ela.
No segundo mês recebemos a notícia da morte de sua mãe, e para meu
espanto, Laís chorou muito mas não quis ir ao velório. Disse que ainda não
estava pronta para encarar seus familiares e preferia esperar mais tempo para o
reencontro. Nossas conversas semanais passaram à um nível de maior
intimidade, ela se abria comigo contando coisas do seu passado e aos poucos foi
revelando tudo o que havia feito contra seus irmãos, o que me surpreendeu
muito. Fiquei surpreso, chocado e muito desapontado.
Algumas vezes, depois da visita semanal, eu acabava em algum bar, com um
copo de whisky na mão tentando absorver todas as informações. Laís mexia
comigo de uma forma estranha, impulsiva, irracional. A cada encontro meu
corpo a desejava mais, e numa tentativa de afastá-la da minha mente, acabei na
cama com Rose, a corretora e amiga de minha mãe. Não deu muito certo. Meu
corpo não estava aceitando bem a tentativa de substituição, mas a mulher não
pensava da mesma forma.
Ela era uma mulher bonita, tinha o corpo gostoso, mas não matava minha
sede pela mulher problemática e anos mais jovens do que eu. Minha mente sabia
que não deveria me aproximar dela, mas meu coração e meu corpo não achavam
a mesma coisa e a cada dia que passava as coisas ficavam cada vez mais
difíceis.
Um dia depois da última visita do mês, meu telefone tocou à noite, no meio
do expediente. Estava de plantão e atendi assim que reconheci o número do
hospital.
— Castelli.
— Oi...
— Laís?
— Eu... eu...
— Você está bem? — fiquei em pé, peguei minha carteira e a chave do carro.
— Eu preciso de ajuda...
— Não saia daí, estou à caminho.
Deixei o escritório do sexto Grupamento de Bombeiros e segui apressado até
o Hospital. Era quase dez horas da noite e o trânsito estava mais calmo.
Estacionei o carro em frente ao portão principal e toquei o interfone
apressadamente. Uma, duas, três vezes, até a porta ser aberta por um enfermeiro
que franziu a testa quando me viu.
— Pois não, senhor?
— Eu preciso falar com a paciente Laís Antunes.
— Não tenho permissão para deixá-lo entrar, senhor.
— Eu preciso falar com ela, é urgente!
— Senhor, infelizmente eu não estou autorizado a liberar sua entrada.
Fechei os olhos com força e inspirei pesadamente.
— Nós temos duas soluções aqui, ou você me fala o que preciso fazer para entrar
e ninguém fica sabendo de nada, ou eu vou ligar agora para o Diretor e dizer que
não consegui salvar a vida de uma paciente. Escolha!
Ele apenas se afastou e permitiu que eu passasse. Segui o enfermeiro até o
quarto de Laís e quando ele destrancou a porta, ela estava encolhida na cama,
seu corpo tremia dos pés à cabeça, suado.
— O que ela tem? — perguntei assustado, me aproximando dela calmamente.
— Desde que você foi embora ontem, ela não quis tomar os remédios, disse que
precisava ficar limpa para sair daqui logo.
— Que remédios? Por que não forçou?
— Eu prometi que deixaria ela falar tudo... me desculpe a cena no portão, mas
temos câmeras e se alguém visse eu liberando sua entrada, poderia me
prejudicar. — ele deu um passo para trás e me entregou um chaveiro com uma
única chave pendurada — Ela não vai te machucar, apenas converse com ela,
meu plantão acaba as sete da manhã, tranque a porta quando sair e me entregue a
chave. Estarei na secretaria.— saiu e fechou a porta.
Eu não conseguia raciocinar direito, nós nunca tínhamos conversado sobre os
seus distúrbios e não fazia ideia de quais problemas além da depressão, Laís
poderia ter. Tranquei a porta e sentei ao lado dela na cama, seu corpo
chacoalhava no ritmo dos soluços, senti meu coração doer dentro do peito. Havia
uma ligação forte entre nós, eu sentia, mas precisava saber se aquela loucura era
uma via de mão única ou acabaria ficando louco.
— Vem cá... shiuuu...
Sentei ao seu lado e a puxei para o meu peito. Seu corpo pequeno era quase
engolido pelo meu, sua cabeça descansou em mim e suas mãos abraçaram minha
cintura. Meu pau agitou-se dentro da calça, completamente sem controle. Como
eu poderia pensar em sexo naquele momento? Merda!
— Estou aqui, meu anjinho... não vou embora.
— Eu preciso de você, Murilo.
Beijei sua cabeça. Laís se aconchegou ainda mais, fazendo sua camiseta
levantar expondo suas pernas e parte da sua bunda. Respira, Murilo, respira!
— Me fale o que você precisa, Laís. Eu faço qualquer coisa por você.
Ela levantou a cabeça, seus olhos vermelhos pelo choro encontraram os meus,
sua língua molhou seus lábios e sua mão acariciou meu rosto.
— Não me faça perguntas agora, Murilo, apenas me foda como se a sua vida
dependesse disso, porque acredite, a minha depende.
Dizem que o cérebro demora algum tempo para assimilar todas as reações,
meu pau estava descontrolado, o corpo de Laís colado ao meu, suas mãos
acariciando meu rosto e pescoço, sua língua deslizando entre seus lábios. Não
raciocinei, apenas agi.
— Tem certeza, Laís? Eu posso te machucar se fizer com você tudo o que eu
quero.
— Me mostre tudo o que sabe, Murilo. Eu preciso que me foda, muito!
Colei nossas bocas com desespero e prometi a mim mesmo que dali em
diante, eu sempre faria as suas vontades, principalmente se me proporcionassem
tê-la nua, toda para mim. Ao meu inteiro dispor.
6 – CINQUENTA TONS DE CINZA

Laís Antunes
Onde eu estava com a cabeça para fazer uma merda daquele tamanho? O que
eu estava pensando?
Maldito Murilo!
— Você tá me deixando louco, Laís...
Joguei a cabeça para trás e sua boca percorreu meu pescoço até a orelha, sua
língua parecia um pedaço de seda quente deslizando pela minha pele arrepiada.
Ele me puxou para o seu colo, encaixando minhas pernas em seu quadril e
agarrou a minha bunda, com as palmas abertas e a ponta dos dedos grandes
brincando em meu ânus.
Eu estava irritada, muito irritada!
Sua boca tomou a minha novamente buscando o novo, o desconhecido.
Estava ali, presente, certo, mas eu não deixaria que ele visse, não podia e
principalmente, não queria. Meu corpo já experimentou muitas bocas, muitas
línguas e muito mais rolas do que qualquer garota de programa, mas Murilo me
despertava algo... diferente. Irreal.
Irritadíssima!
Eu me esfregava em seu pau duro, agarrava seu cabelo atrás da nunca e o
forçava a colar sua boca em qualquer parte do meu corpo; pescoço, orelhas,
queixo, olhos, seios... ah! Quando ele alcançou meus seios foi tão maravilhoso
que não consegui me conter, gemi e aumentei a pressão em sua calça jeans,
rebolando, moendo. Suas mãos acariciavam minhas costas e bunda por baixo da
camiseta larga, determinando o ritmo do vai e vem delicioso e ordinário que
nossos corpos faziam.
Fora de controle!
— Eu preciso que me foda, agora!
E ele apenas sorriu.
— Não tenha pressa, deixa eu curtir você, cuidar de você e dessa bocetinha
fogosa que você tem.
Eu era pura confusão. De sentimentos.
De emoções.
E desejos.
Eu queria que ele me comesse logo, mas sentia que aquelas preliminares
estavam muito acima da média do que qualquer coisa que eu já tivesse
experimentado antes. Eu queria uma trepada rápida e casual, mas sentia meu
corpo derreter colado ao dele, seus beijos estavam me tirando do eixo
confortável em que me encontrava e mantinha.
Ele me dava o "algo a mais".
Eu não queria nada além do previsível.
— Eu preciso muito que você me foda...
— Eu vou te foder, garota, mas vai ser do meu jeito. Você vai fazer tudo que eu
mandar e te garanto que não vai se arrepender.
Murilo me deitou sobre o colchão depois de arrancar minha blusa, seus olhos
cintilaram tesão, desejo. Levantou-se e arrancou a própria roupa, me
surpreendendo com seu tamanho. Uma das coisas que descobri durante minhas
experiências sexuais, era que tamanho de pau não fazia diferença, mas o seu
diâmetro poderia sim, mudar muita coisa em uma foda.
Já transei com homens de pau grande e fino, o que para mim, não foi tipo
"Óh! Que maravilhoso!" E já transei com homens de pirocas menores, mas
grossas, robustas e senhor... foi delicioso! Murilo além de ser grande, era grosso
e sabia o que estava prestes a fazer. O homem tinha trinta e sete anos, um corpo
de fazer inveja à qualquer moleque de vinte, um rosto de modelo com seus
expressivos olhos azuis, e uma língua para enlouquecer a mais beata idosa que
alguém possa ter conhecido.
Eu não podia.
Mas ansiava muito
Eu ia me foder, literalmente, por causa daquele homem.
Fazer sexo para mim era como escovar os dentes, eu entrava, escolhia os
objetos, usava, lavava, descartava. A única diferença era que a escova de dentes
durava mais do que os homens que me satisfaziam por horas, ou inúmeras vezes,
poucos minutos. O que era bem comum, aliás. Dizer que os machos se
preocupam com o prazer da mulher, é a maior mentira do universo. Homem só
pensa em gozar e foda-se o resto, portanto minha puritana e iludida amiga,
entenda; Grey é apenas um personagem literário criado para abrir sua mente
pequena e limitada. Exija seus direitos de consumidora, goze. Faça seu parceiro
te proporcionar orgasmos. Exija sem restrição.
Murilo me dobrou ao meio, como se eu fosse um pedaço de papel, para então,
me rasgar. Deliciosamente, pecadoramente, sem pudor algum. Ele me deitou na
cama, abriu minhas pernas e mordiscou a parte interna das minhas coxas, várias
mordidinhas salientes e depravadas, acompanhadas de uma língua safada que
acariciava o local agredido. Seus dedos compridos apertavam minhas coxas,
alisavam minha bunda e seus dentes passaram a prender meu clitóris entre eles.
Esplêndido.
Fulminante.
Avassalador.
Seu dedo médio me invadiu, alcançando do lado direito um pontinho mágico
que despertou uma onda de calafrios incontroláveis por todo meu ventre.
Amaldiçoei todos os seus antepassados que estiveram aperfeiçoando ao longo
dos séculos a arte de explorar com perfeição o corpo de uma mulher, e
divulgaram essas informações através de suas gerações masculinas, viris e
pirocudas.
Desgraçado.
Infeliz.
Indecentemente sem vergonha.
— Eu vou gozar, Murilo...
Minhas pernas abraçaram seu pescoço num ato de desespero e tormento.
Prazer e raiva. Súplica e asco. Contraditório, complicado, indesejado.
— É tudo o que eu mais quero, garota, goza na minha boca.
A tortura seguiu firme, impassível, até que meu corpo tremeu, estremeceu, se
contorceu e relaxou. Como nunca havia feito antes, com ninguém. Murilo me
sugou até a última gota, levantou e depositou minhas pernas dormentes com
gentileza na cama, se afastou, pegou a camisinha e a vestiu com um sorriso
sacana nos lábios. O homem de várias facetas.
— Posso continuar, ou você precisa de mais tempo?
— Desafio?
— Não quero parecer arrogante, mas você parece meio acabada, garota. Eu
posso esperar um pouco se preferir.
Além de tudo, ainda conseguia ser sarcástico fingindo humildade. Era tudo o
que eu não precisava. Murilo estava a poucos segundos de me invadir, e não era
apenas entre as minhas pernas que a invasão estava acontecendo em câmera
lenta. Desde o dia em que sentou ao meu lado no alto daquele prédio, ele se
aproximava lentamente, despretensiosamente, como um inimigo sorrateiro que
preparava o terreno antes de te atacar sem remorso.
Ele conquistou minha confiança, meu carinho e minha dependência
emocional. Há pouco mais de três meses eu ansiava por suas visitas, desejava
sua companhia, rascunhava nossas conversas em minha mente falida e
desocupada. A cada partida, desejava um maior contato, um depois, um até
breve, ou apenas um tchau.
Eu era uma mulher que enxergava os homens como objetos sexuais. Eram de
uso exclusivo para saciar minha necessidade em decorrência da doença que me
consumia. Murilo não sabia sobre ela, e aquela parte do plano estava indo bem,
até o nosso encontro de corpos. Eu fiz tudo como planejado, até o dia anterior.
Mas nada havia me preparado para sentir aquelas coisas ao ser tocada por ele.
— Apenas me foda sem conversa fiada, Murilo. Odeio esperar.
Ele sorriu confiante, e eu me perguntei onde estava aquele homem durante os
meses em que foi me visitar e conversou comigo como um verdadeiro
cavalheiro, gentil e conservador? Estava cada vez mais evidente, que Murilo
Castelli, o tenente fodão do Corpo de Bombeiros, escondia muita coisa por
detrás da sua armadura de bom moço e uma vontade de conhecer os seus mais
obscuros segredos me invadiu. Eu queria muito conhecê-lo, verdadeiramente,
sem máscaras ou subterfúgios.
— Eu vou foder você, garota. Com muito prazer...
Ele me virou num movimento inesperado, colocando minha bunda para cima,
a empinando e estapeando com vários tapas e dedadas calorosas no meu rabo.
Pervertido.
Sacana.
— Com emoção ou sem emoção, garota?
Um simples sussurro que me causou um arrepio na espinha suspendendo
minha respiração. Indecente. Sem vergonha.
— Com muita emoção, senhor.
Ouvi um grunhido escapar de sua garganta como consequência à minha
resposta antes de sentir a invasão calorosa, profunda, inteira. A sensação que eu
nunca antes havia experimentado em um ato comum e corriqueiro, tão conhecido
por mim e igualmente habitual como um banho morno pela manhã.
Os movimentos começaram inseguros, reprimidos, mas logo se tornaram
intensos, ariscos, fortes e desesperados. Suas mãos que até aquele momento
acariciavam, passaram a apertar e marcar como tatuagem minha pele branca.
Segurando. Mantendo no lugar meu corpo entregue para que o seu me domasse
como uma equina em fase de adestramento. Ele queria me controlar e para o
meu total descontrole, Murilo atingia pouco a pouco seu objetivo.
O vai e vem seguiu por longos e incontáveis minutos. Severo, bruto, aflito. O
som emitido pelo choque de suas bolas em minha bunda soava como um coral
ensaiado de orquestra sinfônica para um exigente apreciador da arte. Moderno
sem deixar de ser clássico. Comovente como poesia contemporânea. Meu corpo
entrou em uma espiral de tormento, em busca pelo explosivo êxtase tão ansiado.
Gemi.
Ofeguei.
Derreti.
— Me sente, garota!
Sua voz entorpecida ecoou em meu cérebro. Entrou, saiu, puxou, apertou e
socou novamente. Grosseiro.
— Me leva todo, porra!
Não havia mais volta para mim. Murilo me possuía à cada investida
criminosa.
— Não consigo mais parar, Laís! Eu vou gozar, caralho!
O furor de seu pau na reta final me queimou, até que meu corpo cedeu ao
orgasmo fulminante que decretou o meu fim, o término do jogo, a minha derrota.
Meu corpo se contorceu, tremeu, relaxou. Ele seguiu até que se deliciou dentro
de mim, enchendo a camisinha e desabando em minhas costas.
— Estamos bem?
Deitei sentindo seu peso, seu calor, sua alma. Sorri querendo gritar, precisava
me afastar se quisesse sobreviver ao caos de sentimentos invasores e
desconhecidos, mas não tinha forças para deixá-lo ir. Não queria vê-lo partir.
Não ainda.
— Estamos.
— Me mande embora agora, se não me quiser em sua vida, Laís. Preciso saber
se não estou sozinho aqui, nessa loucura toda.
Um beijo no topo da minha cabeça, um abraço sincero, um afago nas costas.
Era para ser ensaiado, premeditado, mas... não foi.
— Não posso te afastar quando o que eu mais quero é que você fique.
— Pra sempre?
— Até quando durar.
— É uma boa resposta.
Murilo me fodeu mais uma vez naquela noite, papai e mamãe, olhando em
meus olhos, me queimando com seu olhar azulado da cor do céu em pleno verão
parisiense. Beijou meus lábios, chupou meus seios, lambeu minha pele,
infernizou meus miolos. Não pediu, apenas pegou o que quis. Sem pressa, sem
descontrole, sem segundas intenções.
Seu corpo chamou, o meu atendeu. Incapaz de negar o prazer de senti-lo
metendo fundo, machucando quando colocou minhas pernas em seus ombros e
socou com força desproporcional. Não pensei, sequer tentei. Apenas cedi aos
seus encantos de macho sedento, faminto por satisfação. Ele me deu o que tinha
e eu retribuí com o que havia acabado de ganhar.
Entendi o que significava a palavra "troca", tão usada nas descrições de
sociedade, mas não poderia imaginar o quanto ela significava num momento
como aquele. O nosso momento. Murilo fez o que quis dentro de mim e mais
uma vez me levou ao limite e além de me apresentar um orgasmo escandaloso,
alcançou seu próprio prazer para o meu deleite. Eu nunca havia me dado conta
do quanto era bom ver um homem gozar dentro de mim. Sua testa franzida, seus
olhos apertados, sua boca aberta, seu gemido. Murilo era lindo, o mais lindo de
todos.
— Quando você quiser foder, me chama. Não quero que pense em ninguém que
não seja eu. Apenas me ligue e eu venho te fazer gozar.
— Tem certeza que quer mesmo fazer isso?
— Absoluta.
Sorri com a cabeça descansando em seu peito nu.
— Acho que posso fazer isso...
Murilo saiu apressado depois de um chamado urgente, prometeu voltar para a
visita semanal e tentar me transferir para um lugar mais apropriado. Queria mais
liberdade, mais privacidade para podermos nos encontrar e termos infinitos
momentos como aqueles. Eu sabia que sairia do hospital com a ajuda de alguém,
mas não imaginava que fosse a dele.
Minha noite foi a melhor dos últimos anos, sem remédio, sem choro, sem
nojo ou arrependimentos. Pela primeira vez não me senti usada, mas sabia que a
reciprocidade não era verdadeira. Não, se levasse em consideração os motivos
que a levaram à acontecer, e a confusão instalada em mim era justamente por
aquele motivo. Murilo me desestabilizou, confundiu, desarmou e não pretendia
parar, mas o lado negro da versão era que eu, Laís Antunes, não queria que ele
parasse.
Era nada além de um plano, uma armação que me renderia um prazer ainda
maior quando visse os três patetas acabados, arruinados, dizimados à pó, com o
final surpreendente do patriarca fodido, e apesar de ter sentindo coisas boas com
o bombeiro, eu conhecia meus limites e não desejava ultrapassá-los. Murilo era
um homem bom, sem malícia ou isento de caráter, acreditava no bem, no fazer
bem à alguém e não merecia sofrer ao meu lado. Mas eu ainda era eu, a garota
egoísta, egocêntrica e vingativa.
Eu não queria largá-lo, sequer afastá-lo, o bombeiro me fazia bem como
nenhuma pessoa jamais havia feito e eu o manteria enquanto fosse possível.
Faltava muito tempo e muita coisa à ser feita, para que só então, eu me desse por
satisfeita. Na manhã seguinte meu telefone que estava estrategicamente
escondido, tocou. Eu sabia quem estava ligando e não queria atender, mas não
podia ignorar, eu tinha um objetivo e dependia daquelas ligações para me
lembrarem daquilo.
— O que você quer? — perguntei impaciente.
— Quero saber como foi com o bombeiro.
— Nada de mais. — meu tom de voz nem alterou.
— Jonathan me contou que ele demorou mais do que deveria e quase estragou
tudo.
— Esse cara é um fofoqueiro, você devia ter pessoas mais competentes ao seu
lado. — constatei para o meu próprio bem.
— Ele está aí pra não deixar você ferrar com tudo e quero saber se preciso me
preocupar com o tenente.
— Não precisa se preocupar com ninguém, e eu não preciso de babá! — a única
pessoa que iria se preocupar com Murilo sera eu, mais ninguém.
— Por que ele demorou quase três horas pra ir embora?
— Porque ele é bom de cama e tem mais fôlego que um garoto de vinte anos.
Fazer o que? A ideia de me deixar sem o remédio foi sua...
— A suspensão do remédio teve o seu propósito, e você podia ter me chamado
depois da primeira trepada com ele.
— Esquece. Isso não vai mais acontecer. — depois de Murilo, seria difícil
encontrar um adversário à altura.
— Prefere o bombeiro?
Meu sorriso era cínico, mas ele não precisava saber a verdade. Eu mentiria e
deixaria Murilo fora do seu alcance.
— Até que ele não é de se jogar fora, mas não tem nada demais.
— Você sabe que ele será descartado, não sabe?
— Desde o início.
— Ótimo. Quando tudo tiver acabado, todos nós vamos ter conseguido o que
queremos.
— Eu sei, por isso entramos nessa.
— Nós vamos acabar com eles, Laís, e depois de muito tempo, vamos ter a nossa
vingança.
— Não se preocupe, nada vai sair errado.
— Eu vou garantir que não saia. O segundo passo foi dado, e agora podemos
seguir para o terceiro.
— Nestor.
— Esse mesmo. Semana que vem use o bombeiro para começar a se aproximar.
— Eu já sei como fazer isso.
— Claro que sabe...
Desliguei o celular após ignorar algumas recomendações do embuste e me
joguei na cama. O teto parecia diferente, talvez mais embaçado, e só então me
dei conta de que eram minhas lágrimas acumuladas. Eu fui destinada ao
sofrimento e à solidão, nada iria reverter aquele fato e apesar de não me
considerar uma mulher boa, aquela conversa havia me deixado preocupada.
Murilo não estava nos planos iniciais, mas por obra do destino ele apareceu e
veio à calhar. Sua presença serviria para tornar a minha intenção de reintegração
à família Antunes, como boa samaritana e Madalena arrependida, mais real e
convincente. Quem duvidaria de mim com um homem como ele ao meu lado?
Ninguém, nem mesmo Thor.
Eu precisava me preparar para o bote. O tratamento me deixaria com
fraquezas que eu não estava acostumada à lidar, e a noite anterior com Murilo na
cama havia mostrado parte daquele sentimento de vulnerabilidade causada pela
lucidez trazida pela medicação.
Sempre foi simples ser considerada doente, pervertida e cruel e eu precisava
me policiar para continuar daquele jeito. Ninguém iria consertar o passado,
tampouco, mudar o que eu havia planejado para o futuro. Nem mesmo o
bombeiro que inocentemente entrara no meu caminho e estava se tornando muito
mais do que uma peça à ser usada naquele jogo que estava muito longe de
acabar.
7 – A GATA E O RATO

Laís Antunes
A minha transferência saiu, e foi muito mais rápido do que imaginei. Murilo
conseguiu uma vaga em uma clínica muito bem conceituada, que se
comprometeu a não divulgar a minha internação. Claro que em pouco tempo eu
seria descoberta, mas ao contrário do que prevíamos, teríamos algumas semanas
de paz.
As imagens da minha falsa tentativa de suicídio, meses atrás, renderam
muitas e muitas páginas das revistas de fofocas, virtuais e impressas,
percorrendo o mundo e despertando a curiosidade dos fofoqueiros, curiosos e
inimigos dos irmãos Antunes, entre eles, o ex Juiz Enrico Antunes. O patriarca
me procurou, tentou saber o que eu estava fazendo, mas Jonathan serviu como
escudo e conseguiu afastar o velho lobo, temporariamente, claro. Ele nunca
desistiria da sua "menininha".
Com a minha transferência, o "enfermeiro" foi obrigado a mudar de cargo e
acabou sendo contratado para o setor administrativo na minha nova moradia.
Nada como o dinheiro e o conhecimento para se atingir os objetivos, pequenos
ou grandes, bastava saber a quem recorrer e a mágica acontecia rapidamente.
Murilo se tornou visitante assíduo da nova clínica e passava duas horas no
mínimo todos os dias ao meu lado. Sempre tínhamos assunto para falar, os beijos
eram sempre os melhores e o sexo estava se tornando tão essencial como o sono,
o banho a comida e a água. Foda era o nosso sobrenome, mas minhas confissões
feitas em doses homeopáticas, por diversas vezes o abalavam e me restava
torcer, e muito, para que ele não virasse as costas e acabasse desistindo de mim.
Um dos momentos críticos logo aconteceu, quando eu, voluntariamente
decidi contar sobre o meu vício por sexo que me acompanhava há anos. Ele
ouviu, mas não reagiu da maneira como eu achei que faria e o estrago aparentava
ter sido muito maior do que, ingenuamente, eu havia previsto.
— Por que não me contou sobre a sua doença antes?
— Porque não tinha certeza se iria acreditar em mim, e tive medo de você me
deixar.
Estávamos deitados nus, abraçados depois de termos transado loucamente no
fim da tarde. Logo ele teria que ir para o plantão da noite e a conversa seguia
tranquila. Até aquele momento.
— Foi por isso que me ligou a primeira vez, pedindo minha ajuda?
— Sim, eu não queria transar com outra pessoa que não fosse você. — não
estava mentindo.
— Há quanto tempo você sofre com isso?
— Desde a adolescência.
Ele se afastou e parecia nervoso.
— Não posso acreditar que todo esse tempo você transou com desconhecidos.
Por que não procurou ajuda?
Sentei na cama e assisti ele vestir sua roupa, irritado e arredio.
— Porque eu nunca pensei que tivesse conserto e achei que seria daquele jeito
até a minha morte.
— Pois deveria ter procurado um tratamento. Você é uma mulher inteligente,
Laís, deveria saber que para tudo há uma solução. Estou começando a acreditar
que gostava da vida que levava...
Ele não sabia da missa um terço, mas não dava para tentar explicar tudo e
mesmo que o fizesse, seria perda de tempo. Murilo já tinha uma opinião recém
formada à meu respeito e não seria nada fácil reverter aquilo. Eu já não via a
mentira como uma oba opção.
— Não é justo dizer que gostava, mas garanto que já tinha me acostumado. —
levantei e comecei a vestir minha roupa também — Não espero que entenda ou
aceite, mas tem muita coisa a meu respeito que você não sabe, então, não me
julgue sem saber.
Minha irritação podia ser sentida embutida em minhas palavras. Eu não era
perfeita, muito menos santa, mas não seria um homem que tinha acabado de me
conhecer quem iria me fuzilar com olhares de nojo e menosprezo. Ninguém,
além do homem que acabou com a minha vida, sabia o que eu tinha passado
durante aqueles anos.
— Não estou te julgando, apenas afirmando que existiam outras opções além de
sair por aí fodendo com qualquer homem. — bufou ainda mais irritado — Tem
ideia do risco que correu? Você poderia ter ficado grávida, pegado uma doença e
até morrido nas mãos de algum maníaco ou psicopata.
Cruzei os braços e sorri da maneira que mais sabia fazer. Irônica e debochada.
— Já engravidei e abortei. Algumas vezes, aliás. Já fiquei doente e precisei me
internar e sim, já fui sequestrada, estuprada, agredida e quase morta. Acredite,
Murilo... estar aqui nessa clínica não é o que eu queria, mas foi minha última
opção para continuar viva.
Era difícil assumir aquilo, mas estávamos no limite de uma linha tênue que
separava nossa relação fictícia, e se o bombeiro quisesse continuar com aquela
merda, merecia saber ao menos uma parte de onde estava se metendo. Não havia
mais espaço para mentiras descabidas; bastavam todas as que adornavam a
minha vida até o dia em que nos conhecemos, e não eram poucas, sequer menos
importantes.
— Do que você está falando?
Entrei no banheiro e falei olhando em seus olhos antes de bater a porta.
— Vá trabalhar, Murilo, e só repita essa pergunta quando estiver preparado para
ouvir a resposta, porque não é uma história bonita e te garanto que não terá um
final feliz.
Encostei na porta e escorreguei, deixando as lágrimas descerem à vontade.
Fazia alguns anos que não chorava daquela forma e não conseguia entender o
motivo que me fazia me sentir daquela maneira. Exposta, vulnerável e em um
nível de solidão muito além do normal.
Passei algum tempo me contorcendo, debulhando entre soluços e perguntas
que não eram frequentes e tampouco, gentis.
"O que eu havia feito da minha vida?"
"Por que tinha permitido chegar àquele ponto?"
"Como aquele homem miserável conseguiu me submeter a tantos anos de abusos
sem reação?"
Murilo estava me desestabilizando e enfraquecendo, me transformando em
uma mulher comum, cheia de falhas, medos e inseguranças. Não era aquilo que
estava planejado, havia um outro motivo por trás de tudo, muito maior,
importante e significativo para mim.
A medicação seguia controlada, meus impulsos eram inexistentes e o sexo ,
ou melhor, a ausência dele já não era mais intolerável. O bombeiro sumiu por
quase uma semana, o que me deixou triste e apreensiva, mas decidi que faria o
que tinha estabelecido como meta e não permitiria que o plano fosse deixado de
lado.
Jonathan percebeu a ausência do tenente e tentou descobrir o que havia
acontecido. Claro que a única preocupação dele era saber se as coisas poderiam
de alguma forma darem errado.
— O que aconteceu entre vocês, Laís?
— O que já estava previsto, — dei de ombros fingindo indiferença — ele se
assustou com algumas revelações.
— Ele sabe de tudo o que aconteceu com você?
— Contei algumas coisas, mas longe de ser a parte mais feia da minha vida.
— E você pretende contar tudo?
— Se apenas o fato de saber sobre a doença que desenvolvi e o número de
parceiros sexuais que tive já fez ele correr, imagina se souber sobre o
excelentíssimo juiz, sua esposa que dizia ser minha mãe e tudo o que fiz por
causa do Marcel? — sorri sem a menor vontade — Provavelmente vai querer me
deixar internada pelo resto da vida.
— Acho que nenhum homem aguentaria, na verdade. Eu não consigo imaginar o
que você passou, mas entendo o cara.
Cruzei os braços e o encarei.
— Entende, é?
— Se ele não estivesse à fim de você, com certeza ainda estaria te fodendo, mas
pelo jeito o bombeiro gosta de verdade. Por isso está com dificuldade em aceitar
esse lado seu que até então, era desconhecido pra ele.
— Sabe o que é mais triste nisso tudo que você falou, Jonathan? — ele negou
com a cabeça e permaneceu em silêncio — Esse é o único lado da minha vida,
não tem outro. Eu só contei as coisas pequenas e que ainda podem ser curadas.
Quando ele souber do resto, nunca mais vai querer me ver.
— Ele está apaixonado por você, e isso deverá ser levado em conta na hora da
decisão dele.
— Murilo está apenas me comendo, Jonathan, não tenho ilusão quanto aos
sentimentos dele.
— Vai por mim, Lalá, vocês ainda não se deram conta, mas já estão muito mais
envolvidos do que querem admitir.
— Não fala merda! Ele é gostoso, fode bem e pode facilitar a minha vida com o
Nestor, só isso.
— Há mais de dois anos a gente tá nessa merda, eu te conheço bem, posso te
garantir que você está parecendo mesmo uma outra mulher com a medicação e
por mais que se esforce para esconder, esse cara te faz bem. Nunca tinha
conseguido conversar contigo desse jeito, civilizado e centrado, me lembro de
você sempre louca, drogada ou com pensamentos homicidas. Sempre me
perguntei como seria a mulher por trás da menina perturbada, mas não tinha
ideia de que fosse assim, e até me espanta saber que é tão inteligente e coerente
quando está lúcida. Só toma cuidado, porque isso pode te atrapalhar com a
vingança e se acontecer, nosso amigo não vai pensar duas vezes em acabar com
a vida do bombeiro. Óbvio, sem contar que o patrão gosta de você e nunca fez
questão de esconder isso.
— Ninguém vai me atrapalhar, mas eu não vou permitir que ninguém machuque
o Murilo. Apesar de ser um babaca de vez em quando, ele é um homem bom.
— Eu espero, ia ser muito ruim te ver sofrer por causa de um homem...
— Quando o Marcel morreu, jurei que nunca mais ia sofrer por nenhum outro e
vou cumprir isso. A medicação pode ter mudado meu comportamento, mas não
mudou quem eu sou, apenas não confunda as coisas e pare de se iludir, porque
eu não vou esquecer o que aqueles idiotas fizeram. Todos eles vão pagar,
principalmente a fodida da Lívia.
Jonathan se afastou sem olhar para trás, mas antes de me deixar sozinha
novamente falou:
— A pior mentira é aquela que dizemos a nós mesmos...
Decidi caminhar um pouco pelo jardim antes de escurecer, e quase caí para
trás quando vi quem estava chegando para me fazer uma visita.

Murilo Castelli
Nada como um fato fodidamente capaz de abalar sua alma para te mostrar
que a vida é curta e insignificante perante a morte. Um incêndio, um menino à
beira da morte, um resgate suicida e uma decisão tomada sem qualquer remorso.
No sexto dia tentando me afastar da garota que teve sua vida arruinada
precocemente, recebi um aviso generoso do destino informando que se eu
permitisse, mais uma vez minha felicidade poderia escorregar entre meus dedos.
Foi por impulso, mas optei pela vida do menino e pela minha também.
— Tenente, por tudo que é mais sagrado, o senhor não podia ter feito uma coisa
daquelas! Além de colocar sua vida em risco, não seguiu os protocolos!
A advertência partiu do meu superior, o Coronel Cristóvão Lombardi, logo
após o salvamento heróico, mas totalmente irresponsável. Um homem sério que
acompanhou minha carreira e minha vida pessoal de perto e esteve presente em
todos os momentos. Ele sabia da minha luta interna, e mesmo sem dizer uma
única palavra sobre minha falecida esposa e a maneira que ela havia me deixado,
mantinha a sua opinião sobre um possível afastamento para que eu pudesse
voltar a viver sem a culpa que me corroia até os ossos dos dedos.
— Eu não tive escolha, senhor.
— Nós sempre temos escolha, tenente.
Será? Aquela afirmação parecia certa quando falávamos, mas nem tão
convincente quando a ouvíamos. Lembrei da minha última conversa com Laís e
quis me bater com vontade.
— Vou aceitar a punição, se receber uma, porém, não pretendo me desculpar por
ter salvado a vida daquele menino.
— Não quero que se desculpe, apenas faça uma auto-avaliação e pense no
péssimo exemplo que deixou para os seus subordinados. — ele ficou pensativo e
concluiu: — O seu comportamento introspectivo está cada vez pior, Murilo,
atrapalhando seu trabalho e comprometendo a sua capacidade de decisão. Eu não
pretendo prejudicar sua carreira e não acho justo manchar seu currículo, portanto
está na hora de gozar suas férias vencidas com a promessa de que irá procurar
ajuda profissional para se tratar. Caso não aceite, serei obrigado a afastá-lo por
incapacidade. O que me diz?
Meses atrás eu iria recusar aquela oferta, pois não tinha vida além daqueles
muros. Depois que minha esposa se suicidou, foi o meu trabalho que ocupou
todos os espaços em branco, aliado com algumas garrafas de whisky, mas meus
dias não eram mais solitários e sem graça. Havia uma nova motivação para
continuar abrindo os olhos diariamente e desejar permanecer nesse mundo, com
nome e sobrenome.
— Eu aceito. Me comprometo a procurar ajuda de um terapeuta ou psicólogo pra
me ajudar a superar a morte da minha esposa, senhor.
— Ótimo. Agora vá! O departamento responsável fez um banco de horas e irá
avaliar o período que irá ficar afastado, quando estiver tudo resolvido, entrará
em contato com você.
— Obrigado, senhor.
Fui para casa, tomei banho e me larguei na cama exausto. Foram mais de seis
horas naquele tormento infernal e eu precisava de um longo descanso antes de
fazer o que eu mais desejava.
Havia muitas matérias sobre o incêndio que consumiu oito andares de um
prédio que se localizava em uma área nobre do Rio de Janeiro e o meu nome
estampava cada uma delas.
Fechei os olhos e sonhei com a minha garota, a linda ruiva que passou a
dominar meus pensamentos todos os minutos dos fodidos dias, e decidi que
quando acordasse, iria até a clínica para falar com ela e descobrir se ela me
queria em sua vida, da mesma forma que eu a queria na minha.
8 – GAME OF THRONES

Nestor Antunes
— Descobriu mais alguma coisa?
Perguntei ao meu cunhado que tinha acabado de chegar à delegacia e
supervisionava de perto a investigação sobre a minha irmã caçula, Laís. Ela
estava internada há mais de 4 meses e havia sido transferida para uma clínica no
centro do Rio sem ficarmos sabendo.
— Como eu tinha te falado, foi o tenente que conseguiu a mudança e pelo jeito
está arcando com todas as despesas.
— Por que ele não comunicou ninguém?
— E quem você queria que ele comunicasse, Nestor?
Levantei e caminhei até a cafeteira para tomar um expresso. A pressão era
grande, tanto por parte dos meus irmãos, como da minha esposa, Pietra. Todos
eles foram envolvidos em situações onde suas vidas correram perigo, e em todas
elas, Laís esteve envolvida. Eu também não tinha sido poupado, mas olhando
para a vida que eu havia conquistado, não tinha como não agradecer às atitudes
das duas loucas que tentaram me foder de várias maneiras.
Antes da minha primeira esposa morrer, Clara me contou que Rômulo e Lívia
não eram filhos do meu pai, Enrico Antunes, e sim do amante da minha mãe, um
descendente italiano que foi o primeiro amor da vida dela e eles apenas não
ficaram juntos por causa do sobrenome do filho do padeiro.
Enfim... mais uma vez em nossa família, uma história de amor foi
transformada em um roteiro de filme de terror e terminou com muitos
sobreviventes, mas gravemente sequelados pelos acontecimentos. Incapazes de
perdoar e medrosos o suficiente para não permitirem uma aproximação da
caçula.
— Não sei, porra! Mas uma coisa é certa, Mateus, meu pai está desesperado por
notícias dela e isso só me faz imaginar que dessa vez, Laís está sozinha.
Mateus me encarava com sua carranca de sempre, como se soubesse de
alguma coisa e não quisesse contar, o que me deixava puto da vida com meu
cunhado.
— Ela não está sozinha, Nestor. Aquela mulher não mudou nada, e está
esperando a hora certa para atacar. Fica na sua e não faça merda, pelo menos
dessa vez faz o que eu tô mandando e não fode tudo.
— Como pode ter tanta certeza disso? Você mesmo disse que esse tenente é
gente boa e gosta mesmo dela.
— Eu falei sobre o cara, e não da louca da sua irmã. A esposa dele se suicidou há
quatro anos quando descobriu que estava grávida, ninguém sabia que ela tinha
depressão e ele se culpa até hoje por isso. A relação dele com a Laís só começou
por causa dessa ligação no dia que ela subiu no prédio pra fingir que ia pular.
— Eu não sabia disso, como ela se matou?
— Um tiro na boca. Usou a arma dele que ficava em um cofre dentro de casa.
— Caralho! Você acha que isso pode ter ligação com o fato da Laís também ter
subido naquele prédio para se jogar?
— Essa é a única parte dessa história que não se encaixa, por isso preciso de
mais tempo pra continuar investigando, mas posso te garantir que sua irmã não
mudou nada, cara. Vai por mim, a melhor coisa que você faz é ficar longe dela e
manter sua família mais distante ainda. Ela vai aprontar.
— O que você sabe sobre o período que ela ficou desaparecida? Com quem ela
andou?
Mateus bufou irritado, passou a mão pelos cabelos e começou a andar de um
lado para o outro da sala. Eu o conhecia bem e sabia que ele estava nervoso.
Havia duas possibilidades, ou ele já tinha descoberto alguma coisa grave e não
queria contar, ou ainda não sabia de nada e estava puto por conta daquilo.
— Nestor, de tudo que eu já descobri, tem apenas uma coisa que eu acho
importante que saiba nesse momento. — meu cunhado parou à minha frente,
segurou meus ombros com as mãos e encarou meus olhos permitindo que eu
enxergasse todo o seu ódio pela ruiva que quase matou sua esposa, mais de uma
vez — Sua irmã voltou para se vingar da família e disso eu não tenho a menor
dúvida. Eu sei que existem várias lacunas nessa história, muitas mesmo, mas não
pretendo ir atrás pra entender os motivos que a levaram a fazer tudo o que ela fez
e o que ainda pretende fazer. Eu prometi pra minha esposa que vou proteger
minha família com a minha vida, nem que pra isso eu tenha que acabar com a
raça da Laís e do Enrico e ninguém vai me impedir de fazer isso se ela colocar a
vida da minha mulher e dos meus filhos em risco. Eu mato a sua irmã se ela
entrar no meu caminho, Nestor. É isso que você precisa saber agora.
Ele soltou meus ombros e saiu da sua sala me deixando sozinho com meus
pensamentos. Mateus tinha razão em desconfiar de Laís, mas eu precisava ter
certeza absoluta se ela estava ou não disposta a mudar. Um dia antes da minha
mãe nos deixar, ela me chamou e confidenciou todas as coisas que ela e meu pai
fizeram à minha irmã caçula durante anos, e me fez prometer que tentaria ajudá-
la a se recuperar. No começo me senti mal por ter descoberto tão tarde tudo o
que tinha acontecido com Laís, mas eu poderia ajudá-la se ela realmente
quisesse ajuda.
Pela primeira vez, desde que minha mãe faleceu eu sentia a necessidade de
vê-la, saber se estava bem. Deixar que ela ficasse internada foi apenas uma
forma que arrumei de analisar se o aparecimento dela no dia do seu aniversário
tinha sido proposital ou não. Eu ainda tinha dúvidas, principalmente depois de
ouvir Mateus, meu cunhado já tinha conseguido me convencer de que era um
perito em analisar pessoas e sua competência como agente não deixava qualquer
margem para duvidar daquilo.
Segui para encontrar Rômulo, ainda precisava ouvir dos meus outros irmãos
o que pensavam a respeito de tudo aquilo. Cheguei na clínica de ortopedia meia
hora depois e me deparei com Lívia, conversando seriamente com ele. Quando
me viu, sorriu como sempre. Minha irmã era uma das pessoas mais bondosas
que eu tive o prazer de conhecer, e só de pensar que sua vida poderia estar em
risco com a presença da caçula, apertava meu coração.
— Você me deve cem reais. — Lívia falou para Rômulo quando me abraçou.
— Seu marido é um idiota, isso sim. — o loiro retrucou.
Retribuí o abraço e sorri junto com ela, agarrada em meu pescoço.
— Agora eu sou motivo de bolão, por acaso? — brinquei e beijei sua testa.
— Eu não sei por que ele insiste em discordar do meu marido.
— E eu posso saber o que o Mateus "vidente" Trivisan falou dessa vez, que fez
meu querido irmãozinho ficar cem reais mais pobre?
— Ele pediu para eu vir até aqui para conversar com você. Mateus disse que
tinha certeza que iria nos procurar para saber sobre a Laís, e eu vim, porque
acredito nele. — ela deu de ombros e piscou para Rômulo — Mas tem gente que
ainda duvida da capacidade do meu amado marido. Não é mesmo, Rômulo?
— Eu não duvido e nunca duvidarei do meu cunhado, só achei que era um
exagero ele afirmar que você viria quando saísse da delegacia, mas pelo jeito, o
cara está treinando muito bem...
Como eu já conhecia meu cunhado, nada daquilo me surpreendia e mais uma
vez, tive que dar a mão à palmatória. Mateus realmente estava se aperfeiçoando
na arte de ler as pessoas através de suas expressões e aquilo começava a me
assustar também. Não sabia se me sentia bem com aquilo.
— Seu marido está se superando, Lívia, e eu estou começando a ficar
preocupado.
— Imagina eu, então, Nestor? Nem posso pensar em esconder nada dele,
imagina o dia que eu quiser mentir?! Estou ferrada!
Rômulo nos levou até seu consultório e nos sentamos para conversar.
Estávamos relaxados na presença um do outro, mas havia uma certa tensão no ar,
o que era natural quando o assunto tinha como referência, nossa irmã Laís e tudo
o que suas atitudes poderiam repercutir em nossas vidas.
— Você pretende ir visitá-la? — a pergunta direta de Lívia me pegou de
surpresa.
— Estou pensando seriamente nisso, o que vocês acham?
Eles se entreolharam antes da minha irmã me encarar com seus olhos verdes
intensos e naquele momento, receosos e desconfiados.
— Eu sei que nossa mãe conversou com você antes de morrer, Nestor. Gostaria
muito que nos contasse o que de tão importante ela te falou em seu leito de
morte.
— Como você soube?
— Porque ela me disse que só contaria pra você tudo o que aconteceu com a
Laís, e se um dia eu e Rômulo tivéssemos que saber, seria uma decisão sua nos
contar.
Era uma decisão difícil de tomar, e mesmo sabendo que Laís talvez não
quisesse que eles soubessem da verdade, seria melhor esclarecer tudo para que
entendessem os motivos que estavam me levando a procurá-la.
— A mãe contou que não queria mais engravidar, e depois que você nasceu o
casamento deles foi de mal a pior. Claro que nosso pai desconfiava do
envolvimento dela com o italiano, mas somente com o seu nascimento, ele
confirmou a traição. Ela não teve como negar, acho que no fundo, nem queria, e
foi então que ele fixou a ideia de ter mais um filho, legítimo, quero dizer.
Meus irmãos estavam atentos, ouvindo tudo em silêncio. Continuei.
— Desde a gravidez, nossa mãe rejeitou a Laís, ela sabia que aquela menina
seria um grande problema pra ela, porque nosso pai já estava dando sinais que
iria usá-la pra atingir a esposa adúltera e foi exatamente o que aconteceu.
Quando Laís tinha seis anos, Enrico começou a tratá-la diferente, sempre que
podia saía sozinho com a menina e se mostrava cada vez mais obsessivo por ela,
não deixava ninguém se aproximar e dizia que ela era sua "menininha". A mãe
não achou que ele faria mal à ela, muito pelo contrário, achou que ele a estava
usando para causar ciúme na esposa e acabou conseguindo. Durante anos, ele
vigiou Laís de perto e só se afastou um pouco quando ela começou a apresentar
dificuldades de aprendizado na escola e seu comportamento foi mudando a olhos
nus. Quando Laís entrou na adolescência, tudo desandou, ela começou a transar
com vários meninos da escola, engravidou e fez o primeiro aborto com apenas
dezesseis anos.
— Ela já ficou grávida? — Lívia perguntou com lágrimas nos olhos.
— Se a mãe não mentiu, foram cinco abortos, Lívia, e todos no período de
quatro anos.
— E por que nós nunca ficamos sabendo de nada, meu Deus! Eu nunca
desconfiei...
— Eu me faço essa pergunta desde o dia em que soube dessa história e acredite,
me sinto cada vez mais culpado por ter sido tão ausente na vida de vocês.
Rômulo levantou da cadeira e caminhou até a janela. Suas mãos estavam nos
bolsos da calça branca e seu maxilar trincado não permitia que escondesse toda
sua irritação.
— Aquele desgraçado transou com a própria filha! Só isso já é motivo pra matar
aquele filho da puta!
— A mãe disse que ele tocava nela, mas que nunca a estuprou.
— E por que ele permitia que ela o visitasse na cadeia, Nestor? Eu estive com o
diretor do presídio junto com o Mateus e ele afirmou que quando a Laís ia até lá,
o canalha se vestia de homem pra esperar por ela!
— Enrico usava a Laís para que outros homens trepassem com ela enquanto ele
assistia, e com isso, firmava aliança com os piores marginais dentro da cadeia.
— Eu não acredito nisso e mesmo se fosse verdade, só de saber que o homem
que deveria protegê-la, se aproveitou dela enquanto era uma criança, me faz
querer arrancar a cabeça dele!
— Nestor, por que ela me odeia tanto? O que ela acha que eu fiz? — Lívia
estava abalada com aquelas pequenas revelações.
— A mãe disse, que desde que o Marcel passou a frequentar a nossa casa,
quando vocês começaram a namorar, ela se apaixonou por ele e depois de muito
insistir, ele acabou transando com ela. Sinto muito irmã, mas a Laís ficou fixada
nele, e o seu falecido marido jurou pra ela que iria se separar de você. Ela até se
internou e conseguiu seguir o tratamento pra controlar a doença, mas quando
vocês casaram e o Marcel confessou que não ia te largar, ela surtou de vez e
passou a te culpar por ele não querer ficar com ela.
— Que doença, Nestor? O que a Laís tinha?
— Tinha não, Lívia, ainda tem. Ela foi estimulada sexualmente desde pequena,
menstruou cedo e teve uma alteração muito enfatizada em seu comportamento
sexual, despertando muito cedo para a vida ativa. A Laís se tornou ninfomaníaca,
e precisava fazer sexo a todo custo, com qualquer homem. Quando ela conheceu
Marcel e se apaixonou, foi a única vez que procurou ajuda profissional,
combateu a doença e conseguiu ficar somente com um homem por um período
considerado longo, para o estado dela.
— Mas ela era só uma menina... — Lívia já estava em prantos.
— É por isso que eu quero muito ir visitá-la, preciso saber com detalhes tudo o
que aconteceu com ela durante todos esses anos em que viveu sozinha, sob o
domínio de Enrico. Me sinto culpado por tudo que a Laís passou e agora que ela
está de volta, acho que não vou ter paz se não souber de tudo. Mesmo que isso
me mate.
Rômulo, me encarou sério com os olhos embaçados e na mesma hora, senti
meu rosto molhado por lágrimas que também deslizavam. Éramos três irmãos
destroçados, quebrados em mil pedaços ao conhecer parte da história de vida da
nossa caçula, de apenas vinte e seis anos que já tinha conhecido de muito perto o
inferno.
— Ela quer nos matar, Nestor, disso eu não tenho dúvida...
— Não sei, preciso conversar com ela. Preciso disso pra continuar vivendo.
Lívia segurou minhas mãos e sorriu docemente. Seus olhos vermelhos, já
inchados denunciavam sua tristeza escancarada.
— Eu te entendo, Nestor, e acho que você deve seguir seu coração, mas eu vi de
perto o ódio que ela sente por mim e não acho que possa ter diminuído. Eu amo
a Laís, mesmo sendo o alvo principal de toda sua ira e amo muito mais você,
mas preciso que saiba que meus filhos e meu marido nada tem a ver com toda
essa história e eu nunca colocarei a vida deles em risco. Se a Laís quiser me
matar, que venha, mas se ela se aproximar deles, eu juro que mato ela antes.
Minha irmã em toda sua calmaria se levantou, beijou Rômulo no rosto e em
seguida me beijou também.
— Deixe-a avisada, Nestor. Eu não estou brincando. Peça pra que fique longe de
mim e da minha família.
Ela saiu e fechou a porta atrás de si. Rômulo ainda ficou em pé me
encarando, mas logo sentou e relaxou na cadeira.
— Eu ainda lembro o dia em que os italianos vieram me matar, Nestor, e se não
fosse pelo Mateus, Manuela também não estaria viva. Faço das palavras de Lívia
as minhas, não quero a Laís perto da minha família e isso não é negociável.
Assenti aliviado em saber que não estava sob julgamento por querer encontrar
Laís, mas sentia uma dor profunda em imaginar que de alguma forma eu poderia
estar cooperando para que ela se aproximasse, mesmo que involuntariamente, da
nossa família.
— Eu não vou deixar ela se aproximar de vocês, eu prometo.
Me despedi dele e saí ainda sem rumo. Segui para o estacionamento e
encontrei Mateus encostado na porta do meu carro.
— O que está fazendo aqui? — perguntei irritado por ser pego em um momento
de fragilidade emocional tão grande.
— Preciso falar com você.
— Seja rápido, estou com pressa.
Ele franziu a testa e assentiu contrariado.
— Mantenha sua irmã longe e investigue esse nome. Acho que ele pode estar
envolvido com ela.
Mateus me entregou um pedaço de papel dobrado e saiu pela rua. Abri e não
acreditei quando li o nome rabiscado nele, mas se meu cunhado tinha me
entregado aquela pista era porque já tinha certeza de que o nosso problema era
muito maior do que nós achávamos que fosse. Laís ainda era uma imã potente
para coisas ruins, e eu a obrigaria a decidir que rumo iria tomar na sua vida, nem
que fosse a última coisa que eu fizesse. Ela merecia uma chance e eu devia
aquilo à ela.
9 - PEÇA-ME O QUE QUISER

