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Alice, em um estranho
arranque de rebeldia, se negou a
acompanhar Cassandra ao chá de lady
Carling. Não o fez porque
desaprovasse a presença de Cassie em
tal acontecimento, muito menos tendo
sido convidada pela própria anfitriã.
Em realidade, considerava que era a
única coisa boa que tinha conseguido
depois do enorme risco que tinha
passado na noite anterior. Mas se
negava a conhecer o amante de Cassie
em público, porque nessas
circunstâncias se veria obrigada a
trata-lo com cortesia.
—Mas, Alice, —protestou
Cassandra enquanto observava como
sua amiga remendava a capa de um
travesseiro, uma tarefa em que deveria
ajudar, —quero que me acompanhe
precisamente para evitar que me
convide a dar um passeio pelo parque
em sua carruagem. Mencionou um
tílburi. Os tílburis têm os assentos
muito altos, estarei muito exposta.
Mas o importante é que só podem
levar dois ocupantes. Assim se me
acompanhar, negarei-me com a
desculpa de que não posso deixa-la
sozinha.
Entretanto, Alice se manteve
firme. Apertou os lábios e se decantou
pela tozudez enquanto brandia a
agulha uma e outra vez com gesto
vingativo.
—Cassie, seria um bobo —
lhe advertiu ao cabo de um momento
—Uma viúva de sua idade não põe
como desculpa uma simples dama de
companhia quando um cavalheiro a
convida a sair.
—Você não é uma simples
dama de companhia! —exclamou. —
Já não. Estou há quase um ano sem
poder lhe pagar e agora que posso lhe
oferecer dinheiro, vai e o recusa.
Alice enrolou o fio de linha em
um dedo e a partiu com um puxão
sem necessidade de usar as tesouras,
que descansavam em uma mesinha a
seu lado.
—Não penso aceitar nem
um tostão de seu dinheiro se ganhar
dessa maneira — sentenciou —
Cassie, isto não é o que tinha
imaginado para você quando era
minha pupila. Nem por acaso. —O
queixo lhe tremeu um instante, mas
conseguiu conter as lágrimas e voltou
a apertar os lábios.
—Alice, acredito que é um
bom homem. —replicou ela. —
Acredito que está me pagando mais da
conta e estou segura de que o faz de
propósito. E me disse que nunca...
Enfim, disse que tudo o que acontecer
em nossa relação será por mútuo
consentimento. Que nunca... Que
nunca me forçaria.
Alice ajeitou a capa e a
sacudiu com força, depois a dobrou
para engomá-la mais tarde.
—A roupa branca desta casa
é transparente de quão desgastada
está, dá no mesmo se as costura ou
não. — resmungou com voz irritada.
—Dentro de algumas
semanas poderei comprar tudo novo e
a substituiremos —lhe disse.
Alice a olhou lançando faíscas
pelos olhos.
—Não penso apoiar a
cabeça em uma capa de travesseiro
comprado com seu dinheiro! —
exclamou.
Cassandra suspirou e levantou
a mão que Roger lhe acariciava com
seu frio nariz. Assim que começou a
lhe acariciar a peluda cabeça, o cão se
apoiou em seu regaço e a olhou com
expressão triste e também suspirou.
—Sua família me pareceu
muito educada. —comentou—
Desfizeram-se em amabilidade
comigo. Claro que também o fizeram
para evitar uma situação vergonhosa e
talvez um desastre social, mas de
qualquer forma me pareceram boas
pessoas.
—Sofrerão uma apoplexia se
acreditarem que a está cortejando —
lhe advertiu Alice—Ou se se inteiram
de que a tomou como amante.
—Sim. —concordou
enquanto acariciava a aveludada
orelha do Roger. —É muito bonito,
Alice. Parece um anjo.
—Grande anjo! —Exclamou
sua amiga enquanto cravava a agulha
com muito maus modos no agulheiro
que descansava na mesa—.
Acompanha-te em casa, paga-lhe esta
manhã e lhe oferece mais pelo
mesmo. Grande anjinho!
Cassandra passou os dedos da
outra mão pelo pouco que ficava da
outra orelha do Roger e as levantou de
uma vez. O pobre parecia ter uma
aparência torcida e gesto sonolento.
Sorriu-lhe e lhe soltou as orelhas.
—Acompanhe-me esta tarde
—disse.
Entretanto, Alice já tinha
tomado uma decisão, pelo que se
negou em redondo.
—Não penso ir com você.
—recusou enquanto ficava em pé com
brusquidão —Faz um ano que não me
paga, como muito bem assinalou, e
me parece estupendo que seja assim.
