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IVALDIR DE SAGITÁRIO

VIBRATOSCÓPIO
Copyright © 2021, by Ivaldir De Sagitário & Arca Digital - Editora.

Título: Vibratoscópio.

Autor: Ivaldir De Sagitário.

Gerentes Editoriais: Zacarias Casimiro, Angerlio Mariano.

Projecto de Capa: Angerlio Mariano.

Revisão: Ivaldir Siofeni.

Projeto Gráfico: Zacarias Casimiro.

1a Edição: Luanda, 2021.

Todos os direitos desta edição reservados à: Arca Digital - Editora.

Endereço: Angola, Luanda, KK - 5000, F3a, Apt. 42.

E-mail: arcadigitaleditora@gmail.com

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Tel: +244 944438741 / +244 993689657


Prólogo

Na infinitude de enormes e microscópicos


organismos, na combinação de sinergias, leis e
mecanismos, a milhas de distância da terra, no mover e
parar de meteoros e estrelas, entre as diversas órbitas e
sistemas... é bem onde estamos; enraizados no olhar do
caos, na intensidade das energias e no jogo de luzes que
contrapõem a escuridão universal, estamos nós, circanos,
uma forma vital diferente e, para mais, uma fonte de
poderes inteligentes sobre as restantes formas viventes…
ou, pelo menos…

…quase todas elas.

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Muhatu é como sou chamada; tenho cada vez mais
de 819.936.000 de segundos existenciais e vivo apeando
em solos de Braina, nação de Urántia, continente capital
de Circa, planeta onde moramos. Ergui meus anos de
vida sob responsabilidade dos meus pais, conhecidos
como aliens muito importantes para a evolução do nosso
planeta face à luta pela sobrevivência no cosmos. Com o
passar dos milénios, planetas vão se tornando extintos
pela baixa produção de energia intelectual e, em
detrimento da evolução gerida pelo governo do meu pai, o
Relattus apresenta o nosso planeta bastante invicto, pois
há uma dimensão de diferença entre a nossa produção e
as produções dos demais planetas, fazendo com que
sejam os exércitos de Circa a demolirem os planetas
condenados em seus respectivos milénios. "Faz tempos
que isso não muda". Rezam os anciãos.

Em Circa, é dever dos homens trabalhar em


organizações, ao passo que as mulheres devem somente
supervisionar as crianças e certificarem-se do
desenvolvimento intelectual delas. O nosso governo tem
levado muito a sério essa selecção universal, de modo a
não sermos varridos da existência e nem a corrermos

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0,5% desse risco. Sendo assim, os nossos pequenos já
superam os QIs de adultos de muitos outros planetas.
Aqui, as crianças fazem operações matemáticas sem
máquinas de calcular, são treinadas a acertar
mentalmente os números que sucedem a vírgula, sabem
quantos passos dão ao sair e ao voltar para a casa e
sabem medir temperaturas exactas sem olhar para um
termómetro; até 5 anos, elas já devem saber criar
tecnologias de definição primária e já devem possuir a
óptica microscópica, de modo a verem quantas matérias
menores existem na superfície de uma matéria maior; aos
10 anos, já devem conhecer a anatomia do nosso corpo e
identificar cientificamente, sem ter que ficar só pela
cabeça, pelo tronco e pelos membros; já sabem como
ocorrem muitos fenómenos e, aos 15 anos, os nossos
rapazes aliens são encaminhados para organizações
científicas e militares, de modo que sejamos entidades
intocáveis em próprios territórios e em territórios alheios,
bem como possuirmos ciências e sistemas de alta
definição.

Há três estações na nossa envoltura que se


vigoram simultaneamente, sendo dois invernos e um

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outono. O primeiro inverno é climático; nossos continentes
são frios e nublados. É até irónico eu dizer que as cidades
são frias porque frio é algo que, de tanto sermos, já não
sentimos. Isso remete ao segundo inverno, que é
orgânico. Nossos grandes olhos são pretos, neutros, sem
expressão e, em seus reflexos, podemos ver só as
urbanizações tecnológicas e a estrutura insatisfeita do
planeta nos outonos. As ruas são seguras, cinzas de dia,
luminosas de noite e, apesar de existirem crianças, não
há caos; muito pelo contrário, há extremo silêncio e
ordem, mas sempre ouvi da minha mãe que, para o par
de ouvidos de quem tem filhos, há mais caos no silêncio
do que no barulho. Nunca entendi essa oposição, visto
que somos a forma de vida concreta mais evoluída no
cosmos.

Sempre salvei a ambição de fazer parte de alguma


organização e contribuir para o desenvolvimento circano,
tal como o meu pai, mas, infelizmente, pertenço ao sexo
feminino e devia estar conformada com a ideia de só
supervisionar as crianças para concretizarem o sonho que
idealizei para mim.

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O Relattus é uma entidade superior aos governos
que representam os planetas. Ele é a energia consciente
que se encarrega de controlar as nossas produções de
energia e de anunciar, em intervalo milenar, qual o
planeta a ser aniquilado, seja de que galáxia for. Segundo
os materiais usado nas academias, ele dita a sentença de
cada planeta com base na lei de Lectus e este
mencionado é juntamente uma lei e um critério vivo usado
para medir as energias cognitivas que cada planeta,
através das suas formas viventes, emite às colmeias do
universo. Daí, essa lei é uma temperatura muito abaixo de
0º para planetas de cognição baixa.