Laís Antunes
— Está perdido?
— Estava...
— Não está mais?
— Um pouco, mas disposto a me encontrar.
— E veio aqui pedir minha ajuda?
— Vim ajudar você.
— Me ajudar? E por que acha que eu preciso da sua ajuda?
— Porque eu preciso que me ajude a te ajudar.
— Estamos andando em círculos, Murilo, e não chegaremos a lugar nenhum.
— Podemos tentar, mas vamos precisar de ajuda.
— Não sei se posso te ajudar de alguma forma.
— Estou muito a fim de fazer isso dar certo, Laís, e preciso saber se você
também está.
— Não tenho convicção pra afirmar e nem para negar. É tudo muito novo e
diferente pra mim, complicado também.
— Então me ouça por alguns minutos e se achar que vale a pena tentar, nós
podemos arriscar um pouco mais.
— Fique a vontade, estou te ouvindo.
Sentamos em um banco no jardim florido. A clínica particular era um lugar
bonito, calmo e pertencia à uma psicóloga conhecida no Rio de Janeiro. A
doutora Luiza Ramos dedicava-se aos estudos sobre a depressão e algumas
doenças que levavam as pessoas até ela, acreditava que a cura estava na mente
de cada um e apenas com medicação adequada e individualizada poderíamos
chegar a um bom resultado.
"Nada de fitoterápicos ou alternativos funcionam, Laís, apenas medicação
forte, daquelas que derrubam e te deixam sonolenta grande parte do dia.
Relaxam sua mente, te obrigam a pensar, refletir, enxergar e admitir que precisa
de ajuda para manter a sanidade e a consciência, pra se tornar capaz de levar
uma vida normal, sem exageros ou dependências extras".
Essa foi a explicação mais sincera e convincente que ouvi de um profissional
nos últimos anos e me convenceu a tomar tudo o que Luiza propôs para
iniciarmos meu tratamento.
As visitas eram monitoradas por câmeras de segurança espalhadas por todos
os lugares e cada paciente vivia ali dentro de acordo com as suas condições. Eu
estava bem, me sentia bem, mas não queria me iludir que aquela condição
poderia ser permanente. Minha vida nunca seria um livro escrito com finais
felizes premeditados, talvez nem houvesse um final feliz.
Murilo estava lindo, como sempre, vestia uma calça jeans clara que marcava
sua bunda com rara perfeição, sua camisa preta com gola "V" um pouco colada
deixava seus músculos do peito e braços expostos de maneira cautelosa,
despertando a curiosidade das fêmeas em descobrir o que havia por baixo dela.
Sua barba estava por fazer, espalhada em volta da boca desenhando o contorno
quadrado de seu rosto másculo. Sua sobrancelha preta emoldurava os olhos
azuis, acompanhada por cílios longos e igualmente escuros. Ele parecia
descansado, mas sua expressão ainda carregava o peso de alguma coisa que
poderia se assemelhar à culpa.
Algumas poucas pessoas descansavam sob as árvores, a maioria dos pacientes
eram idosos e considerando a estrutura do lugar ficava evidente que não era
barato manter um familiar impossibilitado naquele lugar. Um doente com baixa
renda nunca teria a oportunidade de ser tratado ali e aquela questão me
incomodava um pouco, até certo ponto. Quanto Murilo estaria gastando por mês
para que eu tivesse aquele conforto todo e até quando ele estaria disposto a
continuar com aquele empenho para que eu me curasse? Era difícil dizer,
tampouco questionar.
Como eu disse, meu incômodo era até certo ponto, já que eu não poderia abrir
mão daquela atitude humana e solidária para chegar ao meu objetivo. Ele era
apenas um degrau de uma longa escada, e mesmo não fazendo parte do plano
inicial, acabou se tornando peça importante para que o sucesso fosse atingido e
ainda me pouparia tempo, esforço e desgaste, caso tudo saísse como nós
queríamos.
— Eu conheci a Keila ainda na faculdade, fizemos o curso de Administração
juntos, tínhamos a mesma idade e nos dávamos bem. No começo era só amizade,
ela saía com um amigo meu e eu saía com uma amiga dela, vivíamos pra cima e
pra baixo grudados, falávamos sobre todos os assuntos e durante alguns meses
fizemos estágio na mesma empresa. Ela era linda, descolada e estava
completamente apaixonada pelo Kaique.
Murilo falava com dor, sua respiração estava acelerada e ele parecia se
esforçar para contar sobre a sua vida. Eu estava me sentindo estranha com aquele
início de desabafo, e por algum motivo não sabia se queria saber detalhes sobre
o seu passado, mas não tinha como pará-lo e a minha curiosidade, ainda era
maior que o meu desconforto.
— Um dia combinamos de sair e acabamos nos encontrando na minha casa, em
cima da hora o Kaique avisou que estava passando mal e não poderia nos
acompanhar. Keila ficou desanimada para sair sem ele, e pediu pra eu deixá-la
na casa do namorado pra fazer uma surpresa. Mirela, a minha acompanhante,
também desistiu da balada o que frustrou meus planos de acabar a noite
transando igual coelho. — ele sorriu tristemente — Eu só pensava em sexo
naquela época, vinte e quatro horas por dia, mas não tinha o que fazer, então
decidi dar uma carona pra Keila e quando chegamos na casa do meu amigo,
encontramos o carro de uma professora na porta da garagem. Na hora eu saquei
o que estava acontecendo e até tentei impedi-la de entrar, mas não consegui, ela
pegou o Kaique comendo a mulher que deveria ser uns dez anos mais velha que
a gente e quase surtou, quebrou vários objetos, gritou, voou em cima da
professora, bateu nela e foi uma grande merda. Fomos parar na delegacia e tudo
se complicou quando o marido da professora chegou e ficou sabendo de tudo.
— Ela era casada?
— Era, mas nenhum de nós sabia, nem mesmo o Kaique. Eles já estavam
trepando há meses e meu amigo só saía com a Keila pra não dar bandeira e
ninguém desconfiar do caso dele com a professora.
— Você não sabia que ele saía com as duas?
— Não, se ele tivesse me contado eu teria ajudado e não deixaria que a Keila
pegasse os dois juntos naquela noite.
— O que aconteceu depois?
— Na delegacia, o marido da professora disse pro delegado que estava tudo bem
e não registraria um boletim de ocorrência porque não queria o nome dele ou da
esposa envolvidos em um escândalo. Acertaram tudo e depois de algumas horas
fomos liberados. O Kaique nem olhava para Keila, toda a atenção dele estava na
Sara, a professora, e no marido dela. Ele parecia hipnotizado pelo casal e depois
que eu deixei todo mundo em casa, fui parar em uma casa de swing com outros
amigos da faculdade.
— Você numa casa de swing? Difícil de acreditar...
Uma onda enciumada arrastou meu bom humor para muito longe, e só então
percebi que minha mente fabricava imagens de Murilo fodendo algumas
mulheres em uma cama coberta com lençóis vermelhos. Elas estavam em cima
dele e enquanto uma cavalgava no seu pau delicioso a outra sentava com a
boceta em sua cara, esfregava e rebolava desesperada. Apertei os olhos com toda
força disponível, afastei rapidamente aquelas merdas da minha cabeça e me
concentrei apenas em ouvir o restante da confissão. Sentir ciúme do bombeiro
era tudo o que eu não precisava naquele momento.
— Eu era um cara adepto à tudo que me desse prazer, Laís. Sempre tive a mente
aberta para o sexo e nunca escondi de ninguém o fato de gostar de uma orgia de
vez em quando. Eu era solteiro, livre e desimpedido, que mal havia?
— Mal nenhum, só estou falando que você não tem cara de ser desse jeito. Só
isso.
Ele sorriu de um jeito que me fez derreter.
— Acho que você está sentindo exatamente o que eu senti quando me contou
sobre os seus parceiros sexuais.
— Não fala merda, — revirei os olhos e ele sorriu ainda mais — e termina logo
de contar.
Seu sorriso se desfez e Murilo prosseguiu:
— Fiquei na putaria até o dia seguinte, e quando cheguei em casa, minha mãe
"tava" igual uma louca, chorando muito. Perguntei o que tinha acontecido e ela
apontou pra televisão ligada sem volume. As câmeras filmavam a entrada de um
prédio, tinham muitas viaturas e policiais por toda a rua, perguntei pra ela o que
tinha acontecido e foi então que ela me contou tudo. O Kaique tinha ido até a
casa da Sara e do marido dela, pegou uma arma, matou os dois e depois se
matou. Foi uma tragédia e a Keila passou a se culpar por tudo aquilo, ela achava
que se não tivesse agido daquela forma, eles não teriam ido parar na delegacia e
o marido da Sara não teria descoberto sobre o caso da esposa, enfim, nós
acabamos nos aproximando ainda mais depois de tudo o que tinha acontecido e
começamos a transar. Ela parecia bem, dizia que tinha se apaixonado por mim e
queria ficar comigo. Keila largou a faculdade e começou a trabalhar junto com a
minha mãe, no Buffet. Eu me formei e entrei para o Corpo de Bombeiros, que
era o meu sonho, nos casamos e éramos felizes, quero dizer, eu achei que
éramos.
Ele encostou no banco e jogou a cabeça para trás. Havia tanta tristeza e culpa
impregnadas nele que a minha vontade era de colocar ele no meu colo e consolá-
lo.
— Ficamos juntos por dez anos, e eu nunca percebi que ela estava doente,
nunca. Eu só descobri quando recebi um telefonema de uma vizinha nossa,
avisando que a Keila tinha sofrido um acidente em casa e eu precisava voltar
imediatamente. Quando cheguei e vi a viatura na porta eu soube na hora que era
alguma coisa muito séria. Ela tinha pegado a minha arma que eu guardava no
cofre e deu um tiro na boca.
— Ela se matou? — minha voz saiu fraca e de repente eu entendi tudo.
— Se matou e matou nosso filho. — seus olhos estavam vermelhos quando ele
voltou a me encarar — ela tinha descoberto que estava grávida de dez semanas.
— Como você descobriu?
— Ela teve a coragem de me deixar uma carta dizendo que nunca tinha me
amado, apenas me usou pra esquecer tudo o que tinha acontecido com o Kaique
e quando descobriu que ia ter um filho meu, decidiu que não era justo com ela e
com o amor que ainda sentia pelo ex namorado.
— Filha da puta! — xinguei, e logo a culpa me tomou.
Eu não era diferente de Keila, e provavelmente fosse muito pior do que ela.
— Eu nunca percebi nada, Laís, nada! Ela escondeu durante dez malditos anos
que ainda amava o cara e só ficou comigo pra amenizar a porra da dor dela. ELA
MATOU O MEU FILHO!
Abracei Murilo que não recusou o carinho e logo que nossos corpos se
colaram o calor cresceu como larva de vulcão. Duas almas fodidas se
encontrando em meio à névoa, em busca de alguma coisa que pudesse amenizar
os danos e estragos.
— Eu nunca mais desejei ninguém, Laís, e agora eu tô aqui, doido pra ter você.
O beijo foi de enlouquecer qualquer mulher, Murilo me tomou com fúria. Sua
língua macia explorava minha boca entorpecendo, drogando.
— Eu preciso saber, Laís... o que você quer de mim, garota?
Eu queria que ele não parasse o que estava fazendo, queria que ele me
tomasse para ele, fizesse o que bem entendesse com meu corpo e me explicasse
o que eu estava sentindo por ele, porque eu mesma, não conseguia entender.
— Só quero você... pra mim...
Ele ficou em pé e me arrastou, literalmente, até meu quarto. Passamos por
uma enfermeira que sorriu ao vê-lo e a minha vontade era de dar um belo tapa na
cara dela, só para deixar de ser uma cadela oferecida.
— Posso te pedir uma coisa? — perguntei quando paramos na porta.
— Qualquer coisa.
— Fica comigo essa noite?
Ele sorriu de lado e girou a maçaneta.
— Sou todo seu, garota. Pode fazer o que você quiser.
Entramos e deixamos para fora do quarto tudo que pudesse atrapalhar a nossa
noite. Às dez horas, havia o toque de recolher e todas as portas eram trancadas
para serem abertas apenas no dia seguinte. Meu quarto era o único ocupado
naquele corredor, tudo estrategicamente pensado para que não tivéssemos
problemas, caso alguma coisa não desse certo. Jonathan fatalmente estava
acompanhando tudo e saberia conduzir as coisas do outro lado e para mim, havia
ficado apenas a missão de seduzir o bombeiro, trazê-lo para o meu lado e
conseguir sua ajuda na aproximação de Nestor. Simples, certo?
Minha vida poderia ser classificada como muitas coisas, mas simples
definitivamente, não.
— Hoje eu contei tudo o que você precisava saber sobre a minha vida, Laís, mas
amanhã, eu quero saber tudo sobre a sua.
— Um passo de cada vez, tenente. Um passo de cada vez...
Murilo arrancou minha roupa, me deitou sobre o colchão e fez tudo o que eu
pedi, a noite toda. O estrago não era apenas grande, já havia se tornado
irreparável, mas eu deixaria para pensar à respeito apenas no dia seguinte.
10 – BATES MOTEL

Laís Antunes
— Que horas são?
Murilo perguntou quando se mexeu na cama e percebeu que eu já estava de
pé. Coloquei café puro na xícara e levei até ele.
— Perto das oito, acabaram de destrancar a porta e deixaram o café no carrinho.
— É sempre assim? Não sabia que você tinha essa mordomia.
— E não tenho, só nos finais de semana. Você está de folga?
— Não, de férias prolongadas.
— Vai ficar comigo mais tempo? — me sentia uma menina ansiosa que mal
conseguia se conter de excitação.
— Se você quiser, podemos sair um pouco e fazer alguma coisa na rua, o que
acha?
Meus olhos se arregalaram. Sair da clínica era uma das poucas coisas que me
amedrontavam naquele momento. Eu conhecia o Rio e era muito conhecida
também, me expor com Murilo talvez não fosse uma boa opção.
— Não me sinto preparada para sair daqui, tenho medo e insegurança.
Ele pegou a xícara da minha mão, depositou em cima do criado-mudo e me
abraçou.
— Não precisa ficar assim, a gente fica aqui e você pode começar a me contar a
sua história enquanto eu tomo café, o que acha?
Puta merda! A segunda opção não era melhor do que a primeira, mas eu
poderia calcular os riscos das minhas revelações de acordo com as reações dele.
— Não sei se você está preparado para ouvir, Murilo.
Ele me puxou para o seu colo e sentou na cama.
— Talvez eu nunca esteja, mas prometo que não vou agir como da última vez e
vou deixar que me conte apenas o que quiser. Mas preciso saber, Laís, você
despertou em mim sentimentos que estavam há muito tempo arquivados e agora
eu só penso que podemos fazer isso dar certo.
— O que você quer saber, exatamente?
— Como tudo começou, quero dizer, ninguém vira uma ninfomaníaca do dia
para a noite. O que aconteceu? Quem fez isso com você?
— Foram muitas coisas ao mesmo tempo, mas vou tentar resumir.
Fiquei em pé, respirei fundo e tentei não me abalar como sempre acontecia
quando lembrava tudo o que havia acontecido naquela casa, que mais parecia um
cômodo do inferno, particular e reservado na terra.
— Quando eu nasci, meus irmãos já eram grandinhos, a Lívia que era a mais
nova tinha oito anos, o Rômulo dez e o Nestor doze. Eles sempre foram muito
unidos e viviam juntos. Nestor sempre foi o mais reservado e o mais cobrado
pelo juiz. Rômulo era o famoso "porra louca", lindo, simpático, sorridente e
brincalhão e a Lívia era a "menininha perfeitinha", a típica loirinha de olhos
verdes, boazinha, educadinha e que todo mundo adorava. A mulher que me pôs
no mundo era falsa, mentirosa e quando ninguém estava por perto, vivia me
maltratando. Desde pequena ela deixou claro que não tinha planejado ter o
quarto filho e que o corpo dela nunca mais seria o mesmo, por minha culpa, ao
contrário do juiz que me tratava como uma princesa e fazia questão de ficar
comigo sempre que podia. Até o meu aniversário de seis anos, apesar da mulher
que me deu a vida me tratar com maldade, eu era feliz naquela casa e meus
irmãos pareciam me amar, mas as coisas começaram a mudar, quando o juiz
decidiu que eu deveria ser "especial".
O maxilar de Murilo estava trincado, ele segurava a xícara com uma força
desproporcional que deixava a ponta dos seus dedos esbranquiçados. Minha voz
começava a falhar e a tentativa de me manter inabalável, começava a falhar
miseravelmente.
— Enrico passou a me levar para o seu escritório todas as noite, depois do jantar
em família, alegando que eu gostava de mexer em seus papeis e fazer desenhos.
Sempre que fechava a porta, ele me sentava em seu colo, colocava alguns
desenhos para serem pintados e sussurrando em meu ouvido palavras
tranquilizantes, tocava meu corpo e beijava meu pescoço. No começo eu
questionava aquelas atitudes de maneira infantil, não entendia por que ele me
proibia de contar sobre aquilo para os meus irmãos e perguntava por que a Lívia
também não podia ganhar aquele carinho todo. Ele dizia que eu era a sua
"menininha" e todo seu amor era meu, de mais ninguém. Os toques foram
ficando mais abusados e seus dedos passaram a mexer em minha intimidade, sua
língua passou a ficar mais atrevida e ele me ensinou como se beijava a boca de
um homem, para em seguida me dizer como eu deveria acariciá-lo intimamente.
Ninguém percebeu nada, ou se perceberam, fingiram não notar a mudança
evidente no meu comportamento, mas ele era o meu pai e se ele me tratava
daquele jeito, qual o problema, certo?
Meus olhos já estavam vermelhos, e Murilo não me encarava mais. Ele
olhava para baixo, abrindo e fechando as mãos como fazemos quando
precisamos realizar exames de sangue.
— Todos os dias durante anos ele me tocava intimamente, eram carícias, beijos e
invasões de até dois dedos em mim, até que meu comportamento afetou meus
estudos e eles foram chamados na escola para descobrirem que meu ano letivo
estava perdido, porque eu apresentava déficit de atenção intenso e não ficava
mais do que dez minutos dentro da sala para assistir as aulas. Ele me deixou em
paz, mas meu corpo já estava habituado as carícias e acabei substituindo os
estímulos que o juiz havia iniciado, por sexo. Com menos de catorze anos eu
transei a primeira vez com um menino, e depois dele, não parei mais. Meu corpo
pedia por sexo, várias vezes por dia, todos os dias, e os meninos da escola já não
eram mais o suficiente, eu queria coisas mais intensas e foi quando eu descobri o
segredo mais sujo do monstro que acabou com a minha vida.
Murilo me encarou com olhos frios, seu semblante era de ódio puro revestido
por uma máscara de nojo.
— Tem coisa pior?
Assenti.
— Ele é homossexual, e contratou um motorista particular pra fode-lo na
surdina, dentro da sua própria casa, bem debaixo do nariz da esposa que tinha
absoluta certeza que ele tinha uma amante na rua.
— Meu Deus! E como você descobriu, Laís?
— Porque o motorista também transava comigo e em uma noite, Enrico pegou a
gente na garagem. Quando eu achei que ele surtaria, o desgraçado quis participar
e depois de anos sem encostar um dedo em mim, me ameaçou se não fizesse o
que queria. Depois dessa noite, ele começou a me usar em suas orgias odiosas, e
enquanto era fodido por um dos seus machos se aproveitava de mim. Me usou
até a última gota pra fazer alianças e acordos com criminosos da pior espécie,
inclusive dentro da cadeia.
— Me fala a verdade, você transou com o seu pai?
— Ele nunca me penetrou com o pau, mas me masturbou com os dedos e me
chupava também.
— Desgraçado! — ficou em pé e jogou a jarra de suco que estava no carrinho
contra a parede me assustando — Filho da puta! Eu quero matar esse cara com
as minhas próprias mãos!
Tentei me aproximar.
— Calma, Murilo, por favor...
— Calma? Como você pode me pedir pra ter calma, porra! Olha todo o mal que
esse infeliz fez pra você, a própria filha! Não me pede pra ter calma, Laís!
— Você quis ouvir, Murilo! Eu avisei que não era coisa boa, eu te falei!
— Por que não pediu ajuda pros seus irmãos? Pra polícia? Pra alguém, caralho?
— Porque eles não são meus irmãos!
Mais uma vez, eu o surpreendi.
— O que?
— Rômulo e Lívia são filhos do amante da minha mãe, só o Nestor é meu irmão
de pai e mãe.
Murilo estava suado, vermelho e raivoso. Eu sabia que ele me culpava e eu
também me culpei por muito tempo, mas depois de tudo que passei nas mãos
daquele homem, tudo o que sobreviveu dentro de mim foi a sede por vingança.
— Jesus! Eu queria muito que você agora me dissesse que tudo o que ouvi é
mentira sua e que não passou de invenção dessa sua cabeça perturbada.
Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto ao ouvir aquelas palavras tão
sinceras saindo da sua boca. Era um resumo tão simples e tão verdadeiro, que me
chocou na mesma proporção que acabou comigo. Murilo estava coberto de
razão, eu era uma mulher perturbada, nada além daquilo.
— Eu sou perturbada, sim, mas não estou mentindo. Por favor, vá embora!
— Laís...
— Apenas saia, eu preciso ficar sozinha.
— Eu sinto muito, eu não queria falar desse jeito com você.
— Não precisa se desculpar, Murilo, eu já ouvi coisas muito piores, pode
acreditar.
— Me desculpe, é que essa história toda mexe muito comigo de uma forma que
eu não consigo me controlar.
— Está desculpado. Agora saia.
— Eu não quero te deixar sozinha...
Sorri e abri a porta, lhe oferecendo passagem.
— Entenda que ter companhia, pra mim é muito mais estranho.
— Eu vou sair, mas vou voltar.
Não me esforcei para falar nada, apenas esperei que passasse e fechei a porta
em seguida. Engoli o choro, sequei minhas lágrimas e me recompus. Murilo não
iria me desestabilizar novamente, mesmo acabando com todas as minhas
esperanças de um dia em um futuro distante, poder ser feliz como uma mulher
normal.

Murilo Castelli
Saí sem rumo da clínica, minha cabeça doía e meu sangue estava fervendo
nas veias. Raiva, ódio, ranço. Aquele velho desgraçado não poderia ser
comparado a pior espécie de animal irracional. Maldito, filho da puta!
Peguei o celular e entrei no google para saber onde eu poderia encontrar o
irmão de Laís, Nestor Antunes. Estava disposto a encontrá-lo e lhe contar toda
aquela história sórdida, ele teria que tomar providências ou eu mesmo faria, mas
do meu jeito.
Entrei no carro e depois de conferir o endereço do gabinete onde ele
trabalhava, segui pelas ruas do Rio de Janeiro. No meio do caminho, lembrei que
era sábado e o promotor não estaria trabalhando, então, segui até a delegacia
onde Mateus Trivisan poderia estar.
Se eu não conseguisse falar com um, falaria com outro, de qualquer forma. O
que eu não podia mais fazer era me omitir diante daquela situação, daquele
assunto que tanto me incomodava. Não apenas pelo fato do filho da puta ter
abusado da filha de várias formas imundas, mas pelo fato de todos na família se
omitirem àquilo.
Laís havia crescido sob a forte influência daquele homem inescrupuloso e
alguém teria que dar um jeito de puni-lo severamente, claro, a cadeia não era e
nunca seria o suficiente para que ele aprendesse a lição.
Parei o carro na frente da delegacia, e antes de seguir para a entrada principal,
ouvi meu nome ser chamado:
— Tenente Castelli? Aconteceu alguma coisa, pra vir até aqui me procurar?
Olhei para trás e pude ver Mateus acompanhado de um homem ruivo, muito
parecido com Laís.
— Na verdade, eu estava procurando por ele.— apontei para o ruivo — Nestor
Antunes?
Ele franziu a testa e me encarou oferecendo sua para me cumprimentar.
— Aconteceu alguma com a Laís?
Inspirei fundo e não me preocupei com a presença do ex traficante.
— Aconteceram muitas coisas com a sua irmã, Nestor, mas eu preciso saber o
que vocês sabem sobre todos os anos que seu pai a molestou, sexualmente e
psicologicamente?
— Ela te contou?
Mateus cruzou os braços à frente do corpo, e Nestor manteve-se
aparentemente calmo.
— Depois de quase cinco meses, pela primeira vez ela concordou em falar sobre
a doença dela e agora hà pouco, praticamente exigi que me contasse tudo.
— Tem certeza que ela contou tudo? — Mateus indagou e Nestor apenas esperou
que eu respondesse.
— Acredito que sim, duvido que tenha mais alguma coisa naquela história toda.
— Vamos ver... — Mateus olhou para o cunhado que assentiu — Laís te falou
que foi amante do cunhado por mais de dois anos e fez de tudo pra que ele
largasse a esposa? Ela te falou que armou com o pai, para que a irmã fosse
sequestrada e morta? Que estava por trás das lutas clandestinas e armou para o
irmão e a cunhada serem assassinados por uma família mafiosa italiana? Que foi
cúmplice da mulher que queria acabar com a vida do Nestor e viu a atual esposa
dele ser estuprada pelo homem que ela fodia?
Eu não respondi, apenas me peguei desejando que aquela brincadeira de mal
gosto acabasse logo, e eles começassem a rir da minha cara.
— Pois é, tenente, acho que você precisa entrar um pouco e tomar uma xícara de
café, ou quem sabe uma dose de whisky...
Eles entraram na delegacia e depois de alguns segundos, ainda em estado de
transe, os segui.
11 – CRIMINAL MINDS
Murilo Castelli
Entrei na delegacia que estava calma àquela hora da manhã, segui Mateus e
Nestor até a sala onde entramos e os dois ficaram me encarando esperando que
eu falasse alguma coisa.
— Preciso saber de tudo o que aconteceu, desde o começo, sem mentiras.
Nestor pegou um copo de café e me ofereceu, sentou em uma cadeira e
indicou a outra para que eu sentasse. Mateus se acomodou atrás de uma mesa
grande de madeira e foi o promotor quem começou a falar.
— Você está certo quando nos acusou de termos sido omissos com a Laís e
desde a minha conversa com minha mãe antes dela morrer, esse assunto está
acabando comigo, tenente. Me sinto culpado e não pense que minha irmã caçula
foi a única pessoa da minha família que sofreu por causa do homem que me
chama de filho. Enrico Antunes conseguiu desgraçar a vida de todos os que
viveram e conviveram com ele naquela casa, sem exceção. Minha mãe talvez
tenha sido a maior cúmplice dele, mas involuntariamente, acredito eu. Ela
também tinha seus fantasmas, o que não justifica ter fingido que não sabia o que
acontecia bem debaixo do seu nariz, mas entenda, ela vivia tão presa a ele como
todos nós.
— Seu pai molestou a Laís desde os seis anos, Nestor, não acho que isso tenha
sido tão invisível aos olhos de todos. Alguém deve ter visto, percebido, ou será
que a mudança drástica no comportamento de uma menina até então, normal, foi
uma coisa comum de acontecer?
— Nós éramos crianças também e quem deveria protegê-la, não o fez. Quando a
Laís começou a dar problemas na escola, a única coisa que ouvíamos nossos pais
falarem era que a caçula era mimada por ter de tudo, e pra nós era uma resposta
convincente. A gente só foi se dar conta dos problemas da Laís quando a Lívia
pegou o marido transando com a irmã caçula e descobrimos que eles mantinham
um caso de anos. Não pense que foi fácil, porque não foi, o Marcel foi
assassinado por um traficante perigoso que queria acabar com a vida da Lívia, a
mando da Laís e do meu pai. Eles armaram o sequestro dela no morro do Teteu e
depois de fracassarem ainda tentaram matá-la mais duas vezes.
— Então é verdade...
— É, infelizmente. Depois que o traficante foi morto, a Laís ficou desaparecida
por semanas e foi encontrada em um barraco quase sem vida, depois de ter sido
estuprada e agredida por vários homens. Minha mãe tentou interná-la
novamente, mas ela conseguiu fugir com a ajuda de Enrico. Pra ele não era
vantagem te-la trancafiada em uma clínica, a única vez que Laís tentou se tratar
foi quando acreditou que o ex marido da Lívia gostava dela e ia largar a esposa
para assumi-la, fora isso, ela fugiu todas as outras vezes, e não foram poucas.
Acredite.
— Por que ela tem tanta raiva da irmã?
— Essa é uma pergunta que eu me faço todos os dias tenente... — a voz doce e
feminina atrás de mim ecoou na sala, chamando nossa atenção — Eu espero por
essa resposta desde o dia em que ela pediu pro Mauricio me matar. Muito prazer,
Lívia.
A loira de olhos verdes incríveis me ofereceu sua mão para cumprimentá-la,
retribuí o gesto e me perguntei se haveria alguma pessoa feia naquela família.
Logo atrás dela, um homem igualmente bonito e praticamente uma cópia da loira
deslumbrante que sorriu lindamente para o agente.
— Então você é a irmã? — Lívia se aproximou de Mateus e beijou sua boca
rapidamente.
— Sim, sou eu. E você é o bombeiro que salvou a Laís?
Mateus abraçou sua esposa com uma carranca enciumada, nitidamente
incomodado pelo modo carinhoso e simpático que ela estava me tratando. Eu o
entendia bem, além de admirar seu gesto que indicava o quanto ele a amava e
protegia.
— O próprio.
— Rômulo. — o loiro de olhos verdes imitou o gesto da irmã e ofereceu sua
mão para o cumprimento — Como a Laís está?
— Nada bem. — confessei — Mas a culpa também é minha, eu não devia ter
perdido a cabeça quando ela me contou tudo o que aconteceu com ela desde que
seu pai a levava pro escritório com o único propósito de molestá-la. Acabei me
descontrolando e falei merda.
— Ela contou tudo pra você? — Lívia perguntou.
— Não, mas acho que se eu tivesse suportado ouvir, ela acabaria falando. Por
isso eu decidi procurar o Nestor, Laís me contou que ele é filho de Enrico e pelo
que senti, também é o único por quem ela tem carinho. Preciso entender como
funciona a cabeça dela pra ajudá-la.
— Quando estávamos no barraco na noite em que Marcel foi morto, Laís me
acusou de não amar meu marido e de ter tirado dela o único homem que ela
amou. Talvez seja esse o motivo de tanto ódio, mas não justifica, porque eu era a
esposa e ela a amante.
Saber que Laís havia amado outro homem me deixou desconfortável. Eu não
achei que o caso com o marido da irmã tivesse sido tão importante para ela e o
ciúme deu as caras. Saber sobre a vida da mulher que estava internada sem a sua
presença, talvez não fosse uma coisa legal, mas de certa forma, conhecer seus
irmãos poderia me ajudar a descobrir uma forma de ajudá-la e quem sabe,
aproximar os quatro.
Mateus se mantinha em silêncio, prestava atenção e absorvia todas as
informações. Sua esposa parecia entristecida ao falar da irmã, assim como
Nestor. Havia cumplicidade entre eles, como deveria ser em todas as famílias.
Rômulo sentou ao lado do promotor e os dois trocaram olhares questionadores,
numa conversa silenciosa e particular. Encarei os irmãos e perguntei:
— Vocês também acham que o tal de Marcel é o motivo do ódio da Laís?
— Talvez, mas com certeza não é o único. A Laís por diversas vezes nos culpou
por tudo que meu pai fez pra ela e deixou claro que iria se vingar de todos nós.
— Nestor olhou para o cunhado e voltou a me encarar — Mateus não acredita
que a Laís tenha desistido da vingança e está armando alguma coisa pra gente.
— Isso não. A Laís está presa naquela clínica há meses, não vê e não fala com
ninguém além de mim. Eu não a conheci antes, mas posso afirmar que a mulher
tem vários problemas psicológicos que foram adquiridos depois dos abusos que
sofreu, mas ela é uma mulher incrível.
— Você gosta dela! — Lívia constatou, sorrindo.
— Gosto. Muito. — sorri de volta — Ontem eu a procurei e contei tudo sobre o
meu passado, que também não foi fácil e combinamos dela me contar sobre o
dela. Eu já sabia sobre o vício em sexo, mas não sabia o que tinha acontecido pra
ela ficar daquele jeito, por isso pedi que me contasse tudo e no fim, não aguentei
ouvir.
— Ela está sendo medicada? — Rômulo perguntou curioso e desconfiado.
— Todos os dias. A médica que cuida da Laís é muito competente e se interessou
pelo caso dela, disse que quando se é jovem as medicações podem ser suficientes
para que ela consiga melhorar e voltar a conviver em sociedade.
— Nós precisamos protegê-la do meu pai.
A observação de Nestor fez meu coração acelerar.
— Você acha que ele pode ir atrás dela?
— Ele já está atrás dela, e não sei como não descobriu ainda.
— O que ele quer com ela?
Eu já podia sentir a raiva começar a me dominar, aquele velho desgraçado iria
morrer se tentasse se aproximar de Laís. Nestor jogou o copo de café no lixo e
me encarou.
— Ele mantém uma relação doentia com ela e está desesperado sem ter notícias.
Eu sei que uma hora eles irão se encontrar e minha irmã só vai conseguir se
livrar dele, se estiver curada. Caso contrário, ele vai conseguir manipular ela de
novo e corremos um sério risco de perdê-la de vez.
— Eu não vou deixar ele se aproximar dela.
— Acho que você não sabe de quem estamos falando, tenente.
— Sei sim, estamos falando de um homem covarde, mentiroso e totalmente
desequilibrado e pode apostar, Nestor, se ele tentar fazer mal à ela, eu mesmo
acabo com ele.
Eles se entreolharam e pude notar uma pontada de orgulho dos irmãos, talvez
por saberem que Laís tinha alguém que cuidaria dela e a protegeria, porque era
daquele jeito que eu me sentia. Desde que a vi sentada naquele prédio disposta a
se matar, eu desejei me aproximar dela e ali, naquela sala, conversando com
aquelas quatro pessoas me senti ainda mais envolvido e próximo à ela.
Eram seus irmãos, pessoas boas que se preocupavam com ela e a amavam,
mas que por culpa de seu pai, foram obrigados a se afastarem, ou somente
induzidos a seguirem em frente confiando que estava tudo bem. Eram apenas
crianças quando tudo começou, não tinham noção do que estava acontecendo
com a irmã caçula. Qual filho não confia no pai?
— Como não sou irmão dela, eu posso te falar, Murilo. — Mateus reforçou sua
opinião, e mesmo não gostando do seu tom eu o entendia perfeitamente —
Enrico Antunes é um dos homens mais podres que eu já conheci e não vai sair
tão cedo daquele presídio, mas a Laís não voltou agora pra se redimir de seus
pecados, ela está de volta pra se vingar dos irmãos e não se iluda, aquele
rostinho de anjo não tem nada a ver com a mulher por trás dele. Ela está
armando e provavelmente vai se arrepender no final, mas enquanto ela não ver
Nestor, Rômulo e principalmente a Lívia destruídos, aquela mulher não vai
sossegar.
— Eu não vou deixar que ela prejudique a própria vida, eu entendo a sua
preocupação, Mateus, mas a Laís está sendo tratada, medicada e foi exatamente
por isso que eu vim procurar o Nestor, acho que está na hora dele ir visitar a
irmã. — encarei o promotor que parecia pensativo — Ela merece uma chance de
mostrar que está arrependida.
— Ela não vai parar até conseguir o que quer! — Mateus insistiu.
— Você conhece a Laís muito melhor do que eu, e por tudo que ouvi aqui,
duvido muito que ela fosse capaz de ficar quase cinco meses sem sair de uma
clínica, lúcida e coerente. Quantas vezes vocês conversaram com ela na fase
adulta sem que estivessem se desentendendo?
Os irmãos pareciam ponderar, mas o agente estava irredutível em sua opinião.
— Esse é um dos pontos que mais me preocupa.
— Como assim? — foi Rômulo quem perguntou.
— Dessa vez, ela está muito mais focada, determinada em ir até o fim.
Levantei e dei um sorriso irônico, Mateus poderia ser um ótimo agente, mas
não conseguia separar o joio do trigo. Sua cunhada estava mudada e eu faria
questão de provar isso para ele e no fim, o ex traficante teria que pedir desculpas
para Laís por tudo que falou.
— Laís é uma mulher inteligente, Mateus. Ela nunca estragaria a vida dela por
causa de uma vingança que não vai levá-la a lugar algum. Eu dou a minha
palavra que cuidarei dela.
Ele apenas estreitou os olhos e franziu a testa.
— Ela não está sozinha nessa, Murilo, e eles virão com artilharia pesada. Eu
ainda não sei o que os parceiros dela querem, mas com certeza, não é pouca
coisa. Laís é uma mulher inteligente, muito mais do que você supõe, por isso eu
vou te dar apenas um conselho, meu amigo: Não se preocupe com ela, e sim com
você. Não se apaixone, porque você vai se arrepender profundamente, Laís
Antunes não é capaz de amar ninguém.
— Ela amou o Marcel.
— E olha o que aconteceu com ele.
Respirei fundo irritado. Onde esse cara queria chegar? Por que ele não
cuidava da vida dele e deixava Laís em paz?
— Pelo jeito o seu problema com a sua cunhada é bem mais sério do que eu
imaginava, agente. Eu só espero que saiba resolve-lo da melhor forma possível.
Segui para a porta, mas fui impedido pela voz de Mateus.
— Eu vou resolver, Murilo, e vai ser muito mais cedo do que você imagina...
Saí sentindo muitas coisas, mas principalmente uma vontade muito grande de
arrebentar a cara daquele babaca que se achava o fodão.
— Murilo!
Olhei para trás e vi Nestor se aproximar.
— Seu cunhado é um pé no saco, Nestor!
— Ele é o melhor amigo e agente que você vai conhecer, acredite em mim.
— Eu quero distância desse imbecil!
— Confie em mim, não é uma boa opção ter o Mateus como seu inimigo.
— Só porque ele não gosta da Laís, não significa que ela não irá mudar.
— Todos nós temos motivos de sobra pra não confiar nela, Murilo. Você ouviu
muitas coisas, mas não sabe de tudo. Então, se você quer mesmo que minha
família perdoe e aceite Laís de volta, vai ter que me ajudar a provar que estão
errados, e que ela realmente mudou.
— Você acredita nela?
— Não, mas acho que você tem razão quando diz que ela merece uma chance e
eu estou disposto a dar.
Sorri como há tempos não sorria e ofereci minha mão para que ele
cumprimentasse. Era um gesto simples, mas que significava um pacto sendo
firmado.
— Obrigado, Nestor. Tenho certeza que com o seu apoio a Laís vai sair da
clínica completamente recuperada e poderá recomeçar a vida dela ao lado da
família.
— E ao seu lado também, não?
— Sim. Ao meu lado também...
Conversamos e combinamos de marcar um dia para que ele fosse visitá-la. Eu
estava tão contente que não consegui esperar e decidi voltar para a clínica pra
dar a notícia pessoalmente à Laís. Pena que minha alegria durou pouco.
Depois de quase atropelar um cadeirante que deixava a clínica conduzido por
um homem que aparentava ser seu segurança, cheguei ansioso até a porta do
quarto dela que estava apenas encostada, e encontrei minha garota desacordada
no chão, toda machucada, nua e com suas mãos e pernas amarradas em posição
de submissão.
Reconheci na hora a postura usada por dominadores em sessões de sexo de
praticantes BDSM. Porra! Alguém queria dar um recado e eu precisaria de ajuda
para descobrir qual era. Mesmo não gostando nem um pouco da ideia, me
obriguei a chamar a única pessoa que eu considerava ser capaz de descobrir.
12 – AMOS E MASMORRAS

Laís Antunes
Jonathan entrou no quarto logo depois que Murilo saiu. Estava arrumado, e
parecia ter acabado de tomar banho.
— Ele volta hoje?
Perguntou recolhendo os cacos da jarra estilhaçada no chão.
— Acho que não.
— Ótimo. O chefe está chegando, quer ver você.
— O que?
Levantei num pulo. Eu não queria encontrar com ele tão cedo.
— Na minha humilde opinião, ele está com ciúme, Laís, e quer ver de perto se
você ainda continua a mesma.
— Porra! Preciso de um banho.
— Você tem dez minutos até ele chegar, vou dar um jeito nessa bagunça aqui.
Entrei no banho e tentei me acalmar, perder o controle só iria piorar a minha
situação. Eu já tinha conhecido pessoas loucas, piradas, mas nenhuma chegava
aos pés daquele homem. Até mesmo eu, com toda minha obsessão por vingança
ainda não fazia frente à insanidade dele.
— Ele chegou.
Jonathan falou olhando para o meu corpo nu, após o banho. Não fiz questão
de esconder minha intimidade, no fundo, até gostava da forma que ainda
despertava a atenção de um homem.
— Gosta do que vê?
Me aproximei dele e passei a língua pelo seu queixo.
— Acho que não devia fazer isso com ele tão próximo, minha ereção não irá
agradar em nada o meu chefe.
— Ainda bem que eu não fico de pau duro, não é mesmo?
Passei a mão por cima da calça jeans e senti toda a sua extensão. Não era
enorme como Murilo, mas daria pro gasto em uma noite solitária.
— Sei bem o que quer, Laís, portanto, não me tente. Eu também tenho um lado
sádico que adora amarrar e deixar uma mulher submissa quando quero.
— Bom saber disso, assim quando quiser um pouco de diversão já sei a quem
recorrer durante a madrugada.
— Faça isso e não irá se arrepender.
Ele colou nossas bocas num beijo duro. Seu dedo me penetrou com facilidade
e um gemido rouco escapou de sua garganta.
— Gostosa... eu adoro uma puta!
— Eu adoro ser uma puta!
— E o seu bombeiro?
Me afastei rapidamente ao ouvir aquilo.
— Se a intenção era acabar com o meu tesão, conseguiu.
— Você gosta dele!
— Claro que gosto, o pau dele é duas vezes o tamanho seu.
— Gosta muito, aliás.
— Cala a boca e termina de limpar a bagunça.
Jonathan recolheu os últimos cacos de vidro do chão e saiu do quarto sem
falar nada. Deitei na cama me preparando para receber o homem que havia
bancado todo o saldo negativo que a morte de Clara deixou como herança. Nos
últimos dois anos, foi ele quem me ajudou e concordou em tomar a frente na
missão de acabar com os sobreviventes da família Antunes e pela primeira vez,
eu estava com medo. Medo de não sobreviver também.
Vesti um short curto e uma blusinha sem sutiã, sentei na cama e aguardei.
Não demorou muito para a porta ser aberta por um negro alto, vestido em um
terno impecável e muito quente para uma manhã ensolarada, ele empurrava uma
cadeira de rodas e sentada nela, o homem que me fazia sentir calafrios, não de
uma forma boa e prazerosa, e sim de aflição.
— Estarei lá fora, senhor. Se precisar de alguma coisa é só chamar.
O negro saiu e fechou a porta atrás de si, nos deixando a sós. O homem que
vestia uma camisa de flanela quadriculada em tom caramelo, tinha o cabelo
preto bagunçado, usava óculos fundo de garrafa que impedia a nítida visão de
seus olhos pretos, seus braços pareciam tortos se olhássemos sem prestar muita
atenção em sua belíssima atuação de deficiente, sua calça cargo estilo exército
parecia larga e sua bota preta completava o visual diferente do que eu estava
acostumada a ver. Normalmente eram sapatos pretos engraxados e impecáveis.
— Vejo que continua impressionando... — minha garganta estava seca e meu
coração batia acelerado.
Ele se remexeu na cadeira e lentamente retirou o óculos, seu sorriso arrogante
brotou em seu rosto de maneira simulada.
— É muito engraçado a maneira que todos reagem a um cadeirante fodido.
Ele se levantou e esticou os braços e pernas, como se fizesse um exercício
para alongar seus músculos. Seu corpo era muito forte e mal cabia na cadeira
estreita, o que facilitava a encenação.
— Acho que assim você atinge bem o seu objetivo de fazer todos sentirem pena,
não é mesmo?
— As pessoas se sentem solidárias quando vêem um cara novo preso à uma
deficiência, Laís e não se preocupam com ele, apenas o desprezam.
Depositou os óculos em cima da mesa e me encarou.
— Você está ainda mais linda, minha pequena.
Sorri sem deixar transparecer o quanto eu odiava aquele apelido.
— Estou medicada, acho que é uma grande vantagem.
— Eu gostava de você chapada, sempre foi uma boa companhia.
— Não me diga agora que prefere uma lunática fissurada em sexo à uma mulher
que pensa?
Ele se aproximou com apenas dois passos, se colocou entre minhas pernas e
segurou meu queixo com o indicador me forçando a olhar em seus olhos frios.
— Eu gosto de foder você de qualquer jeito, não me importo se está louca ou
lúcida.
— Tudo isso é saudade?
Inclinou o corpo e sussurrou com o rosto colado ao meu.
— Saudade e preocupação. Não gosto de saber que tem um outro homem
comendo no meu pasto.
— Ciúme?
— Egoísmo, pequena.
Me puxou e abraçou minha cintura colando nossos corpos.
— Ele tem cuidado bem de você?
— Ninguém cuida de mim, e você sabe disso.
Sua língua percorreu meu pescoço e por alguns segundos desejei não ter
tomado a medicação da manhã. Seria mais fácil aturá-lo se estivesse sedenta por
sexo.
— Eu vou cuidar, pequena, Sono pazza di te...
— Dio santo!
Ele tomou meus lábios e me beijou com desespero. Por um momento
acreditei que realmente pudesse estar com saudade e ciúme, mas achei melhor
ignorar aquele sentimento e apenas fazer o que já estava acostumada. O homem
que desejava meu corpo não era um cara que eu pudesse brincar de casinha e
acreditar que ficar com ele seria uma boa opção.
De tudo o que eu já tinha visto de ruim, ele havia me mostrado grande parte.
Vingativo, perverso, sarcástico, mas o pior de tudo era a sua capacidade de
enganar as pessoas com seu jeito dócil e brincalhão. Para ele tudo era desafio e
diversão, mas a sua volta para o Brasil tinha um motivo sombrio demais para ser
levado na brincadeira. Ele estava disposto a tomar o que tiraram dele sem sua
permissão e embora soubesse que Mateus e Nestor não eram os maiores
culpados pela sua perda, ele queria sangue. Muito sangue. E estava disposto a
iniciar uma guerra no Rio de Janeiro para provar que não são todos os homens
que aceitam perder.
Suas mãos agarraram minha bunda e em poucos segundos eu estava
completamente nua, encostada na parede, de costas para ele. Seu corpo
pressionando o meu de forma bruta e nada gentil, sua boca percorria meu
pescoço e nuca e por ali, eram depositados beijos e linguadas. Suas mãos
prenderam as minhas acima da cabeça, para indicar que a brincadeira iria
começar.
— Abra as pernas, pequena. Quero te ver daqui.
Mantive as mãos na parede e afastei as pernas. Ouvi sua calça ser aberta e em
seguida sua ereção tocou minha bunda.
— Não vou me controlar, aguenta e não grita.
Fazia algum tempo que não transávamos, e depois de meses apenas sentindo
as carícias de Murilo eu já me arrependia de um dia ter incentivado aquele tipo
de relação que havíamos estabelecido entre nós.
Os tapas fortes deixaram minha bunda dolorida, enquanto seus dedos me
invadiram na boceta e no ânus de maneira violenta. Ele mordeu, bateu e me
penetrou com uma camisinha áspera que era vendida apenas na Itália, com o
único objetivo de prolongar a ereção. Machucava, fazia arder e proporcionava
uma dor latente no canal vaginal após o sexo. Era horrível, mas foi a única forma
que ele encontrou de não gozar depois de poucos minutos metendo.
Fui praticamente espancada, torturada e fodida contra a parede, e para a
minha sorte, ele não aguentava muito tempo. Depois de gozar e sem se
preocupar se eu estava satisfeita, ou não, me virou de frente para ele e mostrou
seu anel. O mesmo que enfeitava seu anelar esquerdo desde o dia em que o
conheci há muitos anos atrás. Era uma jóia de prata pura italiana. Uma caveira,
símbolo da sua hierarquia familiar por consideração. Ele não era considerado um
puro sangue, mas tinha impregnado em seu ser todo o mal do mundo destinado
àquela dinastia.
Ele sorriu, me preparando para o que viria a seguir, eu só não imaginava que
a violência seria tão grandiosa, capaz de me fazer desmaiar.
Acordei sem saber onde estava, meu corpo dolorido, aquecido e espalhado
em cima da cama. A luz do quarto estava apagada, o que facilitou a minha
tentativa de abrir os olhos. Senti mãos quentes afagarem meu cabelo e o cheiro
tão familiar invadiu minhas narinas, trazendo uma sensação de paz e
tranquilidade muito estranha e ao mesmo tempo, agradável. Murilo.
— Que horas são?
Perguntei sentando na cama.
— Quase oito da noite.
Passei a mão na testa e senti o inchaço do lado direito próximo ao olho.
Murilo segurou minha mão, preocupado.
— Não mexe, está muito inchado.
Senti minha boca ressecada e meus lábios dormentes, apertei os olhos e revivi
mentalmente todos os momentos daquela manhã. Foi uma porrada e tanto, já que
eu estive apagada por quase doze horas.
— Quem esteve aqui, Laís?
Eu queria contar tudo, mas não podia. Depois dos acontecimentos recentes eu
sabia que Murilo era o terceiro alvo da lista de pessoas a morrerem pelas mãos
do homem sedento por vingança e ressurreição.
— Eu não sei, fui pega desprevenida e estava de costas quando alguém entrou e
me agrediu.
Muitas coisas estavam em jogo, e uma delas era a vida de Murilo. Não dava
para vacilar. O esquema era muito bem armado, e Jonathan certamente estava
cuidando para que nenhum rastro do seu chefe tivesse ficado para trás.
— Invadiram seu quarto?
— Sim.
Murilo ficou em pé e só então acendeu a luz. Seus olhos me analisavam em
busca de contradições, mas o bombeiro não sabia que Laís Antunes era um
camaleão quando se tratava de mentir. Eu era invencível e insuperável. Nada me
abalava e tudo fluía com muita facilidade.
— Não se preocupe, nós iremos descobrir quem esteve aqui.
— Nós?
— Eu chamei seu cunhado pra investigar, ele está por aí procurando
informações.
Merda! Mil vezes, merda! Ter Thor por perto não era uma coisa boa.
— Ele já descobriu alguma coisa?
— Não sei, ele tem um certo problema em se relacionar comigo. Acho que não
vai muito com a minha cara.
Revirei os olhos.
— Ele é um babaca de merda!
— Mas é o melhor.
Levantei sem querer prolongar o assunto "deus do trovão do caralho", e segui
cambaleante até o banheiro. Murilo me acompanhou e antes que eu fechasse a
porta, ele falou:
— Você sabe que pode confiar em mim, não sabe?
Inspirei profundamente, fechei os olhos com força e neguei com a
cabeça. Sem mentiras desnecessárias Laís! Aquele seria o meu novo dilema com
Murilo.
— Eu não confio em ninguém, me desculpe.
Fechei a porta e decidi focar em mim e no meu objetivo, Murilo ficaria em
segundo plano para que sua vida fosse poupada. Fiz xixi, escovei os dentes e
encarei meu reflexo no espelho. Meu rosto estava muito machucado, meu lábio
superior cortado e bem acima do supercílio uma marca conhecida. Parecia um
carimbo, um registro de livro na Biblioteca Nacional, um pedido de patente, que
para algumas pessoas seria fácil identificar, e Mateus Trivisan poderia ser
incluído entre essas pessoas.
— Filho da puta!
Ele queria que soubessem que estava chegando, com toda sua fixação por
guerra, vingança e BDSM.
13 – CSI (CRIME, SCENE, INVESTIGATION)

