Você está na página 1de 189

A

ACOMPANHANTE
Copyright©21 by Natasha Said
Copyright©21 by Editora Building Dreams Ltda.

Selo Editorial Building Dreams


Projeto Gráfico e Editorial: Danielli Gomez
Revisão Ortográfica: Gustavo Paiva
Copydesk: Anna Clara Souza
Revisão Crítica: Suzy Almeida e
Gustavo Paiva
Leitura Crítica: Danielli Gomez
Diagramação: Amanda Godoy
Capa: Amanda Godoy

_____________________________________________________________________

B.869.3 – Said, Natasha – Romance ficção e contos brasileiros.


1ª Edição / A acompanhante / Natasha Said
Editora Building Dreams Ltda. – Aparecida de Goiânia, Goiás.
ISBN: 978-65-991381-8-8

Todos os direitos desta edição são reservados ao autor da obra e a editora.


__________________________________________________
Índice para catálogo sistemático:

1. Literatura Brasileira CDD B.869.93

É proibida a reprodução total e parcial dessa obra, de qualquer forma ou por


qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por processos xerográficos,
incluindo o uso da internet, sem permissão expressa da Editora na pessoa do seu
editor (Lei 9610 de 19/02/1998).
Está é uma obra de ficção. Nomes, lugares e acontecimentos são produtos do(a)
imaginação do autor(a). Quaisquer semelhanças como nomes e datas é, apenas,
coincidência.
Para Thawanne.
Você é o meu mais belo clichê.
Mariana Oliveira e Arthur Alves
Juntamente com seus pais

Eduarda Oliveira Santos Clara Martins Gomes


Maurício Oliveira Campos Rodrigo Martins Lima

Convidam para a cerimônia de casamento

28 de Outubro de 2023 , ás 18:00


Sítio Recanto do sol

Demais informações serão passadas na pré-festa de casamento na


Fazenda Mineira, localizado na Rua Cascalheira, 52 - Venda Nova, Belo
Horizonte - MG
Capítulo 1

— Mas que merda!

Jogo o convite e as duas passagens de avião em cima da


mesa, cubro o rosto com minhas mãos. Tento me acalmar da
melhor maneira que posso, mas não consigo.

O dia no trabalho foi uma merda, para completar, tenho o


convite de casamento da minha irmã e do meu ex.

ÓTIMO.

Como se não bastasse casar com meu ex, minha irmã ainda
tem a audácia de me mandar as duas passagens de avião, como se
eu não tivesse dinheiro para comprá-las. Mas, também, quem
mandou falar que levaria alguém?

Idiota.

Respiro fundo e olho para o teto. Isso só pode ser carma ou


algo do tipo. Pego meu celular e olho minha agenda, tenho uma
semana para conseguir um companheiro para o casamento e alguns
dias para pedir férias no trabalho. Pedir as férias não é tão difícil,
Erick, o filho do dono, é um grande amigo e com certeza vai me
ajudar.
Já o acompanhante...

Ando pelo corredor de meu apartamento pensando em diversas


possibilidades de um companheiro decente para o casamento. Uma
pena Eduardo e eu não termos dado certo, poderíamos passar
essas semanas bebendo e transando.

O barulho do tráfego em São Paulo adentra cada cômodo do


meu espaço, isso faz com que meu corpo relaxe. Gosto da
monotonia e o emaranhado de barulho do trânsito, é como se
tocasse uma sinfônia apenas para mim.

Mando uma mensagem para minhas amigas, preciso beber, e


muito.
Capítulo 2

Duas horas depois encontro minhas amigas em um bar no centro


de São Paulo, o som do samba preenche o ambiente, corpos
amontoados dançando e se entrelaçando compõem a pista de
dança. Escolhemos uma mesa próxima aos músicos. Se tem uma
coisa que amo é dançar. Uma dádiva vinda do meu pai, que é
professor de dança.

— Ai, Alice. Não tem como cancelar ou falar que está passando
mal? Do jeito que sua irmã é, se falar que está resfriada, com
certeza ela te libera.

— Não posso fazer isso. Por mais que as coisas tenham dado
errado no passado, ainda sou a irmã mais velha. — Tomo um gole
da minha cerveja e suspiro fundo.

— Você quer esfregar na cara deles que está bem, né? —


Pergunta Carla.

— Sim.

— Sinceramente, não sei o que aquele babaca viu nela — diz


Nadine.

Dou um meio sorriso triste.

— Não faz nem 3 anos que nos separamos, como podem ter
sido tão rápidos?
— Amiga, essas merdas acontecem. — Carla passa o braço pelos
meus ombros e tenta me confortar. - Ainda bem que sou filha única,
imagina, ter que ver minha irmã mais nova casando com meu ex?
Deus me livre.

— Obrigada pelo incentivo. — Fico séria e Carla nota que


não gostei do que disse. Porém, não sustento o mau humor por
muito tempo, pois ainda quero conversar a respeito.

Nadine se levanta para ir até o balcão e volta com nossos


aperitivos, gritamos quando começam a tocar Alcione e observo a
cantora soltar a voz no refrão.

— Não sei onde vou encontrar alguém até sexta. É


impossível.

— É só escolher qualquer um. — Diz Nadine antes de enfiar


uma batata frita na boca.

Carla e eu resmungamos em desaprovação.

— Miga, não é pegar qualquer um. Esqueceu que a família do


dito cujo é nariz em pé? — Pergunta Carla.

— Não é nem por isso, quero pelo menos levar alguém bom,
sabe? Para esfregar na cara daqueles dois que tenho alguém muito
melhor.

— Por quê não arruma um Suggar Daddy?

— E eu lá tenho cara de que quero um homem velho,


Nadine? — Franzo a testa.

— A questão é o dinheiro e não a idade. — Insiste Nadine.

— Muita dor de cabeça. Passo. — Dou de ombros.

— E um acompanhante? — Pergunta Carla.


— Acompanhante? — Indago olhando para Carla.

— Sim, é um serviço bem discreto. Eu chamei um para uma


festa no ano passado.

— Aquele gato maravilhoso que te deu um pé na bunda?


— Nadine arregalou os olhos incrédula.

— Ele mesmo. — Carla suspira fundo — Ai, que homem!

— Não sei não... — me remexo na cadeira.

— É sua única opção — Carla retira o celular do bolso e me


mostra a tela — olha aqui. Você liga para essa agência e passa seu
nome, diz o que precisa. Homem ou Mulher. Se gostaria de alguma
característica física e essas merdas. Então, em dois ou três dias,
eles encaminham uma pessoa. Claro que ligam para combinar um
lugar apropriado. O serviço funciona 24 horas, então pode ligar pela
manhã.

— Vou pensar.

Salvo o número no meu celular e mudo de assunto. Com


certeza não dá para ficar sofrendo sentada enquanto toca Cartola.
Se for para sofrer, que seja dançando.

◆◆◆
Chego em casa por volta de três da manhã. Cantarolo
baixinho uma música qualquer que ouvi na rádio enquanto voltava
de Uber, jogo meus sapatos em qualquer canto da sala e me dirijo
ao banheiro.

Soluço uma vez e sinto meu estômago embrulhar.

Me sento próximo a privada, já me preparando para a


desintoxicação que meu corpo me proporcionará, bebi tanto essa
noite que não sei como estou de pé até agora. Solto uma risada
baixa ao lembrar de quantas bocas eu beijei essa noite e me
pergunto se Carla contabilizou.

Provavelmente sim, fizemos essa aposta idiota quando nos


sentamos ao não aguentar mais ficar dançando. Massageio meus
pés doloridos e a sensação de alívio é bem-vinda.

Meu celular vibra e o retiro de dentro do meu decote, é uma


mensagem de Carla avisando que chegou em casa. Nadine saiu
com um cara bem no meio da nossa bebedeira, com certeza não vai
responder até amanhã de manhã.

Recebo outra mensagem, dessa vez é no grupo da família.


Mariana manda uma foto mostrando as flores escolhidas para o
casamento. Claro que a essa hora ninguém vai responder, só ela
mesmo para ficar acordada até agora. Mas pensando bem, com
esse lance todo de casamento ela provavelmente não deve estar
conseguindo dormir de tanta ansiedade.

Fecho o aplicativo e vou até os meus contatos, o número da


agência de acompanhantes está gravado na agenda, pondero um
pouco se devo ou não ligar, tento fazer uns prós e contras
mentalmente até desistir e ligar de uma vez.

O máximo que podem fazer é responderem que não tem


ninguém. Sou atendida no primeiro toque.
— Boa noite, me chamo Natalia. Em que posso ajudar?

— Boa noite, Natalia. — Soluço. — Me chamo Alice Oliveira.


Estou precisando de sua ajuda em uma coisa muuuuito importante.

— Certo... A senhorita está bêbada? Pode me ligar mais tarde e


podemos resolver tudo.

— Não. Não. — Sinto meu estômago embrulhar. — Eu preciso


disso o mais rápido possível. Minha irmã vai se casar e preciso
esfregar naquela cara dela o quanto estou bem e com uma pessoa
maravilhosa. Quero alguém que saiba dançar, seja inteligente...
alguém que faça minha irmã morrer de inveja.

— Ok... — diz receosa — Tem certeza que não quer deixar para
fazer isso mais tarde?

— Olha... só faça isso.

Passo os dados do meu cartão, nome completo e tudo que


precisa.

— Certo, Senhorita Oliveira... Gostaria que seja homem ou...

O primeiro acesso de vômito vem rápido. Quase não consigo


despejar no vaso, digo que não importa quem seja desde que fique
comigo por um mês em Belo Horizonte.

Desligo o celular depois de outro espasmo.

Vomito pela terceira vez antes de me levantar, lavar a boca e


me olhar no espelho.

— Você... — Aponto para mim mesma no espelha — é uma


puta mulher maravilhosa. — Soluço. — Uma puta mulher
maravilhosa que está na merda.
Capítulo 3

Acordo por volta de duas da tarde com uma dor horrível de cabeça,
o som de alguém batendo na porta faz com que eu saia da cama e
vá atender. Quem em sã consciência acordaria uma dama com
ressaca em pleno sábado?

Abro a porta e vejo Erick. Ele retira os óculos escuros e dá


aquele famoso sorriso que faz metade das mulheres do mundo
arrancar as roupas.

Devo admitir que fui uma delas, mas o encanto passou


quando percebi o mulherengo filhinho de papai que é. Tivemos um
rolo por um tempo e depois terminamos, agora somos bons amigos.
Tão bons amigos que veio me acordar.

— Devo dizer, Alice, querida, sua cara está um horror.

— Shh, fale mais baixo. — Massageio minhas têmporas — O


que quer?

— Um bom amigo não pode fazer uma visita?

— Levou um bolo, não é?

— Com certeza, mas só porque ela pegou um resfriado.

— Entra.
Caminho até a cozinha, deixando Erick com as honras de
fechar a porta e me seguir. Procuro algum remédio em uma caixa
em cima da geladeira e enfio duas aspirinas na boca.

— Parece que a bebedeira de ontem foi boa, estou chateado por


não ter me convidado.

— Não quero minhas amigas andando com você.

Erick começa a gargalhar e me olha com uma expressão de


desentendido.

— Ora, vamos. Jamais encostaria um dedo nelas.

— Aí é que tá, o problema é elas encostarem o dedo em


você.

Observo Erick retirar o celular do bolso e digitar


rapidamente, aproveito para deixá-lo e ir tomar um banho. Já
passamos da fase de sentir necessidade da presença um do
outro. Ás vezes ele aparece do nada, fica por meia hora e vai
embora.

Estou acostumada.

Saio do banho meia hora depois, me sentindo totalmente


rejuvenescida e levemente melhorada. Erick está colocando
duas sacolas pardas em cima do balcão.

— Vou te alimentar antes de sair. Olha que ótimo amigo eu sou.

— Isso me cheira mal. — Cruzo os braços. — Do que precisa?

— Você tem uma falsa impressão sobre mim, Alice.

Reviro meus olhos e me sento ao seu lado, conversamos


sobre alguns pontos a serem trabalhados na empresa e acabo
comentando sobre o pedido de férias, ele escuta atentamente
todos os meus lamentos sobre o casamento de minha irmã e
minha correria para encontrar alguém, até mesmo descrevo um
pouco do que me lembro sobre a conversa de ontem com a
moça da agência de acompanhantes.

— Isso parece uma merda sem fim. — Erick franze a testa.

— Pois é, como posso sair dessa furada?

— Bom... você não pode.

— Aff.

— Mas... — Balança os ombros — Poderia me levar, podemos


fingir.

— Suas mãos ficariam longe das madrinhas por quatro


semanas?

Seu silêncio é tudo que preciso para confirmar que em


menos de vinte e quatro horas ele estaria na cama de outra.

— Bom, pelo menos posso te liberar. A senhorita está com


duas férias vencidas, nada mais justo que liberar essa sua
bunda gostosa para um descanso. — Ele pisca para mim. —
Assim a empresa não toma multa e eu não sou comido vivo
pelo meu pai.

— Obrigada.

— Agora, sobre o acompanhante... estarei curioso para saber


mais detalhes antes de sua viagem.

— Pode deixar que te mando uma foto. — Bufo.

Terminamos o almoço em silêncio, depois de algum tempo o


celular de Erick toca e ele se vai. E eu fico o meu sábado todo
deitada vendo Netflix.
Capítulo 4

Se passaram quatro dias e não encontrei ninguém para levar ao


casamento. Os caras do meu trabalho são idiotas demais para
sequer serem cogitados. O serviço de acompanhante ainda não me
retornou a respeito do meu companheiro, claro que eu estava super
bêbada quando telefonei e me lembro vagamente de ter implorado
para aceitarem o meu pedido, mas se conseguiram retirar seis mil
reais da minha conta, com certeza fui aprovada.

Tomo mais um gole de café e procuro possíveis erros no meu


arquivo de faturamento. Recebo um e-mail do RH confirmando
minhas férias e leio tudo nos mínimos detalhes.

Fecho o e-mail e olho por cima da tela do computador.


Observo as pessoas andando para lá e para cá com o telefone no
ouvido, como se o mundo fosse desabar amanhã e precisassem
fazer tudo hoje. Ouço risadas em uma mesa próxima a minha e
tento não fechar a cara quando percebo ser a voz de Erick
comentando sobre quem comeu na noite anterior.

Meu celular toca e me assusto. Atendo no segundo toque.

— Alô?

— Senhorita Oliveira?

— Sim?
— Boa tarde, me chamo Natalia. Você me ligou na
madrugada de sábado contratando nossos serviços, está disponível
para conversar?

Levanto rapidamente tentando não deixar a caneca de café


cair. Finjo que não vi os olhares curiosos quando passo
apressadamente pelas mesas e caminho diretamente para o
banheiro. O barulho do meu salto é o único no ambiente, quando me
certifico de que não há ninguém que possa ouvir fecho a porta e
tranco.

Com certeza vou levar uma bronca por interditar o banheiro,


mas vale a pena. Tem que valer.

— Certo, hãn... No que posso ser útil?


— O motivo do meu contato é apenas para informar que
achamos uma pessoa que corresponde as características que
pediu, nosso banco de dados demorou um pouco mais que o
habitual devido a disponibilidade dos prestadores de serviços. Aqui
consta que pediu por uma pessoa de boa aparência, inteligente, que
saiba dançar e ... me corrija se eu estiver errada... “ que faça a
minha irmã morrer de inveja”. Correto?

Cubro meu olhos com minha mão livre

— Sim, isso mesmo.

— Aqui também diz que não importa quem seja, só precisa de


alguém para passar quatro semanas em Belo Horizonte para o
casamento, correto?

— Sim.

— Pois bem. Antes que eu continue, tem alguma dúvida?

— Você, como pessoa e não como quem trabalha para a


empresa, garante o serviço?

— Sim, há outras empresas que oferecem o serviço de


acompanhante, mas essa é a melhor.

— Tudo bem.

— Para proteger a sua identidade e a identidade de nossos


colaboradores, o primeiro contato sempre é em um local público,
para evitar possíveis transtornos. Está disponível amanhã por volta
das oito horas da noite?

— Estou sim. — Escoro na parede próxima a porta do


banheiro. — O lugar vocês escolhem ou eu posso escolher?

— Fica a seu critério, Senhorita Oliveira.


— Tem um lugar na Avenida Paulista, se chama Riviera Bar e
Restaurante. Pode ser lá?

— Sim, claro.

— Perfeito.

— Te ajudo em algo mais?

— No momento não.

— Tenha uma ótima tarde, Senhorita Oliveira.

Desligo o celular e respiro fundo. Finalmente as minhas


preces foram ouvidas.

◆◆◆

O restaurante está bem movimentado para uma quinta


feira, mas o que posso dizer?

São Paulo está sempre movimentado.

Escolho uma mesa um pouco afastada do público, mas


não tão longe do bar, se as coisas derem errado, pelo menos
terei um consolo. Peço ao garçom um refrigerante enquanto
espero meu convidado, não quero estar levemente alterada ou
alegrinha demais ao ponto de me desfocar do meu objetivo.
Preciso ter certeza de que contratei um serviço de qualidade.
Melhor dizendo, uma pessoa de qualidade.

Dou uma olhada rápida no grupo da família, estão todos


animados com o casamento, mais animados ainda com a minha
visita, minha mãe não para de mandar mensagens querendo
saber a respeito do meu namorado misterioso.

— Com licença, você é a Alice Oliveira?

Levanto meus olhos e quase engasgo ao ver a mulher na minha


frente.

— Me chamo Olivia, serei sua acompanhante.

MEU DEUS, NÃO. NÃO. NÃO. NÃO. NÃO. NÃO.

Um garçom passa por nós com uma garrafa de champanhe,


seguro meu impulso de pegar a garrafa e revirar tudo goela a baixo.

— Espera... Eu não pedi uma mulher... Pedi?

Meu deus. Uma mulher. QUE PORRA TÁ ACONTECENDO?

Repasso mentalmente minha conversa com a atendente de


ontem e não me lembro de sequer mencionar que quero uma
mulher.

— Certo... posso me sentar?

Balanço a cabeça. Olivia abre o botão do blazer e senta a


minha frente, seus cabelos lustrosos e ruivos cobrem seu rosto
quando ela se ajeita na cadeira, a observo depositar na mesa uma
pasta preta.

— De acordo com os registros e a conversa que teve, não foi de


fato mencionado a sua preferência. — Diz abrindo a pasta e
retirando alguns papéis — Eu tenho a gravação das duas ligações
que fez. Tenho também por escrito, gostaria de ouvir?

— Pensei que as conversas fossem confidenciais.


— E são, isso é para nos resguardar. Já houve um problema no
passado e... bom, só posso garantir que tudo será guardado e
eventualmente descartado no fim.

Massageio minhas têmporas e pego os papéis, leio a


conversa que ocorreu no sábado, eu estava tão bêbada que ao ler o
que falo, sinto vontade de rir e chorar ao mesmo tempo.

Realmente não especifiquei o gênero de meu acompanhante.


As anotações da atendente são bem detalhadas, elas mostram até o
horário que comecei a vomitar.

Ontem foi a mesma coisa, nenhum registro de que realmente


pedi um homem, apenas confirmações.

Merda. Estou fodida.

Olho para Olivia, a observo retirar o blazer e colocá-lo


gentilmente no encosto da cadeira. Ela com certeza é linda de
morrer, é até pecado existir alguém como ela, seus olhos são lindos
também, verde tão cristalino que poderia ser duas pedrinhas de
Quartzo.

— Tem alguma possibilidade de resolver esse mal entendido? —


Pergunto.

— Bom... sim. — Olivia folheia o cardápio sem demonstrar


nenhuma preocupação com a minha pergunta. — Leva em torno de
sessenta e oito horas para fazermos o reembolso, depois de feito,
você terá que entrar em contato novamente com a agência e
solicitar outro acompanhante, o que pode demorar mais alguns dias.

Suspiro.

— Sinto muito pelo mal entendido. — Olivia continua. — Ficarei


feliz em te ajudar a procurar outra pessoa, se assim desejar. Não
gostaria que se sentisse desconfortável comigo.
— Não é nada disso. Só fui pega de surpresa.

— Então já saiu com mulheres?

— Não... — Tamborilo os dedos na mesa — Na verdade, isso


nunca passou pela minha cabeça.

Olivia analisa o meu rosto por um tempo, o garçom se aproxima


e juntas escolhemos o que comer. Optamos por dividir uma garrafa
de cerveja e continuamos nossa conversa.

— Caso aceite o meu serviço, faremos o que se sentir


confortável para fazer. Podemos colocar limites, como por exemplo,
não nos beijarmos. Mas penso que seja importante demonstrarmos
um pouco de carinho uma com a outra. Andar de mãos dadas,
nomes carinhosos, esse tipo de coisa.

— Todo acompanhante faz isso?

— Na verdade não, algumas pessoas contratam acompanhantes


com segundas intenções. Mas sempre gostei de ver isso como um
trabalho, não durmo com ninguém. Um selinho ou algo do tipo é
aceitável, mas nada muito fora disso.

Entrelaço minhas mãos e apoio meu queixo.

— Não tenho tempo para esperar outra pessoa. Vamos viajar no


sábado pela manhã, chegaremos a tempo de nos instalarmos em
minha casa antes do jantar de noivado.

— Não seria o casamento?

— Os pais do noivo gostam de esbanjar dinheiro — me


recosto na cadeira — farão o noivado nesse sábado. Sábado que
vem será a festa de pré casamento, depois o casamento e logo em
seguida uma outra festa.
— Entendo. — Diz pegando uma caneta e tomando notas. —
Gosto de anotar tudo para não me confundir depois, se importa?

— Não. ⸻ Abro um meio sorriso.

— Certo, me fale sobre sua família.

— Meus pais estão casados há trinta anos, os detalhes eles irão


te contar. Muitas vezes. Esteja preparada para ouvir uma história
diferente a cada dia. No geral, eles se conheceram em uma noite de
samba, dançaram, se apaixonaram e estão juntos até hoje.

— Parece ser lindo.

— É sim. — Sorrio após dar outro gole na cerveja. — Eles são


incríveis.

— Tenho certeza que sim. Qual o nome deles?

— Eduarda e Maurício.

Observo sua letra fazer um “o” redondo perfeito, até nisso ela
é boa. Estou fascinada com sua postura e profissionalismo.

— Como é o relacionamento com sua irmã?

— Não nos damos bem. — Cruzo minhas pernas e ajeito meu


vestido.

— Tivemos uma briga enorme.

— Posso saber o motivo?

— Bom, vamos ao casamento dela com o meu ex, acho que vai
preencher as lacunas sozinha.

— Ele te trocou ou...


— Terminamos. Na verdade, ele terminou comigo. Me disse
que estava apaixonado por outra pessoa.

— Certo, podemos falar mais sobre isso amanhã. — Olivia


sugere ao notar a minha tristeza em relação ao assunto.

— Amanhã?!

— Sim. Temos que definir quais roupas usarei. Gostaria que eu


usasse mais vestido e saias, ou algo mais do que estou usando
hoje?

Ao mencionar isso, foco minha atenção em suas roupas. De


fato não reparei muito, Olivia tem uma forma intensa que prende a
atenção das pessoas apenas em seu olhar e sorriso. Estou inquieta
e fascinada ao mesmo tempo, quero saber tudo a seu respeito.

Não tenho escolha, preciso dela o tanto quanto sei que ela
precisa de mim, ou pelo menos do meu dinheiro.

Droga! Serão as quatro semanas mais longas da minha vida.


Capítulo 5

A hora passou mais rápido que o habitual, o jantar da noite de


ontem foi agradável. Olivia e eu conseguimos preencher todas as
lacunas sobre minha família, e discutir prováveis reações de meus
pais sobre nós duas, o que é bem engraçado, pois minha família é
tão aberta sobre tudo, que não consigo imaginar reações negativas.

Falamos sobre meus tios e sobre a pré-festa de casamento,


meus pais decidiram arcar com pelo menos isso, já que a família de
Arthur está bancando tudo. Questionei-a sobre suas habilidades na
dança e a resposta que obtive foi um meio sorriso e um “ em breve
vai descobrir”.

Pela manhã, fiquei duas horas em ligação com minhas


amigas contando tudo que aconteceu, quase bati o carro indo para o
trabalho por conta disso, mas valeu a pena. Eu precisava desabafar.
É difícil ter que voltar e encarar o casal feliz. Ter que ver que tudo o
que um dia sempre quis será de Mariana.

Não fico me questionando ou procurando motivos, mas a


nossa briga foi grande demais, dolorosa demais. Falei coisas que
não devia, Mariana falou coisas que não devia. No fim, vim para São
Paulo. Longe de tudo, principalmente deles.

Encontro-me com Olivia na hora combinada perto de uma loja


no Shopping, conversamos mais um pouco sobre quais formas de
afeto eu autorizo quanto a nós duas, acho uma graça a forma como
está empenhada em não me deixar desconfortável.
Experimentamos dar as mãos enquanto passeamos no shopping, foi
bem natural.

Depois de confirmar, pela terceira vez, que estava tudo bem


aceitá-la como minha acompanhante, Olivia mostrou-se satisfeita.
Entramos em uma loja e selecionamos algumas roupas. Por mais
que Olivia queira que eu me sinta à vontade, e que seja o trabalho
dela me agradar, não me agrada vê-la usando roupas que se sinta
desconfortável. Não é tão nítido assim seu desgosto por vestidos e
saltos, porém consigo perceber.