Mas significa que sou livre. Que não
sou sua empregada. E sou muito
capaz de ganhar um salário com o que
possamos nos manter as duas, e
também Mary e Belinda, e esse cão,
sem necessidade de que tenha que...
Enfim. Sei que me acha muito velha
para que alguém me contrate, mas só
tenho quarenta e dois anos. Ainda não
cheguei à velhice. Continuo ágil para
esfregar chãos se for preciso, para
costurar doze horas ao dia na oficina
de alguma costureira ou para o que
seja. Esta tarde estarei muito ocupada
com meus próprios assuntos. Pensei
em passar por várias agências de
emprego. Certamente alguém requer
meus serviços.
—Eu, Alice. —replicou ela.
Mas não houve forma de
fazê-la mudar de opinião. Saiu da
estadia com as costas tão rígidas como
um pau e o queixo erguido, e deixou a
porta aberta.
Ao cabo de um momento
apareceu uma carinha que esboçou
um enorme sorriso enquanto o corpo
completo entrava na saleta.
—Cãozinho. — disse
Belinda, que se pôs a correr para o
Roger para que este não escapasse.
Apesar da avançada idade e da
sua natureza letárgica, Roger se
mostrava as vezes com vontade de
brincar e nunca recusava uma sessão
de carícias. De modo que saiu ao
encontro da menina com a língua para
fora e movendo o rabo e o quadril.
Belinda jogou os braços em seu
pescoço e suas gargalhadas se
transformaram em alegres e agudos
gritos quando o cão começou a lhe
lamber a cara.
O vestido estava pequeno
desde há uns seis meses, mas ainda o
usava. Estava descolorido pelas
numerosas lavagens, mas limpo como
jarras de ouro. E remendado com
muito cuidado ali onde o tecido estava
muito desgastado. As faces
ruborizadas punham de manifesto que
acabava de se banhar, e voltaria para
a tina assim que Mary descobrisse que
Roger a tinha beijado. Seu cabelo,
castanho e ondulado, estava preso por
uma fita desfiada e desgastada, a fim
de que não lhe tampasse o rosto.
Estava descalça, já que seus sapatos
ficaram pequenos e só os colocava
para sair.
Tinha três anos. Era a filha
ilegítima de Mary. E todas a
adoravam.
—Olá, querida. — saudou-a
Cassandra.
Belinda lhe deu de presente
um alegre sorriso e voltou a rir ao ver
que Roger se virava no chão com as
patas para o ar. A menina se deitou a
seu lado para lhe acariciar a barriga e
o segurava com um de seus magros
bracinhos.
—Ele me ama.—disse.
—Porque você o ama. —
replicou ela com um sorriso.
Por fim poderia pagar Mary.
Poderia inclusive lhe pagar todos os
atrasos. Ela não aceitaria, claro, mas
depois de insistir, acabaria pegando o
dinheiro.
Precisava comprar roupa nova
para sua filha.
De sua parte, pensava comprar
para Belinda algumas coisas. E para
Mary. Entretanto, não compraria nada
para Alice. Não aceitaria nenhum
presente, dado seu humor.
Tinha um protetor, pensou,
recalcando a palavra mentalmente. Ela
era sua... Amante. E a manteria em
troca de seus favores sexuais. O que
acontecesse entre ela e conde Merton,
não seria por desejo mútuo, por muito
que ele insistisse. Porque ela jamais o
desejaria de verdade, apesar de sua
atitude, sua virilidade e sua inegável
atração física. E apesar de sua
generosidade, um traço de seu caráter
que suspeitava ser genuíno.
Nove anos de matrimônio
tinham aniquilado qualquer interesse
que pudesse ter albergado pelo conde
Merton nesse sentido. Se Sua
Senhoria esperasse que ela o
desejasse na mesma medida, nunca se
deitariam e ela receberia um dinheiro
que não ganhara. E o principal era
ganhar até o último tostão. Porque
ainda restava um pouco de orgulho.
Embora ele nunca soubesse que entre
eles o desejo não era mútuo. Ganharia
com acréscimo o dinheiro que lhe
pagava o conde.
Enquanto observava a menina
brincar com o cão, ambos igualmente
inocentes, felizes e necessitados,
chegou à conclusão de que valia a
pena.
Dois inocentes a quem
adorava.
Faria algo para adiar, embora
fosse um dia, a perda dessa inocência.
CAPÍTULO 08
Cassandra esperou às
escuras, sentada na sala de estar. Pôs-
se uma camisola de seda e renda que
raramente usava. Sobre o objeto
levava um vaporoso penhoar. Tudo de
cor branca. Escovou o cabelo e o
tinha recolhido na nuca com uma fita
branca. Como uma noiva à espera do
noivo, pensou.