Na sequência dos anos, pegando o rótulo de


rebelde, fui tendo acesso aos materiais usados
exclusivamente nas organizações, fazendo com que
estivesse dois passos a frente de outras crianças e,
posteriormente, adolescentes; fossem meninos ou
meninas. Esse desenvolvimento prematuro permitiu que o
meu pai compreendesse habilidades especiais em mim e
se orgulhasse do progresso intelectual da filha.

Por natureza e por essência, circanos são


intelectuais e, consequentemente, uma fusão de glaciares
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e céus nublados. Há frieza em nossas peles, olhos e
sangues. São milénios com a cultura de guerra enraizada
nos nossos solos; então, basta nascermos e já entramos
para essa marcha de honra, de posse, de evolução e
superioridade. Como resultado disso, nossos progenitores
preferem os rapazes porque seguem para o destino que
os orgulha, mas, enquanto excepção, meu pai se orgulha
de mim e se sente honrado, não apenas pela posição que
tem em Circa, mas por ser o pai de quem abraça, desde
cedo, uma cognição muito significativa.

Apesar da imensa frieza, eu via nos olhos do meu


pai um verbo novo que clamava por socorro. Era como
quem estivesse a atravessar de um orgulho egoísta para
um orgulho mais profundo, mais cintilante e, no escuro de
alcatrão que cobria os seus grandes olhos, via-se brilhos
oscilando toda a vez que eu conversasse com ele sobre
ciências e organizações. Era como uma impressão, uma
paranóia minha; era algo que, mesmo vendo de perto,
você duvidaria de si mesmo se alguém dissesse que foi
só coisa da cabeça.

Dois anos se passaram e, num dia inesperado, ele


chega em casa com um presente. Na verdade, tratava-se
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de um telescópio e eu sempre quis olhar para um, mas tal
realização era impossível porque telescópios são para as
organizações e as mulheres não são dignas de pisar em
organizações, pelo que entrei em um estado
desconhecido… era o estado que presumo ver o meu pai
da outra vez. Parecia que microorganismos percorriam
velozes pelo meu rosto, ou que pequenas cargas
eléctricas percorressem pelos meus braços. Senti-me
como um ser novo a olhar para uma terra nova de
objectos novos. Eu inclinava ligeiramente a cabeça como
um animal desconfiado, explorava o presente com os
olhos, tocava, e olhava para o meu pai, que parecia entrar
no estado outrora experimentado, provavelmente. Foi
quando, tomada pelo receio e pela curiosidade,
questionei:

— Não vai contra as leis do Relattus, pai? As


mulheres não são indignas? Eu não sou da organização...
— Tão logo acabei de dizer, ele olhou para cima, suspirou
e…

— É quebrando leis que descobrimos onde


realmente estamos. Ensinam-nos que cumprir a lei é bom
porque, se nos disserem também que é limitador,
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matrizes passarão a ser questionadas. Se Relattus fosse
uma mulher, os indignos, muito provavelmente, seriam os
homens e, no mais, os esclarecidos mentem aos cegos.

— Mas, p… — Tento rebater até ser interrompida


de novo.

— Preste atenção, Muhatu… e sim, eu disse


"Muhatu": o céu que vemos não é um fundo plano no qual
as estrelas estão coladas. O céu que vemos é, na
verdade, uma profundidade onde estrelas que não vemos
vão muito além das estrelas que vemos. É tudo o que
posso dizer. Olhe para o seu telescópio e perceba que,
enquanto presentes, o exterior não se resume na mão
que nos segura. E, antes que eu me esqueça, tome estes
manuais. Se aproximam épocas importantes para o
cosmos e, no caso de não poder estar disponível para
conversarmos, consulte-os. Contêm mais informações
que os que tem estudado secretamente — disse, dando a
entender que sabe do meu atrevimento e retirou-se,
reforçando com um decrescente "até a vista, Muhatu".

Mergulhei o meu córtex em torno da conversa e


comecei a ter percepções que me deixavam menos

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segura. Fui pega novamente por sensações estranhas,
mas essas eram mais pesadas do que eléctricas.
Braina… Urántia… Circa… Cosmos…Relattus… Lectus…
tudo passou a soar mais escuro, mais agressivo, mais
misterioso e, por pouco, abria mão de querer servir às
organizações, mas o telescópio ao lado tinha uma
conexão irresistível com a minha curiosidade. Então, não
tive outra escolha, senão aproximar-me e tocar por mais
instantes.

Somando meses e mais umas dezenas de dias


anotados, me enchia da experiência arrebatadora de olhar
para mais ângulos de onde estamos. Do meu canto de
privacidade, pude ver outras galáxias, outras luzes, outras
cores, outros sistemas e outros planetas. A sensação de
conhecer corpos e espaços além de Circa era muito
crescente; orgulhava-me de conhecer cada canto
existente, mas, foi quando, ao virar a lente para uma
direcção qualquer, o meu telescópio vibrou ligeiramente.
Com uma sensação nova, e bem mais veloz ainda,
afastei-me, questionando a mim mesma o que causou tal
sucedido, surgindo depois que, em movimentos lentos,
aproximei-me de novo, segurei mais firme de modo a

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adaptar as minhas mãos à ligeira vibração do telescópio e
voltei a olhar, quando fui surpreendida pela vista mais rara
que já tive na vida...