Deixo-a à vontade para escolher o que usar dentro da paleta


de cores dos vestidos e saltos que comprei para o evento, vamos
ser um casal e nada mais que usar cores combinando neste tipo de
ocasião. Terninhos lhe caem bem, por isso escolhemos duas peças
e mais três roupas diferentes para ocasiões menos formais, não
haverá formalidade o tempo todo.

Finalizamos a noite trocando nossos números e tirando


algumas fotos juntas, escolhemos a que vamos usar como fundo de
tela de bloqueio e combinamos um horário para nos encontrarmos
no aeroporto.

— Você tem Facebook ou Instagram? — Pergunta.

— Hum... não.

— Sério?

— Sim. — Ergo minha sobrancelha. — É estranho?

— Na verdade não. — Dá de ombro. — Eu também não


tenho. Só quis perguntar para saber se acha necessário que eu faça
também.

Nos despedimos e eu sigo para meu apartamento.


◆◆◆

Mando uma mensagem para Erick e o celular toca em menos


de um minuto depois.

— Como assim mandaram uma acompanhante mulher?


Como ela é?

— Linda de morrer. Deveria ser pecado deixar uma mulher


dessas andar por ai.

— Porra, tem foto?

Mando uma foto nossa por mensagem.

— Caralho. — Erick murmura. — Ela é linda demais. Tenho


chance?

— Hei! Fique longe da minha acompanhante. Além do mais,


você não é o tipo dela.

— Eu sou o tipo de todo mundo, gata.

— Você é um escroto ás vezes, sabia?

— E é por isso que somos amigos, um escroto sabe


reconhecer o outro.

Desligo o celular e solto uma risada quando olho sua


mensagem.

“Se divirta bastante com sua acompanhante sexy. Me liga se


precisar.”
◆◆◆

A viagem até Belo Horizonte foi rápida, Olivia e eu vimos uma


hora de um filme qualquer até o avião pousar no aeroporto de
Confins, achamos nossa mala com facilidade e nos dirigimos até a
porta de saída do aeroporto, não vejo ninguém da minha família e
franzo a testa, olho para meu celular e mando uma mensagem para
meu pai.

— Acho que ele está atrasado — digo — se importa de


comprar um café para mim?

— Sem problemas.

Olivia deixa sua mala próxima a mim, enquanto ela caminha


até a cafeteria, mando novamente uma mensagem para meu pai.

— Alice!

Retiro os olhos do celular bem a tempo de ver Mariana e


Arthur se aproximando. Minha irmã mais nova corre em minha
direção e me abraça. Quando foi que essa garota cresceu?

Quando fui embora de BH, ela não chegava a minha altura,


mesmo com seus saltos plataforma.

— Desde quando cresceu?

— Bobinha, são os saltos. — Diz mostrando o salto agulha


enorme.

— Jesus.
— Papai e mamãe não puderam vir por causa da vovó, você
sabe, ela criou um caso enorme porque não deixamos ela vir te
buscar.

— Entendo.

Mariana me solta.

— Cadê o seu namorado? Fez tanto mistério que temos um


bolão. Eu apostei que não tem namorado coisa alguma, você é bem
seletiva com as pessoas que gosta de sair.

Reviro meus olhos e olho para Arthur, ele acena rapidamente


para mim e foco minha atenção em minha irmã. Um homem se
aproxima de nós duas e sorri amigavelmente.

— Então tem namorado mesmo! — Mariana segura o homem


pelos ombros — Um pouco pançudo para o seu gosto, mas com
certeza é o seu tipo.

— Não é ele.

— Como se conheceram? — Pergunta segurando o rosto do


pobre homem — Não me diga que...

— Amor, me desculpa a demora, não sabia se queria café


comum então voltei para pergun... — Olivia sorri — Ah, então
chegaram.

Três pares de olhos alternam entre Olivia e eu, a situação


seria um tanto cômica se não fosse desesperadora.

⸻ Ele não é o meu namorado.

— Eu só queria saber se tinham um cigarro. — Diz o homem


— Verei em outro lugar.
— Amor. — Digo entrelaçando nossas mãos e sorrindo de
forma afetuosa — Essa é minha irmã Mariana e aquele é o Arthur.

Olivia sorri para os dois, posso jurar que algumas pessoas ao


redor simplesmente pararam para apreciar seu sorriso. Minha irmã
arregala os olhos e a analisa de cima a baixo diversas vezes.

— Entendi o motivo do mistério.

— Queria fazer uma surpresa. — Dou de ombros.

— Bom, — Arthur se pronuncia — já podemos ir? Seus pais


estão nos esperando.

— Querido, leve a mala das duas, sim?

— Eu estou bem — diz Olivia.

Nunca vi uma pessoa ser tão rápida no salto quanto a minha


irmã, em menos de um minuto Mariana pega minha mala no chão e
joga para Arthur, quase tropeço enquanto ela me puxa para
seguirmos caminhando na frente.

— Quando ia me contar?

— Contar o quê?

— Que está namorando uma mulher. — Ela olha para trás e


depois para mim. — Isso é alguma piada? Se for, Alice, eu te mato.

— Não é piada, Mariana. — Olho para trás também. —


Estamos juntas... e eu estou feliz.

Como se tivesse ouvindo nossa conversa, Olivia solta seu


sorriso mais atraente e pisca para mim. Volto meu rosto para frente
e o sinto queimar. Droga!
— Vejam só, está até vermelhinha. Ela pegou seu coração de
jeito então. — Minha irmã analisa Olivia e volta sua atenção para
mim. — Que corpão! Se encontraram onde? Na academia? Tá na
cara que ela faz academia. Quando foi isso? Como aconteceu?

Faço um gesto para que Mariana pare de falar.

— Relaxa e respira. Isso é efeito do casamento ou me


desacostumei com você?

— Chata.

Nos aproximamos do carro e esperamos, após guardar as


malas e nos ajeitarmos, seguimos até a casa de meus pais. Do
aeroporto de Confins até a Avenida Vilarinho não demora muito,
mas posso jurar que foram os minutos mais longos da minha vida
com todo aquele silêncio. Mariana estava mexendo no celular a todo
segundo e Arthur não para de encarar minha mão e a de Olivia
juntas.

Nossos olhos se encontram e ergo uma sobrancelha,


desafiando-o a falar algo, me aproximo e coloco o braço de minha
acompanhante ao redor de meus ombros, isso faz com que Mariana
olhe para trás e tire uma foto nossa. Com certeza ela contou para
toda a família e com certeza a foto mostrará a carranca enorme que
eu fiz por me dar conta disso.

Pouso minha cabeça no ombro de Olivia e aprecio o restante


da corrida.
Capítulo 6

A casa dos meus pais é situada bem em frente à Avenida Vilarinho,


o portão automático se abre para deixar o carro entrar e avistamos a
casa de dois andares. Por fora a pintura mudou, antigamente era
laranja, hoje é vermelho, provavelmente por conta da minha avó.
Tem dias em que ela se levanta com a pá virada e se deixar destrói
e constrói a casa toda de novo.

Noto que a pequena horta de minha avó cresceu, antes era


uma pequena parte protegida por tijolos no canto inferior da casa,
hoje compõe uma grande parte do terreiro.

Olivia e eu retiramos nossas malas do carro e seguimos


juntas para a porta, conseguimos ouvir os gritos de minha avó antes
mesmo de entrar.

— Eu já disse que não quero comer, inferno!

— Chegamos!

Mariana passa por nós duas e se dirige à cozinha. A maior


parte do dia minha família sempre está na cozinha, quando não,
está no terreiro tomando um litrão e dançando. Nunca pensei que
poderia sentir tanta falta de casa, mas ao adentrar a cozinha e ver
meus pais meus olhos lacrimejam e um aperto dentro de mim se
instala.

— Ah, querida. — Mamãe se aproxima e me abraça. — Não


precisa chorar.

— Oi, mãe.
— Vejam só, está magrinha — diz apertando minhas
bochechas — em São Paulo eles não têm comida não?

— Uai, querida, pensei que estava morando no Rio de


Janeiro — diz papai sorrindo — ou era Espírito Santo?

— Já te falei um milhão de vezes que é São Paulo, Maurício.


— Diz mamãe me soltando e segurando a mão de Olivia. — Vejam
só que mulher mais linda.

— É um prazer te conhecer.

— O prazer é todo meu, querida. — Diz mamãe dando


batidinhas na mão de Olivia. — Fiquei feliz em saber que minha
filhinha está com alguém, faz tanto tempo que Alice não namora.

— Não tem tanto tempo assim, mãe — cruzo os braços — faz


parecer que tem anos.

— Uai, e não tem? Já deve ter teias de aranha por aí.

— MÃE!

— Ou não, por essa carinha. — Mamãe segura nossas mãos


e nos puxa para nos sentarmos. — A comida acabou de ficar pronta,
como temos uma convidada de fora, decidi fazer meu famoso
Frango com Quiabo e Angu. Tudo feito no fogão de lenha atrás
daqui de casa, viu?

— Quem é essa ai? — Pergunta minha avó analisando Olivia.


— Você mudou a cor do cabelo, Alice?

— Estou aqui, vovó.

Seus olhos passam para mim e um sorriso enorme e


carinhoso se forma em seus lábios. Vovó pode ser esquecida às
vezes, mas sempre se lembra dos netos... isso é o que minha mãe
diz. Particularmente penso que ela escolhe a quem dar atenção.

— Veja só como está linda — diz ajeitando os óculos e


franzindo a testa — quem é essa do seu lado, então?

— Minha namorada. Olivia.

— Namorada? — Vovó se aproxima tanto que seu rosto fica a


poucos centímetros ao de Olivia — Como é linda. Sabe... — Vovó
volta a se sentar na cadeira — eu já dei uma ou duas bitoquinhas
em algumas garotas na minha época.

— E lá vamos nós. — Diz Mariana revirando os olhos e se


sentando.

— Era verão de 1964, estava ainda com meus 24 anos.


Como a juventude era rica. Tinha que ir a pé para a casa de um
senhorio ajudar nas tarefas domésticas, naquela época eu e minha
mãe tínhamos que dar um jeito de ajudar em casa, João Goulart
tinha acabado de ser...

— Vovó — papai coloca a mão gentilmente em seu ombro —


tenho certeza que as meninas irão escutar essa história, mas
acabaram de chegar de viagem, com certeza estão com fome. E a
senhora precisa comer.

— Já disse que não quero comer!

— Se a senhora comer — diz Olivia — fico mais que feliz em


te ajudar com a horta.

— Trás pra cá esse prato, Eduarda.

Papai suspira aliviado e sorri como forma de agradecimento,


foi uma jogada de sorte ter comentado casualmente sobre a horta
de minha avó com minha acompanhante. Mamãe e papai deixam
que nos sirvamos à vontade e todos esperam Olivia dar sua primeira
garfada, até mesmo vovó parou de brigar com o angu no prato e
observou.

Quando os olhos de minha acompanhante brilham em puro


deleite, mamãe sorri e bate palmas. Agora sim todos podemos
comer.
Capítulo 7

O almoço estava divino, senti tanta falta da comida preparada pela


minha mãe que comi duas vezes. Passamos um tempo
conversando sobre amenidades. Falei sobre meu trabalho e como
consegui um mês de férias. Papai comentou sobre a escola de
dança e como está tendo cada vez mais clientes, os negócios estão
tão bem que ele está pensando em alugar um espaço maior.

Mamãe saiu do último emprego para ficar tomando conta de


minha avó, mas sempre que pode, ajuda meu pai com a escola.
Arthur nos pede licença para atender a uma ligação e papai se
levanta.

— Bom, — diz meu pai — quero saber como se


conheceram. A história completa.

— Pai, acabamos de comer. Tenho certeza que pode esperar


mais um pouco.

— Nada disso — ele cruza os braços — minha filhota teve o


coração roubado.

— Nos conhecemos em um bar. — Olivia responde cedendo


a pressão.

Repassamos tantas vezes essa história que não me sinto


surpresa quando vejo o sorriso do meu pai, eu sabia que tinha que
ser um local em que eles saberiam que eu estaria. Nunca deixei de
dançar, mesmo no emprego ao qual estou que não me permite
aproveitar muito os bares de São Paulo por ser um pouco cansativo,
é uma parte de mim que nunca quero que vá embora,
independentemente do que aconteça.

Deixo que minha acompanhante tome a frente e conte tudo,


como nos esbarramos no banheiro, eu deixei cerveja cair na roupa
dela e ela ficou super furiosa pelo ocorrido. Olhares se encontrando,
desculpas, sorrisos bobos e toda aquela coisa de comédia
romântica.

Me sinto mal por estar mentindo para os meus pais,


principalmente por ver que eles realmente aceitaram a história e
ficaram contentes. A todo momento nós duas nos tocamos,
trocamos carícias e nos olhamos como se não existisse nada no
mundo. E, bem lá no fundo me sinto mal, pois eu já tive isso um dia,
e agora ele vai se casar com minha irmã.

— Certo, não vamos mais amolar vocês. — Diz mamãe se


levantando. — O quarto do segundo andar é o de vocês. Alice,
querida, tivemos que mudar a sua avó para o seu quarto. Era difícil
levantar toda noite e subir para ver se ela estava dormindo.

—Tudo bem.

Mamãe nos acompanha até o segundo andar e abre a porta


do quarto para nós.

— Fiz questão de comprar uma colcha nova. — Mamãe olha


preocupada para Olivia. — Algum problema?

Lágrimas rolam pelo rosto de Olivia e fico surpresa, não sei


se isso é algo planejado ou não, mas seguro sua mão.

— Me desculpa. — Diz limpando as lágrimas.

— Uai, não entendi.

— Está tudo bem, mãe. Só precisamos descansar um pouco.


— Qualquer coisa pode me chamar. Esse quarto tem um
banheiro privativo. — Mamãe aponta para a porta no canto
esquerdo do quarto. — Assim ficam a vontade para ninguém escutar
quando...

— Tchau, mãe. — Interrompo-a antes que ela fale algo que


me deixará completamente constrangida.

Ela ri e saí, fechando a porta logo em seguida. Deixo que


Olivia tome o seu tempo para se acalmar e analiso a colcha.

— São as cores da bandeira LGBT.

— Ah... — Sento na cama. — Tenho certeza de que foi difícil


para ela encontrar algo assim em tempo recorde, não demorou tanto
do aeroporto até aqui.

— Sim.

— Quer conversar sobre?

— Estou bem. — Olivia respira fundo e sorri. — Fomos bem


hoje?

— Sim, com certeza. Estou morta e quero tirar um cochilo.

— Tudo bem. Lado esquerdo ou direito?

— Hãn?

— Lado esquerdo ou direito? — Olivia aponta para a cama.

A ficha caí logo depois que me levanto. Estamos sozinhas em


um quarto.

Com banheiro privativo.


Com uma cama de casal com colcha LGBT e nem por uma
merda de segundo pensei que iríamos dividir um quarto.
Capítulo 8

Conseguimos dormir por algumas horas antes de ter que levantar


para nos arrumarmos e ir jantar com os pais de Arthur, ainda não
consigo entender o motivo de fazer um jantar para oficializar o
noivado se o casamento será daqui a três semanas, e ainda tem
uma festa pré-casamento.

Geralmente o noivado é feito meses antes, mas do jeito que


Mariana é, já vinha planejando esse casamento desde que começou
a namorar com ele. Esse fato faz com que eu mexa em um garfo
pequeno na mesa por um tempo, acho que alguém chamou meu
nome, pois quando sinto uma mão tocar meu ombro esquerdo, me
assusto.

— Está tudo bem? — Pergunta Olivia.

A preocupação em seu rosto é evidente, assim como o de


meus pais ao seu lado, dou um sorriso fraco e digo que sim.

— Estou um pouco cansada.

— Eu falei para deixarmos para amanhã, ou quem sabe


segunda. — Diz mamãe. — Como podem querer vir num lugar
chique assim sendo que minha casa está aberta para todos... Sem
falar que a comida é de graça.

— Ora, vamos querida. — Diz papai. — Faz tempo que não


saímos para comer assim.

Sinto a mão de Olivia apertar a minha levemente por debaixo


da mesa e nossos olhos se encontram.
Toda vez que a olho me surpreendo com o quão bonita é,
parece que Deus pediu a Da Vinci para desenhar a mulher mais
linda que possa existir no mundo, e então, ele simplesmente botou
tantos detalhes que a cota de beleza foi toda para ela.

Sem falar que está maravilhosa com o terninho que


escolhemos no shopping. A calça social modela muito suas pernas,
ela é alguns centímetros mais alta que eu, então suas pernas são
esguias e longas, sem falar que tem um bumbum arrebitado, meu
sonho de consumo.

Peguei Mariana olhando em uma das ocasiões, o que me fez


rir.

A blusa social branca e o blazer estão sob medida, dando


bastante maestria às curvas de sua cintura e seios, que não são tão
fartos, mas também não são tão pequenos. Ficamos algum tempo
discutindo sobre como seu cabelo deveria estar.

Por fim, ela simplesmente os jogou para frente e depois para


trás, ajeitando alguns fios rebeldes e pronto.

Vaca!

Já eu, fiquei vinte minutos apenas decidindo a maquiagem.


Quanto ao que vestir, optei por um vestido branco com um corte em
V atrás, o brilho nos olhos de Olivia foi todo o indicativo de que eu
estava gata.

Ou melhor. Gostosa.

Estou adorando ter uma acompanhante lésbica.

— Você está linda — sussurra Olivia em meu ouvido — tenho


certeza que alguns homens se jogariam a seus pés agora.
Tento não dar tanta importância ao fato de que meu corpo se
arrepiou ao sentir seu hálito quente em meu ouvido.

Ela faz um pequeno gesto para trás, sigo com o meu olhar, e
um homem bebericando o que provavelmente é um Whisky pisca
para mim. Ele com certeza era o que eu estava esperando para ser
meu acompanhante, lindo e muito bem vestido, mas estou gostando
desse lance de ter que fingir namorar uma mulher.

Volto minha atenção à Olivia.

— Com certeza está. Modéstia a parte, mas eu estou um


pecado.

— O que as duas estão cochichando aí? — pergunta vovó —


É o meu cabelo?

— Você está maravilhosa, vovó — diz Mariana.

Arthur e seus pais chegam logo em seguida, nos levantamos


da cadeira para fazer as devidas apresentações e nos sentamos. A
mãe de Arthur, Clara, com seu olhar frígido e nariz pontudo fecha o
rosto ao ver minha mão e de Olivia juntas por cima da mesa, minha
vontade nesse momento é de lascar um beijo na minha
acompanhante, só para dar mais desgosto a essa vaca velha.

Ela nunca foi a favor do meu namoro com Arthur, agora me


pergunto se é o mesmo com Mariana, pela forma como o corpo de
minha irmã fica tenso ao também notar o desgosto na cara de Clara,
sei que provavelmente o casamento de seu filho não é algo que
tenha aceitado bem.

— Muito obrigado por comparecerem — diz Rodrigo, pai de


Arthur — quando meu único filho disse que pediria a mão de sua
filha em casamento, não pude deixar de me sentir um pai tão
orgulhoso.
— Agradeço pelo convite — diz mamãe sorrindo — tenho
certeza de que será uma união com muita alegria e saúde. Ainda
não entendo o motivo de ser em um lugar como esse.

— Com a benção de nosso querido Senhor Jesus, — diz


vovó — não deixem de orar por esse milagre. Pensei que Mariana ia
ficar em casa reclamando da vida até os 30 anos.

— Também te amo, vovó.

Olivia segura o riso, escondo meu rosto em seu pescoço para


rir e sinto um beliscão de leve em meu braço.

— Bom, foi aqui que eu pedi a mão de minha mulher em


casamento. — Rodrigo sorri. — Pensei ser o melhor lugar para se
comemorar algo tão grande e importante.

Arthur aproveita a deixa para retirar uma pequena caixa do


bolso de seu paletó e nos mostra um anel com um pequeno
diamante.

— Querido, que lindo! — Diz Mariana retirando o anel da


caixa e encaixando em seu dedo. — Combinamos de não comprar
algo assim.

— Meu pai insistiu.

— Era da minha avó, que passou para a minha mãe e ela


passou para mim. Agora está na hora de seguir em frente.

Mamãe se aproxima para analisar melhor.

— Sinto muito que tenha que passar por isso. — Sussurra


Olivia em meu ouvido. — Deve ser difícil.

— Pensei que seria mais difícil. — Apoio minha cabeça em


seu ombro. — Mas estou começando a ver que eles se merecem.
No início pensei que doeria, mesmo tendo se passado três
anos, pensei que seria mais difícil por Arthur ter sido meu primeiro
namorado, começamos a nos relacionar quando eu ainda tinha 16
anos e tudo não durou mais que sete anos. Não foi um término fácil,
na verdade ele simplesmente mandou uma mensagem dizendo que
não estava dando mais e que estava gostando de outra pessoa.

Porra! Naquele dia bebi tanto que vomitei nos melhores


tomates da vovó, tive que ouvir esporro por uma semana, sem
contar que tive que ajudá-la por um mês. Mas eu superei, demorei
meses para conseguir até mesmo começar a pensar em sair com
outras pessoas. É aquela coisa, o primeiro amor é sempre o mais
dolorido, então, quando ele apareceu de mãos dadas com minha
irmã, eu surtei.

Surtei ao ponto de falar coisas horríveis para os dois, mesmo


Mariana jurando que não tinham se envolvido até terminarmos, eu a
fiz ouvir tantas merdas e ela falou tantas merdas que no fim, fui
embora. Foi difícil o primeiro ano em São Paulo, tive que trabalhar
como atendente de caixa em uma lotérica até conhecer Erick e
conseguir um emprego na empresa de sua família.

Pensando agora, não é os dois se casarem que me causa um


certo pesar, e sim o fato de que se encontraram, e eu me sinto
sozinha. Ultimamente as pessoas estão tão preocupadas com suas
vidas e tentando não demonstrar tanto amor e carinho, que ao ver o
quanto Arthur realmente gosta de minha irmã ao ponto de querer se
casar com ela me deixa um pouco vazia. Faz-me questionar e
ansiar por isso.

Com o polegar Olivia acaricia o dorso da minha mão, esse


gesto faz meu corpo formigar e perco minha linha de raciocínio. Pela
primeira vez nossos olhos se encontram mais que alguns segundos,
sua íris tem algumas nuances de castanho que não havia reparado
antes.
— Alice, querida. — Diz Clara. — Quem é a sua amiga?

Olivia solta minha mão e volta sua atenção para a mãe de


Arthur.

— Não somos amigas. — Respondo. — Ela se chama Olivia


e é minha namorada.

— É uma jovem adorável, Alice. — Rodrigo sorri.

O garçom se aproxima com o cardápio e o assunto se


encerra. De vez em quando lanço olhares para Olivia, a sua forma
de falar... e sorrir é uma graça.

ESPERA. O que eu tô fazendo?

Fecho meus olhos e respiro fundo. Olivia está sendo


contratada para fazer o papel de namorada, apenas isso, uma
acompanhante. O que diabos é isso que estou sentindo?

Sinto-a me observar e tento ao máximo focar em meu prato.


Capítulo 9

Acordo com o som de minha avó brigando com alguém no andar de


baixo, coloco o travesseiro em cima do meu rosto e tento abafar o
som, mas... é impossível, minha família não dorme até tarde, nem
mesmo aos domingos.

— Você ronca, sabia?

Jogo o travesseiro no rosto de Olivia e a ouço rir.

— Não ronco nada. — Franzo a testa. — A quanto tempo


está acordada?

— Não muito. — Diz sorrindo. — Acordei e tomei café com a


sua mãe. O pão de queijo de vocês é muito bom, o de São Paulo
não chega ao pés. Não sente falta?

— Sim, muita. — Levanto-me. — Sempre acorda cedo?

— Ás vezes. Precisei resolver algumas pendências.

Noto seu notebook aberto em cima da cama e caminho para


o banheiro. Tomo um banho longo e quente, não importa a estação
do ano, eu sempre vou optar pela água quente. Ouço Olivia cantar
baixinho através da porta e sorrio involuntariamente, retiro todo o
excesso da maquiagem de ontem e aplico um produto hidratante em
meu rosto.

— Alice, tem uma criança aqui no quarto me perguntando de


onde vem os bebês. O que eu faço? — Ouço a voz de Olivia
seguida de uma batida na porta.
— Responda. — Seguro a minha risada.

— Mas ela só tem 5 anos.

— Eu tenho cinco anos e meio.

Reconheço a voz de Ana, a filha mais nova de minha tia por


parte de pai.

Enrolo meu corpo na toalha antes de abrir a porta


— Muito bem, mocinha. Quem te deixou entrar?

Ergo uma sobrancelha para Olivia quando Ana aponta para


ela.

— Pensei que fosse sua mãe. — Olivia me responde.

— Eu ouvi o papai falando que fez mais um bebê com a


mamãe, mas como é isso? É tipo mandar uma carta para a
cegonha, igual ao filme que eu vi?

— Ana, dentre todas as nossas primas, você é a que eu mais


gosto — ela sorri ao ouvir isso — mas se não sair daqui agora e
fazer essa pergunta ao seus pais, passo a máquina zero nas suas
trancinhas.

— Mamãe! — Ana sai correndo.

— Você é má. — Diz Olivia fechando a porta.

— Ela está acostumada — vou até minha mala e procuro


uma roupa — se não fosse por mim, você teria que dar uma aula
sobre onde vem os bebês. — Levanto-me — Por quê está de
costas?

— Você está nua.

— Estou de toalha.
— Mesmo assim.

