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Com amor,
Brooke
DEDICATÓRIA
PARA AQUELES QUE
ACREDITAM NO AMOR
como paraíso ou como inferno,
ou talvez como ambos
PARA OS APAIXONADOS
POR UM BOM CLICHÉ
afinal, ser um pouco piegas não é crime
e ser cliché é ser humano
MAS PRINCIPALMENTE
PARA AQUELES
aqueles que sabem que o amor
pode ser extremamente dócil
ou um grande de um filho da puta,
mas que é tão universal em sua essência
que poderia ser vivido até mesmo pelo diabo
Brooke Mars
EPÍGRAFE
E eu, que me perguntava se o seu veneno
morava no Inferno entre as suas pernas ou no
Céu da sua boca, percebi que o verdadeiro
perigo era o seu coração sombrio e
voluptuoso, o purgatório perfeito para pagar
pelos meus pecados.
Brooke Mars
SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO EXTRA: À TRÊS
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO EXTRA: O QUE NAMORADOS FAZEM?
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
CAPÍTULO TRINTA E SETE
CAPÍTULO TRINTA E OITO
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
CAPÍTULO QUARENTA
CAPÍTULO QUARENTA E UM
CAPÍTULO QUARENTA E DOIS
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS
CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO
CAPÍTULO QUARENTA E CINCO
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS - PARTE UM
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS – PARTE DOIS
CAPÍTULO QUARENTA E SETE – PARTE UM
CAPÍTULO QUARENTA E SETE – PARTE DOIS
CAPÍTULO QUARENTA E OITO
CAPÍTULO QUARENTA E NOVE
CAPÍTULO CINQUENTA
CAPÍTULO CINQUENTA E UM
CAPÍTULO CINQUENTA E DOIS – PARTE UM
CAPÍTULO CINQUENTA E DOIS – PARTE DOIS
EPÍLOGO
CAPÍTULO EXTRA: RAINHA
AGRADECIMENTOS
Não sei ao certo o exato momento em que me permiti cair de amores
por você, se quer saber. Quando vi era meio que tarde demais.
Para ser honesta, querido, não posso usar o velho cliché ''eu não era
uma garota de me apaixonar''. Sempre soube que o momento chegaria. E você
não foi o primeiro a se infiltrar no meu coração, muito menos a primeira vez
que senti esse maldito órgão pesar por amor. Não, não... Você foi o segundo.
Cara, você deve odiar isso. Você ama ser o primeiro, não é?
Mas você não foi o primeiro, querido.
Porém tenho a mais absoluta certeza de que será o último.
Depois de você, meu anjo, nada será tão intenso e belo o suficiente
para que eu chame de amor. Pode sorrir, pode abrir seu melhor sorriso...
Aquele carregado de egocentrismo, de orelha a orelha e que grita ''o mundo é
meu e você está apenas vivendo nele''. Pode sorrir, seu convencido. Porque é
a mais pura verdade.
Você fez o primeiro amor parecer nada. Uma memória tão distante
que nem parece ter sido vivida.
Nunca sonhei com um paraíso, amor, de verdade, nunca mesmo.
Sempre achei utópico demais para o meu gosto. É que eu via o paraíso de um
jeito errado antes de você. Hoje eu entendo melhor, amor, realmente entendo.
O paraíso não é perfeito e se fosse seria um terrível pesadelo. Paraíso
não é um lugar. É uma conquista.
Paraíso é um estado de espírito. É a capacidade de sermos livres e de
termos força o suficiente para superarmos todas as porcarias que nos lançam
e atingirmos a mais pura felicidade, de vez em quando. Soa piegas, soa
ridículo. Cacete, soa muito ridículo... Mas, às vezes, querido, a verdade é
ridícula.
E a verdade é: encontrei o meu paraíso no inferno.
Encontrei a calma no caos.
Encontrei amor em um coração que não batia.
Encontrei um anjo em quem se chama de Diabo.
Eu encontrei meu paraíso em você, Noah.
Quão irônico é isso?
1991, HELL'S KITCHEN, NOVA YORK
“O túnel é tão vermelho quanto os meus cabelos”, Matt diz.
Honestamente, ele está tão chapado quanto certo.
O túnel é tão vermelho quanto meus cabelos.
A noite agitada e fria de Nova York se resume em escuridão, em breu.
A Lua ao céu está incompleta. Os poucos e mal iluminados postes não
conseguem iluminar a selva de concreto e o bairro de Hell's Kitchen está
completamente silencioso.
Como nunca ouvi falar deste lugar antes?
Não do bairro, afinal, eu moro aqui. Falo desta rua. E do túnel ao fim
desse beco, destacado por luzes intensas e vermelhas, grafitado com as artes
mais incríveis que já vi na vida. Quase me faz querer marcá-las em minha
pele.
— À noite das nossas vidas! — John abre os braços, bêbado e gira
uma vez, caminhando em direção ao túnel. Parece que ele quer abraçar o
vento ou algo assim. Outro chapado. Seu cabelo loiro curto está bagunçado,
sua jaqueta jeans envelhecida amarrada em sua cintura e os All Stars
"brancos" e surrados tocam o asfalto molhado.
Molly corre com seus cachos esvoaçantes e seu sorriso apaixonado, a
pele negra iluminada pela Lua e os olhos verdes faiscando esperança
pela noite de nossas vidas. Ela pula nas costas do namorado e John agarra
suas pernas, a guiando ao túnel da cor dos meus cabelos, que nesse momento,
estão presos em um rabo de cavalo um pouco alto.
Matt os segue e eu estou logo atrás, abraçando meu corpo, protegido
por um vestido preto de alças finas, botas longas e uma jaqueta jeans folgada
que costumava ser do meu pai. Tem quase o dobro do meu tamanho, mas
combina.
Matt passa pelo letreiro. John e Molly estão quase ao fim do túnel e
eu hesito em passar por ele.
Por um segundo, sinto o tempo parar.
Parece um daqueles momentos, sabe? Um daqueles momentos em que
a sua vida está te dando uma última chance de mudar o rumo de tudo e seguir
outro caminho. Ou tentando te avisar que algo insano está por vir.
Consigo ouvir meu coração bater contra as minhas costelas, consigo
sentir a brisa fria nova iorquina e parece que meu sangue está fervendo sob a
minha pele.
É... Eu também estou fodidamente chapada. Tão nas nuvens que o
Empire State provavelmente me inveja nesse segundo.
— Você vem? — Matt pergunta, me analisando por completo. Sua
pele branca, levemente bronzeada, e seus olhos castanhos claros refletem um
pouco do vermelho. Seu cabelo cacheado e bagunçado recebe a sua mão
antes dele estendê-la a mim em um convite.
Ergo o olhar. O letreiro em frente ao túnel diz Purgatorium, com
letras de LED vermelhas que parecem vivas. As letras são de forma, talvez
não tenha nada demais sobre elas, mas neste momento? Elas parecem o
paraíso de tão convidativas.
Mordo o lábio inferior. Tomo a mão de Matt. E sigo, sob o túnel
escarlate.
E a cada passo, eu sinto. Sinto a música. Mais forte e mais forte. A
música eletrônica me chama. Meu coração já sabe que muito em breve baterá
conforme o ritmo dessa música e eu não posso evitar em sorrir.
— Vou ficar ainda mais louco do que você hoje, Chloe — Matt
promete e eu rolo os olhos. Ele me abraça por trás. Vejo John e Molly
pararem numa porta à esquerda e apresentarem suas carteiras falsas ao
segurança, que lhes permite a entrada.
— Vai sonhando, Letterman — rebato finalmente, rindo ao apresentar
minha identidade falsa ao segurança. O cara pisca para mim e eu pisco de
volta, porque honestamente ele não é nada mal. Nada mal mesmo.
Passo pela entrada, desço longas escadas de metal negro e chego,
enfim, à nossa última parada da noite. E então eu sinto de verdade a música.
É como eu disse: meu coração bate conforme ela toca.
O chão vibra segundo o ritmo eletrônico pulsante e todo o meu
sangue se agita, quente como o inferno. O universo sob a minha pele parece
em festa e em casa, queima como nunca. Meus olhos ardem levemente, me
deixando ainda mais atenta a tudo que estou vendo.
Me sinto observada, mas duvido que alguém esteja me olhando nesse
momento, todo mundo parece bêbado ou chapado ou os dois, enquanto curte
como se fossem morrer no segundo seguinte. Acho que meu sorriso é nítido
como nunca nesse momento. Afinal, o Purgatorium parece um paraíso.
São dois andares.
No subsolo, onde estamos, é onde a pista de dança fica. O piso é preto
e as luzes são vermelhas, apagando e acendendo enquanto o DJ, ao centro do
local, em uma espécie de gaiola, coloca todos para dançar. E são muitas
pessoas.
Ao fundo do subsolo, bem ao fundo, o bar tem cor de vinho. Uma
única bartender atende as pessoas e ela não parece infeliz com a quantidade
absurda de clientes. Ela tem um sorriso carregado de luxúria. E, para mim, a
mulher parece o pecado, com seus olhos azuis e frios, pele branca —
estranhamente bronzeada para uma moradora de Nova York fora do verão —
e seu cabelo liso e preto. Há uma tatuagem em sua bochecha, pouco abaixo
dos olhos, uma palavra, de longe não consigo ver. Adoraria ler de perto. Bem
de perto.
Me viro em busca de Matt quando vejo que John já puxou Molly para
dançar, perto da gaiola negra em que o DJ toca.
— Ei, Letterman, vou buscar uma bebi... — Cacete? Matt já está com
a boca colada contra um cara. Um cara de dois metros está se apropriando da
boca do meu melhor amigo. Não, Chloe, Matt não quer uma bebida agora.
Me viro novamente para o bar e percebo a bartender rindo de algo que
um cara disse. Decido me aproximar e uma mão toca o meu ombro. Olho
para trás. Matt está sorrindo para mim, a mão entrelaçada com a do rapaz,
que balança a cabeça conforme a música manda. É engraçado, não tem como
não rir.
— Chloe, esse é o meu ex, Brandon — Matt diz, competindo contra o
som do DJ. Arregalo os olhos levemente e sorrio para o garoto loiro ao seu
lado, que sorri de volta para mim. Uau que sorriso. Volto o olhar para
Letterman, buscando saber se ele tem certeza do que ele está fazendo. Ele
sorri como se estivesse lendo a minha mente. — Chloe, vá se divertir
enquanto eu brinco com o meu ex num banheiro qualquer, ‘tá legal?
Meu rosto se contorce em desgosto por um segundo. Esse é Matthew
Letterman, pessoal. Direto como uma bala, tão doce quanto um limão, com
sua boca surrealmente suja. Que orgulho.
— Não preciso dos detalhes sórdidos, Matty, Matty — devolvo,
lutando para a voz ecoar contra a batida do lugar. — Bom orgasmo, eu acho?
— Matt gruda a boca em minha minha bochecha num beijo estalado e puxa
Brandon para longe dali.
Só me resta rir. Sério, Letterman nunca muda...
Respiro fundo. Fecho os olhos. E tudo o que eu sinto é meu corpo e
todo o caos que o guia ser conduzido pela música. Um sorriso toma meus
lábios com a sensação de que meu coração está por toda a parte do meu ser,
como se todo pedacinho de Chloe Mitchell pulsasse intensamente, até as
pontas dos dedos.
Abro os olhos.
Tiro minha jaqueta, a amarro na cintura e me direciono para próximo
do DJ, deixando meu corpo se levar pela música, entre todo mundo que está
dançando e curtindo. Aproveito para analisar mais o lugar.
Como disse: dois pisos.
E agora finalmente dou atenção ao piso superior, onde os VIPs devem
ficar. Paredes de tijolos, LED's vermelhas, sofás negros, pessoas se beijando,
garçons servindo bebidas... Esse segundo andar contorna todo o subsolo.
Me sinto observada, de novo. Dessa vez, não acho que seja só uma
sensação porque, honestamente, me sinto como uma presa no caminho de um
predador. E quero saber quem me caça.
Analiso todo as pessoas ao meu redor primeiro e então me viro.
Ergo o olhar ao segundo piso instintivamente. E acabo por achar
justamente o que estava procurando. Definitivamente gosto muito do que
vejo.
Dedos longos e cobertos por anéis seguram a barra de metal que
divide o segundo andar do subsolo. Seus fios negros e ondulados estão
arrumados e jogados para trás. Seu rosto é liso, não tem barba. O maxilar está
trincado, os dedos apertados contra a grade e há algo deliciosamente
selvagem no modo que seus olhos me encaram. Não consigo ter certeza da
cor deles, mas adoraria descobrir.
Apesar do terno preto sobre o seu corpo lhe dar um ar mais adulto,
acho que ele tem a minha idade. Quer dizer... Deve ser mais velho. Não
parece passar dos vinte e quatro, pelo menos.
Há um abismo entre nós dois, sabe? Subsolo, segundo piso. Mas
tenho uma impressão de que abismos são insuficientes para separar um
homem como ele de seus objetivos. Se ele me quer, sinto que vai tentar me
ter. E se ainda não me quer... oh, ele vai querer. Porque eu consigo o que
quero e eu, definitivamente, quero ele por essa noite.
E de repente eu não consigo ver mais ninguém. Só ele.
A noite já chegou.
Koldelium está claramente entediada em estar ao meu lado nesse
momento. Apareci no Purgatorium com o Mustang e ela abriu um sorriso
quando me perguntou o que faríamos de tão interessante para que eu a
privasse de uma noite de festa. Eu a respondi com "acho que vamos correr".
Todavia, no momento, ela não parece empolgada.
— Cadê essa garota? — Kold pergunta, incomodada, olhando para a
casa em que Chloe acabou de entrar com Molly.
A rua é escura. Fica nos limites da cidade e foi demorado para cacete
para chegarmos aqui de carro. Tudo grita "ilegal" cada vez mais.
— O que estamos fazendo? — Uma voz surge no banco de trás e o
carro se inclina levemente conforme Luke literalmente brota no carro. Ele
surgiu do nada.
Kold quase grita e eu fecho os olhos em susto. Nós dois o encaramos,
ela pelo espaço entre os bancos e eu pelo retrovisor. Travo o maxilar e ele
abre um sorrisinho, percebendo meu incômodo em vê-lo ali.
— Vamos conhecer a garotinha que está conquistando seu
coraçãozinho? — O loiro questiona, fazendo um bico em seguida.
— Vai se ferrar — peço carinhosamente e Kold bufa, ainda irritada
pelo susto.
— Ela tem que ser muito gostosa para... — Ele para a fala quando eu
me acomodo sobre a cadeira e fito a garota que sai da casa.
A jaqueta de couro lhe cobre o corpo e a blusa branca que veste.
Calças pretas, coturnos e uma gargantilha. Dá para ver o exato momento em
que passa as mãos pelos fios cor de fogo e os joga para trás.
Luke assobia lentamente.
Eu trinco os dentes, o olhando pelo espelho. Meu amigo apenas
estende as mãos em rendição.
Agora Molly, Chloe e um cara loiro estão andando em direção ao
Shelby vermelho estacionado em frente à casa. Elas foram buscar o cara.
Acho que é o tal John que Molly falou. Acho que ele é namorado dela, mas
não gosto da incerteza.
— Hora de correr, baby — Kold diz, adrenalina transbordando por
seus olhos azuis e maldade brincando pelos lábios vermelhos.
Acelero o carro e os sigo.
— Ora, ora! Onde está seu Yves Saint Laurent? — Chloe está
sorrindo enquanto fala, carregada de sarcasmo, andando em minha direção ao
fim do seu expediente. A ruiva tem um walkman em mãos e usa apenas um
dos fones desse toca-fitas. Consigo ouvir baixinho o que parece ser The
Rolling Stones.
Vejo Molly pelas janelas grandes do restaurante, conversando com
um cara barrigudo. Acho que é seu chefe. O tal Matt não está ali.
— Deixei no armário — respondo, emburrado. Ela me analisa e eu a
analiso de volta.
Chloe está com um par de tênis surrados cinzas, calças pretas até o
meio da cintura, uma blusa branca com um pôster de algum filme que não
conheço e uma jaqueta de couro negra. Ela carrega uma mochila preta
surrada. Está fodidamente linda. Como sempre, a mistura perfeita entre anjo
e demônio: sinto em seu coração algum caos, vejo em seu rosto um anjo. E
novamente me encontro, de algum modo, diante de um enigma.
Chloe olha para o carro atrás de mim, percebendo que deixei o
Thunderbird em casa hoje. Hoje trouxe o Dodge Charger da década de 70. É
um dos meus preferidos. Ela parece gostar também.
— Para onde vamos? — Quebro o silêncio breve e estranho entre nós
dois.
— Para o seu prédio. — Uno as sobrancelhas por um segundo. —
Você quer me conhecer, eu sei o jeito certo. Quero te mostrar algo no
apartamento da minha tia.
Abro a boca levemente, finalmente entendendo. Ela ainda acha que
moro no prédio da tia dela. Acho que seria uma boa hora para inventar que
acabei de me mudar, não?
— Ei, Chloe! — Uma garota de traços asiáticos, baixinha e de cabelos
curtos sai de um carro branco, seguida de dois caras loiros, idênticos. Ela é
quente para cacete. Seus olhos são alongados e expressivos, inclinados para
baixo nas extremidades. Acho que tem descendência chinesa. — Está saindo
mais cedo? O Thurman sabe disso?
— Não, Brianna, você está tendo uma miragem — Chloe cantarola,
desgosto por todo o seu rosto. — Claro que sabe, se está me vendo aqui é
porque ele sabe. — Brianna ri nasalado. — Por que estão vindo mais cedo?
— Porque somos os melhores funcionários — um dos gêmeos diz. —
É assim que conseguimos os aumentos que você nunca consegue. — O idiota
me olha e analisa meu carro. — Vai dar o golpe do baú nesse cara? Ele sabe
que você brinca com ratos para ter o que comer?
— Não tem nenhum rato no restaurante, Kyle. Tirando por você —
Chloe devolve.
Eu poderia me meter nessa briga infantil, mas ela está me divertindo
muito. Por favor, continuem.
— Sério? — Brianna debocha. — Sei lá, acho que te vi brincando
com um rato outro dia. Vocês falam a mesma língua, talvez você seja um.
Chloe respira fundo.
— Só... Vamos cair fora daqui — pede, entredentes, e eu assinto,
parando de rir e abrindo a porta para ela. Chloe entra no meu carro e eu faço
o mesmo em seguida. — Desculpa por isso.
— Tudo bem... Quem são eles?
— Matt e Molly chamam de Trio Radiação. — Rio nasalado,
balançando a cabeça em negação. Chloe está guardando o walkman na
mochila. — Eles trabalham no turno da noite. Só podemos sair quando eles
chegam. Não nos damos bem.
— Visível.
Ficamos em silêncio por um tempo, observando o tal Trio Radiação
entrar no restaurante.
— Eu costumava ter uma queda por ela, sabe? — Chloe me conta e
eu franzo o cenho. — Brianna Yang. Quando cheguei aqui, eu olhava para
ela e pensava: “Cacete, essa garota é linda”. Ouvi dizer que a família da Yang
veio da China há uns dez anos, eles têm um restaurante no Brooklyn ou algo
assim. Enfim, Brianna tinha todo esse jeito emburrado de ser e tudo mais,
pelo menos eu enxergava assim. Gostava disso. Mas a queda durou só uma
semana, porque assim que Yang falou comigo e eu percebi que não era um
jeito de ser. É arrogância. Brianna é arrogante comigo e eu não sei o motivo...
— A ruiva suspira, como se percebesse que está desabafando para um
estranho.
O silêncio me incomoda.
— Gosta de garotas também? — Percebo o seu desconforto e tento
mudar de assunto. Muito mal, por sinal. Chloe morde o canto do lábio,
unindo as sobrancelhas. Há uma pequena ruga entre elas, discreta, mas está
ali.
— Eu sou bi — ela conta, mas seu olhar ainda está preso nas janelas
do restaurante. Me pergunto se, por algum motivo, a ruiva está buscando a tal
Brianna com os olhos e isso me incomoda. Digo, será que ela tem algum tipo
de sentimento pela menina? Talvez não, talvez seja apenas frustração. —
Quer saber, você realmente não tinha que ouvir nada disso, sabe? Não tem
nada a ver a minha briga com Brianna, então desculpa, mas é que Yang me
tira do sério!
Consigo sentir uma tristeza vinda da Chloe, então escuto o seu
coração. Ele bate com algum pesar. A ruiva pode ter respondido aos garotos
como se não se importasse, mas ela transborda melancolia. E ela não está
chorando porque se acostumou com a dor. Me sinto tentado a perguntar sobre
isso, porém me parece invasivo.
— Tudo bem — respondo. Não é como se eu devesse me importar,
de fato, com o que essa garota sente.
A ruiva me encara e seu olhar brilha, mas não é de felicidade. O
sorriso fraco que me lança é completamente forçado. Por que uma garota
como ela se importa tanto com o que os três idiotas pensam?
— Vamos? — pede. Confirmo, a observando colocar o cinto. Faço o
mesmo e acelero.
— Então o bom filho à casa torna — Luke ironiza assim que saio da
biblioteca. Sorrio para ele. — Não sabia que viria hoje.
— É, sempre bom ver como as coisas estão. — Olho ao redor por um
instante, mas volto a encará-lo. — Luke, tem um livro da Chloe na minha
biblioteca — digo, sem mais delongas. O loiro parece tão confuso quanto eu
estava há minutos atrás. — Duvido que uma garota comum tenha lugar nas
minhas estantes, ao mesmo tempo... Nada do que li confirma que ela não é
humana. Não tenho muito tempo hoje, tem algo que quero que você faça,
então preciso que me obedeça, sim?
Indico a direção dos portões com a cabeça e nós dois seguimos para
fora do palácio. Tudo por dentro é bege e dourado, as paredes são muito altas,
há elegância por toda a parte.
— Preciso que consiga todas as informações sobre a família da Chloe,
tudo. Quero que resuma para mim o que de mais importante tiver — ordeno.
Luke confirma, ainda sem entender em que parte quero chegar. — Há algo de
diferente sobre a garota. Preciso saber o quê. Vou começar pela árvore
genealógica. — Os portões se abrem e chegamos ao lado externo. Me viro
para o meu amigo. — Vá dos laços consanguíneos mais próximos da ruivinha
aos mais distantes. Me traga um primeiro relatório até o fim da semana.
— Por que se importa tanto com essa garota, Noah? Tem certeza de
que ela fez seu coração bater? — O loiro me analisa. Confirmo, em silêncio.
— Como se sente em relação a isso?
— Um pouco confuso, eu acho — confesso, um pouco tenso. Os
olhos esverdeados do meu amigo percorrem todo o meu rosto.
— Te faz pensar na Lilith?
Nego, de imediato.
— Faz milênios desde a Lilith, Luke. Eu não me importo — garanto.
— Só faz o que te mandei, ok? — Luke confirma e eu não me incomodo em
me despedir, seguindo para longe do Inferno.
Sinn abre a porta do carro para que eu saia. Consigo ver o túnel
vermelho. Ele me dá a mão e eu aceito a sua ajuda, apesar de saber que não
vou cair em meus coturnos. Seu sorriso encantador se revela quando fecha a
porta para mim.
Tive que me trocar na casa da Senhora Durden, enquanto o pequeno
Pietro dormia. Mal tive tempo de passar alguma maquiagem, devo estar uma
merda. No entanto, Sinn diz o contrário.
— Está linda. — Arqueio a sobrancelha.
— Obrigada, acho.
— Não quis te constranger. — Ele me faz segui-lo ao acenar com a
cabeça o caminho que devemos seguir. — Sei que mal nos conhecemos. Mas
é a verdade. Não só está linda, na verdade. É muito bonita. É visível porquê
Noah gosta tanto de você. — Franzo o cenho, o analisando.
— Só pela beleza? Então tudo o que uma mulher tem a oferecer é a
sua beleza? — A pergunta me escapa, bem mais para mim do que para ele.
Sinn para de andar para me olhar.
— Desculpa, Chloe, não foi o que eu quis dizer. Não me referi apenas
à aparência, senhorita. Há definitivamente algo em você que te torna mil
vezes mais bonita do que você naturalmente é. E hoje está encantadora.
Uau. Meu ego está maior que a cidade no momento. Infelizmente,
Sinn não diz mais nada até estarmos dentro da festa.
Gosto do Purgatorium, porque toda a estética é diferente. A decoração
preta e vermelha e o conceito infernal daqui são interessantes, apesar desse
estabelecimento não parecer um lugar para sofrermos, não mesmo. Tudo aqui
traz uma sensação de que você pode ser ou fazer o que quiser, de que há mais
vida por esses ares.
Vejo Molly e John dançando juntos em um canto da pista de dança.
Sinn coloca a palma em minhas costas como um convite para que eu o siga e
obedeço.
Chegando ao espaço VIP, existem grupos e mais grupos espalhados
por mesas e em uma delas, Matt parece emburrado, brincando com o canudo
da sua bebida azul. Penso em andar em sua direção, mas sou parada de
imediato por uma figura alta e de olhos escuros.
— O que está fazendo aqui? — Noah pergunta. Uni as sobrancelhas,
abrindo a boca algumas vezes sem saber o que dizer. Sinn estava ao meu
lado, ainda com a mão em minhas costas, mas assim que recebeu um olhar de
Hellmeister, tirou a sua mão dali, então me sinto desamparada de algum
modo. — Chloe, o que está fazendo aqui? — Noah eleva a voz contra o som,
achando que não ouvi, provavelmente.
— Como assim? Você me convidou! — respondo, confusa. Noah
franze a testa mais do que eu. Seu cenho está estupidamente franzido e ele
abre a boca, mas nada sai. Então seu olhar recai em Sinn e o meu também.
— Ideia da Kold! — Seu amigo levanta as mãos em rendição.