No meu fascínio em ver planetas diferentes do


meu, me deparo com um cuja estética é diferente não
apenas do meu, como dos demais. Trata-se de um
planeta cujas vestes nenhum QI podia imaginar que existe
sem ter que ver antes. A roupagem era cercada por
nuvens veludosas que realçavam a flora verde domando o
ar… aquele misto de azul e cristal que se poetizavam em
ondas com o mover espiral de seres, aquelas marcas
sólidas esculpindo a superfície e aquelas voltas sensuais
de planeta no cio…

Sem dúvidas, era mais do que um planeta. Eu


estava mesmo era diante de um poema! A coisa parecia a
menina do universo, tão tímida… como a mulher que
podia ter tudo, mas que preferiu simplesmente sorrir para
o eterno, feito apaixonada e muito bem amada. Eu olhava
para ela e tudo o que sempre vi no seu silêncio é que
tinha muito por dizer.

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Segui dias e noites olhando para o planeta recém-
descoberto e, além da bonita roupagem que tinha, voltei a
sentir o meu corpo estranho. Era como se,
definitivamente, estivesse a nascer um novo sentido em
mim. Foi quando lembrei-me dos materiais dados pelo
meu pai que folhei as páginas até ver a sua imagem e a
sua descrição, pelo que conheci o seu nome e se chama
Terra. Conhecendo, só havia uma razão para uma coisa
tão bonita ter um nome pesado e isso pode ser a causa
da vibração que senti no meu telescópio no experimento
passado. Aprendemos por anos que o "z" é a maior fonte
de vibração no cosmos, mas acabara de descobrir que a
maior fonte se chama "r". Começava a achar tudo
estranho e a rezar em voz terna que os esclarecidos
mentem aos cegos. Era tudo prematuro para mim, pelo
que abanei a cabeça em velocidade e concentrei-me na
minha apreciação pelo planeta novo.

Com olhares e leituras, fui conhecendo sobre a


Terra desde a superfície até ao seu interior. Aliás, o
excitar dela é tão húmido e quente, que conforta vidas
tanto na sua superfície quanto no seu interior. Nas noites,
ela parece uma princesa adormecida com pequenos

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luzeiros vindos dela. Nas manhãs, ela parece uma rainha
no cio, saciando os raios de sol dentro dela. Foi mais que
suficiente para me extasiar na percepção relâmpago de
que podemos não ser absolutamente evoluídos. Talvez
tenhamos sido só injectados com uma dose de alienação
mais discreta que a dos demais. "Pensar fora da caixa"…
isso nos recomendam, mas porquê não recomendam
descobrirmos quantas caixas devemos perfurar? E se, ao
sairmos de uma caixa, nos deparamos com uma segunda
mais espaçosa e, no entanto, mais ilusória? E se
verdades forem só mentiras levadas a sério? E se a forma
menos vergonhosa de pregar o caminho errado for fazê-lo
parecer o caminho certo? E se o que pensamos ser a lei
da existência for somente a vontade de alguém que
prevaleceu por autoridade e influência? Quem criou o
conceito de desvantagem e com que urgência as coisas
tinham que ser assim? Não havia nenhum outro jeito do
qual as coisas podiam ser?! Se um colo quente é o que
temos para dar, por que razão devemos criar homens
para serem frios? Como pode a lei saber que a punição
dói e, ainda assim, permitir que inocentes nasçam e vivam
caminhando cegamente para a dor? Onde estamos, afinal
de contas?!
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Hoje, bem além dos 473.040.000 segundos,
concretamente com 819.936.000, possuo a competência
para trabalhar em prol da nossa pátria alienígena, do
continente e do planeta, mas a lei continua resistente e,
aos olhos das autoridades, não posso entrar para o
sistema. O facto é que se aproxima o fecho do actual
milénio e, como planeta representante do cosmos, o
Relattus vai anunciar o próximo a ser varrido da
existência. Sempre temos os planetas desenvolvidos
como os predilectos, mas, independentemente disso, é
um horror ver um planeta ser aniquilado, por menos
importante que seja. São diversos "eu" a terem seus
direitos de existir violados, são projectos futuros a serem
interrompidos e um momento de paz a se tornar
infernizado. Sempre dói e é uma desvalorização total
morrer sabendo que é o universo a abrir mão de nós, e
que só os outros continuarão vivos por estarem a
merecer. Isso é como ver o seu pai entre você e o seu
irmão a decidir que não será a sua vida a ter continuação.
É uma forma dolorosa e fria de se degradar. É a dor, o fim
de um processo, a desilusão, a sensação de se tornar
moído, com a consciência de inútil, de desprezível, e a

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percepção de últimos instantes que estamos a ser
varridos do universo feito lixos.

Já é muito, o que o fim deste milénio e a abertura


do próximo farão, mas, como se não bastasse, está para
ocorrer algo que, se não fossem os meus anos
prematuros de estudo, eu não estaria a saber; são
informações que o Relattus possui e que, apesar dos
milénios que Circa tem, nenhum governo anterior teve
acesso, ou nunca revelou, pelo menos.

