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Copyright © Kennedy Ryan, 2019

Copyright © The Gift Box, 2021


Todos os direitos reservados.
Direção Editorial:
Anastacia Cabo
Gerente Editorial:
Solange Arten
Arte de capa:
Letitia Hasser - RBA Designs
Modelo:
Henry Lou
Adaptação da Capa:
Bianca Santana
Revisão:
Louise Branquinho
Tradução e diagramação:
Carol Dias
Nenhuma parte do conteúdo desse livro poderá ser reproduzida em qualquer meio ou forma –
impresso, digital, áudio ou visual – sem a expressa autorização da editora sob penas criminais e
ações civis.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas ou acontecimentos reais é mera
coincidência.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472
Sumário
Início
Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Epílogo
Sobre a autora
Agradecimentos
PARA AQUELES QUE VIVEM COM UMA DOR INVISÍVEL E LUTAM COM AFINCO PARA SEREM LIVRES.
NÃO PAREM DE SE CURAR.
Hook Shot conta a história de uma mulher em processo de cura. Partes disso, enquanto não
graficamente retratadas, podem se mostrar sensíveis para alguns leitores.
Dê a si mesma permissão de ser machucada, mas também se deixe curar.
Nikki Rowe – Once a Girl, Now a Woman
Eu cresci acreditando que o céu falava comigo. A crescente voz de um trovão. A resposta
afiada de um raio. Cada tempestade, uma conversa. Uma troca instável. Mas hoje há um arco-íris.
Listras das cores dos Skittle pintadas acima de nós em um céu lavado pela chuva.
— Você se lembra do que o arco-íris significa? — MiMi, minha bisavó, pergunta.
Como muitas coisas que ela me ensinou, a resposta está arraigada, presa em minhas fibras.
Eu nem mesmo tenho que pensar nisso.
— O arco-íris é a ponte entre o Céu e a Terra — respondo, minha voz soando forte, mesmo
que meu interior esteja se revirando.
— Hmmm... Alguém está tentando entrar no Céu. — Ela observa o céu, o olhar sábio além
dos seus oitenta e tantos anos. — Hoje não.
Ficamos de pé, na sombra de um dos carvalhos mais famosos do cemitério de Nova
Orleans, assistindo às poucas pessoas de luto se dispersarem. Não há lágrimas pelo morto. Não
havia muita gente que amava Ron Clemmons. Ele era um homem que apenas uma mãe poderia amar.
A mãe dele e a minha.
Meu pulso se acelera com a visão dela. Da última vez que a vi, eu tinha doze anos, há
quatro anos. Ela ficou parada hoje, assim como antes, ao lado de Ron, mas, desta vez ele está deitado
em uma cova aberta. Aperto os lábios para segurar a palavra que grita na minha cabeça, determinada
a não falar.
Mamãe!
Mesmo que eu não diga o nome, ela me olha como se eu o tivesse falado. Os olhos
arregalados através do véu preto que parece algo que uma mulher elegante vestiria anos atrás ao
enterrar seus amantes. “Vintage”, mamãe costumava chamar assim, em vez de dizer que era “de
brechó”. Clássico, não de segunda mão. Ela sempre queria as coisas mais finas e se apegava a
qualquer homem que prometesse isso a ela. Exceto Ron, que nunca prometeu muito a ela, e a minha
mãe ainda se apegou a ele como se esse fosse um hábito que ela não queria mudar.
Os finos arcos das suas sobrancelhas se juntam e seu olhar ricocheteia entre mim e MiMi,
depois se lança para a cova aberta. Há alguns poucos cemitérios em Nova Orleans onde eles
enterram as pessoas debaixo da terra. Este é um deles. Para os pobres e os que não foram amados, ou
reclamados. Era sobre isso. Era isso que Ron era.
Ela toca o coque preto esticado até a nuca e dá alguns passos em nossa direção, mas
congela no meio do caminho. Dou uma olhada para MiMi, que balança a cabeça solenemente,
dizendo para a mamãe não se aproximar. É aceitação e não choque que vejo no rosto da outra mulher
enquanto ela se vira e segue o fluxo de pessoas deixando o cemitério. Não é a primeira vez que ela
pensa em me ver, mas MiMi sabe que não quero vê-la.
Se alguém sabe é a MiMi.
Coveiros tomam o lugar de algumas poucas pessoas que ficaram paradas ali enquanto o
clérigo lia seu pequeno livro de cerimônias. Casamentos, batismos, funerais. Um verso para cada
coisa.
— Chegou a hora — MiMi diz, severa.
Seguimos nosso caminho, cruzando o gramado, até o homem mexendo na terra. Um deles
olha para cima, capturando o olhar de MiMi, e dá uma cotovelada no outro. Eles param o que estão
fazendo.
— Madame DuPree — um deles fala, o sotaque da Louisiana pesado como a água de um
pântano. — O que podemos fazer pela senhora?
— Saiam. — Ela acena em direção à cova. — Não se preocupem. Não precisam ir longe
demais nem esperar muito. Só precisamos de um pouco de privacidade. Depois podem fazer o que
quiserem com o corpo dele. — Seu olhar muda para o buraco aberto no chão, engolindo Ron inteiro,
e sorri. — É sobre a sua alma que eu vim discutir.
Não se vê muitos homens correrem como esses dois após as palavras dela. As pás deles
caem. Eles partem. Era uma viagem de ônibus de duas horas de St. Martine, nossa pequena diocese,
para a cidade, mas mesmo aqui as pessoas conhecem a MiMi. Em um mundo cheio de mentiras, ela é
algo genuíno. E quando diz para você sair, você sai.
Ficamos paradas sobre o túmulo e, embora o caixão esteja fechado e com respingos de
terra, tremo como se Ron pudesse se sentar e escalar até em cima.
— Não há nada a temer — MiMi me assegura, a idade aparecendo em seu rosto e
desaparecendo em seus olhos. — Pegue minha mão. — Ela estica o braço para o meu outro lado, mas
fixa os olhos no caixão. — Sinta minhas palavras em sua boca — diz, e eu o faço. Cada sílaba que
pronuncia vibra nos meus lábios, tremendo em minha língua. — Sinta meu poder em suas veias.
Ela aperta minha mão, e o raio que rasgou o céu horas atrás atinge meu sangue. Lança um
olhar rápido para mim e um sorriso de satisfação pelo que vê em meu rosto.
Temor.
— É o poder da linhagem contínua — explica com um sorriso gentil. — Duas mulheres da
mesma linhagem juntas. Há poder nisso. — Ela muda a atenção de volta para a frente e olha para o
céu, agora em silêncio, aguardando seus desejos. — Você sabe quem eu sou — continua. Suas
palavras, sua voz, profundas, confiantes. — Estou aqui para tornar meu julgamento conhecido. A
alma desse homem está em jogo. — Com a fala da MiMi, uma brisa fria desce pelo ar. — Estou aqui
para colocar uma pedra no lado do Inferno. Enquanto ele começa sua jornada, eu o envio com essas
palavras.
Seus olhos se abrem e ela lentamente gira a cabeça para me olhar, e é exatamente como ela
disse. Sinto o poder nas minhas veias. E as palavras, sinto-as em minha língua, e dizemos isto,
surpreendentemente, ao mesmo tempo:
— Sem paz — finalizamos juntas.
Nos anos seguintes, pergunto a mim mesma várias vezes se realmente enviamos Ron para o
Inferno naquele dia. Como várias coisas que vivenciei com MiMi, não ganho explicação. Só sei que
uma vez que nossas palavras saíram, o arco-íris, o promissor caminho do Céu para a Terra, não
estava mais em lugar nenhum para ser encontrado.
Mulheres selvagens são centelhas inexplicáveis de vida. Elas escoam liberdade e
buscam conhecimento. Não pertencem a ninguém a não ser a si mesmas...
Permitem que você adentre em seu caos, mas também mostram sua magia.
Nikki Rowe – Once a Girl, Now a Woman
Dizem que, se você conseguiu chegar até aqui, consegue chegar onde quiser. A cidade de
Nova Iorque é uma vadia mergulhada em glitter, dando o dedo do meio a você enquanto anda em uma
passarela usando Louboutins. O melhor, mais vivo e bestial rugido se ouve aqui.
Quando me mudei de Atlanta para Nova Iorque há dois anos, parecia que eu estava
embarcando em uma aventura improvável para uma fronteira aberta. Eu estava como a Ree
Drummond, daquele programa Pioneer Woman, mas, em vez de fazer minha própria manteiga, fiz
roupas do zero. Minhas necessidades básicas eram três sacos de lixo cheios dos meus pertences, a
máquina de costura da minha bisavó e uma bolsa Louis Vuitton Neverfull falsificada. Fingi que era eu
mesma a Carrie Bradshaw. As garotas almoçando comigo agora mesmo no Parque Bryant? Elas são
as minhas Charlotte, Miranda e Samantha, as três misturadas em duas pessoas.
— Então, eu tenho novidades — Billie diz, seus olhos mudando entre mim e minha colega
de quarto, Yari. — Paul está se divorciando.
Dou uma cutucada investigativa em algo escuro na minha salada com frango grelhado para
ter certeza de que não está se mexendo, mas, por outro lado, não respondo. Yari, parecendo
indevidamente impressionada, bebe o resto do seu Pellegrino em um canudo.
— Hm, vadias... — Billie cobra, decepção assombrando seus olhos verdes-escuros. O
rubor subindo por suas bochechas pode ser de vergonha, raiva ou do calor de 35º C do verão de
Nova Iorque. De todo jeito, a temperatura dela está subindo.
— Desculpe. Que bom — digo finalmente, sem me incomodar de colocar muito entusiasmo
ou fé nas minhas palavras.
— Ele não se divorcia todo mês? — Yari pergunta, curiosidade falsa em seu rosto. —
Parece que ele decide se separar toda vez que você faz sexo oral nele.
Se possível, Wilhelmina Caybourne, Billie para os amigos, de quem somos as mais
próximas, fica ainda mais vermelha.
— Não, ele não faz isso — ela responde, subitamente preocupada com o rolinho de peru
em seu pratinho de isopor.
— Você ficou ou não de joelhos na frente dele na noite passada? — Os olhos da Yari estão
sérios, mas seus lábios se mexem nos cantinhos.
— Não sei o que isso tem a ver com...
— De joelhos. Na frente dele. Eu encerro meu caso. — Yari bate a água na mesa como um
martelo. — Acho que é triste que eu entenda melhor o Paul do que você e a mulher dele entendem.
— Não é um casamento de verdade — Billie protesta fracamente.
— Deve ser por isso que ele nunca se divorcia de verdade. — Fico de pé e gesticulo para
que façam o mesmo. — Vamos lá. Precisamos voltar ao trabalho ou nos atrasaremos para a reunião.
O toldo verde cobrindo nossa mesa nos protege um pouco do sol implacável, mas, assim
que descartamos nosso lixo e começamos a caminhar pelos poucos blocos até o escritório, ele atinge
nossas cabeças.
— Eles nem mesmo dormem juntos — Billie tenta argumentar novamente.
— Por que ele precisa manter a esposa enquanto está fodendo com você? — pergunto,
mantendo o tom indiferente. Na verdade, eu fico brava demais toda vez que temos essa conversa.
— Esqueça que eu trouxe o assunto à tona. — Billie suspira, andando entre nós com seus
olhos treinados à frente.
— Sinto muito, Bill, mas você está tendo um affair com o marido de outra mulher — Yari
diz, pegando o elástico do pulso e puxando seu cabelo longo e escuro para um coque frouxo. — Este
é um círculo da verdade e da confiança, somos suas melhores amigas. Se não te dermos sermão a
respeito desse seu jeito de Maria Maçaneta, quem irá?
Billie olha para mim esperando que eu pegue leve. Como se não soubesse realmente o que
eu acho.
— Ela está certa — digo. — Você está pensando com o coração e com a vagina.
— Dá um tempo. Você gosta de sexo mais do que eu e a Yari juntas — Billie dispara de
volta.
Eu não devolvo, porque sei que estamos pegando no seu pé e ela precisa marcar pelo
menos um ponto na briga.
— Na verdade, acho que vou dar um tempo de pênis por enquanto — digo, um pouco
casual demais.
Minhas palavras criam um pequeno espaço de silêncio chocado, mesmo com a trilha
sonora urbana frenética tocando em volta de nós.
— Desculpe. — Yari bate em um aparelho auditivo imaginário. — Essa droga nem sempre
capta quando alguém fala merda. O que você disse?
Nós três começamos a rir, mas fico tranquila a cada passo que damos para mais perto do
estúdio de design onde trabalhamos em Garment District.
— É sério — digo a elas. — Eu amo um pau, é verdade, mas sinto que preciso... sei lá, de
uma pausa.
Como explicar quão complexo o sexo é para mim? Sempre compartimentalizei isso para
uma conexão puramente física. Matei essa vontade dentro dos meus termos, deixando homens
penetrarem meu corpo, mas sem autorizar nenhuma intimidade real. Mais tarde, contudo, eu ficava
não apenas insatisfeita, mas depressiva. Vazia. Desolada. Algo em mim queria mais do que eu tinha,
mas intimidade de verdade é um risco que não estou disposta a assumir.
Isso para não mencionar o medo. A última vez que fiz sexo...
Como explicar para minhas amigas o que eu mesma não entendo completamente? Nada dos
meus sentimentos faz sentido. E contar para elas agora seria como iniciar pela metade uma história
que elas nunca ouviram antes. Talvez eu pudesse tentar falar para elas a respeito.
— Uau. — Billie encara o telefone com a boca aberta. — Alguém sabia da existência
desse meme aqui?
Ok. Talvez seja melhor não falar para as minhas amigas sobre isso.
— Desculpe — ela diz, saindo do caminho de um trabalhador de construção. — O que
você estava dizendo sobre pênis, Lo?
— Acho que quero fazer uma pausa de sexo.