Grande ironia.
Para o cúmulo, era incômodo
estar tão desabrigada no frio que fazia
na sala.
O conde chegou tarde.
Embora não esperasse que chegasse
cedo, é claro. Manteve-se atenta ao
som dos cascos de algum cavalo sobre
os paralelepípedos, ao tinido dos arnês
ou ao estalo continuado das rodas de
uma carruagem, daí que se
surpreendesse ao escutar que alguém
batia suavemente à porta.
Tinha vindo andando.
Ao abrir, viu que levava uma
capa longa de cor negra e uma cartola
de seda, que tirou
ao vê-la. Viu-o esboçar um
sorriso abrigado à luz de uma das
luzes, e se percebeu do movimento da
capa quando se aproximou da porta.
Era uma mescla de escuridão,
luz e virilidade.
Sua respiração acelerou com
uma mescla de temor e de...
Enfim.
—Cassandra, —o ouviu
dizer —confio não ter chegado muito
tarde.
Entrou no vestíbulo e fechou a
porta com o fecho enquanto a chama
da vela do candelabro oscilava pela
corrente de ar.
—Só são onze e meia. —
replicou ela —Passou uma noite
agradável? —perguntou-lhe enquanto
se colocava a andar para a escada,
apagando a vela no caminho.
Supôs que em um par de
semanas essa cena se teria convertido
em algo rotineiro. Talvez inclusive
tedioso. E o tédio podia ser agradável.
Porque essa noite sentia o coração tão
acelerado que quase lhe faltava o
fôlego. Estava tão nervosa como uma
noiva, embora já tivessem feito isso
mesmo a noite anterior e a essas
alturas devesse ser mais fácil.
Embora na noite anterior
tivesse sido diferente, é claro. Então
não era seu amante, não estava
empregada para lhe oferecer esse
serviço. Não lhe tinha pago de
antemão.
—Sim, obrigado. —
respondeu ele —Jantei com o
Moreland e minha irmã, que também
tinham outros convidados, e depois
fomos ao teatro.
E depois do teatro ia para casa
de sua amante. A típica noite de um
cavalheiro.
Alegrou-lhe que o dormitório
da Alice se encontrasse no último
piso, ao lado do que ocupavam Mary
e Belinda, e não no primeiro. Embora
quando se mudaram tentara
convencê-la de que ocupasse o
dormitório contiguo ao seu, Alice
aduziu que na rua havia muito ruído e
que depois de ter vivido dez anos no
campo seria muito aborrecido.
De modo que preferiu a
tranquilidade do último piso.
Ao chegar ao corredor de seu
dormitório, Cassandra apagou a vela e
entrou em seu quarto. Lorde Merton a
seguiu, fechando a porta ao entrar.
Havia luz suficiente. Tinha girado um
pouco os espelhos da penteadeira
como na noite anterior, de forma que
a luz da solitária vela se refletisse por
toda a estadia.
—Aceita uma taça de vinho?
—Atravessou o dormitório em direção
à bandeja que tinha deixado em uma
das mesinhas de noite. O vinho tinha
sido um excesso, mas pôde se
permitir.
—Obrigado — o ouviu dizer.
Serviu uma taça para cada um
e ofereceu uma a ele, que seguia em
pé perto da porta. Tinha deixado a
capa sobre o espaldar de uma cadeira
e o chapéu sobre o assento da mesma.
Sob a capa levava um traje negro, um
colete com bordados em cor marfim,
uma camisa branca com o colarinho
perfeitamente engomado e uma
gravata atada por um perito, embora
não tivesse nada de ostentosa.
O conde de Merton não
necessitava da menor ostentação.
Possuía suficiente atitude e carisma
por si mesmo, de tal forma que podia
prescindir de qualquer adorno.
Aproximou sua taça para
brindar com ele.
—Pelo prazer. —disse
enquanto o olhava nos olhos com um
sorriso.
—Pelo prazer mútuo. —
acrescentou ele, sustentando seu olhar
enquanto bebiam um gole.
A tremulante e tênue luz da
vela, a cor de seus olhos continuou lhe
parecendo muito azul. Lorde Merton
lhe tirou a taça da mão e a colocou,
junto com a sua, na bandeja. Depois
se voltou para olhá-la e estendeu os
braços com as palmas das mãos para
cima.
—Vem. —lhe disse.
Como estava junto à cama,
Cassandra meio que esperava que a
jogasse sobre o leito sem mais
preâmbulo e entrasse logo no assunto.
Pelo contrário, limitou-se a
abraça-la com delicadeza pela cintura.