Mateus Trivisan
Joguei a cabeça para trás e me forcei a deixar de lado a raiva que insistia em
me dominar, peguei o telefone e liguei para o meu eterno pupilo, que atendeu no
segundo toque.
— Que tá pegando, Thor?
Piuí sendo Piuí. Não tinha jeito, ele tinha deixado o morro, mas o morro
nunca o deixaria e eu entendia bem sobre aquele assunto, pois Laís Antunes
parecia empenhada em me levar de volta aos velhos tempos, e bom... no fundo
eu até que estava começando a gostar daquela ideia.
— Preciso de você no Rio.
— É piada ou a parada é séria mesmo?
— É muito séria, garoto.
— Numa escala de zero a dez?
— A vida da Lívia.
O silêncio era a prova de que ele estaria na cidade maravilhosa em poucas
horas.
— Tô chegando.
— Traz a Julia, vocês vão ficar com a gente e não tem acordo.
— A ruiva voltou?
— Continua ligeiro, hein?
— Desgraçada! Mas dessa vez ela não vai escapar, Thor.
— Não. Não vai.
— Até a noite eu tô por aí, me espera pra começar a brincadeira.
— Então corre, porque eu já tô indo brincar...
Saí da delegacia sozinho. Depois que o bombeiro idiota apaixonado ligou
dizendo que encontrou Laís desacordada e toda machucada no chão do quarto,
muitas coisas ficaram claras para mim e eu sabia que teria muitos e muitos
problemas para resolver.
Nestor estava quase cedendo, o que já era previsto e em pouco tempo, Lívia e
Rômulo também cederiam, mas o que nenhum deles queria acreditar era que a
ruiva dos infernos estava armando um golpe de vingança, e mais dia, menos dia,
ela ia foder com tudo. Literalmente.
Laís não passava de uma mulher problemática que responsabilizava os irmãos
por tudo que havia passado nas mãos do pai. Eu entendia a revolta, mas não dava
para aceitar que toda sua vida fosse dedicada a prejudicar outras pessoas por
conta das próprias escolhas. Ela escolheu se afundar, não denunciar, não expor e
se entregar ao vício que acabou fodendo ainda mais a sua vida que já era fodida.
Foda!
Segui para a clínica da doutora famosa por tratar casos de distúrbios mentais
gravíssimos. O lugar nada mais era do que uma mansão adaptada para receber
pacientes ricos que pudessem pagar por uma estadia confortável e luxuosa, com
direito a medicação diária e supervisão médica de vários especialistas.
Eu não sabia ao certo qual era a rotina de Laís ali dentro, mas percebi assim
que entrei que seu comparsa naquele plano, tinha muito dinheiro e muita
influência. Câmeras de vigilância por toda parte e na recepção, uma mulher
uniformizada me recebeu com um sorriso nos lábios e um olhar predador.
— Bom dia senhor, em que posso ser útil?
— Quarto de Laís Antunes.
— É visita, senhor?
— Sim.
Ela teclou olhando fixamente para a tela do computador, e voltou a sorrir.
— Ela tem visita no quarto, o senhor quer aguardar?
Assenti e segui para o cômodo que se assemelhava à uma sala de espera.
Sentei, observei, esperei por dez minutos e quando a recepcionista se distraiu,
levantei e segui o corredor que ligava umas salas a outras. Olhei cada canto, cada
detalhe e me certifiquei de que o andar térreo nada mais era do que o lugar onde
toda a parte administrativa da clínica funcionava.
— Está procurando alguém, senhor?
Um homem jovem, com cabelos pretos, curtos, olhos e sobrancelhas da
mesma cor perguntou atrás de mim. Seu terno elegante destoava no corredor. Ele
não era brasileiro, definitivamente, o que acendeu o alarme de alerta em meu
cérebro.
— Confesso. Estou procurando o quarto de Laís Antunes, ela e Murilo Castelli
estão me esperando.
— Eu acompanho o senhor até lá.
Se tinha uma coisa que me deixava irritado, era não saber o suficiente sobre
os meus inimigos. Esse era um ponto desanimador na minha profissão, pois
muitas vezes eu era obrigado a entrar completamente no escuro em uma nova
missão e o estrangeiro que caminhava à minha frente, me dava certeza de que eu
tinha quase nada sobre o homem que guiava Laís na tentativa de foder com a
minha família.
— Essas câmeras funcionam? — perguntei sabendo a resposta.
— Perfeitamente, senhor.
— Ótimo.
Peguei o celular do bolso e decidi mostrar para ele, apenas um pouco do que
estava prestes a acontecer com aquele lugar, caso a música não tocasse no ritmo
que eu queria, dali em diante.
— Sou eu. — falei assim que Breno atendeu o celular — Estou na clínica que
minha cunhada está internada, peça ao responsável de TI para vir até aqui, e
venha junto. Quero todas as imagens até as cinco da tarde.
Desliguei e continuei seguindo o meu guia. Ele ficou um pouco mais tenso do
que estava, parou em frente à uma porta branca e virou para mim, sorrindo
desconfortavelmente.
— Aqui é o quarto de Laís, senhor. Fique à vontade.
O apressadinho tentou passar por mim, mas o impedi. Mostrei minha
identificação e o encarei.
— Calma aí, campeão. Você não vai à lugar nenhum. Preciso de ajuda e acabei
de te escolher pra passar o dia comigo hoje.
— Eu estou em horário de trabalho, não será possível.
— Tenho certeza que a responsável pela clínica vai concordar com o meu
pedido, ainda mais quando souber que uma de suas pacientes foi gravemente
ferida dentro do quarto e não temos imagem nenhuma que denuncie o agressor.
— Como o senhor sabe que não temos imagens?
— Porque se alguém tivesse visto um suspeito entrar, provavelmente a equipe de
segurança teria sido informada. A não ser, que a equipe esteja vendida. O que
você acha?
Ele não conseguiu responder, porque a porta foi aberta e Murilo apareceu
com a testa franzida.
— O que está acontecendo aqui?
— Estamos estabelecendo uma relação de amizade, não é mesmo? Qual o seu
nome? — encarei o funcionário suspeito.
— Jonathan, senhor. — respondeu contrariado.
— A Laís precisa descansar, ela está medicada e vocês estão fazendo barulho
aqui fora.
Cruzei os braços à frente do peito e contei até dez para não arrebentar a cara
do bombeiro.
— Se ela está medicada, não vai acordar tão cedo. Agora me dê licença que eu
preciso ver o quarto.
— Você não vai entrar aqui!
Eu poderia jurar que Murilo estava preocupado com a reputação da pobre
donzela em perigo, o que quase me fez gargalhar.
— Olha aqui, babaca, eu estava na delegacia resolvendo problemas muito sérios,
quando você ligou e pediu minha ajuda. Agora estou aqui e quero descobrir
quem entrou nessa clínica, desligou as câmeras de vigilância, agrediu a Laís e
saiu sem que ninguém percebesse. Ou você sai da frente e deixa eu fazer a porra
do meu trabalho, ou eu saio fora e não volto mais. — olhei para o relógio de
pulso — Você tem três segundos pra decidir.
Murilo bufou e abriu passagem, colocou a mão no peito do funcionário e o
impediu de entrar.
— Você não.
Sorri sozinho vendo aquela cena ridícula de ciúme protagonizada por um cara
de quase um metro e noventa de altura, e mais uma vez, afirmei que quando a
boceta certa invade a vida de um homem, fodeu, nos mínimos detalhes. Mas o
bombeiro estava realmente fodido, porque além de estar de quatro pela última
mulher da terra que deveria, ainda iria descobrir que se aproximar de Laís
Antunes poderia levá-lo à morte, ou bem próximo à ela.
Olhei tudo ao redor e constatei que o quarto estava arrumado, poucas coisas
fora do lugar, o que me fazia crer que alguém tinha arrumado toda a bagunça
antes de sair, ou, que tudo o que havia acontecido entre Laís e seu visitante
misterioso, tinha sido consensual. O bombeiro estava definitivamente na merda
elevada à potência máxima. A mulher além de ter um comparsa, ainda o recebia
em sua cama. Filha da puta!
Caminhei até o banheiro e observei a toalha úmida, escova de dente sobre a
pia ao lado da pasta, coisas normais, mas o que me chamou a atenção foi um
pedaço de plástico dourado que estava jogado ao lado do cesto de lixo. Peguei
um lenço que tinha no bolso, e segurei com cuidado o objeto. "Voglio Sesso".
Duas palavras italianas que poderiam significar muitas coisas. Deixei o
quarto em silêncio e ao passar por Murilo, ele perguntou:
— Encontrou alguma coisa?
— Não, mas vou ficar por aqui com o meu novo amigo, — dei dois tapinhas no
ombro de Jonathan e peguei o telefone — vou dar uma voltinha pela clínica e se
tiver alguma novidade, eu venho te avisar.
Saí sem dar chance pra ele perguntar mais alguma coisa na frente do
funcionário que estava nervoso... muito nervoso. Disquei o número do meu
cunhado que logo atendeu.
— Fala, Mateus.
— Viu o que pedi?
— Acabei de receber um e-mail com informações, onde posso te encontrar?
Olhei para os lados e percebi Jonathan ligado na minha conversa.
— Na clínica que a Laís está internada.
— O que aconteceu?
— Nada demais, o Murilo é que tá ficando louco. Você consegue vir até aqui?
— Vou deixar a Pietra e os meninos na sua casa com a Lívia e chego aí em vinte
minutos.
— Ok.
Na mesma hora liguei para o meu outro cunhado. Eles mereciam saber e toda
ajuda seria bem vinda.
— Caralho, brother... a gente acabou de se encontrar e você já ta me ligando de
novo?
Rômulo era muito diferente de Nestor, mas eu sabia que a fachada de "Tô
nem aí" era só para esconder o cara preocupado e protetor que realmente era.
— Vem pra clínica que a tua irmã tá internada. Já estou aqui.
— Que merda ela aprontou agora?
— Não sei, mas vou descobrir.
— Chego aí em dez.
Desliguei o celular e continuei andando até a porta que nos levaria ao jardim,
Jonathan em silêncio, olhando para os lados e eu apenas observando cada
movimento seu. Percebi que o jovem olhava com frequência para uma câmera
que estava posicionada na recepção, bem acima do aparelho de televisão. Aquele
ponto deveria ser importante, e talvez o único que realmente pudesse nos ajudar.
— Qual a sua função aqui?
— Trabalho na área administrativa.
— Isso eu já sei, quero saber o que você faz, exatamente.
— Eu... bom... ajudo em tudo o que é preciso, não tenho tarefas específicas.
— Isso é bom, não é?
— Claro. Estar empregado já é uma conquista.
— Esse sotaque que você tem é de onde?
Jonathan parou, como uma estátua no meio do caminho.
— Sotaque?
— Esse mesmo que você tenta disfarçar com muita dificuldade. É italiano?
Espanhol? Turco?
— Eu nasci no Brasil.
— Acredito, mas não foi criado aqui, certo?
— Eu... nunca saí do país.
Me aproximei dele e encarei seus olhos que não pareciam mais tão
amedrontados, alguma coisa que eu havia dito o encorajou e um homem
corajoso, sempre era menos cauteloso. Bom para mim.
— Eu vou descobrir, Jonathan. Tudo. Então sugiro que pense bem até a hora que
eu sair daqui em qual lado você vai ficar, porque eu juro pra você, cara... não vai
sobrar nenhum de pé. Eu vou acabar com todos os que estiverem envolvidos
nessa merda com a Laís.
— Eu não sei do que está falando. — os olhos dele grudados nos meus, frios,
impassíveis.
— É melhor pensar melhor, porque eu vou até o fim do mundo se precisar,
garoto, mas eu acabo com vocês!
— Mateus!
Ouvi a voz de Nestor atrás de mim. Me afastei de Jonathan e vi meus dois
cunhados se aproximarem rapidamente, na certa sabiam que eu estava prestes a
fazer uma grande besteira.
— Está dispensado, pode ir embora.
Ele não falou nada e também não encarou os irmãos, apenas virou nos
calcanhares e seguiu para dentro da clínica.
— Quem é esse cara? Pra onde ele foi? — Rômulo perguntou.
— Esse é o informante de quem está por trás da Laís, e deve ter ido buscar as
coisas dele pra fugir.
— E você vai deixar?
— Vou, assim o manda chuva não terá mais ninguém aqui pra passar as
informações.
— O que está acontecendo, Mateus? — Nestor estava preocupado — Precisamos
conversar sobre as informações que recebi.
— A única coisa que eu sei desde que entrei nesse lugar, é que a sua irmã caçula
recebeu um homem ligado à família de Lucca Giovanese no quarto dela, transou
com ele e apanhou feio.
— E porque você acha que ele tem ligação com Lucca?
— Porque eu achei isso aqui no chão do banheiro. — mostrei o pedaço dourado
de plástico.
— Que porra é essa?
— isso é um pedaço da embalagem de uma camisinha produzida na Itália e foi
desenvolvida para homens com problemas de ejaculação precoce. Essa empresa
pertence à família de Lucca Giovanese.
— Você tem ideia de quem seja esse homem?
— Tenho, mas só vou conseguir confirmar depois que olhar as imagens das
câmeras de segurança.
— E por que um cara ligado à Lucca estaria ajudando a Laís?
Respirei fundo, encarei meus cunhados e decidi que falaria somente o
necessário.
— Porque ele quer pegar o que acha que lhe pertence.
— O que esse cara quer, Mateus? — Nestor estreitou os olhos esperando minha
resposta.
— Não sei cara. — menti e meu cunhado sabia que eu estava escondendo
alguma coisa deles — Mas vou descobrir. Eu prometo.
14 – BROTHERS AND SISTERS

Laís Antunes
— Como você está se sentindo?
Murilo estava do mesmo jeito que o deixei antes de entrar no banheiro. Sua
expressão demonstrava desconfiança e muita preocupação.
— Estou melhor, apenas com um pouco de dor de cabeça.
— A doutora Luiza deixou alguns analgésicos pra você, caso não consiga dormir
e continue com dores. Talvez seja melhor tomar depois da janta.
Eu estava me sentindo muito abalada, de uma forma estranha. A presença do
bombeiro no quarto como se fizesse parte daquele lugar não parecia errado, e
aquela constatação não me deixava tranquila. Em outras ocasiões eu apenas o
mandaria embora, mas depois de tudo o que havia acontecido naquela manhã,
estar com ele me fazia bem.
— Você pretende ficar aqui essa noite?
— Só se você quiser.
— Eu só quero que fique se for sua vontade, não preciso de pena ou
solidariedade de ninguém.
— Não vou mentir e dizer que tudo que me contou não me afetou, mas nem
chega perto de ser qualquer um desses sentimentos que eu tenho por você, Laís.
Muito pelo contrário.
Encarei seus olhos azuis pela primeira vez depois de ter saído do banheiro.
— Murilo... não sou uma boa pessoa com boas intenções, eu sei que tenho
problemas sérios que precisam ser resolvidos, e serão, mas não posso pedir que
fique na minha vida. Não seria justo com você.
— Eu quero ficar e assumo qualquer responsabilidade por essa escolha, só
preciso que me fale se quer que eu fique.
Eu era uma grande roda-gigante em movimento, com muitos momentos de
lucidez que variavam e lutavam com pequenos e eufóricos momentos de fúria.
Eu queria, mas não podia muitas coisas e entre elas estava Murilo.
— Eu quero muitas coisas que não queria antes, e uma delas é permanecer
medicada para não ter recaídas. — ele estava próximo demais e eu precisava
afastá-lo para não permitir que rolasse sexo entre nós naquela noite que estava
apenas no começo — Vou tomar os remédios e dormir mais um pouco. Preciso
descansar e esquecer o que aconteceu aqui essa manhã.
Murilo me abraçou e arrumou a cama pouco bagunçada para que eu deitasse.
Pegou a caixinha branca que continha os comprimidos junto com um copo de
água e me deu para tomar.
— Você não respondeu a minha pergunta, Laís.
— Não sei a resposta.
— Você não quer que eu fique?
— Querer eu quero, mas acho que devia ir embora.
— Eu só precisava ter certeza se você queria, o resto eu sei que vou dar um jeito.
Engoli duas bolinhas brancas e bebi a água, senti meu estômago roncar, mas
ignorei. Deitei e me encolhi como uma criança medrosa em dia de tempestade.
Murilo tirou sua calça e camisa, ficou apenas de cueca, deitou ao me lado e me
puxou para perto de seu corpo.
— Enquanto eu estiver do seu lado, não vou deixar que ninguém te faça mal.
Fechei os olhos com força ouvindo as batidas calmas do seu coração. Minha
consciência estava mais pesada do que normalmente ficava quando eu enganava
alguém apenas para me dar bem e conseguir alguma coisa. Aquela sensação de
paz que as mulheres diziam sentir quando estavam apaixonadas me deixou tensa,
confundindo o bombeiro.
— Não fica nervosa, garota. Nós vamos descobrir quem entrou aqui e por que
fez o que fez, e mesmo detestando seu cunhado na maior parte do tempo, tenho
certeza que ele vai nos ajudar.
— Não estou assim por causa disso...
— Me conta o que tá deixando assim, então. Você não consegue relaxar...
Olhei para cima e encontrei seus olhos azuis tão cristalinos e tentei não
chorar. Que merda estava acontecendo comigo, porra?
— Não é o que está me deixando assim, e sim, quem.
Sua testa franziu e seu corpo enrijeceu.
— Quem está te deixando assim, Laís?
Murilo era um mistério a ser desvendado, um ponto da minha bússola que eu
ainda não havia conhecido e desde a morte de Marcel, não tive vontade de
explorar. Homens na minha vida significam apenas duas coisas: sexo e dinheiro,
e os dois em grandes proporções. Amor não era um sentimento cultivado por
mim, e apesar de saber que estava muito próximo, eu ainda pretendia combatê-
lo.
— Eu não estou pronta pra você, tenente, e não sei se um dia estarei.
— Você está errada, garota. — recebi um beijo na testa demorado, apaixonado,
daqueles que te derrubam e finalizam — Você nasceu pronta pra mim...
E enfim elas vieram, também em grandes proporções. Lágrimas grossas,
acumuladas durante uma vida. Toda a dor se fez presente, toda dor de anos
sozinha pelo mundo e através dele, caindo muito mais do que levantando e
sofrendo muito mais do que aprendendo. Eu não tinha escolha, precisava seguir
em frente com a minha vingança, por mim e pelo meu passado. Mas Murilo
compunha parte do meu presente naquela cama, e por alguns minutos eu desejei
que ele ficasse... para sempre e representasse o meu futuro.
— Se um dia você for capaz de me perdoar, talvez a gente possa escrever uma
nova história.
— Eu não vou precisar te perdoar, porque estarei ao seu lado pra te ajudar,
amparar e te fazer feliz, garota. Já está mais do que na hora de você viver um
pouco, ou muito se desejar. Eu só preciso que me deixe ficar cuidando de você,
porque o que eu mais quero é isso... cuidar de você, Laís.
Fechei os olhos e adormeci sentindo seu corpo junto ao meu. Não teve sexo,
nem carícias ousadas, apenas cumplicidade, e poderia jurar que se não foi a
melhor, foi uma das melhores noites da minha vida, mas quando o dia
amanheceu, tudo voltou ao lugar e a realidade insistente cuspiu na minha cara
que nada seria fácil.
— Bom dia, Laís.
Sentei na cama me sentindo agitada antes mesmo de abrir os olhos. Só de
ouvir aquela voz depois de anos.
— O que faz aqui?
— Murilo deixou que eu entrasse pra falar com você.
Levantei sentindo meu corpo ainda fraco.
— O que você quer?
Eu sabia o que ele queria e também precisava fingir que o meu nervosismo
era de ansiedade e não por me sentir culpada por trazê-lo para a minha armadilha
que culminaria em sua morte, talvez.
— Vim falar com você, saber como está, e se realmente quer sair daqui, mas
acho melhor você tomar seu café da manhã primeiro antes de começarmos essa
conversa. Pelo jeito, não come há algumas horas.
— Um dia pra ser mais exata.
Segui para o banheiro e fechei a porta. Olhei-me no espelho e sorri ao
perceber o que estava acontecendo. Nestor me esperava no quarto em pleno
domingo de manhã, e aquilo significava que Murilo tinha ido atrás do meu irmão
mais velho para convencê-lo à me dar uma chance de mostrar o quanto eu estava
mudada.
O início do plano seguia seu curso, como um rio de águas calmas prestes a
enfrentar uma correnteza, e minha única dúvida era se eu realmente estava
mudada. O filho mais velho de Enrico Antunes não era meu alvo principal, mas
não deixava de ser um. Ele deveria ter percebido o que aquele homem fazia
comigo, mas seu egoísmo não permitiu e eu o faria lembrar de todas as vezes
que bati na porta de seu quarto durante a noite e ele apenas me ignorou, me
obrigando a dormir encolhida no canto da cama, com medo de que o velho
aparecesse para me molestar novamente.
Nestor era um fraco em todos os sentidos, com a morte de Clara ele parecia
ter mudado, mas aquela certeza eu só teria depois de conversar com ele. Escovei
os dentes, prendi o cabelo e voltei para tomar o café acompanhada do homem
ruivo que se parecia muito comigo, pelo menos na aparência.
— Estou curiosa pra saber o que veio fazer aqui.
— Quero saber como está, se está realmente disposta a se tratar e se deseja se
reaproximar da gente?
— O que quer dizer com "a gente"?
— Nós. Todos nós. Seus irmãos, sua família.
Ri me fazendo de vítima, o que não deixava de ser verdade absoluta, já que
de todos os irmãos, eu fui a que mais sofri nas mãos do casal que deveria ser
chamado de pai e mãe.
— Uhmmm... agora somos uma família? Não lembro bem o que essa palavra
significa, Nestor. Por favor, me explique.
— Não estou aqui pra pedir perdão, se era isso que você estava esperando, Laís.
Falhamos contigo, mas você não ajudou em nada trepando com seu cunhado,
tentando matar seus irmãos, inclusive eu, e se envolvendo com a Clara em toda
aquela loucura dela para conseguir dossiês que ela tinha guardado durante anos
sobre todos nós.
— Podemos encerrar aqui essa conversa, já que vocês não tem a mínima ideia do
que aconteceu comigo enquanto cada um de vocês vivia a vida como se eu fosse
uma adolescente rebelde sem motivo aparente.
— Todos nós já sabemos de tudo, a mãe me contou antes de morrer, por isso
preciso e quero muito saber o que aconteceu com você durante todos esses anos.
— Ta aí outra palavra sem qualquer significado pra mim... "mãe". Você tem
ideia do que aquela desgraçada fazia quando os três filhinhos queridos não
estavam em casa? Não. Você definitivamente não sabe e quer saber? Nem
preciso que saiba, porque eu mesma pretendo esquecer, ou quem sabe apenas
fingir que não aconteceu.
— Laís, nascemos e crescemos com luxo e todas as coisas que as pessoas acham
que são necessárias para que uma criança possa se tornar um ser humano digno,
mas já sabemos que nunca tivemos o mais importante. Agora, olhando pra você,
sinto que podemos recomeçar, sem pressa ou pressão, apenas dando tempo ao
tempo pra que as coisas voltem aos seus lugares. Você não conhece seus
sobrinhos, e são muitos... — ele sorriu encabulado e amoleceu um pouco meu
coração saber das crianças — Tem o Cauã e o Davi, tem o João Mateus, a Malu
e tem o Breno, e eu posso te garantir que você vai amar todos eles, porque são
eles, no fim das contas que fazem tudo valer à pena. São por eles que hoje nós
somos pessoas melhores.
Um aperto em meu peito indicou que aquele assunto poderia ser mais
perturbador do que eu tinha imaginado, mas a vontade de saber mais sobre as
crianças venceu e eu acabei sorrindo também.
— Tem algum ruivinho?
— Sim! O Davi tem os cabelos ruivos como o nosso e os pelos dos braços e
pernas parecem penugem avermelhada. Ele é lindo e tem os olhos da Pietra.
— Você a ama?
— Como nunca amei ninguém.
— E a Clara? Por que ficou tanto tempo casado com ela?
— Me acomodei, achei que era o suficiente para a minha vida, mas por algum
motivo o destino acabou colocando a Pietra no meu caminho e então, toda a
verdade veio à tona.
— Nunca achei que você acreditasse no destino.
— Nem eu, apesar da Lívia sempre falar que quando está escrito, pode passar o
tempo que for, a vida tratará de trazer o que é seu.
Quase revirei os olhos ao ouvi-lo falar da meia-irmã.
— Eu não acredito em nada disso.
— Mas deveria.
— Não tenho motivo pra acreditar que um dia eu terei alguma coisa boa, Nestor.
— Sabe, Laís, antes de tudo acontecer comigo, eu mal falava com o Cauã. Ele
sabia que eu era o pai dele, mas nem imaginava quem eu era de verdade e só
depois de quase perder tudo o que realmente era importante pra mim, foi que eu
comecei a dar valor às pequenas coisas. Todas as coisas.
Ouvir Nestor falar do primeiro filho, aquele que nem era seu de verdade,
machucava. Eu sabia o quanto ele amava aquele menino, e depois que Clara
morreu a relação dos dois parecia ter se tornado mais próxima do que
chamávamos de paterna.
— Como eles são, digo, calmos, bagunceiros?
Nestor abriu a carteira com um sorriso de orelha a orelha todo orgulhoso,
pegou uma foto que tinha cinco crianças vestidas de branco. Quatro meninos e
uma menininha linda, que mais parecia uma princesa tirada dos moldes de Wall
Disney.
— Tiramos essa foto para o dia das mães, aqui em cima, — apontou para os
meninos que estavam em pé, com as mãos nos bolsos das bermudas e um sorriso
sem graça — João Mateus e Cauã, eles são os mais velhos, e aqui embaixo —
apontou para os três menores que se acomodavam entre as pernas dos
maiores — Breno, Davi e a marrentinha, Maria Luiza, ou como ela exige que a
chame, Malu.
— Exige, é? — Meus olhos se encheram de lágrimas ao olhar para aquele
retrato.
— Ela é a cópia da Lívia, mas tem a personalidade do Mateus. Meu Deus! Pensa
numa menina que está sempre de cara emburrada, e que não deixa passar nada...
chega a ser insuportável ficar com ela.
— Ela é linda! — E era mesmo, mas alguma coisa nela me atraía de uma forma
especial. Não sabia se era pelo fato de ser a única na foto que não sorria, muito
pelo contrário, sustentava uma carranca deixando claro o quanto era entediante
ficar ali, entre os primos e o irmão.
— Sim, ela é. — Nestor se aproximou um pouco mais e beijou minha testa me
pegando de surpresa — Quer conhecer seus sobrinhos?
Enxuguei minhas lágrimas e o encarei.
— Não sei se eles irão querer conhecer a tia má...
— Nós nunca falamos mal de você, Laís. Somente o Cauã sabe algumas coisas
porque já era grandinho quando a Clara morreu, mas nenhum dos outros sabe.
Nós nunca iríamos denegrir sua imagem pra eles.
— Eles não sabem o que eu fiz?
Olhei para ele surpresa, eu realmente achava que meu irmão e os meio-irmãos
falassem coisas horrorosas de mim para seus filhos.
— Não. Só sabem que por motivos de doença, você precisava ir ao médico com
frequência e por esse motivo ainda não tinha ido conhecê-los, mas podemos
reverter essa situação, se você quiser, é claro.
— Eu quero! Quero muito!
Segurei a foto com um pouco mais de força e sorri para o meu irmão, que
retribuiu o sorriso e logo em seguida, me fodeu com a sua pergunta:
— Agora, me conta quem é o cara que veio aqui ontem e te bateu?
— Você tinha que estragar tudo, não é?
— Eu vou confiar em você, mas preciso que confie em mim também. Não é
justo apenas um de nós fazer uma aposta, certo?
— Sim. Está certo.
— Então diga, quem é ele e o que esse cara quer de você?
Levantei e tentei disfarçar meu nervosismo, olhei para a fotografia em minha
mão e voltei à minha missão oculta. Eu queria conhecer meus sobrinhos? Sim,
muito. Mas não iria deixar que a aproximação com eles fizesse com que eu
mudasse de ideia.
— Eu não tenho certeza, mas acho que é um capanga de um dos amigos de
Enrico que quer me obrigar a procurá-lo na cadeia.
— NÃO! VOCÊ NÃO VAI ATRÁS DAQUELE DESGRAÇADO!
Nestor me abraçou com carinho.
— Ele sempre me encontra, irmão.
Drama!
Drama!
Drama!
— Ele não vai te fazer mal, irmã. Eu te prometo.
Afundei a cabeça em seu peito e fechei os olhos com um sorriso no rosto,
satisfeita com a minha atuação que tinha sido impecável.
— Estou com muito medo, Nestor! — choraminguei como um atriz de cinema.
— Eu vou te ajudar, vamos sair daqui e você vai ficar boa.
— Eu juro que mudei, irmão...
— Eu acredito em você!
Até aquele momento estava tudo sob controle, mas eu sabia que aquela
alegria iria acabar em pouco tempo, e eu pretendia acabar aquela vingança o
mais rápido possível, antes que aquelas crianças invadissem o pedaço da minha
alma que estava reservado à solidão, e a mais ninguém.
15 - REAL

Laís Antunes

Depois que Nestor foi embora, o domingo ficou muito melhor e eu quase
esqueci o que tinha acontecido no dia anterior, eu disse quase, porque Murilo
fazia questão de vez ou outra perguntar sobre o ocorrido e o homem que,
supostamente, havia invadido meu quarto na manhã de sábado na clínica para
me "agredir".
Eu teria ficado muito irritada se não estivesse tão feliz com a aproximação do
meu irmão ruivo, que havia prometido voltar no dia seguinte e me levar até sua
casa para que eu pudesse, finalmente, conhecer seus filhos e sua esposa atual,
Pietra. Claro que ele nem imaginava que a ex acompanhante de luxo era uma
antiga conhecida e que eu havia ajudado sua esposa morta a provocar o acidente
que mudou a vida da eterna amada de Lucca Giovanese, o jovem e único
herdeiro da família mafiosa que foi morto por ela em Angra dos Reis anos antes.
Meus planos daquele momento em diante precisariam ser mais eficientes e não
poderiam, de forma alguma, darem errado. A palavra do momento era "foco".
Duas coisas precisariam ser feitas para que tudo acontecesse como nós
havíamos planejado. Primeiro e mais importante: Nestor precisaria confiar
cegamente em mim, para depois convencer Rômulo e Lívia de que eu não
apresentava qualquer risco para nenhum deles, e segundo: Murilo precisava
acreditar que eu estava completamente apaixonada por ele, para que a sua
presença se tornasse constante em minha vida e aumentasse a minha
credibilidade perante os três patetas Antunes.
Antes de Nestor deixar a clínica, ele avisou os irmãos que me receberia em
sua casa para jantar na segunda-feira, e convidou os dois para se juntarem a nós.
Eu sabia que era praticamente impossível os loiros aparecerem, mas apenas a
hipótese daquilo acontecer, me deixava excitada e ansiosa.
Murilo ficou o dia todo comigo, dormimos juntos sem fazer sexo e
acordamos cedo para que Luisa, a médica que estava cuidando do meu
tratamento, desse todas as recomendações e permitisse que eu seguisse fazendo a
terapia e mantivesse a medicação sob controle. Eu estava eufórica, ansiosa e
muito otimista, mas um telefonema de Jonathan, me tirou dos eixos.
— Você não devia me ligar. Não agora, o Murilo está aqui na.
— Não tive escolha, preciso que me escute com atenção.
Me aproximei da porta do banheiro e pude ouvir o barulho do chuveiro
ligado, o bombeiro ainda tomava banho.
— Fala logo.
— O chefe soube que você irá jantar na casa de Nestor, e quer que você se
aproxime do filho mais velho. Se mostre dócil e amigável, seja uma "tia"
boazinha e conquiste a confiança do garoto.
Apertei os olhos odiando aquela ordem.
— Ele precisa ter paciência, vai ser a primeira vez que eu vou entrar naquela
casa. Não posso simplesmente agir como se não tivesse acontecido nada. Nestor
me falou que Cauã ainda se lembra de algumas coisas que aconteceram com a
Clara e isso pode dificultar essa tarefa.
— Tivemos um problema com Mateus, Laís, e o seu amado cunhado já está
chegando perto de descobrir quem está com você. Apresse ou teremos que agir
de maneira mais incisiva.
— Não se aproximem das crianças! — meu coração batia acelerado de repente.
— Você sabia que elas seriam a porta de entrada, não adianta agora fingir que se
preocupa com os fedelhos.
— Não façam nada antes de falar comigo. Eu vou me aproximar, só preciso de
um pouco mais de tempo.
— Sinto muito, "Lalá", não teremos esse tempo disponível, a menos que você
consiga tirar o agente do caminho. Aquele cara é bem mais inteligente do que eu
achei que fosse e já começou a ligar alguns pontos. Não vai demorar pra ele
descobrir o que o chefe quer.
— Merda! O que ele descobriu?
— Pelo que o chefe falou, um amigo dele que é advogado conseguiu algumas
informações extras sobre a sua viagem com a Clara para a Itália e o nome dele
apareceu vinculado ao do Lucca. Só sabemos que Mateus pediu uma lista
completa de todos os envolvidos no acidente da Pietra e de quem esteve no
Brasil quando Lucca sequestrou a esposa e a levou para Angra.
— Mas o chefe não veio...
— Não. Mas estava na Itália providenciando tudo pra tomar o lugar de Lucca na
família, e como sabemos, ele não era o homem no topo da lista pra assumir o
cargo. Mateus tá fuçando e se ele seguir a linha de raciocínio correta, vai chegar
no nome chefe bem mais rápido do que prevíamos.
— Mas que inferno! Eu quero muito foder com a vida deles, mas não vou deixar
vocês machucarem as crianças.
— Esse é outro ponto, o chefe mandou te avisar que se precisar, vai acabar com
todo mundo pra não deixar rastros.
Suor, lágrimas e o coração cavalgando no peito. Aquela era eu ouvindo as
ameaças disfarçadas de explicações. Jonathan e o desgraçado que queria se
vingar de Nestor e Mateus estavam jogando sujo e não deixariam as crianças
longe da merda toda que prometia devastar a família Antunes. Eu precisava agir
rápido e tentar de alguma forma afastar meus sobrinhos daquele inferno.
Eu não gostava deles, sequer os conhecia, mas apenas o fato de serem
crianças, os isentava de qualquer vingança. A imagem da menina loirinha com
cara de mal humorada invadiu meus pensamentos. Eu não conseguia esquecer
seu rostinho, seus olhos semicerrados e a expressão emburrada na foto, como se
estivesse querendo mostrar o quanto aquele momento diante da câmera
fotográfica era entediante. Resolvi apelar.
— Ele pode começar pelas esposas, seria muito melhor.
— Já começou. A arquiteta e a ex puta estão sob vigilância vinte e quatro horas
por dia. A rotina delas está começando a ser alterada para que possamos
manipular os horários e os locais que frequentam. Elas serão os primeiros alvos,
além da sua irmã, claro.
— Quanto tempo eu tenho?
— Nó máximo um mês.
Puta que pariu! Como eu iria conseguir fazer eles confiarem em mim em
trinta dias? Talvez eu não conseguisse nem me aproximar de Rômulo e Lívia
nesse período, quanto mais conquistar a confiança de um pré adolescente. Bufei
irritada e não pude deixar de ouvir a risada de Jonathan, irônica e abafada.
— Você sabe que é pouco tempo, Jonathan.
— Sei, mas é o que temos. Seu pai também caiu na armadilha e vai negociar
com o chefe em troca de informações suas.
— Esse eu quero que sofra muito antes de morrer, Jonathan.
— Você vai, confie em mim. O velho é louco, Laís, e não pensa em medir
esforços pra te encontrar. O juiz é doente por você.
— Não. Ele é apenas um doente sem alma que fodeu a minha vida só pra
satisfazer as merdas dele.
Um barulho vindo do banheiro me despertou.
— Eu preciso desligar, Jonathan.
— Continua com esse aparelho escondido. Eu entro em contato.
— Ok, eu vou conseguir a confiança do moleque, avisa ele que não é pra se
aproximar dos outros.
— Ele é o chefe, não eu. Faça a sua parte e pelo menos um deles você sabe que
continuará vivo.
Não houve despedida, o braço direito do homem que queria acabar com parte
da minha família apenas desligou o telefone na minha cara. Guardei rapidamente
o aparelho no pequeno compartimento que ficava na parte de baixo da mochila
que Murilo havia levado pra mim, e tentei me acalmar para não demonstrar o
quanto aquele telefonema tinha mexido comigo.
A conversa com a médica não foi tão branda como eu achei que seria e
naquele encontro, pude perceber que além da vaca querer me convencer a
permanecer na clínica para não perder o dinheiro que Murilo gastava comigo, ela
também não queria se afastar do bombeiro, e mais uma vez, não consegui manter
o controle e deixei que meu gênio ruim mostrasse um pouco da sua potência,
quando desafiado.
— Eu preciso falar com a doutora em particular, Murilo, você pode esperar lá
fora, por favor?
Pedi à ele sem desviar meus olhos de Luisa, seu semblante era calmo, como
se não tivesse acabado de falar que Murilo era lindo e que ela estava "à
disposição" dele para o que fosse preciso. Vagabunda!
— Claro, vou tomar um café. Quer que traga alguma coisa?
— Não. Em dois minutos encontro você pra irmos embora. Será bem rápido.
Ele se despediu da médica e assim que a porta se fechou, eu levantei, dei a
volta na mesa e parei ao lado dela. Luisa era uma mulher bonita, mais velha do
que eu, mas ainda assim jovem. Com certeza a médica achava que o bombeiro
merecia alguém melhor do que eu, e provavelmente estava certa, mas eu iria
mostrar, que uma mulher como ela não deveria se meter como uma mulher como
eu.
— Eu não faria mais isso se fosse você, doutora. Não é inteligente da sua parte
se insinuar pro homem que dorme comigo desse jeito.
— Você é uma menina doente, que vai passar a vida toda se tratando. Murilo
merece uma mulher de verdade ao lado dele.
— Onde está a sua ética profissional?
Ela sorriu e abriu a gaveta da mesa, tirou uma folha e me entregou.
— Isso aqui é pra você, tenho certeza que saberá o que fazer à respeito.
— O que é isso?
Peguei a folha e olhei para saber do que se tratava. A letra era conhecida e a
raiva cresceu tão bruscamente que a médica não teve tempo para reagir, minha
mão foi de encontro ao rosto dela, não apenas uma, mas duas vezes seguidas.
Com força. Sua cabeça virou de um lado para o outro e se não fosse o encosto
alto da cadeira que estava sentada, a desgraçada tinha caído no chão por causa
do impacto.
— Sua filha da puta! Se vocês acham que podem me intimidar, estão muito
enganados. Avisa pra esse desgraçado que nunca mais ele vai encostar um dedo
em mim, — puxei o cabelo dela com uma das mãos vendo seu sorriso sádico
desaparecer — e nunca mais fale com Murilo novamente, ouviu bem? Se eu
descobrir uma ligação sequer, eu volto nessa merda e acabo com a tua raça,
entendeu?
— Se você se preocupa com o Murilo é melhor se afastar. Seu pai prometeu
acabar com ele!
— Avisa aquele escroto que se ele tentar chegar perto do bombeiro, eu mato ele
com as minhas próprias mãos e eu não estou brincando!
Larguei ela lá e saí do consultório recuperando o fôlego. Abri novamente a
folha e li o recado do diabo em forma de ser humano que frequentava a terra há
mais tempo do que deveria ser permitido.
"Seja uma boa menina e venha visitar o papai, ou o bombeiro irá apagar o
fogo do inferno."
Amassei e joguei a bola de papel na primeira lata de lixo que encontrei no
caminho até a lanchonete. Nunca mais aquele embuste ditaria as regras da minha
vida, mas eu precisaria dar um jeito de cuidar de Murilo e infelizmente apenas
uma pessoa poderia me ajudar. Merda!
Eu arrumaria um jeito de protegê-los, Murilo e meus sobrinhos, inclusive
Cauã. Principalmente Cauã. O filho mais velho de Nestor, ainda era uma criança
e não merecia sofrer por culpa das atitudes de seus pais. Seria difícil, sem
dúvida, mas era o mínimo que eu poderia fazer, afinal de contas, eu tinha a
minha parcela de culpa naquela merda toda.
Caminhei sem pressa e encontrei Murilo parado na porta da clínica com as
malas no chão aos seus pés. Ele segurava o copo de café em uma mão e o
telefone em outra pressionado na sua orelha, parecia nervoso conversando com
alguém. Quando me viu, tentou sorrir, mas mentir não era sua especialidade,
definitivamente.
— Algum problema?
Retribuí o sorriso falso que recebi, observando suas feições suavizarem
depois de desligar o aparelho e o guardar no bolso da calça.
— Acho melhor a gente sair daqui primeiro.
Ele abaixou e pegou uma das malas, tentou disfarçar, mas fracassou.
— O que aconteceu?
— Estão me seguindo, minha mãe foi ameaçada e meu superior recebeu alumas
denúncias contra mim. Não acho que sejam coincidências, certo?
— Quando ia me contar?
— Não ia.
— E por que resolveu falar tudo agora, assim de uma vez?
— Mateus.
Revirei os olhos e começamos a caminhar para fora da clínica.
— Era com ele que você estava falando?
— Era.
— Desembucha, Murilo.
— Ele está tentando me convencer de que tudo o que está acontecendo é culpa
do seu comparsa.
Engoli em seco, vesti minha capa da indiferença e fingi estar entediada.
— Certo, e ele também falou que eu estou te usando pra me aproximar dos meus
irmãos e assim que conseguir, vou foder todo mundo.
— Exatamente.
— E você, acredita nisso?
— Não.
Encarei o bombeiro que tinha suas duas pérolas azuis em mim, grudadas.
— Posso saber por que você não acredita nele?
Ele largou a mala maior no chão e a pequena em cima dela. Se aproximou de
mim e segurou minha nuca com uma das mãos enquanto a outra abraçou minha
cintura, levando meu corpo para perto do seu, muito perto.
— Porque eu vejo em cada gesto seu, vejo em seus olhos e em cada reação do
seu corpo ao meu toque que você está apaixonada por mim, Laís. Pode negar e
eu sei que vai, até o fim, mas quando chegar a hora, vai ter que admitir que me
quer e eu vou esperar o tempo que for preciso para te ouvir dizer cada palavra. E
você vai dizer, eu sei que vai.
— É melhor você não ter tanta certeza... — minha voz saiu num sussurro.
— Você vai dizer, apenas se conforme com isso.
E me beijou, tirando meu ar, enfraquecendo minhas pernas, acelerando meus
batimentos cardíacos, acendendo meu corpo controlado com remédios. Eu iria
negar até o fim, não apenas para a segurança dele, mas pela minha própria
segurança. Murilo representava um perigo real, iminente e a qualquer momento
poderia colocar em risco tudo o que havia sido planejado durante dois anos.
Eu precisava daquele final e acabar de vez com qualquer chance de passar a
vida toda presa a um passado que me impedia de seguir em frente. Eu não
precisava dele para viver, mas precisava saber que estava vivo, e aquilo deveria
ser o suficiente. Murilo era a minha luta interna, aquela em que eu nunca sairia
vencedora.
16 – ENTRE IRMÃS

Laís Antunes
Porra! Porra! Porra!
Inspiro profundamente, expiro devagar, puxo o ar novamente, seco as mãos
suadas na calça jeans enquanto me encaro no espelho do elevador que sobe
lentamente até a cobertura de um condomínio de luxo na zona Sul do Rio de
Janeiro. Murilo sorri me observando, mas não fala nada. Apenas deixa que eu
me acabe dentro da ansiedade que me toma e consome.
— Como estou?
— É a sexta vez que me pergunta isso na última meia hora. Tem certeza que está
bem?
Ele arqueia a sobrancelha e sorri de lado.
— A culpa é sua. Se tivesse me fodido direito eu estaria mais calma. — retruquei
muito irritada com a calmaria dele.
— Não seja injusta, eu te comi três vezes e você gozou quatro, acho que o
problema aqui é a sua ansiedade e não o seu tesão reprimido.
— Sexo costumava resolver meus problemas. — lamento.
— Se aquiete, você está linda, vai dar tudo certo e hoje vai ser um dia muito
legal pra você e seus irmãos.
— Você acha que eles vêm?
Murilo deu de ombros e se aproximou quando o elevador parou e as portas se
abriram no meio de uma sala enorme composto por dois ambientes.
— Eu viria se fosse eles, mas não posso responder essa pergunta. Relaxa um
pouco, aproveita e deixa pra se preocupar amanhã, ok?
Assenti e quase paralisei quando duas perninhas gorduchas se aproximaram
ainda meio abobalhadas e sem equilíbrio, sustentando uma cabeleira vermelha e
dezenas de sardas como as minhas espalhadas pelo rosto e pescoço. Fui
surpreendida por duas bolinhas de uma cor única, caramelo esverdeado, se é que
existia essa cor, mas era assim que eu a definiria se fosse obrigada a fazê-lo.
— Davi! Vem aqui, você não tomou sua mamadeira! — a mãe do equilibrista
falou com a voz um pouco alterada, e assim que seus olhos me enxergaram ela
também paralisou, como se tivesse visto uma assombração na entrada da sua
casa — Laís... eu... não sabia que já tinha chegado.
E por impulso, pegou o pequeno no colo como se o protegesse de um
dinossauro T-Rex faminto, prestes a engolir sua refeição.
— Me desculpe, Pietra. Achei que o porteiro tivesse avisado que estávamos
subindo.
— Ele avisou. — Nestor apareceu logo atrás da esposa acompanhado por um
garoto que me lembrava muito outra pessoa — Fui eu quem atendeu o interfone
e liberei a entrada. Venham! Entrem, vamos conversar um pouco.
Murilo segurou minha mão, que estava gelada e suada, tentando me acalmar
um pouco naquele momento um tanto constrangedor para todos nós. Sentamos
no sofá de couro espaçoso e aconchegante, enquanto Pietra nos encarava
desconfiada e o garoto mais velho parecia tentar se lembrar de onde me
conhecia.
— Que bom que estão aqui, esse é o Cauã e aquele fujão é o Davi. A Pietra você
conhece, certo?
Meu irmão mais velho abraçava sua esposa, que tinha o minúsculo ser
tentando se desvincular do aperto em seus braços à procura de espaço.
— Se eu visse o Cauã na rua com certeza não o reconheceria, ele está enorme!
— Pois é, já vai fazer doze anos, cresceu rápido.
Sim, o tempo havia passado rapidamente e acredito que eu ainda não tinha
me dado conta daquilo até ver meu sobrinho mais velho quase do tamanho do
pai. Pietra não teve escolha, e soltou o serumaninho que correu ao meu encontro
e se jogou em meus braços, complicando ainda mais a minha vida.
— Ei, você quer sentar no meu colo?
Davi sorriu e pulou para cima num impulso apoiando sua bundinha forrada
com a fralda nas minhas pernas. Sua mão gorducha acariciou meu rosto e seus
olhos brilharam identificando a semelhança nas pintinhas ruivas iguais a dele.
Beijei sua testa e uma emoção inconveniente me assolou de repente.
— Não deixa ele te incomodar, Laís, esse garoto é muito folgado mesmo.
Nestor brincou apreciando orgulhoso a aproximação do seu filho caçula.
— Ele não está me incomodando...
— Você é minha tia? — A voz grossa do menino que se mantinha ao lado do pai
ecoou na sala pela primeira vez.
— Sou. Seu pai é meu irmão. — respondi timidamente sem entender o que
estava acontecendo comigo.
— Você conheceu a minha mãe?
Pietra que prestava atenção em tudo, apenas esperou que eu respondesse sem
tirar seus olhos de mim.
— Conheci sua mãe quando ela era ainda adolescente, acho que tinha uns
dezessete anos.
— Eu acho que lembro de você...
— Nós nos vimos pouco, você ainda usava fraldas na última vez que nos
encontramos. É normal que não se lembre muito de mim.
Um barulho de sino tocou, a porta do elevador novamente se abriu e meu
coração quase saiu pela boca, quando Lívia entrou acompanhada de Mateus e
duas crianças. Nossos olhos se encontraram e uma dúzia de pensamentos invadiu
minha mente confusa. Minha meia-irmã estava ainda mais bonita do que eu
lembrava, seu cabelo loiro natural moldava seu rosto perfeito enfatizando seus
olhos verdes brilhantes moldados por longos cílios e sobrancelhas claras. Seu
corpo magro vestia uma calça jeans simples que lhe caía com perfeição e uma
blusa branca de malha comum marcava seus seios pequenos.
— Boa noite. — Mateus cumprimentou Murilo com um aperto de mãos e um
aceno de cabeça em minha direção — Desculpem a demora.
— Eles acabaram de chegar, como vai Lívia? — Nestor chamou a atenção da
irmã que só então deixou de me encarar, seus olhos revelavam muitas coisas,
mas eu não saberia identificar.
— Estou bem, não tem como sair de casa no horário quando se tem uma "Malu"
disposta a empacar.
E foi então que meu mundo terminou de ruir. Uma garotinha de cabelos loiros
e olhos claros que pareciam prateados se aproximou e parou bem a minha frente,
encarando o primo que ocupava todos os espaços livres em minhas pernas. Sua
cara amarrada era a cópia perfeita de seu pai e a roupa que usava explicava bem
o que a mãe dela quis dizer com "empacar". Uma calça estampada com rosas e
uma bata laranja com flores coloridas a tornavam única, sua sapatilha lilás e uma
tiara preta completavam o visual exuberante para uma menina de no máximo,
cinco anos. Aquilo sim, poderia ser chamado de personalidade forte.
— Por que você fez sua mãe virar urso?
Seus olhos estreitos, mãos na cintura e uma pergunta sem pé nem cabeça
direcionada à mim. Ela estava me questionando de maneira incisiva, e me
perguntei que porra ela estava falando?
— Eu não transformei minha mãe em urso. — tentei me defender da acusação,
se bem que parando para pensar, não teria sido uma má ideia se eu tivesse
poderes para fazer aquilo com a mulher que havia me trazido ao mundo.
— Fez sim, eu vi!
— Acho que você está enganada, eu não sei fazer ninguém virar urso.
— Cê tava muito brava cum ela, e pidiu pá aquela buxa fazê sua mãe virá urso.
Eu vi você!
Certo, agora a piveta estava delirando e antes que eu pudesse responder, Lívia
interveio.
— Malu, não foi ela!
A menina nem se deu ao trabalho de olhar para a mãe, sua testa franziu e seu
dedinho indicador foi apontado na minha direção de maneira acusatória.
— É ela sim, mãe.
— Não é, filha. O que você viu foi o desenho e essa moça é uma pessoa de
verdade.
A fedelha me encarava como se pensasse no que sua mãe tinha acabado de
falar, sua cabecinha virou de lado e seus olhos ainda semicerrados não pareciam
satisfeitos com a explicação.
— Você não é a Valente?
Todos caíram na gargalhada, menos eu. Não havia a menor graça e eu não
estava entendendo nada do que ela tinha falado.
— Não. — respondi — Meu nome é Laís, e não Valente.
— E por que você é ingal ela? — apesar da pronúncia errada das palavras, era
muito fácil entender o que ela dizia.
— E eu posso saber de quem nós estamos falando? — o pequeno arteiro desceu
do meu colo e foi ao encontro da mãe, que observava a cena assim como todos
na sala.
— Da Valente, ué! — bufou como se aquela resposta fosse a coisa mais evidente
do mundo.
— Eu não sei quem é a Valente.
— É a plincesa que fez a mãe dela virá urso e depois fico tiste poque o pai dela
quiria matá a mãe.
Certo. Aquela sem dúvida era a coisa mais sem pé nem cabeça que eu já tinha
ouvido em toda a minha vida, e foi Lívia, a loira com cara de barbie e candidata
à nova Madre Tereza de Calcutá quem explicou pacientemente.
— A Malu acha que você é a Merida, uma princesa da Disney que tem os
cabelos vermelhos iguais ao seu e no filme, ela faz um pedido à uma bruxa que
transforma a mãe dela em um urso. O nome do filme é Valente, e pelo jeito você
nunca ouviu falar.
Ok, então a birrentinha achava que eu era uma princesa? Grande ironia,
porque se ela soubesse toda a história sobre a família da sua mãe, provavelmente
me classificaria na categoria de bruxa.
— Malu, eu não sou uma princesa, está vendo? Meu nome é Laís e sou sua tia.
— Eu acho que você é a Valente. Você que sê a Valente?
Murilo se divertia ao meu lado, me deixando um pouco mais nervosa. Não,
eu não queria ser a porra da Valente, mas estavam todos prestando atenção
naquele diálogo entre eu e a menina sedenta por uma resposta positiva, como se
toda sua esperança dependesse do que eu estava prestes a falar.
— Se você me ensinar, acho que sim.
Ela sorriu, mas não foi um mega sorriso de satisfação e felicidade, foi apenas
um meio sorriso tipo "beleza".
— Malu, vai com o seu pai brincar um pouco lá dentro. Eu preciso conversar
com a Laís agora.
Lívia falou pegando todos de surpresa.
— Loira, vamos deixar essa conversa pra outra hora. — Mateus tentou
argumentar de maneira carinhosa com a esposa — Acho que não irão faltar
oportunidades pra isso.
— Eu prometo que não vamos demorar, amor. Você tem algum problema com
isso, Laís?
A pergunta da mulher que eu queria ver destruída era insegura. Talvez por
medo da resposta negativa que pudesse adiar a tal conversa que ela queria ter
comigo, mas eu não tinha escolha e negar aquele pedido poderia estragar meus
planos de me aproximar.
— Não, de maneira alguma. Podemos conversar em particular.
Mateus bufou irritado, Murilo me beijou no rosto e levantou acompanhando
Nestor e Pietra para dentro do apartamento, enquanto Malu seguia seu pai com
os meninos atrás deles. O ambiente parecia ter encolhido, à medida que eu e
Lívia ficávamos sozinhas e depois que todos se retiraram, ela parou a poucos
metros de distância, cruzou os braços e me encarou.
— O que você quer, Laís?
— Como assim, o que eu quero? — fingi não entender.
— Depois de tudo o que você fez, fica muito difícil acreditar que agora queira se
reaproximar da gente. Então, estou te perguntando de mulher pra mulher, Laís, e
espero que pelo menos uma vez na sua vida você consiga olhar nos meus olhos e
não mentir. O que você quer?
— Eu só quero mostrar que estou mudada, não espero que me perdoem ou
esqueçam, apenas que me dêem uma chance de provar isso.
Ela se aproximou com seus olhos verdes tentando fuçar minha alma à procura
de qualquer evidência que denunciasse a mentira, mas Lívia não me conhecia,
nem imaginava que a arte de mentir era meu maior talento.
— Por que me odeia tanto?
A pergunta carregada de mágoa me desnorteou um pouco, mas quando suas
lágrimas encheram seus olhos, logo lembrei do quanto a sua presença atrapalhou
a minha vida. Ela sempre foi daquele jeito, fraca e dissimulada. Lívia não tinha
problema em mostrar suas fraquezas e sempre conseguia o que queria porque as
pessoas se compadeciam da sua falsa dor e modéstia.
Sua mãe, seu falecido marido, seus irmãos e até mesmo seu pai de criação
inescrupuloso... todos a admiravam porque acreditavam que era bondade, mas eu
sabia que era fingimento e manha, apenas para conseguir o que queria com o
bônus de ganhar a fama de "boa samaritana". Minha meia-irmã iria conhecer
quem eu realmente era, e a uma distância que ela jamais esqueceria e fatalmente,
se arrependeria de ser tão patética, no final.
— Eu nunca te odiei, Lívia, apenas tinha inveja de você e quando me apaixonei
pelo Marcel, te culpei por ele não querer te largar para ficar comigo, mas hoje eu
entendo tudo. — fiquei em pé para que a minha atuação fosse mais do que
convincente — Eu estava doente, me recusava a procurar ajuda e o meu... aquele
homem que se dizia meu pai, conseguia me manipular pra fazer o que ele queria,
mas eu juro que mudei! Tô em tratamento, me apaixonei pelo Murilo que tem
me ajudado muito e consegui me afastar de vez daquele monstro que quase me
destruiu.
As lágrimas vieram facilmente, sem qualquer esforço e minha querida
irmãzinha já não parecia tão resistente.
— Eu quero muito acreditar em você, Laís, muito mesmo, mas enquanto eu não
tiver certeza de que não vai colocar em risco a vida dos meus filhos, não vou
permitir que se aproxime deles. Você tentou me matar algumas vezes e só Deus
sabe o que eu passei, talvez demore, mas eu desejo muito que tudo o que está me
dizendo seja verdade.
— Eu nunca colocaria a vida dos meus sobrinhos em risco!
— Espero que não, porque eu mataria você se colocasse.
Arqueei um sobrancelha e tentei não demonstrar o quanto achava cômico
aquela tentativa de ameaça.
— Eu vou provar que podem confiar em mim, Lívia. Só quero uma chance de ter
minha família de volta, apenas isso.
— Vamos com calma, e se tiver que ser, será. Agora vamos jantar...
— Obrigada.
— Não agradeça ainda, eu vou ter muito trabalho pra convencer meu marido de
que você merece uma chance.
— Ele me odeia, né?
— Mateus não te odeia, ele odeia qualquer um que possa fazer mal à família
dele, Laís. Apenas isso.
— Você tem sorte de ter ele ao seu lado.
— Acho que quando a gente ama de verdade, podemos considerar que somos
privilegiados e não sortudos, mas pelo jeito, você também encontrou alguém que
ama e que te ame.
— Eu não sei se Murilo me ama desse jeito...
— Claro que ama!
— Como você pode ter tanta certeza?
— É só olhar o jeito que ele olha pra você, irmã. Ele te ama sim, e não é pouco...
agora vem, vamos jantar.
Ela virou e seguiu para encontrar os outros, as vozes eram barulhentas dentro
da casa e havia as risadas. Lívia havia me chamado de irmã, e de algum jeito
nada convencional, eu tinha gostado. Levantei e a segui, não porque eu queria,
mas porque não havia alternativas para mim. Aliás, a única coisa que eu poderia
fazer era segui-la de perto e garantir que em pouco tempo, todos eles estivessem
convencidos de que a caçula da família Antunes, era apenas uma jovem mimada
e problemática, incapaz de preparar a maior armadilha de todos os tempos que
fosse capaz de destruí-los, um a um.
17 - REVENGE