«Há mais de 100 milénios, a existência, após


tempos em clímax, concebeu e deu a luz a
materialização, elevando Rellatus e pondo, a seguir,
Lectus e Sensus como regentes de planetas cuja
finalidade era produzir, paralelamente, energias verticais e
horizontais para o universo. Lectus era observador, sério,
frio, calculista e perfeccionista, ao passo que Sensus era
sensível, cuidadoso, sorridente, calorosamente tenro e
interactivo. Apesar de Lectus ser trancado para o
perfeccionismo, ele gostava da ideia de ser preferido
como Sensus era até mesmo pelos planetas que ele não
regia. A princípio, essa ambição pertencia somente a
Lectus, mas, cansado de ser um mero e figurante
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supervisor, Relattus também queria ser desejado e
percebeu que, para esse feito, 3 era demais e precisava
tirar um do caminho. Inocente que era, Sensus é
armadilhado por Lectus e, apesar da decepção tatuada no
cintilar dos seus olhos, foi selado no orifício negro da
dormência, pairando em sua paralisia para os confins do
mesmo orifício.

Com Sensus fora do caminho, os planetas que ele


regia entraram em estado de vulnerabilidade, o que
resultaria na perda de imunidade após um intervalo
regular de milénios. Segundo o livro sagrado maior, que
me foi dado pelo meu pai, ele regia 15 planetas e, dos
alistados como seus, Terra é o único da lista que se
encontra existente… aliás, é o planeta que, se degradado,
fará Sensus passar da dormência para a inexistência e é
daí que surge o ritual apostado por Relattus e Lectus, de
eliminar todos os planetas sensíveis nos milénios de
neutra imunidade.

Quando Lectus percebe a sua aversão por seres


que não correspondem às suas exigências, Relattus
passa-lhe o segredo de afastar existências femininas das
organizações como forma de apurar o ego masculino e
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impossibilitar, cada vez mais, o despertar de Sensus, visto
que as mulheres se identificam melhor com a sua energia
existencial e os homens amam a ideia de permanecerem
com o poder. Foi da intolerância de Lectus a planetas de
baixa cognição que começou o ritual de aniquilá-los e, até
hoje, é-nos ensinado pelos governos que é mera selecção
do universo.

O livro também revela a profecia de que só o nome


genuíno da mãe existência pode despertar uma lei vital,
seja Lectus ou Sensus, horizontal ou vertical,
respectivamente, mas em nenhum momento o precioso
nome é mencionado nos livros sagrados do cosmos,
infelizmente, mas foi a mesma que, com supremacia e
equilíbrio, tornou siameses dois planetas com regências
diferentes. A serem… fico até sem forças para falar sobre
isso.»

Se consagra hoje o fim de um milénio e, até ao fim


do dia, 11h59 p.m, o meu pai terá a ordem dada por
Relattus de anunciar, em público, o planeta em
despedida, bem como a de abrir fogo para que os
exércitos circanos dêem início à destruição. São 08h34
p.m e devo, o quanto antes, chegar ao local de
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concentração, perfurar a enchente populacional e violar a
privacidade do altar... mesmo que isso me custe caro.

Já no local, a noite se mostra mais fria, a neve soa


mais sólida do que tenra, as nuvens estão 10 vezes mais
densas e, pela primeira vez, os aliens de Braina parecem
sentir alguma coisa. Talvez cause algum impacto mesmo,
ter que nascer justo num tempo que coincida com tal
ocorrência. Há um projector com resolução enorme no
qual poderemos ver como se deita um planeta abaixo. No
púlpito, estão sentados os anciãos do ministério cósmico
e os presidentes dos países e continentes circanos; à
volta, estão batalhões armados, equipados e com naves
de matéria invicta, ligados, a espera da ordem. Tudo
indica que… sem chances... haverá chamas e cinzas
como lágrimas de um condenado planeta em escombros.

Com já algumas horas de discurso, tudo o que me


permiti fazer até agora foi inflamar-me da coragem de
cometer um desacato às autoridades do planeta. Senti um
misto de peso, pressão e frio sobre a fronte do meu tronco
e, sem saber como as minhas pernas se moveram, estou
aqui… no altar… a interromper o discurso de um
presidente e a correr o gigantesco risco de ser
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sancionada. A população olha para mim com um misto de
semblantes surpresos; por um lado, pode ser a minha
barbaridade, a forma como coube na minha cabeça
tamanha coragem dessas e, por outro, pode ser a minha
estética peculiar, o que tornou o observar das mulheres
bem mais destacado em relação aos demais. Enquanto
os agentes do protocolo vêm buscar-me, o meu pai
despe-se do profissionalismo e faz um sinal para que eles
fiquem descansados.

— Com a máxima das reverências, saúdo-vos e


peço mil perdões pela invasão. Meu nome é Muhatu e ser
mulher não me impede de me importar com cada um de
vocês que se encontra aqui — A abordagem despertou
alguns espantos a volta, sobretudo dos anciãos. — Desde
pequena que estudo secretamente livros comuns e
sagrados e, apesar do sexo, sempre quis trabalhar para o
desenvolvimento de Circa. Eu não estaria aqui se a razão
não fosse realmente urgente, pelo que peço um bom
pedaço da vossa atenção e a permissão da vossa
excelência.

— Tem a permissão — respondeu o Sr. Presidente,


meu pai, abanando a cabeça em vértices.
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— Sem que vocês me digam, eu sei que esperar
pelo começo do novo milénio vos deixa desconfortáveis,
apesar de sermos formatados desde o berço a encará-lo
como motivo de comemoração.

— O que aprendeu com os seus supostos anos de


estudo, menina? — Perguntou um dos anciãos do
ministério.