As duas me encaram enquanto alcançamos a entrada da JPL Maison, o estúdio de design
onde trabalhamos.
— Não entendo as palavras que estão saindo da sua boca — Yari finalmente responde.
— Eu não sei — digo, dando de ombros. — Só parece... vazio.
— Então encontre um pau maior — Billie sugere. — Um que a preencha.
Nós três compartilhamos um sorriso no saguão do loft que abriga nossos escritórios.
— Estou falando sério. Acho que isso — gesticulo para minha área pélvica — precisa
ficar livre de homens por um tempo.
— Lembra aquela vez que eu tentei parar de fumar e roí a alça da minha bolsa? — Billie
questiona. — Sinto que é assim que você ficará se não se liberar em uma frequência regular. Você
também pode ganhar uns dez quilos. Eu passei por isso.
— Quem disse algo sobre não se liberar? — Ignoro a bufada de Yari. — Tenho uma cota
de vibradores diversos e bem capazes.
A porta da garagem sobe e entramos em um piso que mostra peças de um tecido vibrante,
várias mesas com costureiras e máquinas de costura e prateleiras e mais prateleiras de roupas
caríssimas em diferentes estágios de acabamento.
— Mas, e o Chase? — Yari questiona sobre o fotógrafo favorito do nosso chefe e meu
último pau amigo. — Ele não vai ficar feliz sobre sua pequena pausa de sexo.
— Já contei para ele, e você acertou, ele não ficou feliz. — Bufo. — O que posso dizer?
Tenho uma boceta de ouro. É uma maldição.
Elas riem como eu sabia que fariam, distraídas com o atrevimento que uso para encobrir
minha confusão. Foi a última vez que fiz sexo com Chase que me levou a essa decisão.
— Mas Chase sabe que tem tanto a dizer sobre o que faço com meu corpo quanto sobre o
preço do chá em Chinatown — continuo. — Ele vai ficar bem.
Subimos pela escada de ferro para o último andar do escritório em direção à sala de
conferências. Assumo meu lugar na longa mesa, uma tábua de madeira de ardósia retirada de uma
antiga pedreira. Em toda reunião sento-me imediatamente à direita de Jean Pierre Louis, designer
fundador da JPL Maison.
Dois caminhos não podiam ter sido mais difíceis de se cruzarem do que o meu e o do meu
chefe. Entrei nisso ao ser a estilista de umas fotos para um amigo no último minuto, em Atlanta. Não
estava nem mesmo trabalhando oficialmente com moda. Foi preciso um esforço externo para me
ajudar a passar pela faculdade. Minha formação principal na Spelman era em negócios, mas muitas
vezes pensei em abrir minha própria loja ou fazer algo na moda mais tarde.
JP e eu nos demos bem na hora. Fui a única que entendi seu discurso em francês quando ele
viu a “blasfêmia” de sua criação ser tão pobremente retratada. Entrei no negócio, corrigi a bagunça
que a estilista tinha feito e acalmei a fera selvagem com o francês de Louisiana que a MiMi me
ensinou. Aparentemente, era bom o suficiente, porque, no fim do dia, ele estava me contando piadas
sujas em francês e me oferecendo um emprego.
Ficamos ainda mais próximos nos últimos dois anos. Ele recomendou que eu me
matriculasse na FIT[1], que não fica muito longe do estúdio. Ralei muito para conseguir meu diploma
de designer de moda enquanto trabalhava em tempo integral e muitas vezes fazia horas extras no
ateliê, mas valeu a pena. Tenho estado à direita do JP em todas as reuniões por bastante tempo.
— Maravilhas ao vestir — JP diz sem preâmbulos, com um forte sotaque francês. — Esse
é o tema desta temporada.
Ele gesticula para que todos à mesa se reúnam ao redor dele e seu bloco de desenho. Ele
poderia desenhar digitalmente e compartilhar para que todo mundo olhasse em seu próprio iPad, mas
JP é surpreendentemente das antigas. Seus dedos costumam estar marcados com o carvão dos seus
lápis, e o bloco de notas que fica enfiado debaixo do braço o tempo inteiro está sempre cheio.
— Deleite seus olhos — diz com um floreio dramático — na primavera.
Rascunho após rascunho ganha vida com as cores vibrantes que ele usou para articular as
roupas no papel. Existem facilmente centenas de desenhos, mas apenas uma porção deles irá
realmente para as passarelas da Fashion Week de setembro.
— Todos vocês sabem que eu sou um purista — começa dizendo —, mas, como eu sempre
digo, a moda é primeiro uma arte, depois vira comércio. E comércio é onde Paul entra.
Nossa atenção vira para Paul, o CEO da JPL e chefe/interesse amoroso adúltero da Billie.
Yari me dá uma cotovelada e, silenciosamente, nós fazemos bastardo com a boca uma para
a outra.
— Sim, bem... — Paul fala, ajustando os óculos que a Billie acha sexy. — As
possibilidades com um tema como “maravilhas ao vestir” são infinitas. Nosso time de marketing tem
trabalhado incansavelmente e acho que conseguimos uma parceria com a Bodee, uma companhia de
roupas esportivas que tem uma pequena porção do mercado em relação à Nike, Reebok ou Adidas,
mas que procura fazer grandes movimentações. Claro, todos ouvimos falar de wearable tech,
tecnologia vestível — continua. — Fitbi, Apple Watch, etc. Conseguimos ver uma interseção de
marketing potencial entre o nosso tema “maravilhas ao vestir” e a “tecnologia vestível”.
— Relógios — JP diz triunfante. — Bodee me pediu para desenhar uma linha de relógios.
— Ainda seriam designs da JPL — Paul diz. — Alguns dos nossos modelos até mesmo
usarão no nosso desfile de setembro.
— E eu tenho o porta-voz perfeito — JP comemora, com o que pode apenas ser descrito
razoavelmente como olhos brilhantes. — Chase, na verdade, foi quem chamou minha atenção para
ele.
Ah, isso vai ser ótimo. Chase tem um olho bom, obviamente.
— Ele é um atleta profissional — revela, sua voz ficando mais aguda com o nervosismo.
— Jogador de basquete. O corpo dele é... — JP limpa a garganta e visivelmente tenta se controlar. Eu
deveria oferecer a ele uma máquina de vento à la Beyoncé para dar uma refrescada. — Como eu
estava dizendo... — A voz do JP está apenas minimamente mais contida. — Ele é um jogador de
basquete.
— Acho que tenho uma foto aqui em algum lugar. — Paul passa pelas páginas do seu bloco
de papeis. — Mas é Kenan Ross.
Não preciso de uma foto. Tenho a memória perfeita dos dois metros de pele de tom negro
em bronze, músculos flexionados, estrutura óssea própria da realeza e um sorriso ainda mais
estonteante por ser tão raro. A última vez que o vi foi quando Chase me acompanhou para a festa de
Natal do San Diego Waves. Kenan joga basquete com o marido da minha prima Iris.
Mantenho o rosto sereno e vagamente interessado, mas por dentro estou batendo na minha
testa e xingando em duas línguas. Bem quando decido desistir dos homens enquanto descubro que
inferno está quebrado dentro de mim, o homem mais sexy que já conheci se joga dentro da minha
vida? Será difícil de evitá-lo se ele for nosso novo porta-voz. E eu consegui evitá-lo no passado. Os
poucos encontros que tivemos foram tão carregados de intensidade que tornaram clara uma coisa: as
regras que estabeleci para homens — casual, fácil, simples — não se aplicam a Kenan Ross.
Não, obrigada.
— Temos conversado com seus agentes, mas ele ainda não concordou — JP conta. —
Pensei que seria bom conhecê-lo em um ambiente mais relaxado. Algo que não seja relacionado a
trabalho. Ele vai passar o verão aqui e provavelmente gostaria de encontrar algumas pessoas. Eu o
convidei para a festa da Vale hoje à noite.
Vale, assistente do JP, e o marido dela, um influente editor de revista de moda, dão festas
épicas. Tenho esperado a festa deles no iate por semanas. Eles não são donos do iate, mas têm
amigos generosos na elite náutica.
— Ah, cara — solto, certificando-me de parecer apropriadamente desapontada. — Acho
que não consigo ir hoje à noite. Tenho essa outra coisa para fazer.
— O que aconteceu? — Yari faz uma careta. — Essa manhã você disse que iria, e fazendo
citação sua: “estou nessa”. Que outra coisa você tem?
— É algo novo — digo a ela com um sorriso de dentes cerrados.
— Não seja uma estraga-festas. Vai ser divertido. — JP, um homem adulto, faz um
beicinho, o lábio inferior tão para a frente quanto possível. — Por favor, Lo. Todos nós vamos.
— Você tem que vir — Vale fala do fim da mesa, com seu sotaque sueco cadenciado. —
Keir pediu ao nosso fornecedor para colocar aqueles aperitivos de azeitona no menu especialmente
para você.
— Aaah — eu gemo. — Os crostinis?
— Sim — responde, com a reverência que tais aperitivos merecem. — Os crostinis.
— E o que, eu peço, nos conte — Yari diz —, você estará fazendo que é melhor do que
navegar pelo Rio Hudson com os melhores de Nova Iorque?
— Todos os nossos amigos estarão lá — Billie acrescenta, apressada. — E um dos
Minions da Anna Wintour foi convidado.
— O segundo ou o terceiro Minion? — exijo bruscamente.
— O segundo — Vale confirma, com a serenidade de uma mulher que já assegurou sua
vitória.
Droga. Eu estava esperando conhecer aquele segundo Minion.
— Pense nas pessoas fabulosas — JP diz.
— Na comida deliciosa — Vale adiciona.
— Não se esqueça do entretenimento — Billie deixa seu pitaco.
A comida combina bem com a diversão. Eles têm uma queda por jogos, que todos nós
participamos rolando os olhos e sem muita vontade, mas que aproveitamos no final.
Embora não seja nenhum dos seus argumentos que me persuade. Kenan Ross é um homem.
Desde quando eu permito que qualquer homem me prive de algo que eu quero? Muito menos pela
mera ameaça de me sentir atraída por ele. Sou mais forte que isso.
— Ok — finalmente grito, com um sorriso para todo mundo que estava assistindo e
esperando que eu sucumbisse. — Eu irei.
— Bem — Paul arrasta as palavras, enquanto meus amigos gritam de animação. — Com
isso resolvido, vamos aos negócios.
— Você está certo, Paul. Aos negócios — JP concorda, colocando as mãos debaixo do
queixo. — O que vocês irão vestir?
Eu rio com todo mundo, exceto Paul, e me pego pensando em como vai ficar meu look no
Instagram para essa festa. E como eu poderia considerar faltar? Claro, Kenan é devastadoramente
bonito. E, sim, aquele homem viril surge em um momento em que abandonei todos os homens, mas, e
daí? Nunca conheci um cara a quem eu não conseguisse resistir.
Quão diferente disso Kenan Ross poderia ser?

[1] Fashion Institute of Technology, faculdade pública de moda em Manhattan.


— Você disse pornô de braço?
Espero ter ouvido Banner Morales, minha agente, errado.
— Hm, sim — responde, e mesmo pelo telefone consigo ouvir seu divertimento, embora
ela tente disfarçar. — Significa...
— Pare. — Pego minha carteira e as chaves da cômoda e caminho para a porta. — Não
quero saber.
— Ok, mas você vai para a festa hoje à noite, né?
— Que festa? — pergunto, sorrindo e trancando a porta. — Acabei de chegar em Nova
Iorque. Meio que quero relaxar hoje à noite e você sabe que odeio festas.
Tudo verdade.
— Kenan, fala sério. Vai ser divertido. Uma ótima maneira de conhecer pessoas novas em
uma cidade diferente. E uma boa chance de fazer contatos.
— Contatos? — questiono depreciativamente. — É como se você nem me conhecesse, B.
— Sei que, se dependesse só de você, ficaria enfurnado naquele apartamento o verão
inteiro, malhando na academia de casa e ouvindo jazz.
Droga. Ela realmente me conhece.
Espero o elevador vir, fechando a cara, porque não quero ter essa discussão.
— Estou saindo para a festa agora.
— Ah, que bom. — Banner soa aliviada. — Haverá um carro lá embaixo esperando. E um
aviso: algumas pessoas da Bodee estarão lá também.
— Apenas uma reuniãozinha entre amigos, né? — devolvo, seco.
— Trabalho é diversão e diversão é trabalho. Você sabe que a maioria dos acordos
começa com um jantar e um drink.
— Eu sei, eu sei. — Entro no elevador e dou uma risada. — Posso estar a caminho dessa
festa, mas ainda não me convenci sobre esse negócio de pornô de braço.
— Ok, sério. Ele apenas gosta dos seus... braços. E acha que seria ótimo tê-lo em sua nova
linha de relógios que está fazendo em parceria com a Bodee, a empresa de roupas esportivas.
— Mas eu não faço esse tipo de merda. Coletes, tênis, bebidas esportivas... estou dentro.
Mas moda? Eu?
— Ele é um designer de moda, mas não creio que isso seja moda por si só — Banner diz,
usando aquele tom bajulador que já ouvi milhares de vezes em todos os anos em que ela me
representa. — Bodee está em ascensão no seguimento esportivo. Essa parceria com Jean Pierre, que
é um grandão da indústria da moda, a propósito, demonstra que eles compreendem o poder do cross
marketing.
— Terminou a palestrinha?
— Minha palestrinha é algo a que você deveria prestar atenção. Essa é a reta final da sua
carreira na NBA, Kenan.
— Acha que não estou financeiramente preparado para me aposentar? — pergunto, um
pouco ofendido por isso estar longe da realidade. — Você sabe melhor do que ninguém quão bem
diversificado eu sou. Os negócios que possuo, os investimentos que fiz.