Laís Antunes
Uma estranha no ninho.
Pensamento estranho de uma mulher que se sentia completamente estranha
em uma mesa com mais nove pessoas que deveriam ser no mínimo conhecidas
para ela, mas nem chegavam perto daquilo. Aquela era eu, sentada ao lado de
Murilo jantando ao lado de dois irmãos, duas cunhadas e quatro sobrinhos. Uma
ocasião estranhamente familiar.
Dizer que o clima estava normal seria uma grande mentira, muito pelo
contrário, estar comendo uma lasanha deliciosa preparada pela mulher de Nestor
em plena segunda-feira não poderia ser considerado algo corriqueiro. Ainda
mais quando havia vários pares de olhos me observando discretamente e
avaliando meu comportamento.
Mas precisava confessar que apenas um par de olhinhos travessos estavam
me deixando constrangida e, Malu definitivamente, nem se dava conta de como
mexia comigo de uma maneira muito inconveniente. A garota sabia ser irritante
sem fazer esforço algum.
— O que pretende fazer agora que saiu da clínica, Laís?
Nestor me tirou do transe incômodo.
— Primeiro preciso arranjar um lugar para morar e depois procurar um emprego.
— Vai voltar a estudar?
— Não sei, mas não tenho vontade de seguir a carreira de engenheira.
— Tem algum outro curso que gostaria de fazer?
Aquele era um assunto que eu precisaria pensar. Desde que larguei a
faculdade quando fui internada depois de ser encontrada quase morta no morro
do Macaco, nunca mais tive a pretensão de retomar os estudos.
— Não sei, letras talvez...
— Por que não pensa sobre o assunto, tenho muitos amigos que podem ajudar
você com isso.
Murilo apertou minha coxa por baixo da mesa em sinal de apoio e sorriu
timidamente quando o encarei.
— Seria ótimo voltar a estudar, você é jovem e tem muito tempo pra ingressar no
mercado de trabalho. Só precisa descobrir o que gostaria de fazer. — piscou com
um olho e voltou a comer — E pode ficar na minha casa até arrumar um lugar
pra ficar...
— Não quero te atrapalhar ainda mais.
Falei baixo por me sentir envergonhada, não era um assunto que eu gostaria
de conversar com o bombeiro na frente de outras pessoas.
— Não vai.
— Podemos conversar sobre isso uma outra hora?
— Claro, mas enquanto não arruma um lugar, você fica comigo e não tem
acordo.
Revirei os olhos e só então percebi que todos prestavam atenção no diálogo
que acontecia discretamente.
— É muita coisa pra pensar e eu realmente não quero incomodar ninguém. Vou
seguir minha vida sem atrapalhar vocês, eu prometo, só gostaria que me dessem
uma chance. Apenas isso.
O silêncio se instalou com trocas de olhares entre Nestor e Mateus, e pela
carranca do meu cunhado, ele parecia não gostar do rumo que aquela conversa
seguia. Lívia parecia mais acessível e Pietra se mantinha imparcial.
— Você tem dinheiro? — Minha meia-irmã perguntou diretamente.
— O suficiente pra me manter por algum tempo, não se preocupe.
— Quando você era pequena, adorava arrumar seu quarto e toda hora mudava as
coisas de lugar. Dizia que era pra não enjoar. Por que não pensa em fazer alguma
coisa relacionada a decoração de ambientes? — Ela deu de ombros como se não
tivesse falando nada de mais, mas nós sabíamos que não era verdade. Saber que
ela lembrava de uma das minhas manias foi como se me desse um soco no
estômago — Conheço muita gente que trabalha com isso, mas ninguém com
muito talento. Talvez pudesse explorar esse mercado.
— Design de interiores é um campo aberto aqui no Rio, — Pietra observou — é
difícil encontrar profissionais bons e quando encontramos eles cobram o olho da
cara.
— Eu gosto dessa ideia, sempre me interessei por decoração, mas nunca pensei
em trabalhar com isso.
— Você pode fazer algum curso, sei lá... podemos ver alguma coisa desse
tipo. — Lívia completou sorridente.
— Sim, podemos.
Retribuí o sorriso que logo morreu quando encarei Mateus. Meu cunhado não
abriu a boca para falar nada durante o jantar, mas seus olhos especuladores
diziam tudo o que eu precisava saber a seu respeito. Ele não estava nem um
pouco feliz por estar ali, ou poderia dizer, que era a minha presença que o
deixava infeliz. Enfim... o agente era o único que não acreditava na minha
mudança e faria de tudo para provar que estava certo.
— Você vai binca comigo de Valente? — Malu questionou com a carinha
emburrada.
— Só se me ensinar, já disse que não entendo muito dessas coisas...
— Tá bom, eu insino, mas você pecisa brinca comigo na minha casa. — a
menina marrentinha olhou para sua mãe e falou como se fosse ela quem
decidisse as coisas — Ela vai brinca no meu quarto, mãe, e vai arruma toda a
bagunça poque ela é gande e eu so piquinina.
Os olhos de Lívia se estreitaram, tive a certeza que se ela pudesse, enforcaria
a pequena.
— Vamos conversar sobre isso, Malu, mas não hoje.
Maria Luisa cruzou os braços e fez bico, entendendo que a conversa estava
encerrada. Não me contive e sorri ao olhar para a pose que a menina fez. Não
deveria ser fácil administrar o gênio forte da minha sobrinha, o que me alegrou
além do que eu desejava. A piveta era uma dose extra de satisfação que aquela
vingança começava a me proporcionar, e no fundo imaginei que seria bom, aliás,
muito bom passar algum tempo brincando de "Valente" com ela.
— Não fique triste, ok? Quando a gente se encontrar de novo, você me ensina
um pouco e eu brinco com você. Tudo bem, assim?
Ela não respondeu, apenas concordou com a cabeça sem encarar a mãe. O
barulho de sino voltou a tocar e logo depois, Rômulo e Manuela entraram
acompanhados de um minúsculo menino que parecia um alemão, de tão branco
que era. O garoto poderia facilmente ser um modelo mirim de catálogos infantis.
Breno, esse era o nome do último sobrinho a chegar na casa de Nestor.
— Boa noite, brothers, desculpem o atraso, mas tive um imprevisto na clínica e
acabei me atrasando... — Rômulo entrou com o filho no colo apressado em se
explicar.
— Um motivo com longos cabelos pretos e uma bunda do tamanho de um
bonde, louca pra ser fodida na mesa do médico garanhão aqui. Por isso meu
marido se atrasou!
Mateus e Nestor não conseguiram segurar a gargalhada, enquanto Lívia e
Pietra faziam caretas se mostrando solidárias à cunhada. Eu apenas encarei
Murilo que me encarava com um brilho no olhar que dizia "Viu, como é bom e
fácil estar entre eles?"
— Por favor, amor... vamos esquecer isso? Eu não fiz nada!
— Não fez porque eu cheguei na hora em que ela estava quase sentando no seu
colo! Da próxima vez eu vou encher a cara de cavalo dela de porrada, isso sim!
Rômulo parecia alheio à minha presença de tão nervoso e estressado que
estava. Nem se deu conta quando me cumprimentou com um beijo no rosto
como fez com Lívia e Pietra, para em seguida dar um abraço em Murilo e dois
tapinhas em seu ombro. Breno se jogou para o meu colo, como se me conhecesse
desde sempre, e no mesmo instante, Malu desceu de sua cadeira e ocupou
minhas pernas com seu corpinho magro, dividindo sua atenção com o
alemãozinho que não deixava de sorrir.
Estava uma verdadeira confusão, todos começaram a falar ao mesmo tempo.
Enquanto Mateus e Nestor tentavam ajudar Rômulo em sua defesa, Lívia e
Pietra apoiavam Manuela em suas acusações contra a tal morena que pelo jeito,
se oferecia ao médico no horário da consulta. Murilo segurou minha mão em
solidariedade assistindo os dois fedelhos empoleirados em mim.
Sorri ao ver os dois disputando minha atenção e de repente, o silêncio.
Todos em volta se deram conta de que eu estava sentada um uma das
cadeiras, com duas crianças que nunca haviam me visto antes no colo sorrindo
como velhas conhecidas. Olhares de admiração, espanto e incredulidade se
misturavam entre os irmãos e cunhadas, além de um desconfiado Mateus, que
via sua linda garotinha marrenta dando atenção excessiva à sua cunhada doente e
vingativa.
— Ele gosta de você! — Rômulo exclamou.
— Com esse sorriso, acho que gosta de qualquer um... — disfarcei.
— Não! Ele é super desconfiado e não gosta de estranhos.
Dei de ombros olhando para os monstrinhos divertidos que sorriam
espontaneamente. Era incrível aquela sensação de tê-los comigo, pois eu sabia
que era um gesto verdadeiro, sincero e sem qualquer interesse ou segundas
intenções. Crianças eram daquele jeito, e seriam até crescerem e se tornarem
adultos mentirosos, inescrupulosos e interesseiros, mas ver Malu e Breno se
divertindo apenas por estarem junto à mim, era algo único e emocionante.
— Então... acho que ele realmente gosta de mim.
— Dizem que crianças são um bom termômetro para sabermos quando as
pessoas são confiáveis.
— Não acredite em tudo o que dizem.
— Você mesma acabou de dizer que ele gosta de você!
Encarei meu meio irmão loiro que tinha olhos tão verdes como da sua irmã e
falei séria.
— Um adulto pode ser agradável para conquistar a simpatia do seu filho,
Rômulo, mas isso não significa que ele seja confiável a ponto de você deixá-los
sozinhos, sem a sua presença ou da sua esposa. Entende o que estou te falando?
Talvez eu tenha sido um pouco ríspida, mas eu não queria imaginar o que um
homem como Enrico Antunes poderia fazer se ficasse sozinho com um pequeno
como Breno, ou uma menina linda como Malu, e só de imaginar, meu sangue
fervia nas veias e a vontade de matar aquele desgraçado se tornava cada vez
mais incontrolável.
— Eu entendo, mas fique tranquila porque nenhuma das crianças fica com
desconhecidos.
Senti meu corpo enrijecer. Beijei a cabeça de Malu e de Breno, arrastei a
cadeira para trás e os coloquei no chão. Encarei meus pés e por um milésimo de
segundo, desejei não ser tão impulsiva e ficar quieta, mas, por outro lado, decidi
que poderia usar aquele assunto que me tirava do sério para encenar e provocar
as primeiras dores na consciência dos três patetas.
— Vocês não mudaram nada, não é mesmo? — falei entre dentes — Quando vão
entender que às vezes um desconhecido pode ser mais confiável do que alguém
próximo? Será que tudo o que aconteceu comigo não serviu pra nada? Como
podem agir dessa forma com seus próprios filhos? Não aprenderam a lição?
— Calma, Laís... — Murilo levantou tentando me acalmar e sem que eu
percebesse, as lágrimas desceram, pelo meu rosto.
— Calma? Como você me pede calma? Eles nunca ligaram para o que acontecia
comigo e com o desgraçado que deveria ter me protegido, e pelo jeito tudo
continua igual! — encarei Rômulo e inspirei profundamente antes de começar a
andar em direção à porta, mas não aguentei sair sem pensar em Maria Luisa nas
mãos de um homem como Enrico Antunes e encarei Lívia com todo o ódio que
eu guardava dentro de mim — Cuide da sua filha e não a deixe sozinha com
quem quer que seja, porque você não tem ideia do que pode acontecer se algum
louco colocar as garras nela!
Eu não sabia explicar o que estava sentindo naquele momento, a única certeza
que eu tinha era que nunca desejaria à ninguém o que havia acontecido comigo,
muito menos para a menina marrenta que achava que eu era uma princesa.
— Laís!
Entrei no elevador seguida por Murilo que chamava meu nome.
— Pelo amor de Deus, não fala nada.
As portas se abriram e entramos juntos. Não tive coragem de levantar a
cabeça para encarar o bombeiro. Quando o elevador chegou ao térreo depois de
alguns poucos minutos, ainda sentia meu coração acelerado.
— Posso falar agora? — Murilo segurou meu braço e me forçou a olhar em seus
olhos azuis.
— Não venha me criticar por ter perdido a paciência com eles e...
— Eu nunca senti tanto orgulho de alguém como senti de você. — me
interrompeu.
Franzi a testa sem entendê-lo. Ele percebeu a minha dúvida e continuou a
falar com um sorriso bobo estampando seu lindo rosto.
— Pela primeira vez em toda a minha vida, vi uma mulher determinada em ação
e posso te garantir que por mais que você tente negar e dizer que agiu daquela
forma apenas por impulso, ficou claro para todos naquele apartamento que o seu
amor por eles é muito maior do que você acha que é.
— Eu não amo aquelas pessoas, Murilo, apenas não quero que minha sobrinha
corra o risco de passar por alguma coisa parecida com o que passei. Não se iluda
comigo.
— Será que não enxerga?
— Sim, eu enxergo perfeitamente bem.
— Só uma pessoa que ama se preocupa daquela forma.
— Não fala merda...
— Por que é tão difícil admitir que ama sua família? Que sente falta deles?
— Porque eu não amo e não sinto falta de ninguém! Simples.
— Não precisa falar em voz alta, Laís, mas admita pra você mesma.
— Presta bem atenção no que eu vou falar pra você, Murilo, porque eu não vou
repetir, — me aproximei e não permiti que ele enxergasse o quanto estava
enfraquecida — aquelas pessoas não significam absolutamente nada pra mim.
NA-DA!
— Então por que precisa se reaproximar? Siga em frente e esqueça que eles
existem!
— Não posso.
— Por que?
Eu precisava me segurar para não falar besteira ou deixar escapar qualquer
coisa sobre o plano de vingança que estava sendo colocado em prática. Claro que
o meu desabafo foi verdadeiro, mas ninguém precisava saber, muito menos
Murilo.
— Porque eu preciso me redimir de tudo de ruim que fiz, mas depois que ajeitar
as coisas, pretendo esquecer que tenho irmãos.
— Não precisa ser assim, Laís...
— Precisa. Agora vamos embora daqui, por favor.
Murilo passou seu braço forte por cima do meu ombro, beijou minha testa
com carinho e caminhou ao meu lado até o carro estacionado na porta do prédio,
destravou o alarme e abriu a porta para que eu entrasse. Antes de entrar, notei
um carro preto parado do outro lado da rua, e quando o vidro escuro abaixou,
reconheci o homem que desejava aquela vingança tanto quanto eu sentado atrás
do volante nos observando. Ele estava nos seguindo.
Não teria mais volta. O botão "play" havia sido acionado e dali em diante, os
irmãos Antunes teriam suas vidas marcadas para sempre. Inclusive, eu.
18 – CASAL 20

Laís Antunes
Se eu estava mexida com tudo o que havia acontecido na casa de Nestor na
noite anterior? Sim. Muito. Demais! E aquilo era uma grande merda. Acordei
junto com Murilo, perto das nove da manhã, consegui arrumar minhas coisas em
duas partes do guarda-roupa que ele havia disponibilizado para mim no quarto
de hóspedes depois de tomarmos café, mas minha cabeça ainda estava ligada no
meu pequeno "surto" proposital, ou nem tanto, antes da minha saída do
apartamento.
— Trouxe seu remédio, acho que esqueceu de tomar.
Murilo vestia uma bermuda preta de malha que marcava suas coxas grossas e
deixava seu abdômen mega definido exposto. Seu troco despido parecia uma
imagem feita para ser usada em uma aula de anatomia do corpo para um curso
qualquer de educação física. Seu cabelo preto ainda sem pentear lhe dava um ar
de "bad boy", o que em nada combinava com a sua personalidade. O bombeiro
jamais seria um fora-da-lei, definitivamente.
— Obrigada, eu pretendia tomar na hora do almoço.
— É melhor manter a rotina da clínica, garota, assim não vai correr o risco de
esquecer.
Engoli o comprimido branco e encarei seus olhos.
— Não pretendo voltar a ser como era, pode ficar tranquilo.
— Se você voltar, algum dia, espero que procure somente a mim pra te ajudar.
Ele me abraçou e tomou minha boca com desejo, suas mãos acariciaram
minhas costas, deslizando para a bunda enquanto sua boca escorregava pelo
pescoço. Senti sua ereção e sem controle, o desejei loucamente. Nossos corpos
se reconheciam e a cada dia que passava se desejavam mais e mais.
O bombeiro me pegou no colo como se pegasse uma criança, e eu me sentia
uma, prestes a brincar no melhor parque de diversões da cidade. Ele me colocou
sobre a cama sem deixar de me beijar, sua língua quente e molhada parecia estar
desesperada para me devorar, mas o som da campainha nos atrapalhou.
— Não atende...
Sussurrei o puxando para mim.
— Deve ser meu irmão, ele sempre vem de manhã quando quer falar comigo.
— Eu não sabia que tinha um irmão.
— Pois é... às vezes até eu esqueço que tenho um. Vem, quero te apresentar pra
ele.
Murilo ficou em pé e ofereceu sua mão para que eu levantasse.
— Vai na frente, preciso dar um jeito nesse cabelo antes de ser apresentada a um
membro da sua família.
— Não precisa, você é linda de qualquer jeito.
— Duvido. Pode ir, te encontro em alguns minutos.
— Não demora, quanto mais rápido você aparecer, mais rápido ele vai embora e
a gente pode continuar de onde parou.
— Agora eu tenho um motivo.
Murilo beijou minha boca e a campainha voltou a tocar. Saiu do quarto e eu
caminhei até o banheiro, mas assim que abri a porta ouvi uma voz feminina que
eu não consegui reconhecer e decidi voltar alguns passos para descobrir quem
era a mulher que estava fazendo uma visita àquela hora da manhã.
— Desculpa aparecer sem avisar, mas queria saber como estava. Você sumiu
esse fim de semana...
— Eu estava ocupado, Rose. Como descobriu meu endereço?
— Sua mãe me deu, será que podemos conversar um pouco?
Murilo vacilou antes de responder constrangido. Olhei para baixo e achei
melhor não trocar a camiseta velha, larga e muito curta que deixava minhas
coxas e parte da bunda de fora. Dei uma olhada no espelho apenas para conferir
o cabelo desgrenhado e olhos ainda inchados de sono.
— Eu estou um pouco ocupado agora, Rose...
— Achei que estivesse de férias.
A voz da tal de Rose era típica da mulher que está desesperada para trepar, e
na hora lembrei de Manuela; louca de ciúme por causa da morena que havia ido
até a clínica de Rômulo. Nunca havia pensado em como era estar do outro lado
da moeda, pois eu sempre fui a vilã e nunca a mocinha, sempre a amante e nunca
a "oficial", eu sempre traía e nunca era traída. Aquele sentimento despertado nas
primeiras horas da manhã eram desconhecidos até então, e um desespero me
tomou apenas de pensar que a mulher disposta a conquistar meu bombeiro
pudesse afastá-lo de mim.
— Sim, mas estou resolvendo alguns assuntos particulares.
Assuntos particulares?
Meu sangue ferveu nas veias. Que porra Murilo estava falando? Por que não
contou logo que tinha uma mulher esperando por ele na cama, molhada e louca
de tesão? Filho da puta, mas eu iria acabar com a alegria dele junto com todas as
possibilidades da oferecida de voltar a aparecer novamente sem avisar ou sem
ser convidada. Ninguém atrapalhava uma trepada matinal e saía impune.
Estampei minha melhor cara de paisagem e caminhei até a sala. A morena
estava de costas, vestia uma calça branca que marcava seu quadril avantajado e
evidenciava sua calcinha minúscula enterrada no meio da bunda, uma blusa preta
de seda sem mangas e sapato de salto altíssimo a deixavam bem maior do que
eu e quase da altura de Murilo. Seu cabelo era preto e chagava até a cintura,
solto, liso e brilhante.
Os olhos do bombeiro encararam os meus quando invadi seu campo de visão,
distraindo a mulher que virou à fim de descobrir o que havia chamado a atenção
do macho que ela tanto queria, mas que naquela manhã especificamente, não
teria. Vaca!
— Bom dia... — me aproximei sob o olhar avaliador e mortal da morena, que
tinha lindos olhos pretos.
— Eu não sabia que estava acompanhado. — ela encarou Murilo — Você me
falou que ela estava em uma clínica para pessoas com problemas mentais, o que
ela está fazendo aqui?
Opa! Opa! Opa! Quem essa idiota pensava que era dele para pedir
explicações daquele jeito?
— Na verdade eu que pergunto o que você está fazendo aqui a essa hora da
manhã? — parei ao lado do bombeiro que estava completamente sem reação —
E quem você acha que é para pedir explicações? Namorada? Noiva?
— Eu sou amiga do Murilo e me preocupo com ele.
— Claro, "mui amiga". Por acaso ele te convidou pra vir até a casa dele?
— Não, mas...
— Pois bem, eu ficarei hospedada aqui por algum tempo, então, quando tiver
que aparecer avise antes, porque eu não gosto de ser interrompida na hora da
foda, se é que você me entende.
A mulher apenas me ignorou, como se não tivesse ouvido nenhuma palavra
que eu havia dito.
— Eu gostaria de falar com você em particular, Murilo. Podemos almoçar
juntos?
— Eu ligo pra você, Rose. — a resposta do bombeiro parecia ter feito todo o ar
armazenado em meus pulmões evaporar. Ele iria realmente se encontrar com
ela?
— Tudo bem, eu vou esperar. — ela ajeitou a bolsa no ombro, deu um beijo no
rosto dele e me encarou sorrindo — Você não precisava aparecer semi nua para
demarcar território, querida. Até porque o Murilo é um homem maravilhoso e
ajudaria qualquer pessoa que precisasse, e eu estava com ele no dia que você
tentou se matar. Não deixe de tomar seus remédios, pelo jeito não estão ajudando
muito e te fazem muita falta...
Ela saiu me deixando com a boca aberta. Mil vezes vaca!
— O que foi isso, Laís?
— Você vai almoçar com ela?
— Eu perguntei o que acabou de acontecer aqui, Laís?
— Essa mulher está louca pra dar pra você e ainda me pergunta o que acabou de
acontecer? Será que não percebeu que ela é uma vagabunda oferecida?
Murilo estava sério, seus olhos semicerrados me analisando, braços cruzados
na altura do peito exposto. Repeti seu gesto e cruzei os braços como ele.
— Você está com ciúme.
Franzi a testa.
— Não estou.
— Claro que está.
— Você só fala merda, não estou.
— Então me explica o que foi essa cena que acabou de fazer.
— Eu não fiz cena nenhuma! Não seja ridículo!
Murilo colou seu corpo ao meu, me pressionou contra a parede e prendeu
minhas mãos acima da cabeça.
— Então... não tem problema se eu decidir sair pra almoçar com ela, não é
mesmo? — esfregou seu pau na minha boceta por cima da calcinha de renda —
Não vai ligar, nem achar ruim. Ou vai?
— Não se atreva!
— Por que não?
Ele usou seu joelho para afastar minhas pernas e lambeu meu queixo.
— Porque ela não é mulher pra você!
— E eu posso saber quem seria mulher pra mim?
Sua mão esquerda manteve meus braços presos, enquanto a direita afastou
minha calcinha para o lado e um dedo invadiu minha boceta. Gemi. Rebolei.
— Só conheço uma que pode dar o que você realmente precisa...
— Nome, eu quero o nome dessa mulher!
Ele me fodia com força, seu dedo mágico encontrou meu ponto carente e
pedinte, massageando e me levando à loucura.
— Laís Antunes.
Sua boca tomou a minha como propriedade adquirida por direito, sua língua
suave e macia provocando maliciosamente enquanto seu corpo anunciava a
posse. Sim, eu já pertencia a ele mesmo sem desejar aquilo.
— Vamos pra cama, eu quero que me mostre o que eu realmente preciso e só
você pode me dar.
Ele me pegou no colo e sem tirar sua boca de qualquer parte do meu corpo
entrou no quarto que havia sido abandonado quando a campainha tocou. Murilo
deitou e me colocou sobre ele, seu pau duro estava sendo moído e explorado
pela minha boceta fervente, em chamas. Eu estava enlouquecida e enfurecida na
mesma proporção.
— O que você quer de mim, garota?
Suas mãos apertavam minha bunda, ajudando a manter o ritmo constante de
vai e vem. Eu queria encará-lo, mas o prazer de deslizar em cima do seu pau
duro não permitia que meus olhos se mantivessem abertos.
— Eu quero você...
Murilo arrancou minha camiseta e puxou a calcinha com desespero, enquanto
eu arrancava sua bermuda e deixava seu membro rijo exibido ao meu dispor,
glorioso como o sol em uma manhã de verão.
— Me quer muito ou só pra uma foda?
Eu sabia a resposta, mas não conseguia reproduzi-la sem que parecesse
lesada. Queira gritar para que todo mundo ouvisse que aquele homem era meu.
Namorado, "ficante", "peguete", qualquer nome que quisessem dar, mas era
comigo que ele estava, era o meu corpo que o satisfazia e era o meu nome que
ele chamava quando gozava e se derretia de prazer.
— Te quero pra tudo!
Ele sorriu com malícia, segurou seu pau e posicionou na minha entrada que o
engoliu faminta. Murilo era o homem que eu queria para mim, ou melhor,
desejava, mas sabia que no final de tudo seria impossível mantê-lo por perto. Ele
nunca me perdoaria por tudo o que eu pretendia fazer, não só aos meus irmãos,
mas a ele também. Ninguém sairia ileso, nem mesmo eu.
O sexo foi maravilhoso, e ao contrário de tudo que já havia provado, me
sentia completa, satisfeita e feliz, até mesmo na hora de deitar abraçados, com
nossos corpos em perfeita sintonia ao som dos batimentos cardíacos que nos
embalavam em cochilos providenciais e restaurativos de alma e espírito.
Lembrei de Marcel e uma tristeza me abateu momentaneamente por ter
acreditado que o que tínhamos era amor. Nunca foi e nunca seria.
— Você realmente me quer, garota?
— Por mais difícil de acreditar que seja, sim, eu quero.
— Eu já sabia.
— Impossível.
— Eu soube desde a primeira vez que te beijei.
— Não sabia que era vidente.
— Não sou, mas o que senti quando provei sua boca foi muito especial pra ser
fruto da minha imaginação e eu sei que você também sentiu. Não adianta negar,
eu apenas sei.
— Não pretendo negar, mas é difícil de admitir em voz alta.
— Posso saber por que?
— É complicado explicar...
O telefone de Murilo tocou impedindo que eu continuasse falando. Agradeci
mentalmente enquanto o bombeiro levantava para pegar o aparelho. Ele olhou
para a tela e deu um sorriso que o deixou muito parecido com o ator Tom Cruise,
mas ainda mais bonito que o agente da série Missão Impossível.
— Nestor? — no mesmo instante sentei na cama e pude ver o sorriso dele se
ampliar— Está aqui comigo, pode falar.
Murilo ouviu com atenção, antes de responder:
— Claro que iremos, pode confirmar sim. A Laís vai ficar muito feliz em estar
presente num momento tão especial como esse.
Franzi a testa sentindo meu coração acelerar em expectativa de saber do que
eles estavam falando.
— Tudo bem, eu falo pra ela.
Meu bombeiro sexy e completamente nu, largou o aparelho em cima da
cômoda e caminhou até a beirada da cama. Sua mão acariciou seu pau que
estava a meio mastro o estimulando lentamente, com uma cara de safado que me
excitava sem qualquer esforço. Murilo conseguia fazer eu me sentir uma puta ao
desejá-lo tão facilmente.
— O que ele queria?
Perguntei sem conseguir me conter. Murilo sorriu ainda mais.
— Você precisa me agradar um pouco pra que eu te conte.
— Te agradar é? — deslizei até onde ele estava e tomei seu pau na minha mão
— Vai ser um prazer te subornar com um boquete.
Passei a língua e logo o coloquei na boca, sem pressa, como se degustasse um
doce caro e muito pequeno.
— Assim você vai acabar comigo, garota.
— Espero que goze na minha boca antes...
Chupei, lambi, me acabei com aquele pau delicioso em minha boca. Arranhei,
apertei e engoli o quanto pude, até que ele puxou meu cabelo com força e socou
forte para dentro da minha boca até gozar e chamar meu nome.
— Vamos tomar um banho?
Concordei e seguimos para o banheiro. Tentei parecer indiferente à
informação sobre meu irmão, mas logo que entramos no banho, o bombeiro
decidiu abrir o jogo.
— Seu irmão nos convidou para a festa de aniversário do Cauã.
Encarei Murilo para ter certeza de que ele não estava brincando comigo.
— Tem certeza disso?
— Eu sei que sou um pouco mais velho que você, Laís, mas ainda não apresento
problemas de audição.
— Mas...
— Não tem mais, garota. — Ele me abraçou e beijou meus lábios — Eles irão
passar o dia na casa de dele em Petrópolis e nos convidou pra ir junto. Só a
família.
— Achei que seria festa.
— Não. Parece que o menino vai pra Austrália no próximo mês e por conta
disso, será apenas uma reunião familiar pra data não passar em branco.
— Ele disse por que resolveu me convidar?
— Não, mas acho que nem precisa. Depois de ontem, acho que até o Mateus
mudou de ideia a seu respeito.
— Pode ser...
— Você não ficou feliz? Não era isso que queria?
Sim era exatamente aquilo que eu queria, certo? Então porque eu não me
sentia bem com aquele convite?
— Estou muito feliz, vai ser ótimo poder ficar com eles por um dia todo.
Tentei disfarçar e saí do banheiro com Murilo atrás de mim. Seria fácil.
Simples. Bastava eu focar no plano e colocar em prática tudo o que havia sido
combinado nos últimos dois anos. Meus irmãos iriam se foder, meu amigo teria
q família que tanto desejava e Murilo sairia ileso, apenas com algumas sequelas,
mas que serviriam para lembrar o motivo do meu retorno.
— Você está bem, Laís?
— Estou ótima.
— Parece preocupada, o que foi?
— Nada, apenas estou pensando em um presente pra dar pro Cauã.
— Você não me engana, garota. Por que está com essa cara? Não quer ir?
— Quero. Claro que quero...
— Então o que está passando nessa cabecinha?
— Nada, acho que só fiquei um pouco surpresa com o convite. Só isso.
— São seus irmãos, Laís, e apesar de terem errado pra caralho contigo, ainda
amam você.
— Eu sei...
Abracei meu bombeiro tentando encontrar uma explicação para aquela
sensação horrível que estava sentindo. Eu não sabia o que era, mas no fundo eu
só queria passar um dia rodeada de pessoas que me amassem e me quisessem por
perto. Talvez, ir para Petrópolis e me divertir um pouco não fosse uma ideia
ruim, mas eu precisaria me policiar para não permitir que os três patetas
desconfiassem que a minha presença na vida deles era uma armação, parte de um
plano para acabar com eles.
Eu só precisava fazer aquele lembrete para mim também...
19 – SECRETS AND LIES

Laís Antunes
Uma bagunça. Esse era o resumo da minha vida, na verdade, uma verdadeira
bagunça. Não só de sentimentos, mas de dúvidas em relação às minhas
convicções. Murilo parecia ter se infiltrado em meu organismo de tal forma, que
eu mal conseguia me afastar dele. A notícia do aniversário de Cauã também não
estava ajudando muito, já que eu nem imaginava como poderia ser passar um dia
inteiro na companhia dos meus irmãos e seus agregados, que eu poderia
facilmente chamar de familiares.
E para completar a grande merda, meu telefone estava tocando e o número
conhecido que piscava na tela representava perigo à vista.
— Oi. — minha voz saiu mais baixa do que eu gostaria.
— Como vai, pequena?
— Não acho uma boa ideia você ficar me ligando, ele pode desconfiar.
— Não se preocupe, pode deixar que eu cuidarei pra que ele não atrapalhe
nossos planos.
— Você não precisa fazer nada, ele não vai atrapalhar.
— Já está atrapalhando, e se você não estiver hoje em minha casa, terei que
mostrar pra ele à quem você pertence. Temos um acordo, lembra?
Fechei os olhos com força deixando a raiva me consumir.
— Mesmo que eu quisesse, você não permitiria que eu esquecesse.
— Vai me dizer que está querendo mudar de ideia?
— Não. Eu não vou mudar de ideia, mas não vejo necessidade de você ameaçar
a família dele ou tentar prejudicá-lo no trabalho. Apenas confie em mim, meus
irmãos se mostraram mais acessíveis com a presença dele e o Mateus mesmo
sendo um babaca na maior parte do tempo, também gosta do bombeiro.
— O agente já está com os dias contados, assim como o seu irmão. Venha até
mim e vamos acertar como as coisas irão acontecer de agora em diante. Não
gosto de saber que você está morando com esse "stronzo".
— Eu não vou ficar aqui por muito tempo, mas preciso tomar cuidado pra que
não desconfiem do dinheiro guardado. Eles acham que não tenho condições de
me sustentar, ainda. Pensei que tínhamos deixado isso acertado desde o início.
— Não, "bela mia", acertamos que você daria um jeito de ficar hospedada na
casa de seu irmão e não de um homem que está te fodendo todos os dias.
A voz alterada era a deixa para que eu não forçasse a barra. Além de estragar
o plano, eu poderia colocar a vida de Murilo em risco e não era uma coisa que
passava pela minha cabeça. Não mais.
— Até parece que não me conhece, você sabe muito bem que sexo pra mim
nunca foi motivo de apego sentimental. O que está acontecendo, afinal?
— Justamente por te conhecer bem sei que está diferente, mas não vou me
preocupar com isso agora. Venha me ver e não tente arrumar qualquer desculpa,
ou eu vou até aí pessoalmente e mostro pro bombeiro à quem você pertence,
"bela".
Não houve tempo para resposta, ele simplesmente desligou na minha cara.
Filho da puta! Eu precisaria arrumar alguma desculpa para sair sem que Murilo
desconfiasse de nada e depois de muitos anos, mentir não estava sendo uma
coisa fácil de fazer. Era impressionante o quanto eu me sentia confusa e
completamente sem direção, não estava preparada para aquela enxurrada de
coisas novas.
Guardei o celular no compartimento da mochila e sentei na beirada da cama
tentando encontrar uma boa razão para sair de casa sem a companhia de Murilo,
mas ele acabou facilitando a minha vida quando entrou no quarto minutos depois
e falou:
— Minha mãe não está se sentindo bem, Laís. Meu irmão ligou agora e está
levando ela pro hospital. — abriu o closet e pegou uma calça jeans escura e uma
camiseta preta lisa, tirou a bermuda e ficou apenas de cueca — Vou encontrar
com eles lá pra saber o que tá acontecendo com ela, tudo bem?
Um nó apertou forte meu peito, machucando demais. Talvez eu estivesse
apenas carente, talvez fosse a consciência pesando por saber que pessoas
inocentes pudessem se machucar muito por minha causa, ou apenas estivesse me
apaixonando pelo tenente, que sem ter a menor noção de quem eu era, se
aproximou para tentar me impedir de pular daquele maldito prédio. Por que ele
tinha que aparecer bem naquele dia? Por que tinha que ser tão bom pra mim? Por
que insistiu em ajudar uma estranha? Por que ele não deu as costas como todos
fizeram durante anos? Por que, porra?
— Tudo bem...
Murilo me encarou assustado, percebendo minha voz embargada pelo choro
que não consegui conter. As lágrimas desceram me obrigando a compartilhar
involuntariamente a minha dor. Eram tantas perguntas, tantas dúvidas, tantos
conflitos. Uma zona.
Estava doendo muito, como há anos não doía. E sufocava. E impedia a
respiração. E encobria a luz que seus olhos traziam para minha vida escura. Era
impiedosa e agressiva, torturante, até.
— O que foi? Por que você ta chorando, minha garota?
— Não sei... apenas me abraça um pouco.
Ele não demorou para me acolher em seus braços num aperto forte e seguro.
Murilo me guardou com promessas silenciosas de amor e segurança, mas não
tinha a menor ideia do que estava por vir. Por minha causa.
Levantei a cabeça apenas para olhar em seus olhos e tentar permitir que ele
visse nos meus o quanto tinha se tornado difícil para mim permanecer firme na
decisão de seguir com a vingança.
— Não precisa ficar com medo, Laís. Eu tô aqui e não vou sair, ok?
— Eu sei que vai me deixar, e vou ser obrigada a aceitar quando isso acontecer.
Murilo afastou meu cabelo bagunçado, segurou meu queixo e sorriu. Seu
rosto lindo marcado pela dor profunda que nunca afetou sua personalidade dócil
e nunca o obrigou a desejar mal à ninguém, me encantou mais uma vez.
— Eu já disse que ficarei, é uma promessa.
Sua boca tomou a minha unindo não apenas nossos corpos, mas nossos
corações despedaçados. Éramos sobreviventes marcados por traumas vividos
alheios à nossa vontade, que nos conduziram de maneiras opostas por nossos
caminhos percorridos até chegarmos ao topo do prédio que serviu como ponto
do nosso encontro e união.
Destino? Eu queria acreditar que sim, mas desconfiava que por trás daquela
mera coincidência havia uma lição, um sinal, ou qualquer merda daquelas que só
entendíamos quando tudo tivesse chegado ao fim.
— Não prometa, por favor...
— Garota, você me faz bem, eu gosto de ficar contigo e depois de muito tempo
no escuro, consegui encontrar o meu interruptor de luz e foi você quem me
guiou até ele. Eu prometo ficar, porque eu não quero ir. Quero muito você, como
nunca quis qualquer outra coisa.
— Eu preciso que você saiba que... nenhum outro homem me fez sentir o que
sinto por você e mesmo que um dia você me odeie, tudo o que a gente tá
vivendo, é verdadeiro. Real. Não é mentira. Eu juro que não é.
— Por que tá me falando essas coisas, Laís? Tá acontecendo alguma coisa que
não quer me contar?
Encostei a cabeça em seu peito e desejei confessar tudo, desde o início; com
todos os detalhes e por um momento, eu quis esquecer toda a dor que Enrico me
causou e todo o caos que tinha sido a minha vida na última década, mas não tive
coragem.
— Não. Eu só preciso que saiba como me sinto quando estamos juntos. Você me
salvou de mim mesma, Murilo, e ainda não se deu conta disso.
— Minha mãe costuma dizer que nenhuma folha cai, se não for da vontade de
Deus, acho que agora eu posso entender. Eu não procurei por isso, mas
aconteceu e agora depois de meses, a gente tá aqui, eu e você, conversando,
abraçados como um casal, falando sobre possibilidades como eu nunca imaginei
que falaria com outra mulher. Eu sei como se sente, mesmo que as palavras não
saiam da sua boca orgulhosa, o seu corpo não mente pro meu e eles já se amam,
Laís, muito.
As lágrimas voltaram. Era difícil admitir o amor, mas ele estava ali entre nós.
Agindo de uma forma quase imperceptível, crescendo a cada gesto e ocupando a
cada dia, um espaço maior dentro da gente. Eu não queria sentir nada daquilo,
mas se tivesse a escolha de arrancar do peito, arrancaria de Murilo. Ele não
merecia sofrer de novo por causa de outra mulher que pretendia usá-lo até não
ter mais volta.
— Eu sei... também sinto.
— Você está admitindo que se apaixonou por mim, garota?
— Não. — senti seu peito balançar levemente por conta da risada baixinha.
— Você acabou de dizer que também sente. Isso não é a mesma coisa que
admitir?
— Não, você disse que nossos corpos se amam e isso é definitivamente, uma
verdade.
— Ah! Então você só quer usar meu corpo?
— Provavelmente.
Ele beijou o topo da minha cabeça.
— É mentira.
— Eu sei... mas não posso admitir isso em voz alta. Eu preciso manter a minha
imagem.
— Não precisa falar, eu também sei que você se apaixonou por mim.
— Por que tem tanta certeza?
— Porque eu me apaixonei por você, Laís.
Apertei os olhos e senti meu coração inflar como uma enorme balão que
estava prestes a subir alto e deslizar pelo céu entre as nuvens, próximo ao sol.
Talvez nós tivéssemos alguma chance, afinal. O telefone dele voltou a tocar e
Murilo beijou minha boca pela última vez.
— Preciso realmente ir, mas prometo que não demoro. Você vai ficar bem?
— Claro. Não se preocupe comigo. Agora vá ver sua mãe e diga que eu estou
torcendo pra que ela melhore logo.
— Tem comida no freezer, e só esquentar se quiser comer. Qualquer coisa pode
me ligar ou mandar um mensagem.
— Pode deixar. Não vou te incomodar, estarei por aqui.
Ele saiu e eu fui para o banheiro, tomei banho, escolhi uma calça preta de
cintura alta e uma blusa de seda da mesma cor. Cabelo solto, maquiagem básica
e sapatos de salto alto preto, claro.
Eu queria protestar e aquela cor era sempre uma boa opção para dias de
protestos. Peguei o celular escondido, a carteira, a bolsa, e saí uma hora mais
tarde em direção à mansão do meu companheiro de vingança.
Durante o percurso, pensei no homem que havia nascido e passado sua
infância no Brasil, foi para a Itália ainda garoto, e por amor à uma mulher que
nunca lhe retribuiu qualquer tipo de sentimento, quase perdeu a vida. Então,
decidiu que queria duas coisas, vingar a morte da sua eterna amada e constituir
uma família, comigo e com seu filho.
Eu deveria estar completamente fodida quando aceitei aquele acordo e já não
conseguia lembrar tantos motivos convincentes para levar àquela merda adiante.
Eu teria alguma chance de voltar atrás? Será que o novo chefe da organização
mafiosa mais perigosa da Itália estaria disposto à me deixar livre?
Definitivamente, não.
— Como vai, senhora?
— Estou bem. Onde ele está?
O segurança e braço direito do chefe mafioso fez questão de me acompanhar
até o escritório.
— Ele está recebendo uma visita, mas pediu pra senhorita esperar aqui e não sair
até ele chamar. O almoço será servido em uma hora.
— É alguma reunião importante?
— Nada importante. — o candidato a dublê do Hulk parou na porta e esperou
que eu entrasse — Fique à vontade, sirva-se de uma bebida que ele virá
encontrá-la assim que tiver acabado.
— Obrigada.
Ele saiu, eu peguei uma garrafa de vinho e servi uma taça. Sentei em uma
cadeira, mas logo fui dominada pela curiosidade quando ouvi vozes masculinas
no corredor e sem me conter, abri a porta devagar para confirmar quem era o
visitante.
"Eu gostaria de poder ajudar mais, mas... não sei de nada." — A voz do
brasileiro naturalizado italiano ecoou.
"Se mudar de ideia, me avise. " — eu conhecia aquela voz, só não conseguia
entender o que aquele imbecil queria.
"Eu realmente não sei do que o senhor está falando, agente..."
Porra!
Merda!
Puta que pariu!
O que caralho meu cunhado estava fazendo lá? Eles se despediram e engoli
o líquido vermelho de uma só vez. A porta foi aberta e dois segundos depois, eu
estava prensada contra a parede.
— Eu estou com muita raiva, "bela" e vou usar seu corpo para me acalmar...
Seus lábios duros tomaram os meus com força, suas mãos me despiram
rapidamente e sem qualquer preparação, fui jogada em cima do sofá e invadida
com brutalidade. Fechei os olhos e deixei que ele se satisfizesse dentro de mim.
Eu não conseguia sentir nada. Prazer, amor, tesão. Absolutamente nada.
Queria apenas poder voltar no tempo, para desfazer aquele acordo e tentar viver
de um jeito que eu nunca tinha vivido antes.
Ele agarrou meu cabelo e enquanto entrava e saía enfurecido de mim, rosnou
olhando em meus olhos, expondo sua ira à fim de mostrar que o problema era
bem maior do que eu supunha que fosse.
— Diga meu nome enquanto eu te fodo, "bela"!
Eu o conhecia bem, sabia que não era mais o mesmo homem. Desde que
minha cunhada morreu ele havia se transformado, e fez questão de mostrar que
tudo o que tinha aprendido durante anos seguindo seu melhor amigo e chefe,
seria colocado em prática.
Fechei os olhos fingindo que estava gostando de senti-lo, e sussurrei com
todos os pensamentos direcionados ao meu bombeiro:
— Não para, Gian Carlo... não para...
— Eu vou matar todos eles! — metia cada vez com mais força, descontrolado,
enfurecido — Não vou poupar ninguém! CARALHO!
Ele gozou na camisinha e desabou seu corpo sobre o meu. Olhou em meus
olhos e deu um sorriso que o classificaria na sessão "homens para colocar no
colo". Gian Carlo Pirollo havia se tornado cem vezes pior do que Lucca
Giovanese e eu precisava dar um jeito de descobrir uma maneira de pará-lo.
— O que ele veio fazer aqui?
— O idiota descobriu tudo, e mesmo eu negando, pude ver nos olhos dele que
ele já sabe. Mas não se preocupe, o agente vai ser o primeiro a cair e eu já sei
exatamente o que fazer.
— Eu posso saber como pretende matar um dos melhores agentes da Polícia
Federal?
Ele se levantou e me puxou para perto dele. Abraçou minha cintura e falou:
— Eu vou matar todos eles no sábado, durante a festa do meu filho em
Petrópolis e você e seu preciso paizinho vão me ajudar. Depois, nós voltamos
pra Itália, e vamos recomeçar como tem que ser. Uma família, minha "preciosa",
eu você e Cauã.
Coloquei meu melhor sorriso cínico no rosto sentindo uma vontade enorme
de vomitar. Pensar em Enrico Antunes era como lembrar do demônio vestido de
homem.
— Vai ser um prazer, querido.
Eu tinha quatro dias para decidir como fazer toda aquela merda acabar sem
que a minha vida acabasse junto. Só precisava descobrir como faria aquilo.
20 – HOMENS DA LEI