—Que tal foi sua noite? —
ouviu que lhe perguntava.
—Estive sentada na sala de
estar observando como Alice
remendava algumas costuras —
respondeu —Mas não fiz nada. Por
vergonhoso que seja, devo admitir que
me sentia preguiçosa.
Em realidade, havia se sentido
muito inquieta, embora tivesse tentado
dissimular por todos os meios.
Inclusive havia custado admitir ante si
mesma.
Até a noite anterior só se
deitara com Nigel. E sua união tinha
estado abençoada pela santidade do
matrimônio. Não lhe tinha parecido
pecaminoso entregar-se a ele.
Parecia a situação atual? Tanto
lorde Merton como ela, eram adultos
e estavam de acordo no que faziam.
Sua relação não prejudicava a
ninguém.
—Às vezes a preguiça é um
luxo muito gratificante. —comentou
ele.
—Sim que é. —reconheceu
ela enquanto colocava as mãos em
ambos os lados de sua cintura. Sentiu
seu calor corporal imediatamente.
Lorde Merton a estreitou mais
apertado entre seus braços, dos
joelhos ao peito e a beijou.
De certo modo foi inesperado.
E um tanto alarmante. Porque tinha
decidido levar as rédeas dessa noite
como o tinha feito a noite anterior.
Tinha planejado despi-lo muito
devagar e explorar seu corpo com os
lábios e as mãos a fim de torná-lo
louco de desejo. De fato, sua intenção
era essa, mas...
Mas a estava beijando.
E o inesperado e alarmante era
que não o fazia de forma apaixonada
ou lasciva. Era um beijo delicado,
suave e... terno?
Era um beijo que rachava suas
defesas.
Lorde Merton a beijou com os
lábios separados, explorando sua boca
com suavidade antes de acaricia-la
com a ponta da língua. Depois seus
beijos se transladaram as pálpebras,
que ela tinha fechado; às têmporas; a
sensível pele de detrás da orelha e ao
pescoço.
De repente, Cassandra notou
um nó na garganta, como se estivesse
a ponto de se pôr a chorar.
Por quê?
Porque esperava paixão no
encontro dessa noite. Desejava tal
paixão. A paixão era uma emoção que
se limitava ao plano físico. E ela
pretendia que sua relação se
mantivesse nesse terreno. Que só
fosse sexual. Uma palavra que cada
vez lhe custava menos pronunciar em
sua mente.
A única coisa que queria de
lorde Merton era sexo.
Algo instintivo e carnal.
Queria sentir que ganhava com
acréscimo cada tostão de seu salário.
Percebeu-se de que o estava
abraçando sem mover sequer as mãos,
que continuavam imóveis, em suas
costas. Estava beijando-a. Ela não
fazia nada. Estava recebendo, não
estava dando nada.
Não estava ganhando o
dinheiro que lhe pagava.
Lorde Merton levantou a
cabeça. Embora não sorrisse, tinha
um brilho alegre nos olhos. Deu-se
conta de que estava apoiada por
completo nele, entregue, relaxada e
quase rendida.
—Cass, —o ouviu sussurrar.
Ninguém a tinha chamado
assim antes.
—Sim, —disse com um fio
de voz.
E compreendeu nesse
momento que o que sentia não era
relaxamento, senão... Desejo.
Como podia ser desejo? Ainda
não tinham feito nada para que se
sentisse assim. Ou sim?
—Desejo-a —disse lorde
Merton —Não só seu corpo, mas
também a pessoa que existe em seu
interior. Diga que você também me
deseja.
... mas também à pessoa que
existe em seu interior.
Nesse momento quase o odiou.
Como ia lutar contra algo assim?
Fez um grande esforço para
conseguir. Entrecerrou os olhos e lhe
respondeu com sua voz mais grave:
—É claro que o desejo. Que
mulher poderia resistir a este
esplendor tão erótico, mescla de
homem e de anjo? —Esboçou um
sorriso estudado.
Entretanto e em vez de seguir
beijando-a, fosse com paixão ou sem
ela, lorde Merton a olhou nos olhos e
depois ao rosto com expressão
indagadora.
Deveria ter apagado a vela,
pensou ela.
—Não vou fazer lhe mal—
disse ele em voz baixa —Vou amar...
—A mim? —interrompeu-o,
arqueando uma sobrancelha.
Que regras seguia esse homem
na arte da sedução e o flerte?
—Sim, —respondeu lorde
Merton —De certo modo. Cass,
existem muitos tipos de amor e
nenhum deles se limita só à luxúria.
Em meu caso, a luxúria sem mais é
impossível. Sobre tudo com você, com
quem tenho certa relação. Sim, vim
para amá-la.