— Quero que você seja relevante pelos próximos anos — Banner diz. — Trinta e seis é
quase o fim da sua carreira na NBA, mas você é jovem para tudo o mais. Ainda tem muita vida à sua
frente antes da aposentadoria. Décadas. E enquanto seus interesses em negócios e investimentos são
ótimos, esses são, de longe, os anos em que os jogadores mais faturam. As oportunidades fora das
quadras vão ajudar a gente a estocar uma grana.
Estou preparado para dizer que não ligo a mínima para ser relevante e que vou receber o
retorno da minha privacidade de braços abertos quando ela ataca e joga a carta que sabe que sempre
funciona:
— Pense na sua filha.
Não fiz nada a não ser pensar em Simone. Ela é toda a razão para eu estar nesta cidade.
Nem mesmo gosto tanto assim de Nova Iorque. Prefiro o ritmo da Costa Oeste. Aqui é a cidade que
nunca dorme. Eu gosto de dormir. Durmo oito horas todas as noites e tenho feito isso desde que posso
me lembrar.
— O que tem ela? — Mordo a isca da Banner, como ela sabia que eu faria.
— Você acumulou uma fortuna jogando basquete, o que é ótimo, mas, quanto mais
oportunidades considerarmos e criarmos, melhor para o seu futuro e o dela.
Fico em silêncio, processando as palavras dela. As portas do elevador se abrem e
permaneço parado por poucos segundos. Minha vida profissional é bem incrível, mas minha vida
pessoal tem sido uma zona de guerra nos últimos anos. Minha ex-esposa, Bridget, se certificou disso,
e tenho medo de que nossa única filha, Simone, seja a maior vítima. Ela é meu ponto fraco, a julgar
pelo fato de que Banner sempre recorre a ela quando realmente quer que eu faça algo.
E funciona toda vez, droga.
— Pensarei nisso. — Seguro a porta se fechando com o braço e caminho pelo saguão do
prédio do meu novo apartamento.
— Só vá para a festa — Banner pede. — Passe um tempo com Jean Pierre. Divirta-se.
Você é rico pra caramba. Um baita solteirão. É Nova Iorque. Viva um pouco. E não fique todo
zangado pelos próximos três meses.
Eu sou o Zangado. Ela está certa. Apresento uma versão controlada para o mundo, mas
parece que tenho estado com raiva pelos últimos três anos. E o controle requerido de mim para que
eu não mostre ao mundo essa ira, essa frustração, é exaustivo.
— Sinto muito, B.
Faço contato visual com o homem parado do lado de fora do meu prédio, apoiado contra
um SUV preto.
— Senhor Ross? — pergunta.
Assinto e subo no banco traseiro quando ele abre a porta.
— Chelsea Piers? — confirma, a voz calma e educada, sem dúvidas por eu estar no
telefone.
Assinto novamente e ergo a divisória que nos separa. A última coisa que preciso é de um
motorista vendendo histórias da minha vida privada.
— Kenan, você ainda está aí? — Banner pergunta.
— Sim. O motorista acabou de me pegar e estamos a caminho da festa. Satisfeita?
— Ficarei realmente satisfeita se você se soltar e aproveitar o verão em Nova Iorque.
— Eu não deveria estar aqui. Simone não deveria estar aqui. Estou pouco me fodendo
sobre onde a Bridget quer viver, mas ela não precisa arrastar minha filha para o outro lado do país
para fazer um reality show sobre ser esposa de um jogador quando, graças a Deus, ela nem mesmo é
casada comigo mais.
Banner fica em silêncio abruptamente por causa do meu pequeno discurso.
— Ok... — diz, com uma risadinha. Ela é uma das poucas pessoas que me viu perder o
temperamento de verdade. Ela sabe como me dar espaço para me recuperar.
— Sinto muito. — Solto um suspiro cansado e corro a mão por meu rosto. — Estou muito
cansado dos joguinhos da Bridget e esse foi o mais imaturo e egoísta de todos. Não apenas
inconveniente para mim, mas arrancando as raízes da Simone, e estou puto com isso. Então,
aproveitar Nova Iorque não é realmente uma prioridade.
— Entendo — Banner devolve. — Bridget fez da sua vida um inferno. — Por anos,
adiciono silenciosamente. — Mas pelo menos você se divorciou e não perdeu metade do seu
dinheiro.
— Graças a você.
Banner não pode ver meu sorriso grato, mas quero que saiba o quanto aprecio tudo que ela
tem feito pela minha carreira enquanto me protege financeiramente.
— Ei. Só estou feliz que você não se casou com ela antes de assinar comigo — Banner diz.
— Há muitas namoradinhas da faculdade de jogadores caminhando por aí com direito a metade de
tudo.
Tínhamos terminado de nos formar na faculdade quando fui escolhido no draft da NBA.
Bridget estava grávida e se mudando comigo para Houston, meu primeiro time. Quando assinei com a
Banner como minha agente, ela insistiu em fazermos um acordo pré-nupcial e pessoalmente viu
vários detalhes para garantir que não havia brechas.
— Muitos homens não teriam sido tão generosos quanto você, Kenan — Banner continua.
— Deu a ela mais do que devia no divórcio.
— Ela é mãe da minha filha. Mesmo não estando casados, mesmo que ela tenha me traído,
mesmo que tenha enrolado durante todo o processo pedindo mais dinheiro, isso ainda significa algo.
— Não foi só o dinheiro, né?
— Não, ela me queria de volta, mas isso é um monte de merda. Foi ela quem jogou o
casamento fora.
— Talvez ela se arrependa — Banner fala suavemente, um tom hesitante em sua voz. —
Não estou dando desculpas para uma traição, de jeito nenhum, mas pessoas cometem erros.
— Sim, bem, ela cometeu um enorme. Nunca traí a Bridge, nem mesmo antes de termos nos
casado. Não consigo nem mesmo confiar nela novamente, então pode esquecer essa reconciliação
que ela está fantasiando.
— Talvez você deva focar menos no drama da Bridget e mais em si mesmo. Tenha uma
aventura de verão.
— Não tenho aventuras.
— Então tenha uma foda de verão.
Banner é durona e cruel como o Inferno quando precisa. Representando alguns dos maiores
machos alfas da NBA, ela frequentemente tem que se impor.
— Bom, isso eu posso considerar. — Não direi a ela quanto tempo já faz. Nós temos
alguns limites.
— Quem sabe? — Banner continua. — Talvez você conheça alguém que realmente gosta.
Uma imagem que tenho suprimido por meses vem à superfície. Delicada, magra, curvilínea.
Cabelo loiro platinado. Pele cor de canela. Olhos escuros, desafiadores e sensuais, que conseguem
atravessar um homem e não mostrar nada a ele. Lotus DuPree. Sei que ela vive aqui em Nova Iorque,
mas, em todas as vezes que vimos um ao outro no passado, ficou clara a sua falta de interesse. Com
ela eu teria uma foda de verão. Com ela posso até ter uma aventura de verão, mas ela estava com
outro cara quando a vi na festa de Natal do time. Talvez esteja comprometida. Mesmo que tenha
interesse nela, não tenho certeza se é recíproco e duvido que terei a chance de descobrir.
— Hm, sim. Talvez, mas vou esperar sentado. — Observo as luzes cintilantes da cidade.
— Bem, esteja aberto. E lembre-se de não ficar todo zangado ou fazendo careta na festa de
hoje.
— Mas essas são as minhas duas coisas favoritas.
— E não concorde com nada — Banner acrescenta bruscamente. — Se Jean Pierre
pressionar, diga que sua agente entrará em contato com uma resposta.
— Que provavelmente será “de jeito nenhum”.
— Glad, vamos lá — diz, abreviando meu apelido das quadras, “Gladiador”.
A ironia é que estou cansado de lutar. Não nas quadras, mas, depois de todo o drama com a
Bridget, definitivamente estou cansado de batalhar no jogo.
— Ok. Nada de ficar zangado. Nada de fazer careta. Nada de me comprometer. Entendi. —
Deito a cabeça contra o encosto de couro. — Posso ir agora?
— Sim. Vamos debater amanhã.
— Deus a abençoe. Tchau, B.
— Tchau, Kenan.
Logo que ela desliga, fecho os olhos e tento absorver a quietude em todos os meus poros.
Conversas extensas, mesmo com pessoas que eu amo, algumas vezes me fazem sentir drenado. Sou
um introvertido. As coisas que me reabastecem não envolvem pessoas de jeito nenhum. Amo ficar
sozinho.
— Crianças e adultos entediados precisam ser entretidos. Homens crescidos que têm um
propósito precisam de tempo, quietude e energia.
Isso é o que meu pai costumava dizer.
Deus, sinto a falta dele. Pensar na sabedoria que sempre compartilhou comigo às vezes é
algo bem-vindo, às vezes não, e me magoa, mesmo um ano depois da sua morte.
— Filho, foda com ela, mas não fique com ela. Vocês dois são como óleo e água, fará
com que os dois fiquem miseráveis.
Ele disse aquilo quando conheceu a Bridget.
— Ele não estava errado — murmuro para ninguém, apenas para mim.
Essa provavelmente é a razão por que, mesmo depois de uma década tentando, Bridget e eu
não funcionamos. Ela anseia pelos holofotes. Eu evito. Acredito em fidelidade. Ela teve um caso com
um dos meus colegas de time, um suposto amigo próximo. Apenas pequenas diferenças de filosofia.
Agora ela teve a audácia de participar desse novo reality show, Amor de Jogador...
Preciso parar de pensar nisso ou entrarei em uma festa zangado e fazendo careta, o oposto das ordens
da Banner.
Dirigimos pela cidade, que tem um zumbido com alguma força que nunca experimentei em
nenhum outro lugar. Não consigo identificar de onde, mas sinto como se fosse uma energia em
potencial — como se você pudesse arremessar uma bola de qualquer lugar aqui e ela viajaria pelo
mundo. Não há dúvidas de que é por isso que as pessoas vêm até aqui para sonhar.
A divisória desce.
— Chegamos, Senhor Ross — o motorista avisa. Pego algumas notas e ofereço a ele pela
abertura. — Ah, já cuidaram disso — diz, ainda que fique de olho na grana.
— Eu cuido de mim mesmo.
Dou a ele o dinheiro, pego um flash do mais rápido dos sorrisos e desço. Enquanto
caminho em direção a um barco ancorado no píer, ensaio dicas sociais de como sorrir, acenar e fingir
interesse. Um homem alto de cabelo escuro e uma mulher com um cabelo curto branco como a neve
estão parados perto de um cordão vermelho recebendo os convidados da festa que se aproximam do
barco.
— Senhor Ross — fala com um sotaque que não consigo identificar. — Sou a Vale,
assistente do Jean Pierre. Falamos ao telefone.
— Ah, oi. — Aceito a mão dela e sorrio. — Obrigado por enviar o carro.
— Sem problemas — diz calorosamente. — E esse é meu marido, Keir.
— Como vai? — questiona.
— Bem. Obrigado por me convidar.
— Senhor Ross! — cumprimenta um homem alguns passos à distância.
Bate as mãos uma vez, e seus olhos se movem dos meus pés à cabeça. Não tenho ideia se
esse cara com cabelo escuro, um sorriso aberto e o começo de uma pançazinha é o Jean Pierre ou
não, mas ele está usando uma echarpe e tem um sotaque francês, então há uma boa chance de ser.
— Ou devo chamá-lo de Gladiador? — quase ronrona.
— Não faça isso. — Julgando pelo olhar no rosto dele, isso saiu errado. — O que eu
quis dizer é que meus companheiros de time me chamam assim, mas nem todo mundo o faz. Kenan
está ótimo. Você é o Jean Pierre?
— Sim, bem, meus — ele faz aspas com os dedos — “companheiros de time” me chamam
de JP, e sinta-se à vontade para fazer o mesmo.
— Ok. JP então.
Uma mulher loira bonita anda até o lado do JP, seus olhos azuis me avaliando.
— Bem, olá — diz. — Sou uma grande fã dos jogos e sua em particular. Estou feliz por
você ter vindo.
JP franze o rosto para ela, que ou não percebe ou não liga, porque continua me encarando e
batendo os cílios falsos para mim. Nada contra cílios falsos, só não gosto quando a mulher que está
piscando é falsa também. Já tenho uma dessas.
— Kenan, essa é a Amanda — JP diz. — Uma das minhas estilistas favoritas.
— Uma das suas favoritas? — Finge um olhar afrontoso. Ou talvez seja real. Não dá para
dizer.
— Não seja tão gananciosa — dispara JP, dissipando a briga com um sorriso.
— Você é o último convidado a chegar — Keir avisa suavemente, soltando a corda e
gesticulando para nós andarmos até a curta prancha que dá no barco.
O iate é enorme, e todo mundo parece ter se espalhado pelos dois decks. Um DJ toca de
tudo, de house music até hip hop, de pop dos anos 80 até os anos 90. Garçons servindo bandejas
cheias de comida deslizam entre os grupos de convidados. Estamos nos movendo tão lentamente na
água que mal sinto, mas o píer vai se afastando cada vez que olho para trás. A linha do horizonte,
pontilhada com prédios brilhantes contra a noite aveludada, continua me distraindo da conversa.
— Com fome? — Amanda pergunta.
Ela daria uma mordida em mim se eu estivesse a fim, o que não estou. Tenho experiência
suficiente em devoradoras de homens pelo resto da vida. Ela encontrará outro alguém para devorar.
Estou certo de que qualquer milionário razoavelmente atraente concordará.
— Hm, não. Já comi.
Balanço a cabeça em negativa e bato na minha perna com dedos trêmulos. Meu regime de
treino foi jogado fora nos últimos poucos dias de transição para o meu novo apartamento e a
mudança. Dá para dizer que tenho muita energia reprimida. Eles provavelmente não têm nada que eu
possa comer, de todo jeito. A chave para me manter jogando o quanto eu quiser e sair nos meus
termos é ser mais esperto, não mais durão. Ser mais esperto significa viver como um monge o ano
inteiro, se você for um monge que malha duas vezes ao dia, mergulha em banheiras de gelo e ainda
pode transar.