— Humildemente, o suficiente para saber que o


planeta a ser varrido hoje é a Terra e que Lectus não é a
única lei existente no cosmos. Isso pode ser conferido —
Tão logo respondi, ele se prontificou a afrontar com outra
questão, mas outro ancião estendeu-lhe o braço, de modo
a me permitir dizer mais acerca do que sei.

— O que mais, menina Muhatu? — perguntou o


segundo ancião do ministério.

— (…)e a terra será varrida pela dormência de


Sensus. — Encerro a omitida história de como Lectus e
Relattus passaram a dominar o cosmos.

— A história não é muito própria para a sua posse,


mas também não parece ser inventada — argumentou o

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segundo ancião, fazendo com que outros abanassem as
cabeças, a concordar. — Vossa excelência, permita-nos,
por favor, saber se, de facto, a Terra é o planeta em
despedida.

É consultado o algoritmo e, de facto, a Terra é o


planeta condenado, pelo que a população passa a
murmurar e a se mostrar mais interessada no que tenho
para dizer. É praticamente impossível ver circanos em
estado de curiosidade, mas sucedeu e, se assim não
fosse, muito provavelmente eu seria varrida com o planeta
em questão. O meu pai não tem e não terá muito a dizer,
pois, na situação de sua filha ser a transgressora, ele
deve permanecer neutro. Além disso, me deixar tomar
posse da voz já excede os direitos que tem enquanto
entidade séria e não posso cobrar além.

— Até aqui, se mostra digna da nossa


concordância. Mas, com os meus anos de experiência,
cabe-me dizer que a sua opinião certa não anula o facto
de ser a vez da Terra, visto que, ainda assim, teve de
facto uma produção intelectual muito baixa — disse o
ancião que se pronunciou primeiro, ganhando
concordâncias audíveis vindas do público.
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— Começo a entender que o que lhe levou a correr
tamanho risco não é uma questão tão simples. Se é uma
mulher que teve acesso a materiais comuns e sagrados,
seria sensato ouvirmos o quanto é implicante ser a Terra
— Aqui, ocorreu uma concordância mais audível ainda. —
Retome a voz, menina Muhatu!

— Pelo andar da coisa, é provável que eu nunca


mais abra a boca e solte alguma voz um dia. Então, peço
que, por favor, ouçam com muita atenção:

A Terra está na lista dos planetas que têm muito a


aprender connosco, como também é a única na lista dos
que podem nos ensinar alguma coisa! De facto, os
terráqueos não são capazes de resolver operações
matemáticas complexas em segundos e sem o uso de
máquinas calculadoras, nem de saber com os 40 anos
tudo o que já sabemos aos 15; poucos seres por lá têm
noção milimétrica das leis biológicas, físicas e
psicológicas, mas eles estão isentos da aniquilação por
cumprirem a lei principal e superior do ser, que é a lei de
Sensus. Eles podem não saber como nós sabemos, mas
têm sentimentos e sentem como nós não sentimos. O
nível intelectual que eles ainda não desenvolveram, na
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verdade, compensa na magia que artilha o universo em
cada batimento de um coração. A Terra, em tempos
actuais, é o único planeta que satisfaz o universo na sua
sede de vibrações. Ela vibra porque, apesar das suas
limitações, há corações que batem vindos dela, há
pessoas e animais fazendo dela a maior magia do
cosmos, há almas produzindo calor e, parecendo que
não, isso tem para o universo toneladas de valor. O nosso
intelecto nos manteve frios por milhares de anos e, como
afirma a lei superior, é inútil explorarmos 100% do nosso
QI sem experimentarmos 1% da sensação de ter um
coração no peito a bater e fazer o universo sorrir. Dá até
inveja e peso de admitir, mas é a terra que vem auxiliando
o nosso universo a produzir as ondas de energia que nos
mantêm vivos e capazes de evoluir o intelecto que tanto
formatamos nas gerações do nosso globo.

— É tudo muito confuso para nós, menina Muhatu,


e muito comprometedor… apesar de fazer sentido. Como
pode um planeta ser auxiliar do universo na produção de
energia vital? Ainda mais a Terra? — questiona o
segundo ancião, balanceando informações passadas e
informações presentes.

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— Talvez nem mesmo eles saibam disso, mas o
forte do universo não é o intelecto, e sim o sentir, o
energizar, o discernir e o eternizar. Eles podem estar
modestos quanto a essa importância, mas são eles que
revitalizam o universo porque, de milésimo a milésimo,
são completos. Nós temos a água, o ar e o solo, mas,
além desses 3 elementos, eles têm o fogo. A lei de Lectus
nunca será capaz de nos ensinar isso! O universo precisa
de fogo, de intensidade, de calor, e é uma ofensa contra o
cosmos aniquilar o único planeta vivo baptizado pelo sol.

Na terra, as mulheres são lindas — tão logo o


disse, as aliens acentuaram ainda mais as suas atenções
para o que diria a seguir. — Elas enlouquecem os
homens, têm cinturas acentuadas e peitos para fazer da
estrutura delas uma dança; elas têm vozes
maioritariamente bonitas e, diferente daqui, os homens
reagem loucamente aos encantos delas. Os seus andares
possuem formatos e elas têm a arte de andar de saltos.
Cansei de viver de tecnologias e cálculos! Eu quero ser
como elas… bonita, delicada, perfumada, adornada e
estimada por qualquer zona passada. Quero tonificar o
brilho dos meus olhos, o mover dos meus cabelos, a

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electricidade dos meus lábios e a relevância dos meus
seios. Lá, os meninos gostam das meninas e, quando há
reciprocidade, trocam cartas perfumadas e bonitas. É por
não termos esse princípio que os nossos homens nos
subestimam.