— Te incomoda?

Olivia ri.

— O corpo de uma mulher nunca me incomoda, mas se formos nos


atentar aos fatos, não estou sendo paga para cobiçar o seu.

— Não foi o que vi ontem.

— Sinto muito por isso.

— Relaxa. Mariana com certeza não parou de analisar o seu.


— Visto um short jeans e uma blusa. — Pronto.

Ela se vira.

— Amarelo combina com você.

— Obrigada.

Mamãe grita nos chamando pelas escadas e decidimos


descer. Boa parte dos meus tios, tias e primos estão presentes, faço
as apresentações e aceito todos os elogios sobre como minha
namorada é linda e uma graça. Sério, a forma como dizem faz
parecer que beleza é um mérito e não uma característica física.

Vovó, Olivia e boa parte dos meus primos pequenos saem


para ajudar na horta, sigo minha mãe até a cozinha e juntas
começamos a preparar o almoço. Mariana chega logo depois com
Arthur, ouço minhas tias elogiarem o anel e perguntar sobre a festa
de casamento.

— Está tudo bem, querida?

— Sim. — Sorrio — Qual o motivo de não estar?


— Só queria me certificar. Sei como ficou quando soube do
namoro dos dois. — Mamãe dá de ombros.

— Aquilo é passado, mãe. — Lavo os alfaces. — Além do


mais, estou com outra pessoa.

— Ela é uma graça, fez sua avó comer. Aquela véia tá dando
trabalho. Nem o cafézin com queijo durante a tarde ela aceita,
semana passada tive que enfiar pela goela um pouco de chá.

— Já a levou ao médico?

— Sim, disse que ela está bem. Isso é pirraça.

— Talvez possa fazer algo que ela goste, quem sabe isso
ajude.

— Já tentei, ás vezes ela fica parada olhando para o tempo,


acho que sente falta do seu avô... tenho receio de que esteja
ficando deprimida.

— Ah, mãe...

Passo meus braços ao redor dos ombros de minha mãe e a


consolo, deixo que chore por um tempo. É a primeira vez que a vejo
chorar assim depois de muito tempo, na verdade, só a vi ficar assim
no enterro do meu avô.

É estranho perceber que minha mãe, uma mulher que desde


pequena vi como forte e alegre, é humana a ponto disso. De chorar.

— Vamos dar um jeito nisso, ok? Juntas.

— Está bem. — Ela balança a cabeça concordando.


Continuamos a preparar o almoço, por volta de meio-dia,
todos estão almoçando. Alguns na sala, outros na cozinha e o
restante no terreiro.
— Já disse que não quero almoçar, inferno! — Grita vovó da
sala.

— Mas a senhora tem que comer, mãe — diz uma de minhas


tias — senão vai passar mal.

— Só por cima do meu cadáver.

— Então não vai demorar muito. — Meu pai comenta.

Mamãe bate no braço de meu pai pelo comentário, seguro


para não rir e me aproximo de minha avó.

— A senhora quer comer alguma coisa em específico, vó?

— Não quero comer.

— Vamos comer um pouco, vó — diz Olivia se sentando ao


seu lado — precisamos estar firme e forte para mexer na horta mais
tarde.

Vovó pega o prato da mão de minha tia e começa a comer,


observo as duas cochicharem e rirem. Nem parece que fez um
escândalo em poucos minutos.

— Desse jeito eu vou manter vocês duas aqui para sempre.


— Diz papai.

◆◆◆

O almoço ocorreu sem mais nenhuma preocupação, a louça


ficou por conta das primas mais velhas, que ficaram ouvindo um tal
de BTS, encenando coreografias de tempos em tempos. Vovó foi
para o quarto para o seu sono da tarde enquanto papai e mamãe
aproveitaram para jogar buraco com alguns dos meus tios.

Olivia e eu nos sentamos em uma rede para aproveitar a


sombra, o tempo está quente a essa hora do dia, nem parece que
fez frio na noite anterior. Juntas pegamos impulso e nos deixamos
balançar.

— Obrigada. — Digo depois de um tempo.

— Por?

— Incentivar minha avó a comer. Minha mãe está


preocupada com
ela.

— Sem problemas, ela é um encanto.

— É sério.

— Também estou falando sério.

Aproximo meu corpo do seu e deito minha cabeça em seu


ombro, a pequena brisa que está sendo feita por estarmos
balançando é agradável e convidativa. Ficamos um tempo assim,
em um silêncio acolhedor.

Seus dedos brincam com as pontas de meu cabelo e ás


vezes acariciam meu braço, é um toque terno, íntimo.

— Você é boa nisso. — Sussurro.

— Em quase dormir?

Solto uma risada.

— Não. Nesse lance todo, faz com que as pessoas se sintam


confortáveis.
— Tenho boas avaliações quanto a isso.

— Sei que sim.

— Era para ser algo esporádico, na verdade. Apenas finais


de semanas ou ocasiões especiais, mas fui precisando de dinheiro
e....

— Prima Alice!!

Ana se aproxima de nós duas com cara de choro.

— O que foi, Ana?

— Faltam duas pessoas para brincar de queimada, a mamãe


e o papai não querem participar.

— Estou conversando agora, Ana. Talvez daqui a pouco.

— Por favoooooor...

— Ana! — repreendo.

— Está com medo de perder, Alice?

Fuzilo Olivia com o olhar

— Olha só, fui campeã de queimada no ensino fundamental e


médio, então, me poupe.

— Só acredito vendo.

— Me dá aquela merda de bola, Ana.

Sigo minha prima.

Olivia separa dois grupos com oito pessoas cada, o terreiro


de casa é enorme, o que é bom, temos bastante espaço para correr
e se esquivar. Fazemos a marcação com uma linha na horizontal
para separar os grupos rivais, ganho no dois ou um para ver quem
começa com a bola e nos preparamos.

— O grupo que perder toma água de balde na cara! — Grita


papai da cozinha.

— Ainda da tempo de desistir. — Sussurro para Olivia.

— Digo o mesmo, amor.

Ganhei as duas primeiras partidas de lavada, Olivia era


rápida, mas não tão esperta assim, jogo com minhas primas desde
muito nova, selecionei as que eu mais tinha afinidade e juntas
bolamos jogadas que nem mesmo o outro time conseguia rebater.

Infelizmente tive o desprazer de escorregar em um chinelo e


receber uma bolada nas costas, xinguei tanto Olivia que me sinto
mal por sua mãe, a coitada não merece tantos nomes. Aceito de
bom grado a água gelada que meu pai joga em mim e me preparo
para a próxima.

O time de Olivia conseguiu empatar devido a um erro técnico,


a bola passou de raspão pelo braço da minha prima, então não tinha
como contabilizar, mas todos foram a favor de minha
acompanhante.

Paparicadores, isso que são.

— Última etapa antes de finalizarmos — digo — quem ganhar


agora recebe o prêmio.

— Qual? — Pergunta Ana.

— A perdedora terá que pagar o picolé.


— Eu quero picolé de morango! — Grita Ana ao lado de
Olivia. — Vai, tia, joga nela.

Olivia ri antes de jogar a bola em minha direção, preparo-me


para desviar, mas uma de minhas primas entra na frente e segura a
bola.

— Boa garota, — sorrio maliciosamente — joga na Ana.

— Ei, não vale!

Ana se abaixa e por pouco a bola não acerta sua cabeça.


Minha prima do time adversário consegue acertar uma das meninas
do meu time. Entre desvios, acertos e algumas boladas na cara,
sobram apenas eu no meu time e Olivia e Ana no time adversário.

As pessoas queimadas ficam no campo do time inimigo,


separado por outra linha divisória, elas não podem ser queimadas,
mas podem ou jogar a bola para mim ou tentar queimar alguém.
Tentei fazê-las se cansarem mandando a bola para minhas primas
no outro lado, a fim de ganhar tempo e saber a hora de tentar jogar
a bola em umas das duas, mas Olivia sacou o que estávamos
tentando fazer.

Faço a bola quicar duas vezes no chão antes de perceber os


sinais que minha prima está tentando fazer, ela aponta para Ana a
alguns centímetros atrás de Olivia. Pensava que ela apenas não
queria ser queimada, mas na verdade, minha acompanhante estava
protegendo-a esse tempo todo.

Balanço a cabeça entendendo quais os meus próximos


passos e jogo a bola, minha prima pega e joga a bola na direção de
Ana, Olivia corre e a puxa para o lado.

Isso está ficando interessante.

— Pode nos dar um minuto? — Pergunta Olivia.


— Até dois.

Enquanto elas cochicham em um canto separado, aproveito


para tomar um gole de água, gemo de alívio quando minha garganta
seca recebe de bom grado o líquido. Sorvo mais um pouco antes de
voltar minha atenção para as duas.

Por um tempo ficamos na tentativa de acertar a pequena que


se mostrou muito ligeira, mas no fim, consegui acertá-la o que gerou
gritos de vitória da minha parte.

— Vai, Ana. Me acerta.

Juro por tudo quanto é mais sagrado nesse mundo que por
um minuto, o sorriso em seus lábios foi tão perverso que até mesmo
o chão tremeu de medo, ao invés de me acertar ou tentar jogar a
bola por cima de mim, ela a chutou para Olivia, por pouco consigo
pegar, mas já era tarde demais, minha acompanhante já estava com
a bola em mãos. Não consigo me afastar e sinto o impacto em
minha perna antes mesmo de conseguir me desviar.

— Finalmente acabou — diz uma de minhas tias — façam fila


o time perdedor. O time ganhador, por favor, vejam quem vai tomar
banho primeiro.

— Vou aproveitar esse momento para tomar um banho em


toda a minha glória. — Diz Olivia piscando para mim.

Fuzilo-a com o olhar antes de mostrar o dedo médio para ela.

Depois de levar mais uma água na cara e ajudar minhas


primas a desfazer as marcações no chão, subo as escadas para
tomar o meu banho. Abro a porta e vejo Olivia apenas de calcinha.

Arregalo meus olhos ao ver sua barriga lisa e seios com bicos
rosados.
— Desculpa!

Tapo meus olhos antes de a ouvir dizer que esqueceu de


pegar uma blusa limpa na mala. Ouço seus passos pelo quarto, e
seguro meu riso quando ouço um “ai” e o barulho de algo batendo
contra na mesa de cabeceira ao lado da cama.

— Pronto.

— Eu devia ter batido — fecho a porta do quarto — vim tomar


banho.

— Certo.
Ficamos em silêncio nos encarando por um tempo, troco o
peso de um pé para o outro sem saber o que fazer. A imagem de
poucos segundos atrás não sai da minha cabeça, noto que Olivia
está um pouco corada e isso é tudo que preciso para me motivar a
caminhar até o banheiro, fechar a porta e respirar aliviada.

Quando retiro minha roupas e coloco no mesmo canto que as


roupas molhadas de minha acompanhante, olho meu reflexo no
espelho do banheiro e noto que as maçãs do meu rosto também
estão levemente avermelhadas.
Capítulo 10

A sorveteria mais próxima da minha casa é um pouco longe, peço a


meu pai seu carro emprestado e espero Olivia no portão.

— Anotou todos? — Pergunto quando a vejo se aproximar.

— Sim — mostra a tela do celular — 15 de morango, 12 de


chocolate, 1 de coco e 3 de limão. Nossa, tem esse tanto de gente
aqui?

— Pois é — entro no carro — família grande é isso mesmo.

— Sua família é muito fofa.

Durante todo o trajeto não dissemos uma palavra, havia algo


implícito no ar, até mesmo o menor de meus movimentos poderiam
captar algo assim. Quando chegamos, meu corpo relaxa, nem
percebi que estava tão tensa até sair do carro.

Deixo que Olivia pegue os picolés enquanto me dirijo ao


caixa, pago no cartão o valor total. No caminho de volta decido ligar
o rádio para amenizar um pouco as coisas, não é como se
tivéssemos feito algo, mas sinto como se fosse. Como se
tivéssemos cruzado uma linha invisível em tão pouco tempo.

Pelo canto do olho vejo que Olivia está dando batidinhas na


coxa com a ponta dos dedos e curtindo a música. O short preto e
largo não chegam nem perto da metade de suas pernas.

Na rádio começa a tocar um Riff de guitarra, minha


acompanhante grita um “ uhuuul” antes de aumentar o volume e
cantar junto com o cantor.

— She's got a smile that it seems to me ... Reminds me of


childhood memories ... Where everything was as fresh As the bright
blue sky.[1]

Mordo meu lábio inferior antes de soltar uma risada e


balançar a cabeça.

— O que foi? — Pergunta. — Nunca ouviu essa música?

— Uma ou duas vezes, — admito — gosta desse tipo de


música?

— Eu escuto de tudo, — dá de ombros — exceto Trap.

— O que é isso?

— Um subgênero do rap.

Olivia faz uns gestos de guitarra quando começa o solo, em


seguida ela volta a cantar.

— Sua voz é bonita — limpo a garganta — quando canta.

— Já cantei na igreja quando criança.

— Sério? Não a imagino como uma pessoa religiosa —


abaixo um pouco o volume da música — sem querer ser
preconceituosa ou algo do tipo.

— Tudo bem. — Olivia sorri.

— O que está achando de BH?

— Tenho muito pouco a falar por enquanto, mas é uma


cidade linda. Essa avenida arborizada é linda.
— Avenida Vilarinho sempre foi assim — dou um meio sorriso
— eu adorava andar de bicicleta.

— Por que parou?

— Assaltos... que tal irmos no centro amanhã? Não é tão


caótico quanto o centro de São Paulo, mas eu adorava ir na Praça
da Liberdade depois do trabalho. Tinha casais andando por todo
lado, pessoas com cachorros, crianças, essas coisas. Tem um
planetário do lado.

— Acho sua ideia incrível.


Capítulo 11

Ir até o centro da cidade de carro nunca é uma boa opção, não há


lugar para estacionar direito e é cansativo demais ter que ficar
procurando vaga, então decido ir de ônibus. As linhas operacionais
mudaram desde a última vez que me lembro, tive que baixar um
aplicativo chamado Moovit para me ajudar a saber qual ônibus
pegar.

Deixo que Olivia se sente no banco ao lado da janela para


aproveitar a vista, o trânsito está bem movimento para uma tarde de
segunda, mas as sextas-feiras são duas vezes pior.

Dois ônibus depois, conseguimos descer no ponto próximo à


Praça. Primeiro vamos ao Museu das Minas e do Metal, por ser
entrada franca, apenas deixamos nossas coisas no guarda volumes
e seguimos para o prédio rosa. Logo de início nos deparamos com o
modismo Neoclássico no interior do Museu, os olhos de Olivia
brilham ao ver as pilastras marmorizadas.

Damos uma volta e lemos algumas informações a respeito do


meticuloso trabalho feito pelo arquiteto que construiu o Museu.
Seguimos para a Sala das Minas, ao qual um elevador nos leva ás
profundezas da Mina do Morro Velho.

Olivia tira foto das lunetas espalhadas pelo Chão de Estrelas


e se maravilha com cada detalhe sobre o minério. Paramos para
observar o processo de fusões de metais e logo em seguida vamos
para o inventário mineral, tiro algumas fotos de nós duas pelo local,
tomo o cuidado de sempre verificar se o flash está desligado antes
de tirar a próxima foto. Não quero tomar uma multa por um descuido
meu.
Por fim, caminhamos para a parte onde lemos a respeito da
importância do metal para a humanidade, criamos compostos em
uma tabela periódica e até mesmo medimos a quantidade de metal
que contém em nossos corpos.

— Isso foi incrível. — Diz Olivia depois que saímos do


Museu. — Quanta riqueza em apenas um só lugar.

— E tem mais. — Olho para meu relógio de pulso — Que tal


irmos ao planetário? Depois podemos descer até o Shopping
Cidade comer algo.

— Claro.

Deixamos nossas coisas no guarda volumes novamente e


pagamos nossas entradas, por sorte conseguimos chegar a tempo e
pegamos a sessão comentada sobre a Lua e o Zodíaco. Entramos
no elevador para subir até o quinto andar, escolhemos as cadeiras
na sexta fileira, o que nos dá uma ótima visão do espaço no geral,
as luzes se apagam e todo o ambiente é iluminado pelo céu
estrelado.

— Que lindo! — Olivia sussurra em meu ouvido.

— Boa tarde a todos. — Diz o comentarista. — Serei o guia


de vocês hoje para uma das sessões que mais gosto. Falaremos
sobre a Lua e o Zodíaco, alguém pode me dizer aproximadamente
quanto tempo a lua demora para nascer?

— Eu sei!! Eu sei!!! — Grita uma criança. — Ela nasce 40


minutos mais tarde de um dia para o outro.

— Muito bem. E você sabe o motivo?

— Porque ela quis, uai.


As pessoas que compõem o espaço riem da resposta da
criança. O comentarista segue falando sobre o ciclo lunar e o
reconhecimento das constelações, o jogo de perguntas e resposta
feitas para descobrirmos as constelações me tirou muitas risadas.
Olivia demonstrou bastante conhecimento a respeito, apesar de o
comentarista ter que se envolver duas vezes quando ela começou
uma discussão com a criança que respondeu a primeira pergunta.

Deixamos o planetário por volta de seis e meia da tarde,


caminhamos em silêncio pela praça admirando o paisagismo
arquitetônico.

— Podemos nos sentar um pouco? — Pergunta Olivia.

— Claro.

Nos sentamos em um banco próximo.


Sorrio ao ver vários cachorros correndo pela grama.

— Obrigada por me trazer aqui. — Olivia cruza as pernas. —


É a primeira vez que me divirto assim.

— Você não costuma fazer isso?

— Não é isso. — Nossos olhos se encontram. — Eu fico


muito ocupada por conta da faculdade. Foi como disse, era para ser
um trabalho esporádico, mas comecei a precisar do dinheiro.

— O que você cursa?

— Medicina, — diz sorrindo — mas o gasto não é tanto por


conta disso, ganhei 90% de bolsa.

— Então...

— Meus pais eram pessoas muito religiosas. Na verdade...


são pessoas muito religiosas, vivi uma boa parte da minha infância
me dedicando a igreja, cantava, tocava... essas coisas toda. Mas
sempre tinha algo que me incomodava.

Penso em perguntar algo, mas reprimo essa vontade.

— Eu me julgava por ser lésbica. Ás vezes rezava para Deus


e questionava o motivo disso tudo. Por que eu sentia vontade de
beijar outras garotas? O que tinha de errado comigo? — Ela balança
a cabeça — Quando meus pais descobriram, me colocaram para
fora de casa, vivi muito tempo com a minha avó até ela falecer.
Depois disso, tive que dar um jeito de criar um sustento, foi tranquilo
no início, mas então meu pai apareceu e me contou que minha mãe
desenvolveu câncer e que aquilo era um castigo divino por ter uma
filha igual a mim.

Aproximo-me de Olivia, sinto uma vontade enorme de


confortá-la, de poder lhe dizer coisas e afastar os seus medos. É
estranho sentir tudo isso, ainda mais por alguém que conheci a
poucos dias.

Alguém que eu contratei.

— Isso não é culpa sua. — Seguro a sua mão.

— Eu sei. — Olivia deita a cabeça em meu ombro. — Sinceramente


não ligo muito para isso... ele me pediu ajuda, nunca na minha vida
vi meu pai ajoelhar e pedir algo, mas ele o fez. Não pediu desculpas
pelo ocorrido ou qualquer outra coisa, dentre os dois irmãos que
tenho, ele veio atrás de mim. Eu fiquei me questionando o motivo,
mas depois deixei de lado. É por isso que estou trabalhando nisso,
para ajudar nas despesas.

— Se eu tivesse me recusado a te aceitar para trabalhar, o


que aconteceria?

— O dinheiro seria devolvido. Porra, eu fiquei com tanto


medo de ser despachada, preciso do dinheiro. — Levanta a cabeça
para me olhar. — Fico feliz que não tenha dito que queria um
homem.

— Agradeça por eu estar bêbada no dia em que liguei para a


agência. — Solto um riso contido.

— Eu agradeço... fiquei com receio de se sentir incomodada


por ter que fingir algo comigo.

— Por que ficaria?

— Bom, mulher... Lésbica.

— Não tenho preconceito quanto a isso. — Dou de ombros.


— Como posso julgar alguém por ser quem é?
— Queria que todas as pessoas pensassem assim também.
Qual o motivo da ignorância e do preconceito para algo tão simples
quanto o amor?

— Gostaria de ter todas essas respostas, mas não tenho. —


Levanto-me. — A única certeza que tenho é que o mundo está
mudando e temos que nos agarrar ao fato de que
essa mudança sempre deve vir para o melhor. — Estendo minha
mão. — Vamos comer?

— Claro, amor. — Olivia sorri.

Ao ouvir essa frase meu coração bate mais rápido que o


normal.
◆◆◆

Demos uma volta pelo Shopping Cidade assim que


terminamos de comer. Olhamos algumas roupas, decidi comprar
dois macacões pantalona, um preto e outro vermelho, ficaram
perfeitos em mim e modelou perfeitamente o meu corpo. Não
poderia deixar passar essa oportunidade.

Olivia comprou uma blusa preta com gola V e uma calça


jeans, ponderamos sobre comprar um sorvete, mas desistimos e
fomos até a cabine do Move para ir embora. Tentei evitar o máximo
possível o horário de pico, mas mesmo sendo oito e meia da noite, o
ônibus estava lotado.

Minha acompanhante está escorada na porta, ela digitou algo


rapidamente no celular e suspirou. Pergunto-me o que deve ser e o
que está passando por sua cabeça.

O ônibus passa por um quebra-molas e me agarro a barra de


ferro do ônibus, Olivia levanta os olhos para mim e sorri. Devolvo o
sorriso antes que ela abaixe a cabeça novamente para olhar o
celular. Sinto alguém atrás de mim se mexendo e me assusto
quando toca a minha bunda. Meu desconforto foi tão evidente que
uma moça ao meu lado nota o que está acontecendo e fecha a cara,
ela tenta ir para o lado para me dar espaço para me desvencilhar,
mas não consigo.

A moça limpa a garganta tentando sinalizar para qualquer


pessoa ao redor ver o que está acontecendo, tento novamente me
desvencilhar do toque quando sinto a mão de Olivia em meu braço e
me puxando para perto de si.
— Ô Idiota, será que dá pra parar de passar a mão na bunda
da minha namorada?!

Todos ao redor procuram a fonte da voz e até mesmo


entender o que está acontecendo, olho para trás e vejo um homem
calvo, mais ou menos nas casa dos 30 anos. Seu rosto está
vermelho por ter sigo pego, a moça que tentou me ajudar suspira de
alívio.

Olivia saca rápido seu celular e tira uma foto do homem, ele
aproveita que as portas do ônibus estão abertas e saí.
— É melhor sair mesmo, babaca. Vou te denunciar. — Olivia
grita com o miserável que some entre a multidão do lado de fora do
ônibus.

Olivia me coloca contra a porta, ao qual estava minutos atrás


e protege meu corpo com o seu, levanto minha cabeça para olhar
seu rosto e a vejo com a testa franzida.

— Você está bem? — Olivia me pergunta.

Confirmo com a cabeça. Tenho receio de que se eu der


qualquer passo em falso ou falar qualquer coisa a farei se afastar de
mim. Nossos corpos estão muito próximos, meu rosto a centímetros
do seu, tento acalmar meu coração e me pergunto se Olivia
consegue escutar as suas batidas frenéticas, como se ele quisesse
sair do meu corpo.

Paramos na próxima cabine, com muita insistência fomos até


uma delegacia próxima fazer um boletim, Olivia mostrou a foto do
homem e eu descrevi o que aconteceu. Os policiais explicam que
isso é classificado como importunação sexual e que devo aguardar
maiores informações futuramente.

— Temos uma testemunha ocular. — Diz um dos policiais. —


Ligaremos em breve para dar notícias, até lá, entre em contato com
o seu advogado. Gostariam de companhia até o Uber chegar?

— Não. — Respondo. — Agradeço a sua ajuda.

— Só estou fazendo o meu trabalho, senhorita.

Não demora para que o Uber chegue e durante todo o trajeto


fico em silêncio. Antes de abrir o portão de casa, espero que Olivia
se aproxime antes de dizer:

— Não diga nada aos meus pais.


— Por quê? — Olivia franze a testa.

— Porque não quero que se preocupem com isso. Amanhã


resolverei a questão do advogado, mas prefiro manter isso só entre
nós duas.

— Tudo bem.

— E... Obrigada.

— Não foi nada, amor.


Reviro meus olhos e abro o portão. Vovó já estava dormindo
quando chegamos, e apesar de meus pais estarem assistindo a um
programa qualquer na tv, eles querem saber como foi o nosso dia.

— Olivia não parou de reclamar de cansaço.

— Mas que mentira!

— Está tudo bem, amor — Dou batidinhas em seu ombro —


Não precisa fingir aqui, estamos entre família.

— Eu não estava cansada. — Olivia me fuzila com o olhar.

— Ela pode ser super linda assim, mas tem quase quarenta
anos. — Olho para os meus pais. — Não se deixem enganar.

Papai urra de tanto rir, minha mãe balança a cabeça com um


pequeno sorriso nos lábios.

— Agora você me irritou.

Subo as escadas correndo, nem me importo em deixar


minhas sacolas e bolsa jogadas no chão da sala. Consigo abrir a
porta do quarto antes de sentir as mãos de Olivia em minha cintura
me fazendo cócegas.

— Pare! — Gargalho.
— Eu sou velha, né. Vou te mostrar.