Pode ser por isso que estou trêmulo. Bridget e eu podíamos estar em lados opostos em
todas as brigas, mas dormíamos na mesma cama e, ô vergonha, eu a fodi por bastante tempo depois
de deixar de amá-la. Mas votos eram sagrados, pelo menos para mim, e ela era minha única opção.
Ficar sem sexo não era uma opção.
E mesmo assim... aqui estou eu, com os dedos trêmulos e energia acumulada. Eu
definitivamente poderia usar a foda de verão que a Banner sugeriu.
— Uma bebida? — JP oferece.
Não sempre, mas álcool me ajuda a sorrir quando sinto que estou carrancudo.
— Claro. Vinho está bom. Tinto.
Evito coisas pesadas tanto quanto possível, mesmo fora de temporada. Além disso, se
planejo sair deste barco sem que Amanda tire vantagem de mim, preciso de uma cabeça
relativamente clara.
JP pega uma taça de vinho de uma das bandejas e me apresenta para várias outras pessoas.
Elas podem muito bem ser a mesma pessoa enquanto assimilo seus nomes e rostos.
— É demais — uma bela ruiva de olhos verdes diz. — Nós somos gente demais, mas
somos legais. Sou a Billie, a propósito.
— Prazer em conhecê-la, Billie — cumprimento.
— Os jogos vão ajudar você a conhecer todo mundo — JP garante, como se isso me
animasse.
— Jogos? — questiono. Só jogo um jogo. Basquete. Em qualquer outro posso ficar
entediado.
— Eles sempre têm jogos — Billie fala secamente, oferecendo-me um olhar de compaixão.
— Você não tem que jogar, mas normalmente acaba sendo divertido. Já jogamos esconde-esconde.
— Prender o rabo no burro — JP adiciona jovialmente.
— Pique-bandeirinha — Amanda fala, rindo.
— Quebramos um vaso de vinte mil dólares naquela noite — uma voz masculina diz atrás
de mim. — Não que precise dizer, mas chega de pique-bandeirinha.
Giro para encarar a voz e imediatamente reconheço o cara que a acompanha. A fadinha de
olhos escuros, delicada, sexy pra porra em quem não consigo parar de pensar estava com esse daí na
última vez que a vi.
— Chase, né? — pergunto, fazendo um esforço consciente para relaxar as sobrancelhas,
porque posso sentir uma carranca se formando. — Acho que nos conhecemos na festa de Natal há
alguns meses. Você é fotógrafo?
Você estava com a Lotus, é o que penso, mas não falo.
— Sim, boa memória. — Sorri, e quero arrancar o coque loiro sujo do seu cabelo fio por
fio. Reconheço que é uma reação extrema, mas é a única forma de descrever como me sinto quando
estou ao redor daquela mulher. Extremo.
— Chase é o motivo para termos nos encontrado — JP revela, dando a ele um sorriso
agradecido.
— Como? — questiono. Essa aliança está parecendo menos agradável a cada minuto que
passa e a cada revelação.
— Seus braços. — Chase acena para os meus antebraços, expostos pela minha camisa de
manga curta. — Lembra que eu disse na festa que você tinha ótimos braços? — fala como se isso
devesse explicar tudo, mas ergo ambas as sobrancelhas, passando um recado, silenciosamente
encorajando-o a elaborar mais. — Quando JP me disse que estava procurando um porta-voz para os
relógios — Chase continua —, pensei em você.
Minha mente se agarra a uma vaga improbabilidade.
— Você conhece a Lotus também? — pergunto diretamente para JP.
— Conhecê-la? — JP ri com vontade, sacudindo a barriga e esticando os botões da camisa
de seda. — Ela trabalha no meu ateliê.
Nota para mim mesmo: jogar ateliê no Google.
Não sou alguém que acredita em destino, mas, na minha primeira semana em uma cidade
deste tamanho, já faço parte da teoria dos seis graus de separação com a mulher que eu teria uma
aventura e uma foda de verão. Quando o destino bate à porta, você atende.
— E ela... — Limpo a garganta. — Ela não está aqui, está? No barco?
— Por quê? — Chase indaga, suspeita envolvendo sua voz agora, a fácil simpatia de
minutos atrás indo embora.
Não é da sua conta, é o que quero dizer, mas a Banner continua no meu ouvido.
— Temos amigos em comum — respondo, encarando-o tanto quanto ele está me encarando.
— Não tinha percebido — JP fala. — Pergunto-me por que ela não mencionou que vocês
se conheciam.
— Conhecermos um ao outro é exagero — digo a ele, um sorriso sem humor. — Como eu
disse, temos amigos em comum. Um dos meus colegas de equipe é casado com a prima dela. Nós nos
vimos algumas vezes.
— Ela está aqui em algum lugar — JP diz, observando o deck.
Considerando que na festa de Natal ela basicamente fugiu de cena assim que percebeu que
eu estava lá, não apostaria que realmente falaria com ela. É provável que ela pule no mar. Saber que
está aqui, embora, não deveria me fazer sentir assim. Eu mal conheço a mulher. Correção. Eu não
conheço a mulher, e ela já deixou claro que não quer me conhecer. Amanda quer me conhecer.
Bridget implora para eu voltar. Eu poderia encontrar uma dúzia, não, mais, várias mulheres esta noite
que iriam me querer.
E de forma perversa, estou caidinho por aquela que não me quer.
— Vou encontrá-la — JP interrompe meu monólogo interno — e chamá-la aqui.
— Não é necessário — profiro, parcialmente entusiasmado, porque não planejo pará-lo.
— Yari — JP chama a mulher do outro lado do deck. — Onde está a Lo?
Uma latina atraente — talvez porto-riquenha ou dominicana — gira a cabeça da pessoa
com quem fala. Seus olhos vão de JP para mim e voltam.
— No deck superior talvez? — Yari pergunta, dando de ombros.
— Seja uma querida — pede alegremente — e vá buscá-la para mim?
Ela sopra algo para a pessoa conversando com ela e desaparece pelas escadas.
JP, Chase e Amanda continuam falando, seguindo com a conversa. Entro na discussão com
pouco mais da metade de um ouvido atento. Começo a acreditar que Lotus realmente abandonou o
navio em vez de me ver, quando Yari retorna.
E Lotus a segue.
De alguma forma, ela está diferente toda vez que a vejo, mas há algo sobre ela que nunca
parece mudar. Já a vi com tranças platinadas e o cabelo tão curto que emoldurava seu rosto, mas eu
deveria saber que é melhor não tentar prevê-la.
A delicada mulher que desce as escadas é outra encarnação daquela que me fascinou na
primeira vez em que dividimos um quarto de hospital há dois anos. August, meu companheiro de
time, marido de sua prima Iris, teve uma concussão. Ela foi visitá-lo enquanto eu estava lá e senti
como se um cavalo tivesse chutado meu estômago quando entrou. Roubou todo o meu ar, todo o ar do
quarto. Uma mulher tão pequena comandou o espaço completamente fazendo nada mais do que passar
pela porta.
Ela faz isso novamente agora, mas desta vez não há tranças. Seu cabelo não está cortado
nem platinado. É como um halo de cachos texturizados, o cabelo natural, em camadas de mel, trigo e
ouro, contrastando com a pele. Está um pouco mais bronzeada do que da última vez que a vi, como se
tivesse pegado o sol do verão e prendido seu calor dentro da pele dela até que brilhasse. Sua boca
larga, apesar de não sorrir, ainda é macia; as curvas exuberantes e tentadoras. Há algo felino em
Lotus. A graciosidade despreocupada dos seus movimentos. O rosto em formato de coração com
queixo pontudo, as maçãs do rosto largas e os olhos grandes. Puxa o cabelo para trás e vejo uma
trilha de brincos dourados em sua frágil orelha. Na outra, ela usa um brinco enorme também de ouro.
Um vestido de verão sem mangas laranja flui pelas suas curvas finas como fogo e água. Ela parece
uma cigana tocada pelo sol.
Lotus não afasta o olhar. Fui rude como o inferno quando nos conhecemos no passado,
encarando-a como se eu não tivesse sido educado em casa. A maioria das mulheres limparia a
garganta, rolaria os olhos, estalaria os dedos na minha cara. Algo que indicasse um “mas que inferno,
cara”, mas não a Lotus. Ela encara de volta todas as vezes. Não que estivesse me estudando tão de
perto quanto estou estudando-a, mas como se estivesse permitindo que eu a olhasse para me
preencher.
E eu o faço.
No momento em que chega ao lado do JP, estou preparado e pronto para manter a pose e
não parecer um cuzão... de novo. Só vimos um ao outro poucas vezes antes e não por muito tempo.
De perto, com tempo para estudá-la, vejo detalhes que não notei antes. As alças finas de seu vestido
mostram mais do que vi no passado e várias tatuagens coloridas e complexas decoram a pele polida.
Uma caligrafia beija sua clavícula, mas não estou perto o suficiente para ler. Luas adornam três
dedos de sua mão direita — uma crescente no anular, uma meia-lua no do meio e uma cheia no
indicador.
Está usando rasteirinhas hoje em vez de saltos, sua cabeça quase não alcança meu ombro.
Meu Deus, grande como sou, eu poderia esmagá-la se não fosse cuidadoso. Não que eu fosse ter a
chance de ser descuidado com ela. O olhar em seu rosto diz isso; aquela resistência inflexível; o
silêncio eloquente me revela sem sombra de dúvidas que meu interesse foi devidamente percebido e
não é recíproco.
— Precisava de mim, JP? — pergunta ela, o calor de sua voz se resfriando até a
temperatura ambiente, provavelmente para meu benefício.
— Não me contou que conhecia Kenan quando o mencionei na reunião de hoje — devolve
em uma acusação gentil. É óbvio que gosta de Lotus.
Os longos cílios se abaixam para cobrir seus olhos antes que os erga para encontrar os
meus com força.
— Não nos conhecemos realmente — replica, com um pequeno dar de ombros. — O
colega de time dele é casado com a minha prima. Bom vê-lo novamente, Kenan.
É a primeira vez que a ouço dizer meu nome. Fica um silêncio por alguns segundos
enquanto as várias pessoas em nosso pequeno círculo deslizam olhares entre Lotus e eu, sem dúvida
tentando entender o que realmente está acontecendo.
Enquanto eu tento entender o que realmente está acontecendo.
— Bom ver você de novo também — devolvo, forçando um pequeno sorriso.
— Como estavam Iris e August quando você saiu de San Diego? — indaga, roubando
alguns aperitivos de azeitona do pratinho de Chase.
— Bem. Trabalhando no quarto do bebê.
Ela permanece parada por um momento, um sorriso natural curvando seus lábios, antes de
se virar para sua amiga Yari, que a trouxe aqui.
— Então, como convenço você a usar meus relógios, Senhor Ross? — JP pergunta.
Toda a atenção recai sobre mim.
— Vamos deixar o assunto rolar — respondo, e beberico meu vinho.
— Bem, você tem ótimos braços — JP aponta, desnecessariamente, de novo. — Seria um
pornô de braço totalmente.
Estremeço, porque isso não soa nada bem.
— Você não faz ideia do que isso é, né? — Lotus se inclina para sussurrar. Ela invade meu
espaço, seu cheiro fresco, doce e apimentado, como se tivesse aplicado gotas da sua personalidade
nos pulsos e atrás das orelhas.
— Hm... Isso soa como alguma merda louca.
Ela ri, e é a primeira vez que sua abertura, essa liberdade de quem ela realmente é, se
libera em mim. Tinha visto aquilo à distância com Iris e sua filha, Sarai, mas os olhos escuros de
Lotus brilham com humor e seus lábios tremem, mesmo depois que parou de rir.
Não temos tempo de nos aprofundarmos, porque Keir agarra um microfone e verbalmente
conduz todo mundo para o salão principal do iate.
— Obrigado a todos por terem vindo hoje à noite — o homem diz, espalhando seu sorriso
acolhedor pela sala. — Não seria uma festa sem um dos nossos jogos lendários, não é mesmo?
Ele e Vale riem quando o público solta um gemido coletivo e exasperado.
— Hoje, em homenagem ao nosso convidado especial, o Senhor Kenan Ross — Vale diz,
gesticulando para mim —, vamos ter um jogo novo.
Sem querer ser o centro das atenções por muito tempo, ofereço um sorriso breve,
provavelmente estranho, e espero que eles sigam em frente com ele.
— Agradeça-me depois — sussurro para Lotus, uma vez que continuaram, aproveitando a
oportunidade da conversa fácil que existiu minutos atrás, esperando que continuasse.
— Você é fã do Drake? — questiona.
— Oi? — Percorro a conversa novamente na cabeça. Por que ela me perguntaria...
Ah, o álbum do Drake, Thank Me Later, agradeça-me depois.
— Não muito — respondo honestamente. — Quer dizer, ele é bom, mas não está, tipo, no
meu top 5.
Estou prestes a perguntar o top 5 dela, considerando que é o máximo que ela já conversou
comigo, quando a palavra “beijo” chama minha atenção.
— O que eles disseram? — Viro-me para perguntar para Lotus, que não está aqui.
Ela se foi e está parada ao lado de Chase, roubando comida do seu prato. Ele se inclina
para sussurrar algo em seu ouvido. Ela balança a cabeça, começando a se afastar, mas aí rouba do
prato mais uma vez antes de se juntar a Billie e Yari, alguns passos afastadas.
— Ele disse que vamos jogar Hook Shot — Amanda me responde, com um olhar que acho
que deveria ser sexy.
— Hm... Isso é um jogo?
— Sim, em sua homenagem. Você conhece o gancho no basquete, quando...
— Sim, essa parte eu entendi. — Aponto para mim mesmo. — Sou jogador de basquete,
então sim. Hook Shot, gancho, mas o que é esse jogo?