Esse homem não sabia nada
absolutamente sobre o amor. E ela?
... com quem tenho certa
relação...
Entrecerrou de novo os olhos e
sorriu.
—Tire isso, —ouviu-o dizer
—por favor.
Suas palavras fizeram que
arqueasse as sobrancelhas.
—A máscara —explicou
lorde Merton —Comigo não a
necessita. Prometo-lhe isso.
Teve o súbito pressentimento,
o súbito temor, de que com ele a
necessitava mais que com ninguém.
Porque lorde Merton rasgava de
forma implacável suas máscaras e
suas defesas, por muito
cuidadosamente que se cobrisse.
Voltou a beijá-la, nessa
ocasião de forma apaixonada. Seguiu
o contorno de seus lábios com a
língua e depois a introduziu entre eles
enquanto lhe tirava a fita do cabelo,
que jogou no chão. Estreitou-a com
força entre seus braços e ao cabo de
uns minutos lhe desatou o laço que lhe
fechava o penhoar no pescoço. O
objeto deslizou por seu corpo até cair
ao chão. Nesse momento a impeliu a
se estender sobre o leito.
Entretanto, não a seguiu.
Despiu-se em pé junto à cama, tirando
primeiro a jaqueta, depois o colete e
por último a camisa. Tudo acabou no
chão, junto com sua fita de cabelo e
seu penhoar. Em seguida desabotoou
a calça, e a tirou, depois do que se
despojou das meias e dos calções. Fez
isso sem pressa e em nenhum
momento tentou se esconder de seu
curioso olhar.
Por Deus, que corpo mais
formoso tinha! Ela pensou. Para a
maioria das pessoas, a roupa era uma
bênção com a que ocultavam uma
multidão de imperfeições. No caso de
lorde Merton, só ocultava perfeição.
Uns braços e uns ombros bem
formados, um peito ligeiramente
salpicado de pelo loiro. Uma cintura e
uns quadris estreitos. Umas pernas
longas e fortes.
Os escultores gregos
idealizaram seus modelos quando
esculpiam os deuses. Se tivessem tido
lorde Merton por modelo, não teriam
necessitado de nenhuma idealização.
Porque era um deus e um anjo.
Azul e dourado, como um dia
de verão. Olhos azuis, cabelo loiro.
Todo luz. Luz cegadora.
—Apague a vela —disse a
ele.
Não podia suportar continuar
olhando-o sabendo que entre eles
existia "certa relação". Amante e
protetor. Isso era tudo, assim o tinha
planejado e assim o queria.
E tudo seguia igual. Iria se
aferrar muito melhor a essa certeza
com a luz apagada, sem o sentido da
vista. Porque assim pensaria na Mary,
na Belinda e na Alice, e inclusive em
Roger. O pobre Roger que tentou
ajuda-la em uma ocasião e...
Só era a amante de lorde
Merton, nada mais.
Ele se deitou a seu lado depois
de apagar a vela e ela o recebeu com
os braços abertos, disposta a se fazer
com o controle da situação tal como
tinha planejado.
Entretanto, notou que lhe
segurava a bainha da camisola e
levantou os braços para que a tirasse,
depois do qual a jogou no chão. E
nesse momento, antes que pudesse
baixar os braços, lorde Merton lhe
segurou os pulsos com uma mão,
segurou-os por cima da cabeça e se
inclinou para ela, impelindo-a a se
deitar de novo. Beijou-a nos lábios, no
queixo, no pescoço e por último nos
seios. Acariciou-lhe um mamilo com a
boca, e depois, já umedecido, soprou
para que o ar frio o endurecesse antes
de apanhá-lo entre os lábios e suga-lo.
O frio foi substituído pelo calor, e esse
golpe de dor que não era exatamente
dor, lhe atravessou o abdômen e se
estendeu até o baixo ventre, que de
repente notava palpitante de desejo.
A boca de lorde Merton se
transladou até seu ventre. Notou que
lhe lambia o umbigo e contraiu os
músculos de forma involuntária.
Enquanto isso, acariciava-lhe com a
mão livre a face interna de uma coxa,
traçando preguiçosos círculos. Até
que chegou a essa parte úmida e
secreta de seu corpo, que passou a
acariciar com suavidade antes de
penetrá-la com um dedo, até o
nódulo. Tal dedo começou a se mover
em círculos em seu interior.
Nesse momento percebeu que
poderia ter liberado suas mãos. Lorde
Merton não a segurava com força.
Mas não o fez. Seguiu deitada,
submetendo-se a seu assalto, embora
em realidade, tal palavra não se
ajustava ao que lhe estava fazendo.