Continuo sem entender o que está acontecendo e Noah solta um grunhido de
raiva. — Bom, foi um prazer te conhecer e conversar contigo, Chloe. — Sinn
deposita um beijo em minha mão e lança seu melhor sorriso, antes de bater
no ombro de Noah duas vezes e se retirar.
Encaro Noah, esperando que me chame para conversar ou explique
porque seus amigos mentiram para mim. Ou só me chame para dançar e me
diga por que agiu estranho depois do beijo. Tudo o que ele, contudo, faz é
balançar a cabeça em negação e mal olhar na minha cara.
— Espero que curta a festa, Mitchell.
Não há "meu anjo", “ruivinha" ou "red". Não há nada além do seu
sarcasmo seco e fugaz. Hellmeister me deixa sozinha no andar de cima e
segue para uma mesa qualquer, cumprimentando duas garotas.
Que porra acabou de acontecer?
A luta está durando mais tempo do que deveria. Kold e Sinn dividem
um mesmo oponente. Koldelium tenta acertar um chute alto, girando seu
corpo. O cara desvia, mas não consegue fugir da adaga de Sinn. A faca é
cravada no pescoço do demônio, que cai cinza aos pés de Kold. Kold não tem
tempo para processar a morte, porque há um outro oponente atrás dela. Ela
inicia outra batalha. Sinn também encontra um inimigo logo atrás de si.
Luke está expondo suas asas em uma luta acima do chão contra um
demônio. Os dois estão se atracando de um jeito furioso. O meu amigo
domina a luta completamente. Há violência até no ar.
Termino de enfiar a própria faca de um demônio contra ele mesmo,
quando me viro e encontro Chace prestes a tentar acertar um soco na minha
cara, mesmo sem forças. Obviamente, ele não consegue e eu seguro o seu
pescoço com força.
Estou firmando os meus dedos contra o pescoço de Chace. Poderia
fazer isso o dia todo. O demônio luta para sair do meu controle e eu aperto
com força o seu pescoço, demandando que me explique exatamente como
Chloe é a resposta.
— Uma última chance — digo. Afrouxo a mão ao redor do seu
pescoço. — Como Chloe é a resposta?
Ele ri com o pouco de ar que lhe resta.
É quando sinto uma faca ser fincada em minhas costas e grunho de
ódio. Dói, apesar de ser incapaz de me matar. Então outro demônio arrasta a
faca levemente para baixo. Caio ao chão e apoio as mãos no mesmo, fazendo
força para me levantar.
É quando ergo o olhar para a porta. O amigo da Chloe está ali. Não
sei que porra o cara faz aqui, mas Matt assiste a cena de olhos arregalados e
tudo o que eu consigo pensar é: "ótimo, fodeu, um humano está vendo toda
essa merda".
Todavia, Matt surpreende em revelar asas incrivelmente brancas e
voar na direção do demônio que me atingiu.
Todos os demônios estão mortos e espalhados pelo apartamento,
inclusive Chace. A cena é macabra. Sinn disse que vai dar um jeito nos
corpos e eu sinceramente não faço ideia de como isso vai acontecer, e não me
importo.
Luke trancou o apartamento por dentro. Uma vizinha chegou a
perguntar se tudo estava bem e ele lhe deu seu melhor sorriso pela pequena
brecha da porta, dizendo que uma noite divertida estava acontecendo. Acho
que a garota cogitou pedir para entrar, mas ainda bem que ela não o fez.
Estou sentado ao chão, os pensamentos a mil. Kold me fez tirar o
terno e a camisa para encarar a cicatrização do ferimento. Em questão de dois
minutos, três no máximo, o ferimento estava quase fechado. Então a morena
anda até Sinn e Luke e os três iniciam uma conversa.
— Como você está? — Matt me pergunta. Eu o encaro, um tanto
quanto curioso.
— Você é um anjo — digo.
— Obrigado. — Matthew ri e leva a mão ao peito.
— Sem ironias, você realmente é um anjo.
— É, Noah. E você é o Diabo. — Uno as sobrancelhas, confuso. —
Quando o vi no Purgatorium, eu não te reconheci. Porque eu nunca tinha te
visto, só sabia o seu nome. Então a Chloe descobriu como você se
chamava: Noah Hellmeister. E eu ouvi histórias o suficiente para te querer
longe dela.
O analiso atentamente, pensando em qual pergunta fazer primeiro.
Matt se senta num sofá, a dois metros de mim. Tem um corpo perto do seu
pé, mas ele não parece se importar. Koldelium se vira para nós dois, Sinn e
Luke parecem tão atentos quanto ela ao que conversamos.
— Como chegou aqui? — pergunto, me pondo de pé. Pego a minha
camisa social do chão e a visto, passando a fechar os botões de baixo para
cima.
— Estava de olho no prédio. Por medo de algo estranho acontecer
com a Chloe, como aconteceu com o John. Então eu o vi chegar e achei que
vocês fariam alguma merda perto da minha amiga e eu realmente não
toleraria isso. Mas não foi exatamente o que aconteceu. A sua sorte é que a
Chloe mora dois andares para cima. Não deve ter escutado nada. A não ser
que seja super especial.
— E ela é? Super especial?
— Pergunta de uma vez, Noah! Você quer saber se ela é humana —
Matthew devolve de imediato e eu solto o ar pelas narinas, terminando de
fechar a camiseta em meu corpo. Dobro as mangas da camiseta social. — O
que aconteceu com o John?
— Estou investigando. Fiz uma pergunta, você não respondeu.
— Você fez a pergunta errada, quer saber se ela é humana. E olha, eu
posso te responder que porra você quiser, sob duas condições. — Ele ergue o
indicador, ignorando a minha paciência. — A primeira é que seja
completamente honesto comigo quanto a tudo que sabe sobre a morte do
John. E a segunda é que independente do que for dito aqui hoje, Chloe não só
não vai saber de nada, como você nunca, sob hipótese alguma, vai voltar a se
aproximar dela.
— Ele não vai prometer isso — Kold fala por mim, rindo nasalado.
— Não conversei com você, demônio — Matt retruca, sem encará-la.
— Falei com ele. — Então aponta para mim.
— E ele, ainda assim, não vai te prometer isso — Luke reitera.
Eu e Matt nos encaramos o tempo inteiro. O anjo procura qualquer
tipo de vacilo que indique eu aceitaria esse acordo, mas não... Um acordo
com o Diabo não é tão simples. Ele deixa escapar um sorriso, como se
dissesse "é, eu tentei". E se levanta, caminhando em minha direção.
— Então vou reformular a proposta — fala, perto de mim. — Chloe
sob hipótese alguma vai saber do que aconteceu aqui ou sobre mim. E eu sei
que você é capaz de manter esse segredo, porque você quer que isso seja
mantido em segredo. Ou vai chegar nela e dizer "oi, eu sou o Diabo e seu
melhor amigo é um anjo"?
Ele está certo.
— Eu poderia te matar — o lembro.
— Mas então já teria feito. — Matt está sorrindo como nunca. —
Você sabe que pode matar demônios à vontade, mas não quer uma briga com
o Céu por ter matado um anjo, não é? Sabe como nós, do Céu, somos unidos.
Espero que prossiga a sua fala, sorrindo de canto. Mas não porque
estou feliz. Não, não mesmo. Estou sorrindo porque quero matar esse filho da
puta. E ele está certo. De novo.
— O que quer para se afastar dela? — Matt questiona.
— Antes de morrer, esse cara — digo e aponto para Chace, o
demônio morto ao chão —, disse que Chloe era a resposta para uma pergunta
que me faço há séculos. Não vou me afastar dela. Não há nada nesse mundo
que consiga me afastar de Chloe Mitchell nesse momento.
— "Pergunta"... Você está falando do seu coração? — Matthew
arqueia a sobrancelha. Ele sabe de muito mais do que eu imaginava. — A
história é a seguinte, Noah: fui designado para proteger e cuidar da Chloe até
que o momento certo se aproximasse.
— Momento certo do quê? — Luke questiona, se aproximando.
— De ela cumprir seu destino — Matt responde e passa a andar pela
sala. Sinn e Kold se aproximam do sofá, se jogando sobre ele. Kold bate o pé
no corpo a sua frente, achando graça de como ele se mexe. — Eu a
acompanhei de longe por um bom tempo depois que o pai dela morreu. O
problema é que com o passar dos anos, Chloe foi passando por coisas que...
Enfim... Não pude protegê-la de tudo. Ela sofreu bastante, mas é forte pra
cacete, como deve ter percebido. — Matthew chega à janela do apartamento,
fitando os resquícios de vidro por ali e pelo chão. — E eu sabia que
o momento certo estava chegando. Então eu decidi me revelar a ela como um
humano qualquer e tentar criar alguma amizade.
— E você se envolveu — Sinn observa. — Não só com a Chloe, mas
com os amigos dela, com a vida da cidade...
— Gosto de ser humano... E de ser um pouco errado — Matthew
confessa. — E amo a Chloe com todo o meu ser. Como amigo. — Ele me
olha, como se quisesse me deixar claro isso. — Acho que já deve ter
percebido que eu não curto mulheres.
— Certo. Blá, blá, blá, “Eu sou o Matt e brinco de ser humano”...
Ninguém liga para o que gosta de fazer ou quem chupa ao fim do dia, está
bem?.— Kold é direta — Que momento é esse que você tanto fala, garoto?
— Não sei ao certo. — Matthew me encara. — O que me torna pouco
útil. Mas sei boa parte da história da Chloe. Sei o que Chloe é. E se quer
saber, Noah, mesmo se eu soubesse o que a missão da Mitchell tem a ver com
contigo, eu não te diria. — Trinco os dentes, andando em sua direção. — Não
é nada contra você. É a favor dela. Todavia, se quiser saber sobre o quê ela é,
não vejo por quê não dizer...
Por algum motivo, não sinto a mínima vontade de matar Matthew, por
mais que ele me irrite. E se ele não pode me dizer tudo, vou tentar conseguir
o máximo de informações possíveis sobre Chloe Mitchell.
— Comece a falar — ordeno.
Onze da noite. Todos foram para casa, menos eu. Matthew percebeu
para onde eu iria quando segui para o elevador.
— Chloe é parte de mim, Noah — o anjo repete em alto e bom som o
que me disse dentro do apartamento daquele demônio. Eu me viro para Matt,
no corredor. — Ela expressa o amor pela vida em seus mínimos
detalhes, é provavelmente a melhor pessoa que conheci. Então, eu não sei se
há alguma bondade nesse seu coração de ferro, mas Chloe já sofreu mais do
que você imagina e se houver a mínima chance de se afastar dela antes que
essa garota se despedace por completo, eu espero que pegue para si.
Sei o que Chloe é. Sei boa parte da sua história. E estou mais confuso
do que nunca. O anjo está me encarando. Penso em respondê-lo, mas não sei
o que dizer. Assim, Matt segue para a janela ao fim do corredor e a abre,
tendo acesso às escadas de incêndio. Ele vai embora.
Fico parado por um tempo.
Até que lembro que sei para onde ir. Para onde quero ir.
Então de repente, estou em frente à porta da casa, da casa dela. Bato
duas vezes. Não sei se ela vai abrir, está tarde... Mas por algum motivo,
depois de ouvir o conto de fadas deturpado que foi a sua origem, preciso vê-
la. A demora para abrirem a porta me incomoda e bato novamente. Espero,
ansioso. Fecho os olhos, tentando vê-la e saber se ela está acordada, então ela
finalmente abre a porta.
— Hm... Noah? — questiona e eu abro os olhos, a encarando. Chloe
veste uma regata branca e calças cinzas quadriculadas e folgadas. Seu cabelo
está preso num coque desleixado. Não há maquiagem alguma em seu rosto,
vejo perfeitamente sardas em suas bochechas. Noto pela primeira vez. Ela
segura a porta em uma brecha mínima, sem me deixar entrar. — O que está
fazendo aqui? E... De olhos fechados...?
— Eu quis te ver.
— A essa hora? — Arqueia a sobrancelha. — Eu te perguntaria como
subiu, mas o porteiro é inútil e possivelmente te deixou passar, então... —
Uau. Ela está falando muito rápido. — Enfim. Descobriu algo sobre a morte
do John, foi isso?
— É. Digo, não. — Fito os seus olhos e acabo por desviar o olhar. Por
que a voz de Matthew dizendo para me afastar parece se repetir em minha
mente? E por que cogito isso? E por que fui impulsivo a ponto de parar em
sua porta? — Não consigo dormir por causa dessa confusão toda — confesso.
Não estou mentindo. Ok, não totalmente. Não me sinto cansado, não preciso
dormir. Não durmo direito há séculos. Não é por causa do John.
Não sei. Eu não sei porque estou aqui. Não faço a mínima ideia.
Chloe une as sobrancelhas por um segundo. Ela opta, por fim, por
abrir a sua casa e me ceder a passagem. Hesitante, entro em seu apartamento
pela primeira vez, mas já o conheço pelas duas ou três vezes que minha
mente me levou à ruivinha. Escuto a porta se fechar e analiso o lugar.
— Sinta-se à vontade — Chloe diz, soa sem jeito.
A cozinha americana pequena é integrada à sala de estar, também
minúscula. A sala é ligada à varanda por uma porta dupla, que dá acesso à
escada de incêndios externa. Tem um corredor pequeno do outro lado da sala,
que garante a passagem para o que eu acredito ser a suíte. E é isso. Seu
apartamento é um pouco maior que o meu quarto. Tem um telefone na
bancada da cozinha, acho que ela acabou de usá-lo. Ele é cinza e grande, sem
fio.
— Como está, meu anjo? — pergunto, realmente interessado. Me
sento ao sofá e Chloe pega o telefone na bancada da cozinha, andando em
minha direção.
— Sem conseguir dormir. Como você — a ruiva confessa. Sorrio
fraco e ela se senta ao meu lado, deixando o telefone na mesa. — Pensei que
chamaria a Kold se precisasse conversar, vocês são muito amigos, não são?
— É... Mas eu só pensei em você — respondo. Chloe me analisa. Me
viro para ela. — O que pensa de mim?
Ela ri.
— Como assim? Do nada isso?
— "Do nada" o quê?
— Do nada essa pergunta.
— Chloe... — Rio nasalado. — O que pensa de mim?
Ela parece pensar por um instante.
— O que quer dizer?
— O que pensa de mim, Chloe? — Insisto na pergunta, ansioso por
uma resposta. Ela ainda parece pensar, mas mantém seu olhar conectado ao
meu.
— Noah, eu não...
— Vamos, seja sincera, meu anjo. Não tenha pena de me machucar.
Você não vai me ferir.
Ela parece refletir sobre as minhas palavras. A ruiva respira fundo,
desviando o olhar por um instante, como se pensasse por onde começar.
— Bom... Acho que... Hm... Penso que é um garoto perdido. Digo...
Quer o mundo, mas não sabe como tê-lo. Bloqueia as suas emoções, se veste
em ternos caros... — Chloe indica a roupa que visto. — Aliás, seu terno... Ele
está... — Ela leva as mãos as suas costas. — Ele está rasgado. — Merda... A
facada. Não sei como explicar a situação. — Você se cortou??
— Ugh, não... — Penso rápido em uma mentira. — O Luke, meu
amigo, se meteu em uma briga no bar. Eu o ajudei a se defender, ele se
cortou. — Percebo que a ruiva ergue as sobrancelhas, preocupada, então logo
me adianto: — Luke passa bem. Nós cuidamos do ferimento, não atingiu
nada grave, foi um corte superficial e ele já está novo em folha. Mas... Hm...
como ele ia para um evento inadiável e especial, nós trocamos de terno e
camiseta. — Me limito em dizer. A ruivinha me analisa. A minha mentira
parece fazê-la refletir por um instante. — A briga não foi tão feia assim. Não
quero falar muito sobre isso, pois foi algo pessoal.
Chloe morde o lábio inferior, voltando ao assunto anterior ao perceber
que eu não me estenderia além daquilo. Não é uma explicação tão boa. Na
verdade, é um tanto quanto péssima. Talvez, pela primeira vez em muito
tempo, eu esteja falhando em mentir.
— Ok... — Ela pisca algumas vezes. — Continuando... Você tem
todo esse ar misterioso... Não sei, Noah, você sustenta o ar bad boy trilionário
que conhece o universo na palma da sua mão e caga para tudo e todos, mas
eu sinto que isso não lhe pertence.
— Resumindo...?
— Penso que é um garoto perdido. — Eu rio nasalado, aceitando a
sua sinceridade. Gosto de quem diz a verdade.
— E percebeu tudo isso de mim em tão pouco tempo?
— Você me conhece mais do que deveria, Noah, e me conhece há
muito pouco tempo. Precisei te estudar de volta para te conhecer melhor, se
quer saber. Preciso prestar atenção em todo mísero detalhe seu, porque sinto
que me conhece melhor do que ninguém, o que é bizarro. E para falar a
verdade, Noah... — Ela ri, sem humor algum. — Acho que quando olho nos
seus olhos, é quase como se eu estivesse olhando um espelho. Sinto que
somos mais parecidos do que imaginamos. Sinto que você é um garoto
perdido e eu sou uma garota perdida.
Esse é o problema, sabe? Ela está fodidamente certa.
Chloe e eu nos conhecemos há pouco tempo e eu sinto que temos um
elo. E ambos estamos perdidos. Bem, no meu caso, estou sempre
perdido, sou perdido. Chloe apenas está. Outro fato um tanto quanto curioso
é que ela nos coloca como iguais, mas nisso eu discordo. Chloe gosta de
adrenalina, ela gosta de loucuras, talvez de praticar o errado... Mas se pinta
como um monstro que ela não é. Enquanto eu... Eu sou um monstro.
Eu sou o Diabo.
Sou tão ruim que sei que Matthew está certo e que posso acabar
partindo o coração dela. Só que não quero me afastar. Principalmente, porque
quero sentir o meu coração bater outra vez. Eu quero o poder. Mas há uma
parte pequena, menor, mas ainda está aqui, que se sente envolvida pelo
enigma Chloe Mitchell e quer desvendá-lo por completo, cada pedacinho. De
qualquer modo, as duas partes comprovam o puta egoísta que sou e sempre
fui.
Não sei qual a missão da Chloe e que porra ela tem a ver comigo, mas
vou ficar por perto até descobrir.
— Noah... E você... O que acha de mim? — Chloe questiona e eu
ergo os olhos para ela. Suas íris negras brilham como se refletissem a Lua.
— Acho que você se subestima, meu anjo. Você está dez mil vezes
acima do que qualquer garota perdida. — Chloe está atenta a cada palavra,
como se sua vida dependesse disso. — Eu acho que você não é uma garota,
mas uma mulher. E não é perdida, não... Pode estar no momento, mas um dia
isso vai passar, sabe? Você sabe exatamente quem você é, só falta admitir
isso para si mesma. Você curte o caos, meu anjo, eu sei disso. Somos iguais
nesse quesito. Procuramos prazer em sexo casual, buscamos o pecado como
se ele fosse uma necessidade, eu sei disso. Todavia, se quer a minha opinião,
e acredito que... — Deixo um riso escapar, desviando o olhar. — Você não
quer a minha opinião, mas vou dá-la do mesmo jeito: não há nada de errado
em se apaixonar um pouco pelo caos.
Um som me chama a atenção. É como uma melodia. Sim. Seu
coração é como música. E é como uma música tão gostosa de se ouvir, tão
perfeita, que eu poderia ouvir por horas e horas, dias e dias... E preciso
descobrir que porra essa garota é e porque ela é tão importante. Preciso
descobrir porque tudo nela me prende.
Enfim. Me atento ao seu coração, já que não posso sentir o meu. E o
dela bate um pouco mais rápido do que deveria.
— Noah... — A encaro, curioso para ouvir o que ela tem a dizer. —
Eu sou perdida. Você sabe disso. Às vezes eu sou a Chloe garçonete, a Torn
que corre nas ruas, a bailarina que dança em segredo... Não sei o que sou, eu
me sinto perdida. Não precisa mentir para me fazer sentir melhor.
— Não estou mentindo, meu anjo. — Brinco com um anel em meu
dedo, mas meu olhar é completamente dela. — Acho que existem partes suas
que você vê como antagônicas, mas na verdade são peças que montam o
universo estranhamente único que você é. Não estou mentindo. Não mesmo.
Na verdade, esse é o maior nível de sinceridade que atinjo há um bom
tempo.
Chloe morde o lábio inferior e seus olhos, de repente, não me cativam
tanto quanto a carne que desliza por entre seus dentes. O Diabo está sendo
hipnotizado por uma mera humana. E ele está gostando disso.
Chloe está vestindo um pijama folgado qualquer, nada sexy, e ainda
assim parece a mulher mais quente que já conheci. E eu que sempre tenho
atitude, me vejo imóvel. Então ela toma o controle da situação quando se
aproxima, cautelosamente.
— Eu teria cuidado com o seu próximo movimento, meu anjo.
— Jura? Por quê?
— Porque pode se arrepender depois de ceder novamente a um cara
como eu.
Chloe esquadrinha todo o meu rosto e ri nasalado. Sua mão toca o
meu queixo, mantendo o meu olhar rente ao seu. E agora é a minha vez de
venerar cada detalhe do seu rosto.
— Deixamos algo pendente no Purgatorium, Noah — ela sopra e eu
fecho os olhos. Respiro fundo uma última vez. E no segundo seguinte, seus
lábios macios estão sobre os meus.
O fio de lucidez que possuo parece se romper com a volúpia que me
toma. E quando vejo, Chloe Mitchell está em meu colo, tirando a sua
camiseta. E a primeira peça de roupa está ao chão.
Por mais que Chloe Mitchell seja o tipo de garota que precisa ser
admirada, não gasto muito tempo venerando o seu corpo quando ela tira a sua
camisa.
Eu a quero. Com alguma urgência.
Faz muito tempo que sinto falta disso. Ela pode não se recordar de
todos os momentos naquele banheiro do Purgatorium, mas eu lembro. Ter
fodido Chloe Mitchell não é algo que eu possa esquecer. Foi um dos motivos
pelos quais pensei que ela não era humana, afinal. Essa mulher soube fazer o
meu corpo pegar mais fogo que o Inferno. E eu estou acostumado com o
fogo, realmente estou. É que Chloe passa de todos os limites possíveis.
No segundo em que minha língua passa por entre seus lábios e seu
gosto encontra o meu, eu sinto que demoramos demais para chegarmos a esse
momento. Há algo tão doce quanto perigosamente viciante em seu sabor. Sua
língua quente se movimenta contra a minha como se quisesse me conduzir ao
paraíso.
Talvez ela consiga.
Cacete...
Chloe está rebolando contra o meu pau enquanto me beija. Suas mãos
postas delicadamente em meu rosto e as minhas firmes em sua bunda.
Admiro, como o meu anjo se move com maldade. Seu toque desce para o
meu peito, onde encontra o colar de asas negras que carrego.
E tudo se resume a calor.
Há calor no beijo, no toque das suas mãos em minha nuca e coxa, nas
minhas no seu rosto. Muito calor. As baixas temperaturas de Nova York não
influenciam esse apartamento, esse sofá. Aqui, Chloe e eu ditamos o clima. É
como se essa sala minúscula fosse o nosso mundo. Nós somos os reis do caos
que criamos. E, no momento, ele parece perfeito.
Entre nós também existe selvageria, apesar na lentidão com que nos
apreciamos. Não é sobre amor, é sobre desejo. E isso nós temos de sobra.
Ela quebra o meu beijo e tira o meu paletó, sem esboçar sorriso
algum, totalmente compenetrada em fitar os meus lábios.
Chloe tem sardas como eu por suas bochechas, geralmente as disfarça
com um pouco de maquiagem. No momento, porém, a sua pele e o seu corpo
estão cada vez mais expostos, e me pergunto se cada detalhe do seu corpo
combina com o meu... Das sardas às tatuagens e aos movimentos lentos,
carregados de intensidade.
Aproximo a boca da sua quando meu terno está fora de cena e uno
nossos lábios brevemente, desabotoando a minha camisa. E, quando ela está
longe, vejo a ruiva falhar em segurar um gemido de apreciação. Chloe está
mordendo o lábio inferior e, ainda assim, um grunhido baixinho escapou.
Porque ela gosta do que vê.
Mitchell analisa o meu corpo como se este fosse uma obra de arte.
Todo mísero segundo em que seus olhos contornam meu peitoral, abdome e
braços tatuados me parece proveitoso. Ela fita as asas em meu peito e as
tatuagens por meus braços.
Após poucos segundos, decido que ela já me apreciou o suficiente.
Não consigo mais permitir que me encare desse modo. Preciso dela.
Beijo a sua pele e a minha língua quente cria um caminho na curva do
seu pescoço, meus dedos deslizam por seus braços. Consigo sentir seu
perfume doce e suave, a maciez da sua pele... Não lembro a última vez que
quis tanto foder uma mulher como nesse momento.
Abro o fecho do seu sutiã com facilidade e ela o tira, o descartando
por algum canto da sala. Apesar de não agirmos com pressa, estou ansioso
para cacete. Para mim, isso é urgente.
Chloe desliza as mãos sobre meus braços, como se quisesse tatear
cada rabisco em minha pele. E agora, sob a luz da sua sala, consigo ver seus
seios, a tatuagem de flores em seu quadril, toda a beleza que lhe é própria.
Podem falar o que for, mas, aos meus olhos, Chloe Mitchell sempre
será como um anjo com o inferno guardado em sua alma. Não sei explicar.
Definitivamente, não sei. O que quero dizer é que ela consegue ser
fodidamente gostosa e quente enquanto seus traços são de uma delicadeza
surreal. Perfeição é uma palavra fraca para definir a ruivinha. As marcas em
seu corpo, os desenhos em sua pele, suas sardas, seu jeito... Todo detalhe não
pode ser resumido apenas em perfeição. Transcende esse conceito.