Grito um pouco mais quando minha acompanhante aperta


minha cintura, caímos na cama e choro de tanto rir. Sinto o corpo de
Olivia sobre mim e cada centímetro de minha pele fica em alerta.

— Tudo bem, eu desisto!

— Você é fraca, lhe falta ódio. — Olivia para de me fazer


cócegas.

— Oi?

— Sua prima quem falou isso para mim, também não entendi. —
Olivia retira uma mecha de cabelo do meu rosto. — Tem certeza de
que está bem?

— Eu tenho, de verdade. É uma merda, claro, mas eu estou


bem. O filho da puta vai ser preso e eu vou continuar linda e
maravilhosa, como sempre.

— Tudo bem. – Suas mãos acariciam meu rosto. – Sinto


muito por hoje.

— Eu estou bem.

— Quase fui atrás dele. — Seus olhos me avaliam. — Eu


só... Quero cuidar de você.

Olivia aproxima e beija minha testa. Uma promessa não dita


a nós duas. Não percebo que segurei minha respiração até vê-la se
afastar.

— Eu vou buscar as nossas coisas.

Ela fecha a porta atrás de si e me sento na cama. Fecho


meus olhos e tento manter minha respiração controlada, ouço um
zumbido no meu ouvido que me deixa totalmente inquieta.
Que porra tá acontecendo?

Levanto e vou direto para o banheiro, preciso de um banho.


Foi um dia longo e maravilhoso apesar do acontecimento no ônibus,
jogo água no meu rosto duas vezes antes de me olhar no espelho.

As maçãs do meu rosto estão levemente avermelhadas, ouço


a porta do quarto se abrir e fechar, Olivia está com alguém no
telefone, o som de sua risada reverbera por todo o meu corpo.

Ao ouvi-la dizer que está tudo bem com o serviço e que está
adorando Belo Horizonte, volto a realidade de que ela é apenas
alguém que contratei para fazer algo.

Olivia é apenas minha acompanhante. Preciso me lembrar


desse fato antes que seja tarde demais.
Capítulo 12

— Não faça muito barulho. — Olivia sussurra em meus ouvidos. —


Se não vai acordar os seus pais.

Sua boca invade a minha antes que eu dê uma resposta,


nossas línguas se tocam e dançam uma valsa que apenas nós duas
conhecemos a melodia. Nunca pensei que os lábios de alguém
poderiam ser tão macios.
Olivia vira meu corpo, fazendo com que eu fique de bruços. O
tapa que dá em minha bunda descarrega uma carga elétrica por
todo o meu corpo, sinto o meu centro molhar e gemo de prazer.
Seus lábios beijam toda a extensão de minhas costas, as leves
mordidas em minha bunda arrancam mais gemidos.

— Fique de joelhos. — Ordena.

Sinto seus seios em minhas costas, ao obedecê-la.

— Você me deixa doida, sabia? — Diz agarrando os meus


seios com força. — Se gemer muito alto eu paro, acha que
consegue se segurar?

Balanço a cabeça. Eu faria qualquer coisa que ela pedisse,


preciso que Olivia alivie a pequena dor no meio das minhas pernas.
Todo o meu corpo implora por atenção, meu clítoris inchado pulsa e
vibra cada vez que sua boca beija meus ombros.

É uma montanha russa, estou subindo e descendo. Quanto mais


Olivia me toca, mais meu corpo pede. Sinto vontade de gritar seu
nome, de implorar por mais.
Seus polegares passam levemente pelo bico dos meus seios
intumescidos, arquejo quando Olivia dá um tapa em meu sexo.
Porra, vou gozar se ela fizer isso de novo.

Como se me conhecesse perfeitamente, suas mãos


desenham cada centímetro do meu corpo.

— Por favor...

— Por favor o quê, Alice?


Pego sua mão e a guio até meu clitóris.

— Quero que me diga.

— Me fode!

Agarro a colcha da cama quando sinto seu toque, mordo


meus lábios com força para evitar emitir qualquer som, e fazê-la
parar de me dar prazer. Rebolo para imitar o movimento de seus
dedos, quanto mais chego perto do orgasmo, mais eu rebolo.

Apoio minhas mãos na cama, ficando de quatro. A ouço


gemer em resposta, choramingo baixinho quanto ela para de dar
atenção ao meu clitóris, mas sinto-a me penetrar e a sensação é
maravilhosa. Suas estocadas começam devagar, como se tivesse
me deixando conhecê-la, a cada espasmos de meu corpo o
movimento de seus dedos se tornam mais rápidos, não demora
muito para que eu atinja meu clímax e grite seu nome.

◆◆◆

— Alice, acorda!
Sento-me na cama rapidamente, Olivia está sentada ao meu
lado, sua mão está em meu ombro esquerdo e seu olhar demonstra
preocupação.

— Está tudo bem? — pergunta — Você estava se revirando e


gemendo. Teve um pesadelo?

— Não...

— Teve um sonho erótico? — Olivia me analisa.

Dou graças ao bom Deus por a luz do quarto estar apagada e


ela não poder ver o meu rosto. Passo a mão por minha testa e volto
a controlar minha respiração.

— Não. — Levanto-me. — Não me lembro o que sonhei.

— Ahaaaam...

— Chata! — Dirijo-me ao banheiro.

— Safadinha.
Capítulo 13

Na quarta a tarde meus pais inventaram de fazer caminhada na


Cidade Administrativa, a escola de dança está fechada essa
semana para reforma. Meu pai não aguenta ficar parado muito
tempo, então começa a inventar fazer coisas desnecessárias em
casa, uma saída viável foi essa.

Olivia e eu não falamos sobre o que ocorreu no ônibus ou


sobre o meu sonho erótico, que ela não sabe.

E NUNCA VAI SABER.

Visto um short próprio para corridas e uma regata soltinha,


Olivia aparentemente teve a mesma ideia que a minha, pois desce
as escadas com uma roupa parecida com a que estou usando.

— Que coincidência. — Sorri maliciosamente. — Anda


mexendo na minha mala a procura de algo?

— Idiota.

Mariana chega assim que estamos saindo.

— Aonde estão indo? ⸻ Pergunta.

— Caminhar na Cidade Administrativa.

— Eu vou junto.

Minha irmã nos segue com o seu carro até o nosso destino.
Para chegar a Cidade Administrativa pode passar por dentro, pelos
bairros e atalhos, ou então seguir pela MG-10 e pegar o desvio.
Papai opta por passar por dentro, indo pelo bairro Mantiqueira até o
fim e descendo por Vespasiano.

Cerca de 20 minutos depois, estamos todos descendo o


pequeno morro. A Cidade Administrativa é a sede oficial do governo
do Estado de Minas Gerais, a área é de 790 mil metros quadrados
composto por dois prédios, em formato de uma lâmina côncava, de
15 andares cada, o palácio do governo, o auditório e o centro de
convivência compõem também o local. Oscar Niemeyer fez um
grande projeto, é um dos mais lindos de BH.

Uma volta completa pelo local é mais ou menos 3 km.

Começo a me aquecer um pouco antes de iniciar uma


caminhada ao lado de vovó e Mariana, mamãe e papai estão logo a
frente conversando com Olivia.

Pela quinta vez, desde que descemos do carro e nos


encontramos, Mariana suspira.

— O que foi? — pergunto.

— O casal que seria madrinha e padrinho do meu casamento


tiveram que cancelar. Acredita que decidiram viajar para a Europa?!
Logo no dia do meu casamento.

— Acredito. — Reviro meus olhos.

— Por que não chama sua irmã? — Pergunta vovó.

— Você... gostaria?

— Claro, por quê não?

— Bem... devido ao que aconteceu com a gente, pensei que


não quisesse fazer parte de tudo isso.
Olho para minha irmã por um tempo antes de voltar minha
atenção para a frente. Ela tem razão, nossa briga nos afastou, ainda
não falamos a respeito, mas posso entender seu receio. Se fosse
em qualquer outro momento, teria rido da sua cara e dito não, mas
agora... Olho para Olivia...

Sinto que as coisas estão mudando, que eu estou mudando.


Isso me dá um medo do caralho.

— Eu posso ser. — Sorrio. — Me diga que a despedida de


solteiro será em um SPA.

— Com direito a massagem e tudo.

— Topo.

— Perfeito... Olivia será a madrinha. — Mariana dá gritinhos


de alegria. — Ela é sua namorada e como não tenho ninguém de
última hora para substituir o padrinho, será ela. Além do mais — ela
se aproxima — vocês tem muita química juntas. Vai ficar ótima nas
fotos... Só não retirem o meu brilho, será o meu momento.

Mariana grita o nome de Olivia e ela se aproxima, vovó


aproveita para se aproximar de meus pais e falar sobre o ocorrido.

Velha fofoqueira.

— Como minha madrinha de casamento, precisamos ir


arrumar um terninho para você.
— Desculpe? — Olivia olha para mim sem entender nada.

— Ora, não seja boba.

— Te explico depois. — Sorrio para ela.

— Os padrinhos, e agora madrinha — Continua minha irmã.


— Irão usar ternos pretos e as madrinhas vestidos bordô. Antes que
comece a reclamar, — aponta para mim — todas as madrinhas irão
alugar o vestido na mesma loja. Vamos passar lá. Primeiro quero
sair com minha cunhada e resolver esse problema.

Olivia e eu deixamos Mariana despejar todos os seus planos


para a cerimônia, que Deus tenha piedade de Arthur, essa mulher
fala demais.
Capítulo 14

O dia quatorze de Outubro chegou, e com ele a festa de pré-


casamento. Papai conseguiu alugar a Fazenda Mineira, o local é um
restaurante especializado em comida mineira e aos sábados
ocorrem shows e eventos de pagode e samba.

Papai conseguiu um churrasqueiro para ficar por conta da


carne e alguns garçons para oferecer a bebida e comida. Chegamos
mais cedo para arrumar o lugar, optamos por juntar todas as mesas
de forma horizontal e depois colocar as cadeiras, deixamos um bom
espaço para as pessoas transitarem e irem até a pista de dança,
que fica de frente para o palco.

Os amigos do meu pai irão tocar essa noite, nossa única


preocupação no momento é o cantor, Bruno, que ainda não chegou
devido a um problema familiar de última hora. Mas ele nos garantiu
que estará aqui até o horário marcado para o início da festa.

Mariana e Arthur recepcionam as famílias e tiram fotos.

Na noite passada, ambos foram jantar lá em casa e quando


minha irmã contou que Olivia será a madrinha do casamento, Arthur
franziu a testa.

— Mas... não tem madrinha junto com os padrinhos.

— Quê que tem, uai? — Minha irmã o repreendeu. — Não


seja tão antiquado, querido.

Boa parte do pessoal apareceu, o cantor ainda não havia


aparecido e o desconforto já estava ficando evidente. A mãe de
Arthur não parava de fazer cara feia para toda criança que corria por
perto, mamãe até tentou puxar assunto, mas logo desistiu.

Arthur estava reunido com os padrinhos e a madrinha em um


canto, todos rindo e bebendo, exceto Olivia, que estava com a testa
franzida e um olhar penetrante para Otavio, o primo do noivo.

Como um pouco do churrasco e da farofa, tentando não


demonstrar tédio. Tento mais duas vezes contatar Bruno e caí direto
na caixa postal.

— Alice. — Mariana se aproxima — Onde está o maldito


cantor? O pessoal está começando a ficar impaciente, as tias do
Arthur querem ir embora.

— Eu já liguei, mas só caí na caixa postal.

— Que merda! — Suspira. — Preciso de alguém para


entreter eles até que ele chegue.

A ideia se instala na minha mente assim que minha irmã se


afasta, vou até Olivia.

— Vou interromper o momento clube do bolinha de vocês e


roubar a fofa da minha namorada por alguns minutos.

— Claro, se quiser me roubar junto também — diz o primo de


Arthur.

O sorriso presunçoso nos lábios de Otavio fazem com que


uma cara de desgosto se forme em meu rosto instantaneamente.

— Respeito! — Diz Arthur dando um tapa em sua cabeça.


Olivia e eu nos afastamos.

— Me chamou de fofa?
Volto minha atenção, que estava direcionada a mamãe e
papai conversando, para minha acompanhante.

— Han?

— Você me chamou de fofa.

— Não chamei não. — Sinto minhas bochechas pegarem


fogo.

— Chamou sim. — Olivia ri.

— Está ouvindo demais. — Levanto as minhas mãos. —


Escute, preciso de um favor...

— Alice — diz Mariana se aproximando novamente de mim


— me diz que ele está chegando, caso contrário, vou até a casa
dele e arrastá-lo até aqui pelas bolas.

— Não. Mas... — Dou duas batidinhas nos ombros de Olivia.


— Minha incrível namorada irá cantar algo até ele chegar.

— Vou? — Olivia me questiona e lhe dou uma cotovelada. —


Ah, sim. Vou.

— Sabia que foi uma ótima decisão escolher vocês. — O rosto de


minha irmã se ilumina.

Ela caminha saltitante até a mesa.

— Por favor, quebra essa pra mim? — Volto minha atenção


para Olivia.

— Estou um pouco enferrujada...

— Prometo te compensar.

— Certo... uma música. — Seus olhos se iluminam.


— É tudo o que eu peço.

Minha acompanhante caminha até o palco e eu volto à mesa,


mamãe está radiante ao ver Olivia conversando com os musicistas.
Observo-a tocar alguns pequenos acordes antes de seguir ao
microfone com um violão na mão.

— Boa noite, senhoras, senhores, crianças, adolescentes, noivo,


noiva e Alice. — Olivia dá duas batidinhas no microfone.

Reviro meus olhos e escuto as pessoas ao redor rirem.

— Minha maravilhosa namorada, que me acha muito fofa,


pediu para que eu tocasse uma música como presente
aos noivos. Então, lá vai.

Olivia começa a dedilhar os acordes do violão e solta a voz:

— Moça, Moça...

De início é apenas o som da voz de Olivia, o violão e o


cavaquinho. Sua voz é baixa e deliciosa de ouvir, como se não
precisasse de muito esforço para cantar. Observo suas mãos
dedilharem o violão e me lembro do meu sonho.

Meu corpo todo se arrepia lembrando do toque e dos lábios


dela em meu corpo, enquanto sonhava. Merda, só posso estar
ficando doida. Essa mistura de sentimentos é diferente.

Em seguida, todos os músicos a acompanham.

— Vem mulher... brilha... rainha soberana, é estrela é luar.

Papai leva mamãe até a pista e juntos dançam ao som da


música, não demora muito para que alguns tios os sigam. A família
por parte de Arthur estão com cara de desgosto, mas tomam Long
Neck e balançam a cabeça em aprovação a música.
Mariana me puxa e vamos a pista de dança, juntas dançamos
ao redor de nossos pais, consigo sentir o olhar de minha
acompanhante sob mim, desenhando cada centímetro do meu
corpo.

— Chega pra cá, vamos dançar.. Sentir a música... E não


adianta nem negar, só sente a música...

Os músicos cantam junto com Olivia nessa parte e meu corpo


se arrepia.

Nossos olhos não se desgrudam enquanto ela canta, sinto


todo o meu corpo irradiar, pulsar e explodir de mil maneiras
inexplicáveis, é como se ela estivesse em um altar e eu apenas
pudesse a adorar de onde estou.

Admiro o sorriso fácil em seus lábios toda vez que fecha os


olhos ao cantar partes da música. Admiro suas feições de puro
êxtase. Admiro o ruivo de seu cabelo iluminar mais que o normal
devido à luz do palco. Admiro suas mãos habilidosas no violão e
desejo que elas estivessem em mim, percorrendo todo o meu corpo.
Desejo sua boca na minha.

Nesse momento sinto que sou brasa e Olivia as chamas.

— Me diz, aonde você tá?... onde é que você foi parar?... eu


me
perdi do teu olhar .... não há mais música...

O cavaquinho finaliza a música e todos paramos para


aplaudir. Minha acompanhante quase derrama a garrafa de cerveja
Itaipava do dono do violão ao descer do palco.
— Essa é a minha norinha querida!!! — Grita minha mãe.

Não quebramos o nosso contato até que ela está próxima de


mim, tão próxima que consigo sentir o cheiro de seu shampoo, é o
mesmo que ficou no travesseiro.
Bruno chega poucos minutos depois e se desculpa pelo
atraso.

— Quer dançar? — pergunta Olivia.

— Quero.

Um de seus braços passam ao redor de minha cintura, sua


mão livre se encaixa na minha. É tão perfeito que parece que foi
feito para estarem assim: juntas.

Coloco minha outra mão em seu ombro, tomando o cuidado


para não fazer mais movimento que o normal e quebrar o que quer
que esteja acontecendo com a gente. Começamos um ritmo lento
de samba, conhecendo o espaço e o corpo uma da outra, quando
iniciam outra música, Olivia demonstra saber muito mais que
samba, seu corpo guia o meu como se já tivesse feito isso diversas
vezes, com total maestria.

Quando Bruno decide tocar forró, sorrio com o que ele está
tentando fazer. Isso é um teste.
Olivia gruda o seu corpo no meu, e depois giramos. O ritmo
do forró se eleva, rápido e incandescente. Combinamos nossos
passos de forma única, ao mesmo tempo que nossas mãos estão
em partes do corpo uma da outra, não estão. Ao mesmo tempo que
estamos em um lugar, não estamos.

Juntas somos furacão.

Uma hora de dança depois, decidimos dar uma pausa para


comer e beber algo. Qualquer movimento é um motivo para nos
tocarmos, aquele momento é nosso.

— Vou sentir falta de tudo isso depois. — Olivia comenta. —


Sua família é maravilhosa.
Ela se levanta para pegar algo para tomarmos e o encanto se
quebra, não estamos fazendo nada diferente do que foi acordado,
pois Olivia foi contratada para fingir ser a minha namorada.

Observo-a rir e dizer algo para minha avó, sinto um frio na


barriga só de imaginar que em poucos dias não haverá mais isso,
vamos embora para São Paulo daqui a duas semanas e depois
vamos seguir nossos caminhos.
Capítulo 15

O celular de Olivia toca no meio da noite de uma quarta feira... ou


quinta?
Viro-me e bato a mão no rosto de minha acompanhante, ouço
seu grunhindo em resposta ao se levantar. Não demora muito para
que encontre seu telefone e atenda.

— Pai?

Ouvir isso faz com que abra meus olhos e me sente na cama,
coço meu olho esquerdo para interromper meu sono. Olivia está
andando de um lado para o outro, a única coisa que a ouço dizer é:
sim, não, ok, aham.

Ao desligar o celular ela fica em silêncio por um longo tempo.

— Olivia... — Levanto-me e vou em sua direção. — O que


aconteceu?

— Minha mãe teve uma complicação agora a noite... se


importa que eu volte para resolver isso? Um ou dois dias, no
máximo.

— Claro que não — acaricio seus braços — quer que eu vá


com você?

— Não é o melhor momento, minha família... é complicada.


Prefiro que não se envolva.

Uma parte de mim se quebra ao ouvir isso. Claro que não


temos nada e não devemos nada uma para a outra, mas a pontinha
de esperança de que pudéssemos fazer algo a mais se desfaz.

— Tudo bem.

Olivia deixa as roupas que irá usar até semana que vem e
decide levar o restante.

— Vou aproveitar e passar em casa para trazer algumas


coisas.

Tomo um banho rápido, para dispersar mais o sono, já que


vou levá-la de carro até o aeroporto. Enquanto Olivia está se
arrumando, decido ir para a cozinha e preparar um café, mas antes
vou até o quarto dos meus pais.

Conto rapidamente o que aconteceu e peço ao meu pai as


chaves do seu carro, a preocupação em sua voz tira um pequeno
sorriso de meus lábios. O tranquilizo e o deixo voltar a dormir.

Assim que despejo café em duas xícaras, minha


acompanhante aparece na porta da cozinha.

— Estou pronta. — Avisa. — Tem um avião que sairá daqui a


uma hora e meia.

— Temos tempo.

Tomamos nosso café rapidamente e seguimos até o


aeroporto. Durante todo o trajeto ouço Olivia fazer ligações e
mandar mensagens, ela discute com um dos irmãos, pede ao pai
para ligar sempre que ele souber de algo a respeito da mãe e
notifica ao hospital sua chegada em breve.

Chegamos em 35 minutos, vamos até a fila para fazer a


compra da passagem e logo em seguida, vamos fazer o Check-in.
Nos dirigimos para o local onde será feito o embarque, uma
pequena fila começa a se formar, em breve será liberado a entrada
e identificação.

— Tem certeza de que não quer que eu vá?

— Sim, eu tenho. — Olivia acaricia meu rosto.

Fecho meus olhos ao sentir seu toque, sua mão é tão macia
e quente.

— Quando eu voltar, vamos conversar... Tenho tanta coisa


para dizer.

— E... eu acho que também tenho.

Pela primeira vez nos abraçamos, é tão surreal ver o quanto


nos encaixamos perfeitamente. Por Olivia ser um pouco mais alta,
minha cabeça pousa em seu peito, fecho meus olhos querendo
aproveitar cada segundo desse momento.

Olivia deposita um beijo casto no alto de minha cabeça e


inspira, levanto meu rosto, pedindo silenciosamente para que me
beije.

Nesse momento me sinto em queda livre, sinto-me totalmente


nua e exposta. Caí em mim que o meu desejo não é apenas o beijo,
mas Olivia em si, em toda a sua essência. O que era para ser um
trabalho se tornou algo mais, em algum momento se tornou muito
mais do que apenas um contrato.

A chamada para o voo é feita, fazendo com que Olivia se


afaste, levando com ela todo seu conforto.

— Te vejo daqui a dois dias, tudo bem?

Confirmo com a cabeça e a vejo ir embora. Uma pequena


parte de mim vai junto.
Depois que ela se vai, volto para o carro. Não dou a partida
por um longo tempo, apenas absorvo o que aconteceu a poucos
minutos e fecho meus olhos.

Estou apaixonada por Olivia.

E isso me assusta pra caralho. Não por gostar de uma


mulher, estou bem tranquila quanto a isso, mas o fato de que talvez
ela não sinta o mesmo. De que ela diga que é apenas trabalho e
não gosta de misturar as coisas.

Estou tão fodida.

Retiro meu celular do meu bolso e mando uma mensagem


para uma de minhas amigas, o que é bem estúpido, já que
provavelmente as duas estão mortas na cama a essa hora. A única
pessoa que sei que provavelmente está acordada atende no
primeiro toque.

— Alice, aconteceu algo? — pergunta Erick.

— Sim. Não. — Seguro o ar e depois solto. — Não sei. Estou


te incomodando?

— Você nunca incomoda, gata. Acabei de chegar no apartamento.

— Em dia de semana?

— Estou em Portugal, o que significa que já fiz minha corrida


matinal.

— Vida de burguês safado dá nisso.

— Com certeza, além de burguês preciso manter a bunda e a


safadeza em dia, não acha?

— Você é muito convencido. — Reviro meus olhos.


— Faz tudo parte do charme... e falando em charme, como
está a gostosa da sua acompanhante?

— Ela está... bem. Eu acho. — Sinto um frio na barriga.

— O que está acontecendo?

— Eu acho que... eu... eu acho que estou começando a


gostar dela.

— Ok... — Erick me responde após um tempo. — E você


disse isso a ela?

— Ainda não — massageio minhas têmporas.

— O que te assusta?

— Bom, eu a contratei. Não tem nada mais assustador que


isso? E se ela não sentir o mesmo? E se ela apenas falar que está
fazendo o trabalho dela e não puder corresponder?

— Olha... merda. — Algo caí no chão e quebra. — Enfim, eu


não sou o tipo de pessoa certa para lhe dar esse tipo de conselho
amoroso. Porém... sou seu amigo e como um amigo devo dizer que
você, Alice, é uma mulher maravilhosa e qualquer pessoa inteligente
vai saber ver isso.

O meu desespero de minutos atrás se acalmam.

— Certeza? — pergunto.

— Certeza.
Capítulo 16

Olivia

Chego em São Paulo ás cinco da manhã, não penso em passar em


casa, vou direto para o hospital. Saio do táxi junto com minha mala,
quando ele para em frente ao hospital, e entro. A moça da recepção
me entrega uma máscara, tira minha temperatura e pede meus
dados.

A pandemia do coronavírus foi controlada, mesmo hoje tendo


vacina e toda população estando protegida, os hospitais ainda
mantém o protocolo da pandemia para proteger os visitantes e
pacientes.

Vou até o local indicado por uma enfermeira e abro a porta.


Decidi pagar por um quarto reservado, não é um dos melhores, pois
não tenho tanto dinheiro, mas é o bastante para que minha mãe
consiga ficar sozinha e não se estresse.

Seus cabelos ruivos estão quebradiços e pálidos, há algumas


partes carecas, como se seu organismo não conseguisse mais
reproduzir e segurar seus fios. É tão difícil vê-la assim, doente e
sem vida. Quando criança lembro-me do som de sua risada pela
casa e dos cochichos comigo na igreja.

Meu pai está dormindo em uma poltrona ao lado.

Olho todas aquelas máquinas, toda essa situação e não


consigo impedir as lágrimas que brotam em meus olhos.
As pálpebras de minha mãe se abrem levemente e fecham,
sua respiração está pesada, mesmo com o aparelho a ajudando.
Aproximo-me sem fazer barulho, não quero que meu pai acorde e
comecemos a discutir.

— Oi — ajoelho-me ao seu lado — vim o mais rápido que


pude.

— Olivia?

Quase não consigo ouvir o que disse, de tão baixo que foi o
tom de sua voz.