Thor e Piuí
— Mano, tu é foda! Como descobriu o que essa puta tava tramando?
Piuí perguntou quando entrei no carro estacionado à duas quadras da mansão de
Gian Carlo Pirollo, o babaca metido a mafioso que pretendia tomar seu filho de
volta e foder a minha vida por ter acertado um tiro na cabeça de Clara Braga,
esposa de Nestor, em Angra dos Reis há mais de dois anos.
— Quando a Laís voltou eu sabia que ela não estava sozinha nessa merda e a
primeira pessoa que eu achei que tinha alguma participação no plano, foi o pai
dela, Enrico Antunes, mas eu acompanhei o desespero dele de dentro do presídio
quando soube que a caçula estava na Rio e ainda não tinha ido até ele. Foi então
que eu desconfiei que podia ser alguém de fora e demorei um pouco pra encaixar
as peças, só quando você me mandou os relatórios do caso da Clara que eu liguei
os pontos. Fui atrás pra saber quem tinha ficado à frente dos negócios da máfia
no lugar do Lucca Giovanese, pois ele não tinha irmãos, e quando um
informante da Federal, que está infiltrado no Cartel italiano confirmou que o
Gian Carlo tinha assumido o posto, ficou evidente que era ele quem estava
financiando a vinda da ruiva pra cá.
— O Nestor sabe que ele é o pai do garoto?
— Sabe, mas ele também acha que o cara tá aleijado. Quando a Pietra foi
acusada pela morte do marido, foi esse cara quem salvou ela e contou pra polícia
que a Clara tinha sido a responsável por ter provocado o acidente que quase
matou ele. Por isso que ninguém desconfiou, nem eu.
Meus olhos estavam na rua quase deserta, ligados na movimentação dos
carros que passavam por ali, eu ainda precisava descobrir o motivo que forçava
Laís à manter o bombeiro ao seu lado, já que ele não era peça importante para o
que ela desejava fazer.
— Tem alguma coisa te incomodando, Thor, o que é que tá pegando que tu ainda
não me falou?
O foda de você trabalhar com uma pessoa que te conhecia bem era aquele,
Piuí parecia ler meus pensamentos, mesmo quando eu me esforçava para
esconder algumas coisas. E ele tinha razão, havia um "extra" a favor da ruiva
que eu não queria, mas deveria levar em consideração naquela história toda.
Passei a mão pelo barba que começava a crescer e falei sem encarar o garoto que
parecia um outro homem bem diferente do que havia nascido e crescido no Teteu
e tinha tudo para se foder na vida do crime, mas teve a mesma sorte que eu, e foi
conquistado pela loira mais linda do mundo, deu a volta por cima e mudou de
lado, enchendo minha esposa de orgulho.
— A Malu. — confessei lembrando da minha pequena birrenta que não tinha
filtro para falar o que pensava quando achava que já tinha idade para discutir ou
argumentar coisas que ela considerava importantes.
— O que a "formiguinha" tem a ver com isso?
O tom de voz do meu amigo mudou, estava mais grosso e visivelmente
preocupado. Piuí tinha meus filhos como seus, e eu sabia que se precisasse, ele
daria sua vida por eles, assim como pela Lívia e até mesmo por mim. Encarei o
advogado e decidi contar a verdade, seria bom eu ter alguém para conversar
sobre aquele assunto que há dias tirava meu sono.
— Ela gosta da tia e disse pra mim que a ruiva não é má, só é triste.
— E por que tu tá em dúvida? Ela é só uma criança, Thor, e nem imagina o que a
mãe dela passou por causa da tia. Vai me dizer que só porque a "formiga"
simpatizou com ela, tu tá pensando em poupar a desgraçada?
— Eu não tô pensando em poupar ninguém, garoto, mas uma coisa é fato: se a
Malu gostou da Laís, alguma parte boa a mulher tem, nem que seja minúscula,
quase invisível, e eu só fico me perguntando se a mudança dela desde que voltou
é realmente fingimento, quero dizer, cem por cento, tá ligado?
— Tá achando que ela pode ter se arrependido no meio do caminho?
— Já passou pela minha cabeça e isso explicaria porque ela ainda não se livrou
do tenente.
— Será que ela se apaixonou pelo cara?
— Piuí, só eu sei o que a gente é capaz de fazer quando encontra alguém que
realmente consegue fazer tudo valer à pena, cara. — Inspirei lembrando de tudo
o que passei para ser merecedor do amor da minha esposa e nada no mundo
impediria que eu fizesse tudo de novo se fosse preciso. Por ela eu me tornaria
qualquer coisa, até um assassino — Eu mudei quando ninguém imaginou que
fosse possível, e o agravante, me tornei um agente da Polícia Federal e agora
prendo traficantes. O amor transforma as pessoas, moleque, e nós somos a maior
prova viva disso, não dá pra negar. Olha pra nossa vida depois de quase dez
anos? Se não fosse pela Lívia, a gente provavelmente ainda estaria no morro, ou
morto. Vai saber?
Piuí ficou pensativo. Deveria estar ponderando tudo o que eu havia falado, e
assim como eu, precisaria admitir que era possível. Nós mudamos por amor à
Lívia, e não dava pra ignorar que Laís também pudesse ter se apaixonado por
Murilo e quisesse mudar também. Mas com ela teria que ser tudo muito bem
feito, porque ao contrário de nós, a ruiva odiava os irmãos há muito tempo, e
somente ela iria nos mostrar se o sentimento que cultivou durante toda a vida
daria lugar ao que ela possivelmente estava experimentando pela primeira vez
— O que mais que a "formiguinha" te falou?
— No dia do jantar na casa do Nestor, a Laís saiu de lá transtornada quando o
Rômulo deu a entender que deixava outras pessoas cuidando do Breno, e por
mais que eu quisesse acreditar que aquela a cena tivesse sido apenas pra gente se
convencer de que ela tinha mudado, eu sei que ela não estava mentindo. Aquele
assunto era pessoal demais. — não conseguia esquecer os olhos da minha
cunhada cravados em Malu, refletindo o pavor que estava sentindo ao imaginar a
birrentinha ou um dos meninos nas mãos de um sádico como Enrico Antunes.
Era visível sua dor, pelo menos para mim — Eu vi a preocupação genuína dela
com os sobrinhos, Piuí, e te garanto meu amigo, minha filha tem uma conexão
diferente com aquela mulher e a ruiva também percebeu, por isso ficou ainda
mais nervosa e saiu enfurecida. Nem a Laís esperava por aquilo, te garanto que
as crianças mexeram com ela de uma forma única e ela não soube como lidar
com aquilo.
Abri a carteira e tirei o pedaço de papel que minha filha tinha deixado sob o
seu travesseiro naquela noite. Malu tinha feito um desenho antes de dormir, e eu
havia prometido para ela que entregaria à Laís quando a encontrasse novamente.
Entreguei na mão dele e deixei que ele analisasse. Eu realmente precisava de
uma segunda opinião sobre aquilo.
— A Malu ainda não sabe escrever, então todas as vezes que ela quer falar
alguma coisa que acha importante, ela apenas desenha.
— É um anjo?
— Um anjo ruivo. — sorri com a imagem de Malu me entregando a folha
desconfiada, ela era muito parecida comigo e também não confiava nas pessoas
facilmente — Acho que é desse jeito que a minha filha enxerga a tia.
— Foda, cara! Mas se tem uma coisa que essa mulher não é, é a porra de um
anjo. — ele bufou e devolveu o desenho — Eu te entendo, Thor, e até acho que
tu pode dar uma chance pra ela, mas definitivamente, a ruiva quer acabar com a
vida de vocês e esse brasileiro que se acha o mafioso italiano quer matar o
Nestor pra assumir o filho dele. Então brother, não vacila, não dá as costas e nem
deixa a ruiva perceber que a Malu gosta dela. Eu também não gosto de pensar na
"formiguinha" perto da megera, nem fodendo!
— Eu preciso descobrir até onde ela está disposta a ir com esse cara e o que eles
pretendem fazer. O bombeiro tá de quatro por ela e se a Laís também se
apaixonou por ele, a gente tem muito mais chance de acabar com o Gian Carlo e
zerar esse caso. Sem testemunhas, sem pontas soltas e sem deixar rastros.
— O que tu quer fazer?
— Matar o desgraçado e toda a corja dele, mas dessa vez não vou deixar
sucessor. Quem tiver junto vai pro saco.
— O bombeiro sabe onde se meteu, ou imagina pelo menos?
— Não, ele nem desconfia. Como eu te disse, tá gamadão nela.
— Tu vai contar?
— Não.
— Nem pros irmãos?
— Quanto menos eles souberem, melhor.
— Então, só nós dois mesmo?
— Só nós dois, pivete. Como nos velhos tempo, tá preparado?
— Sempre. Tava sentindo falta de um pouco de emoção, essa vida de advogado
é muito parada.
Liguei o carro e dirigi até a delegacia onde todos os documentos do caso Laís
Antunes estavam. Era fim de tarde e logo que atravessamos a porta que dava
acesso à minha sala improvisada, meu telefone tocou e a imagem da mulher da
minha vida iluminou a tela, fazendo meu coração acelerar. Eu nunca teria o
suficiente da minha esposa, a cada dia que passava meu amor por ela aumentava
e dali a alguns meses nós iríamos completar dez anos juntos. Eu queria encerrar
logo o caso da minha cunhada e poder fazer uma viagem com a minha família,
para aproveitar cada minuto ao lado deles sem ninguém por perto para
atrapalhar, mas não dava para pensar em nada antes de acabar de vez com o
perigo que a presença de Laís e Gian Carlo representava para as nossas vidas. Eu
sabia que daquela vez, eu conseguiria montar todas as peças do quebra-cabeças e
enfim, nós estaríamos livres de qualquer ameaça do passado.
— Oi, loira.
— Está na delegacia? Pode falar comigo um pouco?
Me acomodei na minha cadeira enquanto Piuí pegou a pasta que estava sobre
a mesa e começou a folhear o material que eu tinha conseguido.
— Acabei de chegar, estamos um pouco ocupados, mas pra você eu sempre
tenho tempo.
— Quem está com você?
— O Piuí, te avisei que ele chegaria hoje, lembra?
— Mateus Trivisan, o nome dele é Pedro, será que é tão difícil chamar esse
menino pelo nome?
Revirei os olhos e Piuí sorriu, ele já deveria imaginar que minha esposa iria
pegar no meu pé por causa do apelido.
— Primeiro, ele já não é mais um garoto e você deveria saber disso. Segundo,
pra mim ele sempre vai ser o Piuí, Lívia, não é fácil mudar antigos hábitos.
— Oh... eu mudei vários, Mateus, então você também vai mudar alguns por
mim.
— Mais? Porra! Eu sou o cara que mais mudou nessa última década, caralho! Tô
parecendo uma mulherzinha por sua causa!
— Você nunca chegará nem perto de parecer uma mulherzinha, amor. Não se
preocupe com isso, mas não foi por isso que te liguei. Quero te contar uma coisa.
— Pode falar, loira, tô te ouvindo. — liguei o computador e entrei no sistema
com a minha senha.
— Amanhã teremos um dia de meninas, e vamos passar o dia todo fora.
— Vocês sempre fazem isso, loira. Por que está me contando?
— Porque nós decidimos convidar a Laís pra ir com a gente.
Travei na hora.
— Loira, não sei se é uma boa ideia.
— Eu conversei com elas, amor, e achamos que podemos dar uma chance à ela.
Pensei por alguns segundos e talvez a ideia não fosse ruim. Trazer Laís para o
nosso lado, seria uma boa maneira de acabar com Gian Carlo e evitar que uma
desgraça ainda maior acontecesse.
— Certo, mas você precisa me prometer que vai me passar o roteiro exato de
onde irão e não vão mudar em cima da hora, independente do que aconteça.
Tudo bem pra você?
— Eu posso fazer isso, mas você também precisa prometer que não vai colocar
uma viatura policial atrás da gente o dia todo. Ok?
— Não esquenta, vai ter apenas uma pessoa de olho em vocês só pra garantir e
eu prometo que ele vai ficar à distância. As meninas nem vão perceber que estão
sendo vigiadas.
— Obrigada, amor, achei que ia ser mais difícil te convencer e eu precisaria usar
de outras armas pra ter a sua permissão...
Lívia sabia como tirar proveito de qualquer situação só pra me deixar com
tesão, louco pra chegar em casa e me enterrar naquela boceta que era o meu
paraíso particular. Apertei os olhos imaginando minha loira em uma lingerie
sexy como o inferno, de quatro na beirada da cama, enquanto eu metia sem dó
dentro dela, deixando apenas as bolas pra fora batendo em sua bunda branca
linda e provocando o barulho mais erótico do mundo que perdia apenas para os
gemidos da minha mulher, que existiam apenas para me enlouquecer mais, cada
vez que eu a fazia minha. Porra! Meu pau já estava duro por imaginá-la daquela
forma. Tão linda! Tão gostosa! Tão... Lívia!
— Nada te impede de fazer um agrado por eu ter sido tão generoso, loira. Sei
que você vai pensar em alguma coisa e quando eu chegar em casa, pode me
surpreender.
— Amor, eu já estou na suíte, enchendo a banheira, completamente nua, me
acariciando e pensando em você. Estou louca pra que chegue logo e possa me
dar o que quero...
— Assim você me quebra, porra! — senti o suor escorrer pela testa, ajeitei meu
pau duro igual uma rocha que amaldiçoava cada palavra que acabou de ouvir —
Só vou finalizar umas coisas aqui e estou indo. Não saia daí até eu mandar,
entendeu bem?
— Uhum...
— Caralho, loira! — eu conhecia minha esposa, ela estava se masturbando e
aquele gemido era de puro deleite — Espero que esteja preparada, loira. Você
sabe o que acontece quando me provoca desse jeito!
— Ahhh... eu sei... e espero que você esteja muito, muito zangado mesmo...
Eu já não sabia mais o que fazer, mas não podia continuar com aquela
conversa na frente de Piuí, que sabia exatamente o que estava acontecendo.
— Apenas me espere. Preciso desligar...
— Amo você, amor... ahhh...
— Também te amo, e vou te mostrar o quanto.
Piuí gargalhou, e me entregou uma das folhas que estava em sua mão.
— Pelo jeito as coisas não mudaram nada... a Cindi continua te dominando
completamente e deixa você acreditar que é o dono da porra toda, né?
— Eu já me conformei, cara. Aquela mulher é a minha vida e sem ela, porra!
Sem ela eu não sou nada. — sacudi a folha que ele havia me entregado no ar—
Você tem certeza disso?
— Tenho. É tudo dela.
— Então, Enrico não sabe?
— Acredito que não, mas vai descobrir logo. Viu a data?
— É da semana passada, talvez ele ainda não tenha se dado conta que levou uma
rasteira.
— E vai ser uma queda significativa, Thor. Ele vai ficar na miséria, e um homem
como ele sem dinheiro, não vai durar muito lá dentro.
— É... não vai. Mas não vamos nos meter ainda, primeiro vamos ao que
interessa e amanhã você vai vigiar de perto as meninas.
— Eu ouvi, mas preciso que saiba que se ela vacilar, não vou ter pena em atirar
nela.
— A Laís não sabe que vai ser convidada, e talvez nem aceite sair com elas, mas
precisamos dela viva, Piuí e isso não é negociável.
— Beleza, mas eu não disse que ia atirar na cabeça. — deu de ombros e
caminhou até a porta depois de devolver a pasta — Posso atirar nas pernas e
talvez nos braços, só pra garantir que ela não vá fugir.
Apesar do tom brincalhão, eu sabia que o garoto falava sério e eu não poderia
discordar dele.
— Pra onde está indo? Achei que ia ficar lá em casa com a Julia.
— Nós terminamos, Thor, e eu acabei viajando sozinho. Vou ficar num hotel,
assim não atrapalho a noite de vocês.
— Por que não falou nada? E não tem problema algum ficar lá em casa,
esqueceu que você não vai dormir no meu quarto?
— Hoje vou pro hotel, amanhã cedinho eu tomo café com vocês. Assim dá
tempo pra eu me preparar pro interrogatório da Cindi, porque eu tenho certeza
que tu não vai conseguir segurar essa língua e não contar pra ela.
— Cara, ela tira até minha alma, se quiser.
— Tô ligado, sei bem como é isso. Tô indo, se tiver novidade, me avisa.
— Beleza, te espero pro café.
Ele saiu, e minutos depois de conferir os dados que estavam em minhas mãos,
pude confirmar que era tudo verdade, e mais uma vez, Piuí tinha razão. A filha
de Enrico tinha armado uma arapuca para ele, e iria acabar com a vida do velho
no presídio. Não que eu estivesse com pena dele, longe daquilo, mas a ruiva se
dispôs a pagar um preço muito alto por conta do acordo que fez pelas costas de
Gian Carlo.
Deixei a delegacia com a certeza de que Laís Antunes poderia até querer
foder os irmãos, mas já não estava tão certa se deveria ou não, fazer aquilo. Eu já
sabia o que fazer para nos proteger de Gian Carlo, só não podia garantir que o
bombeiro saísse ileso quando descobrisse o que a ruiva tinha armado. Se minha
cunhada estivesse apaixonada como eu desconfiava que estava, o
arrependimento poderia ser um castigo ainda maior do que a prisão, mas ela só
iria descobrir aquilo, quando fosse tarde demais.
21 – GILMORE GIRLS

Laís Antunes
Voltei para a casa de Murilo perto das seis da tarde, depois de passar boa
parte do tempo com a cabeça de Gian Carlo entre as minhas pernas acreditando
facilmente que era um amante profissional. Eu sabia fingir bem, e com certeza
ele havia acreditado que o sexo oral tinha sido o melhor de toda a minha vida.
Idiota! Nem usar a boca o incompetente sabia.
A casa estava silenciosa e o bombeiro ainda não tinha dado notícias sobre o
estado da sua mãe. Tirei o celular da mochila e verifiquei se havia alguma
ligação, e para o meu desânimo apenas o número de Enrico preenchia a lista de
chamadas perdidas. Devolvi o aparelho ao compartimento escondido e retirei o
aparelho fixo do carregador. Liguei para o bombeiro, mas a ligação caiu direto
na caixa postal e depois da terceira tentativa sem sucesso, decidi esperar que ele
retornasse.
Tomei banho, troquei de roupa e me servi de uma taça de vinho, sentei no
sofá e liguei a televisão para passar o tempo, enquanto esperava Murilo. Me
sentia cansada e suja, mas não tinha o que fazer, ficar com Gian Carlo era
necessário, até que tudo acabasse, o que me fazia sentir pior ainda.
Fazia algum tempo que meu corpo pertencia somente ao bombeiro, e transar
com Gian não tinha sido uma escolha, portanto tentava me convencer de que
aquilo não deveria ser considerado uma traição afrontosa e humilhante ao que eu
estava sentindo por Murilo. Nunca em minha vida eu me senti culpada daquele
jeito e de uma forma muito ruim, não conseguia parar de pensar que ele não
merecia o que eu estava fazendo.
Minha consciência estava decidida a me punir, talvez como uma forma de
compensar todos os anos que ela havia ficado alheia às minhas atitudes, sem
cumprir sua missão de me atormentar durante os minutos que antecediam o
sono, enfatizando o quanto eu era uma mulher fútil, vazia e egoísta.
Ouvi vozes do lado de fora, e me preparei para sumir dentro do quarto
quando a porta foi aberta e Murilo apareceu sorrindo. Levantei embriagada por
sua beleza, disposta a me jogar em seus braços, mas quase caí dura quando Lívia
entrou atrás dele, sorrindo como se fossem velhos conhecidos. Encarei aquelas
duas pessoas lindas, que certamente formariam um casal digno de capas de
revistas e um bolo se formou em meu estômago ao imaginá-los juntos.
Os dois pareciam... felizes? Uma nuvem negra pairou acima de mim,
trazendo mais uma novidade à minha mais nova realidade, o ciúme. Eu estava
morrendo por dentro ao vê-los ali, parados, me encarando como se a entrada
deles na sala, juntos e sorridentes, não fosse nada de mais.
— Oi, garota... olha quem eu encontrei perdida aí fora.
Tentei sorrir, disfarçar o incômodo, mas fracassei com sucesso. Era possível?
Havia sucesso no fracasso? Claro que sim, definitivamente. Eu havia acabado de
comprovar.
— Desculpe eu vir sem avisar, Laís, mas eu não tinha seu número e precisei de
muito esforço pra descobrir onde o Murilo morava. — a loira que não parava de
sorrir tentou se explicar.
— O que veio fazer aqui? — minha voz saiu, digamos, mais áspera do que eu
pretendia que saísse, mas infelizmente, aquela situação não me permitia agir de
outra forma. Será que o agente sabia que a esposa dele estava ali, na casa do
bombeiro?
— Eu vim te fazer um convite e espero que aceite.
— Convite?
O sorriso bobo na cara de Murilo estava me tentando a arrancar-lhe alguns
dentes, todos talvez? Por que ele estava tão animado com a presença daquela
mulher? Será que nenhum homem conseguia passar imune à ela? Que ódio!
— Eu vou deixar vocês duas conversarem em paz, preciso de um banho pra
arrancar esse cheiro de hospital. — ele fechou a porta e mais uma vez, sorriu
para ela. Idiota. — Fique à vontade, Lívia...
Passou por mim e depositou um beijo casto em meus lábios, seguiu pelo
corredor e sumiu. Encarei minha irmã que ainda sorria para mim. Que porra de
mulher que não sabia ficar séria!
— Senta. — apontei para o sofá que me acomodava antes deles chegarem —
Seu marido sabe que está aqui?
— Claro, foi ele quem me deu seu endereço mais cedo.
— O que você quer, Lívia?
A loira se ajeitou e colocou a bolsa pequena ao seu lado, apoiou os cotovelos
nas coxas e inclinou o corpo para frente, me encarando com seus olhos verdes,
lindos, intensos e brilhantes. Lívia tinha alguma coisa que a diferenciava das
outras, mas eu nunca admitiria aquele fato em voz alta, ou para qualquer pessoa,
se pudesse, nem para mim mesma.
Eu sempre a veria como a mulher que tirou Marcel da minha vida, e mesmo
reconhecendo que o bombeiro havia dado um novo significado ao que eu julgava
ser amor, ainda sim, eu queria nutrir sentimentos ruins por ela.
— Eu vim te convidar pra passar o dia com a gente amanhã, quer dizer, comigo,
a Manu, a Pietra e a Malu. — ela parecia constrangida e um pouco sem graça,
talvez — De vez em quando a gente sai pra fazer coisas de meninas, e de uns
tempos pra cá acabou virando um ritual, sabe? E... nós queríamos que você
viesse amanhã. O que me diz? Quer passar um dia falando besteira e fazendo
várias coisas fúteis?
Tudo bem, me amarrotem porque eu estava passada com aquela novidade.
Elas realmente me queriam perto? Desejavam a minha companhia em um dia de
"meninas"? Eu estava preparada para muitas coisas, mas nunca imaginei que me
encontraria em uma situação daquelas, diante da mulher que eu tinha tentado
matar algumas vezes. Será que elas não percebiam o que eu estava tramando?
— Você já falou que seu marido sabe que está aqui, mas ele sabe o tipo de covite
que está fazendo?
— Laís, eu não tenho segredos com Mateus, claro que ele sabe o que vim fazer
aqui e não vou mentir pra você e dizer que achei normal a reação dele quando
concordou que seria bom você se juntar à nós, mas ele sabe que eu sempre te
amei, e tudo o que eu mais queria era ter você de volta em nossas vidas.
— Mesmo depois de tudo o que eu fiz pra vocês? — eu estava perplexa com
aquela atitude de Lívia.
Ela levantou e sentou ao meu lado, segurou minhas mãos e permitiu que
algumas lágrimas escorressem por seu rosto perfeito. Mil vezes merda, e em
letras garrafais para enfatizar o quanto eu estava chocada.
— Todos nós erramos, e você tem razão quando nos culpa por tudo o que passou
nas mãos daquele homem e da nossa mãe. Eu nos culpo também, pode ter
certeza disso. A única coisa que importa agora, é saber que você está arrependida
e pode nos ajudar a recuperar o tempo perdido, irmã.
Eu não conseguia entender, muito menos explicar o que estava sentindo ao
vê-la tão perto, tão sincera, tão... burra. Será que Lívia não enxergava minha
alma? Eu demorei à responder, então ela achou que deveria continuar despejando
sua inocência em cima de mim.
— Eu vi o quanto as crianças mexeram com você, a Malu não parou de falar
como a tia dela é parecida com a Valente, e o quanto ela é linda com seus
cabelos vermelhos e suas "pintinhas". Minha filha está encantada por você, Laís,
e eu duvido que uma criança como ela iria se apaixonar por uma pessoa que não
fosse digna do seu amor. — Lívia enxugou suas lágrimas e sorriu
timidamente — Ela te ama, tenho certeza disso; e aquela menina é osso duro de
roer como o pai, mas com você foi amor a primeira vista e eu confio plenamente
na minha filha. Se ela confia em você, eu sei que posso confiar também...
Eu já estava em prantos ao ouvir aquela declaração sobre a "marrentinha", e
sabia que a minha ligação com ela tinha sido diferente, embora não admitisse.
Eu não procurei por aquilo, assim como não planejei a entrada de Murilo na
minha vida, as coisas apenas aconteceram e eu já não sabia mais o que fazer com
todas aquelas sensações e emoções tão contraditórias, e novas, e inexplicáveis
que se alastravam em meu coração dominando pequenos espaços à cada gesto,
cada palavra, cada demonstração de afeto e carinho que recebia deles.
Eu não era digna porra nenhuma do amor daquelas pessoas. Eu voltei para
acabar com eles, destruir suas vidas e pôr um fim na família Antunes, então,
porque estava recebendo coisas boas? Aquilo não estava certo! Não era justo
com eles, e muito menos comigo. O mais sensato seria eles se afastarem e me
manterem o mais longe possível de suas famílias, suas casas e principalmente,
suas crianças. Eu não era uma pessoa boa, com intenções boas, afinal. A única
coisa que me importava era continuar alimentando o ódio que há anos era
nutrido diariamente, e que nas últimas semanas estava se dissipando sem que eu
me desse conta.
— Eu não sei se posso... — respondi e me afastei dela.
— Claro que pode, nós queremos que você venha. Por favor... prometo que se
não gostar de alguma coisa, não insistiremos para que fique. Só nos dê uma
chance.
— Eu vou pensar, ok? Preciso de um tempo pra assimilar tudo isso.
— Tudo bem, estaremos aqui as dez da manhã, caso não ligue desmarcando.
Pode ser?
Assenti com a cabeça e tentei ignorar a aproximação dela nas minhas costas.
— Vou deixar isso pra você. — Lívia colocou uma folha de papel dobrada em
cima da mesa e se afastou — É da Malu, e ela fez o Mateus prometer que
entregaria quando te encontrasse, mas como eu falei que viria aqui, fiquei
responsável pela entrega. Nos vemos amanhã.
Não virei.
Não olhei.
Não respondi.
Apenas esperei que ela saísse para desabar no sofá como uma grande
"amoeba". Peguei a folha de papel e mais um pedaço de mim se desfez ao ver o
que parecia ser um anjo desenhado, com asas brancas desproporcionais ao
tamanho do corpo, cabelos vermelhos e várias pintas que poderiam ser
facilmente confundidas com marcas de catapora por todo o rosto, acompanhado
por um coração contornado com giz de cera azul, e a palavra "tia" escrita dentro
dele em letras de forma, tortas e tremidas.
Características típicas de uma menina pequena em seu um metro de altura,
mas enorme em sua ingenuidade e crença na mulher que tinha como principal
motivação de vida, destruir sua família. Meu coração estava em frangalhos e
como se fosse impossível ficar pior, Murilo entrou na sala, apenas de bermuda,
com um sorriso lindo em seu rosto e se ajoelhou à minha frente.
— Não se sinta culpada por eles te amarem e escolherem o perdão ao invés da
intolerância, Laís, porque eu também estou amando você e sei que te perdoaria
se fizesse merda.
Ele me abraçou e foi ali, nos braços dele, que eu desabei em um penhasco
sem fundo, sem volta e sem chances de chegar ao fim daquela história sem
perdê-lo. Murilo me acolheu, como fez desde o primeiro dia, e na minha cabeça,
apenas as lembranças da tarde que eu havia passado com Gian Carlo me
esmagavam severamente. Eu precisava tomar uma decisão antes que as coisas
saíssem completamente do meu controle.
— Você não pode me amar, Murilo...
Ele segurou meu rosto entre suas mãos e beijou minha boca. Senti nojo de
mim, asco, por ter permitido que outro homem me tocasse. Seus olhos azuis num
tom de céu em uma tarde quente de verão sorriram para mim, e me presentearam
com a paz que somente ele era capaz de me oferecer.
— Tarde demais pra me pedir isso, garota. Eu já amo você, mais do que possa
imaginar.
Eu merecia o inferno, sem dúvida.
— Eu também estou amando você, bombeiro.
Ele me beijou, eu chorei. Ele me embalou, eu desmoronei. Ele me amou e eu,
definitivamente, o amei. Não houve proteção ou qualquer barreira entre nós além
de todas as mentiras que eu havia contado, mas Murilo me sentiu como nenhum
outro homem havia sentido, e teve de mim, o que nenhum outro jamais teria. Ele
teve o meu melhor, que eu mesma nem sabia que tinha.
— Espero que você decida passar o dia com elas...
O bombeiro falou depois de termos feito amor. Eu estava deitada ao lado
dele, com a cabeça apoiada em seu peito forte e acariciava seus gominhos com a
ponta dos dedos.
— Não sei se é uma boa ideia.
— Se permita ser feliz, se dê uma chance e tente.
— Nós precisamos conversar, Murilo. Eu tenho muitas coisas pra te falar sobre a
minha vida.
Ele beijou minha testa e bocejou.
— Amanhã nós conversamos, ok? Hoje eu só quero dormir com você e saber
que vou acordar contigo aqui, na minha cama.
Fechei os olhos e aspirei seu cheiro delicioso de homem, suor e sexo.
— Mas de amanhã não pode passar, eu preciso que você saiba toda a verdade.
— Uhum...
Senti sua respiração desacelerar e logo percebi que estava dormindo. Ele não
havia falado nada sobre a sua mãe e eu não sabia o que tinha acontecido com ela,
mas Murilo deveria estar muito cansado para dormir àquele horário. Levantei,
peguei o celular escondido na mochila e mandei uma mensagem para o meu
cunhado.
"Precisamos conversar"
Menos de um minuto depois, veio a resposta:
"Achei que ia demorar mais..."
Revirei os olhos.
"Amanhã."
Olhei para Murilo completamente apagado na cama e uma tristeza profunda
me dominou, só de pensar que eu precisaria me afastar dele.
"Amanhã você estará ocupada. Eu ligo pra você."
Franzi a testa.
"Não podemos esperar, você precisa proteger todos eles."
A última mensagem demorou mais do que eu gostaria, mas me permitiu
dormir um pouco mais tranquila.
"Eu já sei de tudo, só preciso saber se vou ter que matar você também..."
Idiota!
"Se precisar me matar pra salvá-los, vá em frente e não hesite."
Apertei os olhos e massageei a testa. Minha decisão estava tomada e pelo
menos uma vez na vida, eu faria a escolha certa, mesmo que aquela decisão
acabasse comigo.
"Nunca foi uma opção minha escolher você."
Sim, eu sabia. E o agente estava certo.
"Obrigada."
Guardei o celular e voltei para a cama, deitei ao lado de Murilo e me
convenci de que dormir ao seu lado àquela noite seria o meu prêmio de
consolação. Mas nada havia me preparado para o que estava por vir, e só então
eu entenderia por que diziam que amar outra pessoa mais do que você mesmo,
era considerado o maior erro que um ser humano poderia cometer.
E mais uma vez, eu provaria que a minha melhor qualidade, era errar...
22 – SEX AND THE CITY

Laís Antunes
Ainda faltava pouco mais de uma hora para elas chegarem, mas eu andava de
um lado para o outro no pequeno espaço da sala, nervosa e agitada. O barulho
dos saltos contra o piso de madeira parecia piorar a ansiedade, mas a ideia de
sentar não era uma coisa que eu estava cogitando fazer naquele momento "pré-
passeio", como Murilo havia apelidado.
Além de não ter dormido bem durante a noite, levantei muito mais cedo do
que estava acostumada diariamente. Banho, café, espera. Espera. Espera. Eu não
era boa naquilo, não mesmo. Definitivamente. Confirmado. Eu, Laís Antunes
odiava esperar, mesmo que ainda não estivesse nem perto do horário marcado.
Inspira, respira e relaxa. Foda. Eu precisava me acalmar. O som do telefone fixo
me despertou e sem olhar o identificador de chamadas, atendi.
— Alô.
— Quem está falando? — a voz feminina perguntou.
— Quer falar com quem?
— Com o Murilo, pode chamá-lo, por favor?
Senti meu sangue esquentar, era a vaca,
— Ele não pode atender agora, está ocupado. — menti.
— Então, avise que a mãe dele foi transferida para o quarto particular que ele
pediu, e que as duas horas estará sendo levada para a sala de cirurgia.
Do que aquela mulher estava falando?
— Acho que você está enganada...
— Oh! Você não estava sabendo? Ontem nós passamos o dia todo no hospital,
querida. A mãe do Murilo irá passar por uma cirurgia cardíaca e ele me pediu
para acompanhá-los no hospital.
Senti meu corpo inteiro tremer. De raiva! Ela continuou a falar percebendo o
meu silêncio.
— Entende agora porque ele precisa de uma mulher ao lado dele, e não uma
menina problemática? Mas, enfim... dê o recado, e pode ficar sossegada que eu
estarei ao lado dele enquanto você continua se tratando até se sentir capaz de
cuidar da sua vida sozinha.
— Eu sei cuidar muito bem da minha vida! — rosnei e logo me arrependi, ela
não merecia qualquer explicação.
— Ótimo. Assim ele não vai ficar com a consciência pesada quando você
perceber que só está aí porque ele se sente responsável por ter te tirado da
clínica.
— Eu nunca pedi por isso.
Por que ele se sentiria daquela forma? Será que Murilo achava que me devia
alguma coisa por ter falado que cuidaria de mim? Por que ele mentiria quando
disse que me amava? Estava mentindo? Merda! A vaca queria me desestabilizar,
e estava fazendo um ótimo trabalho, diga-se de passagem.
— Mais uma prova de que você não sabe nada sobre ele, querida. Murilo acha
que irá se redimir da culpa que carrega fazendo por você o que não fez pela
Keila. Nunca foi por você, ou achou mesmo que um homem como ele se
interessaria por uma menina com distúrbios mentais e viciada em sexo?
Ela sabia. Ele contou. Murilo havia falado para ela sobre a minha doença.
Desgraçado! Respirei fundo e lembrei que ainda não tinha tomado o remédio.
— O recado será dado, senhora. — tudo bem, infantil demais, mas eu precisava
tentar atingi-la de algum jeito, afinal — Logo que ele sair do banho, eu aviso.
Desliguei sem dar chance para que ela respondesse, fui até a cozinha e peguei
o comprimido guardado na gaveta da pia junto com outras caixinhas, e pela
primeira vez reparei que eram muitas. Comecei a ler uma por uma, e todas eram
destinadas ao tratamento de depressão. Muitas tinham datas vencidas, mas a
maioria continha na embalagem data de fabricação recente, o que indicava que o
consumidor era Murilo, e não a falecida. O que eu sabia sobre a vida dele?
Nada.
Estive com o bombeiro durante meses e nunca fui apresentada para sua
família, nem mesmo sabia que tinha um irmão. Passamos muito tempo juntos,
mas ele nunca me levou até o seu trabalho ou conversou comigo sobre os
trâmites de suas férias ou de seu afastamento, nem mesmo sobre o incidente no
incêndio que havia colocado sua vida em risco. Murilo me manteve no escuro o
tempo todo, alimentando meu egoísmo e fazendo com que apenas a minha
doença e a minha vida parecessem importantes. Vivíamos entre quatro paredes
como um casal, mas e fora delas? Nunca saíamos de mãos dadas, ou fomos a um
cinema, shopping ou restaurante.
Apoiei as mãos na pia e abaixei a cabeça tentando acalmar meu coração
acelerado, a manhã não estava favorável para a tranquilidade. A ideia de passar o
dia com Lívia e as meninas me deixava ansiosa, a conversa com Mateus na noite
anterior por mensagem de texto também não ajudou para que eu dormisse
melhor. Depois o telefonema da vaca corretora e a descoberta de que Murilo
esteve com ela o dia todo acompanhando sua mãe doente e não falou nada,
mesmo depois de termos feito amor antes de dormir, e o fato dele ter se
declarado, tinha sido a cereja do bolo para que toda a minha auto-confiança fosse
pelo ralo.
Senti as lágrimas inundando meus olhos, mas não me permitiria chorar.
Talvez o universo estivesse conspirando para que as coisas se encaminhassem da
melhor maneira, e a minha presença na vida daquelas pessoas estava com as
horas contadas. Eu não merecia estar ali, ser amada pelo bombeiro ou ser
querida por meus irmãos e sobrinhos, e sabia daquilo melhor do que ninguém.
Guardei os remédios, tomei mais uma xícara de café puro e decidi que agiria
como a mulher madura que todos esperavam que eu fosse. E eu era.
Abri a porta do quarto e encontrei Murilo ainda deitado, lindo, dormindo
tranquilamente. Seu corpo ocupava grande parte da cama, seu peito nu sem pelos
era uma tentação ambulante capaz de fazer qualquer fêmea salivar de tesão e
instigar os desejos mais picantes até mesmo em uma freira. Ele realmente
merecia ser feliz e ter uma mulher digna de estar ao seu lado, e aquela mulher,
definitivamente, não seria eu.
Olhei para o relógio e vi que faltava pouco menos de uma hora para o
passeio. Recolhi minhas coisas que estavam espalhadas pelo chão e segui para o
quarto de hóspedes para arrumar minhas malas. Retirei todas as peças que se
espalhavam pelos cabides sem muito cuidado e muitas lembranças vieram à
minha mente, grande parte ao lado do bombeiro. Desde o dia em que ele se
aproximou no alto do prédio, conversou comigo, me ajudou, ficou ao meu lado
durante todo o período da internação, me amou como nenhum outro homem fez,
cuidou de mim e me mostrou como uma mulher deveria ser tratada. Como não
se apaixonar por ele?
O que eu estava pensando quando permiti que ele se aproximasse? Claro que
do jeito que eu estava e vivia, me iludi que poderia ser imune ao seu jeito
carinhoso e paciente. Achei que já havia conhecido todos os tipos de homens e
que nada mais me abalaria, mas acabei me fodendo, literalmente. Murilo não era
tempestade, era garoa fina que molhava aos poucos e até que fosse percebido, já
tinha inundado e provocado estragos muito maiores do que as pancadas de água
que encharcam, destroem e apenas vão embora. Sem mágoas ou ressentimentos.
Eu estava inundada dele e me afogaria rapidamente, mas tudo o que havia
acontecido nas últimas vinte e quatro horas serviram para que eu tomasse as
decisões necessárias. Não se tratava mais apenas de mim, tinha muita coisa em
jogo e eu não estava mais disposta à pagar para ver no que iria dar. Como tudo o
que aconteceu em vinte anos, poderia ter se tornando insignificante em apenas
sete meses? Será que as pessoas haviam me convencido à voltar atrás em minhas
decisões, ou eu realmente estava mudada? Eu ainda não sabia responder àquelas
perguntas. Talvez nunca soubesse, mas o importante é que a vida pulsava em
mim. Forte. Curiosa. Ela queria se libertar da dor e da mágoa, e eu estava mais
do que disposta a ajudá-la.
Faltando dez minutos para as dez da manhã, voltei ao quarto de Murilo que
dormia com seu corpo deitado de lado. Me aproximei lentamente e depositei um
beijo demorado em sua testa. Permiti que algumas lágrimas descessem como
uma forma de agradecimento por tudo o que ele havia feito por mim. Estive tão
ocupada comigo, que não percebi o uso que ele fazia de remédios para dormir.
Deixei um bilhete ao lado dele, em cima do travesseiro.
"Você estava certo desde o começo. Eu me apaixonei... perdidamente por você,
mas não posso mais fazer isso, me perdoe. Sua mãe foi transferida para o quarto
particular e será operada as duas da tarde. Sua acompanhante pediu que
avisasse. Não precisa se preocupar comigo, ficarei bem. Laís."
Peguei minhas coisas e deixei a casa sem olhar para trás e encontrei o carro
preto de Lívia estacionado na porta. Ela desceu e franziu a testa quando viu as
malas que eu carregava. Meus olhos vermelhos também evidenciavam o choro e
a loira parecia preocupada.
— O que aconteceu, Laís? Vocês brigaram?
Neguei com a cabeça.
— Não, mas eu realmente não gostaria de falar sobre isso agora...
— Claro. Claro. Vem, deixa eu te ajudar com isso.
Colocamos as coisas no porta-malas e nos acomodamos nos bancos da frente,
só então, percebi dois olhinhos presos em mim. Olhei para trás e vi Malu
amarrada à cadeirinha me encarando com a testa franzida. Sorri para ela e falei.
— Oi, tudo bem com você?
— Por que você tava chorando?
Lívia deu de ombros e acabei sorrindo. Como seria possível ensinar uma
menininha de quatro ou cinco anos à não ser direta, ou sincera, ou os dois?
Apesar de não ter filhos, acreditava que fosse impossível. A loira colocou o carro
em movimento e eu virei o corpo para trocar uma ideia com a pequena bocuda
que mantinha a cara fechada. Chegava a ser engraçado uma menina tão pequena
parecer tão mal humorada.
— Às vezes a gente fica triste e chora um pouquinho, mas logo passa e tudo fica
de bem de novo. Você já chorou algum dia?
— Minha mãe num quis me dá o gatinho, aí eu chorei.
— Sério que você queria um gatinho? — Lívia fez uma careta e continuou atenta
ao trânsito — E o que aconteceu depois?
— Eu pedi pro Piuí e ele me deu um.
— Piuí? Quem é esse?
Lívia bufou irritada, mas a pequena respondeu antes dela.
— Meu tio, ele qui mi deu o "Romeu".
— O nome dele é Pedro, Malu. Nós já falamos sobre os apelidos, não é mesmo?
Minha sobrinha cruzou os bracinhos gordos e fez um bico. Minha vontade era
de gargalhar, mas pela cara da mãe dela, achei melhor segurar para não interferir
na educação da menina.
— O papai e o padinho chama ele de Piuí, eu também quero chamá.
Não aguentei e acabei sorrindo, vendo Lívia revirar os olhos.
— Seu pai e o seu padrinho estão precisando ir pro cantinho do castigo, quem
sabe assim eles obedecem a mamãe. O que você acha?
A menina pensou por alguns minutos e voltou a me encarar.
— Meu papai falo que gente grande fica de castigo na cadeia. Você vai colocá
eles na cadeia?
— Senhor! — Lívia exclamou — Vamos esquecer esse assunto agora, ok? Hoje
é dia de passear e se divertir e não de ficar falando dos meninos. Agora conta pra
sua tia onde nós vamos levá-la!
— Tia, a gente vai na piscina e depois vai come coxinha.
— Piscina? Por que você não avisou, Lívia? Eu não trouxe biquíni...
— Eu imaginei que não iria trazer, por isso eu trouxe algumas peças a mais.
Fiquei com medo que não viesse se te contasse que iríamos no clube.
— Claro que eu viria, só não sei se vou ficar de biquíni. Cadê a Pietra e a
Manuela?
— Elas vão encontrar a gente lá. Hoje o Mateus pretende ficar na delegacia e
pediu que eu desse uma carona pra ele pra não ter que ir dirigindo.
— E você, não está trabalhando?
— Estou. Eu e a Manu continuamos com a empresa, mas temos uma equipe
muito boa trabalhando pra nós, então, sempre que dá a gente escapa pra se
divertir um pouco.
— Eu pensei sobre o que vocês falaram na segunda-feira durante o jantar e
decidi que vou procurar um curso de decoração de interiores. Quem sabe eu me
interesso?
— Vai ser ótimo pra você, irmã. Você pretende ficar onde, Laís?
— Vou ficar em um hotel por enquanto, mas pretendo alugar um apartamento
ainda essa semana.
— Não tem volta, você e o Murilo?
— Não.
— Quer me contar por que vocês brigaram?
— Não teve briga, Lívia. Ele me escondeu que ontem passou o dia todo com
uma mulher que tá louca por ele e eu só fiquei sabendo porque ela fez questão de
telefonar hoje cedo pra me contar.
— Você nem perguntou pra ele o que aconteceu?
— Nossa situação é muito complicada, e o Murilo se sente responsável por mim.
Eu... tenho muitos problemas pra resolver ainda e... não ia dar certo de qualquer
jeito, então, eu só antecipei o que seria inevitável.
— Ele pode até se sentir responsável por você, mas tá na cara que ele te ama.
Chegamos à entrada de um clube muito famoso do Rio de Janeiro, o Barra
Country Club. Tinha de tudo lá dentro, desde piscinas e restaurantes até uma
boate que servia como casa de shows. Apenas a elite da elite frequentava, não só
pelos valores altíssimos que eram pagos mensalmente, mas pela segurança que o
lugar oferecia.
— Vamos deixar como está, ok? Eu já tomei minha decisão e não pretendo
voltar.
— Tudo bem, hoje o dia é para relaxar e esquecer os problemas...
Chegamos ao estacionamento e encontramos Manuela e Pietra conversando
com mais duas mulheres, que se afastaram logo que nos aproximamos. Malu
recusou a mão da sua mãe e enroscou seus dedinhos nos meus, deixando claro
que era ao meu lado que iria ficar. Sorri e decidi esquecer o mundo do lado de
fora daquele clube.
As meninas estavam fazendo de tudo para que eu me sentisse à vontade e em
nenhum momento falaram sobre o passado. Estávamos na piscina quando um
garçom trouxe as bebidas e me ofereceu uma taça com um líquido vermelho e
vários pedaços de morango compondo a decoração.
— Eu pedi água.
— Esse drink é uma cortesia daquele senhor que está no bar. — apontou para um
homem loiro, bronzeado, que vestia bermuda e camisa pólo branca.
— Eu agradeço. —Sinalizei para o cavalheiro, mas não bebi — Vocês
conhecem?
— Ele é um gato, Laís. Por que não vai conversar um pouquinho? — Manuela
perguntou, e eu voltei a olhar para o homem que não tirava seus olhos de mim.
— Acho que é o ex marido da Tati Aguiar, não é? Aquele que pegou ela com o
motorista na cama dele? — Pietra falou em dúvida.
— Eu não conheço, mas que ele é bonito, isso não tem como negar. — Lívia me
encarou e deu um sorriso solidário — Não sei se o seu coração está preparado
pra seguir em frente, irmã. Mas conhecer um homem lindo e conversar um
pouco não é uma má ideia.
Enrolei a canga na cintura e tomei coragem, afinal de contas não era difícil
fazer aquilo, certo? Quantas vezes eu já havia abordado homens com intenções
muito piores? Várias. Mas naquele dia, parecia que seria a primeira vez que eu
iria me aproximar de um macho interessado em acasalamento. Minhas mãos
estavam tremendo, suando.
— Acho que vocês têm razão. É só uma conversa, certo? O que pode dar errado?
— É isso aí, garota! Vai lá e arrasa! — a esposa de Rômulo era a mais
empolgada.
Caminhei lentamente até o bar e vi quando o homem, que era muito mais
bonito de perto, sorriu mostrando todos os dentes perfeitamente alinhados.
— Me desculpe por isso, mas eu não consegui tirar meus olhos de você desde
que cheguei aqui. — me ofereceu a mão grande e quente que eu peguei
rapidamente — Mauro, muito prazer.
— Laís. Obrigada pela bebida.
— Eu nunca vi você por aqui.
— Porque eu nunca vim, é a primeira vez.
Ele devolveu seu copo no balcão e seus olhos caramelos pareciam me
inspecionar. Alguma coisa nele me incomodou e meu instinto protetor ficou em
alerta máximo. Eu não gostava de me sentir daquela forma, pois sempre que
aquela sensação me invadia, coisas ruins aconteciam. Normalmente eu ignorava
os sinais, mas nos períodos em que eu estava medicada, eles me mostravam que
não eram à toa, e que era burrice ignorá-los.
— Quer dar uma volta, Laís? Eu posso te mostrar o clube.
— Na verdade, não. Eu vim apenas agradecer a bebida e dizer que não precisa
gastar seu dinheiro comigo porque eu sou comprometida.
Girei nos calcanhares, mas não dei um passo sequer. O homem que havia se
identificado como Mauro segurou meu braço e me virou de frente para ele
novamente.
— Calma... eu preciso que você venha comigo, Laís, e sem fazer escândalo. —
Ele levantou sua camisa o suficiente para que eu visse a faca guardada em sua
cintura — Tem dois atiradores com armas apontadas para a cabeça da esposa e
da filha do Thor, se você fizer alguma merda, elas morrem.
— Quem é você e o que você quer comigo?
— Eu só estou fazendo um favor para um velho amigo.
— Que amigo?
O telefone dele tocou e na hora ele colocou o aparelho no ouvido.
— Estou com ela. — O loiro me passou o aparelho e sorriu com deboche— Ele
quer falar com você.
Devo ter ficado vermelha de raiva, porque ele praticamente gargalhou quando
eu peguei o aparelho e falei um palavrão em sua direção.
— Quem é? — perguntei com grosseria para tentar esconder o quanto eu estava
apavorada e com medo de que alguma coisa acontecesse com as meninas, que
estavam distraídas conversando, enquanto Malu tinha seus cotovelos apoiados na
borda da piscina com seus olhinhos coloridos me encarando desconfiada.
— Estou esperando a sua visita, minha princesinha.
Senti meu estômago embrulhar ao ouvir a voz daquele verme, e encarei
Mauro que mantinha um sorriso macabro no rosto.
— O que você quer?
— Você aqui, comigo.
Eu iria matá-lo. Mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro, eu iria
acabar com Enrico. Talvez fosse melhor resolver aquele problema de uma vez
por todas, e colocar o primeiro de muitos pontos finais que eu precisava para
pensar na possibilidade de seguir em frente. Em paz.
— Hoje eu estou ocupada como deve saber, mas amanhã estarei aí.
— Hoje, as dez da noite. Estará tudo pronto do jeito que você gosta. Não atrase.
Ele desligou. Eu respirei fundo e devolvi o telefone para o falso admirador.
Voltei para o lugar onde as meninas estavam e fingi que nada de mais tinha
acontecido. Passamos a maior parte do tempo na piscina, fomos a sauna, fizemos
aula de zumba e falamos muitas besteiras. Foi divertido como eu nunca imaginei
que pudesse ser e me peguei desejando poder ter aquele tempo com elas mais
vezes. Malu ficou grudada como um carrapatinho e só me largou quando o sono
venceu a batalha e Lívia a acomodou em uma espreguiçadeira.
Saímos do clube às seis horas da tarde com a promessa de nos encontrarmos
no sábado para comemorar o aniversário de Cauã, em Petrópolis. Lívia me
deixou em um hotel próximo à sua casa e me fez prometer repensar no convite
para que eu ficasse hospedada com ela e sua família.
Tirei o celular da mochila e uma dúzia de mensagens pipocaram na tela, mas
apenas a do meu cunhado eu fiz questão de ver, e no mesmo instante, me
arrependi.