Vale se aproxima, seus olhos azuis islandeses frios e sorridentes quando ela oferece uma
bolsa de couro para nós.
— Pegue — diz, com um aceno encorajador.
— Pegar? — questiono, ainda querendo entender que merda está acontecendo.
— Sim. — Seu tom é paciente e ela sacode a pequena bolsa. — É um jogo de bebida.
Ainda mais perdido.
— Então — ela continua, desacelerando as palavras, como se aquilo pudesse ajudar —,
você tira um item.
— Item?
Agora me sinto estúpido. Toda resposta que ela me dá gera uma nova pergunta.
— Pegue — repete, e pelo menos ela está rindo. — E vou mostrar a você.
Coloco a mão dentro da bolsa de couro e sinto várias bolsas menores de seda. Pego uma e
olho para ela, esperando o que vem a seguir.
— Abra, mas não mostre. — Ela oferece a bolsa para Amanda, que faz o mesmo.
Há uma pequena bota na minha bolsa.
— É uma bota — eu conto.
— Shhh! — Vale sibila e ri ainda mais. — É segredo.
Várias pessoas não entenderam isso também, porque, quando olho para o grupo da Lotus,
ela está comparando o dela com a Billie e a Yari. O dela é um botão, que é rapidamente enfiado de
volta na bolsa.
— Alguém tem o mesmo item que você — Vale explica. — Vocês dois tomarão um shot de
tequila. Essa é a parte do “shot”. E você beija a pessoa que tiver o mesmo item que você pegou.
Como um hook-up, de ficar, sabe? Hook Shot. Mas você não fica realmente com ninguém. Pode ser
só um selinho. — Ela ri, balançando as sobrancelhas. — Mas fica mais divertido se não for.
— Selinho? — Solto uma risada do tipo “foda-se”.
— É tipo aquele jogo de girar a garrafa — Amanda adiciona, dando de ombros. — Como
se jogava no ensino médio, mas... mais velhos e beijando melhor.
Droga, Banner, você me deve uma gigante.
— Não... — Nego com a cabeça. — Acho que não.
— Mas é um jogo de quebra-cabeça — Vale diz, consternada. — Em sua homenagem.
Hook Shot é um jogo real, nós não inventamos, só adicionamos um pouco de estilo.
— Pode ser o quebra-cabeça que for — digo a ela, sorrindo para suavizar a verdade
absoluta: não estou interessado. — Não vou jogar.
Jogos sempre me colocam para fazer alguma merda idiota, e quando eu resisto em fazer
algo idiota, pareço alguém difícil.
— É divertido, né? — JP pergunta, caminhando até mim. — Hook Shot. Entendeu?
Não quero beijar Chase ou ele ou quem quer que tenha a outra bota. A única pessoa que
quero beijar tem um botão. E estou cansado de assistir ao Chase correndo atrás dela a noite inteira.
Mesmo agora, ele está alisando o braço nu da Lotus e deslizando a mão pelas costas tão baixo quanto
possível de forma decente, sem tocar a bunda dela. Ele está me deixando agitado.
— Ninguém tem que beijar. Apenas aqueles que querem — JP diz, inclinando-se para a
frente e convidando-me a rir com ele. — Alguns gostam de assistir.
— Sim, JP, acho que vou... — Paro quando vejo o que ele segura frouxamente em sua mão.
Talvez esta noite ainda dê para salvar.
— Você perguntou o que tinha que fazer para assinar comigo pelos relógios, né?
O olhar especulativo nos olhos do JP brilha e ele assente lentamente.
— Oui — responde, com um sorriso. — Diga como.
— Chase, eu disse não — injeto um pouco de aço no meu tom, já que ele não parece
entender a dica.
— Por que não, Lo? — Ele me prende contra a pia do banheiro com seu corpo.
— Não tenho que te dar uma razão, exceto que não quero. — Balanço as mãos para secar,
já que ele está bloqueando a toalha. — Tentei ficar de boa, mas você me seguir até aqui não é ok.
— Temos algo bom. — Ele beija minha nuca e segura meu seio, procurando o piercing de
mamilo e apertando.
— Cai fora, porra. — O espaço no banheiro do deck inferior é apertado. Quando o
empurro, suas costas batem na porta.
— Ficou maluca? — Chase vocifera, a voz baixa e o rosto vermelho. — Quer que as
pessoas escutem?
— Toque em mim mais uma vez e todo mundo vai saber, porque estarei chutando sua bunda
sem graça para cima e para baixo até o deck de observação. — Ando até a porta que ele está
bloqueando. — Mova-se.
— Diga-me o que eu fiz — pede, sua voz e seu rosto se suavizando. — Sei que era bom
para você também, então por que...
— Chase, quero outra coisa no momento.
— Outro alguém?
— Se eu quisesse outro alguém, seria a droga do meu problema, mas só quero a mim
mesma. Tenho merdas para resolver. Merdas minhas. Não tem nada a ver com mais ninguém; e não
preciso de conexões, nem as mais casuais, complicando as coisas.
— Casuais? Lo, nós não éramos casuais.
— Sim, claro que éramos, Chase. Você poderia foder todo mundo do SoHo duas vezes e
partir para o Hell’s Kitchen... Eu não ligaria. Nós não éramos nem mesmo casuais. Éramos
convenientes. Eu queria um pau. Você queria uma boceta. Eu estava disponível e você deu sorte, mas
sorte acaba.
— E agora eu não sou mais conveniente?
Suspiro, sem paciência para um garoto carente chorando na minha saia esta noite.
— Não aja como se você não tivesse tido essa conversa centenas de vezes com outras
garotas.
— Sim, mas isso é diferente.
— Aaah, rejeição é algo novo para você e o seu pau? — Finjo um rosto triste. — Sinto
tanto por vocês dois.
— Isso é temporário? — questiona.
É?
Não tenho ideia. Chase foi o dominó que caiu e começou esse boycote... trocadilho
intencional com o “boy”. Aquele sentimento de vazio e insatisfação, a dor por algo a mais vinha me
incomodando sempre que passava um tempo fazendo sexo, mas da última vez, com Chase, o medo
apareceu. Ele segurou meus pulsos unidos em cima da minha cabeça e algo mudou.
Clicou.
Quebrou.
Ele já tinha me segurado daquele jeito antes. Outros caras também tinham feito aquilo e
nunca me incomodou. Na verdade, me excitava, mas daquela vez era diferente. Forcei-me a não me
debater e arranhar Chase para que me deixasse ir. Racionalmente, sabia que ele não ia me magoar,
mas o pânico não ia me ouvir. Quando terminamos, sem saber de nada, ele acendeu seu baseado usual
de depois do sexo, mas corri para o banheiro e tive um colapso no chão do banheiro, chorando
incontrolavelmente.
Não posso fazer aquilo de novo.
— Não sei quanto tempo vai levar até que eu organize todas as coisas na minha cabeça —
finalmente respondo Chase, forçando a mim mesma a esquecer das memórias preocupantes.
— Tipo... coisas da cabeça? — pergunta, seu olhar cauteloso, como se eu estivesse
escondendo uma faca de açougueiro em meu vestido.
— Uau, você quer mesmo que eu abra meu coração — digo, sarcasmo pingando pelas
minhas mãos. — Preciso daquela toalha.
Ele dá um passo para o lado e observa enquanto seco o resto da água em minhas mãos.
Antes que ele continue o inquérito, abro a porta, apenas para parar. Kenan se inclina contra a parede
no pequeno corredor, os braços musculosos flexionados sobre o peito poderoso. As pernas longas
cruzadas nos tornozelos.
É um barco grande e tem sido difícil evitá-lo pela maior parte da noite. Ele se apresenta
como uma ameaça e nem mesmo sabe disso. É como se ele estivesse andando por aí com uma bomba
amarrada no peito, completamente alheio a qualquer um que estivesse lá fora com o dedo segurando
um gatilho. Uma bomba de dois metros de explosivos perigosos.
Há algo de realeza em seu porte que vai além da altura. Além das sobrancelhas grossas, da
pele da cor de mogno e das maçãs do rosto esculpidas. O queixo forte e a extravagância dos lábios
tão cheios em uma face tão esguia e magra. É de dentro dele. Uma garantia. Confiança. Estima. Sinto
a força disso cada vez que nos encontramos e eu o ignoro. Tenho que sentir. Sua postura é indiferente,
mas os olhos — escuros, inteligentes, alertas — se fixam em Chase, atrás do meu ombro.
— Tudo bem? — questiona, sua voz um estrondo de aviso.
Não sei o que ele ouviu ou quanto tempo ficou ali, mas acredito que, se eu disser que não,
ele irá derrubar Chase por uma semana. E por mais que eu meio que ache que Chase merece, não
vamos fazer isso.
— Estamos bem — respondo, olhando por cima do ombro para meu parceiro de foda de
outrora. — Certo, Chase?
— Hm, sim. — Suas pupilas se arregalam e ele muda, como se estivesse brigando com
seus instintos de bater ou correr. Com um homem grande como o Kenan, bater não é realmente um
movimento inteligente, então acho que ele está no modo correr agora. — Estamos bem.
Ele me empurra para passar rapidamente e se encaminha de volta para a festa sem qualquer
outra palavra.
— Tem certeza de que está bem? — Kenan pergunta, uma carranca franzindo seu rosto
interrogativo.
— Positivo. Chase e eu temos um entendimento.
— Vocês estão namorando? — pergunta, o tom neutro, mas que não me engana. Ele se
importa com o que direi a seguir.
Nunca experimentei uma química tão instantânea quanto tive com Kenan, mas tão
vulnerável e vazia quanto tenho me sentido ultimamente, talvez o tanto que tenho me sentido há
tempos. Ele não era o que eu precisava. Precisava de algo simples. Fácil. E esse homem não é
nenhuma dessas coisas.
— Nós nunca namoramos.
— Ah, eu pensei...
— Nós estávamos fodendo — corrijo. — Mas não mais.
Um músculo lateja na linha marcada da sua mandíbula.
— Entendi.
Ele se afasta da parede, aproximando-se. Tudo de mim quer recuar. Não porque tenho
medo dele, mas porque tenho medo de mim mesma, da minha resposta a esse homem.
Mantenho minha posição, suportando o perfume intoxicante dele e o calor de quando está
tão perto que seu corpo enorme eclipsa o mundo atrás dos seus ombros.
— Então isso significa que o caminho está livre para alguém que queira te levar para sair?
— pergunta, sua voz como uma gentil e forte mão tocando minha pele.
— Não, não é isso que significa. — Olho para cima, para prender seus olhos nos meus, e
recuso-me a me afastar, mesmo quando a cartilagem em volta dos meus joelhos começa a virar
marshmallow. — Significa o oposto. Estrada bloqueada à frente.
— Uma estrada bloqueada? — Ele olha para baixo, de tão longe de mim, uma sobrancelha
arqueada em questionamento.
— Você não pode ultrapassar, mas há rotas alternativas. Um desvio. — Aceno com a
cabeça para a festa. — Amanda, por exemplo, parece querer ser sua rota alternativa.
— Não. — Ele balança a cabeça. — Ela não é meu tipo.
— Ah, uma loira bonita dos olhos azuis com peitões não é seu tipo?
— Costumava ser. — Ele solta uma curta risada. — Fui casado com uma por muito tempo.
Fico quieta, engasgada com algo. Uma mulher não poderia ser mais oposta a mim do que
uma loira do olho azul. Nem mesmo conheço este homem, então não deveria me doer que ele tenha
pertencido a alguém, que tenha escolhido alguém tão diferente de mim.
— Bem, se você mudar de ideia, eu chamaria a estrada da Amanda de... bem, trafegada —
digo, dando a volta por ele. — Então se segure com força se for percorrer.
— Como eu disse, não estou remotamente interessado na Amanda — devolve. —Estou
muito interessado em você. Vou ficar em Nova Iorque o verão inteiro. Deixe-me levá-la para sair.
— Desvio — lembro a ele, seguindo o caminho que Chase escolheu há poucos minutos.
— Aí está você — JP diz quando entro novamente no salão, mas ele está olhando por cima
do meu ombro. — Não poderíamos começar sem nosso convidado de honra.
Quando Keir explicou o jogo, fiquei imediatamente tensa com a possibilidade de que
poderia ficar aleatoriamente como par de Kenan e que ele me pedisse para beijá-lo. Eu
provavelmente teria desistido do jogo, já fiz isso em algumas dessas festas. Mas ouvi Kenan falando
com Vale, e tenho quase certeza de que o ouvi falando “bota”. Por outro lado, JP estava andando com
o botão na mão, quase sem tentar esconder. O máximo que JP me dará é um dos seus famosos “beijos
no ar”.
Nós nos reunimos no salão principal para jogar. Depois de alguns rounds, fica divertido de
verdade. Essa é a coisa com esses jogos. Todos reclamamos e fingimos odiar, mas há algo
estimulante em se livrar do manto da responsabilidade, o dia a dia do adulto, e agir como crianças
novamente por apenas uma noite.
Amanda e Yari têm ambas um dedal. Elas tomam seus copos de tequila e depois batem na
mesa do centro da sala com gosto, as duas assobiando e enxugando a boca com o dorso das mãos.
Quando é hora do beijo, elas fazem um show, aos risos, para o entusiasmo dos caras.
— Mais! — Chase grita. — Não parem. Estava ficando bom.
Passamos por mais alguns rounds, sentando em sofás baixos alinhados na parede, comendo
e ficando mais bêbados por minuto. Tento desligar, ignorar a presença convincente do homem que
quase não se encaixa aqui, que não pertence a essa tribo de criativos malucos, mas que consegue
parecer tão confortável, flutuando conosco hoje à noite, como se estivesse de pé na linha de lance
livre.
Acho que ainda existe a linha de lance livre. Eles podem ter abolido esse negócio pelo
tanto que sei ou me interesso. Não sigo nada sobre basquete.