— Estou aqui. — Seguro sua mão.

— Ah, Olivia. Não aguento mais... dói tudo.

Controlo as lágrimas em meu rosto, apesar de ter passado os


últimos dias me preparando para esse momento, ele não é fácil.
Desde que meu pai me ligou e avisou que minha mãe piorou, venho
esperando a maldita ligação de que ela não aguentou e se foi.

— Vai ficar tudo bem, — limpo minhas lágrimas — prometo


que não vai doer mais. A senhora pode ir. Vamos ficar bem.

— Me desculpe por tudo, Olivia... me desculpe...

Olho para o aparelho ao lado, esperando o bip de suas


batidas cardíacas finalizarem, mas depois de um tempo, apenas
constato que ela dormiu.

— Então você chegou.

Levanto-me para olhar o meu pai, suas feições rígidas


mostram desgosto ao me ver, mas há também cansaço.

— Vim o mais rápido que pude.


— O médico disse que as próximas 24 horas serão críticas.
— Meu pai balança a cabeça.

— Não há mais nada a fazer?

— Não. — Respira fundo. — Chega. Ela está sofrendo


demais, não quero que sofra.

Balanço a cabeça.

— Vá embora. Não quero mais olhar para a sua cara. Apenas


esteja preparada.

Pego minha mala no chão e saio do quarto.

Chego em casa e decido dormir um pouco, mal tive tempo


para colocar a cabeça no lugar. Tomo um banho rápido, dou uma
olhada no meu celular para ver se tem algo e quando vejo que não,
durmo.
Capítulo 17

Alice

Por volta de cinco da manhã, recebo uma mensagem de Olivia


dizendo que chegou bem e estava a caminho do hospital, peço a ela
que me ligue mais tarde e quando recebo um coração como
resposta, sinto a tensão em meu corpo aliviar, o que me permite
dormir.

Quando acordo já passa do meio-dia. Tomo um banho longo,


hidrato meu cabelo e me depilo. Ao sair do banheiro checo meu
celular, nenhuma mensagem de Olivia.

Suspiro e jogo o celular na cama.

Não faz nem 24 horas que ela se foi e já sinto sua falta, não é
a mesma coisa sem ela. Abraço seu travesseiro, inspirando o seu
doce cheiro e sinto meu corpo estremecer. Ouço alguém bater na
porta e deixo que entre.

— Vim ver como você está. — Diz mamãe abrindo a porta. —


Soube que saiu de madrugada. Então não quis te acordar.

— Eu estou bem, mãe. — Dou de ombros. — Apenas


preocupada.

— O que aconteceu?

Atualizo minha mãe sobre os acontecimentos da madrugada,


mamãe escuta tudo com muita atenção.
— Ela vai precisar de nós quando voltar, então vamos
esperar e ajudá-la, ok?

— Ok.

— Ah, querida, venha cá.

Noto que estou chorando apenas quando meus olhos ficam


turvos e lágrimas rolam pelo meu rosto. Deito minha cabeça em seu
colo e tento me acalmar, é um misto de emoções contraditórias que
sinto.

Não sei se fico furiosa com a família de Olivia ou com o fato


de que ela está tendo que enfrentar isso tudo sozinha. Minha
vontade é de pegar o primeiro voo e ir até ela, mas não seria certo,
é um passo em falso e eu não estou preparada para perder o que
temos.

Não quando ainda não conversamos sobre o que somos.


Capítulo 18

Olivia

Acordo com o barulho do meu celular tocando, me sento


rapidamente na cama e seguro minha respiração ao ver o nome de
meu pai aparecer na tela.

Lágrimas involuntárias rolam por meu rosto, seguro todo o


meu autocontrole e atendo:

— Oi.

— Faça os preparativos, ela se foi. — Desliga logo em


seguida.

Fecho meus olhos por um longo tempo, dou-me um momento


para conversar com Deus e pedir que conforte minha mãe, onde
quer que ela esteja. Peço que a aceite de bom coração e a guie
para uma vida plena lá em cima.

Troco de roupa e começo a fazer os preparativos para o


velório. Ando de um lado para o outro enquanto converso com a
atendente do plano e descubro quais são as coberturas. Tentei
escolher tudo que é do agrado de minha mãe, pois é isso que ela
merece.

Deixo meu pai escolher o cemitério e o restante das coisas, o


pastor da igreja deles fará as devidas tratativas com o restante.
Com toda a correria do dia, não tive tempo para pensar em
Alice, apenas quando estou sentada em um banco na recepção,
esperando meu pai. Olho nossa conversa no celular e me pergunto
se devo dizer algo, não quero ser um incômodo, ainda mais a essa
hora da noite. Mas preciso dela.

Mando um “oi” e a atualizo sobre o dia, não quero ser tão


fria quanto a isso, mas também não quero ser desesperada.
Balanço minha perna quando ela visualiza a mensagem e aparece
que está escrevendo.

Por um tempo a mensagem fica assim... escrevendo e depois


online... escrevendo e depois online...

“Sinto muito por sua perda. Queria estar aí para te dar


conforto.”

Olho para o corredor e meu pai ainda não aparece.

Digito:

“Estaremos juntas depois de amanhã.”

Aperto o botão de enviar. E aguardo sua resposta.


Novamente fico um tempo vendo: escrevendo... online. Até que por
fim, ela responde e isso preenche todo o vazio que sentia há alguns
minutos atrás.

“Sinto sua falta.”

Meu pai me chama e me levanto. Digito rapidamente e aperto


a tecla enviar:
“Também sinto a sua falta.”
Capitulo 19

Alice

Durante a tarde mamãe e eu ficamos sentadas na sala assistindo


filme, não sei dizer qual é pois apenas ela está assistindo. Não
desgrudo minha atenção do celular nem por um minuto, não quero
perder nenhuma mensagem de Olivia.

Mariana aparece no meio da tarde procurando por Olivia e


quando não a vê, franze a testa.

— Onde diabos se meteu a minha madrinha?

— Teve uns problemas para resolver, depois de amanhã ela estará


aqui.

— Foi algo tão grave assim?

Afirmo com a cabeça e minha irmã se senta ao meu lado e me


abraça.

— Se precisarem de algo, é só me avisar. Ok?

— Pode deixar.

— Ótimo. — Se levanta. — Agora vá se arrumar porque


vamos sair.

— Não estou muito a fim, Mariana.


— Mas tem que estar, você vai experimentar seu vestido de
madrinha.
— Não pode ser depois?

— Claro que não, depois vou sair com a sua namorada para
encontrarmos o terninho.

— Tudo bem, Mariana. Eu vou com você. Mas quero que dê


um tempo para ela quando chegar. Pode fazer isso por mim?

— De quanto tempo estamos falando?

— O quanto ela precisar. Só... não a pressione.

— Tudo bem.

Subo até o quarto e me arrumo, como vou experimentar


roupas, decido usar algo fácil para ser retirado. Escolho meu vestido
com estampa floral e uma sapatilha. Passo uma maquiagem fraca,
apenas o necessário para não mostrar as olheiras e pego minha
bolsa.

Encontro minha irmã na cozinha tomando café com minha


mãe e juntas saímos. A loja de aluguel de vestidos fica próxima ao
centro da cidade, então aproveito para observar a paisagem em
volta e colocar minha cabeça no lugar.

Olivia não mandou nenhuma mensagem até agora, não sei


se pergunto se está tudo bem, apenas para checar, ou aguardo. É
frustrante não saber o que fazer, quais passos seguir.

— Alice, está me ouvindo?

— Oi? — Olho para minha irmã.

— Semana que vem farei uma pequena despedida de


solteira. As madrinhas e eu vamos ao SPA durante o dia e a noite
iremos comemorar em uma boate, vamos beber muito e aproveitar.

— Tudo bem.
— Devo convidar Olivia também ou você acha que ela vai se
dar bem com Arthur e os padrinhos? Soube que o primo babaca do
meu noivo falou umas besteiras na pré-festa de casamento, não
quero que ela se sinta desconfortável.

— O que acha de perguntar a ela?

— Hum... sim... farei isso.

Encerramos nossa conversa assim que chegamos na loja, a


vendedora com nariz pontudo e perfume caro se aproxima e nos
leva ao provador.

Fico duas horas em pé ouvindo as duas discutindo todo o


preparativo para o casamento enquanto uma senhora idosa me
alfineta diversas vezes.

— Ai!

— Desculpe, moça, — diz pela décima vez — preciso trocar


meus óculos.

Quando Mariana se dá por satisfeita com o vestido, que a


propósito é lindo, vamos embora. Protesto diversas vezes contra
parar em algum lugar para comer, quero apenas chegar em casa e
esperar uma mensagem ou ligação de Olivia. Mas minha irmã é
insistente e acabo me dando por vencida.

Paramos no Mc Donald’s próximo ao Shopping Estação e


fazemos nosso pedido no balcão. O local está pouco movimentado
a essa hora do dia, o que é compreensível, a maioria das pessoas
apenas sairão do trabalho daqui a duas horas.

Sentamos em uma mesa próximo a saída depois de


pegarmos nosso pedido. Mariana franze a testa ao me ver checar o
telefone pela quinta vez em menos de 3 minutos.
— Relaxa, ela está bem.

— Eu sei, só queria estar com ela.

— Eu sei que sim... — Mariana diz colocando a mão em cima


da minha. — Ela vai precisar de você quando voltar, foca nisso.

Mordo um pedaço do meu hambúrguer.

— Como estão os preparativos?

— Argh, cansativos, — suspira — Arthur não me ajuda.


Quando peço a opinião dele para algo, ele apenas levanta os
ombros e me diz para escolher qualquer um. Desde quando cor
creme fica bonito com azul?

— Ele nunca foi de ligar muito para isso. — Balanço meus


ombros.

— Sim...

Comemos em silêncio por um tempo até Mariana dizer:

— Desde que voltou não tive a oportunidade de estar a sós


com você.

— Se queria conversar comigo, era só ter me chamado. —


Franzo a testa.

— Não é isso... é que... — Mariana se mexe na cadeira —


bom, estou me casando com o seu ex e...

— Passado é passado, Mariana. — Levanto minhas mãos.


— Eu fiquei puta no início, mas agora estou bem.

Sinto que minha irmã tem algo a mais a dizer, fico esperando
e quando ela não o faz, termino de comer.
Chegamos em casa por volta das oito da noite, aconteceu um
acidente na Cristiano Machado e ficamos horas aguardando para
sair do estacionamento.

Dou um beijo em meu pai e minha mãe e vou ajudar vovó na


horta.

— Olivia já chegou?

— Ainda não. — Rego as plantas.

Depois de colhermos alguns tomates para o almoço de


amanhã, finalizamos e entramos para dentro de casa. Subo até meu
quarto e vou direto para o banheiro, preciso de um banho quente e
longo.

Procuro no Youtube alguma música para escutar e tento


procurar aquela que Olivia cantou no sábado. Não demora muito e a
encontro, o nome da cantora é Mariana Froes e a música se chama
Moça. Deixo meu celular tocando em cima da pia e gemo baixinho
com a água quente cobrindo meu corpo.

Flashes de nós duas invadem minha cabeça. O rosto de


Olivia está nítido em minha mente, o sorriso fácil nos lábios e o som
da sua voz enquanto cantava na festa, abre um buraco enorme
dentro de meu peito.

Quase consigo sentir suas mãos em minha cintura, seus


lábios em meu pescoço e sua voz sussurrando baixinho que me
quer. Desço minha mão lentamente por minha barriga e chego até o
meu sexo, meu ponto de prazer pulsa quando o toco.

Faço pequenos movimentos circulares enquanto imagino ser


a mão macia de Olivia, seu corpo colado ao meu enquanto sua
boca devora a minha. Chego a soltar um gemido apenas por
querer isso.
Seus lábios no meu.

Com minha mão livre agarro meus seios e acelero o


movimento de meus dedos, cada segundo me deixando próxima de
um orgasmo.

Ouço uma batida na porta do banheiro e me assusto.

— Querida, posso entrar?

— Pode! — Respondo com minha respiração pesada e me


viro de costas.

— Queria dar boa noite, seu pai e eu vamos dormir.

— Boa noite, mãe.

Não demoro no banho depois que ela se vai, me enrolo na


toalha e saio do banheiro,

Meu deus, o que eu fiz?

Olivia nesse momento está passando por algo complicado e


eu estou tendo pensamentos eróticos e me masturbando. Eu sou
uma pessoa horrível.

Visto um pijama, pego meu celular no banheiro e vou para a


cama. Ainda não recebi nenhuma mensagem de minha
acompanhante, tento ocupar minha cabeça vendo algum filme ou
série. As horas vão passando e ainda não recebi uma ligação.
Busco todo o meu autocontrole para não ligar para ela, mas quando
estou quase cedendo recebo uma mensagem.

A mãe de Olivia faleceu, começo a escrever algo, mas


desisto e apago. Tudo que penso em escrever não parece certo,
não sei se mando algo grande ou pequenas palavras, acabo
optando por algo simples, mas de todo o meu coração.
Sorrio com sua resposta. Começo a digitar e desisto, poderia
dizer que vovó está com saudade, que Mariana perguntou sobre ela
e que mamãe não para de elogiar a grande norinha que tem. Mas
tudo seria errado, pelo menos agora.

Olivia não precisa de assuntos banais. Eu sinto a sua falta e


é isso que digito. Meu coração bate mais rápido que o normal
quando vejo “escrevendo” abaixo do seu nome, quando recebo sua
resposta um grande alívio toma conta de meu corpo e finalmente
consigo dormir.
Capítulo 20

Olivia

O velório começou ás 16h, boa parte das pessoas que compõem a


igreja que mamãe frequentava está presente. Meus familiares estão
todos separados, alguns em volta do caixão, outros próximos ao
pastor.

Tive meu tempo a sós com minha mãe antes de todos


chegarem, chorei por meia hora até meu irmão chegar e
começarmos a discutir.

— Isso tudo é culpa sua.

— Não, não é. — Digo. — Ela morreu de câncer.

— Desgosto por ter uma filha incorrigível e demoníaca como


você.

— Isso não me atinge mais, Roberto. — Reviro os olhos


impaciente.
Eu não tenho raiva dos meus pais ou de meu irmão por tudo que
fizeram. Roberto acabou absorvendo o preconceito por conta dos
meus pais, então, tudo o que ele é hoje é devido ao que viu na
infância. Meu irmão aprendeu a apedrejar pessoas como eu e odiar
tudo que não acha normal. Ele é o mais novo de nós três.

No início foi difícil, mas entendi. Entendi que meus pais


vieram de costumes diferentes e naquela época apenas fizeram o
que aprenderam a vida toda. Claro que foi horrível e agradeço
minha avó por ter me acolhido, aprendi com ela a ser forte e me
orgulhar de quem sou. Nunca mais abaixei a cabeça para ninguém,
muito menos para minha família.

Mas com o tempo aprendi que ter minha paz é melhor que
qualquer rancor que eu poderia guardar de alguém.

— Você não deveria estar aqui. Manchando um lugar sagrado


com os seus pecados.

— Não ouse falar isso, — sussurro — eu paguei toda essa


merda. Eu paguei o hospital, paguei o plano e paguei a porra da
roupa que ela está vestindo. Quando ela precisou, eu estive lá. Não
você.

— Não fez mais que sua obrigação.

— Eu não tenho obrigação nenhuma, Roberto. Um cara


bêbado e infeliz como você não tem que falar o que é certo ou
errado para mim.

Depois disso, não nos olhamos nenhuma vez desde que as


pessoas chegaram. Observo o pastor se aproximar e me preparo,
só quero que o dia termine logo.

— Boa tarde, Olivia, — diz sorrindo — posso?

Ele indica a cadeira ao meu lado, dou de ombros e espero


que se
sente.

— Eu sinto muito que tenha perdido sua mãe, espero que


Deus lhe dê conforto.

— Hum... Obrigada. — Surpreendo-me com suas palavras.


— Faz muito tempo que não a vejo, está uma mulher linda.
Sua mãe com certeza tem orgulho disso.

— Eu... acho que sim.

Ele retira um envelope de dentro do bolso do paletó e o


estende para mim.

— Sua mãe me pediu para lhe entregar isso quando


chegasse a hora. Tem alguns meses que ela escreveu, por isso,
posso lhe garantir que não é algo feito por outra pessoa.

— Por que ela faria isso? — Pego a carta de sua mão.

— Apenas Deus sabe os motivos, minha jovem. Deixe-me ser


sincero e abrir meu coração. Nunca, em hipótese alguma, estive do
lado dos seus pais na decisão que tomaram alguns anos atrás, eu
sou apenas um humilde servo de Nosso Senhor e amo cada um de
seus filhos em igual, — sua mão segura a minha — orei por você
todos os dias e vou continuar orando até o meu último suspiro. Não
perca sua fé para com as pessoas, algumas encontram o caminho
do Pai, mas ainda não abriram mão de dogmas enraizados de ódio.
Tento a todo momento ensinar que todo mundo é digno de ser
amado, apenas uma pessoa pode julgar o certo e o errado, e Ele
está nos esperando lá em cima.

— Obrigada, pastor.

— Vamos orar, minha querida. Quero pedir a Deus que guie


sua mãe até os portões do paraíso e que Ele dê proteção a
você em sua caminhada de vida.

Fecho meus olhos e seguro a outra mão do pastor, juntos


oramos para que o Pai conforte o coração de meus familiares,
pedimos que minha mãe esteja na segurança de seu Reino e que
me proteja de toda a maldade e crueldade do mundo. Pois ele tem
muitas. Peço que me dê forças. Peço que me dê sabedoria e, acima
de tudo, peço que me dê amor.

Ao finalizarmos, o pastor beija a minha testa e vai até meu


pai. Viro a carta de um lado para outro, mas a única coisa escrita é o
meu nome na parte de trás com a caligrafia de minha mãe.

Quando a hora chegou, todos seguimos o carro da funerária


até o local onde minha mãe será enterrada. Minha tia, irmã mais
nova de minha mãe, se aproxima e enlaça seu braço ao meu. Sigo
ouvindo-a sussurrar sobre sua infância com a irmã mais velha e
como minha avó vivia tendo dor de cabeça com as duas por causa
de namoricos.

Quando o caixão é enfim baixado e o último grão de terra


some, uma onda de paz e tranquilidade me invade. Minha mãe está
bem.

E eu vou ficar também.


Capítulo 21

Alice

Oliviame ligou após o enterro, sua voz estava em um misto de


cansaço e alívio. Isso faz com que me sentisse menos preocupada.
Ela decidiu não esperar até o voo marcado, por isso, trocou sua
passagem para hoje ás duas da manhã.

Faltam algumas horas para que eu tenha que ir até o


aeroporto buscá-la, então decido ocupar minha cabeça. Arrumo
nosso quarto, mamãe trocou a colcha por outra, cheia de unicórnios,
sua desculpa foi de que não tinha muitas opções LGBT’s.

Desço as escadas e sigo para a cozinha.

— Ah, filha, — diz papai — estava te procurando.

— O que houve?

— Preciso que seja minha parceira hoje, sua mãe acabou de


sair com sua avó para ajudar Mariana com os arranjos de flores.

— Tudo bem.

Isso é tudo que eu preciso, uma distração para que eu não


enlouqueça enquanto espero por Olivia.

O nome Oliveira Dança foi algo inventado por meu pai


quando abriu seu negócio, a escola fica na Avenida Vilarinho,
próximo ao Banco do Brasil. Poderíamos ter ido a pé, mas, como
vou precisar do carro mais tarde, não quero perder tempo
demorando quase meia hora para voltar andando, então decidimos
ir de carro.

A escola geralmente fica aberta até meia-noite, as aulas


terminam ás 22 horas, mas tem todo aquele processo de limpar e
esterilizar, papai sempre prefere fazer isso ao final de tudo, assim
não precisa vir muito cedo para ter que fazer todo o processo.

Hoje começa um grupo novo, então papai faz as devidas


apresentações e começamos com o básico, movimento dos pés,
dos braços, o que fazer caso erre, etc.

Lembro-me de quando comecei a aprender, estava furiosa


por não conseguir fazer o que as moças faziam, toda aquela
coreografia, rebolado e manejo com o corpo. Mas quando aprendi,
todo dia era motivo para dançar. Ás vezes saía da faculdade e ia
direto para a escola.

Ajudo as moças que estão com problemas em acertar o


passo e faço pequenas demonstrações com os parceiros, os ensino
a como tomar a frente e guiar a parceira, isso é muito importante.

Quando papai finaliza a aula todo o meu corpo está vibrando


de prazer e alegria, senti tanta falta disso.

Meu pai e eu começamos a lavar o local e uma hora depois,


a escola está brilhando de tão limpa. Sento em uma cadeira próxima
e abano meu rosto.

— Jesus, que calor!

— Você foi muito bem hoje, uma verdadeira professora. —


Papai sorri.

— Obrigada, pai.
— Olivia também é ótima.

— Sim, ela é. — Mordo meus lábios.

— Bom, finalizamos por hoje. Vai ir direto para o aeroporto?

— Antes vou passar em casa para tomar banho e trocar de


roupa.

— Vamos, então.
Capítulo 22

Olivia

Sento em minha poltrona próxima a janela e aguardo, o voo sairá


daqui alguns minutos, e estou muito ansiosa. Ansiosa para ver Alice.
Ansiosa para o que me aguarda quando voltar.

Decidi não esperar demais para voltar a BH, um dos motivos


é por Alice, o outro é por não aguentar mais um segundo perto do
meu pai, tivemos o máximo de contato que poderia ser suportado.

Isso faz com que eu me lembre da carta que o pastor me


deu, decidi adiar ao máximo a leitura da carta. Tenho medo das
suas últimas palavras, não estou preparada para ler algo ruim, ainda
mais quando tivemos um momento bom.

Retiro o envelope de dentro do bolso da minha jaqueta e o


abro.
◆◆◆

Olivia,

Faz alguns anos que venho tentando encontrar


palavras para o que ando sentindo, gostaria de ter mais
tempo para passar com você. Saber sobre sua vida e o que
está fazendo. O tratamento está indo bem, tenho
esperanças de que vou melhorar logo, mas Deus sabe de
todas as coisas e caso eu tenha que partir, estou bem
preparada.
Meu único arrependimento é não ter aproveitado
quando tive a chance, hoje sei o quão cruel fui com você,
minha filha. Peço que me perdoe. Venho tentando dizer
isso a um tempo, mas sempre tive medo.

Medo de que sentisse tanto ressentimento de mim que


não sobraria espaço para o seu perdão.

Não vou pedir que perdoe o seu pai ou o seu irmão,


eles devem fazer isso de maneira apropriada e no tempo
deles. Mas peço que me perdoe.

Obrigada por tudo que está fazendo por mim. Eu a vi


hoje, o vazio em seus olhos é tão gritante que se pudesse,
daria a minha vida por sua felicidade. Pois é isso que
desejo.

Independentemente de quem escolha amar, Olivia, eu


a quero feliz. Gostaria de ter estado presente quando
conheceu o seu primeiro amor, para poder lhe aconselhar
quando o seu coração se quebrasse pela primeira vez.
Deus, como gostaria de ter lhe passado um pouco de
conforto e carinho.

Tenho vergonha do que eu fiz.Você é a única coisa


nesse mundo ao qual eu me orgulho. Uma mulher forte e
linda. Se for para morrer, morrerei sabendo que algumas de
suas feições são iguais as minhas. Não se esqueça de
hidratar seu cabelo, você sabe como ele era quebradiço.

Se em algum momento eu morrer, quero que guarde o


que vou escrever.

Eu te amo, Olivia, e tenho orgulho de ser sua mãe.


Ame, seja feliz, agarre as oportunidades que vier em
sua vida e recomece. Nunca se esqueça de recomeçar,
mesmo quando tudo estiver nublado. Deus lhe mostrará o
caminho. Pois ele é amor, e eu só tenho amor por você.

Com carinho,

Mamãe.

Leio a carta uma, duas, três vezes. Não me importo de chorar


ou de que alguém esteja vendo. Coloco a carta contra o meu peito e
fecho meus olhos.

Eu a perdoo, mãe.
Capítulo 23

Ando de um lado para o outro, o avião de Olivia já chegou, mas


ainda não a vi. Checo novamente meu celular e franzo a testa por
não ter nenhuma mensagem.

As portas se abrem novamente e um homem saí, logo atrás


está Olivia.

Meu coração para por alguns segundos, tinha me esquecido


o quanto ela é linda. Um meio sorriso brota em seus lábios assim
que me vê, não me contenho mais e corro em sua direção. Quando
nossos corpos se juntam, parece que tudo está em seu devido lugar.

Parece que o mundo está girando novamente.

— Isso tudo é saudade?

— Sim.

Olivia ri baixinho.

Caminhamos até o carro e vamos embora. Durante todo o


trajeto não dissemos uma palavra, a única coisa que importava
eram nossas mãos juntas.

Quero tanto perguntar como está, como foram as coisas, se


alguém a maltratou, se ela comeu e se hidratou. Mas tudo isso pode
esperar.

Olivia está aqui e isso é tudo o que me importa.


Quando chegamos em casa, tomamos todo o cuidado para
não fazer barulho. Assim que a porta do quarto se fecha, me viro
para minha acompanhante.

— Foi tudo bem por aqui?

— Sim.

— Algum problema?

— Não.

— A vovó comeu?

— Sim.

— Seus pais estão bem?

— Sim.

— Vai me responder de forma monossilábica agora?

— Sim.