23 – GREY'S ANATOMY

Murilo Castelli

Eu já tinha lido o bilhete mais de dez vezes e ainda não conseguia entender o
que tinha acontecido enquanto eu estava dormindo. Laís simplesmente foi
embora como se não fosse nada demais me deixar, mas uma coisa me deixou
com uma pulga atrás da orelha, por que Rose tinha avisado sobre a internação da
minha mãe, se desde ontem estava tudo acertado?
Depois de tomar café e procurar Laís pela casa toda, resolvi ligar para a
corretora que no dia anterior fez questão de ficar comigo no hospital, mesmo
depois de ter sido dispensada. Tentei contato quatro vezes pelo celular e telefone
fixo, mas todas sem sucesso, e decidi que iria procurá-la ainda naquele dia para
saber o que ela queria quando decidiu falar com Laís.
Eu sabia que tinha sido grosseiro com ela, mas não tive escolha. A morena
resolveu confessar que estava apaixonada por mim na frente da minha mãe, que
mesmo doente só faltou pedir para que marcássemos a data do casamento,
tentando me manipular usando a doença. Fiquei puto.
Nós havíamos transado meses atrás, mas deixei claro que não ia rolar mais
nada porque eu estava apaixonado por outra mulher. No começo ela parecia ter
entendido, e na verdade acho que apenas fingiu para poder ficar por perto e
descobrir mais coisas sobre a vida de Laís.
Rose fazia muitas perguntas sobre a menina que tentou tirar a própria vida,
sempre se mostrando interessada em ajudar com médicos, remédios e clínicas,
até que em uma de nossas conversas eu acabei contando sobre a doença de Laís,
mas logo me arrependi. A morena surtou acusando minha garota de estar me
usando para suprir apenas suas "necessidades". Ela nem imaginava o quanto eu
estava envolvido e disposto a fazer qualquer coisa para que ela ficasse bem, e
comigo.
Peguei o telefone e liguei para Mateus, ele deveria saber onde elas estavam e
eu pretendia ir atrás dela para entender o que realmente tinha acontecido.
— Mateus. — ele atendeu no primeiro toque.
— Oi Mateus, é o Murilo, tudo bem contigo?
— Se é pra saber onde elas estão, esquece.
— Como você sabe o que eu quero?
— A Lívia me falou que a irmã dela saiu de casa com as malas e pretende ficar
em um hotel até encontrar um apartamento para alugar.
— Caralho! Então ela não pretende voltar mesmo?
— Cara, não sei o que a tua amiga falou pra ela, mas uma coisa é certa, a mulher
conseguiu tirar a garota dos trilhos.
Passei a mão pelo cabelo, irritado. Muito irritado.
— Eu também não sei, mas vou descobrir. A Laís não pode me deixar assim...
— Você não pediu, mas eu vou te dar um conselho: dá um tempo pra ela, cara.
Deixa a Laís resolver a vida dela e depois vocês sentam e conversam. Vai ser
melhor assim.
— Mateus, eu sei tudo sobre a vida dela! O que ela tem que resolver que eu não
tô sabendo?
— Tem muita coisa, Murilo, mas só a Laís vai poder te contar.
— Se é sobre o pai dela, eu não me importo... a única coisa que eu quero é que
ela volte pra casa e me deixe ajudá-la.
— Ela tá com as meninas, tá bem e se divertindo um pouco. Faz o que você tiver
que fazer e à noite você liga pra ela.
— Ela deixou o aparelho aqui, não tenho como ligar. Nem sei onde ela pretende
ficar.
Mateus ficou alguns segundos em silêncio absorvendo minha informação.
— Tem certeza que o celular tá aí? — Ele estava em dúvida.
— Claro. Tô com ele na mão.
— A Lívia deve deixar a irmã em algum hotel perto de casa, quando eu descobrir
qual é, te aviso e você vai até lá pra falar com ela.
— Beleza. Eu vou pro hospital ver minha mãe e devo ficar por lá até a cirurgia
terminar. Pode ligar a qualquer hora.
— Beleza. Outra coisa... o pai da Laís tá desesperado atrás dela, cara, e
provavelmente já deve estar sabendo sobre vocês. Toma cuidado e não vacila
andando sozinho.
— Cuidado por que? Você acha que ele pode tentar fazer alguma coisa contra
mim?
— Acho. O velho já tava meio desequilibrado e com o sumiço dela, ele piorou.
Não sei o que ele é capaz de fazer se descobrir que a Laís está realmente
apaixonada por você. Se é que já não sabe...
Peguei o bilhete que minha garota tinha deixado e li novamente, mas daquela
vez, somente a frase "Eu me apaixonei... perdidamente por você", e depois de
tantas vezes lendo e relendo, senti que nada no mundo seria capaz de me afastar
dela. Muito menos um traste como Enrico Antunes.
— Obrigado por avisar, eu vou tomar cuidado e ficar atento.
Depois da conversa com o agente o meu humor melhorou um pouco. Abri o
pequeno cofre e tirei minha arma, que havia sido usada pela última vez, por
Keila. Ajeitei em minha cintura e fui para o hospital ver como estava a situação
da minha mãe. Quando cheguei, encontrei meu irmão parado no balcão da
recepção, falando com uma das atendentes.
— E aí, Luciano, como a mãe está?
Ele virou assustado, demonstrando surpresa ao me encarar. Seus olhos
escuros estavam avermelhados e sua olheiras pareciam pintadas com
maquiagem, roxas e escuras. Meu irmão era apenas dois anos mais novo do que
eu, mas sua aparência contradizia essa informação.
— Eu não sabia que você ia chegar agora...
— Tem algum problema com ela? Por que você tá aqui na recepção? Aconteceu
alguma coisa?
Luciano era um homem bonito, advogado e teve seu próprio escritório
quando era mais jovem. Se envolveu com pessoas que não deveria e acabou
sendo obrigado à vender tudo o que tinha e passou a trabalhar em uma empresa
carioca, como funcionário. Ele era um pouco mais baixo do que eu, seu corpo
era mais magro e sua barriga saliente já estendia suas camisas arrumadas por
dentro das calças sociais. Tinha cabelos pretos, e as pessoas diziam que éramos
muito parecidos, apenas a cor dos olhos nos diferenciavam, pois os dele eram
pretos.
— Ela está bem, mas parece depressiva. Estou tentando falar com algum
psicólogo pra ver se consigo que vá falar com ela antes da cirurgia. Você vai
ficar aqui?
Meu irmão parecia cansado.
— Vou, se você quiser descansar um pouco pode ir, qualquer coisa eu te ligo.
— Preciso dormir pelo menos algumas horas antes de ir até o fórum, tenho duas
petições pra protocolar hoje senão vou perder o prazo. — ele passou as mãos
pelos cabelos e caminhou em direção à saída — A Rose tá com ela no quarto,
então, se prepara. Elas estão tentando arrumar um jeito de te convencer a
assumir sei lá o que com a morena.
— Mas que merda! Ainda não desistiram?
— Não, acho até que de ontem pra hoje piorou um pouco. Se eu fosse você dava
um jeito de manter essa mulher longe de você, Murilo, pelo jeito ela está muito
determinada a te amarrar.
— Foda é que está usando a mãe pra conseguir me convencer. Tô de saco cheio!
— Boa sorte! Se precisar de mim, é só ligar. Me avisa quando a cirurgia acabar.
Ele saiu e eu segui para o quarto onde minha mãe estava. Rose parecia da
família, sentada ao lado da cama, conversando animadamente com a senhora que
nem de longe representava a mulher que havia me dado a vida. Minha mãe tinha
cabelos negros e olhos pretos como os de Luciano, ainda era jovem, mas tinha
envelhecido muito nos últimos meses. Vivia à base de remédios para dormir e
sentia muitas dores pelo corpo, reclamava de tudo e já não queria manter o buffet
que sempre foi a sua grande conquista.
Depois que meu pai foi embora, dois anos depois que meu irmão nasceu,
minha mãe dedicou a maior parte do seu tempo ao trabalho e foi o buffet que a
manteve de pé, firme e forte, durante todos os anos seguintes. Ela nunca se
envolveu com outro homem e sempre colocou o nosso bem estar em primeiro
lugar.
— Bom dia. — Rose me olhou sorrindo e minha mãe claramente ficou feliz ao
me ver parado na porta.
— Que bom que você chegou filho, estava aqui conversando com a Rose sobre
você e de como seria bom se vocês ficassem juntos.
Encarei a corretora que tentou fingir estar envergonhada, mas eu sabia que ela
estava apenas usando a senhora carente e fragilizada para conquistar minha
atenção. Beijei minha mãe no rosto e encarei a morena.
— Podemos conversar lá fora um minuto?
— Claro. — levantou e saiu.
— Mãe, estarei aqui fora, mas não vou embora.
— Filho, essa moça gosta muito de você. Não seja rude com ela, por favor.
— Pode deixar, só preciso esclarecer algumas coisas com ela, mas prometo que
serei educado.
Sorri e deixei o quarto me juntando à morena no corredor do hospital. Rose
vestia uma saia preta justa que realçava sua bunda grande e marcava sua cintura
fina, uma blusa amarela de seda transparente e sapato alto preto. Seu cabelo
estava solto e caía liso sobre seus ombros, chegando abaixo dos seios volumosos
e firmes. Era sem dúvida uma linda mulher, mas não despertava em mim
nenhum tipo de sentimento.
— O que você falou pra Laís quando ligou para minha casa hoje cedo?
Ela estava parada e sua postura era relaxada. A corretora não era uma mulher
inexperiente e sabia o que estava fazendo. Rose usava sua beleza para seduzir
seus clientes, com suas roupas sensuais e discretas, ela conseguia instigar sem
vulgaridade. Seus lábios se afastaram em um sorriso maroto, que deixava claro
sua disposição para conquistar o que tanto desejava. No caso, eu.
— Não falei nada demais, Murilo, e não tenho culpa se você não contou pra ela
que estivemos juntos ontem o dia todo. Ela ficou muito desapontada? — Ela deu
um passo à frente se aproximando um pouco mais — Não achei que você fosse
esconder dela uma coisa tão insignificante, a não ser que estar comigo não seja
tão sem importância assim...
— Eu prometi pra minha mãe que não seria mal educado com você, e vou
cumprir minha promessa, mas vou explicar mais uma vez para que eu não
precise te proibir de vir até aqui.
Rose ficou séria e endireitou a postura. Enfiei minhas mãos nos bolsos da
calça e falei olhando em seus olhos, para que ela não tivesse dúvidas dos meus
sentimentos por Laís:
— Eu não pretendia esconder nada dela, Rose, apenas aconteceram algumas
coisas quando cheguei em casa que me obrigaram a adiar a conversa sobre o
estado da minha mãe e tudo o que aconteceu ontem. Laís está na minha casa
porque eu pedi para que ela ficasse lá, eu insisti, quero que ela continue morando
comigo, e estou te proibindo de me ligar, de procurar por ela e de falar com ela.
— a corretora não parecia abalada com minhas palavras e continuava me
encarando sem demonstrar qualquer constrangimento— Nós transamos, foi
legal, mas não significou nada pra mim. Eu amo a Laís e é com ela que eu quero
ficar, só com ela. Não adianta você gastar seu tempo vindo aqui, ficando aqui
com a minha mãe se está fazendo isso achando que iremos ter algum tipo de
relacionamento, porque não vamos. Consegue entender isso?
— Está se ouvindo, Murilo? Consegue perceber o que está falando?
— Estou sendo sincero com você porque não vou ser tão paciente se tentar jogar
a Laís contra mim outra vez, Rose.
— Você não percebe que está ligado à ela porque se sente responsável por ter
salvado a vida dela? Você não ama aquela garota!
— Eu a amo, Rose, como nunca amei ninguém e não me interessa o que você
pensa ou acha, só quero que se afaste dela.
— Murilo, aquela mulher é uma bomba relógio que está pronta pra explodir à
qualquer momento, você não consegue ver isso? Será que não percebe que ela só
está te usando e manipulando pra se aproximar dos irmãos dela?
Franzi a testa e cruzei os braços à frente do corpo.
— Como você sabe sobre os irmãos dela?
— Murilo eu amo você! — A voz da morena suavizou e com mais um passo ela
colou seu corpo ao meu — Eu investiguei a vida dela e sei que a única coisa que
a Laís quer é se vingar dos irmãos. Ela não ama você, nunca amou e nunca vai
amar, desde o começo foi tudo uma armação pra conseguir se reaproximar da
família que ela quer destruir e você caiu como um patinho.
— Eu não sei e nem quero saber de onde você conseguiu essas informações,
Rose, mas quem te falou tudo isso está mentindo. A Laís não mentiu pra mim,
ela estava doente e queria se aproximar dos irmãos para se redimir. Nunca foi
armação nenhuma, e ela também se apaixonou por mim. Eu sei que ela me ama.
Como uma mulher madura, bonita e independente poderia se prestar à um
papel como aquele, tão baixo? Laís nunca poderia armar a minha chegada
naquele prédio, e muito menos prever que eu fosse me aproximar dela para
tentar salvá-la. Fui eu quem pediu para cuidar dela e me ofereci para ajudá-la.
Ela nunca me pediu nada, absolutamente nada. Rose estava tentando à todo custo
me convencer de que a minha garota era uma mulher mentirosa, manipuladora e
falsa, mas eu a conhecia bem e sabia que Laís não era nenhuma daquelas coisas.
— Se você não quer acreditar em mim, tudo bem, mas se prepare porque ela vai
te decepcionar, Murilo, e não vai ser pouco. — Rose se afastou e caminhou em
direção ao elevador — Eu vou estar aqui quando descobrir a verdade e pode
apostar que vai ser na minha cama que você vai encontrar o que realmente
procura.
Levei um tempo para entender a reação da corretora, e quando me dei conta,
estava parado no meio do corredor sozinho, tentando buscar em minha memória
algum indício de que Laís em algum momento pudesse ter mentido para mim.
Mas não encontrei, o que foi um grande alívio. Eu sabia que não teríamos um
relacionamento convencional, pois nós dois havíamos passado por traumas que
precisavam ser tratados e superados, e intimamente me sentia bem com aquilo.
Realmente não me importaria se tivesse que ir semanalmente à uma sessão de
terapia, eu apenas não queria me afastar dela, aquilo não era uma opção para
mim, desde que Laís me amasse, eu iria lutar por ela.
Voltei para o quarto e esperei que levassem minha mãe até o centro cirúrgico.
A espera foi de três horas até que ela fosse levada para a UTI do hospital, estável
e com a garantia de que seu coração funcionaria normalmente dali em diante. As
seis e meia da tarde, Mateus mandou uma mensagem informando o nome do
hotel que Laís ficaria hospedada, agradeci o agente e segui para o local
indicado.
Cheguei na recepção e logo fui atendido por um rapaz moreno uniformizado.
— Boa noite, por favor eu queria falar com a hóspede do quarto 4040?
— Só um minuto, senhor. — o rapaz digitou algumas vezes e encarou a tela do
computador à sua frente — A hóspede não está no quarto, senhor, ela saiu e
deixou a chave aqui na recepção.
— Saiu? Mas eu acabei de receber uma mensagem dizendo que ela estaria aqui?
— Sim, ela realmente estava, e pelo histórico, ela saiu há poucos minutos.
Olhei em volta e não encontrei Laís na recepção do hotel, peguei o celular,
liguei para Mateus e falei assim que ele atendeu minha ligação:
— Ela não tá aqui, Mateus!
— Eu sei. Sai daí agora, Murilo!
Instintivamente passei a mão pela cintura para ter certeza que minha arma
ainda estava lá.
— O que tá acontecendo? Pra onde ela foi?
— Acabei de estacionar o carro na porta. Vem!
Mateus desligou e com apenas alguns passos cheguei na porta e avistei a
carro da polícia parado. Entrei e ele arrancou, estava agitado e nervoso.
— O que aconteceu com ela?
— Enrico. — Mateus bufou — Ele já sabe onde ela está, e tá armando pra te
matar na frente dela.
— Filho da Puta! Como você sabe?
— Porque eles tentaram levar ela do hotel quando a Lívia deixou ela aqui.
— Merda! E onde ela tá? Quem tá com ela?
— Ela tá bem, quer dizer, em segurança pelo menos...— deu de ombros me
deixando sem entender.
— Como assim, porra! Quem tá com ela?
— O último ser humano da terra que desejaria estar, mas não tinha ninguém
melhor do que ele pra proteger ela essa noite.
— Quem é esse cara? A gente precisa proteger a Laís! — uma onda frenética de
ciúme me invadiu.
— Nisso você tem razão, por isso estamos indo até eles. Se a gente demorar
muito, é bem provável que ele mesmo acabe com ela.
— Você pode pelo amor de Deus contar logo de quem estamos falando?
Mateus entrou em uma rua que nos levaria até o morro do Teteu, olhou em
meus olhos e falou emocionado.
— Do único ser humano que eu confiaria a vida da minha família.
Porra! Então a coisa era ainda mais séria do que eu imaginava. Se Mateus
colocou um homem que ele confiava a própria vida para cuidar de Laís, era sinal
de que minha garota estava mesmo em perigo. Velho desgraçado! Eu iria acabar
com Enrico Antunes na primeira oportunidade que tivesse.
24 – PRISION BREAK

Laís Antunes
"Eles estão no hotel! Sai do quarto agora!"
A mensagem de Mateus era simples, mas demorei uma eternidade para
assimilar as palavras no meu cérebro e conseguir levantar da cama. Foram as
fortes e insistentes batidas na porta que me despertaram. Fiquei paralisada, sem
reação, até que houve um estrondo no quarto e a porta foi aberta por um homem
moreno, magro, que vestia calça jeans e uma camisa preta básica.
— Vai ficar ai parada, porra? Vem logo!
Ele estava com um pé segurando a porta, seu corpo inclinado para que seus
olhos se alternassem entre olhar para o corredor e para o interior do quarto.
Segurava uma arma e não parecia assustado.
— O que você quer aqui?
— O Thor não te avisou? — ele fez uma careta.
— Foi o Enrico que te mandou pra me buscar?
Meu celular começou a tocar e o nome do meu cunhado brilhou na tela.
Fiquei em dúvida se deveria atender ou não, mas o homem que me encarava
impacientemente gritou:
— Atende logo, porra! Eles vão chegar em menos de cinco minutos, caralho!
Sem pensar muito, atendi a ligação.
— Por que ainda não saíram daí? — meu cunhado perguntou irritado.
— Foi você quem mandou esse cara?
— Claro! É ele quem vai te proteger, agora vai logo e não faz merda, Laís!
— Pra onde ele vai me levar? — o rapaz fez uma careta como se estivesse
entediado por estar ali, peguei minha bolsa e caminhei em direção à porta — Eu
preciso saber o que tá acontecendo, Mateus!
— Vai com ele, e daqui à pouco eu vou encontrar vocês.
Desligou e não me deu alternativa, a não ser acompanhar o projeto de agente
que ele tinha arrumado. Passei pelo meu protetor e saí pelo corredor em direção
aos elevadores, mas a voz autoritária e irritada me obrigou a voltar alguns
passos.
— Vamos pela escada, vai ser mais fácil despistar eles por aqui. Vem!
— Será que dá pra você abaixar essa arma?
— Não.
— Escuta, eu não sei o que está acontecendo, mas eu já tinha concordado em ir
até o presídio hoje as dez horas, então... eu não acho que o Enrico ia mandar
alguém até aqui pra foder ainda mais a minha vida.
— Ele não quer que você chegue ao presídio.
Estávamos descendo calmamente, o amigo de Mateus olhava atentamente
para todos os lados antes de me puxar para alcançar mais alguns degraus.
— Como não? Ele exigiu que eu estivesse lá, por que iria mentir?
— Ele achou que você ia se encontrar com o bombeiro aqui no hotel. O filho da
puta quer matar o teu macho.
— Matar? Como assim? — senti minha boca secar ao imaginar que Enrico
pudesse ferir Murilo apenas para me punir.
— É porra! Apagar, mandar dançar com o capeta, passar, encontrar o capiroto,
abraçar o belzebu...
— Eu já entendi! — falei irritada e vi que o idiota estava sorrindo.
— Beleza. Se liga, a gente vai sair conversando, com calma, como se nada
tivesse acontecendo. Fechou?
— Quanto você pagou pra entrar pra polícia?
— E quem disse que eu sou policial, "Drizella"? — gargalhou e me puxou pela
mão em direção à recepção do hotel.
— Do que você me chamou?
— Vai me dizer que tu não conhece a "Drizella"? — ergui a sobrancelha e ele
fechou a cara — Porra, eu sempre quis te chamar assim e agora tu me fala que
não sabe quem é? Não teve infância, não?
Ele parou no balcão e entregou o cartão-chave do quarto que eu estava
hospedada e olhou para os lados antes de me arrastar para o lado de fora.
— Por que você queria me chamar assim? Quem é você?
Ele apenas me ignorou. Estávamos chegando ao estacionamento quando um
homem de quase dois metros de altura se aproximou, parou na frente do meu
acompanhante e tentou segurar meu braço, mas o magricelo babaca e irritante
apenas colocou seu corpo dez vezes menor à minha frente, impedindo que o
troglodita encostasse em mim.
— Libera a garota e eu posso te deixar vivo depois que te arrebentar inteiro.
— Tu e mais quem? — O idiota era tão pretensioso que olhou para os lados
fingindo procurar outras pessoas para baterem nele, que ódio!
— É pegar ou largar. — o troglodita falou arregaçando as mangas da camisa
social se preparando para acabar com a raça do homem que insistia em levar
aquela loucura a diante, como se brigar com aquele gigante fosse uma boa
opção.
— Eu largo. — com um braço ele me empurrou para o lado e esperou que seu
oponente tomasse a iniciativa.
Em um movimento rápido o grandão se aproximou e tentou acertar meu
protetor que facilmente se esquivou e não sei como, juro que não sei, aplicou um
golpe que nocauteou o brutamontes fazendo-o despencar no chão como um
monte de merda. Fiquei chocada ao assistir à cena.
— Da próxima vez traz reforço, seu pau no cu do caralho!
O ajudante do meu cunhado me puxou novamente e abriu a porta do
passageiro para que eu entrasse no carro estacionado a poucos metros de onde
estávamos. Olhei para o homem caído no chão ainda em choque, tremendo e me
perguntando como ele tinha conseguido realizar tamanha proeza. Se eu não
tivesse visto com meus próprios olhos, nunca acreditaria no que aquele aspirante
a defensor de mulheres em perigo tinha feito minutos antes.
— Meu Deus! Você é louco ou o que? — perguntei irritada quando ele sentou no
banco do passageiro e ligou o carro fingindo que não tinha feito nada demais.
— Eu sou o cara que prometeu cuidar de você e é isso que vou fazer.
— Qual é o seu nome?
— Pedro.
O carro ganhou velocidade pelas ruas do Rio de Janeiro e seguimos em
direção ao morro do Teteu. Estranhei.
— Você sabe quem eu sou? — perguntei em dúvida.
— Sei. Você é que não sabe quem eu sou, mas isso não vem ao caso agora. Vou
te levar pro lugar que eu combinei com o Thor e ele vai saber o que fazer
contigo. Minha parte tá feita.
Chegamos ao pé do morro e várias crianças rodearam o carro para saber
quem estava dirigindo e quando reconheceram o motorista, se afastaram dando
passagem. Subimos até a metade do caminho e ele estacionou o carro, pois até a
parte mais alta precisaríamos subir a pé.
Eu não conhecia aquele morro, estive poucas vezes no Teteu e todas elas
foram à noite, o que não possibilitou que houvesse um reconhecimento do lugar,
mas quando chegamos na porta do galpão que levava o nome de Poliesportivo
Cinderela, soube que de alguma forma a intenção do meu cunhado era mesmo
me proteger. Eu só não sabia de quem.
— Por que ele pediu pra me trazer pra cá?
— Porque aqui ainda é a nossa casa e vai ficar mais fácil te proteger.
Entramos e mais uma vez fiquei impressionada com a estrutura do ginásio,
que tinha quadras de esportes, salas para estudos, cozinha e até arquibancada.
Pedro abriu uma porta e ofereceu passagem para que eu entrasse.
— Você vai ficar aqui e só vai sair quando o Thor chegar. Tem comida e bebida
na geladeira, se você quiser. Também tem um banheiro com toalhas limpas, pode
usar à vontade.
— Eu não posso ficar aqui...
— Pode e vai. — ele já ia saindo, mas puxei seu braço e o obriguei a me encarar
para enxergar o desespero e a angústia em meus olhos.
— Escuta, se eu não for até o presídio, as coisas vão ficar muito ruins e eu não
quero que isso aconteça, ok? Enrico pode fazer mal à todos eles e eu te garanto
que não quero isso. Eu preciso encontrar com ele, hoje, do jeito que ele mandou.
— Você sabe quem era o cara que te ofereceu a bebida no clube?
Franzi a testa e encarei.
— Como você sabe que um cara me ofereceu a bebida?
— Porque eu tava lá e vi ele falando contigo. O que ele queria?
— Resolvi ir até o bar depois que as meninas insistiram pra eu falar com ele, se
apresentou como Mauro e me ofereceu a bebida — puxei o ar com força
tentando não me culpar por ter dado ouvidos à Lívia e à Manuela, numa tentativa
burra de fingir que ter saído da casa do bombeiro não tinha me afetado —, eu
não aceitei e pedi pra ele não insistir alegando que eu era comprometida, foi
então que ele mostrou a faca que estava escondida na cintura e avisou que tinha
um atirador com uma arma apontada pra cabeça da Lívia e da Malu.
Pedro ainda me encarava enquanto eu relatava os acontecimentos daquela
manhã, e sentia meus olhos arderem ao lembrar do pânico me aplacando quando
cogitei a possibilidade de uma bala na cabecinha da minha marrentinha.
— Eu não queria aceitar qualquer coisa, mas Enrico ligou e foi claro quando
avisou que elas não seriam poupadas se eu não fizesse o que ele tinha
mandado. — encarei Pedro e tentei fazê-lo entender o quanto aquela situação era
grave — Eu não posso ficar aqui, Pedro, se Enrico não me ver hoje no presídio,
ele vai caçar a Lívia e a Malu. Ele não é pai da minha irmã, não sente nada pela
minha sobrinha e odeia o Mateus por ter colocado ele na cadeia. Tudo o que ele
mais quer é um pretexto pra acabar com a vida deles, porque mesmo sendo
agente agora, o ex traficante ainda tem muitos amigos lá dentro, que não
permitem o ataque ao Teteu e não autorizam o assassinato dele ou da família
dele. Além é claro, de todos os agentes penitenciários que se borram só de ouvir
o nome do cara. Você precisa me ajudar a ir até o presídio. Mente pro Mateus,
fala que eu fugi e me deixa sair pra resolver isso de uma vez por todas. Por
favor! Eu não vou me perdoar se alguma coisa ruim acontecer com elas... por
minha causa... de novo.
— O que você acha que pode fazer pra acabar com ele?
Eu podia ver nos olhos dele que ele sabia muito mais ao meu respeito do que
eu supunha, e alguma coisa me dizia que aquele homem poderia ser o meu
aliado mais importante naquela noite.
— A única coisa que vai fazer ele parar de destruir a vida de tanta gente. — senti
um embrulho no estômago ao assumir minha pretensão.
— Tá querendo que eu acredite que tu vai matar teu velho?
— Eu não quero que você acredite em nada, Pedro, só tô te contando o que eu
pretendo fazer quando encontrar com aquele maníaco desgraçado naquele
maldito presídio.
— E como tu vai conseguir entrar lá?
— Ele já deixou tudo acertado pra minha entrada, ninguém vai desconfiar
porque a ordem partiu dele, e todo mundo sabe como o velho fica quando o
assunto sou eu.
Pedro pegou o celular e fez uma ligação, seus olhos nos meus e uma pose
arrogante que me alertava um grande sinal de perigo. Eu não sabia como aquele
homem tinha conquistado a confiança de Mateus, mas tinha certeza que meu
cunhado o conhecia melhor do que qualquer outra pessoa.
— Se liga, Thor, nem vem pra cá. Eu tô saindo com ela...
Pedro ficou em silêncio e logo voltou a falar:
— Eu vou cuidar dela, pode ficar tranquilo. Cuida do bombeiro e eu te aviso
quando a parada tiver acabado.
Mais alguns segundos até a decisão final.
— Confia em mim, caralho! Eu sei muito bem o que tô fazendo e nem adianta
passar sermão e ficar com essa "boiolice", porra! Hoje a gente acaba com essa
merda de uma vez por todas.
Desligou o telefone e fez um gesto com a cabeça sinalizando para sairmos do
poliesportivo. Quando chegamos na porta, ele me encarou e apontou o dedo em
riste entre meus olhos.
— Eu vou te ajudar, mas que fique bem claro que nada disso é por tua causa e se
você aprontar alguma coisa pra Cindi ou pra formiguinha, eu vou acabar contigo.
Tá ligada?
— De onde você conhece elas? — presumi que aqueles apelidos eram de Lívia e
Malu.
— Não te interessa. Agora vamos que eu vou falar exatamente o que tu vai fazer
quando a gente chegar naquela merda.
— Você não vai entrar comigo!
— Vou, e se quiser a minha ajuda pra acabar com aquele desgraçado ainda hoje,
nem pensa em tentar me impedir.
— Ele não vai deixar você sair vivo de lá, Pedro. — quando Enrico soubesse que
eu tinha um acompanhante, ele iria mandar matá-lo na mesma hora, será que
aquele cara não conseguia me ouvir pelo menos uma vez?
— Relaxa, Drizella, se dependesse de mim, aquele velho já tava morto há muito
tempo...
— Quem é essa tal de Drizella? Tá me irritando com essa merda de apelido!
Ele gargalhou e continuou descendo o morro na minha frente até chegarmos
ao carro estacionado. Sério, eu nunca tinha conhecido um homem tão irritante
como Pedro, e não conseguia imaginar como ele deveria ser com quem conhecia.
O cara parecia depender de adrenalina pra se sentir bem. O excesso de confiança
compensava a ausência de medo. Ele tinha prazer em se colocar em perigo,
principalmente quando a vida dos outros estava em jogo.
— Tá na hora de você ler algumas histórias pra tua sobrinha e tentar descobrir,
mas se quiser retribuir o elogio, pode me chamar de Piuí.
Piuí? Eu já tinha ouvido aquele nome antes, mas não lembrava de onde.
— Esse é o seu apelido?
Pela décima vez fui ignorada desde que nos encontramos no hotel.
Fomos em direção ao presídio e depois que tivemos o acesso prometido à cela
onde Enrico estava, as coisas simplesmente aconteceram. Foi uma das
experiências mais traumáticas de toda minha vida e em menos de duas horas
estava tudo terminado, como Piuí havia previsto que aconteceria ainda no carro
do lado de fora. Saímos daquele inferno sem deixar rastros, vestígios ou
testemunhas que pudessem nos prejudicar futuramente.
Voltamos em silêncio absoluto para o hotel que me serviria de casa até eu
encontrar um lugar para morar, e a pergunta que martelava em minha cabeça era:
Será que um dia eu esqueceria o que tinha feito naquela noite? Não.
Definitivamente, não. E então, as palavras de Piuí me reconfortaram quando ele
me acompanhou até o quarto e esperou que eu tomasse banho para entregar-lhe a
roupa suja com o sangue do homem que um dia me fez acreditar que me amava
como pai.
— Tu fez o que tinha que fazer, Drizella. Você não teve escolha naquela cela, era
a tua vida ou a dele, e eu sou testemunha disso.
— Ele era meu pai...
— Não. Ele nunca foi teu pai e quando tu acordar amanhã, vai esquecer tudo o
que aquele homem fez pra você e pros teus irmãos e seguir em frente. Sem culpa
ou remorso.
— Não vou conseguir esquecer.
— Finge.
— Como você quer que eu finja, Piuí? Você viu...
— Do mesmo jeito que tu fingiu a vida toda que ele e os teus irmãos foram os
culpados por todas as TUAS escolhas. — com ele era tudo na lata, preto no
branco, sem qualquer gentileza.
— Eles tiveram culpa.— tentei me defender.
— Pode ser, mas a culpa deles não vai te isentar da tua, que é muito maior.
Agora dorme que o bombeiro vai chegar aqui à qualquer momento, e ele só vai
saber o que aconteceu naquela cela se tu contar. Da minha boca não vai sair uma
palavra, nem pro Thor. Eu te dou minha palavra.
— Por que você me ajudou?
— Porque eu queria que tu soubesse, que se continuar com essa merda de querer
foder tua irmã, tu vai acabar que nem ele. — abriu a porta e completou antes de
sair — E eu vou cuidar pessoalmente pra que seja igual.
— Obrigada.— murmurei exausta.
— Não precisa agradecer, já disse que não fiz por você.
Piuí saiu e me deixou sozinha. Demorei para conseguir dormir e logo que os
primeiros raios de sol invadiram o quarto, me remexi na cama e senti a presença
"dele" no quarto. Meu coração acelerou e a saudade se fez presente assim como
o desejo de senti-lo novamente. Sentei jogando as pernas para fora e pisquei
algumas vezes para encontrar as duas bolas azuis mais lindas que eu já tinha
visto, me fitando com a testa franzida e uma expressão de raiva misturada com...
decepção?
— O que você está fazendo aqui?
Murilo estava com o celular na mão, se aproximou impondo seu porte físico
altivo e dominador. Sua mandíbula estava trincada o que deixava óbvio o ódio
que sentia. Virou o aparelho em minha direção para que eu pudesse enxergar a
tela brilhante.
— Diz pra mim que você não tem nada a ver com isso, Laís!
Peguei o celular da mão dele e olhei a imagem com cuidado. Precisei colocar
a mão na boca, correr para o banheiro e vomitar até sentir meu corpo todo
tremer. Puta que pariu! Como eu iria explicar aquilo sem foder ainda mais a
minha vida?
— Fala, Laís! — Murilo falou da porta me encarando furioso.
Levantei lentamente, apoiei as mãos na pia e me encarei no espelho. Respirei
fundo e me recusei a lembrar da noite anterior. Decidi fazer exatamente o que
Piuí havia recomendado, fingiria que não havia acontecido e pronto.
— Eu não sei de nada, Murilo.
— Me conta a verdade, Laís, eu mereço saber.
— Já disse que não sei. Acordei agora e não tenho ideia de quem possa ter feito
isso.
— Ele pediu pra você ir até lá.
— Pediu e eu não fui. Se você não quer acreditar em mim, paciência.
— Não vai me contar mesmo?
Eu poderia e queria muito contar, mas não seria certo arriscar a segurança
dele. Ainda teria a festa de Cauã no sábado em Petrópolis e para o meu
desespero, sabia que a vida dele e dos meus irmãos ainda corria perigo por causa
dos planos de Gian Carlo.
— Já disse que não tenho nada pra contar sobre isso, mas não posso mentir e
dizer que não estou aliviada, aliás, até agradeceria quem fez isso, se eu soubesse
quem foi.
O bombeiro me encarou e sem dizer uma única palavra, deixou o quarto
batendo a porta com força exagerada atrás de si, e a solidão voltou a dominar
minha vida, como sempre fez...
25 – O AMANTE

Murilo Castelli
Olhar Laís deitada na cama entregue ao sono, fazia com que ela parecesse um
anjo, o meu anjo. Sua pele branca coberta por pintinhas avermelhadas, seu
cabelo ruivo, longo espalhado pelo travesseiro, e seu corpo magro, coberto
parcialmente por uma camiseta branca, me deixavam duro só de pensar em tê-la
sob meu corpo, gemendo baixinho, enquanto eu tomava dela tudo o que
desejasse.
Esfreguei os olhos sentindo o cansaço bater. Eu estava sentado naquela
cadeira há mais de uma hora sem conseguir entender como ela tinha tido
coragem para fazer o que fez com o próprio pai. Eu sabia que tinha sido ela,
Mateus também, e mesmo que o agente alegasse que sem provas não poderia
fazer nada, eu também sabia que ele faria de tudo para boicotar aquela
investigação interna que estava pronta para começar, visto que seu fiel amigo
também estava envolvido até o último fio de cabelo naquela merda toda. E era
muita merda mesmo.
Na noite anterior antes de chegarmos ao Teteu, Mateus recebeu uma ligação
de seu amigo que estava com Laís, e ficou muito irritado quando o advogado
informou que iria deixar o esconderijo e levaria minha garota com ele. Para o
meu azar a ligação estava no alto-falante e pude ouvir a conversa toda, o que só
me deixou mais frustrado. O cara que ajudava o agente era jovem, pelas
informações, havia nascido e crescido no morro, e entrava para a estatísticas dos
raríssimos casos de adolescentes criminosos que conseguiram abandonar o
tráfico e "tomar jeito" na vida. Tudo graças à Lívia e seus encantos.
Pelo que Mateus havia me contado, a história toda começou quando sua
esposa encontrou o marido transando com a própria irmã, e num ato de
desespero, pegou o carro e dirigiu sem rumo até se perder em uma rua que ficava
perto do Morro do Macaco. Dali em diante, acontecimentos inesperados
aconteceram e transformaram a vida de várias pessoas, entre elas, Mateus e
Pedro, mais conhecido como Piuí, que tinha total devoção à sua Cinderela. Eu
não consegui ouvir toda a história, mas pelo pouco que Mateus me contou, o
jovem seria capaz de fazer qualquer coisa pela amiga que amava, e
consequentemente, por toda sua família.
Essa foi a única explicação que Mateus encontrou para justificar a ida do
amigo até o presídio e a ajuda que ofereceu à Laís para dar fim à vida de Enrico
Antunes de forma brutal, sem deixar qualquer evidência de que ele ou a garota
ruiva tivessem entrado naquele lugar no momento em que tudo havia acontecido.
Foi um serviço limpo, completo e extremamente profissional, o que estava me
deixando atordoado, no entanto.
Como ela tinha conseguido? O que pode ter acontecido para que ela tivesse
coragem de chegar a tal ponto? Quem era Laís Antunes, afinal?
Apenas uma pessoa fria, calculista e extremamente vingativa seria capaz de
tal ato, e eu precisava confirmar se ela confiaria em mim para contar seu segredo
mais sombrio, que provavelmente assombraria seus sonhos por todo o resto de
sua vida. Olhei mais uma vez para a imagem do celular que estava percorrendo o
mundo e senti meu estômago embrulhar, era realmente muito forte até para quem
estava acostumado a viver e conviver com aquele tipo de situação, como Mateus
Trivisan. O homem ficou perplexo com o que viu e admitiu que não poderia
acreditar que a cunhada tivesse feito aquilo.
Em uma conversa rápida com seu amigo, o agente entendeu que não
arrancaria qualquer tipo de informação do garoto, que foi taxativo ao afirmar que
não tinha a menor ideia do que pudesse ter acontecido naquela cela. Piuí se
mostrou irredutível em sua decisão de manter em segredo o que havia acontecido
entre Laís e Enrico, o que me deixou orgulhoso de certa forma, pois ele se
mostrou fiel, até mesmo à uma mulher que ele não confiava, mas que de um jeito
nada convencional, tirou um inimigo da vida de seus verdadeiros amigos.
— Eu sei que vocês estavam lá, Piuí, fala logo o que aconteceu, porra!
— Thor, na boa, tô cansadão mano, será que dá pra tu me deixar dormir um
pouco?
— Caralho! O que tu tem na cabeça, moleque? Olha a merda que tu ajudou ela
fazer?
— Não sei do que tu tá falando...
— Piuí, se pegarem a Laís pela morte de Enrico, ela pode passar o resto da vida
dela na cadeia, caralho! Tu tem ideia de como a Lívia vai ficar se isso acontecer
por causa da tua irresponsabilidade?
— Mano, não vão pegar ela porque a gente não estava na cela quando aconteceu
a parada, então relaxa que a Drizella pode até ser presa, mas não por ter
mandado o velho pra casa do caralho, que é o lugar dele, aliás.
— Que porra de Drizella, Piuí?
— Caralho, vai dizer que tu também não sabe quem é? A formiguinha nunca te
obrigou a contar a história da Cinderela pra ela, não?
— Tu só pode tá de brincadeira comigo, moleque! Eu tô aqui falando sério
contigo e tu me vem com outro apelido ridículo pra Laís?
— Cara, ninguém mandou tu vir aqui a essa hora encher meu saco, e outra,
depois que conheci a Drizella, eu sabia que quando encontrasse a ruiva dos
infernos, esse apelido era dela. Agora dá um tempo e sai fora porque eu preciso
dormir um pouco, beleza? De manhã eu sei que tu vai querer que eu fique atrás
da Cindi pra garantir que ela não fique nervosa e aquelas merdas todas, então dá
pista e para de aporrinhar a minha paciência. Beleza?
O moleque não deixava de ser engraçado e naquele quarto de hotel assistindo
a pequena conversa entre os dois e toda a calma do advogado, percebi que ele
sabia bem o que estava fazendo por todo conhecimento e experiência na área
criminalista, não havia deixado nenhuma ponta solta naquele crime; já começava
a acreditar que ninguém chegaria à Laís pelo assassinato de Enrico Antunes,
nunca, o que era um alívio, mas não diminuía todas as minhas outras dúvidas em
relação à personalidade da minha garota.
Então ficou para mim a função de tentar descobrir a verdade, não para
prejudicar os dois ou entregá-los para a polícia, mas para podermos entender o
que tinha motivado Laís a fazer o que fez com o próprio pai. Eu queria ajudá-la,
mas antes, precisava saber se realmente conhecia a mulher que pretendia me
casar e constituir uma família. Havia muitos espaços em braNco para serem
preenchidos e estávamos em um ponto crítico do nosso relacionamento onde não
havia mais como ignorar informações como aquela.
Ela acordou e estava nitidamente esgotada física e psicologicamente. Minha
vontade era de colocá-la no colo e cuidar de todos os seus ferimentos,
principalmente os de sua alma e fazer com que esquecesse todas as merdas que
haviam acontecido em sua vida antes de me conhecer. Me obriguei a fazer o que
era mais importante naquele momento, e ao invés de pegá-la de jeito e fodê-la
até perder a consciência, a questionei sobre a foto que circulava na internet.
Laís se incomodou ao ver a imagem, mas não vacilou, e como Piuí, tratou de
negar qualquer envolvimento no crime do juiz. Ela me deixou muito irritado ao
negar incisivamente, pois sabia que estava mentindo. Decidi sair do quarto e
esfriar a cabeça antes de confrontá-la mais uma vez na tentativa de fazê-la me
contar a verdade. Era quase dez horas da manhã e meu telefone tocou.
— Oi Luciano. — atendi quando vi o nome do meu irmão piscar.
— A mãe vai descer pro quarto às cinco da tarde, você pode vir pra cá? Eu tenho
uma audiência as quatro e meia, e acho que não vou conseguir chegar à tempo.
— Claro, pode ir tranquilo, as cinco estarei aí. Mas por favor, não libera visita
pra ela essa noite, tá bem?
— Pode deixar, a Rose já me ligou três vezes pra saber de você. Ela me disse
que a filha do Enrico Antunes é tua namorada, é verdade isso, Murilo?
— A gente tá se conhecendo, mas eu tô apaixonado por ela...
— Brother, toma cuidado! Eu conheço muitas pessoas e escuto muitas coisas
sobre ela, Murilo. Essa garota não vale nada, cara.
— O que você sabe dela, Luciano? Pode falar a verdade.
— Eu sei que ela tava envolvida com o Lucca Giovanese, lembra aquele mafioso
que veio pro Brasil atrás da esposa e acabou sendo morto dentro de casa?
— Acho que eu lembro dessa história.
— Então, essa mulher é a atual esposa do Nestor. Foi a Pietra quem matou o
Lucca e tudo indica que no dia em que ela foi estuprada, a Laís estava lá, assistiu
tudo e ainda filmou. Dizem que ela também era amante do italiano e depois que
ele morreu, alguém da família dele levou ela pra Itália. Eu não sei como você
conheceu essa mulher, Murilo, mas acho melhor ficar esperto e tentar descobrir
mais coisas sobre a vida dela. Todo mundo envolvido no crime, sabe o quanto
ela odeia os irmãos e sempre prometeu que se vingaria deles por alguma coisa
que eles fizeram pra ela... e também tem o...
— O que? Fala!
— Isso eu não sei se é verdade, mas a fama dela entre os presos não é das
melhores. Dizem que o pai oferecia a filha como recompensa pra quem fizesse
acordo com ele no presídio e fazia questão de ficar assistindo tudo. É bizarro...
Respirei fundo e deixei que o ar preso em meus pulmões saísse lentamente
com o único objetivo de me acalmar. Ouvir aquelas coisas da boca do meu
irmão, só me fez entender um pouco mais os possíveis motivos que pudessem ter
levado Laís a fazer o que fez naquela cela.
— Obrigado, Luciano. Eu vou buscar mais informações sobre ela, mas em
relação à Rose, mantenha a morena à distância, não quero encontrar com ela até
que a minha situação com a Laís esteja resolvida, definitivamente.
— Pode deixar, o que essa mulher tem de gostosa tem de chata, não sei como
você aguenta.
Acabei dando risada com ele. Rose era sem dúvida um pé no saco, mas aquilo
não seria motivo para que eu a tratasse mal. Voltei para encontrar Laís e quando
ela abriu a porta achando que era o serviço de quarto, não resisti e a tomei como
queria, desde o dia anterior quando saiu da minha casa sem se despedir.
— Promete que nunca mais vai me deixar sem me ouvir?
Beijei sua boca deliciosa, pressionando seu corpo junto ao meu. Minhas mãos
varreram suas costas, descendo até a bunda pequena e empinada e puxando-a
para cima e permitindo que sua boceta quente se esfregasse no meu pau
completamente pronto para ela. Duro como aço e faminto como um sem teto.
Ela gemeu e jogou a cabeça para trás, se oferecendo descaradamente, permitindo
que eu a devorasse. Minha garota era fogo puro, adrenalina e poder sexual.
— Responde, garota! Promete que não vai me deixar sem falar comigo antes?
Enfiei minha mão por dentro da sua calcinha e alcancei sua entrada melada,
escorregadia e gulosa. Belisquei seu grelinho inchado e trabalhei minha língua
em sua orelha, sentindo seu corpo inteiro arrepiar.
— Prometo... oh, Deus...
Deitei Laís sobre o colchão e arranquei sua blusa, seus seios ficaram expostos
para que eu chupasse um de cada vez sentindo toda a maciez da sua pele, suas
pernas abraçaram minha cintura procurando pelo atrito que proporcionaria parte
do alívio que ela tanto ansiava. Minha garota queria gozar e eu faria questão de
saborear cada gota do seu prazer.
Levei minha boca até sua bocetinha assanhada, segurei sua bunda com as
mãos e maltratei seu clitóris com chupadas, lambidas e mordidinhas, enquanto
meu dedo atormentava seu ponto mágico que fervia em alta temperatura até que
ela gozou e se derreteu me alimentando e matando parte da saudade que eu
estava dela.
Enquanto minha garota se recuperava, tirei minha roupa e deitei sobre ela,
afastei suas pernas com meus joelhos e posicionei meu pau na sua entrada
melada.
— Você não pode ir embora, garota, nunca mais.
— Eu não vou...
Olhei dentro de seus olhos, enxergando a dor que parecia dominar a sua alma,
feroz, insistente, constante. Beijei sua boca e tomei posse do que me pertencia.
Meti com força lhe dando o prazer que serviria de alívio e cura, trataria suas
feridas abertas e a convenceria de que ao meu lado ela teria a chance de ser feliz,
como merecia. Apoiei os cotovelos no colchão e cobri seu corpo com o meu,
cheirei seu pescoço, beijei seu queixo e soquei, forte, duro, empurrando meu
quadril, lhe oferecendo tudo de mim. Era dela. Era para ela.
— Eu te amo, garota!
As lágrimas brotaram e escorreram em abundância pelo seu rosto, seus braços
envolveram meu pescoço e me puxaram para que seus lábios devorassem os
meus em um beijo simplesmente espetacular.
— Eu te amo, bombeiro...
Com a mão direita levantei sua perna esquerda, e meti ainda mais fundo
dentro dela, sua boceta me engolia mostrando que nenhuma outra me acolheria
com tamanha perfeição, num encaixe único, enlouquecedor. Era minha. Feita
para mim, com exclusividade.
— Eu nunca mais vou deixar você ir embora, Laís.
Apertei os olhos e bati fundo, uma, duas, três vezes. Ela gemeu, gritou,
choramingou e gozou no meu pau, enlouquecidamente. Soquei fundo quatro,
cinco, seis vezes até me esvaziar dentro dela. Desabei ao seu lado suado,
satisfeito e feliz. Puxei minha garota para o meu peito, beijei sua cabeça e a
aconcheguei no meu calor. Estávamos juntos, unidos pelo destino e
permaneceríamos até que um de nós decidisse o contrário.
— Nós precisamos conversar, Murilo...
— Eu sei, mas agora eu só quero curtir você, minha mãe vai pro quarto no fim
da tarde e preciso estar lá pra ficar com ela.
Ela se remexeu e pareceu incomodada.
— Nós não podemos mais adiar essa conversa, preciso te contar muitas coisas
antes da gente decidir se vai ou não levar essa relação adiante.
— Você entendeu quando eu disse que amo você, Laís? Nada do que me disser
vai ser suficiente pra me convencer a te deixar ir...
— O meu medo não é decidir ir — me encarou apoiando o queixo em meu
peito —, eu temo que você me deixe quando souber de tudo, e no fundo eu sei
que isso vai acontecer...
Segurei seu rosto entre minhas mãos e falei com todo amor que dominava
meu coração.
— Nada vai fazer eu ir pra longe de você. Eu te amo e não estou disposto a abrir
mão da minha felicidade. Vem cá... — coloquei ela sentada em meu colo com as
pernas abertas em volta da minha cintura — Deixa eu cuidar de você e eu
prometo que a gente conversa quando minha mãe sair do hospital, ok?
— Promete que vai me ouvir antes de decidir qualquer coisa?
Seu semblante preocupado contradizia com sua voz abafada pelo tesão. Seus
olhos quase fechados tentavam se manter firmes em enxergar algum sinal de
mentira em minhas palavras. Minhas mãos apertando as laterais do seu quadril
ditavam o ritmo do vai e vem delicioso de sua boceta deslizando em cima do
meu pau. Moendo, pressionando, torturando.
— Com você sentada assim e essa boceta deliciosa me atiçando, louca pra me
engolir, eu prometo qualquer coisa. Agora esquece esse assunto, encaixa gostoso
e rebola no meu pau. Vem...
Laís levantou a bunda e eu posicionei minha rola em sua entrada molhadinha
e escorregadia. Ela abaixou devagar me levando por inteiro, permitindo sentir
todo seu calor. Não tinha lugar melhor no mundo do que a bocetinha de Laís
para abrigar meu pau faminto por ela. Fodi minha garota apreciando seu seios
saltarem enquanto ela subia e descia, gemendo e pedindo por mais. A coloquei
de quatro na beirada da cama e comi sua boceta estapeando sua bunda branca
várias vezes. Laís foi ao delírio e depois de gozar me presenteou com o melhor
boquete que eu já recebi na vida, me surpreendendo quando engoliu toda minha
porra sem derramar uma única gota.
Almoçamos na cama, contei o que havia acontecido com minha mãe e garanti
à ela que a corretora não iria mais interferir em nosso namoro. Eu não queria que
a nossa conversa sobre sua vida acontecesse ali, naquele quarto de hotel.
Combinamos de conversar no dia seguinte, depois que levássemos suas coisas
de volta para minha casa, que voltaria a ser seu lar. Laís estava muito abatida e
abalada com as coisas que estavam acontecendo, e mesmo muito curioso para
saber tudo o que tinha para me contar, eu não iria forçar a barra.
Evitamos televisão, celulares e rádios. A notícia do assassinato do Juiz Enrico
Antunes estava mobilizando os tablóides e a vida dos irmãos Antunes mais uma
vez era um prato cheio para os abutres que se alimentavam de carniça. Rômulo e
Lívia decidiram antecipar a viagem à Petrópolis, apenas para não serem
perseguidos pela imprensa que sondava a ida deles ao velório e funeral do velho.
Laís nem cogitou a ideia de se despedir do pai, o que eu achei ótimo, pois odiaria
ter que levá-la para ver o traste pela última vez.
No fim da tarde de quinta-feira, consegui convencer minha garota a tomar um
comprimido mais forte para relaxar e depois de deixá-la dormindo no hotel, com
a promessa de voltar para estar ao seu lado na manhã seguinte, fui para o
hospital esperar minha mãe que deixaria a UTI, mas no meio do caminho, a
surpresa.
O encontro com o homem que mudaria minha vida de maneira brutal e
definitiva, com revelações podres e sombrias sobre a mulher que um dia, eu
havia chamado de "Anjo".
26 – COVERT AFFAIRS