Aproximo a boca da sua e ela fecha os olhos. Escuto o seu coração
ansiar pelo meu beijo. Me sinto mais excitado a cada segundo, só em saber o
quanto ela me deseja. Chloe me deixa duro só em me querer. É como se sua
vontade me controlasse. No momento, não me importo com isso. Eu gosto.
— Não se preocupe em ser silenciosa, meu anjo — sopro, em sua
direção. — Deixe o seu corpo falar. — Ela assente, ainda de olhos fechados.
— Olhe para mim, ruivinha.
Meu polegar acaricia o seu rosto e ela me obedece.
O coque em sua cabeça se desfaz sozinho, enquanto eu mantenho o
olhar conectado ao seu.
Meus polegares finalmente alisam as tatuagens em seus quadris.
Mordisco o seu queixo e puxo seu lábio entre meus dentes, maldade tomando
o meu sorriso.
— Dessa vez, você não vai esquecer — prometo.
Cuidadosamente, acaricio a sua nuca e beijo a sua boca, deitando-a no
sofá. Seus dedos se afundam em meus cabelos, nossas línguas parecem
íntimas, viciadas uma pela outra. Me posiciono entre as suas pernas, roçando
meu pau contra ela. Peças de roupa estão me incomodando. Bastante.
Seus seios estão quase contra meu peito, os mamilos eriçados roçam a
minha pele. Os fios cor de fogo espalhados no sofá. Beijo o seu pescoço,
ainda roçando contra ela. É quando me afasto e tiro a sua calça, junto com a
calcinha.
Chloe não parece sentir pudor ou timidez alguma. Tampouco se
importa com possíveis falhar por seu corpo. A garota está segura de si e tem
todo o motivo para isso. Porque ela é o anjo mais sexy que já vi em toda a
minha vida — e eu já vivi muito. Chloe parece saber disso. Ela me quer e
sabe que me terá.
Chloe está nua perante meus olhos. Completamente despida. Estou
duro para cacete e prestes a foder com uma obra-prima. Eu poderia dizer que
estou prestes a atingir o céu no momento, mas não sou muito fã desse lugar.
Estou próximo de conhecer o inferno que ela abriga em seu corpo. E tenho
certeza de que ele será o meu paraíso, pois já estive lá antes.
Beijo a sua pele. Começo pelo colo, passando pelos seus seios, até à
sua barriga. Mitchell fita o teto e deixa o ar escapar da sua garganta. Meus
polegares deslizam entre suas coxas. Estou no meio das suas pernas quando
ela as dobra ao redor do meu corpo. Sinto falta da sua boca, então a beijo.
Uma das minhas mãos passeia por sua coxa. Seus mamilos já eriçados
estão contra o meu peitoral, enquanto a outra mão lhe alisa o rosto. Paro o
beijo para morder seu lábio inferior e admirar como ele fica vermelho
conforme se solta dos meus dentes.
Chloe leva a mão à minha nuca e finalmente libera o sorriso
carregado de luxúria que segurava. Ela não quer quebrar o contato, então seus
lábios se colam aos meus logo em seguida.
Franzo o cenho entre o beijo quando sinto seus dedos em meu bolso.
Chloe tira uma camisinha e quebra o contato, me pegando de surpresa quando
me empurra, inverte as posições e me faz sentar ao sofá. Então, ela desce as
minhas calças e se senta sobre mim.
Essa garota...
O sorriso travesso em seu rosto é divertido e me faz sorrir do mesmo
jeito.
— Minha vez de mostrar, querido — sussurra. —, que posso ser mais
perigosa que você.
Meu sorriso é marcado por um misto de desejo e deboche. Trago
maior firmeza aos toques em seus quadris. Gosto quando ela me chama de
querido e de todo seu sarcasmo.
— Prove — ordeno.
Chloe arqueia a sobrancelha e se afasta, somente para tirar a minha
cueca e, por mais que a visão dela ajoelhada perante a mim me agrade
bastante, a ruiva retorna ao meu colo e sorri maliciosamente quando vê o
efeito que causou. Estou completamente duro e seguro meu pau para que ela
coloque a camisinha. Em seguida, Chloe se senta lentamente sobre o meu
membro e eu finalmente me vejo dentro dela.
Seguro um grunhido ao mesmo tempo em que Chloe arfa contra a
minha boca e cola a sua testa na minha. Suas mãos estão em meu peito sobre
as asas desenhadas em minha pele. Minhas unhas estão cravadas em sua
bunda novamente. Ela mordisca o meu queixo e a minha boca.
Fito os seus olhos e me vejo através deles. É bom me enxergar assim
e essa sensação é ainda melhor quando estou dentro dela.
Chloe suspira contra a minha boca, seu tronco sobe e desce conforme
ofega levemente. Dou-lhe o tempo que precisa, infiltrando a minha mão sob
seus fios, em sua nuca, para voltar ao seu pescoço, meu novo vício.
Então ela se movimenta devagar. A sinto molhada contra mim e
contenho um grunhido de aprovação pelo modo como se mexe para frente e
para trás, se afastando para garantir que eu a veja, me provocando pelo modo
como me encara. Chloe é apertada e quente. Estar dentro dela é a melhor
sensação das últimas semanas. É fodidamente prazeroso.
Tento segurar um gemido, mas ele me escapa, baixinho, junto com
um xingamento.
— Deixe seu corpo falar, querido — ironiza. O sorriso em seus lábios
é sujo, sarcástico ao extremo.
Filha da puta...
Não consigo evitar rir nasalado, e ela me acompanha antes de nos
calar com um beijo que faz com que eu sinta que estou conseguindo entrar
um pouco mais em seu universo.
Chloe finca as unhas em meus ombros quando seguro em sua cintura.
Ela está rebolando com mais intensidade e gemendo baixinho em meu
ouvido. Poderia ouvir isso por séculos. Meus dedos estimulam seu clitóris,
porque eu quero ouvi-la ainda mais, muito mais.
Eu poderia foder Chloe Mitchell para sempre. Apenas para ouvir o
tesão escapar seus lábios ou a maneira como ela diz meu nome agora: com o
tom de voz rouco, lento e quente para caralho. Eu faria isso por séculos, só
para escutar o seu corpo falar o quanto me quer. Caralho, eu foderia essa
garota pela eternidade.
Demoramos demais para repetirmos o sexo. Deveria ter acontecido
mais cedo.
Minhas mãos vão aos seus seios, os segurando com firmeza. Prendo
seus mamilos entre os dedos. Há alguns anéis em minhas mãos, então,
quando ela geme, acho que é pela temperatura gélida deles contra a sua pele.
A ruivinha desliza as unhas pelas tatuagens em meus braços e eu
passo a chupar o seu seio esquerdo, a incentivando a me mostrar o quão má e
perigosa ela consegue ser. Estou a desafiando a levar o Diabo ao êxtase.
E ela vai conseguir.
Chloe chama por mim baixinho, conforme seguro seus quadris com
maior força. Sinto que ela está quase lá. Volto ao seu pescoço, mordendo e
chupando a sua pele fodidamente macia. Consigo sentir meu corpo cada vez
mais quente, assim como o seu.
Chloe fita o teto, deixando os cabelos ruivos correrem para trás dos
seus ombros. Ela mantém os braços atrás do meu pescoço. Os sons escapam
por sua garganta, não muito altos. Alguns deles me fogem também, enquanto
ela se move para cima e para baixo. Estou tentando conter o que essa mulher
faz comigo, mas está cada vez mais impossível.
— Noah, eu... — Ela rebola com maior vontade, como se fosse
insaciável, mas não termina a sua fala e isso prova o que eu já sei: ela está
quase chegando lá.
Desço os dedos ao seu clitóris e acaricio a sua coxa com a outra mão.
A masturbo devagar, observando a cena maravilhosa da sua boceta contra
mim. Assisto-me deslizar para dentro dela, e a vejo se mover sobre meu
corpo como se a sua vida dependesse disso.
— Goza para mim, Chloe — exijo, fitando o seu rosto. Ela desce seus
olhos aos meus, parecendo ficar mais sexy a cada segundo.
Há algo fodidamente felino em seus olhos. Eles parecem selvagens
para cacete na maneira como me encaram. Existe beleza em sua boca estar
inchada e avermelhada por minha causa. Não tem um defeito sequer em seu
rosto. É como se ela tivesse sido esculpida para me levar à loucura.
— Goza para mim, meu anjo — peço, novamente. — Me deixe ver o
quão gostosa você é.
Ela tenta segurar por mais algum tempo, deixando seu nariz tocar o
meu. Sua testa está contra a minha e a garota segura em meus ombros com
força, tentando retardar o orgasmo ao mesmo tempo em que o quer a cada
vez mais. Mas ela chega lá.
Chloe goza, mas não para. Continua se mexendo de modo selvagem.
Consigo sentir o prazer crescer em meu corpo enquanto ela sucumbe a este,
fechando os olhos com força enquanto arfa de desejo. Seguro a sua bunda
com vontade, aproveitando cada segundo.
O orgasmo me atinge de modo avassalador, fazendo-me gemer seu
nome. Chloe, entretanto, não para de se mover. A garota não quer parar até
que eu sinta tudo o que eu quero sentir e o que ela quer que eu sinta. E
conseguimos isso. Eu estou sentindo meu maldito coração mais acelerado do
que nunca, e a vida em cada vaso do meu corpo. Cacete, como eu sinto. Há
tanto poder e prazer percorrendo minhas veias que é como se o mundo
estivesse em minhas mãos.
Só me resta aproveitar. Então, fito o teto por poucos segundos antes
de fechar os olhos, fincando as unhas em sua carne e sentindo todo o
delicioso caos que Chloe Mitchell tem a me oferecer.
— Não acho uma boa ideia — digo, estranhando ser a única sensata
dessa vez.
Dirijo a Shelly enquanto a minha fita favorita toca no som do meu
carro. Molly está no banco ao meu lado e Matt, deitado no banco de trás,
brincando com a minha boneca de pano.
— Vamos, eu só quero curtir um pouco — Molly fala, com um
sorriso largo em seus lábios. Encaro o retrovisor no exato momento em que
Matt faz o mesmo. Ele se senta, colocando o rosto entre os dois bancos da
frente.
—Molly, você está dizendo que quer me ver correr hoje à noite e ficar
chapada numa festa qualquer porque está perfeitamente bem? — pergunto,
cautelosamente. Afinal, o namorado dela morreu há apenas uma semana.
— Não. Estou dizendo que quero estar no banco de carona contigo
numa corrida hoje e fumar com meus dois melhores amigos para ficar bem.
— Maconha não faz ninguém ficar bem — Matt diz o óbvio e Molly
rola os olhos. Então, pego o primeiro retorno possível, desistindo da ideia de
ir para o bairro em que as corridas acontecem.
— Chloe! — Molly protesta.
— Desculpe, amiga, amor da minha vida, dona do meu coração, mas
não vou permitir que você se autodestrua porque está machucada. Não é o
que o John gostaria e, mesmo se fosse, eu jamais permitiria isso — respondo,
fazendo-a bufar.
Em pouco tempo estamos no meu apartamento.
Molly está deitada em meu sofá, Matt abre uma cerveja long neck e
eu decido pintar as unhas do pé, no chão. Só estamos juntos, calados. E não
me sinto bem com isso.
O silêncio está me matando.
— A Chloe está transando com o Noah — Matt diz e Molly me
encara, séria. Arregalo os olhos para ele, sem acreditar.
Molly está com as sobrancelhas erguidas, me observando.
Ok, sinto falta do silêncio.
— Noah, a pessoa responsável pelo lugar em que o John foi
assassinado? — ela pergunta. Abro e fecho a boca algumas vezes, encarando
o filho da puta do Matthew. O rosto do desgraçado nem vacila por ter me
denunciado. — Desculpe... Não estou culpando o cara, é só que...
— Noah não matou o John. Eu estava com ele. O policial responsável
pelo caso está trabalhando nisso, está procurando o...
Não consegui concluir a frase. Todos ficaram em silêncio. Senti um
gosto de bile subir por minha garganta e olhei para Matthew, buscando por
socorro. Aquilo era muito pesado.
A minha melhor amiga suspira.
— O policial está buscando o coração do John, Chloe — Molly diz e
ri brevemente. — Pode falar as palavras. Estão buscando pelo coração do
John... — ela repete. E Anderson parece calma, mas eu a conheço. Cada
palavra carrega dor.
Molly se senta no sofá. Eu paro de pintar o dedão com o esmalte
branco e Matthew oferece a cerveja para Anderson. Ela aceita e vira um
longo gole.
O momento está tenso, e saber que John não está aqui para contar
uma de suas histórias que parecem mentira ou tocar seu violão a noite
inteira... Me machuca saber que isso nunca mais vai acontecer. Essa certeza
fere todos nós.
— Não quero soar insensível — Molly diz, e a encaramos. — Eu só
queria muito me divertir essa noite, queria beber, fumar, qualquer coisa.
Preciso disso. Eu preciso disso, entendem? Me sentir viva, bem. Necessito
saber que posso ser alegre novamente, porque o que há em mim agora é um
vazio. Chorei tanto nos últimos dias que não consigo mais sentir nada. Estou
anestesiada por completo. Então, sim, eu quero fazer tudo aquilo,
experimentar a adrenalina de novo. Eu quero... Qualquer coisa que me faça
sentir bem.
— Molly... — Tento interromper, mas ela continua.
— Eu amava tanto o John que eu sonhava todos os dias com um
futuro ao lado dele. Queríamos um casal de filhos. Nós tínhamos decidido até
os nomes das crianças: June e Brandon. Mas John estava certo de que
teríamos gêmeos. Dois garotos. Porque já rolou duas vezes na família dele.
Fingíamos brigar por isso o tempo todo. Eu o amava e meu futuro tinha John
por todo o lugar. — Sua voz finalmente falha.
Honestamente, meu coração está quebrado em milhares de pedaços.
— E agora a vida me mostrou que nada do que planejei vai acontecer
— a morena continua.
A minha visão está borrada e a vontade de chorar voltou. Matthew
está em silêncio, mas eu sei que ele sente o mesmo. Depois que chorei no
ombro de Noah, bloqueei as sensações que me lembravam John por completo
novamente. E, com Molly de volta, tudo estava ali. Mais forte do que nunca.
É bizarro saber que existe um mundo em que ela está viva e ele não.
— John seria o pai dos meus filhos. Ele dizia que tudo ficaria bem
sempre e que eu sempre teria lugar em seu coração, ele dizia... — Molly
desaba em lágrimas e tampa o rosto com as mãos, seus ombros subindo e
descendo conforme soluça.
Dor. Minha alma está tão machucada que chega a doer fisicamente,
até. Eu não sei o que fazer. O que posso fazer?
Dizer que tudo vai ficar bem soa falso. Falar que John está em um
lugar melhor é um eufemismo cruel. Nada me parece bom para ser dito.
Palavras não podem curar essa ferida. Não sei o que pode.
Quero abraçá-la para sempre, mas sinto que ela precisa dizer tudo o
que quer dizer antes.
— Mas agora o amor da minha vida... Ele está morto. E o seu coração
está desaparecido. O lugar onde ele dizia que eu morava. O coração do meu
Johnny... — Ela para de falar, chorando como nunca vi em toda a vida.
Me levanto do chão e a abraço com força, me sentando em seu colo.
Molly me segura de volta, molhando a minha camisa com suas lágrimas.
Matt deita a cabeça em seu ombro. Nós dois chorávamos em silêncio,
enquanto o sofrimento da nossa pequena preenchia a casa.
John e Molly eram o melhor casal do mundo. Molly é a garota mais
foda que eu conheço. É maravilhosa em todos os sentidos e não merecia isso.
É tão injusto.
Estamos num bairro que ela conhece bem. Chloe está cantarolando
The Chains baixinho e seus coturnos estão sobre o porta-luvas, mas eu não
me importo. Hoje estamos no Impala azul marinho.
— Uau, te peço para me mostrar o seu mundo e você me leva ao
meu? — Há sarcasmo por toda a sua fala. — Querido, você já foi melhor.
— Vou te mostrar o que meu mundo e o seu mundo tem de comum,
meu anjo. E, talvez, a gente consiga fazer disso um mini universo esta noite
— falo, atento ao meu caminho.
Chloe está me olhando e eu a encaro de volta. Acabamos por rir
nasalado sem nem sabermos por quê.
Não demora muito para estarmos na região das corridas. Carros ao
redor, música alta e algumas pessoas usando drogas. Nada disso realmente
capta a minha atenção. Saio do carro e, quando o contorno, Chloe já está fora
dele.
— Me explique: como me fazer correr contra você vai me fazer te
conhecer melhor? — ela pergunta, impaciente, contra o Impala.
— Parte do seu mundo é adrenalina. Todo o meu mundo é adrenalina.
Pensei em juntar o útil ao agradável e fazer a noite boa para os dois —
explico. — E não vai correr contra mim. Vai correr comigo — digo, a
puxando pela mão. Chloe não parece compreender.
Nos aproximamos do tal Grant, o cara que coordena o lugar. Ele está
fumando, encostado em uma caminhonete com alguns caras ao seu redor.
— Ora, ora! Duas das melhores pessoas que correram por aqui — ele
diz. Chloe sorri. — Estão namorando? — Fico meio desconfortável com a
pergunta e ela também. — Ainda não, huh? Bom, vão competir de novo?
— Eu vou correr. Hoje a Torn vai só observar — provoco Chloe ao
dizer seu apelido com vontade e ela finca as unhas em meu braço.
E, assim que pagamos, aguardamos a corrida no carro. Colocamos os
cintos. A morena com a bandeira se posiciona. Ela olha Chloe com um
sorriso maldoso. A encaro, rindo.
— Então? Ex namoradinha ou algo do tipo? — questiono. Chloe me
fita, sorrindo de canto.
— Nada sério. Naomi gosta de se divertir comigo de vez em quando
— Chloe explica. — Assim como você. — Gosto de como toda fala soa como
uma provocação. — O quê? Por favor, não me diga que está imaginando nós
duas transando.
— Não, não. Que ridículo! Claro que não. — Uno as sobrancelhas,
como se isso fosse um absurdo. — Nós três. — Chloe abre a boca ao máximo
e eu me preparo para ser estapeado, mas somos pegos de surpresa quando
vemos Naomi deixar a bandeira cair.
E eu largo em desvantagem. Tem um carro à nossa frente, outro bem
ao lado e um logo atrás — esse já perdeu, com certeza.
Na primeira curva eu consigo fazer o carro ao lado ficar ainda mais
em desvantagem, mas acabo batendo a traseira nele e a arranhando um
pouco. Chloe se vira para a cena antes de olhar para mim, em repreensão.
Gosto de competir e faço de tudo para ganhar.
As ruas passam com velocidade pelas janelas, tudo está deserto.
Chloe está com a mão no painel e o olhar por cima do ombro, como se
checasse se tudo atrás está ok enquanto eu foco na realidade à minha frente.
A sensação de estar perdendo faz meu sangue ferver. Quero e vou
ganhar. Preciso ganhar.
Agora temos um carro a nossa frente e ele está a dois metros da gente.
Respiro e vivo adrenalina nesse segundo. E sentir que Chloe também sente o
mesmo parece tornar o ambiente ainda mais excitante.
— A marcha, Noah! — Chloe indica, olhando ao redor. Ela fita por
cima do ombro. O carro de trás está se aproximando, mas eu só olho para o
da frente, dirigindo um pouco mais para a esquerda em busca de um espaço.
— Noah!
— Eu sei. Ainda não. — Mais um pouco...
— Noah!
Coloco a mão na marcha e Chloe faz a mesma coisa no exato segundo
que eu. Ela deixa sua mão sobre a minha e nós puxamos a marcha juntos.
Ganhamos mais velocidade pouco tempo depois enquanto o carro da frente
realiza a troca de marcha no tempo errado e perde velocidade na próxima
curva.
E é exatamente na próxima curva que sabemos: temos o primeiro
lugar, é impossível perdemos hoje. Chloe comemora e eu olho pelo
retrovisor, sorrindo para o filho da puta que está a uns dez a quinze metros da
gente.
Chloe aumenta volume do rádio que eu nem lembrava que estava
ligado e Livin On A Prayer passa a tocar no máximo. Ela começa a cantar e
balançar a cabeça, deitando as costas no banco e apoiando os pés no porta-
luvas como se meu carro fosse um reino e ela fosse a rainha.
E mal percebo que, quando passamos pela linha de chegada, estou
cantando baixinho também.
Ligo as luzes.
— Então esse é seu novo apartamento? — Chloe pergunta, na medida
em que o adentra. Confirmo, fechando a porta. — Uau — diz baixinho.
Meu "novo" apartamento. Seguro a vontade de rir.
O primeiro andar da cobertura é enorme. A sala tem janelas de vidro
de uma parede à outra, a vista de Nova York é espetacular. Tudo é meio preto
e cinza por aqui. Sofás de couro, tapete negro, piso de madeira escura e uma
sala de jantar que nunca usei. Ela desce o único degrau que separa a entrada
da sala e olha ao redor.
— Isso é muito maior que o apartamento da minha tia — observa. Me
aproximo. Chloe tem seus olhos atentos a cada pedacinho desse lugar. Passo
as mãos ao redor de sua cintura e a trago para perto.
— E temos a noite toda para que você conheça os dois andares. —
Mordisco o lóbulo da sua orelha. — Todos os cômodos... — Chloe suspira, a
sua mão vai ao meu pescoço. — Cada detalhe. — Beijo o seu ombro.
Ela se vira para mim. Chloe tem um sorriso divertido nos seus lábios
antes de me beijar. E, quando me beija, passamos a caminhar para a mesinha
ao lado do sofá. A ruiva se bate contra o móvel e nós rimos.
— Posso colocar uma música, se quiser — proponho. Ela morde o
lábio inferior, une as sobrancelhas e finge refletir.
— Perfeito. — Ela me dá um selinho.
Caminho até o som e tento sintonizar ele em alguma rádio
interessante. Está tocando o início de Twist and Shout dos Beatles, mas eu
mudo, girando o botão. Chloe se aproxima. Sua mão toca a minha e ela me
faz girar no sentido inverso.
— Não nos imagino transando ao som dessa música, meu anjo —
reclamo.
— Bom, podemos tentar — ela brinca, me puxando pela mão. —
Quero ver se você sabe se divertir, querido. — Faço uma careta e ela cola
meu corpo ao seu. — Well, shake it up, baby, now (bom, agite seu corpo
agora, amor), Twist and shout...
— Não sei dançar isso, Chloe. — Ela está sorrindo como nunca.
— Então aprenda — me provoca. Eu rolo os olhos e ela ergue meu
braço, girando e me trazendo para si. Minhas mãos vão ao seu quadril e ela
passa a rebolar, estou completamente travado. — Pare de ser sem graça!
Vamos! — Bufo e a giro.
Chloe está mexendo os pés contra o chão, os arrastando de um lado ao
outro. A trago mais para perto e ela se afasta, segurando a minha cintura e
tentando mexê-la de um lado para o outro. Começo a rir e tento imitá-la.
A ruiva está gargalhando alto. Estou rindo também quando a trago
para perto novamente. Chloe esconde a cabeça em meu ombro para rir.
— Para de rir da minha cara! — peço, rindo também.
— Desculpa! — ela diz, sem de fato conseguir parar de rir. Chloe
segura a minha mão e me faz girar. Ela segura as minhas duas mãos e
estamos mexendo os pés conforme a música. — Agora sim! Nada mal!
A giro novamente e ela cola as costas em meu peito. Seguro os seus
quadris e beijo o seu pescoço. Chloe ri e se vira para mim. Seus dedos
passeiam pelo meu corpo quando ela finge que vai descer até o chão.
Entretanto, Chloe somente me puxa mais para si, me fazendo dançar com o
corpo colado ao seu. Suas mãos vão ao redor do meu pescoço e as minhas em
sua cintura.
Somos ridículos nesse momento, mas confesso que é divertido.
— You know you twist, little girl (você sabe que se mexe, pequena
garota) — imito o cantor em seu ouvido e ela gargalha alto. Chloe tomba a
cabeça pra trás ao rir. — You know you twist so fine (você sabe que se mexe
tão bem)...
— Twist so fine (se mexe tão bem) — ela imita o backing vocal e eu
não consigo prender o riso. A ruivinha me cala com um beijo e a música
deixa de importar.
Ela pode me fazer dançar o que quiser.
— Come on and twist a little closer now (Venha e se mexa mais
perto). — ela canta, baixinho. E juro que soa como um segredo sujo e só
nosso. — And let me know that you're mine (deixe-me saber que você é
meu).
Estou lutando contra os sons que querem escapar da minha garganta.
É uma batalha árdua. Eu o sinto se mover dentro de mim e firmo as unhas em
seus ombros.
Cacete...
Estamos no meu quarto. As grades da janela permitem que a luz
externa, dos poucos postes da rua, marque a nossa pele de modo gradeado.
Essa luz ilumina a sua pele.
As semanas se passaram, a frequência dos encontros se
intensificaram, e eu acho que já conheço cada uma de suas tatuagens. A
minha preferida é a pequena adaga perto da entrada direita em seu quadril.
Acho sexy como o inferno. Ainda assim, deixo que minhas mãos reconheçam
todo o seu corpo em busca de mais desenhos. Quero sentir toda a sua arte sob
meus dedos.
Noah deixa seu nariz percorrer a curva do meu pescoço. Sinto a sua
respiração quente contra a minha garganta, a pressão crescer entre as minhas
pernas e os arrepios me fazem morder o lábio inferior com força. Tento me
conter quando seus dedos seguram o meu queixo e ele deixa um beijo no meu
maxilar, mas meu corpo responde a ele.