Tinha-o acreditado um inocente
nessas lides. Mas não o era. Em
realidade era muito habilidoso. Sabia
como utilizar a ternura e a lentidão
para avivar a paixão até um ponto
abrasador.
Não era assim como tinha
imaginado que um homem usava a sua
amante. Tinha esperado uma
demonstração de força bruta,
inspirada sempre por suas próprias
artes sedutoras.
Entretanto, soube desde o
primeiro momento que com ele não
seria assim. Dele esperava uma
inocência que o deixaria a sua mercê.
Como se fosse uma experiente
cortesã.
Que expectativas mais
absurdas as suas!
Sentiu a carícia dos dedos de
lorde Merton em um seio, e depois um
beliscão no mamilo. A dor esteve a
ponto de lhe arrancar um grito. Mas
era uma dor que não doía.
Nesse instante se colocou
sobre ela e sentiu todo o peso de seu
corpo. Soltou-lhe as mãos para poder
segurá-la pelas nádegas. Quando o viu
levantar a cabeça, soube que a estava
olhando no rosto, embora apenas o
visse na escuridão.
—Há um tipo de amor que
um homem sente por sua amante,
Cass, —o ouviu dizer em voz baixa —
E é mais que simples luxúria.
E a penetrou justo quando suas
palavras a desarmavam, lhe fazendo
impossível que se preparasse para a
invasão.
Lorde Merton era muito bem
dotado. Seu membro era duro e
grande, tal qual o recordava da noite
anterior. Pressionou-o com seus
músculos, como fez então, e deslizou
os pés sobre o lençol, a fim de rodear
essas pernas musculosas e fortes com
as suas.
Cheirava a limpeza, percebeu-
se em um momento dado. A colônia
discreta e cara que usava, não
mascarava outros aromas mais
desagradáveis. Justamente o contrário,
ressaltava seu aroma de limpeza. Seu
cabelo era suave e cheirava muito
bem. Enterrou uma mão nele quando
notou que apoiava a cabeça no
travesseiro a seu lado, com o rosto
para ela, e lhe colocou a outra mão na
cintura.
Então começou a rítmica
cadência do sexo, esse vai e vem tão
íntimo que sempre tinha requerido
seus maiores esforços para suportá-lo
durante grande parte de seu
matrimônio.
Nessa noite lorde Merton
exercia um maior controle sobre si
mesmo. Coisa que foi evidente desde
o começo. Essa noite não acabaria em
questão de minutos. Seus movimentos
eram rítmicos e poderosos.
Com uma cadência que variava a seu
desejo.
Sentia-o se deslizar em seu
interior, notava a fricção de seu duro
membro contra a suave umidade de
seu corpo, aumentando o calor de
seus corpos. Escutava os sons que tais
movimentos produziam.
E lhe foi muito erótico.
Nesse instante notou ali onde
seus corpos se uniam uma espécie de
desejo que se estendeu por suas
entranhas e foi subindo até chegar a
seus seios e a sua garganta.
Um desejo tão intenso que
doía. Uma dor que não era dolorosa.
Sentiu desejos de se pôr a chorar.
Sentiu desejos de rodeá-lo fortemente
com as pernas, de lhe rodear a cintura
com elas ao mesmo tempo em que o
abraçava, que o aferrava pelos ombros
e afundava o rosto em seu pescoço e
gritava, presa desse desejo que não
compreendia.
Sentiu vontade de se deixar
levar por tal desejo. De se entregar
por completo. Por um sublime instante
de sua vida quis se deixar arrastar e se
dar por vencida.
E precisamente era o que devia
fazer, compreendeu fazendo um
esforço por raciocinar com certa
lógica. Era seu amante. Lorde Merton
lhe estava pagando uma grande soma
para que o agradasse, para que o
adulasse aceitando o prazer que lhe
proporcionava.
Entretanto, se fingia tal prazer,
cairia em sua própria armadilha. De
repente, sentiu-se indefesa e
assustada.
E presa desse estranho desejo.
As mãos de lorde Merton
voltaram a segurá-la pelas nádegas.
Seu rosto voltava a estar sobre o seu.
—Cass, —o ouviu sussurrar
—Cass.
E justo quando seus
movimentos se detinham e se
afundava até o fundo nela,
derramando-se em seu interior, soube
que era o pior que podia ter dito.
Porque queria ser a mulher e a
amante para ele. Mas sem deixar de
ser ela mesma. Queria manter
estritamente separadas as duas facetas
de sua vida: sua vida privada e sua
vida trabalhista. Entretanto, lorde
Merton a tinha olhado nos olhos na
escuridão, a tinha chamado por esse
nome que ninguém tinha usado antes
e só com essa palavra lhe tinha
assegurado que sabia quem era e que
de algum modo se converteu em algo
muito valioso para ele.