Laís Antunes
Acordei depois de doze horas apagada. O quarto escuro e o lado que deveria
acolher o corpo de Murilo estava vazio, sem nenhum sinal de que o bombeiro
tivesse voltado do hospital como havia prometido. Meu corpo estava melhor,
recuperado do cansaço e disposto para enfrentar o dia em que toda a minha vida
seria exposta de maneira franca e verdadeira, para que ele decidisse consciente
de tudo o que eu havia feito, se queria ou não permanecer ao meu lado.
Eu temia pelo pior, mas depois das horas que passamos juntos no dia anterior
e todas as declarações que fizemos uma ao outro, um fio de esperança
permanecia intacto dentro de mim, alimentando com muita dedicação a
possibilidade de que ele pudesse realmente me amar a ponto de me perdoar.
Levantei e fui ao banheiro, tomei um banho demorado tentando manter a
calma e a lucidez. Coloquei uma calça jeans e uma blusa simples, calcei minha
bota preta cano curto e prendi o cabelo em um rabo de cavalo firme. O dia
começava a clarear, o sol se escondia entre as nuvens e pela primeira vez na
minha vida encarei o céu e fiz uma oração.
Eu não sabia rezar e me envergonhei por aquilo, mas decidi conversar com
Deus à minha maneira e pedi apenas para que as coisas acontecessem como
deveriam, e me comprometi com Ele em aceitar o que o destino tivesse guardado
para mim. Sem mágoas ou rancores. Minha dívida era alta e o preço que teria
que pagar por ela, poderia comprometer todos os anos que eu ainda tivesse por
aqui. Só dependeria de mim recomeçar uma nova vida.
Tirar a vida de um homem não era uma coisa fácil de esquecer e fatalmente
aquele fardo pesaria em minha consciência, ou talvez, eu conseguisse ao longo
do tempo justificar minha atitude considerando tudo o que o infeliz havia feito.
Minha alma foi corrompida, minha inocência foi arrancada à força,
covardemente, e meu corpo por muito tempo foi usado de forma injusta. Sim...
eu poderia me perdoar por ter feito o que fiz naquela cela, mas nunca
conseguiria apagar da minha memória a imagem de Enrico Antunes, meu pai,
caído morto no chão, depois de ser alvejado várias vezes, à sangue frio, por mim.
Me sentia aliviada, e não me culpava por aquele sentimento de paz, e muito
estranho de liberdade adquirida.
Respirei fundo ao me encarar no espelho e não reconhecer a mulher refletida
nele; eu não era a mesma, nunca mais seria, e estava feliz com aquilo.
Reconhecer que vivi uma vida inteira fingindo ser uma pessoa que não era, me
tornava uma sobrevivente do meu próprio caos, sem máscara ou qualquer
disfarce que pudesse esconder a mulher que existia por trás da raiva, da inveja,
do ciúme, da ambição e por que não, da medicação?
Eu era apenas a Laís, caçula dos irmãos Antunes e para mim, bastava.
Arrumei minhas coisas e deixei o hotel, fui de táxi até a casa de Murilo
disposta a contar-lhe tudo, sem mentiras ou omissões. Colocaria minha vida em
pratos limpos e acataria qualquer decisão que ele tomasse depois de ouvir minha
história. Seu carro não estava na rua, a porta permanecia trancada e nenhum
sinal do bombeiro. Liguei para ele e não tive sucesso. Decidi deixar as coisas na
portaria e segui para o hospital onde sua mãe estava internada. Provavelmente
ele tinha dormido por lá e esquecido de avisar.
Passei pela recepção e fui informada que a paciente estava no quarto
particular acompanhada do filho, me senti aliviada ao saber que Murilo estava
bem, mas quando bati na porta e entrei, não foi o bombeiro que encontrei
sentado ao lado da senhora que dormia profundamente.
— Bom dia, eu... achei que o Murilo estivesse aqui...
O homem que era a cópia do bombeiro com olhos pretos me encarou em
dúvida.
— Eu achei que ele estava com você.
— Ele veio pra cá ontem, disse que precisava ficar com a mãe quando acabasse a
cirurgia.
O irmão de Murilo tirou o celular do bolso e verificou suas chamadas e
mensagens, franziu a testa e ficou em pé. Parecia cansado.
— Ele não veio aqui, me mandou uma mensagem quase sete da noite e avisou
que teve um imprevisto. Achei que fosse alguma coisa relacionada à você e a
morte do seu pai.
Meu coração acelerou, senti minha boca secar e um tremor percorreu minha
coluna.
— Não... ele me disse que viria e que estaria hoje cedo no hotel, mas não
apareceu. Fui até a casa dele e tentei ligar, mas também não consegui falar com
ele. Tem ideia do que pode ter acontecido ou para onde ele possa ter ido?
— Não. Meu irmão não é um cara irresponsável e não ia deixar de ficar com a
minhã mãe se não fosse alguma coisa muito séria. — ele se aproximou com um
olhar ameaçador — Eu sei que ele estava envolvido com você e contei tudo o
que eu sabia sobre você e seu pai, mas meu irmão não me deu ouvidos e disse
que estava apaixonado. Se alguma coisa acontecer com ele por sua causa, eu juro
que te coloco atrás das grades e nunca mais vai sair.
— Eu não sei onde seu irmão está, mas vou encontrá-lo. — me segurei para não
falar um monte de merda em respeito à sua mãe que estava acamada — Apenas
não me ameace, ok? Eu também estou apaixonada por ele e nunca faria nada que
pudesse prejudicá-lo.
Ele me segurou pelo braço num aperto forte e me arrastou para o corredor.
— Você prejudicou ele quando permitiu que ficasse na sua vida e não me venha
com essa ladainha agora, conheço sua fama e sei que está armando pros seus
irmãos. Você não me engana!
— Você não sabe nada sobre a minha vida! — me soltei e dei dois passos para
trás, me afastando — Eu vou encontrar o Murilo e vou provar que não tive nada
a ver com o sumiço dele.
— O que tá acontecendo aqui, Luciano?
A voz de Rose, a morena corretora que estava disposta a tirar Murilo da
minha vida, ecoou atrás de mim, chamando a atenção do irmão do bombeiro.
— Meu irmão sumiu, e essa mulher veio até aqui pra saber onde ele está.
— Sumiu? Como assim, sumiu?
Revirei os olhos e a encarei pela primeira vez, depois do dia que a encontrei
na casa do bombeiro, quando ela deixou claro que queria estar no meu lugar, na
cama dele.
— Ele disse que viria pra cá ontem à tarde pra ficar com a mãe dele, e não
veio. — respondi — Até agora ele não voltou pra casa e não atende o celular.
— O Murilo não faria uma coisa desse tipo, ele não deixaria de ver a mãe e,
também não ficaria sem se comunicar. Será que foi sequestrado?
Um bolo se formou em meu estômago, claro que eu já tinha pensado naquela
possibilidade, mas me recusava a acreditar que Gian Carlo fosse capaz de fazer
alguma coisa contra o bombeiro. Não sem antes falar comigo, ao menos.
— Eu vou avisar a polícia e mando notícias quando encontrá-lo. — Segui para o
elevador apressada, peguei o telefone e antes de entrar, ouvi a voz de Luciano
atrás de mim, furiosa.
— Se acontecer alguma coisa com meu irmão, Laís, eu mesmo vou atrás de
você!
Olhei no fundo de seus olhos e respondi:
— Se alguma coisa acontecer com ele, Luciano, vou fazer questão de encontrar
o culpado. E mais uma vez, não me ameace, já que me conhece tão bem deveria
saber que não gosto disso.
Entrei no elevador sentindo meu corpo todo agitado, liguei para o meu
cunhado que atendeu no primeiro toque.
— Onde você tá, Laís?
Como sempre a voz de Mateus sinalizava sua irritação, que era tão comum
quanto à sua impaciência.
— Saindo do hospital, o Murilo sumiu!
— Vem pra minha casa.
— Estou indo para a delegacia...
— Não, porra! Vem pra minha casa, Laís, agora!
Desligou na minha cara sem dar chance de ouvir uma resposta. Meu cunhado
era um dos homens mais lindos que eu já tinha visto, mas eu não tinha a menor
ideia de como Lívia aguentava aquele mal humor diariamente. Certo que com a
esposa ele era um pouco melhor, mas eu duvidava que fosse tão melhor. O
motorista do táxi me deixou na porta da casa que parecia um quartel general e
minha entrada foi permitida logo que informei quem era.
Para minha surpresa, Nestor estava com Mateus e Piuí, e pelo jeito, os três
homens estavam apenas esperando a minha chegada para começarem a decidir o
que iriam fazer nas próximas horas. A adrenalina corria pelo meu corpo,
freneticamente, mas minha intuição alertava que as coisas não iriam acabar
bem.
— Vocês sabem onde ele está? — não consegui esconder o medo que sentia.
— Encontramos o carro dele na estrada em direção à Petrópolis. — Mateus
respondeu e se aproximou — Tenho certeza que seu comparsa o pegou, mas não
tenho ideia de onde estejam, preciso que me ajude a encontrá-lo logo.
Senti minha cabeça girar. Medo, desespero, pavor.
— Laís, você precisa falar a verdade, chega de mentiras!— Nestor rosnou com o
rosto em chamas — Eu acreditei em você, o Murilo acreditou, porra! E agora a
vida dele tá em perigo por sua causa. Olha o que você fez! Percebe que esse seu
amante pode matar um homem inocente?
— Ele não é meu amante... — sussurrei desejando que um buraco se abrisse sob
meus pés para que eu caísse e nunca mais conseguisse sair.
— Para de mentir, porra! Nós vimos as imagens da clínica, e já sabemos que ele
esteve lá com você. Foi esse cara que te agrediu e agora quer matar o Murilo! —
meu irmão parou na minha frente com os olhos vermelhos, cheios de lágrimas
e... dor — Esse desgraçado quer me matar pra pegar o meu filho, caralho! O
MEU CAUÃ! E eu não vou permitir que isso aconteça, sua desgraçada! Tá
ouvindo? Esse filho da puta não vai chegar perto da minha família porque eu vou
matar ele antes!
Eu não sabia o que falar, embora quisesse que ele soubesse que eu nunca
permitiria que Gian Carlo se aproximasse do meu sobrinho.
— Calma, Nestor. Não adianta "pilhar" agora. Ela precisa contar tudo o que sabe
pra gente descobrir onde o Murilo está e o que o calhorda tá planejando fazer.—
Mateus afastou o cunhado e tomou o lugar dele à minha frente — Me fala tudo,
desde o começo e sem esconder nada, Laís. A vida do Murilo depende do que
você me contar, tá entendendo o que eu tô falando?
Assenti com a cabeça e contei. Tudo. Desde a minha fuga depois da morte de
Clara em Angra dos Reis, até a minha volta ao Brasil há quase um ano. Não
escondi nada, não menti, apenas desembestei a falar. A única coisa que ficou no
escuro da minha mente foi o que havia acontecido na cela de Enrico Antunes, e
foi Piuí quem me impediu de relatar.
— Tu não precisa falar sobre isso, Drizella!
— Claro que precisa! — Nestor rebateu irritado.
— Não! O cara que a gente quer não teve nada a ver com essa merda. São duas
merdas diferentes e ela não precisa contar, se não quiser.
— Ela tem que falar sobre o que aconteceu, Piuí! Olha como ela tá — apontou
na minha direção de forma acusatória—, se não falar com ninguém sobre o que
fez com o nosso pai, ela vai enlouquecer.
— Vai por mim, Nestor, ela tá de boa.
— Então era você que estava com ela? Por que não contou logo?
— Eu não tenho nada pra falar, e nem a Drizella. — Piuí me encarou e piscou
com um sorriso debochado — Agora deixa o Mateus descobrir onde o
aleijadinho tá escondendo o bombeiro e vamos acabar com eles de uma vez.
— Laís... pelo amor de Deus, conta logo o que aconteceu no presídio, como
vocês conseguiram entrar, quem viu vocês. Isso pode dar merda depois e se eu
não souber a verdade, não vou poder te ajudar...
Era uma súplica do meu irmão mais velho, que eu já estava disposta a
atender, mas Mateus interveio me surpreendendo.
— O Piuí tá certo, Nestor. Ela conta se quiser; a gente sabe que a polícia tá
encarando a morte do velho como disputa por território no presídio e eu tô de
olho nas provas que eles "tão" recolhendo pra fechar o caso. Se eu ver que pode
dar merda pros dois, eu penso em alguma coisa.— meu cunhado me encarou—
Você sabe se a família do Gian Carlo ainda mora em Santo André?
— Não, mas ele mantinha contato com o pai da Clara na cadeia. Foi ele quem
deu todas as informações sobre o Cauã, até o cartório que o menino foi
registrado o Gian sabia.
— Ele tem algum parente ou amigo de confiança qui no Rio?
— O Gian não confia em ninguém, as únicas pessoas que sabem que ele é o
novo chefe estão na Itália. Aqui no Brasil ninguém conhece ele, por isso mantém
o disfarce na cadeira de rodas. O único cara que sabe de tudo é o Jonathan,
aquele que trabalhava na clínica.
— Esse Jonathan faz o que na organização?
— Ele é o braço direito do Gian, faz de tudo e conhece muita gente importante
na Europa que facilita as transações da máfia. Aqui no Brasil foi ele quem
preparou tudo pro Gian voltar, e foi ele que negociou com o Enrico na cadeia.
— Que tipo de negócios eles fizeram?
— Eu não sei direito, porque quando eles finalizaram o negócio eu já estava
internada, mas tem a ver com o "inferninho" e mais uma boate que Enrico estava
vendendo. O Gian tem a intenção de abrir uma rede de puteiros no Brasil e quer
usá-las pra lavar o dinheiro do tráfico de drogas.
— É isso! — Mateus começou a andar de um lado para o outro e depois de
alguns quilômetros percorridos dentro do amplo espaço ele concluiu— Eu acho
que já sei onde eles estão, mas vamos precisar de ajuda.
— Eu vou pedir reforços! — Nestor se preparava para ligar quando meu
cunhado o impediu.
— Não, Nestor! Hoje a ajuda que a gente precisa não é da polícia. — olhou na
direção de Piuí e apontou o indicador dando a ordem — Liga pro Trovão e pede
pra ele vir pra cá, mas não fala nada por telefone.
— Beleza. — Piuí saiu da sala rapidamente.
— Eu não tô acreditando que você vai envolver essa gente, Mateus! Você tá
louco ou o que?
— Não dá pra confiar em ninguém agora, Nestor. Se o Gian Carlo conseguiu
autorização pra abrir as boates é porque alguém tá ajudando ele, e te garanto que
é peixe grande ganhando muito dinheiro com esse negócio. Se a gente quer
mandar esses caras pro inferno de uma vez, vai ter que ser assim, de igual pra
igual, e só os caras do morro do Pagode vão concordar em ajudar. Eu só preciso
convencer o Trovão de que o Italiano tem intenção de dominar as bocas e os
pontos de venda deles.
— Esse moleque ainda tá envolvido com o tráfico? Você me falou que ele tinha
saído.
— E saiu, ele é meu informante agora, mas precisou assumir o posto de
comando quando o chefe dele ofereceu, senão poderia ser descoberto.
— Ele tá vindo, Thor. Disse que em dez minutos tá aqui com o Caveira.— Piuí
informou quando retornou.
— Caralho! Esse cara é barra pesada, Mateus. Você vai deixar ele entrar na tua
casa?— meu irmão estava inconformado e para ser sincera, eu concordava com
ele.
— Fica frio que eu sei o que tô fazendo. Agora é esperar pra dar o primeiro
passo. — Mateus voltou a me encarar — O que você sabe sobre os planos do
Gian pra pegar o Cauã? O que ele pretende fazer, Laís?
Nestor me mataria se pudesse, seu olhar era um verdadeiro lança chamas em
mim e eu sabia que depois que dissesse o que sabia, Mateus e Piuí também
desejariam a minha morte.
— Ele quer invadir a casa de Petrópolis durante a festa amanhã, mas não sei
como ele pretende fazer isso.
Mateus sorriu e Piuí bufou irritado, tirou uma nota de cem reais da carteira e
entregou pro agente.
— Vocês só podem estar brincando! — Nestor rosnou — Eu não posso acreditar
numa merda dessas, caralho! Só pode ser um pesadelo, não é possível!
— Cara, tu é um verdadeiro pé no saco, mano! Foi só uma aposta, qual o
problema? — eu estava assistindo à tudo e ainda não conseguia entender o que
acontecia.
— O problema, Piuí, é que eu acabei de enterrar o meu pai, tem um louco
querendo me matar e roubar o meu filho, um cara inocente foi sequestrado e
ainda não sabemos onde ele está escondido, eu acabo de descobrir que o filho da
puta tá planejando invadir minha casa no aniversário do meu garoto, e que você
e o Mateus estão fazendo apostas como se essa porra toda não fosse nada
demais! Esse é o problema, caralho!
— Então pra te acalmar, vou informar que a casa em Petrópolis já tá protegida e
se alguém tentar invadir, vai morrer, beleza? — meu irmão não retrucou, o que
incentivou Piuí à continuar— Teu cunhado vidente desconfiou que o aleijadinho
ia aprontar alguma coisa na festa do "Harry Potter", e se antecipou pra não ser
pego desprevenido. Sacou?
Meu celular vibrou no bolso da calça, peguei o aparelho e abri para ler a
mensagem simples e direta. Olhei para os três homens que conversavam,
discutiam, mas definitivamente, se amavam como irmãos e estavam dispostos a
arriscar suas próprias vidas para garantir a segurança de seus familiares. Decidi
que já estava na hora de fazer o mesmo. Eu esperaria a chegada dos amigos de
Mateus e iria ao encontro de Gian Carlo, como ele exigia.
A única certeza que eu tinha, era que seria a última vez que eu o veria, assim
como aconteceu com Enrico, apenas um de nós permaneceria vivo.
27 – MÁFIA VOLKOV

Laís Antunes
Aquela manhã de sexta-feira, que não era treze, mas parecia uma caça às
bruxas, despertou em mim um instinto selvagem, altamente perigoso e suicida.
Se eu estava arrependida de ter iniciado todo aquele plano de vingança? Claro
que sim. Há muito tempo, aliás, mas não confessaria nunca, à ninguém, nem sob
tortura.
Murilo tinha sido um erro que acabou se transformando em acerto, mas na
reta final poderia significar o meu renascimento, meu reencontro e minha
redenção, ou apenas parte de cada uma daquelas pretensões, afinal. Tudo
representava o recomeço, o retorno e a reconstrução, não só da minha alma, mas
do meu espírito e do meu corpo.
Haviam partes minhas quebradas e espalhadas em vários lugares, onde
abandonei fragmentos da minha personalidade e do meu caráter, e me vi
impossibilitada de resgatar posteriormente. Desânimo, descrédito, ou preguiça
mesmo, acomodação e aceitação. Eu permiti que Enrico me domasse, dominasse
e manipulasse e embora, eu fosse pequena quando tudo começou, eu havia
crescido, e não só poderia como deveria ter sido forte para enfrentá-lo.
As palavras de Piuí bateram forte no meu peito estraçalhado, e admitir que a
maior culpada por todo o estrago que o velho havia causado na minha vida, fui
eu, me encorajou a seguir em frente e acabar de uma vez por todas com os
perigos que rondavam os Irmãos Antunes. A culpa por Gian Carlo Pirollo estar
perigosamente perto, também era minha.
A vida de Murilo também estava em perigo iminente, real. Eu não poderia de
forma alguma vacilar quando o encontrasse no esconderijo de Gian. Iria doer,
machucar e provavelmente não teria volta, mas estava disposta a perdê-lo, só
para ter certeza que ficaria vivo, teria a chance de seguir em frente e ser feliz. Eu
faria aquilo por ele, sim, com certeza.
O percurso foi longo e demorado até a mansão que ficava localizada em uma
área de ruim acesso, pouco movimento e com centenas de árvores ao seu redor,
estrategicamente muito afastada da cidade. Era o lugar perfeito para o que Gian
tinha em mente, afinal de contas, apenas a nata da sociedade carioca teria "free
pass" para aquele local. Seria caro, requintado e exclusivo. O negócio milionário
prometia tudo o que os homens poderosos desejavam encontrar naquele tipo de
lugar.
Bebida, dinheiro e sexo. Não necessariamente nessa ordem, mas sempre o
mesmo trio, como a tríplice aliança, definitivamente. Eu conhecia bem aquele
tipo de lugar, sabia tudo o que acontecia dentro dele, como, quando e porque
acontecia. Mas o mais importante, era ter certeza de quem fazia acontecer, e
aquele, era o motivo pelo qual eu precisaria ser eficaz e convincente para que
nada desse errado e Murilo fosse solto sem nenhum arranhão.
O lugar estava cercado por seguranças fortemente armados, que não
escondiam ou disfarçavam o que tinham em seus cintos, mesmo que policiais
pudessem passar por ali e pedir suas permissões para o uso delas. Destemidos e
audaciosos, presunçosos e desafiadores, ou apenas, mafiosos.
Não precisei me identificar, na verdade a minha presença estava sendo
esperada. Pude entrar sem qualquer incômodo e fui conduzida à uma sala
espaçosa, bem mobiliada e com uma janela que estava aberta e tinha um grande
jardim como paisagem. Me perdi em pensamentos apreciando a imensidão verde
à minha frente, e só voltei à realidade quando a porta foi novamente aberta e
ouvi meu nome sendo chamado:
— Que bom que veio, Laís, senti sua falta.
A voz mansa e serena de Gian Carlo não me enganava, o homem com cara de
"bom menino" estava muito longe de ser aquele cavalheiro que aparentava, mas
havia chegado a hora da encenação mais importante da minha vida e eu não
podia me dar ao luxo de falhar. A vida de Murilo estava em perigo e dependia de
tudo o que aconteceria nas próximas horas.
— Você sabia que eu viria, não precisa fingir que está surpreso, Gian.
— Com tudo o que aconteceu nos últimos dias, admito que fiquei desconfiado.
Vem aqui e deixa eu matar um pouco a saudade de você, "bela".
Ele não estava na cadeira de rodas, mas ainda mancava um pouco. Seu terno
caro e sapatos ilustrados o deixavam elegante, mas sua beleza não me encantava.
Os cabelos lisos e olhos de gato davam à ele um aspecto jovial, o que certamente
era agradável aos olhos. Me aproximei sentindo seu cheiro de banho recém
tomado e fui envolvida em seus braços de maneira possessiva. Gian estava
realmente com saudade.
— Você continua linda, Laís. Estou ansioso pra ter algumas horas com você em
minha cama.
— Teremos tempo, querido, mas antes precisamos acertar o que vai acontecer
com meus irmãos amanhã em Petrópolis e eu quero saber o que pretende fazer
com o bombeiro. Por que o levou?
— Continua uma jogadora implacável, "bela" — sorriu e beijou minha boca —,
está tudo sob controle, em menos de vinte e quatro horas estará tudo acabado e
poderemos voltar para casa e oficializar nosso casamento.
Senti um calafrio na espinha ao ouvir suas palavras. Tentei não demonstrar.
— E você como sempre muito eficiente. Seus homens estão em Petrópolis?
— Todos eles, deixei aqui apenas o necessário para a segurança da casa durante
a festa de hoje.
— Terá uma festa?
— Será a inauguração da Boate principal, teremos um coquetel de apresentação
e vamos oferecer algumas regalias para os nossos investidores.
— Foi bem mais rápido do que imaginei, como conseguiu a liberação para
funcionar?
Ele gargalhou e me puxou para sentar ao seu lado no sofá.
— E quem falou que funcionaremos com autorização, Laís?
— Você disse que todos os seus negócios no Brasil seriam feitos legalmente pra
não ficar nas mãos de políticos. Ou estou enganada?
— Nisso você tem razão, mas essa propriedade ainda não está em meu nome.
Infelizmente você acabou com o seu pai antes dele passar a escritura pro meu
nome, mas isso logo será resolvido.
— Essa mansão era do meu pai?— aquela informação era nova para mim.
— Era, e será sua, afinal.
— Minha?
— Depois que eu acabar com os seus irmãos você herdará tudo, Laís, ficará tudo
pra única filha sobrevivente.
Precisei de força extra para manter a respiração controlada, embora meu
coração tivesse acelerado sem qualquer autorização. Gian Carlo tinha feito tudo
de caso pensado e certamente estava contando com a minha participação em seus
negócios ilegais.
— Nós combinamos de não chamar a atenção da mídia pra nós, lembra? — ele
assentiu enquanto beijava e mordiscava meu pescoço, minha aflição pelo contato
e aproximação aumentava a cada segundo que passava — Como pretende fazer
isso matando todos eles?
— Nem parece que você me conhece, Laís. A morte de todos eles durante uma
festa infantil planejada apenas para a família na casa do primogênito, será vista
como vingança, ou uma retaliação de criminosos que desejavam fazer justiça
com suas próprias mãos. A família Antunes tem muitos inimigos e não vai ser
difícil convencer a polícia que seus irmãos e seu cunhado ganharam muitos
desafetos nos últimos anos. Principalmente Nestor e Mateus.
— E as crianças? Você pretende poupá-las?— minhas perguntas deixaram um
gosto amargo em minha boca, mas eram necessárias para que eu tivesse certeza
de suas intenções.
— Apenas meu filho.
— Podemos negociar?— ele franziu a testa e se afastou para encarar meus
olhos.
— Algum problema recente que eu não estou sabendo?
Mudei de posição e me ajoelhei entre suas pernas, passei a língua entre os
lábios e sorri como uma verdadeira devassa. Aquela era a mulher que Gian Carlo
Pirollo conhecia e ela precisava estar presente naquela sala para que o novo
chefe da máfia Giovanese não desconfiasse de nada. Minhas intenções com ele
não eram as melhores, para ele, claro. Mas eu ainda precisava da sua confiança e
ainda mais da sua admiração.
— Você sabe que eu odeio a vaca loira e quero ver ela sofrendo até o último
minuto, certo? — acariciei seu pau por cima da calça numa tentativa de fazê-lo
se distrair e relaxar — E sabe também que eu não posso mais ter filhos. — evitei
o bolo na garganta ao dizer aquilo em voz alta, mas era uma das consequências
que eu teria que assumir por ter sido irresponsável com o meu corpo durante
muitos anos — Pensei em deixar Lívia pro final, e deixá-la morrer sabendo que
seus filhos seriam criados pela mulher que a matou, o que você acha? — pisquei
e fiz um biquinho— Sou muito má, por querer vê-la indo pro inferno desse jeito?
Gian gargalhou e passou a mão em meu rosto admirando a perversidade do
meu pedido. Era como se ele tivesse ganho um prêmio, um bônus. Seus olhos
faiscavam e nitidamente sua excitação ganhou vida aumentando
consideravelmente o volume dentro de sua calça, sob meu toque. O novo chefe
da família mafiosa mais temida da Itália era movido à poder, e ter a chance de
acabar com dois dos homens que haviam conquistado respeito e admiração por
serem os melhores lhe dava a sensação máxima de superioridade.
Nestor e Mateus atingiram um nível de destaque que despertava a inveja de
Gian, e a morte de Clara era a famosa cereja do bolo, para que seu ódio pelos
dois ganhasse vida à cada minuto que o final se aproximava. Ele só não
imaginava o final que eu tinha preparado e não iria gostar nem um pouco quando
descobrisse.
— E você está disposta a criar os filhos dela?
— Pense comigo, — minha mão alisava sua extensão em movimentos sensuais e
calmos, obrigando-o a fechar os olhos e gemer baixo vez ou outra— Cauã irá
conosco e o garoto não está numa idade fácil, se levarmos seus primos, além de
garantir a futura geração na sucessão da organização, ele ficará mais tranquilo
com a presença deles, e claro, seremos vistos como "bons samaritanos", por
assumir a guarda dos órfãos. O que acha?
— Acho que você pode continuar com essa mão safada e... estou adorando essa
sua ideia. Não vai ser ruim termos seus sobrinhos como nossos filhos, e
poderemos treiná-los para assumir os cargos mais importantes nos negócios. —
jogou a cabeça para trás e gemeu alto quando apertei seu pau e acelerei os
movimentos — É bom saber que você não mudou nada, "bela".
— Muito me admira você ter acreditado nisso...
— Eu não fui o único que acreditou que você estava realmente mudada e tinha
se apaixonado pelo bombeiro.
— Meu querido, está tudo saindo como planejamos desde o início e o bombeiro
foi apenas uma peça usada pra chegarmos até aqui.
— Mas você bem que gostou de ser fodida por ele, não é mesmo, sua safada? —
ele rosnou e rapidamente se inclinou para apertar meu queixo com força —
Confessa que ele mexeu com você!
Gian Carlo estava com ciúme, o que era normal. Eu já tinha presenciado
algumas cenas deprimentes daquele homem, o que era justificável pela sua atual
condição de "incapaz". Mas ali na frente dele ajoelhada, não era eu e sim a
antiga Laís, a mulher que ele havia conhecido a anos atrás, sempre fora de si,
egoísta, invejosa e igualmente ciumenta. Mesmo que eu quisesse convencê-lo de
que estava ali apenas para salvar o homem que amava, o mafioso não entenderia
e eu não tinha como voltar atrás naquela merda toda. Era tarde demais para
arrependimentos, minha única saída era consertar o estrago, ou parte dele.
— Ele fodia gostoso, não posso negar. O homem sabia me pegar gostoso, mas
nada demais.
— Eu via pelas câmeras vocês conversando, e você não parecia estar fingindo.
— Porra, Gian! Qual era a minha parte no acordo? — falei irritada — O cara é
todo carente, achava que estava me ajudando, acreditou que entrou na minha
vida pra se redimir por causa da puta que se matou; se eu não fosse convincente
ele não ia acreditar em mim e o Nestor ia demorar o dobro de tempo pra
acreditar na minha mudança. O que você queria que eu fizesse?
— Calma, Laís. — segurou meu rosto e sorriu — Agora eu sei que você não está
mentindo pra mim, mas eu precisava ter certeza.
— Você tem ideia do sacrifício que foi passar todos aqueles meses internada
naquela merda sem poder sair? — aproveitei para não deixar qualquer dúvida e
convencê-lo de uma vez que eu ainda estava do seu lado — Eu quase morri de
tédio naquela merda, Gian, e se não fosse a companhia daquele tosco, era capaz
de ficar doente de verdade. Agora se você não acredita em mim, foda-se
também, manda me matar junto com aqueles idiotas e pronto. Encerra o assunto
de uma vez. Que bosta!
Ele me abraçou e começou a gargalhar.
— Do que você tá rindo? Tenho cara de palhaça, por acaso?
— Não Laís, claro que você não tem cara de palhaça, mas se a gente tivesse
combinado não teria saído tão perfeito.
— Combinado o que? Do que você tá falando, homem?
Gian tirou uma chave do bolso da calça e apontou o que parecia ser um
controle para a parede atrás de mim. Fiquei em pé e as coisas foram acontecendo
em câmera lenta à minha frente. A parede de madeira começou a se mover
lentamente deslizando para o lado, e atrás dela, Murilo apareceu, acompanhado
por dois capangas.
Ele tinha os pulsos algemados à frente do corpo, seu cabelo desgrenhado caía
na testa. Seus olhos vermelhos, inchados, denunciavam o choro recente e só
então entendi o que havia acontecido. Gian Carlo tinha armado para que o
bombeiro ouvisse nossa conversa, tudo, desde o início, e se convencesse de que
eu não era a mulher que ele havia conhecido.
Meu coração se quebrou de uma forma que eu sabia que nunca mais seria
possível restaurá-lo. Eu queria correr para ele, explicar o que tinha acontecido e
confessar que o meu fingimento era naquele momento e não em todos os outros
que estivemos juntos. Queria me jogar aos seus pés e jurar que meu amor por ele
era tão grande, que eu seria capaz de perdê-lo para sempre apenas para que ele
ficasse vivo. Queria confessar que o amava tanto, à ponto de aturar seu ódio por
mim pelo resto da minha vida, para que nenhum mal lhe fosse feito. Eu nunca
me perdoaria se alguém o machucasse, mas acabava de confirmar que o feri mais
do que qualquer outra pessoa quando menti e o enganei.
— O que ele tá fazendo aqui? — perguntei sem tirar meus olhos do único
homem que amei em toda minha vida.
— Ele queria que eu provasse que você não estava apaixonada por ele, "bela".—
Gian gargalhou e me abraçou por trás acariciando meus seios por cima da blusa
— Pobre homem, realmente acreditou que você era uma mulher meiga e doce,
mas acho que agora ele não tem mais dúvida, ou será que tem?
Murilo me olhava com nojo. Seus olhos encarando as mãos de Gian em meu
corpo queimavam de ódio. Eu não conseguia parar de olhá-lo, meu coração não
cabia em mim de tanta tristeza e remorso por tudo que havia feito, por tudo que
havia perdido. Não tinha mais o que fazer, era o fim, o nosso fim.
— Você não passa de uma puta traidora!— voz de Murilo carregada de mágoa
chegou como espada rasgando meu peito, mas eu merecia cada palavra— Desde
o começo o Mateus estava certo e eu fui um idiota, um burro, imbecil por ter
acreditado em você. SUA DESGRAÇADA!
Os dois homens precisaram segurá-lo para que ele não avançasse em minha
direção. Murilo me agrediria se pudesses. Senti minhas pernas fraquejarem, mas
eu precisava terminar o que havia começado. Enquanto o bombeiro estivesse sob
o mesmo teto que Gian, nada estava garantido.
— Podemos pular essa parte? — fiquei de frente para o mafioso e abracei seu
pescoço com um sorriso presunçoso nos lábios — Você não vai me obrigar a
ficar aqui discutindo a relação com ele, não é?
— Claro que não, querida. Ele já está de saída.
— Pra onde vai levá-lo? — inspira, respira e se concentra, minha mente
trabalhava sem descanso. Eu precisava agir rápido, antes que Gian decretasse
seu fim — Achei que ia poupar a vida dele, querido.
— Não posso arriscar, Laís, ele ouviu todos os nossos planos e se sair vivo daqui
vai acabar dando com a língua nos dentes. — beijou minha boca e olhou por
cima do meu ombro, na direção de onde Murilo e seus homens estavam —
Tranquem ele na cela do porão e certifiquem de que não saia de lá até amanhã de
manhã. Não quero ninguém lá embaixo.
Não tive coragem de olhar para ele, mas foi impossível não ouvi-lo antes que
acompanhasse os homens para fora da sala pela parede falsa e se perdesse lá
dentro.
— Você vai se arrepender de tudo que fez, Laís, eu sei que vai.
Gian segurou minha mão e me levou até seu quarto no andar de cima, beijou
minha boca e avisou que após tomar banho iríamos almoçar juntos. Aproveitei
sua ausência e enviei a primeira mensagem avisando que havia encontrado
Murilo, mas quando terminei de escrever a segunda com a nossa localização, não
houve tempo para apertar o botão verde que confirmaria o envio, pois o mafioso
me agarrou por trás, apertando minha garganta até que todo o ar dos meus
pulmões sumisse e eu apagasse completamente.
28 - CASTLE
Murilo Castelli
Eu não podia acreditar em tudo que estava ouvindo atrás daquela porta, me
recusava a aceitar que Laís Antunes não passava de uma mulher vingativa, má e
cruel que desde o começo estava disposta a acabar com seus irmãos. Não podia
ser verdade.
Como eu pude ser tão burro e não ter enxergado o que esteve na minha cara,
o tempo todo? Mateus desde o início falou, avisou e eu apenas me recusei a
ouvi-lo, preferi dar ouvidos ao meu coração idiota e me entreguei à pior das
mulheres. Vagabunda! Desgraçada! Eu queria matá-la por ter me enganado tanto,
como se eu fosse menos que nada.
Quando a porta se abriu e ela me encarou, por um pequeno momento achei ter
visto um resquício de dúvida em seus olhos, aqueles mesmos olhos que me
iludiram enquanto fazíamos amor. Quem era aquela mulher que esteve comigo?
Depois de conhecer seu verdadeiro lado, descobri que ela nunca existiu. Tudo
não passou de encenação, como Gian Carlo havia me assegurado.
Aquele homem que a teve enquanto eu estive fora, várias vezes. Descobri
também que foi ele quem esteve na clínica e a agrediu, mas ao contrário do que
imaginei, tudo o que ele fez foi à pedido dela, porque ela gostava daquele tipo de
relação abusiva. Chorei de raiva, muito mais de mim do que dela. Fui fraco,
ingênuo e acabei me apaixonando por alguém que nem tinha um coração. Laís
Antunes era o diabo em pessoa e merecia ir para o inferno sem qualquer chance
de ser perdoada.
Nada que tivesse acontecido em sua vida justificaria seus atos, suas mentiras
e sua tão desejada vingança. Ela ainda queria tripudiar em cima da irmã,
tomando para si seus filhos. Nunca me senti tão enojado ao ouvir tamanha
crueldade. Estavam todos destinados à morte por causa de uma mulher sem um
pingo de humanidade em suas veias. Laís era perversa.
Com os olhos ainda embaçados pelas lágrimas fui levado à uma cela que
ficava no subsolo da casa. Era fria, úmida e muito fedida. Não tinha qualquer
iluminação e apenas a claridade que entrava pelas grades da pequena abertura
permitia que o lugar pudesse ser analisado. Eu precisava sair dali, avisar alguém
sobre os planos da traidora e evitar que um verdadeiro massacre acontecesse em
Petrópolis no dia seguinte, mas como conseguiria escapar?
Os dois trogloditas que passaram a noite toda rindo da minha cara enquanto
Gian relatava tudo o que ele e Laís tinham planejado desde a morte da esposa de
Nestor, saíram e trancaram a porta de ferro que guardava as celas. Além da que
eu estava, ainda tinha mais duas iguais no lado oposto.
Imaginar que Enrico Antunes era o dono daquela mansão e foi a mando dele
que aquelas celas foram construídas, me forçava a imaginar os motivos que o
levaram à construí-las e a ânsia de vômito voltava com força extra. Gian Carlo
também contou sobre a trajetória de Laís desde que chegou na Itália com a
cunhada morta, e nada no mundo tinha me preparado para conhecer sua história
daquela forma.
Ela queria matar sua irmã, armou com a cunhada para que Nestor assumisse
um filho que não era dele e passou a chantageá-la para conseguir informações.
Colocou Rômulo na mira da máfia italiana para que fosse morto junto com a
esposa, e ajudou Clara a sequestrar Pietra em Angra dos Reis. Laís sempre teve o
pai como aliado, e quando ele não lhe assistia mais, foi pessoalmente ao presídio
para acabar com a vida dele. Ela matou o próprio pai!
Estava inquieto, nervoso, aflito. Não sabia o que fazer para sair dali e
precisava pensar em alguma coisa rapidamente. Ainda era dia, mas quando a
noite chegasse, ficaria impossível enxergar dentro da cela e as minhas chances
de fuga seriam nulas. Apoiei os cotovelos na grade e abaixei a cabeça, as
lágrimas voltaram a descer pelo meu rosto, mas não eram de ódio e sim de dor.
Elas marcavam o fim de um amor que eu seria obrigado a sufocar em meu peito,
o quanto antes, para que nunca mais aquela mulher fosse capaz de invadir meus
pensamentos, sonhos e até pesadelos.
Eu iria esquecer que um dia Laís Antunes representou qualquer coisa para
mim. Ela não iria ser lembrada nem como uma pessoa que eu havia ajudado
quando estava decidida a tirar sua própria vida. Sorri com amargura lembrando
os minutos que fiquei ao seu lado no alto do prédio, até naquele momento ela
fingiu com perfeição. Tolo! Será que todo o prazer que tivemos no sexo também
foi fingimento? Provavelmente. Fingir era o que aquela mulher mais sabia fazer
e eu duvidava que vivesse de outra forma.
Ouvi vozes do lado de fora e vi quando um dos homens abriu a porta e deu
passagem para que o outro entrasse. Ele carregava uma pessoa em seus ombros,
estava desacordada e quando empurrou a porta da cela em frente a que eu estava,
identifiquei que era Laís. Ele a jogou no chão sem qualquer delicadeza, e o
barulho do corpo magro contra o concreto frio fez meu corpo estremecer. Por
que ela estava ali? Por que Gian Carlo resolveu descartá-la?
— Por que vocês trouxeram ela pra cá? — questionei o homem que estava
trancando a porta da cela.
— Aqui ninguém questiona o chefe, ele manda e a gente obedece.
— Ela vai ficar aqui até quando?
— Até amanhã de manhã. Eu não sei o que essa daí aprontou, mas que ela
conseguiu tirar o homem do sério, isso ela fez; e vou te dar um conselho,
bombeiro, nem pensa em encostar nela. Pro teu próprio bem, fica na tua e não
tenta aprontar nada.
Eles saíram e trancaram a porta me deixando na penumbra. Laís estava
deitada no chão, e mesmo sem conseguir enxergá-la com nitidez, podia sentir
sua presença. Algum tempo depois, eu estava sentado no chão com as costas
apoiadas na parede torcendo para que algum milagre acontecesse e nos tirasse
daquele lugar com vida, quando ouvi alguns gemidos que pareciam ser de dor.
Levantei e me aproximei da grade para tentar ver a mulher que havia destruído
meu coração da maneira mais cruel que alguém poderia fazer.
Ela estava tentando se levantar, mas parecia fraca e tonta. Foram duas
tentativas até que conseguiu se apoiar na cama e ficar em pé. Laís andou até a
grade e suas mãos agarraram o ferro com força, apoiou a cabeça e voltou a
gemer. Eu não iria me preocupar com ela, queria mais era que sua dor se
tornasse constante e eterna, que sentisse um terço da mágoa que havia me
causado e que todas as vezes que lembrasse de mim, seu coração sangrasse. Ela
merecia a solidão de uma vida inteira. Seus olhos vasculharam o lugar e em
algum momento encontraram os meus.
— O que aconteceu com o seu amante, Laís, ele descobriu que você também
traiu ele?— sorri com ironia sem esconder o ódio que sentia dela — Ou quem
sabe ele percebeu que ainda tem esperma de outro homem dentro de você e
resolveu te colocar de castigo aqui embaixo?
Ela estreitou os olhos e sua testa enrugou, demonstrando que não estava
gostando do que ouvia, o que apenas me estimulou à continuar destilando todo o
meu veneno:
— Ahhh... já sei! Você pediu pra ele te foder aqui embaixo, presa nas correntes e
na minha frente, foi isso? Essa eu vou querer ver de perto, quem sabe eu não
"bato uma" em homenagem à vagabunda que você é? Hein... o que você acha?
Será que você merece a minha porra, pelo menos?
— Eu acho que você deveria calar essa sua boca, Murilo! — falou com os dentes
trincados.
— E quem você pensa que é pra me mandar calar a boca, sua mentirosa?!
— Você não sabe o que tá falando...
— Não? — me posicionei de frente para ela e a encarei, a claridade iluminou
parcialmente seu rosto e pude ver a marca roxa embaixo do seu olho esquerdo —
Então vai me dizer que tudo o que você falou para aquele escroto foi mentira?
Fala, Laís! De tudo o que eu ouvi quando estava atrás daquela maldita porta, o
que era mentira?
Ela apenas me encarava sem falar nada. Respirei fundo, passei as mãos pelo
rosto e caminhei dentro da cela tentando me acalmar, mas era impossível conter
a fúria que me consumia.
— Quando subiu naquele prédio, você pretendia se jogar? — eu precisava ouvir,
tinha necessidade de saber dela o quanto eu havia sido usado, maldita! —
Responde logo, porra! Você ia se jogar ou era só pra chamar a atenção dos seus
irmãos?
— Era só pra chamar a atenção deles...
Sua voz saiu como uma chiado, um sussurro. Soltei o ar lentamente me
recuperando do baque, no fundo eu tinha esperança de que ela dissesse outra
coisa. Senti minhas lágrimas voltarem a embaçar meus olhos e agradeci pela
sombra que impedia sua visão. Aquela mulher não merecia o que eu estava
sentindo, a minha dor, muito menos o meu amor.
— Você só queria se aproximar dos seus irmãos pra se vingar e achou que a
minha presença facilitaria isso?
Ela não respondeu, e presumi que seu silêncio dali em diante significaria sua
afirmação para qualquer pergunta que eu fizesse à ela. Decidi continuar e acabar
com qualquer dúvida que eu pudesse ter à respeito daquele monstro disfarçado
de anjo que estava à menos de dois metros de mim.
— A internação também foi pra convencer seus irmãos de que você tinha
mudado?
Silêncio.
— O enfermeiro que cuidava da sua medicação no hospital era teu comparsa?
Silêncio.
— Quando eu consegui a clínica pra você, ele foi transferido junto? Era aquele
homem que o Mateus interrogou no dia que o teu quarto foi supostamente
invadido?
Silêncio.
— Foi o Gian Carlo que esteve no seu quarto naquele sábado e foi com ele que
você transou depois de ter passado a noite toda enroscada no meu corpo? Foi ele
quem fodeu você depois que a gente trepou a noite toda?
A cada pergunta sem resposta uma parte do meu corpo caía em desânimo e
sem que eu percebesse, estava ajoelhado, em frangalhos, me sentindo o pior de
todos os homens por ter fracassado pela segunda vez.
— Eu amo você... como nunca amei ninguém, Murilo. — ouvir aquilo de Laís
depois de ter descoberto tantas mentiras, feria minha inteligência. Ela realmente
achava que eu acreditaria? — Eu sei que errei e não mereço o teu perdão, mas eu
me arrependi de tudo, até da vingança porque eu... descobri que pela primeira
vez em toda minha vida eu realmente estava feliz.
Fiquei em pé e me recompus. Um homem da minha idade e com a minha
experiência não poderia permitir que uma mulher como ela me manipulasse
novamente. Estava claro que Laís iria aprontar alguma coisa, e queria me usar
para conseguir, mas eu não cairia mais em seus joguinhos e armações.
— E qual é o seu plano agora? Me convencer que me ama, me levar até
Petrópolis pra facilitar a entrada dos homens que querem acabar com a vida dos
seus irmãos, na casa do Nestor, e você poder pegar seus sobrinhos pra criá-los e
prepará-los para se tornarem os próximos mafiosos que vão dominar o mundo?
Me conta, Laís, o que você quer agora, hein? Será que já não é o suficiente ver
seus irmãos morrerem? Ainda não tá satisfeita e quer foder mais o quê? Hein?
Hein? O que mais você quer foder, Laís?
— Eu não vou falar sobre isso aqui, Murilo...
— Ah... entendi! Você quer que eu acredite que o Gian Carlo agora tá puto com
você, é isso?
— Murilo, eu sei que você tá me odiando agora, e entendo, ok? Mas fala baixo e
não chama a atenção dele pra nós.
— Quem você pensa que tá enganando, porra? Acaba logo com esse papo furado
e confessa que vocês dois estão armando alguma coisa pra hoje a noite, caralho!
O que vocês vão fazer? Vão antecipar a invasão na casa do Nestor pra pegar
todo mundo desprevenido?
— Fala baixo, Murilo, por favor!
— Baixo por que, caralho? O que pode acontecer de pior por aqui? Não era isso
que você queria, Laís? Ele me falou que desde o começo você sabia que eu ia ser
"descartado", porra! Qual o problema dele vir aqui e meter uma bala na minha
cabeça na tua frente? Ou quer mesmo que eu acredite que é verdade que você me
ama?
— Murilo, cala essa bo...
Antes que ela terminasse a frase a porta foi aberta, a luz foi acesa e a
claridade me obrigou a piscar algumas vezes para conseguir enxergar. Gian
Carlo entrou e nem se deu ao trabalho de olhar na minha cara, foi direto para a
cela em que Laís estava e só então notei a marca avermelhada em volta do seu
pescoço. Ela não se moveu, mas vi em seus olhos a raiva e o medo duelando,
quando ele se aproximou e sem qualquer aviso, desferiu-lhe um tapa forte no
rosto que a derrubou no chão.
— Sua puta desgraçada! — ele xingou e a agarrou pelo cabelo — Quem sabe
sobre esse lugar?
Minhas mãos apertavam a grade com tamanha força que meus dedos
começaram a ganhar uma coloração esbranquiçada nas pontas. Meu coração
acelerou quando ele deu o segundo tapa e o sangue escorreu pelo seu rosto
pálido.
— Você acha que eu não estaria preparado, "bela"? Pois saiba que eu vou acabar
com a vida de todos eles na sua frente, e fazer questão de sussurrar seu nome no
ouvido de cada um, antes de dar o tiro de misericórdia, para que toda sua família
lembre no último segundo de vida o motivo pelo qual estão morrendo.
— Vá pro inferno, seu porco! — Laís falou e cuspiu na cara de Gian Carlo que
covardemente, arremessou o corpo frágil no chão para em seguida chutar suas
costelas.
Eu controlava minha respiração e arquitetava uma forma de agarrá-lo quando
passasse pelo corredor. Gian caminhava como um gato selvagem enjaulado; sua
testa suando e sua perna arrastando com dificuldade denunciavam o quanto
estava nervoso, me fazendo acreditar que talvez, Laís pudesse ter aprontado
alguma coisa contra o mafioso de merda. Ele se preparava para sair da cela,
quando ela agarrou sua perna defeituosa e tentou derrubá-lo. Por um momento
apreciei sua atitude, mas quando ele se recuperou e tirou uma arma, da cintura,
apontando em direção à cabeça da ruiva, uma onda de desespero tomou conta do
meu corpo.
— NÃO! — gritei chamando a atenção dele.
Ele apontou a arma em minha direção, sorriu de maneira sarcástica, e piscou.
— Sim!
Uma simples palavra, um estrondo, e de repente a dor latente, quase
insuportável. Não houve tempo para reagir, olhei para baixo e a cor vermelha
parecia realmente brilhante escorrendo através da minha camisa. Meus joelhos
fraquejaram, meus olhos se esforçaram para se manterem abertos, mas a
queimação em meu ombro dificultava a tentativa de me manter lúcido. Meu
corpo cedeu ao cansaço e lentamente fui me aproximando do chão. Dali em
diante, a confusão foi instalada e eu poderia jurar que vi Laís gritar meu nome,
com os braços estendidos em minha direção enquanto um jovem negro a
segurava pela cintura, impedindo-a de se aproximar de mim.
Eu já não conseguia distinguir o que era sonho ou realidade, e somente
quando abri os olhos novamente, descobri que o pesadelo havia finalmente
acabado, assim como todos os meus sonhos.
29 – MACGYVER

Mateus Trivisan (Thor)