Noah está por cima de mim, nu. Eu estou sob ele, completamente
perdida em meus sentidos, enquanto ele desliza para dentro e para fora de
mim. Meus cabelos estão espalhados no travesseiro e eu tenho vista exclusiva
para um Hellmeister tatuado, que se movimenta como se o tempo estivesse
parado a nosso favor, como se o mundo fosse seu. Assistir Noah me foder é
como apreciar um espetáculo.
É como dança. Seu corpo se choca contra o meu, ele entra e sai de
mim com lentidão. E então acelera um pouco, entrando e saindo com mais de
força. Alguns gemidos baixos escapam da minha garganta, contra a minha
vontade.
— Preciso te ouvir, meu anjo — Noah sussurra, unindo nossas testas.
Seus lábios inchados estão próximos dos meus. Cravo as unhas em sua nuca e
braços, deixando o ar rasgar por minha garganta conforme ele entra e sai de
mim devagar. — Mais alto... — Arqueio o corpo para cima em busca dos
seus lábios, mas Noah me provoca e se afasta. Deixo um gemido baixo
escapar. — Está se contendo...
Não o respondo, mordendo o lábio inferior com força. Noah leva o
dedo ao meu clitóris e sua a testa à minha. O envolvo pelo pescoço,
mantendo o olhar conectado à sua boca.
A cama está rangendo baixinho. Não que eu me importe. Estou me
segurando forte para não chegar lá antes da hora quando ele reduz a
velocidade. Eu deito a cabeça no travesseiro e ele me pede para gemer toda
vez que me masturba e estoca fundo. Noah me pede para mostrar o quanto o
quero, o quanto quero que me foda ainda mais forte, ainda mais rápido, como
nunca.
E eu lhe dou exatamente o que ele quer, contra a sua boca, deixando
gemidos baixos, mas arrastados, implorarem por ele. E toda vez que minha
respiração rasga por minha boca, toda vez que arfo em desejo, ele consegue
me ler com precisão: eu quero mais.
Eu sempre vou querer mais. Principalmente, quando se trata dele.
Porque Noah é como uma dose viciante de uma droga, que uma vez dentro do
meu corpo, do meu sistema, ateia fogo em cada mísera parte do meu universo
e me enche de prazer. Nada me deixa tão entorpecida quanto ele.
Então, eu chamo o seu nome toda vez que ele estoca fundo, minhas
unhas afundam em sua pele sem piedade e eu me aproprio da sua boca
sempre que tenho chance. Noah é a minha droga favorita. E eu não me
importo com uma overdose.
Minha cabeça está em seu peito. Noah traga seu cigarro e eu faço o
mesmo com o meu, fitando o teto. O cinzeiro está sobre a cama. E eu vou ter
que limpar muito bem esse caos depois. Fizemos uma verdadeira bagunça. Os
lençóis amassados tentam nos cobrir do leve frio da noite, estou cansada
demais para fechar as janelas.
— Desde quando fuma? — pergunto, absorvendo a fumaça do meu
cigarro, deixando a nicotina me invadir.
— Desde quando descobri que cigarros existem — Noah responde,
indiferente. — E você?
— Há uns dois anos — respondo. Meu cigarro apaga sozinho e eu
franzo o cenho. Noah aproxima o isqueiro aceso da minha boca. E então o
fogo volta a me fornecer prazer. — Obrigada.
— Sempre ao seu dispor, meu anjo. — Há malícia no tom arrastado e
rouco da sua voz, então eu deixo um riso nasalado escapar assim que solto a
fumaça. Sinto a sua mão em minha cintura e ergo o olhar para ele como
posso, tendo que erguer a minha cabeça ao máximo para isso. Consigo vê-lo
tragar mais uma vez, antes de olhar o relógio sobre a bancada do meu quarto.
— Principalmente se quiser gemer meu nome daquele jeito de novo.
— Que jeito? Não me recordo. — Me faço de desentendida. —
Lembro da sua voz rouca dizendo o quanto poderia me foder a noite toda.
— E posso.
Sinto as minhas bochechas queimarem e meu corpo implorar para que
ele cumpra sua promessa.
Inferno... Controle-se Chloe.
— Duvido. — Traguei o cigarro, fingindo indiferença. — Sou muita
areia pro seu caminhãozinho.
— Convencida — cantarola, ainda que sério.
— Gostosa — provoco, o corrigindo.
— Verdade — ele confessa e eu rio de nervoso.
Meu corpo reage de modo único às suas palavras. E isso devia me
preocupar, mas ainda estou sob efeito de Hellmeister e a racionalidade está
perigosamente desligada. O analiso.
Noah acaricia a minha cintura, sob os lençóis, e me encara de volta.
Tem uma mecha de cabelo escuro caindo sobre a sua testa, a barba levemente
por fazer combina com seu rosto. Gosto dela. Principalmente, quando está
roçando por meu corpo.
— Mas eu realmente te foderia a noite toda. Só não sei se você
aguentaria. — Retoma a conversa, casualmente. Abro a boca, me fingindo de
ofendida.
— Cara, o quê?! Eu aguentaria dois de você, tá legal? — Minha voz
sai esganiçada demais.
— Sou único, meu amor. Edição limitada. Achei que tivesse
entendido isso quando minha boca estava entre as suas pernas. — Senti um
arrepio e desviei o olhar antes que eu ruborizasse. Meu cigarro acabou e eu o
joguei no cinzeiro, deixando-o ao lado da cama. Noah fitou as minhas costas
nuas. — Cacete... Você realmente é muito gostosa. — Mordi o sorriso, sem
encará-lo, jogando os cabelos para trás.
— Jura?
— Juro. — Ele traga o cigarro pela última vez antes de se esticar para
jogá-lo no cinzeiro, do meu lado da cama. E então se deita, de qualquer jeito,
seus olhos negros me encarando. Parece preguiçoso e tão cansado quanto eu.
Ainda assim está lindo, com seu cabelo bagunçado e seu sorriso presunçoso,
completamente perfeito.
— O que te dá mais prazer, Noah? — Viro o rosto para ele, por cima
do ombro. — Eu ou esse cigarro?
— Que pergunta estúpida, meu anjo. Droga alguma é como você. —
Ri nasalado, em descrença. Eu sabia que ele responderia algo assim, apenas
sabia.
— Sempre diz o que eu quero ouvir, huh?
— Sempre ouve o que eu quero dizer — ele retruca, se senta e dá de
ombros, unindo a boca à minha antes de levantar e começar a se vestir. São
3h23. Ele não vai dormir aqui. Obviamente.
Molly está gargalhando ao meu lado quando eu defino Noah e eu
como amigos-que-transam. Matt está sentado no chão, enfiando os palitinhos
no pote de yakisoba. Estou no sofá do meu apartamento, Molly tem os pés no
meu colo enquanto come a comida chinesa.
— Uma amizade colorida — repito, levando uma pequena porção do
yakisoba à boca com os palitos. Está bom pra caralho. Deixo um pequeno
gemido de prazer escapar e volto a encarar Molly. Engulo a comida. — Veja,
Noah e eu não somos um casal. Não temos vocação para isso.
Juro que estou tentando acreditar em minhas próprias palavras.
— Mas o sexo é maravilhoso — Molly acrescenta e eu bem que tento
morder o sorriso pecaminoso em meus lábios, mas é tarde demais.
O sexo com Noah é surreal. O modo como ele me toca, me sente, me
beija... Pensar em Hellmeister faz arrepios tomarem o meu ser e memórias
invadirem cada pedacinho da minha mente. Noah mora em cada trechinho do
meu cérebro, ele está em cada um dos meus desejos no momento, negar seria
ridículo.
Ele me toca como se eu fosse a única mulher na Terra. Seus dedos
traçam caminhos por minha pele, cada falha e curva. Traçam rotas sobre mim
que me fazem viajar.
Noah transforma o meu universo em seu parque de diversões, usando
do meu corpo para se divertir, é fato. Sei que ele me usa por prazer. Eu o uso
de volta. E somos isso. Dois amigos que se usam.
Só que... O desgraçado parece me conhecer tão bem, como se ele
tivesse criado um mapa para o mundo Chloe Mitchell e soubesse os melhores
caminhos, o melhor jeito de me conduzir e se conduzir ao delírio.
Sexo com Noah é extraordinário. E ainda tem as conversas após o
sexo, quando eu estalo os seus dedos e ele prova um cigarro com tanto gosto
quanto me provou. Dividimos o prazer da nicotina como dividimos nossos
desejos. E, no fim, cada um vai para o seu lado.
É como funcionamos.
E é por isso que não temos vocação para sermos um casal, certo?
Certo, Chloe.
Foque nisso, garota.
— Vão se encontrar essa semana de novo? — Matt pergunta e eu
nego.
— Acho que não. Não combinamos nada. Além disso, eu não vou
correr atrás do Noah, que nem eu fiz com a... Dalia. — Franzo o nariz em
desgosto. — Ou viraria um vício. Infelizmente, me conheço. Chloe Mitchell
sempre atraída por problemas com sorrisos maldosos e sarcasmo na ponta da
língua. E se eu corro atrás desses problemas...
O silêncio entre meus amigos não me machuca tanto. Eles não podem
negar que é verdade. Não costumo me apaixonar, não. Não desde Dalia, a
minha ex. Ainda assim, só me relaciono com pessoas erradas. É como se a
minha alma fosse um imã para problemas.
A minha regra, entretanto, é nunca telefonar para o problema. Nunca
correr atrás. Não é difícil admitir o porquê dentro da minha própria mente,
mas se perguntarem, eu não direi em voz alta. E o porquê é que a tão corajosa
e aventureira Chloe Mitchell tem medo de não só se sentir atraída por um
problema, mas se apaixonar por ele.
Eu conheci tão bem o gosto de um coração partido. Consigo senti-lo
em meus lábios só de pensar. É como sangue, mas um pouco amargo. E cria
uma cascata de dor por seu corpo que, sinceramente... Não quero isso para
mim novamente. Foi o que me impeliu a vir para Nova York em primeiro
lugar: um coração partido. Me reconstruir no lugar em que sempre sonhei foi
mais que um desejo, mas uma necessidade.
Não quero ter que me reconstruir de novo. Então, não quero me
apaixonar tão cedo. Principalmente, por um cara como Noah Hellmeister.
Não vou correr atrás dele.
Então, se Noah quiser me ver, ele vai aparecer pela porta do
Thurman's com seu maior sorriso debochado e seu terno bem cortado, com
seus olhos escuros cravados em mim. Eu não vou telefonar. Porque somos
amigos coloridos e eu quero manter assim. Já tenho medo o suficiente por
todas as vezes que ele me faz sorrir sem querer ou toda vez que me arrepia
com seu toque.
Estou evitando ao máximo correr atrás de Noah Hellmeister. Não
posso fazer isso...
O telefone me faz estremecer em susto e eu quase derrubo a comida
chinesa em meu colo. Ele está tocando sobre a mesa em frente ao sofá.
— Dez dólares que é o Noah — Molly diz, um sorriso maldoso em
seus lábios. Mordo o lábio inferior, hesitante em atender. — O telefone não
vai explodir.
— Você não pode garantir isso — Matthew rebate, parecendo
subitamente irritado, carregado de ironia por sua fala cansada e arrastada.
Noah nunca me ligou. Sempre foi o Sinn ou a Kold... Mas nunca
Noah. Apesar de ter meu número há um bom tempo.
Molly tira os pés do meu colo. Coloco a caixa do yakisoba sobre a
mesa e os hashis dentro dela. Respiro fundo e pego o telefone.
Falando no diabo...
— O que está fazendo, meu anjo? — Fecho os olhos, amaldiçoando
os arrepios que se espalham só de ouvir a voz do filho da puta. Escuto Molly
comemorar baixinho.
— Jantando com a galera. — "Galera", Chloe? Jura? Pigarreio,
levando uma mão a nuca, tensa. — E você?
— Estou sozinho no meu apartamento. Pensei em... Sei lá, te
apresentar ele.
— Conheço seu apartamento, Noah...
— Pode sempre conhecer melhor. — Algo entre minhas pernas
concorda plenamente e eu encaro Matt, mordendo o lábio inferior com
alguma força. — Bom, se quiser aparecer aqui depois do jantar, minha casa
está de portas abertas. O meu quarto também.
Me levanto do sofá e sigo até à varanda, um pouco nervosa.
— Não cansa de ser sem vergonha, Noah? — pergunto, deixando um
sorriso escapar, e o escuto rir do outro lado.
— Não precisamos ter vergonha um com o outro, meu anjo. Eu te vi
nua. Você me viu nu. Eu te ouvi gritar o meu nome... — Céus. — Pedir por
mais... Vi todo pedacinho seu. Desculpa, falei algo errado? — Respiro
fundo. — Parece ofegante, ruivinha. Eu disse algo errado?
Não posso correr atrás dele.
Não posso correr atrás dele.
Não posso correr atrás dele.
Não posso correr atrás dele.
— Bom, estou te esperando aqui. É muito triste ficar sozinho no
apartamento com uma garrafa de vinho, entediado...
— Triste? — Tento me recompor. — Vamos, Noah, você tem outras
garotas que...
— Oh, vamos parar aqui, meu anjo: eu tenho outras meninas que
poderiam me satisfazer e você tem outras pessoas que poderiam facilmente
estar na sua cama agora. Mas eu quero você nesse segundo. A pergunta é: o
que você quer? — Não respondo, só respiro fundo, o mais fundo que
consigo. — Bom jantar, ruivinha.
A ligação se encerra. Ele não me dá a chance de procurar por uma
resposta. Me viro e sigo para a sala. Me jogo ao sofá, subitamente sem fome.
— Vamos jantar rápido porque a Chloe vai transar, ok Matt? —
Molly provoca e eu rolo os olhos. — Não vamos empatar foda.
— Não, eu vou jantar bem devagar. Ela mesma disse que não vai atrás
dele mais — Matt responde, de boca cheia.
E eu fico aérea por todo o jantar.
E permaneço distraída quando eles se despendem, e mesmo após
entrar no meu carro e enquanto faço a Shelly se mover por Nova York.
Continuo aérea mesmo quando estou em frente ao seu prédio, elevador e
porta. Parece que só percebo o que estou fazendo quando toco a campainha e
me arrependo.
Me arrependo para cacete.
Porque a porta se abre e o sorriso que me recebe faz meu coração
acelerar mais do que devia. E eu sei que corri atrás. Apenas espero que isso
não se torne um vício.
Mas Noah é uma droga. Uma droga sem camisa e enrolada na toalha,
com pingos de água descendo quente por seu corpo e tatuagens, seu perfume
inconfundível e o maldito deboche apaixonante em seu sorriso.
— Boa noite, meu an...
— Cala a boca — mando, e bato a porta atrás de mim assim que tomo
a sua boca. A sua toalha cai e Noah sorri por entre o beijo, aprovando a
minha urgência.
Eu corri atrás dele.
Eu 'tô fodida.
— Não precisa fazer isso... — Shawn diz, conforme o puxo pela mão.
Nem preciso mostrar minha identidade falsa para o segurança, ele me
conhece e me deixa passar. Shawn, todavia mostra.
— Eu não me importo, ok?
— Eu te trouxe no clube daquele cara lá. — Me viro para ele assim
que descemos as escadas e passo meus braços ao redor do seu pescoço.
— Foda-se o Noah, ok? Somos eu e você aqui. E aqui é legal. — Ele
bufa, um pouco tenso, olhando ao redor.
Puxo Shawn pelas mãos, o incentivando a andar. E quando percebo
que ele está mais seguro em fazer isso, me viro e deixo que toque os meus
quadris enquanto caminhamos entre pessoas dançantes e bêbadas. Me sinto
nervosa a cada passo dado e a música alta faz meu coração vibrar com força a
cada batida, o que piora tudo.
Vejo Kold no bar e ela eleva as duas sobrancelhas ao perceber que
estou acompanhada. À sua frente, Sinn está sentado no bar e vira a cabeça
para ver o que ela tanto encara. E, ao me ver, ele arqueia uma sobrancelha.
Me choco em alguém no momento em que os encaro e ergo o olhar,
encontrando os olhos verdes de Luke, que une as sobrancelhas ao ver que um
cara está segurando a minha cintura e ele não é Noah.
E falando em Noah, eu sei que se os três estão aqui...
Ergo o olhar em uma sensação típica de déjà vu. Os dedos carregados
de anéis apoiados na barra que separa o segundo piso do primeiro. Nosso
abismo parece maior. Engulo em seco quando meus olhos seguem por seu
corpo, coberto por uma jaqueta de couro negra e uma camisa preta, além do
seu colar de asas. Noah está de jaqueta de couro. E eu gosto mais do que vejo
do que deveria.
Seus olhos, entretanto, faíscam fúria. As luzes vermelhas do
Purgatorium me fazem jurar que eles expressam uma cor de sangue também.
Noah está com raiva e eu sinto isso de longe, mesmo com um abismo entre
nós. Noah está com ciúmes. E minhas pernas parecem bambas no momento.
Ainda assim, eu forço um sorriso maldoso e respiro fundo. Ele aperta
a barra de metal com mais força. E isso é o que preciso para meu sorriso
crescer.
Incrível como estou fumando mais do que deveria nas últimas horas.
É como se estivesse tentando superar um vício com outro.
Estou contra meu carro — adivinha? —, fumando, antes de entrar no
meu prédio. Ficar do lado de fora, sentindo a brisa da noite e me deixando
levar por The Rolling Stones ecoando baixo dentro da Shelly... Isso me deixa
um pouco melhor. Me faz pensar.
Vejo um Thunderbird negro estacionar do outro lado da rua. Noah sai
dele e eu rolo os olhos, prestes a jogar o cigarro no chão e pisar sobre ele,
caminhar prédio adentro.
Estou cansada. Cansada de joguinhos. E eu que comecei o jogo. E faz
tão pouco tempo.
— Me escuta. — Ele espalma as mãos.
— Veio buscar a loirinha? — questiono, desistindo de jogar meu
cigarro fora, tragando novamente.
— Está com ciúmes, Chloe...
— Não, eu não...
— Está. — Ele parou a dois passos de mim. — A boa notícia? — ele
diz, passando as mãos por seu cabelo. E então por seu rosto. Noah parece
nervoso. — A boa notícia, Chloe, é que você ficou enciumada porque eu fodi
outra garota, mas eu fiquei dez mil vezes mais só porque você saiu com
aquele filho da puta. — Senti meu coração acelerar e desviei o olhar. —
Então me escuta.
Engoli em seco, fitando o asfalto sob meus pés.
— Sou toda ouvidos. — Cerro os olhos por um instante, deixando
escapar a irritação por cada sílaba.
— Eu mal toquei na sua vizinha. Porque eu não consegui. Eu
não consegui, ‘tá legal? — Ele parece sincero. Desvio o olhar. — Eu pensei
que estávamos nos divertindo um com o outro, eu e você, só isso. Eu achei
que você estava saindo com outros também. Então eu não vi nada demais em
sair com outras também. Você nunca me disse nada. E eu nunca te disse
nada. A gente nunca nem conversou, ‘tá legal? — Noah parece irritado. Ele
disse "‘tá legal" duas vezes em menos de um minuto.
Sinto o seu perfume quando comete o erro de se aproximar. Seus pés
entram em meu campo de visão e eu ergo os olhos a ele. O ar sai por suas
narinas infladas, ele está muito, muito puto.
— Eu juro para você que nunca faria nada para te magoar. Eu seria
incapaz de te magoar, Chloe Mitchell. Eu seria incapaz. Estou sendo sincero,
meu anjo, então seja sincera comigo, huh? Por favor? Ele te tocou, Chloe?
Ele te beijou? — Noah pergunta. Não respondo e ele toma isso como sim.
Noah ri nasalado. Ele toca a minha cintura, suas mãos firmes em minha pele.
— Ele te tocou assim? — Engulo em seco com quão perto está.
Consigo ver todas as suas leves sardas. Consigo gravar cada detalhe
do seu rosto, do formato dos lábios ao contorno dos olhos.
— Ele fez isso com você? — Me pressionou contra a Shelly e eu pude
encarar seus olhos ainda mais de perto. Eles faiscavam ciúmes. Senti os
arrepios por meu corpo pelo modo como ele me tocava e me encarava. Seu
perfume me invadiu e eu me amaldiçoei por isso. — Ele te deixa tão louca
quanto eu? Ele te beijou como eu? Por favor, me responda...
— Não é da sua conta — digo, por entre os dentes, recobrando a
lucidez. Noah respira fundo, trinca seu maxilar e vejo seu pomo de Adão se
movimentar conforme engole em seco. Não era o que ele queria ouvir. — Por
que se importa?
— Quando não me importo quando o assunto é você, Chloe Mitchell?
— Ele parece irritado. — Quando? Me diz! — Ele solta o meu corpo ao
cruzar os braços.
É bom saber que ele sentiu ciúmes. E não deveria, não deveria ser tão
bom saber que fodi a sua mente tanto quanto ele fodeu a minha nas últimas
semanas.
— Não. — A verdade me escapa e Noah respira fundo.
— "Não" o quê? — Seus olhos esquadrinham meu rosto com a
intensidade que lhe é própria. Ele me encara como se eu estivesse testando os
seus limites. Parece que seu autocontrole está por um fio e eu consigo
visualizar até mesmo o ritmo da sua respiração, enquanto seu peito sobe e
desce devagar. Cada mísero detalhe que vejo me faz queimar mais do que
deveria.
— Não, ele não foi nada como você, Noah.
Ele ri nasalado e encara o céu escuro. E então ri mais uma vez,
murmurando um xingamento. Estou tentada a tocar o seu rosto e fazê-lo me
encarar, quero saber o que ele pensa. Mas me contenho. E então ele pergunta:
— Por que faz isso comigo, meu anjo? — Tenta acariciar o meu rosto.
— Eu que te pergunto, Noah. — O afasto. Jogo o cigarro ao chão e
piso. — Um dia me pede pra ficar, no outro diz que não foi nada, depois me
acalma de uma crise de choro, mas fode uma morena no dia seguinte. Você
me confunde! Por que está fazendo isso comigo?
— A gente não tinha estabelecido exclusividade, meu anjo. Você
nunca tinha dito que me queria para si e eu nunca tinha dito que te queria de
volta.
Abri e fechei a boca algumas vezes. Perdi meus argumentos com a
sua verdade, mas ainda assim estou puta. Pior: eu ´tô mal. Genuinamente na
merda.
Deixo um riso nervoso escapar, prestes a deixá-lo sozinho. A vontade
é de estapear seu rosto fodidamente bonito, mas não posso. Porque ele está
certo. Nunca tínhamos conversado sobre sermos algo a mais. Acho que me
conduzi sozinha a sentimentos que não deveriam existir. Nada que o tempo
não cure, certo?
Talvez Noah seja uma perda de tempo.
Caminho para o meu prédio, a passos firmes, mas paro no meio da rua
ao ouvir a sua voz:
— Mas eu quero.
Minhas pernas travam. É como se cada neurônio meu se recusasse a
se afastar dele.
A bomba Chloe-Noah. Eu consigo ouvi-la. Cada mísero tic-tac. Me
viro e o encaro. Noah está de costas para mim. Ele demora um pouco em se
virar e me encarar.
— O que disse? — pergunto.
— Se para que a gente continue a se ver, precisa me ter por inteiro,
meu anjo, então você me tem. Se quer exclusividade, Chloe, então você vai
ter. Aceito ser exclusivamente seu. Porque eu... — Vejo seu pomo de Adão
se mexer conforme engole em seco. Noah suspira, evidentemente nervoso.
— Você...? — O incentivo.
Ele bufa, contrariado, como se lutasse contra as suas próprias
palavras. Seus dedos se afundam por seu cabelo e eu percebo que Noah
provavelmente nunca passou por isso. Ele provavelmente nunca teve algo
sério com alguém.
— Porque eu só penso em você. Vinte e quatro horas por dia. E isso
é... — Ele deixa um riso nasalar nervoso escapar. — Isso é irritante para
caralho, meu anjo. Pensar em você sem poder te ter por perto, isso me irrita
demais. Dá vontade de explodir, deixar de existir, de mandar todo mundo ir
pra casa do caralho. Porque todo mundo parece muito mais leve e feliz do
que eu. Porque eu só consigo pensar que você está puta comigo, eu só... Só.
Consigo. Pensar. Em. Você. Só você. — Irritado, Noah soa irritado. É como
se eu fosse culpada pelo que sente. É como se ele não soubesse o que fazer
com todos esses sentimentos. É como me olhar no espelho. — Não sou um
príncipe, não sou aquele babaca que te levou para sair. Nem sou o cara que
vai andar de mãos dadas saltitando por Nova York. Não estou te oferecendo
exatamente um namorado. — Noah passa as mãos pelo rosto e pelo cabelo,
respirando fundo. — Na verdade, ruivinha, eu nem sei o que estou te
oferecendo. E eu sei que você tem uma lista de motivos para me deixar
sozinho aqui, porque não somos exclusivos. Mas podemos ser. Podemos ser,
meu anjo. Então se quiser, seremos exclusivos. E por favor, Chloe, queira.
Não o respondo.
Eu só me aproximo de seus olhos negros. Eles brilham como poucas
vezes vi na vida. Consigo ouvir a sua respiração enquanto ele analisa cada
detalhe do meu rosto. Devolvo o gesto, mas não por muito tempo.
Fico na ponta dos pés ao segurar seu rosto com as duas mãos, apenas
para garantir que seus olhos ficarão no mesmo nível que os meus. Mas logo
depois meus pés encostam o chão. E eu uno a minha boca a sua.
Céus, senti tanta falta disso...
De como a sua boca parece complementar a minha. Como elas
parecem feitas para se encaixarem, se tocarem e se venerarem, mesmo em um
simples pressionar de lábios.
Hellmeister me pressiona contra si, suspira contra meus lábios,
unindo-os ainda mais contra os seus. Por suas ações, Noah parece finalmente
se render um pouco. Ele parece mostrar que me quer. Que não estou tão
sozinha nessa quanto eu pensava.