Salvo que nada disso era
verdade.
Era só sexo.
De repente, notou com grande
alarme que lhe caíam duas lágrimas
pelas têmporas, que lhe umedeceram
o cabelo e acabaram fazendo o
mesmo com o travesseiro. Desejou
com todas suas forças que esses olhos
azuis não tivesse se acostumado à
escuridão até o ponto de vê-la
chorando.
A dor e o desejo
desapareceram e foram substituídos
pelos remorsos. Embora tampouco
entendia o motivo de tais remorsos.
Lorde Merton saiu de seu
corpo e se deitou a seu lado. Levou-a
a se colocar de lado, de costas para
ele, para se ajeitar atrás dela. Pegou-a
ao seu corpo, passou-lhe um braço
sob a cabeça para que a apoiasse em
seu ombro e lhe segurou o pulso que
descansava sobre seu peito.
Notava os fortes batimentos de
seu coração nas costas.
Com a mão livre, lorde Merton
lhe acariciou o cabelo e a beijou na
têmpora. Um lugar onde só se
depositavam beijos de carinho.
Nesse momento recordou de
novo suas palavras.
"Há um tipo de amor que um
homem sente por sua amante."
Não queria seu amor, nenhum
tipo de amor. Queria seu dinheiro em
troca do que lhe dava na cama.
Repetiu-se essa frase uma e outra vez
com a intenção de não esquecer o
verdadeiro sentido da situação.
—Fale-me da menina —lhe
disse ele ao ouvido.
—De que menina? —
perguntou, sobressaltada.
—Da que saiu esta tarde à
porta. —respondeu ele —Estava
escondida atrás das saias de sua
criada. É sua filha?
—Ah! —Exclamou
Cassandra —Não. É Belinda, filha de
Mary.
—Mary é a criada?
—Sim —respondeu. —
Trouxe—as para Londres comigo.
Não podia abandoná-las. Não tinham
nenhum outro lugar aonde ir. Mary
perdeu seu emprego quando Bruce, o
novo lorde Paget, tomou posse de
Carmel House. Além disso, é minha
amiga. E gosto de Belinda. Todos
precisamos de um toque de inocência
em nossa vida, lorde... Stephen —se
corrigiu.
—Mary não é casada? —
perguntou-lhe ele.
—Não, —respondeu —Mas
isso não a converte em uma pária.
—Não tem filhos?
—Não. —Fechou os olhos
—Sim. Tive uma filha que morreu ao
nascer. Era perfeita, mas nasceu com
dois meses de antecedência e não
respirava.
—Ai, Cass!
—Nem lhe ocorra dizer que
o sente! —exclamou —Você não foi o
culpado, não é verdade? Além disso,
já tinha sofrido dois abortos antes.
E possivelmente um depois,
embora na terceira ocasião só sofrera
uma copiosa hemorragia depois de um
mês de atraso em sua menstruação, de
modo que não pôde afirmar
com certeza que se tratara de
uma gravidez. Entretanto, estava
segura de que foi. Seu corpo assim o
havia dito. Assim como o fez seu
coração.
—Não me negue o uso das
palavras. —replicou lorde Merton —
Sinto de verdade. Deve ser o mais
horrível que uma mulher tenha que
suportar. A perda de um filho.
Inclusive de um filho prematuro. Sinto
muito, Cass.
—Sempre me alegrei de que
isso acontecesse. —respondeu ela
com brusquidão.
Sempre se tinha repetido que
se alegrava. Mas ao dizê-lo em voz
alta para que outra pessoa escutasse,
soube que em realidade nunca se
alegrou de ter perdido essas preciosas
almas que poderiam haver se
convertido em uma parte indivisível da
sua vida. Que engano tinha cometido
ao falar em voz alta!
—Vejo que a máscara voltou
ao lugar com o certo tom de voz. —o
ouviu dizer —É um alívio que o tenha
usado agora mesmo porque de outro
modo teria acreditado em você. Não
teria suportado acreditar em você.
Franziu o cenho e mordeu o
lábio ao escutá-lo.
—Lorde Merton, —disse,
voltando para uso de seu título —
quando estivermos juntos neste
dormitório e nesta cama, somos
senhor e empregada, ou se prefere
adoçar a realidade, somos amantes.