Tenho ciência de Kenan, embora. Meus sentidos se aguçam e minha pele se arrepia toda
vez que algo tira sua risada relutante de dentro do esconderijo.
— Sua vez, Lo — Vale diz, as bochechas ainda vermelhas de seu beijo e licor.
Paro na mesa. Uma garrafa de tequila e dois copinhos de doses são as únicas coisas se
amontoando na superfície. Com um floreio, seguro minha pequena bolsinha para mostrar a todo
mundo e lentamente tiro o botão dourado.
— Ok, então, quem eu vou beijar? — Procuro pela sala até encontrar o JP e pisco para ele.
— Vamos lá.
JP pisca de volta, seus olhos brilhando do jeito que ficam quando um design surge, mas ele
não se move.
JP não se move, mas, para o meu alarme e horror, Kenan se une a mim na mesa e segura um
botão. Meus olhos voam dele para o objeto. Poderia jurar que o ouvi dizer que tinha uma bota, e
poderia jurar que JP tinha o botão. Agora mesmo, eu poderia apenas jurar. Xingar. As paredes do
meu próprio estômago parecem se contorcer com Kenan tão próximo.
Mas não vou desistir na frente de todo mundo. E certamente não vou desistir na frente dele.
É apenas um beijo. Dá para ser rápido, não causar nenhum dano e acabar em pouco tempo.
Com as mãos aparentemente firmes, pego a garrafa e preencho meu copo de shot até bem
no topo. Deslizo a garrafa em sua direção sem nem mesmo olhar para ele. Minhas mãos podem
parecer firmes, mas por dentro estou tremendo. De fúria. De frustração. Droga, só posso admitir isso
e jurar segredo para mim mesma — tremendo de ansiedade. Não posso ficar com esse homem
incrível do tamanho de uma torre, e não irei, sob nenhuma circunstância, dar-me a ele.
Kenan parece bom demais para ser real. Esses são os piores homens, pois, na minha
experiência, eles não costumam ser reais. Com tudo que estou passando, não preciso daquela merda
não real agora. Na verdade, nunca. Já tive pessoas o suficiente na vida em quem pensei que podia
confiar, mas que, no fim, provaram que eu não podia.
Não, eu não poderia tê-lo e ele não poderia ter a mim, mas podemos ter esse beijo. Esse
único beijinho. A chave é controlar isso. Um pouquinho de pressão. Um pouquinho de língua. Um
gostinho, depois caio fora.
Com meu plano de batalha no lugar, encontro seus olhos por cima da borda do copo e, na
contagem de três da multidão, viramos nossos drinks ao mesmo tempo. O líquido ardente queima
minha garganta. Solto um “aaah” e bato o copo na mesa. Kenan faz o mesmo e encaramos um ao
outro.
— Vamos logo com isso. — Dou um sorriso largo e uma coragem falsa pelos meus amigos.
— Vou deixá-lo de queixo caído, galera.
Eles respondem com uivos e assobios, encorajando-me. A minúscula tremida na boca dele
é a única dica de que pode estar achando isso divertido.
Em vez de se inclinar como todos tinham feito até agora, ele caminha em volta da mesa até
parar diretamente na minha frente. Minhas piadas e humor murcham com a intensidade do seu olhar.
Inclina-se para baixo até que os lábios estejam a uma respiração de mim. Desce as mãos deslizando
pelos meus braços nus e agarra meus cotovelos para me erguer, eliminando os últimos poucos
centímetros que separam nossos lábios.
Começa com uma leve pressão, quase sem ser um beijo. Seus lábios descansam contra os
meus. Os dele, sem demandar nada. Os meus, determinados a não dar nada a ele. Mas com um leve
movimento de sua cabeça, o novo ângulo aprofunda o contato e abre minha boca. É um pedido de
entrada para saborear, provar. Meus lábios pouco se abrem, mas meu suspiro dá permissão, e ele não
hesita, segurando meu rosto com as mãos, puxando suavemente o meu queixo, abrindo minha boca e
provando por dentro lenta e languidamente, com lambidas ardentes e com gosto de licor. Quando sua
língua roça o céu da minha boca, mil dedos, que sinto em todos os lugares de uma só vez, tocam meus
braços, minha espinha, minha nuca, minhas pernas. Nem mesmo as partes mais escondidas de mim
permanecem intocadas pela sensação. Cada centímetro meu é estimulado. Eu suspiro, e ele
imediatamente mergulha mais fundo, como se estivesse perseguindo os segredos escondidos debaixo
da minha língua e presos nas paredes da minha boca.
Não sei se o rosnado é dele, se o choramingo é meu, mas todas as coisas que manteriam
isso sob controle — meus amigos assistindo, nossas inibições, decoro — derretem na fúria desse
calor, como se estivéssemos nos beijando debaixo do sol. Engrenagens enferrujadas dentro de mim,
lubrificadas por tequila e paixão, começando a girar de formas há muito esquecidas, se é que já
tinham sido conhecidas. Sem pensar, estico-me para cima, empurrando minhas mãos pelas largas
costas, e envolvo meus dedos em sua nuca. Ele está longe demais e quero ficar perto. Espalha as
mãos pelas minhas costas, abrangendo-as completamente, enquanto me puxa para dentro do abrigo do
seu corpo. Morde meus lábios e eu lambo o sabor picante de sua boca. Deus, ele é delicioso. Nunca
provei nada como ele. Nunca senti nada como isso.
A cada segundo isso se intensifica. Nós nos intensificamos. Mãos que se apertam com
força. Bocas que crescem em desespero. Respirações que ficam mais rápidas e mais curtas pelos
nossos narizes, porque não liberarei a boca dele e ele não o fará com a minha. Este beijo é um
corredor escuro, girando e rodando, levando-me para mais fundo. Não consigo encontrar minha
saída; e se alguém abrir a porta oferecendo uma, eu bateria com ela na cara da pessoa.
— Vão para um quarto! — alguém grita da multidão. Outros riem.
Isso me assusta. Arranca-me da falsa privacidade que criamos com nossos lábios, línguas,
bocas e gemidos. É como uma lanterna nos iluminando, expondo a mim.
Nós nos afastamos, nossas respirações desreguladas se misturando. Não é que eu esteja
constrangida com o que meus amigos viram. É o que ele viu — que não sou imune a ele.
De cima, ele examina meu rosto. O que está procurando eu não sei, mas com o pouco de
dignidade que ainda tenho, abaixo a cabeça, escondendo-me.
— Bem, hm... quem é o próximo? — Keir pergunta, obviamente perplexo, mas tentando se
recuperar.
Aproveito que a atenção está voltada para os próximos jogadores. Suavemente e com as
pernas instáveis, deixo o salão e me encaminho para o deck de observação sem dar nem um olhar
para Kenan.
A vista vibrante de Nova Iorque nunca perde a graça. Deixo a beleza da noite — a Estátua
da Liberdade e o trilho de luzes da Ponte do Brooklyn — me confortarem. O ar noturno acalma meu
pulso acelerado e a leve brisa balança meus cabelos, esfriando minhas bochechas que queimam.
Olho para as estrelas acusadoramente, como se elas tivessem orquestrado isso. É muita
coincidência esse homem surgindo bem quando estou começando a lidar com coisas difíceis do
passado. Procuro no céu azul índigo por uma resposta, pela confirmação dessa previsão do futuro,
mas não há nenhuma estrela cadente. Nenhuma crise cósmica que vá refletir a turbulência sob minha
pele. Nem mesmo uma nuvem ou um raio.
— Aqui está você — Yari diz, juntando-se a mim perto da grade. — Você e Kenan deviam
ter cobrado ingresso para aquilo.
— Era um jogo, Ri — rebato, olhando de lado para ela. — Não faça disso um grande
negócio. Não era real.
— Com aquele homem lá parecendo um aperitivo, eu faria ser real se fosse você.
— Lembre-se de que isso — faço um gesto no ar próximo da minha região pélvica — é
uma área livre de pênis pelo futuro imediato.
— Se aquele homem olhasse para mim do jeito que ele olha para você, eu reconsideraria.
— Ela fica quieta por um segundo. — Gosta dele, não gosta?
O que foi que me entregou? Pergunto silenciosamente. O beijo desentupidor de pia?
Não respondo. Há uma conexão entre Kenan e eu. Sabia disso na primeira vez que o vi.
Senti seus olhos em mim o tempo inteiro naquele quarto de hospital quando visitei August. Tive que
forçar a mim mesma a não encará-lo de volta.
Eu chorando no chuveiro do Chase, o vazio inexplicável que tenho sentido... Esses são
sintomas de um problema maior, algo que não falei nem mesmo para Yari. Algo com que ainda não
lidei. Tem me perseguido por anos e finalmente me alcançou. Posso continuar correndo ou dar a volta
e encarar, conquistar. Não decidi o que farei ainda, mas sei que não preciso de uma complicação
como Kenan enquanto estou fazendo isso.
— Hum-hum. — O pigarro chama minha atenção, a de Yari também. Kenan está parado no
topo das escadas que levam para o deck inferior.
Nossos olhares se colidem na semiescuridão. O horizonte cintilante de Manhattan lança um
brilho caloroso, aumentando o ar de intimidade crescente entre nós, mesmo com a Yari parada
assistindo.
— Hm, bem, isso é estranho — Yari diz, com uma risada. — Eu... vou. Vejo você lá
embaixo, Lo.
Kenan dá um passo para o lado para ela passar, mas não afasta o olhar do meu rosto.
— Como você pegou aquele botão? — começo com a coisa que mais quero saber. — JP
estava com ele. Então, como você pegou?
Ele cruza o deck entre nós em poucos passos calculados.
— Disse a ele que faria a campanha de relógio se me desse o botão. — Não há desculpas
na sua voz nem no olhar que me dá.
— Por que você fez isso?
— Porque queria beijar você.
Sua confissão franca, honesta, me tira o fôlego, mas eu relaxo. Olho para longe, para baixo.
Viro as costas para ele e encaro as águas escuras da noite.
— Você não deveria ter feito isso — falo para ele.
— Era um jogo, Lotus — diz de muito perto, bem ao meu lado, mas ergo o olhar para o céu
ainda silencioso acima de nós. — Você não tinha que jogar. — Toca meu braço de leve, mas me
afasto com o contato; eletrizante, derretendo. Ele olha dali para o meu rosto. — Mas você o fez —
continua. — Você jogou porque queria me beijar também.
A verdade flutua entre nós no ar ameno do verão, e não consigo respirar com facilidade.
Mordo meu lábio, debatendo o que devo dizer a ele — quanto devo revelar.
— É verdade. — Encontro seus olhos. — Mas não faz nenhuma diferença sobre o que
acontecerá em breve.
— Gostaria que acontecesse novamente, de preferência sem uma sala lotada assistindo —
ele sugere, um humor irônico curvando as pontas da sua boca sensual.
Lanço um sorriso triste a ele.
— Acho que não.
Decepção desliza pelo seu rosto antes que a afaste. Ele é um homem de controle e
disciplina evidentes, com braços fortes e musculosos que JP tanto ama. Um estômago chapado e uma
linha inflexível na boca. Seu corpo é uma máquina bem condicionada — uma arma forjada no fogo
das batalhas que ele trava na quadra. Como se sentiria ao perder esse controle? Aposto que posso
fazer isso, mas não sem ser esmagada antes.
— Posso ter uma explicação? — pergunta.
— Talvez eu apenas não esteja atraída por você.
Ele curva a sobrancelha, ceticismo aparecendo nos fortes traços do seu rosto.
— Com o risco de soar arrogante, nós dois sabemos que isso é bobagem.
— Ok, então vou falar a verdade. Estou dando um tempo de pinto — digo abruptamente,
realmente esperando que minha grosseria o assuste.
— Ah. — Ele assente, como se eu tivesse dito que estou dando um tempo de laticínios em
vez de pinto. — Bem, o que acha do resto de mim?
— O quê? — Fico perdida por meio segundo. Eu deveria ser a única a rechaçá-lo. — Não
sei nada sobre o resto de você.
— Meu ponto é exatamente esse. Você poderia conhecer o resto de mim durante o verão e
discutiremos meu pau depois.
Apesar de tudo, meus lábios se contorcem. Os dele fazem o mesmo, mas o humor
lentamente some de sua expressão.
— Olha, não vou fingir que não estou atraído por você. Acho que deixei isso — fala,
permitindo um sorriso autodepreciativo — abundante e embaraçosamente claro.
Assinto, esperando que ele continue.
— Mas minha vida está meio que uma bagunça agora mesmo — revela. — Não sei o
quanto você me conhece. — Ele para, cautela em sua pergunta silenciosa.
— Bem pouco — admito. — Não acompanho basquete em nada.
Algo como alívio cruza seu rosto antes que ele se feche.
— Fico feliz de você não saber muito sobre mim — diz. — Isso significa que eu mesmo
posso contar a você. Mas não hoje à noite. Basta dizer que estou saindo de um divórcio muito
confuso e público.
— Sinto muito.
— Eu não. — Ele ri, seus lábios se torcendo com ironia. — Quer dizer, sinto muito por ter
sido uma bagunça, mas não por ter me divorciado. Meu ponto é que não estou procurando por nada
sério...
— E não estou procurando nada sexual — lembro a ele.
— Então acho que isso nos leva a um verão inteiro para sermos amigos. Parece que
nenhum de nós precisa de complicação. Podemos manter tudo simples e ver aonde isso vai.
A palavra “amigos” balança entre nós como uma provocação, um desafio. Um blefe.
Aquele beijo que compartilhamos, o calor em seus olhos e a faísca quando nos tocamos fazem da
“amizade” uma mentira impossível. Há algo nesse homem. Simplicidade é a última coisa que penso
quando o vejo, mas ele está certo. Simplicidade é o que nós dois precisamos.
Quando não respondo, ele se estica para empurrar o cabelo atrás da minha orelha, traçando
meus brincos, e eu estremeço.