As crianças ficam felizes quando recebem


presentes e os progenitores quebram-se em dois na
sensação de verem seus filhos comerem e livrarem-se da
fome. Apesar das oportunidades se alojarem mais em
territórios urbanos, as crianças dos subúrbios brincam de
dia e de noite, jogam bola mesmo quando não há campos
e, quando podem, jogam as escondidas à noite.

— Realmente, existe um planeta assim?! —


pergunta uma voz interessada, vinda do público.

— Sim, existe e eu falo porque vi, do livro sagrado


e do meu telescópio.

— Quer nos contar mais acerca, por obséquio? —


perguntou uma mulher da multidão, ganhando a
concordância audível de mais outros interessados.

26
— Enquanto varremos planetas e seres de energia
intelectual baixa, os humanos pegam em matérias
descartáveis e, pela reciclagem, transformam em arte. Em
um minuto, vivem anos-luz de arrepios em uma troca de
abraços e, para o universo, isso nunca será insignificante.
Humanos fazem poesia; estão longe do sobrenatural, mas
fazem da natureza um real pote de magia. Eles gostam
das cores, gostam do mar, pisam na areia e valorizam o
ar. Andam fixos sobre o chão, mas exploram a
imaginação como se não existisse força gravitacional.
Com músicas, eles podem viajar para anos passados,
materializar lembranças e ir para dimensões de sentir que
nem com as naves conseguimos ir.

Humanos não estão presos só em livros de


ciências. Eles lêem livros criativos, livros da alma, livros
sobre amor; sobre um homem olhar para uma mulher e
ver nela uma dama. Humanos dançam na chuva e, entre
eles, há constelações de arrepios em uma troca de
olhares. Nós aprendemos a explicar o arco-íris séculos
antes deles, mas eles apreciam tal fenómeno de modo a
não existir quem possa apreciar melhor do que eles. Nós
realizamos só com a sapiência o que eles pensam

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precisar de fé, mas eles têm o prazer de devorar pelos
poros o sabor de cada realização que podem fazer.

Há sol intenso na Terra, mas em Circa não!


Conseguem perceber o quanto isso é grave?! O nosso
patamar nos aproxima legitimamente dos corpos celestes,
mas nem ligamos para isso. Na terra, as estrelas sim se
sentem brilhantes. Aqueles seres que tomámos por
desprezíveis esses anos todos, na verdade, amam olhar
para a Lua em seus aspectos e fases, para as estrelas, e
corações batem empolgados quando passa uma estrela
cadente. Eles ouvem todos os dias que aliens são vezes
mais inteligentes e, ainda assim, amam a ideia de nos
conhecerem e de nos verem, nem que seja por instantes.

Algo muito bonito que acontece por lá é que


pessoas de raízes e condições diferentes se concentram
em locais para assistirem a jogos, shows de humor, de
teatro ou de música para rirem, dançarem e cantarem
juntas. Em Circa, não há essa sintonia. Sabem porquê?
Porque Lectus viciou a nossa frieza, mas ressalvo que
não a eternizou e eu me recuso a me conformar com a
sua lei e vou lutar a favor do sentir! Eu quero ser mulher,
quero encantar e fazer meu coração bater. Eu quero
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abraçar os meus irmãos, elogiar a minha mãe e saber que
existe alguma coisa viva por mim no peito do meu pai! Eu
quero ser olhada, conquistada, abraçada, despida e ter
agudas notas alcançadas. Quero me emocionar quando
tiver o meu filho no colo; quero ter sonhos e sentir o gosto
dos alimentos que como!

Por lá, as mães protegem os filhos quando estes


correm riscos de morte ou de prisão; os amigos mentem
como forma de proteger um amigo e não se entregam ao
vingar das autoridades como aqui um indivíduo faz com o
próprio irmão. Há casais felizes olhando para o céu da
noite e há noites que, por constelações e luares, se
tornam inesquecíveis em perfumados olhares. Eles são
suficientemente vivos para dançarem colados e, para em
danças separadas, as mulheres realçarem os seus
encantos.

Além de dormir, os terráqueos sonham. Eles


podem sorrir, chorar e despertar em momentos de ser
suposto os seus organismos não estarem a funcionar.
Eles não são robôs, tal como quase somos, pois
conhecem a liberdade. Eles pecam quando podem achar
em seus pecados bons momentos de felicidade. Preferem
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morrer a falta de água do que morrer pela falta de ousadia
para dar alimento à curiosidade. Eles não nasceram para
serem científicos, mas, mesmo assim, descobriram a
ciência e, com os injustos QIs que receberam,
conseguiram manter como aliada a subsistência. É nisso
que consiste a diferença: nós somos o maior nível de
existir e eles são o maior nível de sentir. Nós apenas
existimos; eles existem e vivem! É para essa arte de vida
que eu quero ir. Eu quero mais dessa vibração pulsando
em mim. Eu quero amor; quero que o vazio que há entre a
distância dos nossos corpos seja preenchido por química!
Quero que sintamos o calor da presença mesmo quando
estamos no olho da ausência. Eu quero ser mais! Quero ir
para a frente, mas também quero ir para cima.