Respiro fundo, unindo a testa a sua e deixando meus dedos tocarem o
fio frio da sua corrente. Mordo o lábio inferior, porque subitamente quero
sorrir. Ergo os olhos para Noah e ele acaricia a minha boca, só para tomá-la
para si novamente.
E com seu gosto se encontrando com o meu, meus dedos afundados
em seu cabelo e suas mãos firmes em meus quadris, a bomba finalmente
explode, dando início a um "nós" que ainda não sei o que significa, mas
quero muito descobrir.
"Eu quero". Foi o que Chloe me disse quando interrompeu o último
beijo que demos naquela rua. E isso reverberou por minha mente a cada
segundo...
Como quando subimos o elevador na tentativa de nos conter enquanto
uma idosa estava entre nós;
Quando nos beijamos assim que a velha parou no segundo andar;
Quando ela demorou oitenta anos para conseguir abrir a porta da sua
casa, já que eu beijava o seu pescoço e, até mesmo, quando finalmente abriu
a sua porta e passamos aos beijos até seu quarto. Beijos que beiravam a
agressividade, como a discussão que terminou em uma rendição patética da
minha parte.
O "eu quero" ainda ecoava na minha mente quando a deitei sobre a
cama. Tirei meus sapatos, meias, paletó e camiseta e a ruiva me encarava da
cama, de modo quase felino, sem dizer uma só palavra.
Mas seus olhos repetiam que ela me queria.
E quando seus olhos encontraram os meus, eu vi que ainda havia raiva
em seu olhar, capaz de se transformar em fogo tanto quanto alegria por ter me
visto pedir para que me quisesse daquela forma.
Ela tirou seus sapatos com os pés e eu me ajoelhei sobre a cama.
Deitei devagar o meu corpo sobre o seu, suas unhas tocaram meu rosto, sua
boca roçou contra a minha.
— Você é sexy com raiva — ela confessou baixinho, de um modo
divertido e eu soltei o ar pelo nariz, achando graça.
— Eu sou sexy de qualquer forma, meu anjo.
Ela riu.
— Noah? Não me broxa. — E eu também não consegui prender a
risada. Toda a raiva do momento se foi. Chloe Mitchell é fora de série,
sinceramente. Ergui os olhos a ela novamente em silêncio, no segundo em
que consegui parar de rir. — O que foi?
— Você também é sexy, meu anjo. A mais sexy, se quer saber. —
Sinto a minha boca seca, meus dedos mais firmes em sua cintura, algum
nervosismo. Costumo pensar menos no que digo ao seu lado. Chloe só sorri.
— "Eu sou sexy de qualquer forma, meu anjo". — Ela engrossa a sua
voz e eu rolo os olhos. A ruivinha me puxa para um beijo.
Não demorou para o restante das roupas caírem ao chão e sons baixos
e arrastados dominarem o quarto. Não demorou para a sua cama virar um
caos e nossos corpos tentarem se fundir com violência, testando nossos
limites em posições, provocações e ironias sujas.
E então voltamos a ser o que éramos, mas ainda assim pareceu
diferente. Melhor, eu diria. Não sei explicar. E parte de mim não quer mais
explicações.
Tenho que admitir: a ruivinha tem, sim, algo a mais. Algo que não
quero perder por enquanto. E se eu não puder ficar com mais ninguém só
para tê-la, então que seja.
Eventualmente, o sexo acabou e voltamos a ser como antes. Agora
vejo Chloe sentada sobre a cama, enrolada em lençóis brancos. A ruivinha
prende um cigarro entre os lábios e eu me aproximo quando ela o oferece
para mim, deixando-a pôr a droga em minha boca. E eu trago, fitando os seus
olhos. Solto a fumaça para cima, me deitando sobre suas pernas.
— Exclusivos, huh? — pergunta.
— Exclusivos. — A palavra se arrasta por meus lábios, ainda
desacostumados com a rendição. Mitchell sorri e aproxima os lábios dos
meus.
— Repete.
— Por quê?
— Porque ainda parece que você vai morrer quando diz isso.
— Você que não me leva a sério quando digo isso — retruco, ao me
sentar.
— Você não se faz levar a sério! — acusa, arqueando as
sobrancelhas, tragando o cigarro novamente. Tento me aproximar, em busca
do que está entre seus dedos. Sua boca está a milímetros da minha. —
Repete.
Engulo em seco.
— Somos exclusivos, meu anjo. — Ela ri. Chloe ri com vontade e
deita a cabeça em meu ombro. — Vê? Você também não quer me levar a
sério. — Ela reprime os lábios na tentativa de não rir e eu tomo o cigarro da
sua mão, o tragando. O silêncio se estende um pouco. Vejo no relógio ao lado
da cama que faltam poucos minutos para meia-noite.
— Parando para pensar... Eu nem sei o que isso significa. — A
ruivinha retoma a conversa.
— Eu também não — confesso. E então Chloe recua sobre a cama e
encosta as costas na cabeceira dela, deixando um pouco do tecido que cobre
seu corpo cair. Está sorrindo de canto e eu faço o mesmo. Sua beleza
impressiona. — Eu só sei que não quero transar com mais ninguém sem ser
você.
— Romântico. — E aqui está o sarcasmo que eu gosto tanto. — Eu
também não. Por ora — diz e eu torço o nariz. Seu sorriso cresce quando
fumo novamente. — Me recuso a te chamar de namorado, Noah.
— Ótimo, porque não somos namorados.
— Não mesmo. — Sorri ainda mais.
— Hum-hum, de jeito algum. — Balanço a cabeça em negação.
— Pareceria piada.
— A maior piada.
— Com certeza. Um absurdo — retruca. E então ela suspira. Fito os
seus olhos, curioso para saber o que pensa. Me aproximo, por cima do seu
corpo, pensando em beijá-la, mas Chloe me surpreende quando seu pé trava
em meu peito. Ela me empurra levemente e eu cerro os olhos ao ser impedido
de me aproximar. Seu olhar me provoca, ela gosta disso. Ela adora toda e
qualquer chance de me irritar. — Mas seria uma boa piada.
Apago o cigarro no cinzeiro sobre a cama, mas nossos olhos não se
desgrudam por um segundo. Tiro seu pé do meu peito, me posiciono entre as
suas pernas e me aproximo da sua boca.
— Me chame do quiser, Chloe. Se quer me rotular como namorado,
vá em frente, eu só não sei se serei o melhor. O tipo de cara que uma garota
apresentaria a alguém como namorado. E eu não sei o que somos. Eu não...
Não sei fazer isso. — Tenho medo de estragar tudo. Mas Chloe só ri nasalado
e aproxima o rosto do meu. A ausência de som me irrita, quando segura o
meu queixo com delicadeza.
Quero saber o que pensa.
— Já esteve em um relacionamento antes? — pergunta. Hesito em
responder, mas acabo por confirmar. Chloe arregala os olhos, surpresa. —
Jura?! — Confirmo silenciosamente. — Como ela se chamava?
Merda.
Não pensei que teria que falar disso tão cedo. Nem é um tópico que
gosto de ter em qualquer conversa. Sinto um peso sobre os meus ombros e,
por um instante, é como se a minha garganta se fechasse. E eu engulo em
seco contra essa sensação. Algum nervosismo me toma quando percebo que
Chloe ainda espera por uma resposta e eu cogito mudar de assunto, mas
acabo por ceder:
— Lilith. — Droga, nem sei porque estou contando isso.
— Que nome brega — desdenha, fazendo uma careta. Rio, um pouco
nervoso, e ela ri junto. — Ela era sua o quê, Noah? — Respiro fundo, tentado
a desviar o olhar. — Tudo bem se não quiser me falar, ok? Um passo de cada
vez...
— Ela era tudo. — A verdade me escapa e eu demoro em encarar os
olhos de Chloe, que brilham num misto de curiosidade e algo a mais. — Ela
era tudo até me deixar sem nada. E então ela virou o meu pior pesadelo e eu
realmente não quero falar sobre isso, meu anjo, desculpa, eu não...
— Ei... — Chloe segura meu rosto com as duas mãos e eu fito seus
olhos. — Tudo bem, ok? Eu estava esperando uma resposta tipo "namorada"
ou sei lá. — Respiro fundo mais uma vez. Chloe morde o lábio inferior. Me
aproximo dela, sobre a cama. Seus joelhos estão dobrados, seu olhar se
desvia do meu. — Eu também tive alguém antes. Dalia. E ela era meu tudo
também.
— E o que houve?
— Um par de chifres. Talvez mais. Ok, muito mais. Não sei como
ainda consigo passar por portas. — Chloe ri, mas sinto que ainda dói. A
envolvo pela cintura. — Dalia era a garota mais linda da escola. Tinha toda
aquela vibe da Sandy de Grease. Não a Sandy do início, a do final.
— Não faço ideia do que está falando. — Ela ri. Eu realmente não
faço ideia.
— Bom, Dalia era a bad girl riquinha, errada e mais desejada do
colegial. Todo mundo conhecia Dalia Davenport, porque ela era a filha do
prefeito, sabe? Linda, carismática, saía pela cidade distribuindo sorrisos e
risadas. Enfim, Dalia resolveu fazer a garota mais tímida e quieta da sua sala
de aula se apaixonar. E ela a fez se sentir como a única mulher do mundo.
— Essa garota era você? Jura?
— Sim. E ela transformou aquela garota no que bem entendia. Com
todo o seu charme, com todos os seus sorrisos, a Dalia me moldou, mas,
ainda assim, não me forçou a nada. Ela me fez querer ser má, me fez querer
deixar de ser certinha, de me importar tanto com notas ou sei lá. Também me
apresentou corridas e aventuras... E a adrenalina pareceu tão atraente quanto
ela.
Me calo por um segundo. Chloe parece hesitar em continuar a
história.
— Me apaixonei aos quinze e ela tinha dezessete. Ela tinha repetido
um ano. No início, a minha mãe via Dalia por aí, percebia o clima entre a
gente, mas não realmente se importava, sabe? Mas quando começamos a
namorar?! Caramba, Donna Mitchell começou a odiar Dalia, odiar mesmo.
Acho que ela pressentiu que algo daria errado. Eu caí pelo cliché, enquanto
minha mãe me avisava que o cliché era fodidamente perigoso e eu sabia que
era. — Chloe respira fundo. — Dalia conseguiu alugar um apartamento
pequeno perto da escola, nós nos encontrávamos ali para fumar e... Transar.
— Ela foi a sua primeira?
— Sim. E única. Por muito tempo. — Chloe desvia o olhar, tocando a
minha mão e estalando meus dedos, na tentativa de se distrair. — Então Dalia
se formou da escola, mas continuou no Tennessee. Continuamos juntas. Nos
encontrávamos no apartamento, planejávamos morar ali depois, só nós duas.
Ela me fez acreditar nisso. Ela me deu a chave do apartamento e num belo
dia, após uma aula do último ano do colegial, eu quis fazer uma surpresa.
Mas Dalia também resolveu me fazer uma surpresa, porque estava fodendo
uma amiga minha, bem ali, na nossa cama.
Ergo os olhos para ela. Chloe segue o meu olhar e sorri fraco. Sei que
ser sincera assim não é fácil.
— E eu a amava.
Amor. Ela a amava. E Dalia não a amou de volta, não a valorizou
como deveria ter feito. A idiota a deixou escapar, apenas porque queria foder
outra garota. Busco por qualquer coisa que eu possa dizer para tirar a tristeza
dos seus olhos. Chloe parece realmente se arrepender de ter conhecido essa
menina. Não gosto de saber que alguém apareceu antes de mim e destruiu seu
coração de alguma forma. Muito menos sei como reagir diante a essa
confissão.
Chloe merecia melhor.
— Eu sinto muito.
— Não precisa sentir, de verdade, são águas passadas. O fato é que
não estou dizendo que te amo, não estou dizendo que um dia vou amar. Eu só
´tô sendo mais sincera do que nunca, Noah, porque eu nunca havia sentido
nada por ninguém desde Dalia. Até você. E eu não sei o que exatamente você
provoca em mim, mas é viciante o suficiente para que eu aceite essa
''exclusividade''. Então vou aproveitar esse surto de sinceridade para deixar
claro que eu também penso em você mais do que eu deveria. E que eu
também tenho medo.
Medo? A palavra me congela por um segundo.
No instante seguinte, uma agonia começa a crescer em meu peito, o
tipo de incômodo que não sei explicar. Oh, por favor, com todos os séculos
de vida que eu tenho, já vi e vivi coisas piores do que... Seja lá o que sinto
pela Chloe. Não tenho porque temer isso. De certo é uma sensação parecida
com a que me perseguia quando Lilith estava por perto. E realmente é
sentimento um tanto quanto desconhecido. É como estar às cegas. Isso me
deixa um pouco desconfortável? Sim. Mas medo? Eu não sinto medo. Não
tenho motivos para sentir medo de nada. Me incomoda que ela tenha pensado
nisso.
— Eu não tenho medo...
— Noah...
— Eu não...
— Uhum, sei.
— Eu ´tô falando sério, ok. Eu não... — Ela me cala com um beijo e
eu solto o ar pelo nariz, contrariado. De repente, estou completamente sem
palavras e frustrado. — Você é chata pra cacete. — Desvio o olhar o máximo
que posso, mas logo encaro os seus olhos. — Veja, Chloe, a Lilith foi tudo.
Mas ela não foi como você. Eu não sei o que "exclusivos" significa, porque
com certeza significa mais do que "eu fodo só você e você só me fode".
— Que fofo! — ironiza.
— Eu não sei o que a gente significa, meu anjo — confesso. Chloe
respira fundo e eu sei o porquê: estamos caminhando às cegas para algo. —
Eu só quero descobrir.
Nos encaramos por um segundo. O que somos? Eu não sei, eu
realmente não sei. E qualquer rótulo me parece errado.
Chloe suspira. Ela se levanta e se veste com a primeira coisa que
encontra, que por acaso é o casaco do meu terno. O paletó grande cai por seu
corpo e cobre seus seios, mas não a sua barriga. Mitchell veste a calcinha e
abre a gaveta da cômoda ao lado da cama, retirando um bloco de notas e uma
caneta. Ela abre e escreve algo.
— O que está fazendo? — pergunto, sem entender nada.
— Não somos namorados. Não somos um casal comum. A gente vai
fingir que é quando nos perguntarem, mas nós vamos saber que não. Porque
casais comuns têm finais comuns, talvez chifres ou talvez seja lá o que você
viveu. — Abro a boca, mas sei que explicar o que Lilith era e como não
éramos comuns não é uma boa ideia, então me calo. — Você claramente tem
tanto medo quanto eu do que pode acontecer.
De novo essa palavra?! Ugh...
— Eu não tenho medo!
— Uhum, senhor "eu não sei o que faz comigo, meu anjo". —
Engrossa a voz e eu fecho a cara. Isso não tem graça e eu não falo assim.
— Não ‘tá parecendo comigo.
— Ah, só um segundo. — Chloe pega os anéis na cômoda ao lado,
onde eu os deixei, e coloca em seus dedos, um por um. Eles ficam enormes
em sua mão. Pigarreia e pega um cigarro no maço sobre o móvel, acendendo
com seu isqueiro branco e deixando-o se consumir. Ela traga e cerra os olhos
para mim, ajeitando a sua postura de um jeito bizarro ao soltar a fumaça. E
então engrossa a voz novamente: — "Por que faz isso comigo, meu anjo?" —
me provoca. Rolo os olhos e ela ri. Me passa o cigarro e eu o coloco em
minha boca, a observando. — Vamos brincar. Não somos namorados, somos
"exclusivos". Vamos definir o que isso é e estabelecer regras. E então serei
sua exclusiva, você será o meu.
Não sei o que responder.
Tem essa coisa sobre Chloe que eu acho simplesmente espetacular.
Todas as ideias malucas e engraçadas parecem inviáveis ou estúpidas até que
sejam ditas em voz alta por ela. Como alguma magia, Chloe consegue me
convencer a entrar em seu mundo. Tanto que, às vezes, parece que o seu
mundo é o meu.
Chloe me faz sentir como mais um humano, como ela. E, que
ninguém saiba disso, às vezes eu gosto. Gosto de fazer parte, mesmo que um
pouco, do seu mundo.
Ela já me fez dançar ballet, competir em uma corrida só para chamá-
la para sair e agora está fazendo um contrato com o Diabo, sem nem saber.
Tudo que é improvável passa a ser certo, quando ela diz que é certo. Então
acho que já não me surpreendo quando entro em sua brincadeira:
— Regra número um: Não chamarei ninguém mais de "meu anjo",
você não chamará mais ninguém de "querido". Só eu.
— Só você?
— Sim. Pode escrever.
Chloe sorri, acena e concorda, escrevendo exatamente o que eu disse,
sem esquecer de repetir palavra por palavra enquanto o faz.
— E se quebrarmos essa regra?
— Punição grave. Com toda a certeza. — Uno as sobrancelhas,
tentando soar o mais sério possível. Ela ainda está sorrindo.
E nós, que aparentemente nos divertimos quebrando regras, agora
estamos construindo-as, uma a uma. E, estranhamente, eu quero seguir cada
uma.
— Então você acha que Matt falou do aniversário do seu irmão para o
Noah e o Noah... — Molly dizia, enquanto andava pelo meu quarto
irritantemente rosa em busca de onde tinha deixado os seus brincos. Me
encarei pela milésima vez em frente ao espelho, analisando meu vestido
branco de mangas compridas e os pés ainda descalços.
— Comprou cerca de vinte fitas de jogos para um Game Boy. Além
do Game Boy, claro. A minha mãe não faz noção do quanto isso custa, então
ela nem ligou, só achou graça do meu presente. Eu liguei para a Senhora
Durden de manhã e ela disse que conversou com o próprio Noah e que o
próprio Noah quis saber mais sobre o passado do Pietro, o pai dele e tudo
mais... E que o próprio Noah entregou mais vinte fichas do brinquedo para o
SuperPi. Você consegue acreditar?! — Me viro para ela que está finalmente
colocando os brincos prateados para complementar o seu vestido preto.
— Bom, pelo tanto de vezes que você repetiu "o próprio Noah"
enquanto está puta, sim, consigo. — Rolo os olhos. — Talvez o Diabo não
seja tão ruim quanto pensávamos.
— Oh, sim, Molly! O Diabo deu presentes para uma criancinha e
agora ele é automaticamente um príncipe da Disney que realiza caridade aos
domingos. Talvez ele cante no coral da Igreja também...
— Meninas, estão prontas?! — Escuto a minha mãe perguntar. Ela
abre a porta. Mal nos falamos o dia todo e eu sei que ela provavelmente está
chateada comigo por algum motivo. Seu rosto delicado, seus olhos verdes e
seu sorriso terno me trazem a sensação de calma de qualquer jeito.
Então meu olhar desce ao mini homem à sua frente. Benjamin veste
uma camisa social branca um pouco grande pro seu corpo e calças jeans
azuis, bem como um tênis qualquer. Seus olhos estão focados no maldito
Game Boy e seus dedos são bem ágeis. Benny faz uma careta diferente a cada
segundo, acho que está tentando matar algum monstro.
— Chloe, ainda está crua! — mamãe diz e seu comentário faz Molly
rir. — Está linda, Molly! — Elas se conhecem das poucas vezes que minha
família visitou a cidade, o que eu não gosto muito que aconteça.
— Não mais que você, Senhora Mitchell — Molly retruca para a
felicidade de Donna Mitchell, que fica vermelha e abre ainda mais o seu
sorriso.
Anderson não mente. Mamãe está linda com seu vestido florido e seus
fios ruivos soltos. Eu suspiro, em busca de um sapato qualquer.
— Vou descendo — Molly diz. — Ei, Ben! Me deixa ver o que está
jogando? — E então a minha amiga acompanha o meu irmãozinho para o
andar debaixo.
Mamãe fecha a porta atrás de si quando eu finalmente acho o que
estava procurando.
— Por céus, Chloe, coturnos não — ela diz e rola os olhos.
O que há de errado com coturnos?
Donna Mitchell abre o meu antigo armário e retira dali um par de
saltos que eu nem sabia que existia. Ela vê pelo meu olhar que não há a
menor possibilidade de isso acontecer.
— Céus, garota... — Seu resmungo me faz rir e ela procura por
qualquer outra coisa ali dentro. — Ainda calça o mesmo do que quando saiu
daqui?
— Não cresci nenhum centímetro e meu pé também não.
— Ótimo. — Ela abre uma gaveta e retira duas meias limpas, me
jogando as mesmas. Depois coloca dois All Stars que deveriam ser brancos
na minha frente. Eles estão velhos e surrados, mas ainda lindos. Donna se
senta na minha cama. — O que te fez mudar de ideia?
— Nova York estava me enlouquecendo — confesso, me sentando ao
seu lado e calçando as meias apressadamente.
— Como a Molly está depois da morte do John? — Mamãe sabe de
tudo. Eu sempre ligo para contar as coisas mais importantes. Quando tenho
paciência para lidar com nossas brigas. E claro, meu namorado infernal não
entra em "coisas mais importantes". — Ela está tão magra.
— Ela está mal. Estamos mal. Estamos destruídas. Completamente
quebradas. Por isso eu queria ficar em Nova York mais algum tempo. Por
isso, eu não sabia se viria.
— Desde o início eu disse para você trazer a Molly e não faltar o
aniversário do seu irmão...
Estava demorando.
— Eu não tinha dinheiro para isso.
— Mas acabou dando um jeito, não foi? E esse jeito foi justamente o
que eu sugeri. — Ela me cala e eu começo a calçar os tênis em silêncio.
Donna suspira. — Desculpa, eu não quero brigar, mas me preocupa e me
irrita o quanto nunca me escuta, Chloe, eu...
— Eu descobri um jeito de chegar a tempo, mãe. Eu dei o meu jeito.
Eu sempre tento dar o meu jeito. Só que, naquele momento, eu não tinha a
menor visão de uma saída, porque eu estava um caos e quebrada, afinal um
dos meus melhores amigos tinha morrido. — As palavras escapam sem
piedade e eu a encaro, irritada, esquecendo da necessidade de calçar os
sapatos por um segundo. — E eu te liguei para dizer que estava te mandando
o dinheiro do mês, que eu não sabia ainda como viria para cá, que eu
precisava cuidar da minha amiga que havia visto o noivo dela morto... E eu
só esperava por um pouco de apoio. Mas você ficou chateada e sugeriu mil
coisas, entre elas, que eu viesse com a Molly. Mas você não me deixou
desabafar e respirar, nem por um segundo. E eu te desculpei por isso. Mas
você não me desculpou por eu dizer que não saberia se viria.
Paro de falar quando sinto o ar insuportavelmente pesado. Donna
desvia o olhar e engole em seco. Respiro fundo e balanço a cabeça em
negação a tudo de ruim que passa por ela, é muita coisa. Só volto a calçar os
tênis.
— O seu problema, Chloe, é que você só enxerga o seu mundo. —
Sua fala faz meus ombros tensionarem. Eu ergo o olhar para ela quando ela
se levanta. Donna Mitchell me fita com seus olhos vermelhos. — O seu
irmão sente a sua falta todos os dias...
— Eu também sinto a falta dele...
— Me deixe falar! — Me corta e eu sinto meus ombros murcharem.
Subitamente sou uma criança recebendo um sermão. — Eu sinto a sua falta!
— Sua fala me faz perceber que ela está prestes a chorar. — Quantas vezes
por dia pensa na gente, meu bem? Porque a gente pensa em você a cada
segundo. Então me perdoe se soa egoísta as quinhentas vezes que te pedimos
para voltar para casa. Receber seu dinheiro todo mês não basta, Chloe. Eu
trabalho e eu sei me virar, pode ser que não nos sobrasse dinheiro no fim do
mês, mas eu posso garantir que não iria nos faltar nada se você voltasse. E eu
entendo que queira sua liberdade e eu sei como Nova York parece grande e
uma aventura, mas eu me preocupo! Eu me preocupo porque eu sei que você
nos envia boa parte do que possui, mas me pergunto o que faz com o resto.
Porque já me manda dinheiro demais para uma garçonete, Chloe. Está
correndo de novo?
Tento esconder o espanto por ela saber disso. Eu me envolvi em
alguns problemas por corrida no meu último ano em Maryville, mas eu não
tinha noção de que a minha mãe sabia que esse vício persistia em Nova York.
Então me calo, voltando a calçar o segundo tênis.
— OLHE PARA MIM! — Eu estremeço, erguendo o olhar para a
ruiva. Seu rosto está vermelho. — Molly perdeu o John e eu sinto muito.
Você perdeu o John e eu sinto muito. O vi o quê? Duas vezes?! Mas ele era
um bom rapaz, eu senti isso. Só que a Molly perdeu o John, Chloe. — Vejo
as primeiras lágrimas rolarem por seu rosto. Ela as limpa com o dorso da
mão. — E nós perdemos você.
Ela percebe a minha ausência de resposta. E sem dizer mais nada, me
deixa sozinha no meu quarto antigo, rosa demais para o meu gosto, sendo
encarada por porta-retratos e memórias de uma família que hoje pouco me
conhece.
O carro para num lugar em que conhecemos bem e Chloe tira o cinto
primeiro, aproximando a boca da minha, ansiosa.
— Aqui estamos — digo, olhando para o bairro abandonado, repleto
apenas dos competidores do racha.
— Ainda me deve uma corrida, querido — sussurra.
— Não devo não. Você ganhou.
— Porque você deixou — acusa e eu rolo os olhos, impaciente, mas
Chloe segura o meu queixo e me impede de desviar o olhar. — Hoje não
competiremos um contra o outro. Mas vamos correr um dia. E eu vou te
destruir na pista, meu anjo. — Seu sarcasmo me faz sorrir.