No sentido estritamente físico do
termo, já que compartilhamos nossos
corpos para obter um prazer mútuo —
completou, recalcando a última
palavra. —Um prazer físico. Um
homem e uma mulher. Não somos
pessoas. Somos corpos. Pode usar
meu corpo como lhe agradar, bem
sabe Deus que está pagando uma
fortuna em troca. Mas não poderá me
comprar nem com todo o dinheiro do
mundo. Estou fora de seu alcance.
Pertenço a mim mesma. Sou uma
empregada a salário. Não sou sua
escrava nem o serei. Não volte a me
fazer perguntas de índole pessoal.
Não volte a se misturar em minha
vida. Se não puder aceitar estes
termos, o fato de que sejamos um
homem e sua amante, irei lhe devolver
a astronômica soma de dinheiro que
me enviou esta manhã e o
acompanharei à porta.
Escutou a si mesma e se
horrorizou por essas palavras. O que
estava dizendo? Não tinha a
quantidade completa para devolver-lhe
E sabia, com a mesma certeza com a
que se sabia deitada entre os braços
de um homem, que jamais teria a
coragem necessária para começar de
novo com outro. Se lhe pegava a
palavra, estaria desamparada.
E com ela, Mary, Belinda e
Alice. E Roger.
Lorde Merton retirou o braço
no qual ela se apoiava e se afastou, de
tal forma que de repente se achou
estendida de costas sobre o colchão.
Viu-o se levantar da cama, que
rodeou até se deter ao seu lado. Uma
vez ali, inclinou-se para recolher sua
roupa, arrojou os objetos ao pé da
cama e passou a se vestir.
Soube que estava zangado
apesar da escuridão.
Deveria dizer algo antes de
que fosse muito tarde. Mas já era
muito tarde. Lorde Merton estava a
ponto de partir para não voltar nunca
mais. Tinha-o perdido só porque
agradava a ele que ela não se
alegrasse pela morte de seus filhos.
Não diria nada. Não podia
dizer. Já estava cansada de tentar
seduzí-lo, de se fazer passar por uma
sereia sedutora. Tinha sido uma ideia
desesperada desde o começo. Uma
ideia absurda.
Salvo que naquele momento
lhe pareceu que não havia alternativa.
De fato, ainda parecia.
Esperou em silêncio que ele
partisse. Uma vez que o escutasse
fechar a porta principal, vestiria a
camisola e o penhoar, e desceria para
fechar a porta. E esse seria o fim.
Depois se prepararia uma taça
de chá na cozinha e pensaria em outro
plano. Tinha que haver algo, o que
fosse. Talvez lady Carling estivesse
disposta a escrever uma carta de
recomendação. Talvez pudesse achar
a alguém que jamais tivesse ouvido
seu nome e estivesse disposto a
contratá-la.
Lorde Merton já tinha
acabado de se vestir, salvo pela capa e
o chapéu, que teria que recolher da
cadeira a caminho da porta.
Entretanto, em vez de se aproximar
deles, se inclinou sobre a penteadeira
e usou a isca para acender a vela, cuja
luz inundou de surpresa o dormitório.
Piscou, deslumbrada pela
repentina luz, e desejou haver se
agasalhado ao abrigo da escuridão.
Negou-se a fazê-lo nesse momento.
Olhou-o com todo desdém e
hostilidade que foi capaz de
demonstrar enquanto ele afastava a
banqueta da penteadeira para se
sentar.
Compreendeu que tinham
trocado as voltas dessa mesma manhã.
Ou melhor, do dia anterior pela
manhã. Nesse instante era ele quem a
observava sentado na banqueta e ela
era quem jazia na cama.
Enfim, que olhasse tudo o que
quisesse. Não ia poder fazer outra
coisa a partir desse momento.
—Vista-se, Cassandra. —o
ouviu dizer —E não com o que está
no chão. Com roupa de verdade.
Vista-se. Vamos conversar.
Algo muito parecido ao que lhe
havia dito no dia anterior.
Não havia rastro de fúria nem
em suas palavras nem em sua
expressão, embora seu olhar fosse
muito intenso.
De qualquer forma, não lhe
ocorreu desafiá-lo e nem desobedece-
lo.
Lorde Merton ostentava o
poder dos anjos, compreendeu
enquanto atravessava nua o dormitório
a caminho do roupeiro, onde vestiu a
roupa que levava essa noite.
E tal poder infundia temor.
Não temor a um possível dano físico,
senão a...
Ignorava realmente ao que.
Porque certas coisas careciam de
explicação.
Mas lhe tinha medo. Esse
homem ocupava um lugar em sua
vida, um lugar onde não o queria e
nem a ninguém. Nem sequer a Alice.
Embora ali estivesse.
"... com quem tenho certa
relação".
CAPÍTULO 11
FIM