— Quer me beijar?

— Sim.

Olivia diminui o espaço entre nós. Sua boca inocentemente


busca a minha, seus lábios são tão macios que parecem veludo,
abro minha boca deixando que explore e quando nossas línguas se
tocam solto um gemido baixo.

Mordo levemente seu lábio inferior antes de voltar a beijá-la.


Suas mãos delicadamente sobem por meus braços até chegar em
minha nuca, meus pelos se eriçam com o gesto. Nossas línguas
estão ávidas uma pela outra.
Ansiei tanto por esse momento que quero mais. Muito mais.

A empurro contra a cama e quando ela se senta, subo em


seu colo. Nossas mãos inquietas exploram o corpo uma da outra,
sua pele é tão quente.

A ajudo a retirar a jaqueta e logo em seguida colo nossos


lábios novamente, seu beijo é viciante. Seus lábios traçam caminhos
por meu pescoço. Meu centro está dolorido, precisando de atenção
e carinho.

Olivia entende a deixa quando me remexo em seu colo e


desabotoa os botões de meu short, quando seu dedo finalmente dá
atenção para o meu clitóris inchado, gemo de prazer.

— Não consigo me controlar, Alice. — Sussurra.

Antes que eu consiga dizer algo, estou deitada na cama e


Olivia está abrindo minhas pernas. Rapidamente retira minha roupa
e observa meu corpo.

— Você é tão linda — diz percorrendo toda a extensão de


minha barriga com as pontas dos seus dedos — naquela noite você
sonhou com isso, não foi?

— Sim.

Suas pupilas dilatam e ela deposita um beijo em cada um dos


meus
seios.

— Darei atenção a eles depois, primeiro preciso sentir o seu


sabor.

Sua língua percorre toda a extensão do meu sexo antes de


brincar com meu ponto de prazer, reviro meus olhos com a descarga
de energia que incendeia meu corpo. Contorço-me, solto gemidos,
rebolo. Faço tudo para que aquela boca continue em mim.

Suas mãos percorrem minhas pernas, minha cintura e


finalmente o meus seios. Os bicos intumescidos agradecem a
atenção ao serem beliscados.

Não demora para que o orgasmo venha, parece que fui ao


céu e
voltei.

A penetração vem logo em seguida, arrancando um gemido


de meus lábios. Suas estocadas inicialmente são lentas, mas logo
aumentam o ritmo.

Nossos olhos se encontram por um momento antes que eu


tome a frente e a deite na cama.

— Ainda não terminei. — diz Olivia.

— Não quero que termine.

Cavalgo em seus dedos, isso arranca um gemido baixo e


gutural de minha acompanhante. Sua mão livre agarra meu seio
esquerdo e isso me leva a loucura.

Depois de mais um orgasmo, ajudo Olivia a retirar suas


roupas e nos beijamos.

— Me conta como foi exatamente o seu sonho.

Digo detalhadamente todo o ocorrido. Enquanto escuta,


Olivia acaricia minha barriga e brinca com o bico dos meus seios
com o polegar.

— Vou fazer muito mais que isso, Alice, — sussurra em meu


ouvido — quero você implorando para que eu pare.
O tapa em meu sexo vem logo em seguida.
Capítulo 24

Meus olhos se abrem com um pouco de dificuldade, mas acabam


se
acostumando com a claridade do quarto, me sento na cama e
cubro meu corpo com a coberta. O meu lado da cama está vazia.

Fragmentos da noite anterior percorrem minha mente e


mordo meus lábios, depois de horas ininterruptas de sexo, Olivia
realmente me fez implorar para parar. Meu corpo ia desidratar.

Levanto-me para tomar um banho e sinto minhas pernas um


pouco bambas.

Jesus! O que essa mulher fez comigo?

Sento novamente e olho para o lado. Em cima do criado


mudo tem um envelope, o nome de Olivia está em cima dele. Pego
a carta, virando de um lado para o outro.

A porta do quarto se abre e vejo minha acompanhante com


uma pequena bandeja nas mãos.

— Bom dia, dorminhoca, — diz — não quis te acordar então


trouxe o café da manhã... na verdade, café da tarde. Já são três
horas.— Eu dormi isso tudo? — Arregalo meus olhos.

— Sim, — senta ao meu lado — é a idade chegando.

Olivia nota o envelope em minha mão e sorri afetuosamente.

— Minha mãe quem escreveu.


— Ai, meu deus.

Cubro meu rosto. Pensei tanto em mim ontem e na


expectativa de ver Olivia, que sequer poderia imaginar seu
sofrimento. Sou a pior pessoa do mundo, sem falar que estou nua e
segurando a carta que a mãe dela escreveu.

Porra... a mulher tocou nessa carta antes de morrer, puta que


pariu. Volto a cobrir meu corpo com a coberta e lhe estendo a carta.

— Me desculpa.

— Pelo o quê? — Olivia franze a testa.

— Por ontem. Eu... eu estava pensando em mim e não te


escutei, sabe. Você perdeu sua mãe e eu praticamente me joguei
em seus braços.

— Bom... você fez muito mais que isso.

Bato em sua perna e a ouço rir.

— Alice, está tudo bem. — Passa o braço ao redor de meus


ombros.

— Não quero que pense que não ligo para os seus


sentimentos.

— Sei que liga.

— Eu me importo com você.

— Idem.

— Então...

— Leia a carta.
— Desculpe? — Ergo uma sobrancelha.

— A carta. — Aponta com o queixo. — Leia.

Retiro a folha do envelope e começo a ler. A caligrafia é linda.


Leio atentamente cada palavra, é sincero o pedido de desculpas
contido nessa carta, Olivia não terá a oportunidade de uma
reaproximação com a mãe e isso me deixa chateada, só noto que
estou com lágrimas nos olhos quando finalizo.

— Tive tempo o suficiente para pensar sobre a minha perda,


Alice, — diz secando minhas lágrimas — não transamos ontem
porque eu estava confusa ou me sentindo tão mal ao ponto de
querer esquecer que perdi alguém. Eu só... estou em paz com tudo
isso. Ela não está sofrendo mais, é nisso que estou me agarrando.
Ela tem orgulho de mim, me quer bem e feliz. Se eu ficar pensando
demais no que perdi ou no que poderia ter sido, não sairei do
mesmo lugar.

— Seu pai e seu irmão te trataram mal?

— Sim, — dá de ombros — mas isso não me atinge mais.


Eles não fazem diferença na minha vida.

— Sinto muito por isso.

— Está tudo bem.

— Como consegue ser assim?

— Assim como?

— Tão... neutra.

— Eu? Neutra? — Olivia gargalha.

— Você entendeu.
— Entendi sim. — Ela pega a bandeja e coloca em seu colo.
— Agora que resolvemos isso, vou te alimentar.

Pego duas uvas da vasilha e jogo dentro da boca.

— Que horas acordou?

— Meio dia, mais ou menos.

— Ficou esse tempo todo fazendo o quê?

— Te observei dormir por um tempo, você ainda ronca.

— Ridícula! — Bato meu ombro contra o dela.

— Depois tomei um banho e desci. Sua mãe me abraçou por


uns dez minutos.

— Ela estava preocupada.

Olivia estende o copo com suco para mim.


— Sua família é incrível.

— Eles são.

Conversamos até que eu termine de comer. Depois de tomar


banho, nós duas passamos o dia inteiro no quarto, eu queria saber
tudo sobre a vida de Olivia e ela sobre a minha. Contamos sobre
primeiros amores, amizades, desilusões amorosas, primeira vez e o
ensino médio.

Cada detalhe era um motivo a mais para me apaixonar por


ela.

Quando não tinha mais nada a ser dito, trocamos um beijo


longo e delicioso, nossos corpos se mesclaram como duas tintas
para preencher uma tela. Sua boca desenhou todas as curvas de
meu corpo como um lápis em papel branco.

Nossas mãos se entrelaçaram diversas vezes, como se


fossem imãs.

Eu arqueava e pedia mais. Olivia queria tudo e ao mesmo


tempo nada.

Era a primeira vez que estava dando prazer a outra mulher,


eu observava cada reação de Olivia, cada suspiro e gemido. Tive
tanto medo de machucá-la ou de fazer algo errado, então, quando
seu corpo todo estremeceu e sua respiração parou por um minuto,
senti o resultado de seu orgasmo em meus dedos.

Meu corpo se arrepiou, e eu entrei em combustão. Nunca


havia me sentido tão leve quanto naquele momento.
Capítulo 25

Faltam seis dias para o casamento, Mariana está cada vez mais
insuportável e minha vontade de enfiar a cara dela numa privada
não está ajudando. Ás sete da manhã ela entra no meu quarto e
acorda Olivia para saírem a procura do terninho.

Ainda bem que dormi igual uma pedra na noite passada, caso
contrário, provavelmente minha irmã teria visto o que não deveria e
eu não pararia mesmo que minha vida dependesse disso.

Mamãe e eu saímos para ajudar Arthur com o sítio, o


cerimonial acabou atrasando com a entrega da decoração e agora
precisam da chave, que está com o noivo. Recepcionamos os
funcionários e ajudamos na limpeza do local, a montagem será feita
na parte da manhã de sábado, mas algumas coisas precisam de
mais tempo.

Quando por fim terminamos, já passava das sete da noite e


todo o meu corpo pedia cama, o único consolo era saber que no dia
seguinte estarei em um SPA maravilhoso.

Chegamos em casa e vemos Olivia sentada em uma cadeira


tocando violão para vovó. A cena me faz sorrir.

— Se não estivesse namorando a minha filha, diria que está


tentando conquistar a minha mãe. — diz mamãe se aproximando de
minha avó.

— Não seja boba, Eduarda.

Aproximo-me de Olivia e a beijo.


— Deixe a menina tocar pra mim — diz vovó dando
batidinhas em meu ombro — já tem ela a noite toda.

— A senhora deveria arrumar um velho.

— Jamais! Seu avó foi único para mim. Eu adorava ouvi-lo


tocar. Namoramos escondido por um bom tempo, até papai
descobrir e nos mandar assumir o namoro. Me lembro que na nossa
lua de mel, seu avô cantou a música “Onde anda você” para mim.

— Gostaria que eu tocasse? — pergunta Olivia.

— Ah sim, por favor.

Os dedos de minha acompanhante dedilham as cordas do


violão antes de começar, mamãe e eu pegamos cadeiras e nos
sentamos para escutar.

◆◆◆

A ideia de passar um dia inteiro com os padrinhos fez Olivia


fechar a cara e ficar pensativa, quando minha irmã a convida para ir
ao SPA o alívio em seu rosto é evidente. Pergunto se aconteceu
algo e ela apenas sorri e nega com a cabeça.

Logo depois do almoço encontramos o restante das


madrinhas na porta do estabelecimento, somos levadas para uma
sala e trocamos as roupas por roupões. Iniciamos com hidratação
facial, enquanto Mariana fofoca sobre convidados e suas escolhas
para o sabor do bolo.

Seguimos para o canto reservado para massagens, o silêncio


no ambiente e as mãos habilidosas da mulher trabalhando em meu
corpo fazem com que eu durma.

Estou no céu.

— Alice, acorda.

Sinto alguém me cutucar.

— Humm... o quê?

— Vamos, sua hora acabou.

Olivia ri da minha cara e me guia para fora da sala, minha


irmã está fazendo as unhas quando seus olhos cruzam com o meu.
— Finalmente acordou, — Mariana me diz — venha fazer as
unhas e arrumar o cabelo, temos que estar prontas em duas horas
parar irmos à boate.

Sento-me em uma cadeira e deixo a manicure fazer o seu


trabalho. Quando chega a vez de Olivia, a moça tenta convencê-la
de fazer unha em gel.

— Você é tão linda, vai arrasar hoje à noite.

— Não gosto de unhas grandes, quebram muito fácil e não


ajuda em nada quando vou tran... — Olivia se cala antes de
completar a frase.

— Não seja insistente, Karen, — diz minha irmã — minha


madrinha não quer.

A moça acena com a cabeça e finaliza seu trabalho,

Mariana pisca para mim e se levanta para ir até o cabelereiro.


Demorou duas horas e meia para todas ficarmos prontas.
A boate que minha irmã escolheu é próxima à Savassi, é bem
estilosa e fazem drinks maravilhosos. O DJ toca apenas músicas
escolhidas por minha irmã, então músicas internacionais e algumas
brasileiras preenchem o ambiente.

Olivia e eu alternamos entre beber e dançar, à medida que o


álcool faz efeito suas mãos ficam mais atrevidas e nossos lábios
não se desgrudam.

Não consigo me segurar mais e a arrasto até o banheiro,


duas das madrinhas estão se olhando no espelho e ajeitando a
maquiagem, elas nos analisam apenas uma vez antes de saírem.
Tranco a porta e escuto alguém xingar e bater.

— Está ocupado! — Grito.

Vou até Olivia e ela agarra minha cintura, logo em seguida


me coloca em cima da bancada da pia. Sua língua explora minha
boca enquanto suas mãos agarram meus seios por cima do tecido
do vestido.

Enlaço sua cintura com minhas pernas e deixo meu pescoço


exposto para os seus lábios.

Olivia se ajoelha e geme ao perceber que não estou de


calcinha.

— Acabei esquecendo em algum lugar dentro de minha


bolsa.

O riso baixo que solta emite ondas de calor por todo o meu
corpo. Agarro seus cabelos quando sua língua entra em contato
com o meu clitóris e apoio minhas costas na parede atrás de mim.

O sexo com Olivia é cada vez melhor, não me lembro em que


momento ela me fez ficar em pé de frente para o espelho, mas
quando nossos olhos se encontram pelo reflexo e o ritmo das
estocadas de seus dedos dentro de mim aumentam, não aguento e
grito com a onda de orgasmo que me invade.
— SAIAM JÁ DAÍ, SAFADAS! — Mariana esmurra a porta. —
É para comemorar o meu casamento e não se atracarem no
banheiro.

— Já vamos!

Ajeito meu vestido e fico sem ar quando Olivia leva os dedos,


que a poucos minutos estavam dentro de mim, para sua boca.
Agarro sua blusa e a beijo, sinto o meu gosto e quase cedo ao
desejo de ficar mais uma hora trancada no banheiro com ela. Acabo
desistindo quando ouço Mariana nos chamar.

Destranco a porta e os olhos arregalados de minha irmã me


analisam.

— Estava dando para te ouvir da pista de dança. — Mariana


nos diz.

— Não seja dramática.

O restante das madrinhas gritam quando tudo fica escuro, as


luzes se acendem poucos segundos depois e quatro homens
musculosos vestindo roupas de policial entram na pista de dança.

— Parece que a noiva foi muito má essa noite, pessoal. —


Diz o DJ. — A polícia veio para prendê-la.

Empurro minha irmã em direção ao palco e um dos homens


pega a cadeira próxima para que ela se sente. Uma música sensual
começa a tocar e todos os quatro rodeiam Mariana, todos começam
retirando a camisa e rebolando.

— Depois é a minha vez! — Grita uma das madrinhas.

Sigo até o bar e peço dois copos com água.


Observo minha irmã dizer algo no ouvido do policial
rebolando em seu colo, quando ele se levanta e anda em minha
direção, fuzilo Mariana com o olhar. O sorriso malicioso em seus
lábios se amplia ainda mais quando o homem puxa Olivia e não eu.

O policial a faz sentar no lugar onde Mariana estava a alguns


segundos atrás e rasga suas calças, os aplausos e gritos das
madrinhas se intensificam. Minha acompanhante pisca para mim
antes de dar um tapa na bunda do segundo policial que está
rebolando em seu colo.

Solto uma gargalhada e peço a uma das madrinhas para


gravar com o celular. O terceiro policial pega as duas mãos de Olivia
e passa por seu abdômen definido, mordo meus lábios para não rir
quando os olhos dela reviram.

A música acaba logo em seguida e Mariana se aproxima de


Olivia para retirá-la da cadeira, o DJ apresenta os policiais: Pedro,
Marcos, Antônio e Felipe, e toca outra música. Os quatro se
espalham pelo local tentando dar atenção à todas.

Minha acompanhante se aproxima e senta ao meu lado.

— Gostou do show? — toma um gole de água.

— Amei.

— Uma pena ter sido eles e não você.

— Quem sabe um dia.

— É ... quem sabe. — Olivia sorri maliciosamente.


Capítulo 26

Meus pais decidiram fazer um jantar na sexta para comemorar a


união de minha irmã. Como o casal passará boa parte da amanhã
com o cerimonial, não haverá tempo para uma conversa em família.

Isso é o que mamãe diz. Particularmente acho que ela


apenas não está muito a fim de comer a comida servida na festa
depois do casamento.

— Essa comidinha de fresco que eles irão servir não me


agrada. — Mamãe reclama.

Mariana decidiu convidar duas amigas e uma tia para a


ocasião, devido a isso, papai e Arthur se juntaram para colocar a
mesa da cozinha no terreiro. Ajudo minha mãe a finalizar a lasanha
e observo Olivia guardar um engradado de cerveja para o freezer.

— Estou tão animada, — diz minha irmã entrando na cozinha


— mal posso acreditar vou me casar amanhã!

Reviro meus olhos quando a ouço dar gritinhos e se jogar nos


braços de Olivia.

— Madrinha, você vai estar maravilhosa naquele terninho. Só


não tira o meu brilho, por favor.

— Jamais faria isso. — Olivia garante.

— Conto com você.

Queria rir nesse momento e dizer a Mariana que é impossível


Olivia não ser o centro das atenções. Ela é linda demais, qualquer
pessoa vê isso.

Ouvimos batidas no portão e logo em seguida a voz de meu


tio dizendo “Fala, cambada!” preenche o ambiente.

— Trouxemos a caixa de som.

— Leve- a lá para fora e coloque uma música boa. - Diz


mamãe.

A lasanha ficou pronta no mesmo instante que as duas


amigas de minha irmã chegaram, peço ajuda a Olivia para levar as
travessas para a mesa e organizo os pratos.

Papai está rindo e dançando com a vovó, Olivia está


conversando com minha tia e mamãe xinga Mariana por beber antes
de comer.

A sensação de paz e tranquilidade é arrebatadora, pensar


que em 48 horas voltarei para São Paulo deixa um pesar em meu
peito. Nesse momento os olhos de minha acompanhante se fixam
em mim, como se estivesse captando o que estou pensando, ela
lança uma piscadela e sorri.

Pelo menos minha volta não será tão solitária assim.

Nos reunimos em volta da mesa e oramos, agradecemos


pela comida e pelas boas companhias de hoje.

— Que amanhã corra tudo bem e que os próximos dias


sejam de muito amor e companheirismo, — diz mamãe olhando
para Mariana e Arthur — cuide bem da minha filha, está bem?

Arthur acena com a cabeça e nos sentamos para comer, fico


dividida entre pegar a lasanha de frango ou a de carne, mas acabo
pegando uma porção de cada, Mariana fez o mesmo.
Repito mais uma vez e me sinto cheia, à medida que as
horas passam o pessoal começa a beber mais e ficam mais
alterados, Mariana está dançando com meu pai e mamãe com
Olivia. Minha tia decide ir embora devido ao horário e leva meu tio,
que está super bêbado.

As amigas de Mariana estão cochichando em um canto e


alternando olhares entre mim e Olivia, provavelmente ouviram algo
a respeito do que aconteceu na festa de despedida de solteiro.
Respiro fundo antes de me levantar e vou até Arthur, que está
dormindo na cadeira com um copo de cerveja cheio na mão.

— Vamos lá, garanhão — ajudo a se levantar — precisa


descansar um pouco antes do grande dia.

— Alice? — Seus olhos tentam focar em mim. — Nossa, você


está girando.
— Costuma acontecer depois que se bebe muito, sabe...

Caminhamos com dificuldade para dentro de casa, minha


primeira opção é deixá-lo dormindo no sofá da sala, mas Arthur
solta um arroto e logo em seguida vomita no chão.

Grito para qualquer um ouvir e peço que limpem o chão, puxo


o noivo até o corredor e abro a porta do banheiro com o pé.

— Se não estivesse tão bêbado, esfregaria sua cara naquilo


até limpar.

Arthur se ajoelha diante do vaso e outro espasmos vem antes


de vomitar. Saio e vou até a cozinha pegar um copo de água gelado
e volto.

— Aqui. — Estendo o copo.

Ele pega e toma um grande gole, ligo o chuveiro e deixo a


temperatura no verão, a água quente começa a gelar e o empurro
para debaixo dela.

— Obrigado, Alice.

— Faz parte de ser madrinha.

— Me desculpa por tudo, sabe...

— Está tudo bem, — dou descarga no vaso — passou.

— Não, é que... não te dei explicações quando terminei.

— Bom, acredito que boa parte dos homens já terminaram


por mensagem. Não pense que é o primeiro.

— O que estou tentando dizer é que terminei com você


porque dormi com a sua irmã.
Ouço um zumbido em meu ouvido e sinto falta de ar.

— O quê?

— Eu... eu e Mariana dormimos juntos naquela noite que...

— A noite em que você me disse que estava passando mal.

Ele balança a cabeça e fecha os olhos.

— Não sei como aconteceu, estávamos planejando uma festa


surpresa para sua mãe e aí... me desculpa, Alice.

— Quer dizer que por duas semanas você estava comendo a


minha irmã e tinha a cara de pau de olhar nos meus olhos depois?!

— Alic... — Arthur vomita outra vez.

Deixo-o se virando sozinho e caminho aos tropeços para fora


de casa, Mariana ri e vem em minha direção.

— Desculpe pela bagunça, — diz minha irmã — vou limpar.

Meus olhos encontram o de Mariana e contenho minhas


lágrimas. Revivo nossa última briga e me pergunto como ela
conseguiu olhar nos meus olhos e mentir na minha cara. Em que
momento ela parou de ser a irmã mais nova e mimada para a irmã
mais nova, mimada e mentirosa? Ela me traiu. Ele me traiu.

Passei meses da minha vida tentando encontrar motivos e


defeitos que fizeram Arthur terminar comigo, mas na verdade a falta
de caráter não foi minha. Apenas deles.

O desgosto é tão evidente em meu rosto que Mariana não


nota minha mão indo em direção a sua face. O barulho do tapa é tão
alto que todos ficam em silêncio e se aproximam.

— Você mentiu pra mim! — Grito com ela.


— Alice!!! — Mariana grita de volta.

Nesse momento Arthur saí totalmente molhado e um pouco


consciente da situação, ele caminha até Mariana e a abraça.

— Me desculpa, eu... — Minha irmã começa a me dizer.

— Não, — interrompo e levanto minhas mãos — não quero


saber.

Meus pais se aproximam, assim como Olivia. É nítido quando


você percebe que as pessoas sabem de algo. O olhar de
preocupação no rosto, a pena, é indicativo o suficiente para
entender que todos estavam cientes e não me contaram.

— Vocês sabiam, não é? — Solto uma risada forçada.

— Querida, — diz meu pai — queríamos te contar, mas não


achamos o momento propício.

— Não acharam o momento propício?! — Grito. — Estão de


brincadeira comigo? Eu passo anos da minha vida me perguntando
que porra eu fiz de errado pra merecer um término por telefone,
enquanto isso eles fodem um com o outro!

— Minha filha, só descobrimos depois que foi embora. — Diz


mamãe.

— E não acharam prudente falar? Aposto que todos devem


estar pensando que além de ex, a corna está ajudando no
casamento. Que maravilha!

— Me desculpa, Alice. — Diz Mariana chorando.

Mordo meu lábio inferior antes de dizer:

— Não estou puta pelo que aconteceu, e sim porque mentiu


pra mim. Você jurou que só pensaram em sair juntos depois que ele
terminou comigo. — Abraço a mim mesma — Mas também sou
idiota, deveria ter desconfiado.

Viro-me e vou direto para o meu quarto, ouço meu pai me


chamar diversas vezes, mas não o respondo. Sento-me na cama e
cubro meu rosto.

A porta do quarto se abre e logo em seguida se fecha. Não


preciso levantar a cabeça para saber quem é.

— Por que não me contou? — pergunto.

— Eu queria contar.

— Por que não me contou? — Torno a perguntar.

— Alice, — Olivia se ajoelha e segura minhas mãos —


acredite em mim quando digo que eu queria contar, eu tentei.

— Então decidiu suavizar tudo transando comigo?

A dor em seus olhos faz meu peito ficar vazio, eu sei que a
culpa não é dela, sei que não era o dever dela me contar. Mas algo
dentro de mim se parte, tenho vontade de gritar, chorar, quebrar
toda a mobília da casa.

Não consigo me conter.

— Por que dizer, não é mesmo?! Você foi paga para fingir ser
minha namorada, não contar merdas como essa.

— Alice...

— Não! Faz parte do pacote fazer as mulheres que te


contratam se apaixonarem por você? Ou fez isso apenas comigo?
Gostou da sensação de me ter e saber que eu fui feita de trouxa
todo esse tempo? É até engraçado, eu odiar o fato de terem
mentido para mim por tanto tempo, sendo que estou fazendo isso
desde que cheguei.

— Alice...

— Ficou comigo por pena, não foi? Quem te contou?

— Mariana... mas foi depois que voltei de viagem.

— Por favor, saia! Gostaria de ficar sozinha. — Soluço.

Olivia não diz nada quando se levanta e saí do quarto. Ouço


ela e Mariana discutirem, até que minha irmã abre a porta.

— Alice, por favor.