E ela sai do carro. Eu a acompanho.
Nós dois conversamos com Grant, o responsável pela corrida. Ele
pergunta se namoramos e, dessa vez, Chloe me lança um olhar na esperança
que eu responda. E eu confirmo, a amaldiçoando pelo sorriso vitorioso nos
seus lábios.
Vejo a tal Naomi ao lado de Grant murchar um pouco. Talvez ela
gostasse um pouco mais da Chloe do que eu imaginava. Seguro a cintura da
minha ruivinha com um pouco mais de firmeza, sorrindo de canto para a
morena a nossa frente. É como se eu dissesse “minha namorada”. Naomi
percebe o gesto e eu poderia dizer que sinto muito pela garota, mas não é
verdade. Peninha.
Chloe me puxa para si conforme me guia para o carro. Ela me beija,
apenas para roubar a chave do carro em minha mão. Eu não protesto. Ela me
puxa pela mão ao romper o beijo e abre a porta do carona.
— Primeiro as damas — ironiza e eu fecho a cara, mas obedeço.
Entro no carro e ela o contorna, fazendo o mesmo. Ela coloca o cinto e
prende os fios ruivos de qualquer jeito num coque. É a primeira vez que
vamos participar de uma corrida dentro de um mesmo carro, não como
oponentes e com ela dirigindo. Sinto o meu sangue ferver ao pensar em
velocidade e adrenalina, mas, principalmente, que Chloe estará no controle.
Ver de perto a ruivinha no volante, transformando os adversários em
poeira? Isso vai ser divertido.
— O objetivo dessa noite é...?
— Não sei. Senti falta de correr. Seu carro parece potente. Lide com
isso. — Ergo as duas sobrancelhas, surpreso com sua resposta. Ela ri e me
encara. — Eu quero te provar quão boa sou nisso.
— Eu sei quão boa é nisso.
— Vai saber de novo então. E da próxima vez, querido, será eu contra
você. E você vai perder, Noah.
— Vou? — Ergo uma sobrancelha.
— Com certeza. — Ela desvia o olhar e seu sorriso, esticando o braço
que segura o volante. Seus olhos negros e ansiosos estão focados na tal
Naomi, do outro lado, que segura uma bandeira.
E então, a bandeira cai e o carro acelera, junto com outros três. E
estamos na frente.
A velocidade me faz sorrir. Eu gosto disso. Eu gosto dessa sensação
de estar contra regras, de ver a iluminação fraca dos postes passar como
borrão por meus olhos.
Chloe puxa e solta o ar de tal modo que eu sinto o quanto leva essas
corridas a sério, o quanto sente prazer nelas. Seu olhar está completamente
focado na disputa e ele só desvia para buscar o retrovisor. Quando percebe
um carro próximo, ela o bloqueia. E então me encara, quando eu olho para
trás.
O carro está bem perto. Mas Chloe ri, muda de marcha enquanto o
bloqueia. O carro responde ganhando uma velocidade absurda, disparando e
aumentando a sua liderança. E o veículo de trás fica cada vez menor.
Rio nasalado, a encarando. Ela é incrível.
Alguns fios do coque mal feito lhe caem pelo rosto e eu desço meu
olhar por seu pescoço nu, as tatuagens de pássaros, seu colo e seios.
Chloe parece dez mil vezes mais gostosa sob efeito do perigo. E ela já
é muito gostosa.
Mordo o lábio inferior com alguma força enquanto lembro de nós dois
pela manhã. A malícia me escapa:
— Vou foder você dentro desse carro depois da corrida — declaro e
Chloe franze o cenho, deixando um riso escapar ao trocar de marcha e
acelerar ainda mais.
— Você é muito aleatório.
— Se tivesse a vista que estou tendo agora, amor, você entenderia —
garanto.
— Por quê? Estou te excitando? — pergunta, sem me encarar,
concentrada no retrovisor.
— Pra caralho. — Chloe ri nasalado. E após realizar mais uma curva,
sinto que ela vai buscar pela marcha, mas sua mão toca o meu pau, coberto
pela calça. Um grunhido quase me escapa e ela ri.
— Desculpa, me confundi — brinca e volta a mão para a marcha.
Meu pau já está pulsando sob a minha cueca.
— Cuidado com as suas brincadeiras, meu anjo.
— Por quê? Te deixo nervoso? — me provoca, deixando um sorriso
pecaminoso tomar os seus lábios. — Imagina se eu te chupasse durante a
corrida, Noah? — Sinto o meu pau protestar a favor, mas sei que ela está só
zoando com a minha cara. Isso é tortura. — Imagina você dirigindo, as ruas
passando rápido ao nosso redor e a minha boquinha entre as suas pernas,
hum?
— Eu vou te foder nesse carro. — É tudo o que eu sou capaz de
responder.
— E aí você segurando o meu cabelo, como fizemos mais cedo
enquanto eu te mostro do que sou capaz. Já pensou, amor? — Ela me ignora,
troca de marcha e me encara.
Chloe deixa um riso escapar quando eu afrouxo a camisa social em
meu pescoço, sentindo o interior do veículo subitamente mais quente.
— Eu vou te foder nesse carro — repito.
Ela dá uma gargalhada alta e volta a se concentrar na corrida. E eu sei
que eu e Chloe somos feitos de adrenalina, talvez por isso tenhamos
combinado tanto. Porque eu sinto a adrenalina acelerar o meu coração tanto
pela presença dela quanto por culpa da corrida.
Somos movidos por essa energia. Por onde passamos deixamos
intensidade e velocidade. Somos feitos disso. E somos a dose de adrenalina
que o outro precisa. É por isso que damos certo. Porque parecemos mais
vivos juntos.
Estamos seguindo os dois tem dez minutos. Eles estão lentos demais e
as ruas estão vazias, meu coração está acelerado e entre roncos e mais roncos
de Brianna Yang, Molly repete que isso vai dar merda.
E eu sinto o mesmo, mas finjo que não.
A minha mente trava em Noah por um segundo. Eu queria que ele
estivesse comigo. Queria que isso fosse o tipo de coisa que fizéssemos juntos.
Não queria sentir que escondia algo dele ou que, possivelmente, ele agia sem
mim, contra toda essa situação.
Por que ele precisa ser tão cabeça-dura?
— Chloe...? — Molly me chama e eu franzo o cenho para ela. — O
carro... Ele está desacelerando? — Eu fito o carro da frente, pela rua reta. O
carro está perdendo velocidade cada vez mais. Então aperto os olhos.
Não há ninguém no carro da frente.
— Boa noite, garotas! — Kold surge no banco de trás, ao lado de
Brianna. Eu reprimo um grito e vejo Sinn surgir atrás de Molly, que...
— JESUS CRISTO! — grita. E, por consequência, Brianna acorda em
desespero, arregalando os olhos.
— O QUE FOI?! — ela pergunta e então olha para o lado, engolindo
em seco ao ver um cara alto, negro e com uma extensa cicatriz em um dos
olhos, sorrir para ela. — Chloe... Eles estão...
— Aqui? — Sinn completa. Eu engulo em seco e sinto o rosto de
Kold se apoiar do lado do encosto do meu banco, perto do meu rosto.
— Então, adorável Chloe... — a morena sussurra, me fazendo gelar e
apertar as mãos contra volante. — Me diga por que está nos seguindo.
Meu corpo suado cai ao lado dela, na sua cama. Chloe está ofegante,
enquanto fita o teto. A abraço, de lado, escutando a sua respiração. Me viro
para ela e desço o olhar por todo o seu corpo nu. A única peça presente é a
gargantilha em seu pescoço, bem como o colar em meu peito.
Chloe se aproxima de mim e busca pela minha boca, me beijando com
gosto e me trazendo mais para perto. Nossas pernas se entrelaçam e eu sinto
calor quando suas unhas arranham a minha nuca. Todo o meu corpo está em
chamas e eu deixo um sorriso escapar porque eu senti falta disso. Esse fogo
que criamos é intenso pra caralho. Tudo parece fazer sentido quando estamos
juntos.
Mitchell rompe o beijo, alisando o meu rosto enquanto seus olhos
esquadrinham cada detalhe meu.
— Por favor, nunca duvide do quanto eu amo você — Chloe pede.
— Nunca duvide, Noah. — Franzo o cenho, incomodado. — Eu... Eu acho
que... Preciso te dizer...
— Meu anjo. — Uno minha boca a sua, a fazendo se deitar sobre
mim. Seus seios tocam o meu peito, seu corpo cobre o meu. Eu tenho a
mulher mais linda do mundo me olhando nesse exato segundo. — Eu nunca
vou duvidar de nós dois. — Acaricio a sua bochecha. — Agora chega de
falar! Chega de nos desculparmos e desse clima estranho. Eu só quero você.
Eu senti sua falta.
— Noah... — Ela ainda insiste em querer me dizer algo, mas eu
arrasto meus lábios por seu pescoço e deixo um leve chupão em sua pele.
— Noah... — E eu sorrio, porque dessa vez me chama do jeito certo. —
Inferno...
— Me chamou? — brinco e ela ri.
Chloe morde um sorriso e me beija novamente, dessa vez, com mais
calma e delicadeza. Deixo um sorriso escapar quando a sinto suspirar contra a
minha boca e arrasto sua língua com os meus dentes.
— Ei... Eu vou viajar semana que vem — ela anuncia.
Uno as sobrancelhas.
— Como assim?
— Vou visitar a minha família. Molly vai comigo. É meu aniversário
e tal. Matt pode me proteger.
— Ele não é o suficiente. Para você, Molly e toda a sua família. Ele
não é suficiente.
— Jura?! Acha perig...
— E eu também quero ir — confesso. Chloe une as sobrancelhas ao
máximo. E então ri, como se eu estivesse brincando. — É sério!
— Tá dizendo que quer conhecer a minha família?
— ‘Tô dizendo que quero ficar perto de você no seu aniversário.
Conhecer a sua família ainda pode ser um passo um pouco... grande demais
para você. — Minhas palavras a fazem sorrir. — E não sei se vai se sentir
confortável em me apresentar para a sua família, escondendo quem eu sou.
Enfim... — Ela sorri largamente. — O que foi?
— Gosto de ver que se preocupa comigo — ela sussurra, apertando as
minhas bochechas com uma só mão. Um bico se forma em meus lábios e
Chloe o mordisca. — É fofo.
Inverto as posições e me ponho sobre ela.
— Vou viajar contigo para a sua cidade — digo e Chloe arqueia a
sobrancelha. — Posso? — Ela ri e confirma. — Posso alugar uma casa ou um
apartamento, não sei... Então eu te protejo e no fim da noite, do seu grande
dia, você me encontra lá e eu te darei o meu presente. O que acha?
Chloe alisa o meu rosto. Por um segundo, voltamos a ser Noah e
Chloe, sem quaisquer desavenças entre nós.
— Acho perfeito, amor.
— Se eu subir muito rápido para o meu quarto, a minha mãe não vai
perceber que estou sem calcinha e sutiã — Chloe diz, sobre o sofá, nua. Seus
cabelos estão bem mais secos, mas com uma aparência diferente do comum.
Contudo, quando faz um coque desajeitado em sua cabeça, mal posso
perceber.
— Estão molhadas ainda?
— Creio que sim. — Ela cola a boca na minha. — Mas eu preciso ir...
— Mitchell soa triste. Vou acompanhá-la em meus pensamentos, cada
segundo até que chegue em casa, mas já estou sentindo saudades em
antecipação. — Ei... Olha... Tia Riley sabe que está aqui.
— Jura?
— Juro. E ela não caiu na desculpa que eu inventei para você não
passar o dia conosco amanhã. A minha mãe pode não saber quem você é,
nem o meu irmão ou a tia Riley... Mas não há nada no mundo que eu queria
mais do que o Diabo do meu lado. Então... Se quiser, vai ser meu convidado
de honra, amor.
Penso por um segundo.
— Sua mãe sabe que está namorando?
— Não. Ela vai ficar uma fera. Mas vai ser engraçado irritar Donna
Mitchell. Então... O que me diz? — Sua mão se apoia em meu peito. — Uma
hora eles vão ter que saber de você e... Se não achar um passo grande dem...
— Estarei lá, amor — a interrompo.
— Tem certeza?
— Absoluta — respondo sem titubear. E Chloe sorri como nunca,
enchendo o meu rosto de beijos.
Donna abre a porta de casa. Seus olhos estão vermelhos e ela avista
Chloe, à minha frente, bem como Molly e Matt atrás de mim.
— Eu estou disposta a ouvir algumas coisas de você, mãe — Chloe
diz, com esforço. Donna lança um olhar para mim e Matt. — Mas você
precisa deixar meus amigos entrarem.
— Chloe...
— Isso não é negociável, mãe.
Donna fecha os olhos e respira fundo. Ela hesita enquanto segura a
porta. Chloe se vira, desistindo, segurando a minha mão e nos guiando em
direção ao seu carro.
— Ok, espera! — Donna ordena. Chloe para de andar e eu faço o
mesmo. Mitchell se vira primeiro para mim e depois para a mãe, mas seus
dedos não soltam os meus. — Entrem.
E de repente, estamos todos de volta à sala de estar. Eu, Matt e Molly
pelo sofá. Chloe está em pé, esperando a mãe, que está sentada em uma
poltrona, começar a falar.
Luke saiu dali há muito tempo, quando nós saímos em busca de Chloe
naquele bar.
Escutamos passos rápidos escada abaixo e Benjamin grita por Chloe,
correndo até a irmã e se jogando no colo dela. Chloe fecha os olhos,
abraçando o irmão com força. Riley está na base da escada, nos encarando
em silêncio.
O clima está pesado.
— Ei, Benny... — ela diz baixinho.
— Você me preocupou — o garoto responde, com a bochecha colada
contra o corpo da irmã.
— Desculpa. — Ela lhe afaga os fios ruivos. — Eu juro que ‘tô bem
agora. Por que não sobe com a tia Riley enquanto eu converso com a mamãe?
Já, já eu subo pra te ver.
— Promete? — Ele ergue a cabeça a fim de confirmar a fala da
garota.
— Prometo.
Benjamin bufa e se afasta, desanimado.
— Odeio conversa de adultos — ele resmunga e sai pisando firme,
seguindo Riley escada acima. A tia de Chloe nos lança um olhar estranho
antes de subir.
O silêncio volta a tornar a atmosfera da casa pesada.
Chloe está de pé, com os braços cruzados. Donna mantém os olhos
fixos na filha. Matt, eu e Molly estamos no sofá, sem saber muito bem como
reagir.
— Podem me deixar a sós com a minha filha? — Donna pergunta,
mais para mim do que para Matthew e Molly.
— Eles podem ficar aqui — Chloe define.
— Filha... — Donna tenta repreender a ruivinha, mas percebe que a
sua cria já está maior que a criadora. Chloe é teimosa demais para mudar de
ideia. A sua mãe suspira, cansada. — Bom, creio que agora já saiba de uma
coisa ou outra — Donna diz.
Chloe ri nasalado. A ruivinha cruza os braços e eu sinto que está
prestes a explodir, mas isso não acontece:
— Por que mentiu pra mim? — ela pergunta. E eu não sei pra quem
olhar no momento.
— Eu e seu pai achávamos que manter isso em segredo era um jeito
vivermos seguros. Digo, nossa história e tudo mais... Eu não sei. Seu pai
sempre achou que guardar esse segredo era o certo a fazer, que a cidade não
aprovaria um casal com uma história tão incomum quanto a nossa morando
aqui. E que essa história se espalharia... Enfim, ele... Ele sempre quis
esconder isso.
— Até de mim?
— Até de você. A sua tia, por exemplo, nunca soube. Você nunca
saberia. Seria algo meu e dele. Até porque... — A voz de Donna falha e a
frase fica pela metade.
— Até porque...? — Chloe a incentiva, com os olhos vermelhos e os
braços cruzados. Donna respira fundo, bem fundo. — Mãe...
— O seu pai e eu brigamos um tempo depois do seu nascimento —
Donna confessa. — Você tinha uns seis, sete meses... Collin estava agindo
estranho. Porque ele foi egoísta quanto a algo. Muito egoísta. O que eu nunca
esperava dele. — Chloe franze o cenho ao máximo. — Collin foi um anjo.
Ele trocou isso por humanidade, por minha causa. Para viver comigo. Mas foi
como um contrato, um acordo. E todo contrato tem cláusulas. E havia
um detalhe pequeno naquele acordo.
Mordo o lábio, inquieto. Chloe me fita de soslaio e depois desvia o
olhar para a mãe.
— Ok...? — Chloe uniu as sobrancelhas, cada vez mais confusa. —
Que tipo de detalhe?
— Collin e eu teríamos direito à nossa vida juntos. Teríamos a família
que sempre queríamos. Mas com uma condição: o nosso primeiro "fruto"
uniria o Céu e o Inferno.
Quase dou um pulo do sofá. Fito Matt, ao meu lado. Ele olha as suas
mãos, então ele sabia disso o tempo inteiro. Molly está boquiaberta e Chloe
estampa a mesma feição de confusão. Donna morde o lábio inferior, focando
seus olhos vermelhos e marejados na sua filha.
— O que isso quer dizer? — Chloe pergunta.
— É esse o problema, filha... Eu não faço a menor ideia.
Chloe me encara. No momento, a minha mente ferve, meu corpo está
completamente arrepiado. Eu abro e fecho a boca algumas vezes, mas olho
para Matthew.
— Eu pedi para ser designado para proteger a Chloe quando Adam e
Collin morreram — Letterman diz. — Esse era o papel do Adam antes.
Proteger a família toda, mas, principalmente, a menina que traria a união que
um dia foi rompida, a filha do melhor amigo dele. Eu só não sei exatamente
como isso vai acontecer, acho que ninguém sabe. É uma profecia e, portanto,
vai acontecer. Mas não me perguntem como. — Matt respira fundo.
— Porém... Antes eu achava que afastar Chloe do Noah era a melhor forma
de mantê-la em segurança. Hoje eu acho que os dois são a resposta. O
vínculo entre a filha de um ex-anjo e o Rei do Inferno...
— Isso só pode ser loucura — Donna diz, rindo ao se levantar. —
Então manter a minha filha perto de um assassino é o jeito certo de resolver
uma rixa de milhares e milhares de anos? Uma menina que nunca pediu para
estar no meio de uma guerra?
— Mas eu estou — Chloe rebate. — E manter a sua filha perto de um
cara que você chama de assassino só porque é teimosa o suficiente para não
ouvir o lado dele, é mais do que a porra de um destino, é o que a sua filha
quer. — E Donna está calada. Eu respiro fundo e Donna me encara. Seus
olhos verdes são impossíveis de serem lidos. — Esse é o cara que eu amo,
mãe. Você queira ou não. E ele não matou o papai, ele não é o monstro que
você pensa que ele é.
— Você só pode estar louca! — Donna acusa.
— Do mesmo jeito que você estava quando se apaixonou por um
anjo? — A voz escapa da minha garganta e eu me surpreendo por isso. Todos
me encaram.
— É diferente. — A ruiva mais velha se defende. — Você é o Diabo.
— Nem todo anjo é bom e nem todo demônio é mau.
— Você não é só a porra de um demônio, você é o Diabo. Um cara
que provocou a guerra que matou famílias e famílias.
— Você não sabe o que aconteceu — digo, entredentes. Matt segura o
meu braço e eu vejo Donna cerrar os olhos.
— Ele é o cara que eu amo, mamãe. — A voz da Chloe irrompe a
sala, mas Donna e eu ainda estamos nos encarando. — Você não sabe o que
aconteceu de verdade com ele e... Honestamente? O Diabo mentiu menos pra
mim do que a minha mãe a minha vida inteira. — E agora a encaramos.
Chloe ri, mas seu rosto está vermelho de novo. — E agora tudo faz sentido!
O modo como você me protegia... Ou como nunca quis que eu saísse de
Maryville...
— Chloe... — Donna a chama, baixinho.
— Enquanto eu era mais nova, tudo bem mentir... Mas deveriam ter
me contado tudo. — Chloe está enfurecida e isso é claro pelo modo como a
sua voz vibra de um modo diferente. — O papai morreu na minha frente e eu
achei, a vida toda, que fora por conta de um assalto. — Seu tom é de
acusação e eu ergo os olhos para Donna, sentindo pena do seu olhar
marejado. — Você é tão... — A ruivinha grunhe. — Inacreditável! Você
mentiu porque quis, mamãe, você se acomodou com a mentira. Você poderia
ter me contado! Você não pode esconder as minhas origens de mim mesma.
Não era a porra do seu direito! — Chloe ergue o tom de voz e eu sinto um
arrepio profundo ao identificar ira por cada frase dita. — E você é tão
egoísta...
— Chloe! — Molly a repreende, se levantando.
— Você me fez crer tantas vezes que eu era egoísta em ir para Nova
York, em buscar algo diferente da vida que levamos. Você me fez sentir
culpada quando me disse que eu trocava você por Nova York. E agora você
me diz que se apaixonou por um anjo e que isso é lindo, maravilhoso... Mas
que eu não posso viver um amor como você viveu, porque na porra da sua
concepção, mamãe, a sua história é um conto de fadas e a minha é um filme
de terror.
E o silêncio na sala é cortante.
— O Diabo me machucou menos do que você, mãe. Portanto, tentar
me proibir de viver algo que eu quero é inútil e, adivinha? É egoísta da sua
parte. — Chloe joga as palavras em uma Donna cada vez mais silente. Ela só
engole em seco. — Eu entendo que talvez você tivesse receio de me contar,
de como eu reagiria... Mas era a verdade. Eu merecia saber. Além do mais...
— Chega — peço. Donna tem seus olhos verdes marejados e eu sinto
pena. — Chega, Chloe. — Me levanto. Donna seca as lágrimas pelo seu
rosto.
— Aqui está a coisa, senhora Mitchell, eu sinto muito pelo seu marido
e eu amaria poder voltar no tempo e resolver as coisas, mas eu, acredite, não
tenho esse poder. Eu não posso trazer ninguém de volta, não posso fazer os
ponteiros do relógio girarem ao meu favor. Mas eu sinto muito. E eu sinto
ainda mais que você seja incapaz de acreditar nisso. — Os olhos de Donna
encontram os meus. — Você se apaixonou por um anjo. E eu não tenho o
coração doce que o Collin parecia ter, eu não sou esse tipo de cara. Mas eu
tento ser. A sua filha me faz querer ser. Você se apaixonou por um anjo,
Donna, e eu também. A Chloe é o meu anjo. E eu sinto, de verdade, pelo
Collin. Mas eu não vou abrir a mão de Chloe Mitchell. Por nada.
Donna esquadrinha todo o meu rosto em silêncio. Encaro Chloe por
cima do ombro e a ruivinha só seca as suas lágrimas e respira fundo.
— Vou subir para falar com o Ben — ela diz, sem olhar nos olhos da
sua mãe. — Depois acho melhor a gente cair fora.
— Podemos nos dividir. — A ideia vem de Matt, que anda pela sala
bagunçada. — A gente se divide pra perseguir eles.
Já cansei de olhar para Molly e dizer que ela não pertence a isso tudo,
mas ela quer se vingar por John. Somos só duas humanas. Que porra estamos
fazendo?
— Não há mais tempo para perseguições e questionamentos — Noah
define.
— Eu acho que enfrentar todos juntos até que quebrem e digam a
verdade é o único jeito certo — opino. — A gente ‘tá perdido. Nós não
conseguimos formular um plano sequer...
— Vamos repassar o que sabemos... — Matt me corta, ignorando a
ideia. — Sabemos que Sinn e Luke estavam presentes na morte de Collin.
Sabemos que Kold dormia com Lilith. Sabemos que Sinn acobertou Kold.
Sabemos que Theo cuida do Inferno e que foi desleixado o suficiente para
deixar alguém entrar na biblioteca ou que ele mesmo entrou lá e roubou as
páginas.
— Que páginas? — eu digo. Matt e Noah se entreolham. — Vocês
esqueceram de dizer algo? É sério?! — E agora eu estou abismada.
— Todo ser que existe tem um livro com sua história que está sendo
escrito a cada segundo. Se chamam livros do Destino — Noah explica. —, E
as páginas do seu nascimento estavam faltando. Alguém não queria me
deixar saber de quem você era filha, sobre o acordo... Alguém não me queria
sabendo tudo sobre você.
— Tem um livro com a história de todo mundo? — Molly pergunta e
eu vejo que ela luta para não deixar seu queixo cair.
— Tem um livro pra cada um — Matt diz. — O livro da Chloe era tão
importante que estava na biblioteca principal, a de Noah. Sabemos o porquê
agora. Ela é bem importante. — Matthew anda pela sala, pensativo.
— Todo mundo parece suspeito — Molly observa. — Todo mundo
tem potencial para trair.
— E Lilith poderia manipular qualquer um deles — Noah reflete alto.
— Kold seria mais fácil, não? — Matt opina. — Ela já fez isso antes.
— Sinn também provou que errou bastante nos últimos anos — Molly
diz. — Talvez intencionalmente. Talvez ele tenha procurado a Lilith.
— E Luke está quieto demais — digo, baixo. Matt me encara ainda
assim, balançando a cabeça em negação. — Matthew...
— Luke está fora de cogitação — Matt diz. — Ele não é mau.
Acreditem. Eu sinto que não.
— Você sentia que eu era ruim para a Chloe — Noah recorda e
Letterman bufa, mas não parece ceder. — O meu irmão pode ser o traidor,
assim como seu namoradinho.
— Luke não é o traidor. — Matt está discutindo com Noah, enquanto
eu tento pensar num plano.
— Você não sabe disso — Molly opina contra Matthew.
E toda uma briga se inicia entre teorias e mais teorias de quem é o
traidor e isso não me importa, brigar não importa, porque não é assim que
descobriremos. E então uma ideia irrompe por minha mente, rasga.