— Como vocês não viram ela sair, porra? — Nestor estava com o celular no
ouvido tentando localizar Laís, enquanto Piuí mantinha sua cara de "paisagem",
tentando me convencer de que não tinha ajudado sua mais nova heroína a
escapar sem ser vista.
— Ninguém sabe pra onde ela pode ter ido, Mateus, e eu não consigo falar com
ela. O telefone continua desligado. — meu cunhado parecia inconsolável.
— Vai falar ou vai ficar aí esperando dar merda e os dois aparecerem mortos,
Piuí? — encarei meu amigo que bufou e se largou no sofá, relaxado e tranquilo
— Ela quer encontrar o bombeiro, mas não tem condição nenhuma de fazer isso
sozinha, cara. Onde você tava com a cabeça que concordou em ajudar nessa
loucura dela?
— Ela vai avisar quando tiver a localização, essa foi a minha condição.
— E se ela não conseguir ligar? Se o lugar não tiver sinal? Se o cara descobrir
que ela tá armando pra ele? Você pelo menos cogitou essas possibilidades? O
Gian Carlo é um escroto, brother, ele tá alucinado pra pegar o Cauã e acabar com
a gente, porra! Na cabeça daquele maluco a Laís vai se casar com ele assumir o
sobrinho como filho, se ele desconfiar dela, vai ser o fim da linha. O cara não vai
perdoar uma traição agora na reta final desse plano fodido. Ela não deu nenhuma
pista de onde era o ponto de encontro?
Piuí estava em dúvida, e minhas perguntas deixaram meu amigo pensativo.
Mesmo contrariado, passou a avaliar a real situação da caçula. Ele se recusava a
contar o que havia acontecido na cela onde Enrico Antunes foi morto, mas eu
sabia que independente do que o advogado tivesse presenciado naquela noite, a
ruiva tinha conquistado seu respeito, e talvez, até sua confiança. E a recíproca
era verdadeira, já que Laís pediu para que ele a ajudasse em sua escapada para ir
ao encontro de Gian Carlo. Sozinha.
— Ela falou em uma mansão à caminho de Petrópolis, mas também não sabia
onde era. — Piuí ficou em pé, me encarou sem sorrir, e eu o conhecia muito bem
para saber que ele estava disposto a ajudar a garota, na hora que ela gritasse por
socorro — Eu sei que pode parecer irresponsabilidade dela, mas eu entendi a
garota. O bombeiro corre o risco de ser morto por causa de todas as merdas que
ela fez, então cara... pode apostar, que tudo o que ela puder fazer pra salvar o
bonitão, ela vai fazer. Mesmo que isso custe a vida dela. Eu só ajudei porque ela
me prometeu que assim que conseguir, vai mandar a localização.
— Você confia nela? — perguntei para ter certeza que poderia agir do meu jeito
quando fosse invadir a porra toda.
— Confio.
— Tudo bem, se tá me dizendo que ela é confiável, eu vou confiar em você.
Vamos esperar o Trovão chegar com os caras e começar a negociar.— meu
cunhado parecia hipnotizado — Nestor, você tem ideia se seu pai tinha algum
imóvel que pudesse interessar pra esse cara? A Laís falou que ele quer investir
em puteiros, então tem que ser coisa grande e sendo ligado à família Giovanese,
vai querer continuar agindo como o Lucca, pagando todos os impostos,
mantendo o negócio dentro da lei, subornando políticos e evitando confronto
com os chefes dos morros. Tenho certeza que vai ser uma casa noturna do
mesmo padrão que a Payback, só que usada pra lavar dinheiro e talvez iniciar o
tráfico de mulheres.
— Eu posso fazer um levantamento rápido, vou usar o computador do
escritório.
Liguei para Rômulo e me certifiquei de que em Petrópolis estava tudo
correndo como havíamos planejado. Quando eu descobri o plano de Gian Carlo,
resolvi armar uma armadilha pra ele e se tudo desse certo, até a noite daquela
sexta-feira, o idiota metido a mafioso estaria atrás das grades.
— E aí brother? Como estão as coisas?
— Tudo tranquilo, tirando o fato que a tua mulher está desconfiada pra caralho e
não para de encher o meu saco pra contar o que tá acontecendo, o resto tá tudo
saindo como a gente planejou.
— Eu te falei que ela ia desconfiar, mas não fala de jeito nenhum, Rômulo. Eu
preciso que eles estejam seguros pra conseguir trabalhar sossegado aqui. O
Breno chegou?— eu queria rir, mas decidi não cutucar a onça para não piorar a
situação.
— Você é o maior filho da puta que existe, Thor! Com tanto cara bom naquela
merda, tu tem que mandar logo esse folgado do caralho pra ficar aqui fazendo a
segurança, porra?
Eu sabia que o loiro não iria gostar da minha escolha, mas quando falamos
em montar um esquema de segurança para as mulheres e as crianças, não dava
para ficar pensando em ciúme ou insegurança do meu cunhado, e Breno, era o
cara mais preparado que tinha para aquela tarefa.
— Nenhum melhor que ele, vai por mim. Se tivesse outro eu mandaria, pode ter
certeza. Mas você sabe tanto quanto eu a importância da segurança de vocês e eu
nunca iria me perdoar se aquele desgraçado descobrisse onde vocês estão, certo?
— Eu sei, mas já avisei que se eu ver ele olhando pra minha mulher como se ela
fosse um chocolate belga, eu arrebento a cara dele.
— Esquece essa história e deixa o cara trabalhar. As crianças estão bem?
— Estão. Foram brincar na piscina, e a Laís? Descobriu mais alguma coisa sobre
o que aconteceu com o velho?
— Não e acho que nem vamos descobrir. Eles não querem falar e eu acho que
vai ser melhor assim, mas tem uma coisa que você precisa saber.
— O que?
— Ela aproveitou que eu estava ocupado, e saiu escondido pra ir se encontrar
com o Gian Carlo. O filho da puta mandou uma mensagem pra ela dando o
endereço de onde ele estava, e eu acho que o Murilo também está nesse lugar.
— Caralho! Ela foi sozinha?
— Foi, mas prometeu pro Piuí que assim que conseguisse, ia mandar a
localização pra ele também.
— Tá me dizendo que o pivete viu ela saindo e não fez nada pra impedir?
— Tô te dizendo que ela confia nele, e a gente tá esperando a informação pra
poder agir. Assim que estiver tudo armado eu te passo. Agora fica de olho bem
aberto e cuida de tudo por aí, enquanto o Gian achar que vocês estão na casa do
Nestor, tá tudo bem.
— Beleza. Se cuida e não morre, porque eu não vou aguentar a Lívia, cara. Na
boa, quando ela encasqueta com alguma coisa, é foda.
— O único homem que vai aguentar a minha loira, sou eu, irmão. Mais tarde eu
ligo pra ela.
Desliguei o telefone e me senti revigorado; saber que as meninas e as crianças
estavam bem, era importante pra me deixar mais confiante e ir atrás do Gian
Carlo e de toda corja dele. O cara era doente da cabeça e queria matar uma
família inteira pra se vingar, o pior era saber que a mulher que ele dizia que
amava, era a mesma que quase o matou quando armou o acidente de carro na
Itália. Esse tinha vocação pra ser corno, só podia. Babaca!
Piuí abriu a porta e Trovão entrou seguido pelo chefe dele, o Caveira, e mais
dois caras que faziam a segurança do chefão do morro do Pagode, um dos
maiores fornecedores de pó do Rio de Janeiro. Os homens estavam
desconfiados, mas eu iria acalmar seus coraçõezinhos aflitos bem rápido e
esperava contar com a ajuda deles pra conseguir resgatar o bombeiro e a caçula
com vida.
— Que tá pegando Thor? — Trovão perguntou como se nem me conhecesse —
Tá ligado que essas "parada" de ficar chamando nóis pá conversa, tá cum nada, e
se tu tivé de caô, vai dá ruim po teu lado.
— Se eu chamei vocês aqui é porque o assunto é sério e interessa à vocês
também. — Trovão encarou Caveira que assentiu e tomou à frente na conversa.
— Beleza, eu tô te ouvindo.
— Tem um mafioso italiano que tá querendo criar confusão por aqui, ele tem
grana, poder e influência e tem muito peixe grande financiando o cara. No
último mês ele já quebrou seis bocas no morro do Macaco e agora tá querendo
dominar mais três bocas no teu morro. — apontei o indicador na direção do
Caveira, que estava com os braços cruzados me encarando e ouvindo tudo com
atenção —Esse cara sequestrou duas pessoas da minha família e eu preciso de
ajuda pra resgatar os dois, em troca, eu deixo vocês acabarem com ele e fica
tudo certo entre a gente. Não tem negociação, é pegar ou largar.
— É o mesmo que estourou a cabeça do Neguinho do Mabel? — Caveira
perguntou se referindo à um traficante muito conhecido que havia sido
encontrado morto com uma bala de fuzil na cabeça, dias atrás.
— Pelo que eu descobri, sim, mas como falei, o cara tem peixe grande com ele e
algumas provas já sumiram de dentro do arquivo da delegacia. Estão tentando
proteger o filho da puta e se não parar ele agora, vai ficar cada vez mais difícil
fazer isso. Ele tá trazendo muita gente da Itália com ele, e vai investir pesado no
comércio noturno, aumentando a prostituição e vendendo droga que ele vai
importar da Europa. Ninguém vai conseguir competir com ele e os mais
prejudicados serão vocês.
— E tu vai deixar a gente acabar com ele sem foder com nóis depois?
Caveira era um homem alto, musculoso e todo tatuado. Seus olhos eram
grandes e atentos, o que indicava que era inteligente. A fama dele não era das
melhores, mas era um cara durão e não criaria problemas depois que o negócio
comigo estivesse fechado.
— O acordo é simples, eu vou resgatar as duas pessoas que eu quero, e ajudo
vocês a acabar com ele e o negócio dele, sem deixar nenhum rastro. Ninguém
vai saber quem foi, mas não dá pra deixar nada pra trás. Tem que ser limpo.
Depois disso, é como se essa conversa nunca tivesse acontecido e vida que
segue.
— Fechou. — Caveira me ofereceu a mão em cumprimento e eu retribuí
fechando nosso acordo temporário — De quantos homens tu precisa?
— Eles são bons?
— Tenho os melhores. — respondeu todo orgulhoso e eu não podia duvidar do
cara, o Pagode era o maior morro em extensão da Zona Norte e nunca tinha sido
invadido.
— Junta quinze, e já avisa que vamos precisar fazer a limpeza depois. Eu vou
com o Piuí.
— Quando vai ser?
— Hoje. Assim que eu receber a localização, te mando tudo.
— Beleza, — ele fez um gesto com a cabeça para um dos seguranças que me
entregou um aparelho de celular — manda tudo por esse aparelho, ele tá
bloqueado e é impossível ser rastreado, assim nóis num corre o risco de boicote.
— Deixa tudo no esquema, não deve demorar.
Eles saíram e logo depois Nestor voltou para a sala, meu cunhado não estava
feliz com a minha nova parceria e eu sabia que sua ausência na "reunião" foi
proposital. Ele não queria ter contato com os traficantes, mas não falou nada à
respeito e eu fingi que não tinha feito nada demais.
O que ele não sabia era que eu já tinha descoberto muito mais coisas do que
gostaria à respeito de Gian Carlo Pirollo e a família Giovanese, e se não
colocasse um fim àquilo logo, nós não teríamos paz. As pretensões do homem
que quase morreu em um acidente de carro há anos na Itália, mostravam que ele
poderia ser muito pior do que Lucca, com o agravante de parecer inofensivo.
Mas a minha maior preocupação não era em relação aos negócios de Gian, e sim,
com o que ele pretendia fazer à minha família, e eu não iria permitir que
ninguém ameaçasse as pessoas que eu amava.
Eu era um homem da Lei, mas usaria todas as armas que estivessem à minha
disposição para acabar com qualquer ameaça. Gian Carlo já tinha vários
policiais, delegados e juízes ao seu lado, facilitando sua vida na cidade, e
fatalmente se eu informasse o que pretendia fazer contra naquela sexta-feira e
solicitasse ajuda aos meus superiores, ele seria avisado, e Laís e Murilo seriam
os primeiros a caírem.
Eu não tinha tempo para organizar uma força-tarefa em segredo, então, só me
restava usar a morte de Enrico Antunes como desculpa para agir. A solução foi
afastar parte da família do Rio de Janeiro, fazendo Gian acreditar que todos
estavam na casa de Nestor, em Petrópolis, para a festa de Cauã como havia sido
combinado, contratar seguranças particulares para cuidar da casa alugada de
última hora e não comunicar nada à ninguém, e por fim, pedir ajuda aos mais
interessados em dar fim aos negócios do italiano na cidade maravilhosa, e era
exatamente aquilo que eu havia acabado de fazer. Sem culpa.
— Descobri uma coisa que pode ser interessante. Tem uma mansão que fica
mais ou menos onde a Laís falou, olha aqui — Nestor colocou o endereço no
GPS do celular e apontou o local —, fica bem no meio do caminho.
— Essa casa é do seu pai?
— É, e acabei de descobrir que teve um cara no presídio interessado em
comprar. Acho que foi o Gian.
— Só pode ter sido ele. Vamos esperar mais uma hora, se ela não entrar em
contato eu vou até lá com o Piuí e se for mesmo o lugar, eu aviso o Caveira.
— Eu vou com vocês! — Nestor afirmou.
— Não. Você fica aqui.
Piuí tinha acabado de voltar para a sala e nitidamente começava a se
preocupar, já fazia mais de duas horas que Laís tinha saído e ainda não havia
entrado em contato.
— Eu vou junto, caralho!
Nem me preocupei em responder. Fui para a cozinha, preparei alguma coisa
pra comer e quando estava revisando alguns documentos que continham algumas
informações sobre os negócios de Gian Carlo, meu telefone disparou um alerta
de mensagem.
"Ele está aqui, vou mandar a localização"
— É ela! — avisei e logo Nestor e Piuí estavam do meu lado esperando a
segunda mensagem que nunca chegou.
— Por que tá demorando tanto? — meu cunhado perguntou aflito.
— Ou ela perdeu o sinal, ou foi descoberta.
— Porra! E agora, como a gente vai saber o que aconteceu?
— Não tem como saber. — encarei Piuí e tive uma resposta imediata apenas
com o olhar.
— Pega tudo e vamos logo.
— Eu vou também, Mateus!
Passei a mão pelo cabelo e olhei nos olhos de Nestor, para que ele pudesse
entender a gravidade da situação e o quão perigoso a ida até aquele lugar poderia
ser arriscada.
— Nestor, esses caras não vão conversar com você como a Clara fez, eles vão
atirar pra matar e não vão ligar pra quem você é. Eu não vou conseguir tirar a
Laís e o Murilo de lá, se eu tiver que me preocupar com você.
— Não me importo, eu quero ir e faço tudo que você mandar, mas não vou ficar
aqui de braços cruzados enquanto vocês vão atrás desse louco que quer levar
meu filho, porra!
— Beleza, mas você vai usar colete e nem adianta reclamar, e troca esse sapato,
coloca um tênis confortável. — bufei irritado e segui para o escritório para pegar
minha arma.
Em cima da minha mesa, vi o porta-retrato com a foto da minha loira e dos
meus filhos, João Mateus e Malu, sorri como um bobo e quando coloquei minha
arma na cintura, sabia que por eles eu seria capaz de fazer qualquer coisa, e sem
dúvida nenhuma, faria.
Seguimos de carro até a estrada que ficava a mansão que Nestor havia
descoberto ser de Enrico, o lugar era afastado e de difícil acesso, o que
confirmava nossa suspeita de ser o imóvel que Gian usaria para montar o seu
puteiro de luxo. Deixamos o carro no meio de algumas árvores e fizemos o
caminho restante à pé. Caveira já estava avisado que deveria fazer o mesmo
percurso e chegaria em poucos minutos com seus homens.
Do lado de fora da casa, alguns homens armados, dois carros de luxo e uma
moto de corrida estacionados. Dois homens saíram da casa, pegaram alguns
objetos em um dos carros e voltaram. Um terceiro homem saiu, deu a volta na
casa e desapareceu, o que me levou a acreditar que houvesse mais homens nos
fundos da mansão.
Quando Caveira chegou abastecido de armas e homens, organizei o esquema
para a invasão e mostrei a foto de Laís e Murilo para que eles soubessem que
aqueles dois deveriam ser resgatados, e não mortos.
— Vamos entrar!
Caveira e alguns de seus homens chegaram pela frente, atirando e chamando
a atenção de todos, enquanto eu, Piuí e Nestor, fizemos o caminho oposto e
fomos pela lateral da casa e tivemos acesso à porta dos fundos. Entramos
abaixados com arma em punho e ouvimos um barulho que parecia ser tiro, vindo
de uma porta que estava fechada.
— Tem uma escada, acho que eles "tão" aqui embaixo. — Piuí sussurrou quando
abriu a porta e colocou a cabeça para dentro.
— Eu vou na frente, me dá cobertura.
Desci com cuidado, e quando pisei no último degrau, um dos seguranças de
Gian Carlo tentou me acertar com um soco, mas consegui ser mais rápido e atirei
com precisão. Entramos em um espaço que parecia uma mini prisão, com três
celas pequenas separadas por um corredor estreito, fechada e com um cheiro
desagradável.
Em uma das celas, tinha um homem caído em posição fetal, cercado por uma
poça de sangue, e na outra, Laís estava dominada por Gian Carlo que tinha uma
arma apontada para sua cabeça. Nestor e Piuí se posicionaram ao meu lado, um
pouco atrás, formando um pequeno triângulo humano.
— Acabou Gian, solta a arma! — minha voz saiu firme, mas ele nem se mexeu.
— Eu não sei como vocês entraram aqui, mas acreditem, não vão sair.
— A casa está tomada e seus homens já estão mortos. Como eu disse, acabou!
Laís estava de frente para mim, o braço esquerdo de Gian em volta de seu
pescoço e a arma na mão direita do mafioso apontada para sua têmpora. Ela
estava machucada, muito aliás, mas o que estava me afligindo era ver o homem,
que eu supunha ser Murilo, caído no chão, imóvel. Como se lesse meus
pensamentos, a caçula gritou:
— Chama uma ambulância, ele foi baleado!
Ainda com a arma apontada para Gian, falei:
— Nestor, pede ajuda e vem tirar ele daqui.
Ouvi o som do meu cunhado se afastando, subindo a escada, abrindo a porta,
a mesma se fechando num baque, e senti a aproximação de Piuí. Os movimentos
simultâneos também distraíram o mafioso, e Laís se aproveitou para derrubá-lo
num movimento rápido. A arma que estava em sua mão escorregou, e a caçula
conseguiu se antecipar e pegá-la.
Laís estava em pé, posicionada ao lado do corpo de Gian, com a arma
apontada para a cabeça dele. Eu deveria mandar ela não atirar, mas não fiz, e
mesmo depois de tudo o que aconteceu, eu ainda não sabia dizer se estava
arrependido, ou não.
30 – VENDETTA

Laís Antunes
Pisei em sua perna manca e o fiz gritar de dor, mas eu não estava satisfeita, e
queria mais, muito mais. Eu queria acabar com a vida daquele desgraçado por ter
atirado em Murilo. Apontei a arma para sua cabeça e a voz de Mateus ecoou
atrás de mim.
— É isso mesmo que você quer, Laís? Não precisa fazer isso e eu garanto que
ele vai morrer do mesmo jeito.
Meu peito subia e descia acelerado, Gian tentou se mexer, mas pisei com
ainda mais força em sua perna defeituosa. Ele gritou novamente e meu cunhado
voltou a falar:
— Pensa bem porque não tem volta...
Levantei a cabeça apenas para ver o único homem que eu amei em toda a
minha vida caído no chão, cercado por seu próprio sangue; e a certeza de que eu
precisava acabar com aquilo pessoalmente nunca foi tão clara. Murilo nunca me
perdoaria se sobrevivesse, e mesmo sabendo que ele tinha todos os motivos para
me odiar, eu desejava que seu amor por mim pudesse ser maior do que seu ódio,
talvez.
— Eu sei. — Gian Carlo Pirollo não parecia mais tão valente, seu olhar de
pânico poderia enganar qualquer outra pessoa que não o conhecesse, mas eu
sabia a capacidade que aquele homem tinha de ser cruel — Mas eu não me
importo mais...
Foi apenas um tiro, certeiro. Meus braços caíram ao lado do meu corpo e
meus ombros arriaram como se carregassem um container com duzentos quilos.
Alguns homens entraram correndo e conseguiram arrombar o cadeado que
trancava a cela onde Murilo estava.
— CUIDADO! — gritei desesperada quando vi que eles estavam levantando
Murilo com dificuldade, tentei me aproximar cambaleando, mas Piuí me segurou
pelos braços e eu poderia jurar que vi meu bombeiro olhando para mim —
MURILOOOOO!
Tentei me soltar, mas não tinha mais forças e fui obrigada a assistir meu anjo
ser carregado por três homens escada acima.
— Calma, Drizella... ele vai ficar bem. Agora a gente precisa sair daqui, vem.
Com a ajuda de Piuí e Mateus deixamos o porão fedido, e depois de passar
pela última porta foi que consegui ter uma noção da guerra que havia acontecido
do lado de fora. Haviam dezenas de corpos espalhados pelo chão, dentro e fora
da mansão, e muitos outros trabalhando para que tudo o que pudesse identificar
quem esteve naquele lugar, fosse recolhido e levado embora.
— Onde o Murilo está? Pra onde levaram ele?
— Seu irmão o levou para a clínica de uma amiga do Rômulo, ele vai ser
atendido e assim que ele tiver notícia vai me avisar. — Piuí me levou até o carro
que estava estacionado escondido entre algumas árvores e me ajudou a sentar no
banco de trás — Agora acabou. Você precisa descansar um pouco até decidir o
que vai querer fazer da sua vida daqui pra frente.
— Eu preciso ver ele, Piuí, preciso saber se ele está bem, se vai ficar bem,
eu... — a dor em meu peito não tinha começo, meio ou fim, era indescritível.
— O tiro foi um pouco abaixo do ombro. Tá certo que ele perdeu muito sangue,
mas acho que ele vai ficar numa boa. O cara é grande pra caralho, Drizella, claro
que vai aguentar!
Sequei minhas lágrimas que caíam sem que eu tivesse me dado conta.
— Ele nunca vai me perdoar.
— Foda, aí tu já queria muito, né?
Queria? Talvez, mas era o que eu mais desejava naquele momento. Dei de
ombros e ouvimos Mateus se aproximando.
— Tudo certo, a gente pode sair fora que o Caveira vai cuidar de tudo por aqui.
— Os caras dele são bons mesmo, tu viu que só um pifou?
Mateus sentou atrás do volante e ajeitou o banco, enquanto Piuí sentou ao seu
lado.
— Ele te deu a chave? — Piuí perguntou e eu fiquei sem entender.
— Deu, mas combinei de deixar o carro ainda hoje lá pra ele.
— De quem é esse carro? — perguntei curiosa.
— De um dos caras que vieram com o Caveira. Nestor levou o Murilo no meu,
que é maior.
Meu cunhado colocou o carro em movimento e seguimos para sua casa, em
silêncio. Pelo menos até a metade do caminho, quando o agente resolveu tirar
algumas dúvidas.
— O Murilo descobriu tudo? — seus olhos azuis encontraram os meus pelo
retrovisor.
— Da pior forma possível. — inspirei profundamente e decidi contar tudo o que
havia acontecido — O Gian armou pra ele ouvir nossa conversa, e como eu
precisava que o miserável acreditasse em mim pra descobrir onde o bombeiro
estava, acabei falando muito mais do que realmente precisava.
— Ele soube do seu pai?
— Soube. Ele me procurou no hotel e a gente ia conversar, eu queria contar tudo,
falar a verdade, mas ele pediu pra esperar a mãe dele sair do hospital pra gente
ter aquela conversa. Acabou que o Gian sacou que eu estava desistindo de tudo,
deve ter ficado sabendo que meu pai tinha sido assassinado e deduziu que eu
estava envolvida de alguma forma, e resolveu pegar o Murilo pra me obrigar a
continuar com o plano.
— Agora Laís, não vai ter jeito, você vai ter que acertar as contas, não só com o
Murilo, mas com a justiça também. Se você continuar seu tratamento como se
comprometeu, tenho certeza que o Nestor vai conseguir um bom acordo pra
você.
— Eu vou continuar, Mateus, não pretendo voltar a viver do jeito que eu vivia.
Quero realmente poder ser eu mesma, e agora que... — tentei disfarçar o
incômodo que sentia todas as vezes que me referia àquele ser humano horroroso
que destruiu parte da minha vida — ele morreu, vou deixar o passado enterrado
e começar tudo do zero, como se eu tivesse nascendo de novo.
— Onde você aprendeu a atirar? — franzi a testa buscando na memória se
alguma vez eu tinha falado alguma coisa sobre aquilo, mas não lembrei e meu
cunhado continuou — O jeito que segurou a arma não é comum, apenas quem
fez aulas é que segura daquele jeito.
— Eu estava de costas pra você, como sabe o jeito que eu estava segurando a
arma?
Não era possível! Aquele homem devia ter algum problema, ou quem sabe,
algum dom. Nós estávamos em uma situação de stress total, adrenalina a mil e
ele conseguiu reparar na maneira que eu segurei a porra da arma. Puta que pariu!
— Eu apenas vi. — respondeu como se não fosse grande coisa.
— Agora você conseguiu me impressionar...
— Isso porque tu não sabe de nada, Drizella. Qualquer hora eu vou te contar
tudo o que esse cara já fez e que quase ninguém sabe. — Piuí virou o corpo para
trás e colocou a mão na boca como se estivesse me contando um segredo —
Nem pensa em esconder nada dele, muito menos mentir pra ele, porque ele
parece a porra de um vidente e assim que puder, vai foder com tudo. Vai por
mim...
— Quando você soube que eu tinha desistido de tudo?
Mateus passou a mão pelo cabelo, num gesto que eu já havia percebido que
indicava seu nervosismo.
— No dia que o Murilo me chamou na clínica e eu descobri que o Gian Carlo
poderia ser o cara que estava com você.
— Mas isso já faz alguns meses...
— Naquele dia eu percebi muitas coisas, Laís, mas se eu te falasse, você não
acreditaria em mim.
— Posso saber o que foi que você percebeu?
— Percebi que o Jonathan estava envolvido na merda assim que olhei pra ele,
percebi que a dona da clínica estava completamente desesperada pra trepar, e se
o Murilo desse uma "brecha", já era — fiz uma careta e Piuí gargalhou —,
confirmei que o bombeiro estava completamente de quatro por você e que ele
não é um homem que se apega fácil, e você... bom; você já estava apaixonada
por ele, mas ainda lutava pra admitir que ele te fazia feliz e que a vida calma que
ele queria levar contigo era uma coisa que te agradava muito mais do que você
gostaria.
— Você devia ter tentado falar comigo... — minhas lágrimas voltaram à descer
pelo rosto.
— As coisas tinham que acontecer naturalmente com você, Laís. Foram anos
alimentando esse ódio e ele já estava enraizado em você, o bombeiro mexeu
contigo do mesmo jeito que você mexeu com ele naquele prédio, a diferença é
que ele viu esse sentimento como uma coisa boa pra vida dele, e você, viu como
uma coisa ruim. Agora para de enrolar e me conta onde foi que você aprendeu a
atirar.
— Eu só vou te contar se você prometer que não vai mais tocar nesse assunto.
— Então é pior do que eu achei que fosse... — ele pensou por alguns segundos
antes de concordar — tudo bem, eu prometo.
— Quando eu fui pra Itália com a Clara, e nós conhecemos o Lucca Giovanese,
eu aceitei fingir ser uma prostituta e me infiltrar num puteiro em Veneza, pra
ajudar ele a descobrir quem era o funcionário que estava roubando ele. —
Mateus ouvia com atenção e parecia não acreditar em minhas palavras — Eu fiz
um bom trabalho e ele acabou me convencendo a fazer mais algumas coisas, e
por serem situações mais perigosas, ele exigiu que eu aprendesse a atirar e
fizesse aulas de defesa pessoal. Foi lá que eu aprendi a mexer com vários tipos
de armas, não aqui no Brasil, mas continuei com os treinamentos, porque me
ajudava a relaxar nos piores dias.
Como prometido, ele não perguntou mais nada, mas eu tinha certeza que a
curiosidade estava deixando o agente inquieto. Chegamos na casa de Mateus e
ele pediu para que um dos homens do Caveira pegasse o carro no lugar que eles
haviam combinado. Tomei banho, troquei de roupa e me juntei a eles na sala,
onde ficamos por quase duas horas esperando por notícias de Murilo.
Já era noite quando Nestor chegou com uma cara nada boa.
— Como ele está? — perguntei aflita.
— Ele tá bem, mas acho que podemos ter problemas com o irmão dele, aquele
babaca que se acha o machão.
— Primeiro me fala do estado de saúde do Murilo, Nestor, depois a gente fala
sobre o Luciano.
— O tiro pegou um pouco abaixo do ombro e um pouco acima do coração,
resumindo, ele teve muita sorte. Perdeu muito sangue, mas passa bem. Não corre
risco nenhum.
Pela primeira vez em muitos dias, senti meu corpo relaxar um pouco. A
possibilidade de que Murilo pudesse estar gravemente ferido, ou até mesmo,
correr risco de morte, atormentava minha cabeça desde que eu soube do seu
desaparecimento.
— E qual o problema com o irmão dele?
— Depois que a médica avisou que o Murilo estava bem, liguei pro irmão dele
pra avisar que ele tinha sido alvejado por uma bala no ombro, mas estava bem.
Fiz todo o relatório omitindo algumas coisas, claro, e afirmando que não sabia
quem tinha sido o atirador, mas o cara ficou ameaçando chamar a polícia e
exigindo saber onde eu tinha encontrado o bombeiro. Avisei o babaca que
quando o irmão dele acordasse, ele mesmo iria contar, mas o idiota exigiu
dinheiro pra não ir até a delegacia.
— Você deu? — meu cunhado perguntou irritado.
— Claro que não, e ainda avisei que tinha gravado o filho da puta me
chantageando. Idiota!
— O Murilo está na clínica?
— Está, Laís, mas eu não acho uma boa ideia você ir até lá.
— Por que? Eu só quero ver como ele está...
— Tem uma mulher lá com ele, e ela se apresentou como noiva.
Minha cabeça começou a latejar fortemente. A vaca não perdeu a
oportunidade de se aproximar dele e já se instalou no quarto, mas eu não iria
deixar de vê-lo por causa dela. Quando Murilo acordasse, ele poderia me proibir
de ir mais até ele, mas enquanto estivesse desacordado, eu iria visitá-lo, mesmo
com a oferecida plantada lá.
— Mas como ela pode ficar lá se ele nem tá acordado? — levantei decidida a
encarar a corretora vagabunda — Eu vou até lá e quando ele acordar, todo
mundo vai saber que é mentira dela e eles não estão noivos porra nenhuma!
Peguei minha bolsa e segui para a porta, mas Nestor conseguiu me deixar mil
vezes pior do que eu já estava.
— Ele acordou, Laís, e confirmou que ela era a noiva dele...
— O que?
— Quando a enfermeira perguntou pra ele se a morena era a noiva, e se ele
queria que colocassem uma cama extra pra que ela dormisse no quarto com ele,
ele confirmou e pediu a cama.
— Não posso acreditar...
— Drizella, vai por mim, ainda é muito recente pra ele te perdoar, isso se ele te
perdoar. Dá um tempo pro cara, deixa ele ficar melhor do ombro e depois você
conversa com ele, com calma.
— O Piuí tá certo, irmã, foi muita coisa pro Murilo. Espera alguns dias e depois
você procura ele.
Eu sabia que muitas coisas tinham acontecido nos últimos dias, e que o meu
bombeiro poderia estar me odiando, mas eu não podia apenas deixar que o
tempo passasse e ele não soubesse dos meus sentimentos por ele. Olhei para os
três homens que apenas esperavam a minha decisão, e deixei que eles soubessem
o quanto eu amava Murilo Castelli.
— Eu preciso falar pra ele o quanto eu o amo, e se ele me disser que não quer
mais saber de mim, eu vou respeitar a decisão dele, mas eu não posso ficar aqui
de braços cruzados, enquanto tem uma mulher louca pra pular na cama dele.
— Tudo bem, eu vou com você pra garantir que o irmão dele não faça nenhuma
merda. — Mateus me seguiu e fomos para a clínica que ficava em um bairro
próximo.
Quando chegamos, o agente mostrou sua credencial e só então percebi que
ele me acompanhou apenas para facilitar a minha entrada no quarto do
bombeiro. A enfermeira nos explicou que apenas um acompanhante por vez
poderia ficar com Murilo, e caberia ao paciente decidir.
— Está preparada pra fazer isso, Laís?
— Estou.
Mateus bateu na porta e abriu devagar, quando Murilo viu o agente, deu um
pequeno sorriso, mas quando meu cunhado abriu totalmente a porta e deu
passagem para que eu entrasse, seu sorriso se desfez, e todo o ódio por mim
brilhou me seus olhos.
— O que essa mulher está fazendo aqui? — a voz de Rose me tirou do transe
momentâneo e me despejou de volta à realidade.
— Murilo, a Laís precisa falar com você e é importante. — Mateus se antecipou
— Eu vou ficar aqui fora com a sua amiga enquanto vocês conversam.
— Eu não vou deixar essa mulher aqui com...
— Saia Rose! — a voz firme de Murilo impressionou não só à mim, mas a
morena que quase quebrou o pescoço quando virou para encará-lo com a testa
enrugada — Por favor, espere lá fora. Ela não vai demorar aqui.
A observação não passou despercebida. Rose passou por mim como um raio,
seguida por Mateus que fechou a porta atrás de si. Murilo me encarava com seus
lindos olhos azuis, intensos, ferozes. Muito diferente do jeito que me olhava
quando estávamos na clínica, juntos, conversando, nos conhecendo, nos
amando...
— O que você veio fazer aqui, Laís? — Murilo perguntou impaciente.
— Como você está se sentindo? Está com dor?
Ele deu uma gargalhada sarcástica, e eu me encolhi. Murilo me odiava, e não
era pouco.
— Fala logo o que você quer, Laís?
— Eu precisava ver você, saber como estava e... dizer que eu... estou muito
arrependida por tudo que eu fiz.
— Que bom que se arrependeu, espero que seus irmãos te perdoem por ter
armado um plano com um mafioso, apenas pra matar todos eles da maneira mais
cruel. Te desejo boa sorte, e como pode ver, o seu amigo não conseguiu me
matar como vocês tinham planejado, mas terei que me afastar do trabalho para
cuidar do ombro e talvez fique com os movimentos limitados.
— Murilo, eu seu que o que você ouviu foi cruel, e do jeito que aconteceu, o que
eu falei que sentia por você pode parecer mentira, mas não é. Eu juro. Eu me
apaixonei por você, Murilo, de verdade, como eu nunca tinha me apaixonado
antes.
Seus olhos vasculhavam meu rosto, ele estava procurando por sinais que
pudessem identificar a mentira, mas ele nunca encontraria porque eu nunca tinha
sido tão sincera em toda a minha vida, com ninguém. Me aproximei da cama e
seu corpo ficou tenso, respondendo à minha aproximação. Ele me desejava tanto
quanto eu o desejava, eu sabia, eu sentia.
— Ontem eu falei pra você que queria conversar, que tinha muita coisa pra te
contar, mas você pediu pra esperar sua mãe sair do hospital, então...
— Você mentiu pra mim desde o primeiro dia, Laís! — me cortou enraivecido
— A justificativa da vingança contra os seus irmãos é tudo o que aconteceu de
ruim na sua vida, mas e contra mim, o qual é? O que eu te fiz, além de te amar,
cuidar de você, me abrir com você, te desejar? Fala? Você queria se vingar de
mim, por que, Laís?
— Eu nunca quis me vingar de você!
— Então por que não me contou a verdade? Por que esperou quase um ano? UM
ANO, PORRA! Sabe o que significa isso? Há um ano eu tô fazendo papel de
idiota, trouxa, corno! Você transou com o Gian no mesmo dia que transou
comigo, caralho! Que amor é esse? — seus olhos estavam vidrados e a cada
palavra dita, seu ódio por mim parecia ganhar força, massacrando meu coração
como eu nunca imaginei que fosse possível — Você mentiu pra mim, me
manipulou pra te ajudar com os seus irmãos, deixou que eu gastasse meu
dinheiro na clínica só pra se fazer de coitada! Você não passa de uma mulher
falsa, Laís, mentirosa e interesseira.
Eu não estava chorando, eu estava me debulhando em lágrimas, dor e
sofrimento.
— Eu vim aqui pra te pedir perdão, Murilo... — os soluços me impediam de
falar como uma mulher adulta, eu parecia uma criança que implorava para que
seus pais parassem de surrá-la depois de ter aprontado uma arte — Por favor...
me perdoa... eu te amo muito, mais do que a mim mesma e eu faço qualquer
coisa que você quiser, mas me perdoa... eu te imploro...
Murilo respirou fundo, secou suas lágrimas que caíram sem sua permissão e
me encarou, batendo o martelo pela última vez.
— Eu te perdoo, Laís, até porque eu acredito que você tenha realmente se
arrependido, — senti meu coração bater mais forte no peito num misto de
ansiedade e alegria que logo se modificaram — mas quero que você saia daqui
hoje e nunca mais volte, segue a tua vida e me deixa em paz pra viver a minha.
— Murilo, eu te amo tanto...
— Eu também amo você, Laís, mas eu não vou conseguir te olhar e não lembrar
de tudo o que aconteceu. Não dá. Não posso. Não quero. Me sinto usado, fraco,
frouxo. Você me faz parecer menos homem por ter sido tão... apaixonado por
você. Vai embora, Laís, e por favor, não me procure mais. Nunca mais.
Eu fui embora como ele pediu, e depois daquele dia muita coisa mudou na
minha vida, inclusive o meu nome, mas isso é uma outra história.
31 – IRMÃOS ANTUNES

Laís Antunes - Um ano depois...


Terminei de arrumar minhas coisas completando a terceira mala para a
viagem que previa alguns anos fora do Brasil, e estava marcada para um dos dias
mais marcantes de toda a minha vida. Definitivamente.
Um misto de felicidade e tristeza preenchiam todos os espaços dentro de
mim, pois vivi um ano inteiro flutuando entre emoções muito boas e outras
extremamente ruins. Se eu achava que já tinha pago minha dívida? Talvez sim,
talvez não. Tudo dependeria de como as pessoas enxergassem a gravidade de
todas as minhas ações que foram motivadas por um ódio descabido, mas ainda
assim, justificável.
Fiz muita merda, causei sofrimento exagerado à pessoas que nunca desejaram
meu mal, infringi a lei de várias formas e paguei um preço muito alto por tudo.
Só eu sabia o quanto eu havia perdido durante o percurso e o quanto a falta da
única pessoa que eu desejei profundamente ao meu lado, doía diariamente.
Incansavelmente. Como uma ferida aberta, profunda e dolorosa em um paciente
diabético, que nunca se fechava, nunca se curava e sempre machucava, ardia e se
mantinha persistente, com o único objetivo de não permitir o esquecimento.
Eu tentava diariamente, vinte e quatro horas por dia, tirar aquele sentimento
de dentro do meu coração, mas ele se recusava a sair e a cada informação que eu,
voluntariamente me forçava a ter sobre ELE, aquele sentimento se intensificava
e me tornava consciente do quanto eu havia perdido. Eu me punia? Sim, mas
também me alimentava da dor para não desabar e sucumbir à depressão, ao
fracasso.
Olhei ao redor, para o quarto que me abrigou durante o período em que minha
vida finalmente começou a fazer sentido, e sorri. Foram incontáveis noites
solitárias e importantes para reflexões. Horas e mais horas de choro insistente
causado por uma dor que não me dava qualquer dica de onde começava, muito
menos de como fazer para diminuí-la. Aquela dor merecida, aliás, que eu mesma
havia provocado. Minha culpa. Somente minha, assim como a dor. Ela me
pertencia e já fazia parte de mim. Companheira. Aliada. Cúmplice.
— Eu não estou acreditando que você vai ser capaz de fazer isso, irmã! — Lívia
resmungou pela décima vez enquanto eu ajeitava as malas em seu carro espaçoso
e confortável — é muita crueldade, Laís, você não merece isso...
— Eu preciso disso, Lívia. Sério, é muito importante pra mim.
— Olha, eu entendo que você o ama, ok? Entendo de verdade, e acho louvável,
mesmo ele não merecendo o que sente por ele, mas fazer isso é muita maldade,
Laís, e o pior, à você mesma. É como se você estivesse se cortando, se
machucando de propósito. Eu não me conformo com essa sua atitude, e nem
adianta reclamar. Eu sou sua irmã, aquela que mais tinha motivos pra não querer
olhar na sua cara por no mínimo uns vinte anos, e eu te perdoei, porque eu te
amo.
— Eu o magoei demais, Lívia. Ele teve motivos pra fazer o que fez, já passou e
eu fiquei bem. Estou bem, só preciso sei lá, finalizar? Não sei se posso dizer
dessa forma, mas de qualquer jeito é assim, sabe? Acho que fazendo isso, eu vou
conseguir finalmente sair dessa bolha e seguir em frente. Me libertar dessa
angústia.
— Não vai adiantar eu tentar te convencer, não é?
— Não, não vai. Eu já decidi e quero fazer isso.
— Tudo bem, mas não pode se atrasar, o Mateus falou que o avião não vai
esperar, você tem que estar lá até as quatro em ponto. Sem atrasos.
— Eu sei... ele fez questão de me lembrar disso a semana inteira, como se eu
fosse uma criança e não soubesse das minhas obrigações.
— Ele só está preocupado, acho que o Mateus morre de medo de você desistir...
— Nunca! Se não fosse essa oportunidade, acho que estaria morta agora, sem
perspectiva e sem futuro.
— Não fala isso, você é muito jovem pra pensar em fracasso, irmã. Tenho
certeza que você vai se dar muito bem.
— Estou contando com isso...
O percurso era longo, teríamos no mínimo três horas de viagem até o
aeroporto, mas antes faríamos uma pequena parada fora do nosso trajeto. O
sábado estava ensolarado, e o sol me trazia lembranças muito boas de uma
pequena fase da minha vida em que eu presenciei o amor de uma forma única e
verdadeira. Meu telefone tocou e vi o número de Rômulo piscar na tela. Atendi
no primeiro toque.
— Oi lutador.
— Oi Drizella, já estão indo pro aeroporto?
— Eu não acredito que até você vai ficar me chamando por esse nome! —
revirei os olhos querendo matar Piuí e a gargalhada do loiro foi deliciosa.
— Não fica brava, irmã, juro que só falei pra te encher o saco. O Piuí tá
mandando um beijo.
— Avisa o Piuí que quando eu encontrar com ele hoje, ele vai levar muitos
cascudos e eu ainda vou ajudar a Julia a largar ele de novo.
— É por isso que estou te ligando, linda. A gente não vai conseguir chegar no
Rio a tempo de te levar até o aeroporto, fomos parados num comando e eu estava
sem a habilitação, deu a maior merda e estamos saindo daqui agora.
— Que pena, Rômulo, eu queria muito dar um beijo em vocês antes de ir
embora.
— Eu sei, irmã, eu também. A Manu tá puta da vida comigo, acho que vai me
ignorar até a sua volta. Me desculpe...
— Tudo bem, fala pra ela que eu vou ligar pra vocês e nos falamos através das
chamadas de vídeo.
Eu não sabia quanto tempo exatamente ficaria fora do país, tudo dependeria
de como as coisas desenrolassem, e não ver Rômulo e sua família antes de
embarcar era ruim, já que ficaríamos meses, até anos sem nos ver.
— Te amo, Laís, se você quiser voltar, sabe que tem sua família aqui e não vai
faltar lugar pra você ficar, não deixa o Mateus atormentar os seus miolos, ok?
— Eu também amo vocês! — falei emocionada — Ele me enche o saco, mas é
gente boa.
Desligamos e a ansiedade começou a me tomar quando chegamos ao Rio,
meu telefone tocou novamente e o nome do meu irmão mais velho piscou na
tela.
— Oi Nestor...
— Por onde vocês estão, caçula?
— Chegando no Rio, em uma hora estaremos no aeroporto.
— A Pietra passou mal, Laís, estou com ela no Pronto Socorro e ela vai precisar
ficar em observação, não sei se conseguiremos ir até o aeroporto, me desculpe.
Parecia um complô para que meus irmãos não estivessem comigo antes do
embarque, mas eu sabia que não estar presente em um momento tão importante
para mim, era uma coisa que eles não fariam de propósito; tampouco mudaria o
que sentíamos uns pelos outros e tudo o que eles fizeram por mim nos últimos
meses. Todos eles.
— Eu entendo, espero que ela melhore logo. A Lívia e o Mateus estarão por lá,
não se preocupe que eu não vou ficar sozinha.
— Queria muito estar com você nesse momento, Laís, a gente sabe o quanto foi
difícil pra você chegar até aqui e o quanto você se esforçou. Estamos muito
orgulhosos de você, querida. Te amo!
Não consegui conter as lágrimas que escorreram sem controle. Foram os doze
meses mais longos e sofridos da minha vida, mas eu havia superado e estava
indo em busca, quem sabe, da minha rendição pessoal.
— Eu também amo você, Nestor, aliás, amo todos vocês!
Desliguei o telefone e sequei minhas lágrimas.
— Laís, ainda dá tempo pra você esquecer isso, podemos apenas passar reto e
você finge que não sabe de nada. O que me diz?
Lívia era a melhor irmã que eu poderia ter, sempre preocupada comigo, me
tratava como se eu ainda tivesse dez anos, o que não era uma coisa ruim, ainda
mais quando ela ligava perguntando o que eu gostaria de comer. Toda semana,
quando Mateus aparecia para o treinamento, ela mandava um prato salgado e
uma sobremesa, o que deixava o agente todo orgulhoso.
— Estou decidida, Lívia, pode estacionar na esquina. Eu desço e vou a pé, não
quero que ninguém me veja.
Minha irmã bufou e estacionou o carro.
— Vou ficar aqui, não tenho estômago pra isso e você, trate de não demorar.
Assenti e desci do carro, respirei fundo e tomei coragem para seguir em
frente com a minha decisão. Meu corpo todo estava tremendo, e apesar de ter me
preparado para aquele momento há meses, não tinha imaginado que seria tão
difícil.
Subi os primeiros degraus e o som da música orquestrada podia ser ouvida do
lado de fora da igreja, haviam muitos convidados espalhados pelos bancos, e no
altar, os noivos. Senti meu coração apertar, uma dor como nenhuma outra que eu
já tivesse experimentado. Sufocante, desleal, desumana. Chorei na porta da
igreja, solucei também, e por um segundo os olhos de Murilo se desviaram de
sua futura esposa e se encontraram com os meus.
Não consegui enxergar o que se passava naquele azul que tanto me fazia falta,
mas eu consegui sorrir e acenar um "tchau", para que ele soubesse que mesmo
não sendo eu, a mulher que lhe acompanharia pelo resto da sua vida, eu ainda o
amava, sempre o amaria e desejava que fosse feliz, muito feliz. E se a corretora
era a responsável por sua felicidade, ainda assim, eu estaria feliz por ele, porque
o amor que eu sentia por aquele homem, era a coisa mais pura e sincera que eu
carregava dentro do meu coração.
Desci as escadas da igreja e voltei para o carro, Lívia me esperava na calçada
preparada para me confortar em seus braços, sabiamente me acalmando e
pedindo para que eu o esquecesse de uma vez por todas. Molhei sua blusa de
seda com minhas lágrimas, despi minha alma para aquela mulher que inúmeras
vezes sofreu com meus atos de maldade, e mais uma vez, pedi perdão. Nunca me
cansaria de dizer-lhe o quanto eu me arrependia, não só por tudo o que fiz, mas
por todo tempo que me privei de sua companhia e do seu amor.
— Eu sei que dói, irmã, mas vai passar e um dia você vai olhar para trás e ver
que não era pra ser, pelo menos agora. A vida é assim, e a gente precisa aceitar
que nem tudo acontece quando a gente quer, às vezes a gente precisa estar
preparada para viver um grande amor, e eu sei que a sua hora ainda vai chegar.
Apenas acredite que o que é seu, virá pra você, de qualquer forma, e quando
você menos esperar.
— Eu não mereço que ele me ame, mas eu tinha esperança, sabe? Eu sei que ele
vai ser muito feliz, porque ele merece... e eu vou seguir em frente agora, sabendo
que ele está casado e vai constituir sua família, com outra mulher.
— Laís, você errou, muito, mas se arrependeu, fez tudo o que pôde pra se
redimir com todos nós, e se ele não foi capaz de te perdoar, a culpa não é sua.
Claro que você merece ser amada, querida, todos nós merecemos, mas a história
de vocês não era pra acontecer, não aqui, não agora. Quem sabe o que o destino
estã guardando pra vocês, não é mesmo? — beijou minha testa — Vamos, meu
marido já deve estar parindo no aeroporto à sua espera.
Ela me beijou, me abraçou mais uma vez e seguimos para o aeroporto, onde
encontramos meu cunhado andando de um lado para o outro com João Mateus e
Malu ao seu lado.
— Que porra você acha que estava fazendo, Laís? — ele falou e já agarrou sua
esposa como se não a visse há meses.
— Eu precisava. Apenas esqueça isso, ok? Cheguei e estou no horário, pra onde
eu vou?
Malu pulou no meu colo e empurrou o irmão que veio me dar um beijo,
Mateus pegou um envelope pardo, uma bolsa de mão pequena e me entregou.
Coloquei minha marrentinha no chão e segurei os objetos.
— A fila é aquela ali, onde estão aqueles três rapazes de preto — olhei para onde
meu cunhado apontou e notei três homens vestidos como eu, me encarando —
eles irão com você, no mesmo voo e também farão parte da equipe. No envelope
está o contrato e os termos do acordo, leia e assine, quando chegarem à Arábia
Saudita, receberão todas as informações que precisam. Na bolsa estão seus
novos documentos, ninguém além das pessoas da equipe saberão seu nome
verdadeiro. Quando entrar naquele avião, Laís Antunes não existirá mais. Está
pronta pra fazer isso? Essa é a sua última chance de desistir.
Olhei para Lívia que me encarava com tristeza, minha irmã não queria a
minha entrada naquela equipe recém formada e treinada por Mateus, mas eu
sabia que precisava partir, deixar meu passado para trás e dedicar o meu futuro à
um propósito digno, que amenizasse parcialmente a culpa que eu carregava por
todo mal que havia feito, durante anos.
— Eu vou, não tenho dúvida.
Mateus sorriu orgulhoso, ele foi meu grande incentivador. Lembrei de suas
palavras quando foi escolhido entre muitos agentes para ser o responsável pela
equipe que iria trabalhar no Oriente Médio, investigando quadrilhas que
sequestravam crianças e adolescentes para serem vendidas em leilões virtuais.
"Você será de grande importância pra mim, Laís, além de ser da minha
confiança, conhece e sabe identificar esse tipo de criminoso. Eu preciso de você
na equipe, confio em você e preciso que confie em mim e no treinamento que eu
vou dar. Eu vou te transformar na melhor "agente fantasma" de todos os
tempos. "
— Ótimo! Eu sabia que não ia desistir, mas é minha obrigação perguntar.
— Pelo jeito você tem companhia... — Lívia falou e olhou por cima do meu
ombro.
Meu sorriso foi largo, sincero e maravilhado. Eles chegaram juntos, causando
um alvoroço no aeroporto e chamando a atenção de todos que estavam
aguardando para embarcar. Rômulo, Manu e Breno, Nestor, Pietra, Cauã e Davi,
Piuí e Julia. A família estava completa, ou quase, mas meu coração entrou em
festa ao ver todos meus irmãos, sobrinhos e cunhadas ali, comigo, em um dos
momentos mais importantes da minha vida.
Ninguém sabia ao certo por quanto tempo aquela equipe seria mantida, como
seria o nosso trabalho no Oriente Médio ou onde iríamos atuar, mas eu sabia que
a minha família sempre seria aquelas pessoas, que para sempre estariam ao meu
lado. Eu amava meus irmãos e descobri em seus companheiros novos irmãos,
além de Piuí, que além de se tornar meu melhor amigo, me apresentou à Julia,
que também se tornou uma grande amiga.
— Achou que ia embora sem se despedir da gente, Dri? — revirei os olhos para
a abreviação do apelido que Piuí tinha me dado.
— Drizella é ruim, mas Dri? Aí você quer que as pessoas sintam vergonha de
mim...
— Isso porque você não viu a surpresa que a gente fez pra você?
— Que surpresa? — fiquei apavorada com a ideia de fazer parte de uma
pegadinha ou coisa parecida.
— Você só vai saber quando entrar no avião.
— Vocês colocaram alguma coisa na cadeira? Esconderam algum bicho na
minha mala?
Eles se entreolharam e caíram na gargalhada, o que fez meu desespero
aumentar em grandes proporções.
— Relaxa Dri... vai me dizer que você não confia no seu superior?
Mateus encolheu os ombros e fez uma careta de desentendido e falou:
— Vai logo pra fila, faz o check in senão vai se atrasar, depois você beija todo
mundo. Anda!
Segui para a fila onde estavam os três homens de preto e quando me viram,
sorriram timidamente. Aqueles homens seriam meus companheiros de equipe, e
estariam comigo grande parte do tempo. Eu sabia que seria uma fase nova na
minha vida e iria me esforçar para que fosse uma boa fase, se possível, a melhor
fase.
Fiz todos os procedimentos burocráticos, chorei horrores na despedida, sorri
ainda mais e pela última vez, acenei um "tchau". Revistei meu acento no avião,
para ter certeza de que não havia nenhum escorpião, aranha ou coisa do tipo
escondido, e me acomodei. Peguei meu celular, fones de ouvido e selecionei
uma pasta com músicas para relaxar. A viagem seria longa e daria tempo para
ouvir todas as pastas que Piuí tinha criado para mim.
Olhei pela janela quando o avião decolou, fechei os olhos e orei, agradecendo
por tudo o que havia acontecido comigo e pedindo para que as coisas dessem
certo. Lembrei de Murilo em seu terno preto, lindo, feliz, e permiti que minhas
lágrimas descessem, sem constrangimento. Para sempre meu amor seria dele.
Abri a bolsa de mão para ver os documentos que Mateus havia separado, e caí
na gargalhada quando vi o que estava escrito. Eu não sabia se mataria meu
cunhado ou se enforcaria Piuí na primeira oportunidade que tivesse. Talvez
fizesse as duas coisas. No novo passaporte, aquele que eu seria obrigada a usar
nos próximos anos, havia uma foto minha, e ao lado o nome: Drizella Castelo,
sim, eles fizeram aquilo comigo e eu não poderia fazer nada, além de lembrar de
todos eles, todas as vezes que alguém me chamasse por aquele nome horrível,
mas muito especial.
Aumentei o volume, apoiei a cabeça e fechei os olhos para ouvir minha
música preferida nos últimos meses. Angel, dos Rolling Stones, embalou meu
sorriso, quando a imagem do lindo bombeiro de olhos azuis invadiu meus
pensamentos, como um anjo, daqueles que se tornam inesquecíveis por serem
especiais e capazes de mudar uma pessoa. Eu mudei por ele, por amor à ele e
seria eternamente grata.
Talvez Lívia estivesse certa, e ainda não fosse o momento para que eu vivesse
uma linda história romântica. Eu iria embora, faria minha parte, deixaria que a
vida fizesse a dela, e me obrigaria a acreditar que da próxima vez, minha história
de amor não iria acabar com reticências, e sim, com um ponto final, mas comigo
vestida de branco e sendo feliz para sempre...

FIM

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