— Não se preocupe, Mariana, não vou estragar o seu


casamento. Pode ter certeza que amanhã estarei sorrindo e dizendo
todas as coisas certas para que pensem que somos uma família
grande e feliz. Mas hoje não vou fingir que está tudo bem. Então
quero que vá embora.

Não sei em que momento me levantei, troquei de roupa e me


deitei, só me lembro de ter chorado a noite toda. Olivia não voltou
para dormir comigo, uma parte de mim queria que ela tivesse
entrado e me abraçado, uma parte de mim praticamente desejava
isso, mas agradeço ter respeitado o meu espaço.

Acordo na manhã seguinte e todas as suas coisas não estão


mais por perto, o cheiro de seu travesseiro é a única coisa que
restou.
Capítulo 27

A maquiadora fez um excelente trabalho cobrindo as manchas


escuras em meu rosto. Descobri que Olivia decidiu ficar em um hotel
depois da briga que tivemos e voltou pela manhã, quando eu estava
dormindo, para buscar as suas coisas.

Me recordo de todas as coisas horríveis que disse para ela e


me sinto horrível, mais do que pode ser mensurado. Fiquei boa
parte da tarde no salão para me arrumar e outras boas horas
ajudando as madrinhas a preparar o Sítio, só vi Olivia quando o
horário da cerimônia começou e todos nos reunimos para entrar.

Ela está maravilhosa com o terninho, seus cabelos ruivos


estão devidamente alinhados, sem nenhum fio solto. Quase perco o
ar quando enlaço meu braço no seu, tento inspirar o seu perfume o
mais rápido que posso.

Quando chega nossa vez de entrar, sorrimos para os


fotógrafos e ouvimos “Que lindas!”, “Sorriam mais!”.

Ao chegarmos em frente ao local combinado, nosso toque se


desfaz, Olivia fica ao lado de Arthur e eu fico próxima ao padre,
esperando a noiva. O mesmo esquema se repete até a última
madrinha se posicionar, então a música toca e Mariana entra.

O vestido longo branco modela totalmente o seu corpo, ela


está de tirar o fôlego. Noto algumas lágrimas involuntárias rolarem
pelo rosto do meu pai ao entregar a mão de Mariana para Arthur. Ao
se virarem para o altar, o padre começa.
Minha irmã não quis nada muito demorado, apenas algumas
palavras bonitas, risos, alianças e o beijo. Quando finalizado, todos
aplaudem. As pessoas começam a se dispersar para as mesas ao
redor da piscina e os noivos caminham até a mesa com o bolo para
tirar fotos.

A festa dura até a madrugada de domingo, das horas que se


passaram as únicas vezes em que vi Olivia foram paras as fotos
com os noivos e a celebração final.

A vergonha me consome a tal ponto que não consigo pedir


desculpas ou falar qualquer coisa, como se fosse um inseto
consumindo toda coragem que tentei criar.

Sinto como se fosse uma versão pirata de mim mesma, não


consigo entender onde foi que me perdi no meio disso tudo. Ao
chegar em casa por volta das seis da manhã, a única coisa que vejo
é uma carta endereçada a mim em cima da mesa de cabeceira. Não
preciso pensar muito para saber de quem é, quando leio o conteúdo
sei que Olivia foi embora.

A cada frase eu queria gritar, mas a única coisa que restou de


mim nisso tudo foi pena e raiva.

Raiva pelas palavras que disse em um momento de fraqueza.


Raiva por omitir o que sentia. Raiva por deixar a mulher que fez com
que eu me sentisse viva, ir embora. Já era tarde demais, não
conseguiria chegar a tempo ao aeroporto, o avião já teria ido
embora.

Apenas tenho comigo a carta e as boas lembranças do que


Olivia me proporcionou.

◆◆◆
Alice.

Pensei em mil maneiras de começar essa carta, mas nesse


momento as palavras me faltam. Por favor, acredite em mim
quando digo que eu queria te contar, passei os dias desde que
soube tentando encontrar uma forma que não a machucasse,
mas era inevitável. Iria doer e eu tinha medo.

Quando nos conhecemos e me contou sua história, eu vi a


dor por trás da máscara que tentou colocar em seu rosto, como
se fosse indiferente o fato de seu ex estar se casando com a
sua irmã. Perdoe-me por não ter escolhido o momento
apropriado para lhe contar, sinto muito por ter descoberto da
pior forma possível.

Apenas quis te proteger do que está sentindo nesse


momento, pois você é uma mulher incrível e merece tudo de
bom que esse mundo tem a oferecer.

Pensei que se lhe desse uma parte de mim, a ferida


exposta não doeria tanto, mas me enganei. Perdoe por isso
também.

Apaixonei-me por você desde aquele jantar, escrevendo


essas palavras agora parece ridículo, tendo em vista que isso
só acontece em filmes e livros, mas eu me apaixonei
perdidamente por você, Alice.

O fato de te amar fez com que eu errasse em ser sincera


ou ter lhe dito algo, e é por isso que estou partindo. Você
precisa de tempo para se curar. Fiz questão de transferir para
sua conta todo o dinheiro que me pagou, se eu aceitasse,
significa que o que tivemos não foi nada, e pra mim foi tudo.
Quando estava voltando de São Paulo depois do
enterro da minha mãe, comecei a ver um filme no avião, o
nome é: O curioso caso de Benjamin Button, os detalhes
sobre o filme são irrelevantes, mas terminei de assistir no
hotel na madrugada de sábado. A frase do personagem
principal ficou marcado em mim, gostaria de lhe deixar com
ela também, para que compreenda que a vida sempre tem
um recomeço, e eu espero que encontre o seu.

“Para as coisas importantes, nunca é tarde demais, ou


no meu caso, muito cedo, para sermos quem queremos.
Não há um limite de tempo, comece quando quiser. Você
pode mudar ou não. Não há regras. Podemos fazer o
melhor ou o pior. Espero que você faça o melhor. Espero
que veja as coisas que a assustam. Espero que sinta
coisas que nunca sentiu antes. Espero que conheça
pessoas com diferentes opiniões. Espero que viva uma
vida da qual se orgulhe. Se você achar que não tem, espero
que tenha a força para começar novamente.”

Com amor,
Olivia.
Capítulo 28

Meu avião chega no aeroporto de São Paulo na segunda de


madrugada, volto a trabalhar na quinta feira, então tenho
alguns dias pra descansar e colocar a cabeça no lugar. O que
eu não esperava era encontrar Carla e Nadine me esperando
no aeroporto, quando as questiono, Carla me mostra uma
mensagem de Mariana pedindo para que me encontrassem.

Não converso com minha irmã desde o seu casamento,


não havia nada a ser dito.

Minhas amigas me abraçam e vamos para o meu


apartamento. O lugar está exatamente do mesmo jeito que
deixei, exceto pelo copo deixado na bancada, que presumo ser
de Nadine, já que a pedi para ficar de olho enquanto estivesse
fora.

— E então... — Carla se joga no sofá — como foi?

Não impeço minhas lágrimas de caírem e começo a contar


tudo, sobre os primeiros dias com Olivia, a aceitação de minha
família, as confissões e risadas, nossa aproximação, o beijo, o
sexo. Nadine fecha a cara quando descrevo sobre a noite de
sexta e a briga que aconteceu.

— Sabia que esse aí não era flor que se cheire — diz Nadine.

— Tanto faz, eu só... sinto falta dela. — Deito minha cabeça no colo
de Carla.

— Liga para ela. — Diz Carla.


— Não é tão fácil assim — murmuro.

— É sim, Alice. — Carla revira os olhos — É só pedir


desculpas e transar até morrer.

Jogo uma almofada em seu rosto.

— Eu disse coisas horríveis. Ela... ela não vai me perdoar.


Capítulo 29

Olivia

Minha semana está uma loucura, desde que voltei de BH na


semana passada.

Fiz um acordo com a Faculdade de que ficaria um mês


fora por conta do trabalho, mas que seria reposto todas as
matérias e horas devidas do Internato assim que voltasse.

Não dormi direito durante três semanas para repor todas


as atividades em dia, além do Internato.

Os plantões estão ficando cada vez mais extensos, a


entrega para os trabalhos estão cada vez mais reduzidos e as
provas estão chegando, não consigo sequer pensar em outra
coisa que não seja a formatura que ocorrerá na metade do ano
que vem.

Falta pouco, eu consigo.

Checo as horas em meu celular e agradeço a Deus por


não ter me atrasado, paro por um momento para ver minha foto
e de Alice na tela de bloqueio e sorrio.

Ouço a buzina do carro atrás do meu e saio de meus


devaneios.

Chego no hospital faltando cinco minutos para o meu


horário, bato o ponto e faço um rabo de cavalo em meu cabelo.
A enfermeira chefe, Dona Conceição, se aproxima e entrega
minha prancheta.

— Finalmente chegou, minha querida, — ela me diz — o


hospital hoje lotou. Precisamos de você urgentemente.

— Como foram esses dias sem mim, Dona Conceição?

— O mesmo de sempre. Corrido e um tédio.

Solto uma gargalhada antes de me dirigir para minha sala de


atendimento.
Capítulo 30

Alice

Erick me chama em sua sala assim que volto do meu horário de


almoço, faz dois meses desde que voltei de BH e minha
rotina tem sido casa-trabalho, trabalho-casa.

Bato na porta de seu escritório e entro.

Enquanto estava fora, Erick ganhou uma promoção e se


tornou o mais novo gerente de relações nacionais e
internacionais, tive que ouvi-lo se gabar por uma semana.

— Alice, — ele sorri — entre.

Sento-me na cadeira a sua frente e cruzo as pernas.

— Como tem passado?

— A mesma merda de sempre, você sabe, não precisa ser


tão formal assim comigo.

Ele solta uma risada baixa antes de continuar.

— Sei sim. — Entrelaça suas mãos. — O motivo para ter lhe


chamado é que seu desempenho na empresa melhorou muito
desde que voltou de férias, não que não tenha sido positivo antes,
mas os feedbacks que tenho recebido são excelentes.

— Obrigada.
— Houve uma reunião essa manhã sobre a abertura de uma
nova empresa fora do pais, mais especificamente na Europa, as
suas habilidades tem se mostrado bastante notáveis e estamos
interessados em saber se gostaria de pensar a respeito sobre a
possibilidade de morar fora por um tempo.

Arregalo meus olhos.

Sempre tive uma vontade enorme de ir para fora do Brasil,


conhecer boa parte do mundo e a culinária diversa. É a
oportunidade perfeita se meu coração não estivesse totalmente
preso aqui em São Paulo.

— Erick...

—Apenas pense a respeito, — ele me diz levantando as mãos


— será apenas por um ano, mandarei alguém treinado para assumir
o seu lugar depois de seis meses. Preciso de alguém confiável e só
consegui pensar em você.

Ver o desespero em seu rosto faz o meu coração amolecer,


um ano não é tanto tempo, mas há muitas coisas para serem
definidas, muitos detalhes para serem colocados na mesa.

— Prometo pensar a respeito, tudo bem?

— Uma semana, é o tempo que posso lhe oferecer.

— É o suficiente.

—Olha... se precisar de alguma coisa, você pode contar


comigo. Sabe disso, não é? — Erick cruza as pernas.

Confirmo com a cabeça.

—Eu só quero o seu bem, penso que um tempo fora pode te


ajudar a colocar algumas coisas em ordem.
— Obrigada por isso, Erick.
Capítulo 31

Olivia

A apresentação do meu TCC foi incrível, consegui 100% de


aproveitamento e recebi muitos aplausos de meus colegas de
classe. Nem consigo acreditar que está acabando.

— Precisamos comemorar. — diz Nicole.

— Sim, — diz Carlos, nosso colega — sei de um bar aqui perto


que podemos ir.

— Por mim tudo bem. — Dou de ombros.

Pegamos um Uber para chegar até o bar que Carlos


indicou, conseguimos ouvir a música da esquina da rua, isso é
tudo que preciso para me animar.

Escolhemos uma mesa próxima aos músicos tocando e


pedimos uma garrafa de cerveja para dividir. Uma pequena
multidão está dançando próximo ao palco e sorrio ao lembrar
de Alice.

Não nos falamos tem seis meses, toda vez que tento criar
coragem para ligar ou mandar mensagem, desisto. Pergunto-
me se a carta a assustou demais ou se ela apenas desistiu de
mim. Doeu no início pensar sobre essa possibilidade, mas uma
pequena parte de mim acredita que ela ainda pensa em nós.
Tomamos quatro garrafas de cerveja antes de decidir
dançar, Nicole me puxa e juntas fazemos alguns passos de
samba.

Nicole começa a sorrir para mim e a acariciar minha nuca,


isso faz com que minha nuca se arrepie. Não dormi com
nenhuma outra mulher depois de Alice, nem mesmo voltei a
trabalhar como acompanhante depois disso. Apenas me
desliguei do quadro de funcionários e paguei a multa que me
deram.

Minha sorte é que encontrei um estágio remunerado mês


passado, a bolsa que me dão é o suficiente para pagar a
mensalidade e ainda sobra um pouco para pagar minhas outras
necessidades.

Meu pai, contra a minha vontade, decidiu devolver todo o


dinheiro que dei para as despesas da minha mãe no hospital. Acho
que é uma forma dele tentar se redimir.

Retiro as mãos de minha amiga de mim e me afasto.

— Vou ao banheiro. — Aviso.

Desvencilho da multidão o mais rápido que consigo e chego


ao banheiro, lavo meu rosto e respiro fundo.

— Olivia, me desculpe. — Nicole diz ao entrar no banheiro.

— Tudo bem. — Murmuro.

— É que... sei lá, — dá de ombros e se aproxima — eu gosto


de você.

— Nicole, — fecho meus olhos — não pode fazer isso.


Suas mãos seguram meu rosto e sinto seus lábios no meu,
por um momento fico surpresa, mas quando meus olhos encontram
o de Alice na porta do banheiro, eu me afasto.

— Alice.

Ela se vai e eu vou atrás.

— Alice!

Empurro as pessoas para me dar passagem e procuro em


cada canto do bar, mas ela se foi.
Capítulo 32

Alice

Sabia que sair com minhas amigas era uma péssima ideia, na
verdade, a ideia mais estúpida do mundo. Meu celular toca pela
quinta vez e decido desligá-lo. Não preciso ver a tela para saber que
é Olivia.

Depois de todo esse tempo ela estava com outra pessoa,


beijando outros lábios e eu fiquei só. Culpando-me por tudo que
disse e encontrando motivos para procurá-la novamente.

Quase chorei de alívio quando a vi no bar indo em direção


ao banheiro. Mas quando a vi beijando outra mulher, algo
dentro de mim se quebrou, o chão pareceu ruir e nada mais fez
sentido. Tive que me esconder na esquina para não ser
achada, depois, pedi um Uber para ir embora.

Deixo uma mensagem de desculpas para minhas amigas


assim que chego em casa e bloqueio o número de Olivia. Ela
seguiu em frente, está na hora de eu fazer o mesmo.

Por isso, na manhã seguinte vou até a sala de Erick e


aceito sua proposta de me mudar. Inicialmente ele pergunta se
tenho certeza de minha decisão, não penso duas vezes antes
de confirmar.

Acertamos os detalhes que estavam faltando. Passaporte,


visto, tiro uma pequena quantia e troco por Euro. Erick me
ajuda com os ajustes finais a respeito de passagem e
documentação.

A princípio querem alguém para monitorar todo o processo


de comunicação com as empresas por perto e fazer prospecção
de novos talentos. Posso fazer isso, e além, se me permitirem.

Naquela mesma semana viajo para Portugal, com o intuito


de olhar o apartamento e checar o andamento da empresa, sua
inauguração será na próxima semana, então tudo precisa estar
perfeito.

Aproveito para passear por Lisboa, afogo minhas mágoas


no Pastel de Belém e tomo bastante café. Tento criar o hábito
de ler alguns livros, me adaptar com algumas palavras e quem
sabe fazer alguns amigos, mas tudo parece tão distante do que
estou acostumada. Quase matei uma mulher de susto quando
estava indo embora depois de parar em uma livraria.

De costas ela parecia muito a Olivia. Alta, cabelos ruivos e


sedosos, mesmo perfume. Quando a virei abruptamente e
quase a beijei, a mulher gritou e me empurrou.

Só posso estar ficando doida.

Volto ao Brasil alguns dias depois apenas para me


despedir de minhas amigas e buscar algumas coisas, manterei
meu apartamento por enquanto, mas estou pensando na
possibilidade de voltar para Belo Horizonte depois que a
experiência de um ano expirar.

Não há mais nada me segurando em São Paulo.


Capítulo 33

Olivia

Quando ouço meu nome ser chamado, me levanto e caminho até o


palco para receber meu diploma. Os aplausos me seguem até que
eu ande novamente ao meu lugar.

A sensação de estar formada e poder dizer que sou


médica é indescritível, mas não consigo deixar de sentir o vazio
por não poder compartilhar isso com alguém, principalmente
com ela.

Alice não atende minhas ligações há três meses, faltam 4


meses para o ano acabar e me sinto desesperada. Contatei sua
família na semana passada e a única resposta que obtive foi
um áudio da avó de Alice dizendo que a neta está morando fora
por um tempo. E que sente muito a minha falta.

Culpo-me pelo que aconteceu naquela noite no bar, me


culpo ainda mais por não ter ido imediatamente até o
apartamento de Alice, mas quando consegui seu endereço, já
era tarde demais. Ela havia ido embora, a única pessoa
presente era uma mulher chamada Carla, quando me viu na
porta seus olhos se arregalaram.

— O que está fazendo aqui? — Carla me perguntou.

— Preciso falar com Alice.

— Ela se foi.
Quando Carla fechou a porta na minha cara naquele dia,
chorei por uma semana inteira.

Perdi a única mulher que me fez feliz. Até mesmo respirar em


momentos como esse é difícil.

Carlos me chama para comemorar em sua casa, mas acabo


recusando a oferta. Serei efetivada em breve pelo hospital que fiz
estágio, então preciso me levantar cedo e correr atrás de alguns
documentos.

Peço uma pizza assim que chego em casa e me jogo no sofá,


recentemente adotei um cachorro para ficar comigo, as noites
solitárias e chorosas não eram tão solitárias e chorosas com Bruce
ao meu lado.

— Somos só nós dois de novo, garotão. — Acaricio sua cabeça


e ligo a televisão.

◆◆◆

Acordo por volta das oito e vou até o centro, passo nos
devidos lugares que preciso e vou até o hospital. Enquanto espero o
coordenador voltar com o contrato e mando uma mensagem para
vovó perguntando sobre Alice.

Vovó me responde dizendo que a neta está bem e me passa


um endereço.

“É onde ela trabalha, quem sabe alguém possa te ajudar.”

Demora alguns minutos para o coordenador voltar com a


papelada, mas sinto que se passaram horas, depois que assinei
todos os papéis e confirmo o início de minhas atividades na semana
que vem, corro até meu carro e vou em direção ao endereço.

Não deixo de roer as unhas até o elevador parar no andar


certo e abrir a porta, caminho até o balcão da secretária e peço para
falar com o responsável.

— Posso ver algum documento? — Pergunta.

Entrego minha identidade e aguardo, ela fala no telefone


por alguns minutos e depois suspira.

— Ele está vindo. — A secretária estende meu documento de


volta para mim.

Ao final da frase um homem vestido em um terno sob


medida aparece, os cabelos castanhos lustrosos estão
penteados para trás e a barba por fazer complementam o estilo
de homem que é bonito e não precisa fazer muito esforço.

Um grande sorriso se forma em seus lábios assim que


nossos olhos se encontram.

Olivia, estou feliz que esteja aqui.


— — Ele faz um gesto
para o corredor. — Vamos?

Deixo que me guie pelo corredor, passamos por diversas


mesas e salas, o caos aqui é imenso, ainda mais quando nos
aproximamos. Os cochichos e risadas preenchem todo o
ambiente.

— Entre. — Abre a porta.

Sento na cadeira em que aponta e aguardo que faça o


mesmo, observo-o dar a volta na mesa e desabotoar o paletó antes
de sentar.
— Você é ainda mais linda pessoalmente.

— Não estou aqui para que dê em cima de mim. — Reviro os


meus olhos.

— Não estou, — ele cruza as pernas — é apenas um fato.


Alice me mandou uma foto de vocês duas quando a contratou.
Somos amigos, perdoe se fui invasivo, geralmente tenho essa
liberdade com ela.

— Vocês dois já...

— Sim, mas tem muito tempo. Antes mesmo de se


conhecerem.

— Certo... bom, estou procurando por ela.

— Infelizmente não será possível, temos uma política que


proíbe o vazamento de certas informações de nossos funcionários.

— Olhe... — noto que desde que nos encontramos, não


perguntei seu nome. — Como se chama?

— Erick. — Responde amigavelmente.

— Erick. ⸻ Repito. ⸻ Alice e eu temos pendências. Eu


preciso saber como ela está, preciso me desculpar. Ela não atende
o maldito telefone e eu estou ficando doida.

— Gosta dela tanto assim?

— Mais do que pode imaginar.

Seus olhos me avaliam por um momento antes colocar os


pés em cima da mesa.

— Sinto muito, Olivia. Mas não posso ajudar.


— Pelo menos posso vir para receber notícias?

— Sim.

Todos os dias após meu plantão, vou até Erick e pergunto


como ela está, as respostas variam entre: bem, ok, normal e
não sei. Mais nada além disso.

Com o passar dos dias, Erick e eu desenvolvemos um


vínculo, passamos a nos encontrarmos para tomar café todas
as tarde. Contei a ele o meu lado da história com Alice e todo o
mal entendido que ocorreu antes dela sair do País.

Erick também comenta sobre alguém que conheceu e


como nunca esperava estar totalmente de quatro por uma
mulher. Tento aconselhar da melhor maneira que posso, e ele
faz o mesmo.
Capítulo 34

Alice

Acostumar-me com o fuso horário nas primeiras semanas foi difícil,


chegava atrasada quase todos os dias, isso quando não dormia
entre um intervalo e outro.

Minha sorte foi encontrar Margarida, minha assistente, ela


é tão alta e bonita, não sei como não escolheu ser modelo.

Já estamos trabalhando juntas há cinco meses e estamos


nos dando super bem.

Erick chega hoje para poder olhar o andamento dos


contratos, consegui fazer um pontapé inicial de grande sorte
para a empresa, nossos sócios estão aumentando
gradativamente, não poderia estar mais orgulhosa.

Estou analisando um contrato quando ouço alguém bater


na porta e o vejo.

— Ora...ora — diz Erick — parece que minha subordinada


está mandando ver com os chefões de Portugal.

— Vá se ferrar.

Levanto-me para abraçá-lo. Noto a aliança em seu dedo


assim que nos afastamos.
— Não acredito! — Seguro sua mão — Qual o nome da
sortuda que ganhou seu coração?

— Não seja boba — ri — e o nome dela é Angélica. Eu a deixei


no hotel antes de vir, vamos dar uma voltar por Lisboa hoje à noite.

— Que romântico, nem parece que comeu meio mundo.

— Alguns detalhes dessa vida não são relevantes, querida.

— Você não contou a ela, né?


— Não.

Solto uma gargalhada e faço um gesto para que se sente.

— Estou muito orgulhoso do que tem feito para a empresa,


Alice.
Gostaria de agradecer por ter aceito a proposta.

— É, — dou de ombros — precisava espairecer um pouco a


cabeça.
— Sim, sim... algo relacionado a uma certa ruiva?
— Como? — Meu corpo gela.
— Olivia, certo? — Cruza as pernas — Que mulher. Quase me
ajoelhei e pedi para lamber o chão que pisou assim que nos
encontramos.

— O que ela queria?

— Você, claro. Eu vim aqui hoje com o intuito de lhe oferecer


o cargo efetivo como sócia da empresa. Ela só está aqui hoje
graças a você, mas... — segura o ar e depois solta — devo admitir
que meu coração ficou mole depois que me casei.

— Aposto que o pau também.


— Ah não, ele continua duro igual tora de madeira. Porém,
não consigo aceitar o fato de que ela passa todos os dias em meu
escritório para perguntar como você está e eu tenha que mentir
sobre não poder dar detalhes sobre os meus funcionários.

— Mas você não pode.

— Querida, como acha que as fofocas começam naquela


empresa?

— Escroto!

— Eu sei. Amo o meu trabalho. — Erick sorri.

— Como ela está? — pergunto depois de um tempo.

— Além de linda de morrer? Mal.


Cubro meu rosto com as duas mãos.

Não tenho notícias de Olivia faz um tempo, pensei ter


superado esse fato quando vim para Portugal, mas é tudo
fachada, todos os dias leio nossas conversas e vejo nossas
fotos.

Essa mulher não sai da minha cabeça, muito menos de meu


coração.

— Mas como ela descobriu onde eu trabalho? — pergunto —


Não me lembro de ter dito nada sobre isso.

— Ela disse algo sobre pegar o endereço com sua avó.

— Aquela velha fofoqueira.

— Eu seria um canalha por jogar em suas mãos uma grande


oportunidade sem levar em conta o seus sentimentos, somos
amigos. E, como seu amigo, eu acho que posso mexer uns
pauzinhos. — Erick sorri.
— Certo...

— Me dê três meses para que eu arrume tudo, vou mandar


alguém para cá ainda essa semana, você vai treiná-lo e deixar que
assuma o seu lugar em seu nome. Claro que vai ter que vir e passar
um ou dois meses para reuniões importantes e outras tarefas, mas
estou lhe dando a oportunidade de ter o seu emprego e a mulher
que ama. O que acha?

— Aceito. — Respondo sem nem pensar.