Quero sair dessa prisão onde o sexo só existe para


procriar e durar segundos! Quero a civilização que nos
direcciona a procriações bonitas de lembrar; para
procriações que mergulham juntas do prazer, do desejo,
do calor, dos gemidos e do amor. Não podemos ser
secos. Não mais! Não podemos ser frios. Não mais!
Despertem os nossos homens a olharem para nós e a nos
quererem por perto. Não a acharem que a vida se resume

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em laboratórios e servir ao exército. A verdade é que já
não precisamos de mais milénios perdidos no labirinto
quando podemos andar em milhas de sentidos por cima
dele.

— Menina Muhatu, vou-lhe jurar que nunca, nos


meus anos de vida, ouvi uma abordagem tão consistente
e pontiaguda como essa. Nunca ousei tocar nos livros
sagrados e sempre achei a Terra um lugar comum e frio,
como o nosso.

— Decerto, vossa excelência. Eles nos pareceram


desprezíveis, mas devemos alguma soberania a eles. É
graças a essa forma de vida que Circa poderá ter
sentimentos por vocês e pelas vossas crianças. É graças
a essa forma de vida que nós, mulheres, acharemos os
nossos encantos e direitos de apreciação; é graças a
essa forma de vida que as nossas crianças poderão
alastrar um pouco mais o sorriso do universo. Os nossos
pequenos precisam brincar, aprender ciência com as
cores, com as canções; eles precisam da chama solar se
queremos que, futuramente, as mulheres circanas sejam
vistas com respeito, com amor e com desejo. Precisamos
afastar a nublagem dos seus corações para que recebam
31
e reflictam luz através dos olhos. Aliás, é para olhares
vivos que as estrelas oscilam persistentemente os seus
brilhos.

No mais, a lei de Lectus vai nos explorar até chegar


a nossa vez de sermos aniquilados.

Tão logo cessei a fala, olhei para o lado direito e


estava o meu pai, novamente com um novo olhar; aquele
verbo que clamara por socorro finalmente se materializou
nele e tudo o que aquela falta de palavras espelhava era
uma nova forma de orgulho, uma felicidade e uma
realização de vida. A sensação de vê-lo assim
constrangeu-me e, me virando de novo para a frente,
vejo, em meio a multidão, a minha mãe que sem eu
perceber passou a se adornar também. Eu quebrei-me
nesse instante… eram ondas de arrepios e sensações
cintilantes.

Começou a chover onde a multidão estava, mas


ninguém se importou. Ficámos todos estranhos, sem
noção do tempo… Tudo o que se ouvia era o chiar da
chuva e tudo o que se via eram corpos presentes e
consciências ausentes, para lá da lei, para fora da caixa,

32
para dentro da lógica e, quando do colapso se fez
silêncio, revelou-se uma flor do chão nevado e uma
criança espantou-se, vindo depois um sorriso descuidado
da sua mãe. Quem é o sorriso descuidado perto de uma
felicidade adornada? Certamente... um comprovativo.
Pareceu que estrelas desceram para os nossos olhos e,
como manifestação de felicidade, nos pusemos a chorar.

Nos aproximámos das 11h59 p.m e bradou uma luz


que, quando devia ser a génese da aniquilação, tornou-se
numa voz transcendental que reza em ecos:

"Muhatu é o primeiro ponto da mandala,


É a razão do big-bang,
É a primeira nota cantada,
A primeira gota de sangue.

Muhatu é fertilidade,
É o começo da infinitude,
É a infinitude das idades.

Muhatu é ela...
A magia que rola entre o escuro

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E o acender de uma vela.

Muhatu é existir
Muhatu é viver
Muhatu é o universo inteiro...
...batendo no peito de uma mulher."

Era uma onda de energia hipnotizante que pairava


em lentas espirais e rezava frases codificadas. A seguir,
um orifício sinistro se abriu... era uma abertura negra,
movediça, magnética e com algum propósito que,
inicialmente, ninguém percebeu. A energia que pairava
era rosa, com veste de êxtase e, a medida que inflamava,
o céu da noite se tornava mais nítido, a atmosfera se
tornava mais leve, o frio reduziu-se a ar fresco e o
alcatrão coberto de neve converteu-se em solo fértil,
capaz de brotar mais flores com fragrância e sorrisos com
textura de infância. A espiral em luminosidade rosa, por
fim, revelou consigo duas outras energias da absorção e
dirigiu-se ao orifício negro proferindo os dizeres:

"Pode o bem existir com a maldade, mas não pode a


maldade existir sem o bem, pois o bem não é egoísta.

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Levo Relattus e Lectus para a minha assombração porque
é para o brilho da sinergia que a mãe existência nos fez
como irmãos. Meu nome é Sensus e vou saborear a
vossa morte para que vocês possam saborear o meu
nascimento. Vocês já têm tudo o que precisam de
inteligência, mas precisam crescer e serem cada vez mais
plenos em convivência.

Para a evolução do universo, façam Circa colapsar


em acasalamento com a Terra. São os planetas das
extremidades e a chance do cosmos apreciar o encontro
de um amor eternamente gritante. Sorte a vossa,
circanos… sorte a vossa me terem libertado. Estavam a
passos de aniquilar os siameses e o corpo do universo,
matando o coração e abrir a contagem regressiva para a
morte do cosmos." E foi-se, entrando para o portal que os
sugou e, por fim, se fechou, culminando em pitadas de
luzes suaves caindo sobre nós, sobre as nossas peles,
sobre os nossos olhos. Eu perco as minhas forças e caio
de joelhos, leve como folha, porque tudo o que eu tinha
de energia converteu-se em gratidão pela salvação da
terra ser, simultaneamente, a nossa salvação. As naves
acabam de ser desligadas, as armas acabam de ser

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deitadas e estrelas correntes começam a percorrer
múltiplas pelo céu. Os anciãos se erguem e virámos todos
para a mesma direcção, apreciando o concerto das
estrelas fazendo da noite um gigantesco circo.