Simplicidade, meu cu!
Quando Bridget e eu nos conhecemos no colégio, achei que seu capricho, sua forma
despreocupada de ver a vida, iria me balancear. Mesmo que eu não fosse exatamente um cara
festeiro. A maioria dos caras do time tinha duas prioridades: ser escolhido no draft e transar.
Ok. Transar estava bem alto na minha lista também.
Mas, mesmo que eu fosse um aluno e atleta com bolsa, nunca pensei que terminaria sendo
escolhido para a liga. Minha vida era igual o Google Maps. Recalculando a rota de vez em quando,
dizendo-me que havia um caminho mais rápido e eficiente, um trajeto melhor, até que meu caminho
estivesse completamente irreconhecível. Eu não estava nem perto de ser o estudante de Direito que
meu pai esperava que eu fosse e não estava destinado a ser um juiz como ele. As coisas continuavam
mudando e, por mais volúvel que Bridget pudesse ser, ela era constante. Talvez eu precisasse daquilo
na época.
Agora, sentado em frente a ela no saguão do escritório da nossa conselheira familiar,
pergunto-me que merda eu tinha na cabeça quando me casei. Ela era uma constante, claro.
Constantemente me testando. Constantemente fazendo minha vida difícil. Ultimamente, humilhando-
me. Traindo-me.
— Eles devem sair em breve — avisa, olhando para seu relógio Cartier, um presente meu
pelo nosso aniversário de quinze anos de casamento. Os diamantes, puros e inestimáveis, zombando
de mim... Zombando do que tentei criar com ela. Ela também continua usando a aliança de casamento,
o que me irrita pra caralho.
— É… — Dou uma olhada para o meu relógio também. Um que JP pediu para eu usar.
Pensar em JP inevitavelmente me leva a pensar em Lotus e na nossa conversa estranha e
franca sob as estrelas. Antes de me beijar, ela disse brincando que iria me deixar de queixo caído.
Ela o fez.
Seu gosto era selvagem e doce, como uma pimenta exótica. Uma flor silvestre. O sabor e o
perfume podem ter desaparecido, mas a memória não, e eu quero de novo.
Deixe-me de queixo caído novamente, Lotus.
Eu deveria ser cauteloso. Talvez antes eu tenha pensado que a mulher sentada na minha
frente fosse uma flor silvestre, mas ela se transformou em uma planta carnívora.
Bridget atende ao telefone no primeiro toque, diz poucas palavras, depois me dá um
sorriso triunfante.
— Minha equipe está vindo — fala, passando por mim em direção ao elevador.
— Sua equipe? — questiono, confuso. — Você diz os seus amigos?
— Não, a equipe de produção do Amor de Jogador.
— Aqui não. — Fico de pé e caminho para ficar parado em frente a ela no elevador. —
Bridget, se você está pensando em...
O elevador se abre e um grupo de pessoas com câmeras e cabos sai de lá.
— Onde devemos nos posicionar? — um deles pergunta para a ela.
— No Inferno — disparo. — Ouvi dizer que lá está congelando. Podem juntar suas merdas
e voltar para a VH1, BET ou seja lá de onde vieram.
— Não pode fazer isso, Kenan. — Bridget engasga. — Esse é o meu sustento.
— Seu sustento? — pergunto, incrédulo. — Acho que você está confundindo esse
exibicionismo narcisista com um trabalho real. Ironicamente, é o meu trabalho o motivo para eles
estarem interessados em você em primeiro lugar. Agora diga a eles para irem, ou eu direi.
— Você não vai estragar isso para mim — diz, sua voz ficando mais alta, seu rosto se
tornando uma carranca.
— Quem é o responsável? — Ignoro minha ex e elevo o tom de voz acima do barulho das
risadas e murmúrio da equipe. — Onde está o produtor?
Ninguém se apresenta de imediato.
— Eu disse...
— Eu o ouvi, Senhor Ross — uma mulher diz, saindo de trás de um câmera alto. — Existe
algum problema?
— Qual é o seu nome? — Quero muito perguntar a idade dela, porque parece que tem uns
16 anos.
— Sou Lillian James — responde tranquila —, mas todo mundo me chama de LJ. Algum
problema?
— Haverá se vocês não desaparecerem daqui.
— Senhor, nós...
— Não venha com “senhor” para cima de mim. Você está ciente de que tenho uma ordem
do tribunal dizendo que minha filha e eu não devemos ser mostrados em seu programa?
— Sim, mas a Bridget disse que estaria tudo bem se pegássemos imagens dela entrando e
saindo do aconselhamento.
— Bem, Bridget estava errada — aviso, antes que ela possa falar mais alguma coisa sem
nenhum sentido que minha ex autorizou erroneamente. — Simone irá sair da sessão a qualquer minuto
e, se ela aparecer em uma tomada sequer, prometo a você que irei acabar com essa merda. Entendeu
isso?
Lillian engole e assente solenemente.
— Você está exagerando como sempre — Bridget reclama, soando entediada e resignada.
— E você está agindo de forma irresponsável como sempre — disparo de volta. Viro-me
para Lillian, deixando Bridget encontrar um pouco de bom senso. — Essa é nossa sessão de
aconselhamento familiar. Nossa filha está tendo dificuldades com o divórcio e estamos fazendo isso
para ajudá-la — revelo. — Essa é a vida real. Ela precisa levar isso a sério. Aparecer em um circo
de um reality show falso não ajuda.
— E onde você sugere que eu vá? — Lillian questiona, uma sobrancelha erguida
imperiosamente.
Tenho que dar o braço a torcer para a garota. Ela teve coragem de se impor contra mim
quando meu humor está desagradável.
— Isso, Lillian James, é o seu trabalho. — Aponto o dedão por cima dos ombros para a
porta fechada do escritório da terapeuta. — Minha filha é meu trabalho. Você pode estacionar
debaixo da Ponte do Brooklyn pelo tanto que me importo, mas dê o fora deste saguão antes que a
Simone saia daquele escritório.
— Talvez você possa esperar no estacionamento do outro lado da rua — Bridget sugere,
impaciente. — Pegar algumas reações minhas depois da sessão.
— Sinto muito, Senhor Ross. Me falaram — ela diz, lançando um olhar duro para minha
ex-mulher — que isso tinha sido esclarecido.
— Para sua garantia — aconselho —, qualquer coisa que você vá filmar próximo a mim ou
à Simone, esclareça com a minha equipe.
— Ok. Então entro em contato com o senhor se...
— Não, esta é a última vez que você e eu vamos nos falar. Se precisar de qualquer coisa,
faça através da minha agente, Banner Morales. Acha que eu sou um idiota? Espere até conhecê-la.
Lillian se vira para Bridget.
— Estaremos no estacionamento quando você sair.
Paro no elevador de braços cruzados até que a última pessoa entre e não haja sinal de
câmeras, cabos ou microfones.
Bridget me encara em um silêncio incômodo, ressentimento apertando cada linha do seu
corpo. Assim que saem, ela solta todo o ácido que guardou em mim.
— Que porra é essa, Kenan?
— Que porra é essa, Bridget? Como você pode pensar que seria ok trazer uma equipe de
filmagem para nossa sessão de aconselhamento familiar?
— Eles não iam entrar — rebate, mexendo-se em seus saltos e afastando o olhar.
— A simples visão deles aqui poderia afetar a percepção da Simone sobre as coisas, sobre
nossa vida.
— Você me humilhou.
— Ah, então você provou do seu próprio remédio.
— Isso é vingança? — questiona, mãos na cintura. — Junto com o fato de ter me deixado
viver com quase nada?
— Quase nada? — Bufo uma respiração incrédula. — Você entende que estou pagando o
dobro do que assinamos no nosso acordo pré-nupcial?
— Você não teria que me pagar nada se tivesse apenas me dado a chance de explicar sobre
o Cliffton.
Meu Deus, ela não tem nem o cuidado de não trazê-lo à tona?
— Eu não ligo mais, Bridget.
E é verdade. Odeio que isso machuque a Simone e que tenha atrapalhado tanto a vida dela,
mas não me arrependo de me divorciar da Bridget e só queria ter feito isso antes.
Antes que ela possa contestar essa afirmação, a porta do escritório se abre e minha filha
sai, seguida de perto pela nossa terapeuta, Doutora Packer.
— Papai! — O rosto da Simone se acende e ela corre para abraçar minha cintura.
Ela é a mistura perfeita de nós dois, com os olhos azuis de Bridget e minha boca e maçãs
do rosto. Seu cabelo cor de areia está bagunçado; parte cacheado, parte seco. Toda vez que minha
mãe vê o cabelo da Simone, implora para eu deixar que ela cuide. Mas a Simone tem catorze anos,
velha demais para que eu dite quem toca no cabelo dela.
— Ei, Moni. — Deslizo a mão pelo rosto da minha filha. Assistimos A outra face juntos no
ano passado e Simone amou que John Travolta passava a mão pelo rosto da filha dele para
demonstrar seu amor por ela. Fazemos isso desde então.
— Mal posso esperar para conhecer seu apartamento novo — Simone diz. — Eu tenho um
quarto?
— Claro. — Trago sua cabeça para o meu peito e beijo seus cabelos. — Você terá um
quarto em qualquer lugar que eu estiver. Podemos pegar um pouco de comida no caminho para casa.
Tem um lugar chamado Playa Betty que dizem ter um menu com comidas de praia no estilo da
Califórnia.
— Sério? — A expressão da Simone se acende. Embora tenha passado boa parte da vida
em Houston, ela ama a Califórnia tanto quanto eu. Mas poucas coisas têm feito a Simone feliz
ultimamente, então percebo todas.
— Teremos que verificar por nossa conta — falo para ela — depois que terminarmos aqui.
— A mamãe pode ir também? — Seu olhar muda de mim para Bridget, uma mistura de
preocupação e esperança em seus olhos.
Um sorriso presunçoso acende o rosto de Bridget.
— Sua mãe tem um compromisso depois da sessão — conto para ela cuidadosamente. —
Talvez na próxima vez.
— Ah. — A expressão dela cai. — Ok.
Faria quase qualquer coisa para restaurar a faísca que pareceu surgir e sumir tão
rapidamente da minha garotinha que uma vez foi tão alegre, mas ficar com a mãe dela não é uma
delas. Terei que encontrar novas maneiras de fazê-la feliz.
— Simone, preciso falar com seus pais por alguns minutos, ok? — a Doutora Parker pede,
seus olhos pousados na minha filha.
— Ok. — Simone se senta no elegante sofá de couro e pega o telefone.
Nós três entramos no escritório e a terapeuta fecha a porta atrás de si, gesticulando para
que nos sentemos nas duas cadeiras em frente à sua mesa.
— Simone está em um lugar muito vulnerável no momento — começa sem nenhum
aquecimento. — Tem um monte de ansiedade e sente-se desamparada.
— Tive medo disso — Bridget lamenta, negando com a cabeça. — Disse para o Kenan que
deveríamos continuar tentando. Sabia que o divórcio a devastaria.
— É piada? — indago. — É sério que você está tentando colocar a culpa do divórcio em
mim?
— Só estou dizendo que estava disposta a fazer certos sacrifícios para manter as coisas
estáveis para a Simone.
— Bem, tenho certeza de que mudar toda a vida dela, tirando-a da escola e dos amigos na
Califórnia para que você pudesse gravar um reality show ajudou muito.
— Na verdade, pode ser que sim — a Doutora Packer começa. — Simone disse que Nova
Iorque parece um recomeço, onde ninguém da escola sabe sobre a família dela e... o que aconteceu.
Fúria e vergonha me tomam. As crianças da escola a provocavam? Incomodavam com
todas as coisas que o TMZ falava sobre seus pais? Bem-vindos ao Show de Merda.
— E que a escola tem um excelente programa de balé, é claro — a terapeuta adiciona.
— Tem? — Dou um olhar arqueado entre a Doutora Packer e Bridget.
— Sim, tem, Kenan — Bridget diz, suspirando. — Se você prestasse atenção a outras
coisas além do basquete, talvez soubesse que sua filha queria vir para essa escola em Nova Iorque
por causa do programa de dança deles. É por isso que escolhi viver no Upper West Side, perto o
suficiente para que ela vá andando para a escola.
Olho para a doutora, querendo confirmar.
— Não olhe para ela — diz Bridget, irritada. — Eu sou a mãe da Simone.
— Ah, agora você se lembra disso. Quando foi que isso voltou para você? Foi quando a
equipe de TV que você trouxe para a sessão de aconselhamento da sua filha saiu? Foi por aí?
— Você não vai me fazer sentir culpa por agir por mim mesma.
— E você não vai me fazer sentir culpa por sair de um casamento morto com uma esposa
infiel.
— Como você se atreve...
— Quietos — a Doutora Packer diz firmemente, mas sem erguer o tom. — Os dois. Essas
sessões, esse tempo... Nada disso é em relação a vocês, é em relação a como Simone está
processando tudo. E estou dizendo que ela não está em um bom momento.
Dor aperta forte o meu peito. Nunca quis machucar minha filha, apenas protegê-la. Fiz um
escudo em volta dela contra todas as ameaças externas, mas o maior perigo estava debaixo de seu
teto.
— Ela também parece de alguma forma ter fixado a ideia de que vocês dois podem se
reconciliar.
Não consigo parar a risada desdenhosa a tempo, e Bridget olha furiosamente.
— Isso nunca vai acontecer — informo para a Doutora Packer. — Há muitas coisas que
podemos fazer para melhorar isso, mas essa não é uma delas. Não sei de onde ela tirou essa ideia.
Nosso divórcio acabou de sair, mas não vivemos juntos há bastante tempo.