— Eu tenho um plano — digo. E todos me encaram.
Estaciono o carro da Chloe num beco qualquer. Sinn está com o corpo
de Kold ao fundo do carro, já que a porta lateral foi perdida. Pelo rádio,
policiais afirmam que uma perseguição em alta velocidade aconteceu em uma
das ruas de Hell's Kitchen e que estão tentando reconhecer a placa nas
câmeras, e que corpos foram simplesmente jogados na rua. O tipo de bagunça
difícil de resolver.
O carro não foi encontrado, o que me faz pensar que Luke
provavelmente está atrasando a polícia de alguma forma. Seria pateticamente
fácil encontrar um veículo abandonado em um bairro vazio, perto de onde
uma perseguição aconteceu. Eu não sei o que ele fez em relação a isso. Mas
realmente aposto que ele queria que eu encontrasse o carro e a Kold morta.
Luke.
Aquele filho da puta.
Claro que foi ele. Matt disse que tinha confiado na pessoa errada, ele
se referia ao Luke. Eu só me pergunto o porquê. Me pergunto a razão para
Luke jogar fora a família que teve. Talvez o poder sempre tenha falado mais
alto. Isso é tão confuso, tão fodido.
Desligo o rádio antes que a minha cabeça exploda. Nada importa
agora, de qualquer modo.
Só ela importa. Chloe.
Porque eu não posso perdê-la como perdi a Kold. Nem deixá-la
perder o seu melhor amigo, sua melhor amiga, assim como eu perdi. Ao
mesmo tempo, preciso me assegurar que as pessoas que ela ama estão em
segurança enquanto a salvo.
"A salvo". Rio nasalado, mesmo que um tanto quanto puto.
Chloe nunca quis ser a mocinha presa numa gaiola. Ela sempre foi
muito maior que isso. Ela é quem me salva. Sempre. Ela é a garota com a
alma transbordando desejo por aventura e um brilho no olhar por ser
apaixonada por adrenalina. Ela não é uma presa fácil.
Eu me recuso a permitir que a enjaulem numa gaiola como uma presa
fácil, como um animal de exposição. Estão machucando a minha ruivinha e
isso não pode ficar assim. Chloe é o tipo de pessoa que merece ser a heroína
que coloca todo o mundo aos seus pés.
Tudo está fora de ordem.
E aquela que me daria a solução exata para essa situação está morta.
Kold era a melhor estrategista. Por isso era a melhor guerreira.
Eu sou só um garoto perdido com um grande título infernal nas costas
e que está implorando ao destino para que isso seja suficiente. Para que meus
poderes e meu amor por Chloe Mitchell me deixem furioso e forte o bastante
para arrancar a cabeça loira daquele maldito de seu pescoço pálido.
— Você queimou o volante — Sinn observa. E eu finalmente noto
que apertei o volante com força, o queimando e deixando a marca
carbonizada e profunda dos meus dedos ali. Um suspiro pesado o escapa. —
Foi o Luke, você sabe? — Ele não é burro. Agora é fácil de ver. Eu só
assinto. — O que fazemos agora?
Penso, me odiando pelas palavras seguintes:
— Você vai deixar a Kold nesse carro — eu digo. Ergo os olhos
vermelhos e irritados para Sinn, pelo retrovisor. Ele ri, sem crer, tensionando
a mandíbula. — Calma, me deixe explicar! — peço e sua feição relaxa
minimamente. — Você vai ao Inferno e vai fazer Theo confessar se tem algo
a ver com o Luke. Não quero que seja bonzinho com o meu irmão, Sinn...
— Acha que há alguma possibilidade?
— Não sei. Mas quero que conte ao Theo que a Kold morreu. Ela era
a única que ainda o defendia para mim — digo e suspiro, irritado pela
confissão que segue. — Theo tem fúria em seu sangue. Ele tem dor e ódio.
Ele sofreu nas mãos de Lilith, ele perdeu nossos pais e o irmão no processo,
porque eu nunca mais fui o mesmo. Eu sou perdido, mas ele é pior. Porque
ele era só uma criança. Ainda é. Se ele souber que o único ser que o defendia,
de algum modo, morreu... Nada mais vai importar. Ao menos é o que espero.
— O que quer dizer?
— Se Theo não estava do lado do Luke, ele vai nos ajudar. Se Theo
estava do lado do Luke, foi para se vingar do irmão que nunca lhe deu o que
ele queria: a chance de ser parte de sua família — confesso, me odiando por
isso. Há algum tempo eu penso nisso. Chloe me fez pensar nisso. Quando
falava da sua família, do seu irmão, quando me mostrava um lado bom
demais para alguém como eu. — Mas ele nunca machucaria a Kold. E se ele
souber que isso aconteceu, ele vai ficar do nosso lado.
— E o que você vai fazer? — Sinn pergunta. Sinto tensão em cada
pedacinho desse carro.
— Ainda não terminei. — Me recuso a fitar o cara pelo retrovisor,
então desvio o olhar para a janela ao meu lado, respirando fundo. Tudo o que
estou o instruindo a fazer é extremamente arriscado, mas me parece o certo.
— Você vai contar isso para Theo e apenas para ele. Se ele tiver ajudado o
Luke, ele vai saber quem são os rebeldes infiltrados e vai chamar apenas os
demônios de confiança para os ajudarem. Se você contar sobre a Kold e ele
disser que nunca ajudou o Luke, então ele realmente não sabe de nada e você
vai ter a ajuda dele apenas. Pelo menos no Inferno.
— Pelo menos no Inferno? O que quer dizer? — Sinn pergunta e eu o
fito pelo retrovisor, finalmente. Seu rosto negro ainda está molhado por
lágrimas, eu ainda vejo dor em seus olhos e uma Kold sem vida repousa em
seus braços.
— Que se eu não voltar em algumas horas, você vai implorar por
ajuda para proteger a Chloe e todo mundo que ela ama — digo, sorrindo
fraco. Mas não há felicidade em meu sorriso, só dor. — E vai se ajoelhar se
necessário.
Sinn parece refletir por alguns segundos, com seu cenho franzido,
como se me questionasse "implorar para quem?". E então ele compreende.
O Céu não se mete em assuntos do Inferno. Assim como, o Inferno
não interfere em assuntos do Céu. Chloe deveria ser do interesse de ambos,
mas por algum motivo, o Céu está apenas observando. O que me fez entender
que ou eles estão planejando algo com isso tudo, ou que eles estão esperando
pelo pedido de ajuda. Afinal, sempre houve uma disputa entre Céu e Inferno
para saber quem cederia primeiro nessa rixa idiota.
Eu cederia qualquer coisa pela Chloe. Se algo der errado, eu quero
qualquer ajuda que a mantenha viva, bem e longe disso tudo. Mesmo se vier
de quem eu sempre quis distância.
Sinn parece compreender isso.
— Você não pode lutar sozinho, Noah — Sinn argumenta e eu
percebo que ele acha uma loucura que eu confronte Luke sozinho e o deixe
resolver as coisas. — Isso é loucura.
— Infelizmente, sim. Mas o Diabo se apaixonar por uma humana
também parecia loucura. Tudo parece insano agora. — Não acho que fiz
sentido nesse momento, então só dou risada. — Você não tem muita escolha
a não ser me obedecer. Porque querendo ou não, eu sou um Rei. E eu estou
deixando bem claro, nesse exato segundo, que não preciso de um casamento
ou um super "felizes para sempre" para declarar que Chloe será sempre a
minha única Rainha. E você deve fidelidade a ela, Sinn. Se tudo der errado,
eu quero o mundo abaixo por ela.
— Onde Luke está? — Sinn soa ríspido, como se ignorasse tudo o
que eu disse. Mas ele ouviu. E eu sei que cumpriria as ordens.
Busco por ele e o vejo contra a grade da gaiola no Purgatorium,
fitando a ruivinha sentada ao chão. Chloe repete mil vezes que sente muito e
eu sei que é para mim. Matt continua preso. Mas Luke está sorrindo.
O loiro está sorrindo. E é como se a Chloe estivesse livre para que eu
a resgatasse, é como se Luke estivesse vulnerável. Mas eu sei que há alguma
pegadinha, algum truque, alguma trapaça. Ele é o rei das trapaças, ele ama
brincadeiras. Eu sei que estaria caminhando para uma armadilha, uma que
não faço ideia qual seja, e eu realmente não me importo.
Ele está me esperando.
— Onde eu deveria estar — respondo, tocando o colar de asas em
meu peito.
— Noah...
— Eu não posso perder a Chloe também, Sinn. — Minha garganta
parece se fechar na medida em que falo, como se a ideia lutasse para não sair
pela minha boca. — Eu não vou perder a Chloe, nem deixar que ela perca o
Matt, como eu perdi a Kold. Não vou deixar que a Kold morra em vão por ter
protegido a minha ruivinha.
— Noah... — ele repete e eu o encaro pelo retrovisor, vendo as
lágrimas grossas por sua pele negra. Kold parece dormir em seus braços e
isso dói tanto. — A gente precisa de um plano. Você não pode correr atrás do
Luke sozinho.
— Eu não posso arriscar mais ninguém.
— Você não pode agir por impulso. — Sinn ergue o tom de voz. —
Você não pode aparecer na frente do Luke sozinho e ceder às vontades dele, é
tudo o que ele quer. Você mais do que ninguém sabe que guerras não são
iniciadas sozinhas, muito menos terminadas sozinhas. Nós precisamos de um
plano e buscar por aliados.
Sinn ri ao perceber que não estou convencido e continua:
— Ok, eu sei que a ideia de deixar a Chloe sofrendo sob controle do
Luke por um minuto sequer te deixa louco. Eu entendo! Mas acha que ela não
sabe? Acha que ela não sabe que é uma isca no momento? Que ela não espera
que você tome a melhor decisão? Acha que a Chloe não entende de guerras,
Noah? A sua garota é mais forte do que pensávamos.
— Eu sei que ela é forte, Sinn — retruco, irritado —, isso não
significa que eu gosto de vê-la como uma refém e sendo vista como inferior,
destruída.
— Você está sequer me ouvindo, Noah? — Ele ri. — Acha que a
Chloe não aguenta algumas horas ali? É o melhor! Planejar com cuidado. Um
plano bom e preciso é o mais seguro. Precisamos de algumas horas — ele
argumenta e eu tensiono a mandíbula, desviando o olhar para os meus dedos,
os meus anéis. — Sabe uma das coisas que a Kold me disse antes de morrer?
Que ela reconhece uma lutadora quando olha em seus olhos. Adivinha a
quem ela se referia?
Ergo os olhos pelo retrovisor para Sinn. Kold cinza e sem vida em
seus braços me faz querer chorar e colocar todo esse mundo em fogo,
transformá-lo em cinzas.
— A Kold está certa. A Chloe é uma lutadora — digo —, mas aqui
está a coisa, Sinn: Chloe precisa de mim. E você pode usar dez mil frases da
Kold para me impedir de fazer uma loucura agora, mas eu não quero que a
Chloe termine como a Kold terminou...
— Noah...
E eu desapareço do carro.
Agora estou de frente para a gaiola escura. A ruivinha está lá dentro
do lado direito da mesma, sentada, fitando o nada enquanto segura o pingente
de asas em sua gargantilha. Matt ainda está preso, suando, de cabeça baixa e
aparentemente desacordado.
Vejo o exato segundo em que Chloe sente a minha presença e vira a
cabeça em minha direção. Sua boca se abre minimamente e ela franze o
cenho como se me questionasse "o que faz aqui?".
— Não, não, não, não... — Chloe parece apavorada em me ver. Sinn
estava certo: Mitchell não queria que eu viesse agora. Não tenho tempo para
discutir os seus motivos, então, apesar de sentir seu desespero, desvio o olhar
para outra figura.
De frente para gaiola, a cinco ou seis passos de mim, percebo uma
silhueta masculina. A única luz branca sobre o Purgatorium se torna
vermelha e eu o odeio por ser assim tão teatral. Escuto um riso nasalado e o
loiro se vira, com as mãos nos bolsos das calças.
Não estamos sozinhos. O ambiente está escuro, muito escuro, exceto
pela luz na gaiola. Mas eu escuto corações, alguns deles ansiosos. Bem como
ouço respirações baixas, eu sinto a tensão no ar. Só finjo que não.
— Que bom que veio! Esse lugar não é o mesmo sem você. — A voz
de Luke soa extremamente melodiosa. Eu não o respondo, trincando os
dentes. — Eu pediria à Kold para me servir um drink, mas acho que ela não
está disponível no momento. — Seu sorriso cresce. — Por que não entra ali e
liberta a sua ruivinha? — o loiro pergunta, sarcástico.
Se tem algo que aprendi durante a vida entre guerras, é que nunca
devemos subestimar nosso oponente. Tenho vontade de matar Luke de
qualquer modo nesse exato segundo, mas eu sei que ele se tornou parte de
algo maior e provavelmente tem um plano B ou C para que eu me foda após a
sua morte. O choro da Chloe é prova disso. Eu acho que ela sabe de algo.
Algo que ele planeja. Algo assustador.
Eu preciso avaliar a situação. Preciso saber quando ceder e quando
ferrar com o meu adversários.
Toda guerra é como um jogo de tabuleiro, extremamente bem
pensado, em que você sabe que nunca vai sair totalmente vitorioso, porque
para ganhar você deve perder em alguns movimentos. A questão é sobre
saber o que sacrificar e perder o mínimo possível. É sobre derrotar mais do
que ser derrotado, conquistar mais do que ser conquistado.
Então eu escolho ceder dessa vez, pois quero saber seu plano, e faço
exatamente aquilo que ele pediu: passo para dentro da pequena prisão em
questão de segundos.
Chloe xinga alto quando luzes se acendem, uma a uma. Ela fecha os
olhos como se se recusasse a ver o ambiente ao seu redor.
Porra.
Tento fingir que o que eu vejo não me afeta. Eu continuo a transmitir
uma calma a qual não possuo. Entreguei a Luke tudo o que ele queria até
agora, para ver o seu jogo. E agora percebo que ele pensou em tudo isso mais
do que eu imaginava.
Tem ao menos dez demônios ao nosso redor. Alguns deles miram
armas por entre espaços da prisão metálica, em direção à minha garota. O
tempo necessário para que eu a pegue no colo e saia daqui é maior do que o
tempo de trajeto de uma bala. Fração de segundos, certamente, mas ainda
assim maior.
Isso não é o pior.
Ajoelhados e de mãos atadas, na frente de alguns dos demônios e de
suas asas negras, estão pessoas que eu conheço.
A primeira que vejo, à minha frente, é a colega de trabalho da Chloe,
grávida pelo que me lembro, Brianna. Seu rosto está molhado por lágrimas.
Seus olhos são envoltos de olheiras profundas.
Mais à esquerda está Molly, com o olhar fixo em minha direção e
seus cachos bagunçados, algumas marcas de dedos pelo seu corpo e um
ferimento em sua boca. Ela foi pega no apartamento de Sinn, Luke também a
capturou.
Mas não termina aí.
Riley, a tia da Chloe, está ao lado de Molly. Seus fios ruivos estão
revoltos, seus olhos vermelhos e está soluçando o mais baixo que consegue.
E então temos Benjamin. A criança parece apavorada. Sua boca está
fechada, mas trêmula. Suas pequenas mãos estão atadas frente ao seu corpo,
eu consigo ver ferimentos das cordas na pele macia e lisa de criança. Ele está
chorando. Ele realmente está chorando, também o mais baixo que consegue.
Mesmo se eu tentasse salvar a Chloe nesse segundo, eu não
conseguiria. Todos os outros morreriam, por consequência. É impossível
salvar um deles sem que Luke ordene os disparos. Isso é insano. É torturante.
Chloe abre os olhos e repousa a cabeça na grade da gaiola, deixando
seu choro escapar, me fitando com todo o medo que a consome. Seu tronco
sobe e desce na medida em que chora compulsivamente.
Tudo o que quero é beijá-la e dizer que tudo vai ficar bem. Tudo que
quero é abraçá-la forte e garantir que isso é só um pesadelo, mas não posso.
Porque infelizmente é real e precisamos ficar longe um do outro, ao menos
por ora.
Realmente temo que as pessoas que ela ama morram. Eu realmente
temo que ela se machuque ainda mais. Como eu me machuquei.
Seus olhos escuros estão brilhantes de tantas lágrimas. Isso é tão
doloroso.
— Vai ficar tudo bem — digo, apesar da incerteza. Chloe sorri fraco,
claramente sem crer no que eu disse.
— Desculpa. — É o que consigo ler por seus lábios. Me viro em sua
direção, por completo. — Desculpa, desculpa... Desculpa — Chloe pede. O
instinto me faz dar um passo em sua direção, mas ouço o choro de Riley se
intensificar quando um demônio pressiona o cano da arma contra sua cabeça.
Então paro.
— Mais um passo em direção à sua ruivinha — Luke diz, caminhando
em frente às vítimas. Ele une o dedo médio e o indicador, mimetiza uma arma
e aponta contra a cabeça, fingindo um som de disparo. — E todos morrem.
— Luke... — Quase rosno, baixo. Ele sorri. — Por que está fazendo
isso?
— Essa é uma ótima pergunta. — Ele ergue o indicador. — Mas eu
quero ter tempo para respondê-la e ainda não é o momento, porque você não
tem tempo para ouvi-la. Por ora. — Não sei do que ele está falando.
Cerro os punhos ao vê-lo se aproximar da grade, por trás da Chloe.
Seu indicador sua mão se infiltra em um dos espaços e ele afasta o cabelo
ruivo minimamente das costas dela. Chloe estremece e se afasta com nojo e
pavor, mas o indicador do loiro alisa seu pescoço. Mitchell fecha os olhos e
eu sinto minhas unhas machucarem a palma da minha mão, trincando os
dentes.
— Me diga, Noah — Luke pergunta, com uma calma invejável —, o
que você faria pela vida da Chloe? Pela vida das pessoas que ela ama?
Um silêncio se estende. Chloe está me encarando e eu vejo
novamente o "me desculpa" por sua boca. Ela crê de algum modo que isso é
culpa dela. Ou talvez ela esteja se referindo à Kold. De qualquer modo, Chloe
Mitchell está sofrendo e a cada segundo de dor que ela passa, e é mais um
segundo de dor querendo esmagar Luke com minhas próprias mãos.
— Tudo — confesso, o mais sério possível —, eu faria de tudo pela
Chloe.
Luke sorri. Ele sorri como se tivesse ganho o mundo. Seus lábios
estão repuxados no sorriso mais nojento e largo que já vi.
— O amor não é lindo, ruivinha? — Luke pergunta, risonho. Duas
lágrimas grossas descem pelo rosto da ruiva, que o acompanha com o olhar.
— Se você faria tudo por ela, Noah, eu tenho uma proposta perfeita: eu
libertarei Chloe e a família dela...
Prendo a respiração, fazer um acordo com Luke me parece inseguro,
porque tenho receio do que ele vai falar.
— Se você me entregar a chave para libertar a Lilith.
De repente, tudo o que ouvimos são os soluços de Brianna, Riley e
Benjamin. Molly abaixa a cabeça, como se perdesse as esperanças de sair
viva daqui. Perto de Chloe, sinto meu coração bater forte e dolorosamente,
angustiado. Porque essa é a última coisa que Luke poderia me impedir,
porque eu não posso aceitar isso.
Merda.
Não posso fazer isso.
Mas também não posso perder a Chloe.
Eu realmente não posso perder a Chloe.
Seria egoísta colocar o Inferno em jogo, colocar tanta coisa em jogo
por causa da Chloe? Provavelmente sim. Mas eu realmente não me importo.
Em milhares e milhares de cenários, eu sempre escolheria a ruivinha. Se todo
o universo ruir no dia seguinte, eu ainda escolho a minha ruivinha.
É torturante. De qualquer modo, eu perco. Qualquer escolha que eu
fizer agora é uma derrota sem tamanho. Mas eu não posso perder a Chloe.
Não, eu realmente não posso perdê-la.
— Noah — Chloe me chama. E é sua família aqui, presa. Não há nada
mais que Chloe ame no mundo do que sua família. Mas ela não acredita em
Luke. Mais do que isso, Chloe sabe que libertar Lilith seria o pior erro que eu
poderia cometer. Ela não quer me pedir para entregar o que Luke pede, mas
ela também não quer perder a sua família. — Tem que ter outra saída...
Respiro fundo e a decisão está tomada. Minha visão se embaça e eu
só sorrio de canto
— Está tudo bem, meu anjo — balbucio e ela nega ainda mais.
Desvio o olhar para Luke, que nos assiste como se fôssemos o melhor e mais
viciante filme de todos os tempos.
— Sabe que cumpro meus acordos. — Ele tenta me convencer.
— Mas também aposto que seus contratos têm cláusulas silenciosas,
Luke. — Sou honesto, o que faz seu sorriso crescer.
Estalo os dedos e uma chama surge. Uma que constrói pouco a pouco
a imagem que ele quer ver. Uma que revela uma chave entre meus dedos.
Não é um truque, é exatamente aquilo que ele quer. A pequena e poderosa
chave preta, que faz seus olhos brilharem.
Chloe está repetindo para eu pensar direito e Luke surge a poucos
centímetros de mim. Sua mão se estende para tocar a chave e eu a afasto.
— Como vou saber que vai cumprir seu acordo? — questiono,
adiando o inevitável.
— Como vou saber que essa chave é real?
— Eu nunca descumpro minhas promessas — eu o recordo e ele sorri.
Estendo a mão lentamente em sua direção e Luke pega a chave que tanto
almeja.
Chloe xinga baixo e logo vejo os outros demônios desaparecerem um
a um, libertando a sua família. Luke prende a chave em seu punho cerrado e
pisca:
— É sempre um prazer fazer um acordo com o Diabo. — E então ele
some.
Tudo o que eu faço é correr para Chloe e tomá-la em meus braços.
A força de Noah é maior do que eu imaginava. Digo isso porque ele
removeu o cadeado na porta com suas próprias mãos. Depois conseguiu
afrouxar as correntes nos punhos e tornozelos de Matt, o que resultou no
corpo do meu melhor amigo caindo sobre o seu. Matthew gemeu de dor.
— Calma, calma... — Noah pediu, o ajudando a se sentar.
A certeza de que Matt estava livre me fez sair da gaiola de uma vez.
Desfiz primeiro os nós de Benjamin, que chorava a plenos pulmões quando
me abraçou. E consegui finalmente perguntar:
— A mamãe, Ben? Onde ela está?
— Eu não sei! — Suas palavras saiam emboladas pelo seu choro e
meu irmão tremia entre meus braços. Aninhei delicadamente a sua cabeça
contra o meu ombro, acariciando seus fios ruivos. — Eu quero a mamãe,
Chloe, eu quero a mamãe! — Desviei o olhar para a titia.
— Ela tinha saído para o terraço — Riley disse e eu me desvencilhei
de Ben por um segundo. Ele abraçou o meu braço enquanto eu liberava a
nossa tia. — Ela sabia que não poderia sair do meu prédio, vocês nos
disseram para ficar em casa. Mas foi ao terraço para pensar um pouco no que
vem acontecendo, para espairecer. Talvez para fumar. — Não sabia que
mamãe tinha voltado a fumar, mas ignorei a informação. — Ela não estava
em casa quando... — A minha tia apertou os olhos. — Quando os demônios
surgiram a nos pegaram a força. Eles quebraram as janelas e nos levaram
andares abaixo, depois nos forçaram a vir...
— Calma, calma... Vai ficar tudo bem! — Segurei o rosto dela com as
duas mãos e lhe beijei a testa. — Ela pode estar a salvo, certo? — Questionei,
duvidando muito das minhas palavras. Quando a minha tia confirmou, soube
que era apenas para tranquilizar Ben. E eu deixei o garotinho nos braços dela.
Eu ia tirar as cordas de Molly quando ela sinalizou para Brianna.
Então comecei por Brianna Young, que soluçava. Desfiz os nós em suas
mãos e ela me abraçou. A abracei de volta e pedi mil desculpas por ela estar
ali. Yang repetiu que tudo bem, ela repetiu de coração. Ela só estava grata por
estar livre.
— Eu só não entendi porque eles me pegaram — ela confessou,
baixo, enquanto eu desamarrava Molly.
— Eu conheço você, você está grávida e eu ficaria apavorada se algo
acontecesse contigo ou com seu bebê — respondi e Brianna assentiu. — Eu
sei que nós nos xingávamos demais no passado, Yang, mas eu me importo
com você. Noah sabe disso. Muita gente já deve saber disso. Então Luke te
usou também, para me deixar apavorada.
Brianna abraçou o próprio corpo e voltou a chorar, mas em silêncio.
Molly, livre, me abraçou pelo pescoço e nada disse. Ela só me abraçou e eu a
abracei de volta, aproveitando do calor do corpo da minha melhor amiga para
tentar me tranquilizar.
— Eu achei que perderia você — sussurrei.
— E eu achei que perderia você — ela devolveu — e que eu morreria.
O que o Noah fez... — Nos afastamos e fitamos Noah.
Ao centro da gaiola do Purgatorium, Noah estava ajoelhado de frente
para Matt, que tinha suas costas contra as grades. Ele segurava o rosto de
Matthew e fazia algumas perguntas. Matt parecia muito machucado.
Ver o Diabo ajudando um anjo trouxe um calor ao meu peito. Não
forte o suficiente para calar minha angústia, mas para amenizá-la um
pouquinho. As asas de Matthew ainda estavam expostas. Os olhos do anjo
pareciam lutar para ficarem abertos, mas eles focaram em Molly e eu. Em
segundos estávamos ali dentro, preocupadas.
— O que Noah fez, a chave... — Matt soou apavorado e Noah riu
nasalado, me observando me ajoelhar perante meu melhor amigo. Eu levei o
dorso da mão à sua testa fria. — Eu vou ficar bem, eu só preciso de curativos
e um cobertor. — Matt me fez rir quando empurrou a minha mão.