Capítulo 35

Olivia

É a sexta vez que ligo para Alice só hoje, pensei que trocando de
número haveria uma remota possibilidade de ela me atender, ainda
mais estando fora do país. Queria mandar mensagens, mas não
seria apropriado, eu preciso ouvir a sua voz.

Está cada vez mais difícil aguentar esperar, tive que me


controlar para não pegar o primeiro voo até Portugal quando
Erick me contou. Mas não posso deixar as minhas obrigações
de lado, ainda mais quando sou a única nos plantões.

Estou conversando com a enfermeira Mônica a respeito de


um cardiograma quando uma ambulância para em frente a
porta do hospital e entra com um homem na maca. Ando
rapidamente até o paramédico e começo a checar os sinais
vitais.

— Homem, — diz o paramédico — 35 anos, vítima de um


atropelamento no centro da cidade. Ele estava caminhando quando
um carro o atingiu. A pessoa que o atropelou disse que não o viu.
Fratura exposta na região lateral direita do tórax, aparentemente
duas costelas. Averiguar se houve perfuração no pulmão. A vítima
também sofreu traumatismo cranioencefálico.

Olho todo aquele sangue fazendo trilha no chão do hospital.

— Ele precisa de um neurocirurgião. Mônica, chame o Doutor


Leandro.
A enfermeira Mônica desaparece através das portas e volta
minutos depois, após algumas averiguações, o paciente é
encaminhado a sala de cirurgia.

A noite vai ser longa.

◆◆◆

Cinco horas depois, transfiro o paciente para um dos


quartos da UTI. A cirurgia foi um sucesso.

Não demora muito para que entrem em contato com a


esposa, caminho até a sala de espera do hospital para dar as
boas notícias. O alívio em seu rosto faz com que eu ganhe o
meu dia.

É por isso que amo o meu trabalho.

Ao final do meu plantão, atualizo o médico que ficará no


meu lugar sobre o ocorrido e possíveis cuidados.

— Não deixe de me avisar caso o quadro dele mude. — Aviso.

Junto todas as minhas coisas e caminho em direção ao


estacionamento, olho as horas em meu relógio e decido ir
novamente até a antiga empresa de Alice, eu preciso tentar
contatá-la por todos os meios possíveis, independentemente de
qualquer coisa.

Os pais de Alice ligam semanalmente para saber como


estou, a pedido dela, eles não dão muitas informações, vovó
me ajudou muito quando me deu o endereço de seu trabalho.

Entro no elevador e quando chego ao quinto andar,


caminho em direção ao escritório de Erick. Fiquei duas
semanas sem vê-lo pois sua secretária informou que ele havia
viajado para resolver umas pendências.

Bato na porta uma vez e aguardo.

— Entre.

Abro a porta.

— Quem eu estava esperando — diz sorrindo. — Confesso que


fico esperando sua companhia todos os dias, fiquei desacostumado
quando estive fora.

— Alguma notícia? — Pergunto sorrindo.


— Nossa, não vai nem perguntar como eu estou?
— Como você está? — Reviro os meus olhos.
— Ótimo, obrigada por perguntar. Passei duas longas
semanas em Lisboa com a minha esposa, foram maravilhosas.
Inclusive, tive contato com uma certa morena de olhos castanhos...

Aproximo-me de sua mesa e espalmo as duas mãos na fria


madeira.

— Onde ela está?

— Ei, ei, — levanta as mãos — calma. Primeiro vamos nos


lembrar das ordens de etiqueta, sim?

Seus olhos passam de minhas mãos para meu rosto, respiro


com dificuldade algumas vezes antes de me recompor e me sentar
na cadeira.

Erick limpa a garganta.

— Pois bem. Como disse, a política da empresa não me


permite vazar informações sobre meus funcionários. Mas, não fala
nada sobre um certo alguém, acidentalmente, abrir a tela de meu
computador e analisar algumas conversas. Isso, claro, comigo não
estando presente.
Ele se levanta e caminha até a porta.

— Vou dar uma mijada e fumar um cigarro, isso dá até alguns


minutos a mais para que essa pessoa tenha um pouco de tempo
antes de eu voltar... faça minha amiga feliz, Olivia, querida.

Fico perplexa por um momento antes de cair em mim e ir


direto para sua cadeira, abro suas conversas do Skype e vejo o
nome “Administrativo Portugal”, clico na aba e rolo todas as
mensagens.
Alice diz que está indo bem com o treinamento do novo
funcionário, passo alguns detalhes técnicos sem importância. Vejo a
foto de uma passagem de avião para daqui dois meses e meio.

Erick diz que a passagem já foi comprada e está sendo


processada.

Alice vai voltar. Minha garota vai voltar e eu preciso fazer algo
a respeito.
Capítulo 36

Alice

Alonso está indo muito bem para alguém que começou


recentemente, faz um mês que está na empresa e eu não tenho
mais tantas preocupações com contratos e reuniões semanais. Erick
escolheu bem.

Passo o dia em minha sala organizando toda a minha


agenda para os meses seguintes, como voltarei para São Paulo
e retornarei a Portugal por um ou dois meses, preciso abrir os
dias apenas que estarei aqui. Não posso deixar de sentir todo
meu corpo arrepiado só de imaginar meu reencontro com
Olivia.

Desde minha última conversa com Erick, venho tentando


contatá-la por seu número, mas está sendo em vão. Toda vez
que ligo, um homem atende e diz que não existe nenhuma
Olivia. Isso me deixou desesperançada.

Será que Olivia desistiu de mim e trocou de número?

Todos os dias acordo com a sensação de que quando


voltar, a verei com outra, e isso tem me deixado com medo.

Na verdade, isso tem me deixado apavorada.

Assusto-me com uma batida na porta e vejo Alonso.

— Desculpe, — diz sorrindo — posso te incomodar um pouco?


— Alonso, já disse, não é incômodo nenhum.
Ele se senta à minha frente.
— Sim, eu sei. Mas não consigo deixar de pensar nisso.
Entrelaço minhas mãos em cima da mesa.
— Então?
— Vim lhe informar que conseguimos fechar mais um contrato
com uma grande filial em Los Angeles.

— Sério?! — Levanto-me. — Isso é incrível!

— Sim, — diz rindo — todos os detalhes serão enviados ao


seu e-mail daqui a algumas horas.

— Tudo bem.

Meu telefone toca e olho a tela, novamente um número


desconhecido me ligando. Desligo e volto minha atenção ao Alonso.

—Estive pensando — diz — o que acha de sairmos para


comemorar?

— É uma ótima ideia! Podemos chamar Margarida e o resto


do pessoal, conheço um bar aqui perto excelente.

— Não... eu... Estava pensando em apenas nós dois.

— Ah.

Estava com o celular em mãos para mandar uma mensagem


para Margarida, então paro e fico em silêncio. Não havia notado
certo interesse vindo do homem a minha frente, na verdade, não
noto esse tipo de coisa tem um tempo. Com a rotina de trabalho, me
sobra pouco espaço para pensar sobre os sentimentos de outras
pessoas, tento ao máximo evitar dar falsas esperanças pra qualquer
um.

Até tentei sair com alguém, mas foi em vão. Não consegui
sequer ir ao primeiro encontro. Toda vez que pensava em outra
pessoa me tocando ou me beijando, Olivia me vinha a cabeça. Isso
era motivo suficiente para desistir e ficar no apartamento.

Alonso nota meu receio.

— Tudo bem se não quiser aceitar — diz.

— Me desculpa.

— Não tem problema — se levanta — podemos ser grandes


amigos, certo?

— Sim, podemos.

Passo o dia me sentindo mal pelo ocorrido e ao final do


expediente, chamo todos para comer pizza. Erick com certeza
vai ficar furioso por tirar o dinheiro da empresa para isso, mas
vai entender. Afinal, conseguimos um contrato milionário,
comemorar esse feito é a coisa certa a se fazer.
Capítulo 37

Olivia

Faltam vinte e quatro dias para a volta de Alice, marco no


calendário fixado na parede ao lado da geladeira e abro a porta dela
para pegar uma cerveja.

Bruce me segue até o sofá e deita a cabeça em meu colo,


acaricio atrás de sua orelha e ligo a televisão. Passo de canal a
canal por um tempo até desistir e ver algo na Netflix, ouço duas
batidas na porta e me levanto.

Não costumo receber visitas, na verdade, eu não recebo.


Quando abro a porta, encontro meu pai.
— O que está fazendo aqui? — pergunto.

— Vim conversar.

Tudo bem, — vou para o lado e o deixo entrar


— — quer beber
alguma coisa?

— Não.

Indico a poltrona ao lado do sofá e desligo a televisão.

— Aconteceu algo?

— Não, eu só... eu só precisava te dizer algo.

Por um tempo ficamos em silêncio, meu pai olha para todos


os lugares da casa, menos para o meu rosto. Deixo que tenha seu
tempo e dou batidinhas em uma das patas de Bruce.
— Recentemente o pastor da igreja me deu uma carta que foi
escrita por sua mãe. Ele disse que ela pediu para me entregar
apenas quando sentir que meu coração estivesse pronto para
algumas palavras.

Abro a boca para dizer algo, mas ele levanta as duas mãos.

— Me deixe terminar, por favor. Preciso fazer isso.


Balanço a cabeça e espero.
— Eu sei que fui uma pessoa horrível com você, — funga —
acima de tudo, sei que fui um pai horroroso e não tenho palavras
pra descrever o quão envergonhado estou com tudo isso. Quando
se assumiu para mim e sua mãe, eu fiquei sem chão. Fiquei com
medo do que as pessoas poderiam fazer com você. Então, fiquei
com raiva. Com raiva de mim por me sentir tão impotente e com
raiva de você por ter me dado esse fardo, eu não sabia o que fazer,
o que dizer... acabei colocando a bíblia como um motivo para odiá-
la, Olivia. E eu sinto muito.

Observo meu pai cobrir o rosto com as mãos e chorar.

— Desculpe ter demorado todo esse tempo para pedir perdão


só quero que saiba que não se passou um dia sem que eu não me
odiasse pelo que fiz. Pelas palavras duras e atitudes cruéis que fiz.
Eu perdi sua mãe e a culpei por isso, sendo que você foi a única
que realmente se importou, que realmente quis ajudar.

Não me contenho e me ajoelho de frente para ele, passo


meus braços ao redor de seu pescoço e o puxo para junto de mim.
As lágrimas rolam por meu rosto ininterruptamente, o único som que
se pode ouvir nesse momento somos nós dois chorando e
soluçando.

Quando tiramos um momento para recobrar a compostura,


Bruce se aproxima e lambe meu rosto.
— Ele é lindo. — Diz meu pai.

— Ele é sim. — Olho para seu rosto. — Quer ficar e comer


alguma coisa?
Capítulo 38

Alice

Última chamada para o voo 006 com destino a São Paulo.

Ando rapidamente e aguardo na fila para o meu voo, quase perco a


hora por ter esquecido onde deixei minha identidade, minha sorte foi
Margarida ter passado na empresa mais cedo e tê-la encontrado em
cima da minha mesa.

Quando apareceu em minha casa alguns minutos antes,


quase quebrei suas costelas de tão forte que a abracei.

Sigo até a entrada do avião e mostro minha passagem


para a aeromoça, ela aponta para uma poltrona ao lado da
janela e caminho até ela. Guardo minha mala de mão e desligo
meu celular.

Como não consegui dormir a noite toda devido ao


nervosismo, minhas horas de sono estão sendo postas em dia.
Faltando duas horas para o pouso, vou até o banheiro para
trocar de blusa, escovo os dentes e arrumo meu cabelo o
melhor que posso.

Volto a ligar novamente meu celular quando o avião pousa


no aeroporto, ligo para Erick assim que encontro minha mala.

Caminho para a saída.


Ele atende no primeiro toque.

— Boa tarde, querida. Como foi a viagem?

— Bem, dormi o voo quase todo.

— Espero que esteja apresentável, mandei alguém buscá-la.

— Mas não havíamos combinado de que viria me buscar para


tomarmos café?

— Sim, mas decidi lhe dar planos melhores.

Paro de andar quando meus olhos encontram Olivia, meu


coração dá um salto e todo o ar de meus pulmões somem.

Ela está aqui, me esperando.

— Te vejo na segunda, Alice. Desligo o celular.


Olivia dá o primeiro passo vindo em minha direção e eu dou
o próximo, no meio do caminho nossos corpos se colidem. Ela
está tão linda, o cabelo está mais curto do que me lembro.

Enterro meu rosto em seu pescoço e inspiro seu cheiro. É o


mesmo de antes. Tudo nela está igual e ao mesmo tempo
diferente.

Ficamos um bom tempo abraçadas no meio do aeroporto,


como se tivéssemos medo de dar qualquer passo em falso e
perder uma a outra. Suas mãos acariciam meu rosto, meu
cabelo. As minhas percorrem seus braços, pescoço e nuca.

Quero lhe dizer tantas coisas, questionar outras, mas não


consigo emitir nenhum som. Lágrimas rolam por minhas
bochechas e quando nos afastamos, vejo que nas dela
também. Depois de meses separadas nossas mãos se
encaixam e é tudo que precisa ser feito nesse momento.
◆◆◆

Olivia abre a porta de sua casa e me deixa entrar, largo


minha bolsa no chão e a empurro contra a parede, seus lábios
encontram o meu e solto um gemido em resposta.

Como senti saudades desse beijo.

Abro a boca para que nossas línguas se encontrem. Minhas


mãos ávidas retiram qualquer coisa que atrapalhe o toque de
nossas peles, começo pela blusa e depois o sutiã.

Ouço um latido e solto um grito quando vejo um cachorro


enorme correr em nossa direção.

—Bruce, senta. — O cachorro para a poucos centímetros de


nós duas.
— Bom garoto.

— Han... — desisto de tentar formular qualquer coisa e volto


a beija-la.

Olivia nos conduz pelo corredor, nossos lábios não se


desgrudam até que eu esteja deitada na cama. A ajudo a retirar
minha calça e o sutiã.

Abro minhas pernas para lhe dar passagem até meu sexo. A
ponta de sua língua vai de encontro ao meu clitóris inchado e sinto o
mundo explodir. É como se Olivia tivesse andado por um longo
tempo em um deserto e estivesse com muita sede, e eu fosse sua
fonte inesgotável de água.

Meu corpo reage aos seus toques, sua mão habilidosa


percorre minha cintura enquanto sua boca me devora. Contorço-me
e me desfaço até sentir uma onda de prazer forte.
Olivia penetra dois dedos em mim, seu polegar acaricia meu
ponto inchado com carinho. Suas estocadas aumentam de ritmo a
cada segundo e eu correspondo. Já não consigo ter controle sobre
meus pensamentos ou qualquer coisa, apenas sussurro que quero
mais.

Mordo meus lábios quando Olivia coloca meu seio esquerdo


praticamente todo em sua boca.

Ela ainda se lembra exatamente de todos os lugares que


gosto de ser tocada.

— Olha pra mim, — sussurra — quero que olhe para mim


enquanto goza.

Com dificuldade abro meus olhos e fixo nos seus. Olivia


geme quando rebolo em seus dedos, minhas mãos agarram os
lençóis da cama, preciso me agarrar em algo.

Solto um gemido estrangulado antes de meu corpo se


arrepiar e eu ter mais um orgasmo. O sorriso nos lábios da mulher a
minha frente faz com que eu queira mais.

Muito mais.

Empurro Olivia contra o colchão.

— Minha vez — sussurro.

Percorro meus lábios por toda a extensão de seu corpo,


recordando de cada centímetro dele. Matando a saudade de
sua pele quente. Não contenho o sorriso quando a vejo se
arrepiar por eu ter passado as unhas levemente por sua
barriga.

Dou pequenos beijos castos ao redor do bico de seus seios


intumescidos antes de morde-los. Suas mãos pressionam
minha cabeça e é todo o incentivo que preciso para abocanhar
um deles, faço o mesmo com o outro depois de um tempo e
desço.

Revivo em minha cabeça a primeira vez que fiz isso, a


sensação de seu gosto em minha boca é eletrizante. Com certa
timidez lambo toda a extensão de seu centro antes de focar seu
ponto inchado. Os gemidos que saem de sua boca me deixam
doida.

Percorro suas pernas longas com a ponta de meus dedos.

Faço movimentos circulares, o barulho de sucção me deixa


ainda mais excitada e a penetro com dois dedos. Alternando o
movimento de meus dedos e minha língua, não demora para
que Olivia prenda minha cabeça com suas pernas e suspire de
prazer.

Durante toda a tarde e boa parte da noite fazemos amor.


Primeiro no quarto, depois no banheiro, no sofá, no chão, no
tapete. E em todos esses momentos eu digo que a amo.

◆◆◆

Acordo sentindo beijos em minhas costas e me mexo na


cama.

— Desse jeito vou morrer antes mesmo de estar pronta para


a próxima. — Digo um pouco sonolenta. — A não ser que curta
namorar com cadáveres.

— Necrofilia não é muito a minha praia.


Viro-me para abraçá-la. Suas mãos acariciam meus cabelos
e suspiro em puro deleite.

— Eu senti a sua falta. ⸻ Olivia diz.

— E eu senti a sua.

— Naquele dia, em que me viu no banheiro com Nicole... não


foi o que estava pensando, Alice. Ela quem me beijou, fui pega de
surpresa e não consegui fazer nada para impedi-la.

Fico em silêncio por um tempo tentando digerir tudo. Olivia


aproveita para contar toda a história desde que voltou para São
Paulo de BH, escuto atentamente todas as suas lamentações.
Aproveito para contar como foi para mim também, a saudade que
senti, a vergonha, minha vontade desesperadora de pedir desculpas
por tudo o que disse.

— Eu até troquei de número para conseguir falar com você —


diz me olhando — e mesmo assim, sem resultado.

— Eu também tentei de ligar depois de um tempo, um


homem que atendia.
Ela pega o celular no chão do quarto e me mostra seu
número, solto gargalhadas e quando ela me olha confusa, explico
tudo a respeito.

— Parece que o destino gosta mesmo de pregar peças.

Olivia volta para a cama e dormimos o restante do dia.


Epílogo

Alice

Demorou seis meses para que eu me acostumasse com a nova


rotina de sócia e responsável adjunta da empresa, nesse meio
tempo tive que ficar dois meses em Portugal para participar de
reuniões administrativas e sanar dúvidas sobre possíveis contratos.
Foi muito difícil ficar esse tempo todo sem Olivia, nos acostumamos
a passar muito tempo juntas.

Desde que voltei a São Paulo, não voltei para o meu


antigo apartamento, Olivia não queria dormir sem mim e nem
eu sem ela. A casa dela passou a ser nossa, Bruce me aceitou
facilmente, claro que precisei suborná-lo com um ou dois
petiscos, mas nos demos super bem.

Depois de um ano intercalando entre SP e Lisboa,


consegui um mês de férias. Olivia não conseguiu o mesmo,
mas pelo menos ficará duas semanas em casa antes de ter que
voltar a trabalhar no hospital, então decidimos aproveitar e
visitar meus pais em BH.

A recepção foi a mais calorosa possível, vovó chorou por


duas horas quando nos viu juntas até começar a discutir com
minha mãe sobre o bolo de cenoura que deu errado. Mariana
apareceu com Arthur em uma tarde de quarta-feira, o receio ao
me ver foi palpável, ainda não a perdoei pelas mentiras e pelo
que fez, aparentemente vai demorar um tempo para que eu
aceite o que ela fez e volte a confiar nela.
Em um final de semana decidimos repentinamente ir até a
Serra do Cipó, o calor infernal não estava dando trégua, então
juntamos nossas coisas e caímos na estrada. Entramos em um
impasse sobre ir até o Véu da Noiva ou nos hospedarmos em
um chalé próximo à cidade, mas logo foi resolvido.

Vovó não podia andar muito, principalmente longas


escaladas, então optamos por ficar em um chalé a poucos
minutos do centro da Serra do Cipó.

Aproveitamos a cachoeira mais próxima e no fim da tarde


fomos a um bar de motoqueiros no fim da rua. Várias motos
estão estacionadas próximas à entrada, o local não está tão
cheio quanto esperávamos, tendo
em vista a quantidade de motos lá fora. Rodeamos o local
com os olhos e escolhemos uma mesa para 7 pessoas.

— Não podemos ir para outro lugar? — Pergunta Mariana. —


Esse lugar não me parece muito receptivo para clientes que não
sejam motoqueiros... ou melhor, motoqueiras.

Apenas noto que 100% das pessoas que compõem o lugar


são mulheres porque minha irmã falou, exceto meu pai e Arthur, não
tem nenhum outro homem. Todas estão com jaquetas de couro,
algumas com uma sereia nas costas, outras com uma mulher com
chifres.

Todas estão rindo e bebendo.

— É um lugar legal — Diz mamãe.

—Bom, — levanto-me — vou conseguir alguns copos e


cerveja.

Caminho em direção à barwoman e faço meu pedido, um


rock alternativo saí das caixas de som e eu tamborilo os dedos junto
com a batida.
Sinto uma mão acariciar minha cintura, sorrio pensando que
é Olivia mas logo o desfaço quando vejo uma mulher com o dobro
da minha idade.

— O que uma coisinha linda como você está fazendo aqui


sozinha?

Meus olhos encontram o de Olivia e silenciosamente peço


socorro, ela entende e caminha em nossa direção. Não noto quando
outra mulher, um pouco mais nova do que eu e com uma tatuagem
no pescoço, se aproxima, mas a compreensão em seu rosto ao
perceber meu desespero é evidente.

Seus olhos castanhos claros analisam a mulher mais velha a


nossa frente antes de dizer:

— Silvana, — diz sorrindo — isso é jeito de tratar minha


cliente?

A mulher mais velha, que descobri que se chama Silvana, ri


com escárnio.

Precisa aprender a dividir a carne fresca, Laura. — Silvana



responde. — Uma coisinha dessas não pode ficar sozinha por ai.

— Essa coisinha tem namorada.

Todas olhamos para Olivia a poucos centímetros de nós


duas.

— Vejam só, — diz Silvana — é mais linda que a outra.

Laura agarra o tecido de couro da jaqueta da mulher mais


velha e a
puxa.

— Vamos.
As duas somem pela porta de saída e respiro aliviada.
Nesse momento a barwoman aparece com sete copos e duas
garrafas de cerveja. Voltamos para nossa mesa.

— O que aconteceu ali? — Pergunta vovó.

— Nada demais.

A tensão de poucos minutos atrás se desfaz quando


mudamos de assunto, tomamos mais duas rodadas de cerveja
antes de decidirmos ir embora. Nesse momento, a mesma
mulher, que se chama Laura, se aproxima.

— Por favor — Laura nos diz — perdoe o ocorrido de mais


cedo. Nós não compactuamos com as atitudes que ela teve. Espero
que não tenham tido nenhum problema depois disso.

O sorriso genuíno em seus lábios fazem com que Mariana


core.

— Está tudo bem, — digo sorrindo — foi apenas um mal


entendido.

Ela prende os sedosos cabelos castanhos em um rabo de


cavalo e ajeita a jaqueta de couro, ao ouvir seu nome, Laura se vira.
Uma mulher de cabelos negros e olhos azuis cobaltos penetrantes a
analisam.

— Precisamos ir — diz friamente.

Laura se vira para todos nós novamente.


— Aproveitem o dia. E voltem amanhã, darei bebida de graça
como pedido de desculpas.

Depois que ela se vai, papai limpa a garganta e se levanta.

— Bom, — diz — é um ótimo lugar para se vir quando está


solteiro, não é mesmo?

Todos gargalhamos e saímos do bar.

Mariana e Arthur decidem ir para a piscina junto com meus


pais, já eu e Olivia decidimos aproveitar o momento para tirar um
cochilo antes do jantar. Deixo que minha namorada vá tomar um
banho primeiro e ajudo vovó a retirar seu maiô em seu chalé,
quando volto, algumas pétalas estão jogadas no chão, assim como
em cima da cama.

Olivia está ajoelhada com uma pequena caixa aberta em sua


mão, olho para as duas alianças com uma pequena pedra topázio
no centro e cubro minha boca.

— Alice...

— Sim.

— Mas você nem me deixou falar.

— Não preciso, — ajoelho-me a sua frente e seguro suas


mãos — a resposta sempre vai ser sim.
Agradecimentos

Muitas pessoas foram fundamentais para esse livro. Quero


agradecer primeiro a Editora Building Dreams por aceitar essa
parceria. Danielli, muito obrigada por cada hora que passou me
ajudando a finalizar essas páginas.

Mariana Froes, a sua música foi uma grande inspiração para


mim. Se não fosse pela música “Moça”, provavelmente Alice não
seria a personagem que é hoje.

Meus pais, obrigada por me apoiarem desde o início. Pulamos


de cabeça nisso e eu só tenho a agradecer por cada incentivo.

Nathália, você é um dos meus grandes pilares da vida. Surtar


com você no decorrer do projeto desse livro fez com que meus dias
fossem mais alegres. Eu te amo.

Jeislianne, suas risadas durante a leitura e pontos de vista foram


extremamente fundamentais para me fazer continuar a escrever.

Por fim.

Thawanne, nada disso seria possível se não fosse o seu apoio.


Obrigada por cada minuto dedicado a leitura não apenas dessa
história, mas de várias outras. A jornada da minha vida tem mais
sentido ao seu lado. Você é a mulher da minha vida e eu te amo
imensamente por isso.
[1] Trecho da música Sweet Child O’ Mine — Guns N’ Roses.

Você também pode gostar