São passadas as horas sem sequer serem notadas,


as luzes tecnológicas da cidade se tornam abafadas pelo
clarear do céu e cobrimos o ângulo superior dos olhos
com os braços porque… pela primeira vez… o sol chega
inteiro em bom pedaço de Circa. Que ocorrência sem
descrição!

É prematuro o novo milénio, mas possui uma


fragrância tão madura que soamos ser plenos há séculos.
Com meia década, faço parte do sistema circano e, com o
honroso consenso assinado pelos anciãos e pelo
presidente, sou proprietária de uma organização cujo fim
é dar formações extracurriculares à população. Artes,
ciências da natureza, educação afectiva, história e
apreciação cósmica são as opções leccionadas e surgem
cada vez mais bases além da central, o que já permite às
mulheres circanas o direito de abraçarem novos desafios.
Houve progresso, como um raio de sol massageando a
neve.
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Sento-me posicionada ao meu telescópio, após um
dia de sol, de flora em processo e calor em excesso, para
salvar o meu precioso costume de contemplar o espaço,
as constelações, as cores harmonizadas, as cintilações e
a minha preciosa Terra, percussão do universo. Sinto-me
orgulhosa por ter feito algo por ela, como também me
sinto grata por ela ser o bilhete que a mãe existência
escreveu para nós. Com o telescópio focado nela, sou
nem tanto interrompida pelo pai, pelo que fala e o
respondo sem parar com a apreciação.

— Boa noite, minha filha. Tudo bem por aqui?

— Boa noite, meu pai. Tudo sim. E com o senhor?

— Por aqui, tudo também. Só querendo saber como


tem sido para a minha rebelde a experiência de trab…

— Boa além da conta. Faz-me muito bem ser útil.

— Consigo ver. E se eu lhe convidar para se afastar


da org…

— Fora de questão! — Interrompo-lhe.

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— …anização por meio tempo para participar da
missão de ir para a Terra? — Nesse ponto, eu paralisei
por segundos e saltei partindo para um abraço.

— Eu disse que sim tão depressa, que se ouviu "fora


de questão" — digo num misto de felicidade e lágrimas.

— Deveras, minha filha. Deveras.

É bem uma felicidade grande demais para caber em


casa, pelo que, depois do abraço, saio e vou respirar no
exterior de casa.

A noite está fria, mas muito aconchegante; o céu


está nítido, meus braços estão cruzados e as estrelas
cintilam com disposição. Estava eu, a noite e a felicidade,
até…

— Abre-se a época de desvendar mistérios. Não é?


— disse a minha mãe, no seu tom sempre meigo.

— Penso que sim… só preciso saber quando, ao


certo.

— Se eu fosse a ti, diria que já começou… há anos.

— Como assim, "já começou há anos", mãe?


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— Ouviu o recitar de Sensus?

— Sim, ouvi, mas o que tem?

— Seu nome foi um experimento, uma faísca da


história que seu pai ousou ler.

— Neste caso, a descoberta é que ele é rebelde


também?

— A descoberta é o seu nome.

— O meu nome… isso é tão antigo quanto a minha


idad…

— O nome da mãe existência! — Tão logo ela


conclui, arrepios me tomam, pelo que pergunto confusa:

— Pode "Muhatu" ser o nome da…?!

Ela olha para mim, sempre terna e suave com um


sorriso que adoraria conhecer desde o berço; olhando
para mim, consigo ver-me emoldurada em um céu
estrelado, vivo, emblemático e vidrado com uma camada
de lágrimas para cada um dos seus olhos… camadas que
tremem por segundos e caem enquanto ela se aproxima,
me abraça com perfeição e diz:
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— Deveras, minha filha. Você é o primeiro dos
milhares de mistérios encadeados nessa trilha.

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 Nome: Ivaldir Siofeni Rodrigues Barbosa.
 Pseudónimo: Ivaldir De Sagitário.
 Aniversário: 01 de Dezembro.
 Ocupação: Escritor.
 Nacionalidade: Angolana.

Ivaldir De Sagitário é um escritor angolano que reside na


província de Luanda. O jovem escritor tem, como primeiro
reconhecimento, a imagem de uma pessoa introspectiva e
pensadora, pelas reflexões que partilha em redes sociais.
Oficializou-se como escritor aos 07 de Outubro de 2020 com o
bem recebido eBook "No Olhar Do Menino De Rua". Somou à
sua apreciável carreira, aos 01 de Dezembro do mesmo ano, o
icónico "A-MOR-TE", eBook que explora um subgénero
diferente do seu antecessor.

Com as duas obras lançadas, Ivaldir inscreveu-se em duas


categorias do concurso "Wonders Writters 2020", resultando
na sua vitória em ambas categorias, somando, assim, já duas
premiações.

Posto aos 08 de Março de 2021, de novo sob41o selo da


"Arca Digital - Editora", disponibiliza a sua terceira obra
literária, com o título "Vibratoscópio".

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