— ‘Tá tudo bem? Na medida do possível, quero dizer — perguntei e
ele me encarou. Seus olhos castanhos claros carregavam uma melancolia
intensa. A resposta era claramente um "não". — Ele não merecia você,
Matthew.
— Eu confiei rápido demais nele, eu me entreguei rápido demais...
— Uma mulher me disse uma vez que o coração não obedece a
ponteiros de relógio. — Acariciei o seu rosto. — E as vezes ele falha. E ‘tá
tudo bem, ok? — Matthew sorriu. E então eu deixei Molly conversar com
ele, me pondo de pé, perante Noah.
Ele tinha os braços cruzados e o olhar focado nos seus sapatos
escuros. Me aproximei, devagar.
— O que fez, Noah, o que você fez é...
— Eu faria de novo, meu anjo. — Ele ergueu os olhos para mim.
Levei as duas mãos ao seu rosto e sua testa se uniu à minha. — Eu faria tudo
por você, Chloe, eu faria qualquer coisa. — Um arrepio me percorreu e eu
assenti, passando os braços por seu pescoço quando os seus braços me
envolveram pela cintura. Afundei a cabeça em seu peito. — Ele te
machucou?
— Fisicamente não — respondi e Noah se afastou, segurando as
minhas mãos e checando por si só. Havia uma marca vermelha de dedos em
meu braço direito. — Isso foi um dos homens dele, para me trazer aqui... —
Ouvi Noah rosnar de ódio — Amor, respira... Foi só isso...
— Só isso o caralho, Chloe! — Noah tentou não aumentar o tom de
voz — Seu irmão foi ferido, sua tia, suas amigas! O Matt! Eu achei que ia
perder você!
— Mas não perdeu. — Segurei seu rosto novamente, ficando na ponta
dos pés para unir meus lábios aos seus, brevemente. A minha tentativa de ser
positiva sobre a situação morreu nesse exato segundo, porque as lágrimas
deslizaram pelos meus olhos, molhando o seu rosto.
O gosto salgado provavelmente chegou à sua boca, porque ele se
afastou.
— Preciso ir para o apartamento da minha tia, Noah, eu preciso
procurar pela minha mãe. — Foi tudo o que eu consegui dizer.
O que explica onde estamos agora.
Logo depois que procuramos a minha mãe pelo apartamento
praticamente destruído da minha tia, Noah e eu subimos ao terraço do prédio.
Aqui estamos, nós dois. Sozinhos. O que significa que não há nenhum sinal
da minha mãe por aqui.
Estou no meio do terraço, Noah está provavelmente há uns três ou
dois passos atrás de mim.
Eu quero gritar de ódio. Eu quero chorar de medo. Eu tenho absoluta
certeza de que o Luke levou a minha mãe. O que significa que ele ainda quer
algo de mim e do Noah.
Noah está calado enquanto eu fito a cidade do topo. Nunca me senti
tão perdida quanto agora. Eu já perdi o meu pai, eu não posso perder a minha
mãe também. Não agora.
— Tenho medo de trovoadas — digo, tomando o seu silêncio como
incentivo para continuar — até hoje, eu tenho medo de trovoadas. Então
quando comecei a disputar corridas, me sugeriram o apelido Storm e eu
neguei, porque eu tenho medo de tempestades, de trovoadas e afins. Contudo,
gostei da sonoridade... Então busquei algo que soasse assim, e que parecesse
mais comigo.
— Torn — Noah lembra e eu confirmo, me virando para ele. — O
que significa que você despedaça seus oponentes...
— Não, Noah, Torn significa que eu sou a despedaçada. Ou era como
eu me sentia. — Sorrio triste. Ele bufa, se aproximando. — E me sinto agora,
mais do que nunca. — Meus olhos ardem. Os fecho brevemente ao sentir as
mãos do meu namorado em minha cintura. — Quando eu era menor, eu me
infiltrava na cama dos meus pais durante as tempestades. O meu pai
costumava contar histórias e a minha mãe costumava me fazer carinho até
que eu dormisse. Então eu só não tinha medo das tempestades perto deles. No
dia em que meu pai morreu, eu tive uma das piores crises de ansiedade da
minha vida, porque eu fui dormir sozinha...
— Chloe...
— Porque a minha mãe tinha que cuidar do Benny, que era um bebê,
recém-nascido praticamente. O papai tinha morrido, o velório seria no dia
seguinte... — Minha voz falha. — E a tempestade daquela noite foi absurda,
Noah... E eu cresci, sabe? — Foco em meus pés, balançando a cabeça em
negação. — Eu cresci e o medo foi diminuindo, porque eu o enfrentava.
Porque eu percebi que tinha Ben no quarto ao lado e que olhar para o meu
irmão me acalmava. Porque eu sabia que tempestade alguma ia quebrar o que
eu e a mamãe tínhamos e porque toda manhã após uma noite de trovoadas,
Donna Mitchell estava ali, me perguntando se tudo estava bem e...
O choro finalmente rasga pela minha garganta e eu me desmancho
nos braços de Noah. Ele me abraça e leva a mão à minha cabeça, acariciando
as minhas costas.
Isso não pode estar acontecendo.
Isso precisa ser apenas um pesadelo.
— O Ben tem o mesmo medo que eu, Noah... Ele tem medo de
trovoadas — conto e Noah beija o meu ombro, me apertando mais contra si
— e ele me tinha para acalmá-lo, assim como tinha a mamãe. Mas eu fui
embora do Tennessee e só ficou a mamãe, a minha mãe é tudo o que ele tem
quando o céu está desabando... Ela é tudo o que a gente tem...
— Nada de mal vai acontecer com a sua mãe, Chloe. Eu vou
encontrá-la, ok! — ele garante, em meu ouvido. Confirmo, incerta. — Nada
de mal, eu prometo.
O problema é que eu sei que há sinceridade em sua promessa, mas,
ainda assim, eu não acredito em uma só palavra.
— Tem certeza?
— A ideia foi sua — Noah me responde e eu reprimo os lábios. Ele
está no meio da sala, Sinn sentado sobre a escada, meus amigos na cozinha...
Benjamin dorme no sofá, no colo da minha tia. Theo está a alguns passos da
gente e parece completamente deslocado. Meu olhar se prende nele por uns
instantes e o meu namorado toca meu queixo, me fazendo fitá-lo. — Ainda
acha uma boa ideia?
— Acho que devemos arriscar, não é? Se o Céu quer conversar com
você, é a melhor saída para encontrarmos a minha mãe e colocarmos a Lilith
em seu lugar. — Noah desvia o olhar. Eu mordo o lábio inferior. — E você?
Acha uma boa ideia?
— Não sei. Não gosto de te deixar sozinha. Você gritou por mim e
não adiantou de nada, não salvei você e a Kold.
— Porque você estava ajudando o Sinn — recordo. Levo minhas
mãos a cintura do Noah e meu olhar encontra Sinn, sentado nas escadas. —
Quanto confia nele?
— Sinn errou bastante, Chloe... Mas depois disso tudo, eu confio nele.
— Ele matou o meu pai — recordo e Noah respira fundo. Ele segura o
meu rosto com as duas mãos. — Quer dizer... Matou, não matou?
— Quer mesmo que eu vá? — Fito seus olhos escuros, ponderando.
— Se não quiser...
— Não. Vá — decido, por fim —, tudo bem. Eu posso perguntar para
ele, não é? Dar a chance para que ele conte sua versão sobre os fatos. Vai ver
ele não matou o meu pai, certo? Ou se arrependeu. E nesse caso, eu não
posso perdoá-lo, ok? Acho que não. Mas posso aceitar a ajuda, não é? —
questiono, ainda com as mãos de Noah sobre o meu rosto. Ele não diz nada.
— Noah!
— É para eu te responder?
— Claro!
— Eu não sei. — Ele é honesto. — Tudo o que eu sei é que o Céu é,
provavelmente, o único elemento surpresa que temos. A única carta na
manga. Pode ser a nossa melhor chance. Apesar disso, eu não quero te deixar
sozinha aqui, nem posso te deixar ir comigo. Tem toda a sua família e tal.
Não acho que o Céu curta uma excursão de humanos. Eles nem tem guias
turísticos, sabe? — Rolo os olhos com a sua brincadeira.
— Quando que você virou piadista? — reclamo e ele se diverte. —
Não era você o cara que só vestia ternos pretos? Você não era o Senhor
"grrr... eu sou o Diabo, vou beber o seu sangue"?
— Virei o piadista porque a piadista está tensa — ele recorda e me
envolve pela cintura. — Última chance: vou ou fico?
Seus olhos me analisam. Sei o que ele quer fazer, ele quer ir. Ele só
precisa saber se confio em sua decisão. Se ele acha que é o melhor, então
espero que seja.
— Vá — decido, pela última vez. Fico na ponta dos pés e o abraço
com força pelo pescoço. — Mas volta logo, ok?
— Pedindo desse jeito, Chloe Mitchell... Você torna impossível eu
não voltar — ele sussurra e eu sorrio, sentindo suas mãos ao redor do meu
corpo. — Vira de costas, meu anjo.
— O quê? — Me afasto e ele gira o dedo, num sinal para que eu vire
de costas. Obedeço, confusa.
Noah afasta meus fios ruivos das costas e eu uno as sobrancelhas.
Alguns segundos se passam e eu mordo o interior de bochecha, tentada a
olhar para trás. Sinto algo gelado em meu colo e olho para baixo.
O seu colar está meu pescoço, logo abaixo da minha gargantilha. As
asas escuras repousam sobre meu colo e eu sorrio largamente, me virando
para o meu namorado. Noah tem um sorriso de canto guiado ao colar.
— Por que isso?
— Toda vez que você tocou nesse colar, Chloe, você o tornou seu. E
agora ele é uma parte minha em você — Noah explica. — Talvez assim você
se sinta mais segura, não? Será por pouco tempo, prometo.
Sorrio. Noah beija a minha bochecha e depois a minha boca.
— Vou voltar e pegar esse colar de volta — Hellmeister garante. Meu
sorriso se torna ainda maior quando ele pisca. O abraço uma última vez.
— É melhor você ir antes que a Chloe não te deixe sair nunca,
Satanás! — Molly grita, da cozinha. Matthew e Brianna, ao seu lado, riem.
Eu me surpreendo quando até a minha tia ri.
Noah pisca mais uma vez para mim e acena com a cabeça para Theo.
Meu namorado me lança um olhar e abre seu maior sorriso antes de
desaparecer.
Me sinto vazia.
Me sinto estranha.
A sala fica em silêncio e eu respiro fundo, tocando o colar de asas
pesado em meu peito. Todos os olhares estão sobre mim. Eu fito Sinn. Ele
respira fundo e se levanta da escada enquanto os olhares saem de cima de
mim.
Ele acena com a cabeça para o andar de cima e eu leio um
"precisamos conversar", por seus lábios. Hesito por alguns segundos. Vejo
Matt me lançar um olhar estranho e o retribuo, mas espalmo a mão
discretamente num sinal para que nos deixe sozinhos quando o anjo faz
menção de andar até nós dois.
Subo as escadas com Sinn e ele abre a porta de um dos quartos, me
deixando passar por ele.
— Você quer conversar sobre a história do meu pai ou algo assim? —
pergunto. — Porque eu honestamente quero muito acreditar que não foi você.
Tipo, você sempre pareceu um cara legal e... — A porta se fecha, eu me viro
e os olhos de Sinn estão completamente vermelhos.
As íris me lembram chamas.
Engulo em seco.
Penso em gritar, mas me encontro completamente presa. Eu sinto
como se apertassem o meu pescoço, levando a mão a ele e tentando me livrar
dessa sensação. Mas não consigo.
Dizem que os olhos são a janela da alma, eu consigo ver algo por
olhar de Sinn. Eu consigo ver algo. Sinto meus olhos arderem e Sinn se
aproxima.
— Você é... Interessante. — A sua mão alisa o meu rosto. Sinto a
minha pele esquentar. Meus olhos estão presos nos seus. As cenas que se
passam pela minha cabeça estão me machucando, são tenebrosas e fazem
meus gritos se entalarem na garganta. Minha cabeça está doendo e eu
realmente não me sinto no controle. Um sorriso maldoso brinca nos lábios de
Sinn. — Você é realmente interessante.
O ar está me faltando. Sinto como se pressionassem o meu pescoço,
como se dedos finos e gelados me enforcassem, me roubassem o fôlego.
Ao mesmo tempo... Consigo ver.
Eu vejo um lugar como um palácio.
As paredes são em um tom de bege, mas parecem alaranjadas, porque
a luz que entra pela janela me faz pensar que é como se esse lugar estivesse
preso em um caloroso pôr do sol nesse segundo.
Ornamentos de ouro estão por todo o lugar, guardas ao redor da sala.
É como se eu visse a cena dos olhos de uma pessoa, ao canto da sala.
Consigo ver Luke. Ele está em um trono, sorrindo como nunca. Mas há uma
cadeira ao seu lado e ela está ocupada por uma das mulheres mais lindas que
já vi na vida.
Sinto meus pulmões queimarem e busco por ar, mas ele não vem.
Os fios loiros e ondulados caem em ondas por seus ombros. Os olhos
azuis parecem gélidos, tanto que queimam. Um sorriso carregado de vilania
brinca por seus lábios e há um vestido escuro como a noite cobrindo o seu
corpo. O seu rosto parece esculpido de tão perfeito, porém me deixa em
alerta, porque eu não me engano com sua beleza.
Lilith.
Isso parece como uma memória. Parece como algo que Sinn assistiu,
algo que ele me faz ver. E isso dói.
Dói quando a loira se levanta com uma elegância espetacular. Me dá
calafrios. Dói porque há uma pessoa ajoelhada a alguns passos dos tronos.
Correntes pesadas de metal a prendem ao chão. Meu coração dispara quando
vejo os fios ruivos, o corpo magro.
A minha mãe.
O indicador pálido da mulher loira toca o queixo de Donna, que ergue
seu rosto. Há lágrimas pela face da minha mãe, medo. E então a cena
desaparece.
Me sinto sufocada.
A minha visão se torna turva.
E eu caio de joelhos. Busco por ar, e ele não vem. Ainda sinto a
pressão em meu pescoço. Sinn se ajoelha perante o meu corpo e sorri. Não
consigo falar, eu só consigo me concentrar em procurar oxigênio, em
respirar.
— Se você der um só pio, você morre agora mesmo — Sinn sussurra.
Mas eu sei que não é ele. Sinn está sendo controlado. Seus olhos estão
vermelhos e carregados de ira. É como se o caos morasse neles.
O ar voltando aos meus pulmões traz uma sensação terrível de
queimação. Faz todo o meu corpo doer. Apoio as mãos no chão, deixando as
lágrimas deslizarem por meu rosto.
— Sabe... No Céu só são aceitos aqueles que são convocados. — A
voz grossa de Sinn me conta. — Mas vai para o Inferno toda alma que tiver
vontade. A sua mãe está no Inferno, linda — Sinn sussurra e eu não sei como
isso é possível. Escuto passos no andar debaixo, mas não consigo falar ainda,
tossindo como nunca. — Ela aceitou ir para lá, para que ninguém machucasse
você e seu irmãozinho. — Sinn acaricia o meu rosto.
— Lilith — acuso e o escuto rir.
— Sinn é só o corpo. Ele é uma marionete nesse segundo. Queria que
pudesse entender o prazer que é brincar com as cordas... — ele diz. — Chloe,
não é? Sim... Chloe! — Ele ri. — Sinn vai segurar a sua mão e você vai ter
duas opções: um, você escolhe vir ao Inferno por livre e espontânea vontade,
o único modo que tenho de te trazer para cá. Dois: você se nega e a sua mãe
morre no próximo minuto.
Sinn estende a mão.
Fito a palma, cada traço dela. Escuto Brianna me chamar no andar
debaixo, mas a voz parece distante.
Lembro de Luke. Após a morte da Kold, Luke disse que iria me levar
para um lugar e que eu precisava querer isso. Eles me querem no Inferno. O
Purgatorium não foi nada para eles dois.
Matt me chama dessa vez e eu posso jurar que ouço os passos no
corredor.
— Seu tempo está acabando — Sinn diz, quase entredentes. — Tic...
Toc... Tic...
Fecho os olhos e seguro a sua mão.
Quando abro os olhos, estou ajoelhada em um piso de mármore, num
ambiente quente. Sinn, à minha frente, se levanta e se retira, ficando logo ao
lado de um dos seres alados, que segura uma grande e escura lança.
Ouço a minha mãe repetir "não" e "não" ao meu lado. Viro o rosto pra
ela. Donna está chorando quando desvia o olhar para frente, fitando a criatura
a poucos metros de nós.
E agora sim, viro o rosto em direção à criatura e a vejo. Pessoalmente.
O vestido preto cai perfeitamente por seu corpo, as mangas escuras
lhe cobrem os braços. Há uma longa lança em sua mão e suas asas brancas
estão expandidas. Os fios loiros lhe caem pelos ombros e há uma coroa de
lírios em sua cabeça.
Donna grita, a cada passo dado pela loira, para que ela não faça nada
comigo. Eu engulo em seco, porque sei quem ela é, o que ela representa.
Eu sinto fúria fazer tudo sob a minha pele queimar, trincando os
dentes para a loira a minha frente.
Falam em calmaria antes da tempestade.
Ontem Noah me abraçava até eu pegar no sono, hoje Lilith está diante
os meus olhos, me analisando com uma mistura inexplicável de desprezo e
divertimento. A tempestade em pessoa.
Ela sorri de canto.
— Chloe Marie Mitchell — Lilith diz, abrindo um sorriso largo.
Tudo seria um silêncio absoluto, se não fosse pelos soluços da minha
mãe ao meu lado. Tanto que consigo ouvir o riso nasalado de Lilith
perfeitamente nessa sala gigante. Ela leva a mão ao meu queixo, me forçando
a observá-la. Não movo um só músculo. E sua fala soa tão leve quanto um
sopro:
— Bem vinda ao Inferno.
Theo e eu paramos em frente aos portões do Céu. E olhando ao redor,
tudo aqui parece extremamente... Irritante.
Estamos na entrada do castelo branco. As paredes são extremamente
brancas. A entrada me lembra o Olimpo, o templo grego. E essa entrada, de
estilo clássico, se estende até se unir ao restante do castelo, com suas janelas
em arco, de molduras de ouro. Espirais douradas também se espalham pelas
paredes brancas, simulando ramos de flores.
Existem cerca de nove grandes torres compondo o palácio: quatro
mais externas e menores, outras quatro internas e uma central. Tudo
arquitetado com perfeição, traçado com delicadeza.
Parece que vivem num mundo perfeito, com um jardim colorido e
repleto de todos os tipos de flores. Esse jardim circula o castelo em arbustos
bem cortados, árvores bem espaçadas, grama extremamente verde e as flores
que já citei. Além disso, montanhas e morros estão distribuídos pelo lugar
pacífico, com casinhas que variam das mais simples às mais extravagantes.
Fontes, estátuas, ruas de pedra... Se assemelha a uma cidade utópica, perfeita.
Anjos caminham com suas asas brancas livres, alguns guerreiros
treinam e eu consigo ver que aqueles humanos que já alcançaram a paz eterna
estão de branco, andando por aqui com sorrisos largos.
Tudo isso me dá calafrios, alergia. Sério, viver a perfeição parece tão
chato.
Não demora muito para sermos notados. Três anjos nos encaram, com
suas lanças prateadas e claras, e nos cercam, suas grandes asas expandidas
numa tentativa falha de intimidação. As portas da entrada olimpiana do
palácio se abrem e dois anjos em suas armaduras prateadas saem deles. Ao
centro, a figura que tanto esperei.
Angeline tem os fios brancos e ondulados caídos por seus ombros
negros. Sua pele escura brilha contra o sol da tarde, seus olhos são cinzas e
gélidos. Cílios longos e brancos os cobrem, como se neve tivesse caído por
eles. Uma de suas sobrancelhas perfeitamente desenhadas se arqueia em
minha direção.
Há pinturas na lateral do seu rosto, em tom de cobre que contrasta
com a sua pele, imitando os ramos de flores que decoram o palácio. No seu
corpo, o mais belo vestido branco que já vi, que segue de ombro a ombro, até
seus punhos; justo até a cintura, onde é coberto por um corpete; e largo no
restante.
Ela está segurando um grande cajado com um quartzo rosa na ponta,
sustentando seu ar de realeza. As asas grandes, brancas e encurvadas estão
livres e se arrastam pelo chão. Seus olhos estão cravados nos meus. Sua
beleza sempre foi impressionante.
— Noah Hellmeister — ela chama, erguendo o queixo levemente, a
sobrancelha ainda erguida.
— Angeline Hellmeister — provoco e ela rola os olhos —, ou devo
dizer, titia? — Os burburinhos nos envolvem, mas Angeline não perde a
pose. Seu olhar cai sobre Theo por alguns segundos, depois sobre mim.
— Não recebemos visita do Inferno há séculos — ela observa e eu
assinto, olhando ao redor. Suas asas se arrastam e eu percebo que ela está
descalça quando anda em minha direção. — O que fazem aqui?
Uno as sobrancelhas.
— Como assim? — pergunto — Vim porque você pediu.
Angeline riu nasalado.
— Eu nunca pediria algo assim. Estava esperando que você o fizesse.
E você nunca fez isso — ela retruca. Meu olhar cai sobre Theo. Sua feição
está impassível, seu olhar preso em um ponto fixo na parede do castelo. —
Por que está aqui, Noah?
Meu olhar continua em Theo. Ele não se move, ele não fala nada, ele
mal pisca.
— Desgraçado! — Minha mão vai de encontro ao pescoço de Theo,
mas ele nem reage. Seus olhos estão vermelhos quando eu o faço cair ao
chão, meus dedos presos em sua carne. Meu irmão só ri, como se estivesse
preenchido por loucura. Ele está gargalhando cada vez mais alto. As lanças se
apontam em nossa direção e eu escuto Angeline ordenar para eu parar com
isso, mas eu já vejo o pescoço de Theo queimar. E então seus olhos se tornam
vermelhos e eu paro, me arrependendo do que eu fiz. Theo desce os olhos
para mim, sorrindo.
— Eu fico me perguntando, querido — Theo sussurra —, como entre
tantas possibilidades, você e eu acontecemos.
As lanças continuam na nossa mira, Angeline nos assistindo de perto,
quando eu finalmente entendo. Minha feição não se suaviza nem um pouco,
Theo continua sorrindo para mim.
— Lilith — sopro. Theo perde o vermelho em seus olhos e
simplesmente apaga, deixando a cabeça cair ao chão. — Theo? Theo!! — O
sacudo, esperando que acorde. Sua pele está gelada.
— Levem-no para dentro! — Angeline ordena, a feição
completamente assustada. Eu me afasto e um dos seguranças se aproxima do
meu irmão, o erguendo e correndo com ele para dentro. Angeline solta um
suspiro entrecortado, a boca entreaberta e seu olhar focado no meu. Isso foi
uma armadilha, para que eu perdesse tempo, para me afastar da Chloe. Passo
as mãos pelo rosto. — Ela finalmente está de volta.
Angeline, Sinn e Theo resolveram nos dar algum tempo. Eles estão na
varanda e nós estamos dentro do palácio do Céu, abraçados por cerca de
cinco minutos. Já trocamos beijos, já trocamos declarações e ainda não ouvi
explicação acerca do que está havendo. Nem parece real.
Seu queixo se apoia em meu peito.
— Eu vivi o Purgatório — ela diz. Eu tiro uma mecha de seu cabelo e
coloco atrás da sua orelha.
— É? E como foi?
— Eu revivi a noite que nos conhecemos — ela conta — e eu me
apaixonei por você de novo.
Meu coração se aquece. Chloe sorri fraco para mim e eu beijo a sua
testa, a abraçando com mais força.
Sabe a sensação de ter algo tão bom consigo, que você tem medo de
perder? Estou a abraçando, com medo de soltá-la e ela sumir no segundo
seguinte. Estou aproveitando cada segundo desse sonho, com medo de
acordar para a vida real. Mas eu a sinto quente contra o meu corpo, eu a sinto.
Eu a vejo.
— Eu só queria dizer de volta — ela sussurra.
— Não precisava.
— Mas eu queria. Porque eu amo você. Você precisava saber disso.
— Assinto. E só então desço o olhar pelo seu corpo e percebo que não vejo
uma tatuagem sequer. Franzo o cenho e ela sorri. — Tem algumas coisas que
precisa ouvir, huh?
— Sim, por favor — confesso, a fazendo rir. Ela me beija brevemente
mais uma vez e me puxa pela mão.
Tento não fitar as suas costas, porque as asas deixaram buracos em
sua camisa e está engraçado. Jogo seus fios para trás, a envolvendo pela
cintura assim que chegamos até Angeline. Sinn e Theo se viram em nossa
direção. Sinn está sorrindo como nunca e Theo arqueia a sobrancelha para a
minha namorada.
— Acho que precisamos nos apresentar apropriadamente — ele diz.
Não sei se ele se recorda de que a conheceu em meu apartamento, porque
estava sob o controle da Lilith. Theo segura a mão da minha ruivinha e deixa
um beijo sobre os nós de seus dedos. Ela sorri. — Theo Hellmeister. Irmão
do Diabo, se tiver dúvidas.
Ela ri. Ri e conquista o sorriso do Hellmeister mais novo.
— Chloe Mitchell. Namorada do Diabo — ela diz e eu apoio as mãos
em seu ombro. — Sinn... Bom te ver bem — ela diz e ele sorri largamente.
Os dois se abraçam brevemente e o meu anjo volta a encostar as costas em
meu peito. Seu olhar se guia a Angeline. — Hora da conversa?
— Hora da conversa — Angie confirma.