Tive que sair da minha própria casa. Aquela para a qual tive que jogar oitenta e dois jogos
extenuantes em um ano para comprar e tive que desocupar. Fazia sentido. Viajo muito e não estaria lá
na maior parte do tempo. Ficar na casa deveria dar para a Simone alguma noção de estabilidade, mas
então solicitei uma troca para San Diego. Mesmo que fôssemos completos estranhos, Bridget se
mudou para lá, porque Simone queria ficar perto de mim, e eu queria também. Sim, ela passou por
muitas reviravoltas em nossas mãos.
— É, nenhum de nós namorou ninguém desde que você saiu de casa — Bridget oferece.
Raiva faz franzir a superfície suave da minha compostura.
— Não, você fez toda essa parte de namoro antes que nosso casamento acabasse — digo,
usando suas palavras.
Assim que falo, quero retirar. Não porque não seja verdade, mas porque não havia
necessidade. Estou certo, mas não é por isso que estamos aqui.
— Isso, na verdade, não ajuda, Senhor Ross — a Doutora Packer diz, uma censura leve,
mas definitivamente presente, na sua voz.
— Eu sei. Sim. — Corro a mão pelo rosto. — Desculpe.
— Como eu estava dizendo — Bridget diz incisivamente —, nenhum de nós namorou e não
tenho nenhuma perspectiva disso por agora. Você tem, Kenan?
Minha memória imediatamente me transporta para a festa, uma semana atrás. Em um
instante, fiquei viciado no sabor da Lotus, mais do que minha boca poderia imaginar. Viciado em seu
senso de humor inteligente e no brilho que não tinha nada a ver com a maquiagem. O mistério em seus
olhos que não tinha nada a ver com os jogos. Quis os lábios dela novamente assim que se afastou.
— Kenan? — minha ex insiste, seu tom estridente. — Você tem alguém?
Lotus me disse em termos inequívocos que nós não iríamos acontecer. Mas também senti
sua resposta a mim. Não vou desistir dela.
— Não, não estou vendo ninguém.
Odeio o brilho nos olhos dela com minha admissão, alguma mistura de satisfação e
esperança errônea.
— Teremos que ser muito cuidadosos quando qualquer um de vocês desenvolver alianças
amorosas — a doutora diz, anotando algo antes de olhar para nós. — Teremos que fazer tudo devagar
e um passo por vez, como uma família. — Abaixando a caneta, ela se senta para trás na cadeira e
coloca as mãos na cintura. — Vocês podem não ser casados — prossegue —, mas ainda são uma
família. Precisam ser, por ela. É o relacionamento mais crucial de sua vida. Vocês não são marido e
mulher, mas ainda são pai e mãe da Simone. Precisam descobrir como fazer tudo isso em um novo
espaço, porque ela precisa disso.
Considerando todas as coisas que a Doutora Packer disse, provavelmente é bom que a
Lotus e eu mantenhamos tudo simples, se é que vamos nos tornar algo. Caso sua situação seja
minimamente tão complexa quanto a minha, um relacionamento é a última coisa de que precisamos.
Posso dizer isso a mim mesmo um milhão de vezes, mas não consigo esquecer como
ficamos presos naquele beijo; como o mundo acompanhou a inclinação da nossa cabeça e o toque das
nossas línguas. Há um reconhecimento, uma ciência que estalou entre nós no momento em que nos
conhecemos. Então serei cuidadoso com o modo que ficarei atrás da Lotus pelo bem da Simone, mas
não consigo convencer a mim mesmo de que não deveríamos ver aonde isso vai dar.
— Junte-se a mim na próxima semana, quando exploraremos as tendências mais quentes
para ficar de boa no verão — digo para o microfone. — Até lá, essa foi a sua garota, a Lo. Não se
esqueça: o mundo pode tentar te derrubar, mas você tem que brilhar.
Retiro os headphones e empurro o microfone para longe da minha boca, soltando uma
respiração cansada. Muitas vezes fico tentada a parar com o podcast de moda que comecei no ano
passado, gLO Up[2], mas está ficando cada vez mais popular, vem ganhando mais seguidores a cada
semana. Tenho anunciantes agora, não apenas no meu podcast, mas parcerias pagas no Instagram. Eu
sou uma influencer. Quem diria?
Minha posição na JPL serviu como trampolim para os meus esforços. Não tenho a ilusão de
que tudo isso teria acontecido tão rápido se eu não trabalhasse com um dos queridinhos da moda.
Meu primeiro cargo oficial na JPL Maison era “estagiária”. De forma não oficial, um
serviçal melhorado. Isso funcionou enquanto eu conseguia meu diploma na FIT. Agora, com ele em
mãos, fui promovida para Coordenadora-assistente de Projetos. De forma não oficial, qualquer coisa
que o JP precisar. Um dia estou selecionando tecidos para ele escolher enquanto está fazendo um
design; no outro, estou organizando modelistas. Eu poderia estar desenhando, estampando, passando,
drapeando. Inferno, não sou superior a nenhuma costureira e prendo botões, faço bordado, o que tiver
que ser feito. Estou aprendendo tudo sobre moda desde o mais baixo até o mais alto nível. É a melhor
educação que eu poderia querer e ainda sob a tutela de um gênio.
Meus olhos vão para a máquina de costura da Singer no canto do meu quarto. Um presente
da MiMi. Embaça meu rosto com lágrimas. Não sei como outras pessoas passam pelo luto, mas
processar a perda da minha bisavó vai levar a vida toda. Não consigo pensar nela sem sentir dor,
embora tenha me deixado muita coisa. Não a pequena casa que a Iris e eu herdamos no bayou, onde
passamos boa parte da infância. Nem mesmo a máquina de costura que ela costumava me ensinar
como usar para criar pontos quase invisíveis. Nem mesmo a parte da magia, que não tenho certeza
completa do que entendo ou acredito. Esses não são os maiores presentes que ela me deixou.
— Na próxima vida, viverei como um espírito — ela me disse solenemente. — E Deus irá
pedir minha alma, mas o meu coração... esse eu deixarei para você, ma petite.
As palavras derramaram gelo na minha espinha. Não conseguia imaginar este mundo, esta
vida, sem a orientação da MiMi, e tem sido tão difícil quanto pensei que seria.
Não consigo explicar isso para Iris ou qualquer outra pessoa, elas me internariam, mas eu
soube no momento em que a MiMi deixou o tempo e entrou na eternidade. Era assim que ela falava
da vida. Dizia que a maior parte da nossa existência acontece antes de nascermos e depois de
morrermos — que o tempo é como uma gota no oceano. As paredes do tempo caem por um período
suficiente para que entremos neste mundo e depois saiamos. Quando partimos, a eternidade começa.
Sei o momento em que a eternidade da MiMi começou.
Estava correndo para a aula, subindo as escadas do metrô para a rua, quando senti uma
picada no peito, como se um bisturi estivesse fazendo uma pequena incisão. Depois me senti tão
cheia que tive que parar onde estava, os passageiros matutinos passando correndo por mim
impacientemente nas escadas do metrô, como água correndo no rio da cidade. Calor, paz e dor
encontraram lar entre as minhas costelas, abraçados à carne do meu coração.
E como já tinha acontecido outras vezes, de maneiras que não posso explicar, o céu, meu
profeta, falou comigo.
Olhe para cima.
Em um belo dia de outono, olhei para o céu e vi um arco-íris de fogo. Tão raro que a
maioria das pessoas passam a vida inteira sem nunca ver nenhum — arcos de cores borradas,
incendiados pelo sol e riscados por nuvens.
Um arco-íris é a ponte do Céu para a Terra.
E esse estava pegando fogo.
— MiMi — sussurrei. Eu sabia.
E quando meu celular tocou, quando Iris ligou, arrancando-me daquele ponto sagrado no
topo das escadarias do metrô, eu soube que MiMi tinha partido.
— Garota, preciso de alguns GIFs da NeNe Leaks para essa conversa — Yari falou da sala
ao lado, trazendo-me para o presente.
Embora a voz que responda seja baixa e menos distinta do que a da Yari, ainda é uma voz
feminina. Arrasto-me com os pés descalços para a sala de estar. Nós dividimos um apartamento em
um prédio de quatro andares sem elevador em Bushwick. É uma linda construção de tijolinhos
marrons renovada em quatro apartamentos. Yari e eu ficamos no último piso. Meus passos param
abruptamente quando um cheiro invade meus sentidos.
O cheiro de cabelo queimando.
— Oi, mamãe — Yari diz, sorrindo para mim através de uma cortina de fumaça.
A mãe da Yari é dona de um salão no Queens, onde você consegue a melhor Escova
Dominicana da cidade. Como trabalho extra, Yari faz escovas aqui no apartamento de vez em quando,
mas não costuma deixar o pente de ferro descansando inofensivamente em um pequeno fogão portátil
em cima da mesa ao lado dela.
— Você está usando... — Respiro bem fundo e tento novamente. — Nunca vi você usando
um pente quente.
— Não é, menina? — Yari pega o objeto pela parte de madeira e leva até o cabelo da
cliente. — Normalmente uso só o secador, mas a senhorita Diva aqui queria que ficasse muito liso e
que durasse mais tempo. Até trouxe seu próprio pente.
A cliente em questão sorri para mim debaixo de uma quantidade de cabelo recém-alisado e
saindo fumaça. Tento sorrir de volta, mas minha boca não se curva. Meus batimentos dão marteladas
no centro do meu peito, um latejar doloroso que encurta minha respiração. Suor preenche as palmas
das minhas mãos e minhas axilas. Meu corpo não consegue fingir; não consegue cooperar com minha
farsa. Um grito primitivo arranha as laterais da minha garganta, implorando para ser liberado. Tenho
medo de não conseguir conter por mais nenhum segundo, então me viro. Corro. Yari grita meu nome,
sua voz envolvida em preocupação e confusão, mas não consigo parar. Não consigo explicar. Passo
correndo pela minha cama e entro no closet batendo a porta, bloqueando o mundo para fora e
prendendo a fumaça e o cheiro do outro lado.
O closet tem um tamanho decente, considerando quão pequeno é o quarto. Acendo a luz e
meu olhar se prende à parede do cômodo. Há um carvalho desenhado de ponta a ponta, seus ramos se
estendendo, os galhos caindo, folhas penduradas. Corro até lá, curvando meu corpo em uma bola em
volta do tronco desenhado a lápis, sendo encoberta pelas sombras de carvão.
E espero.
Espero meu coração desacelerar.
Espero minha respiração se estabilizar.
Espero o rugido de sangue em meus ouvidos se acalmar.
Espero que o quarto pare de girar.
Não sei quanto tempo fico aqui, mas é o suficiente para Yari colocar a cabeça para dentro
e perguntar se estou bem.
— Sim — esforço-me para dizer sem quebrar. Ergo-me até que minhas costas estejam
contra a parede, contra a árvore que desenhei. — Desculpe. Eu passei mal. Algo que comi.
Há uma pausa, uma incerteza no olhar que ela me dá.
— Tem certeza, Lo? — pergunta. — Você saiu correndo de lá como se...
— Como se eu fosse passar mal — concluo para ela, forçando uma risada. — Sua cliente
provavelmente não queria vômito nos pés dela.
— Mas você...
— Comi sushi hoje. Talvez ele estivesse ruim ou algo do tipo.
— Vamos comprar comida naquele lugar em Flatbush — diz, hesitante. — Quer vir com a
gente?
Nunca ficamos hesitantes uma com a outra e eu gostaria de dizer a verdade a ela, contar
tudo, mas não saberia por onde começar minha história, que parece não ter fim.
— Pode ir. Ainda me sinto um pouco mal — respondo, desejando soar normal. — E
preciso editar o podcast de todo jeito.
— Tem certeza? Porque eu podia...
— Ri, estou bem. — Eu preciso que ela saia. — Vejo você quando voltar.
— Ok, se você tem certeza... — Ela ainda não parece ter certeza.
— Divirta-se.
Depois de alguns longos segundos, em que imploro silenciosamente para que ela me deixe
sozinha, ouço suas passadas a carregarem de volta para a sala. Solto uma respiração calma e longa
quando a porta da frente se fecha. Viro-me de costas, colocando as mãos atrás da cabeça, fixando o
olhar na árvore. Quanto mais eu encaro, mais calma fico. Fico olhando até meu corpo ficar silencioso
e quieto. Assisto até que a serenidade do quarto se pareça com solidão. Depois, ligo para a única
pessoa que sabe como tudo começou, mesmo que eu nunca tenha dito a ela que não terminou.
— Ei, Lo — fala minha prima Iris do outro da linha. — Como é que você está, garota?
Fico em silêncio por um segundo, deixando a voz que conheço a vida inteira passar por
mim. Familiar. Família.
— Lo? — Iris pergunta novamente. — Você está bem?
— Não sei, Bo — sussurro, abreviando seu apelido de infância, Gumbo.
— O que está havendo?
— Você se lembra daquele dia? — questiono, minha voz quieta pelo segredo. — O dia em
que aquilo aconteceu?
Por um momento, temo ter que explicar; ter que dizer algo estranho, algo feio, que servirá
de gatilho para a memória de onde não consigo fugir, mas ela responde. Ela sabe.
— Sim — replica suavemente. — Eu lembro.
— É que... Pensei que estava com essa bosta sob controle, sabe? — Uma lágrima por vez
desce dos cantinhos dos meus olhos e queima a pele das minhas bochechas. — Mas é tipo... Lembra
aquele buraco enorme na cozinha da MiMi?
— Sim. Ela fazia remendos naquele buraco o tempo inteiro — Iris diz, com uma risada
curta e áspera.
— E nada ajudava. — Devolvo a risada para minha prima. — Ela continuava remendando,
e toda vez que chovia, a água vazava pelo teto.
— Sim. — A risada da Iris diminui, deixando questões e, talvez, algumas respostas. —
Você está vazando, Lo?
Mordo meu lábio inferior até feri-lo, e amo isso. É uma ferida que posso controlar. Posso
ligar. Posso desligar. Se eu morder forte o suficiente, verei as marcas dos meus dentes. Prefiro isso
em vez da dor que se espalha pelo meu corpo quando menos espero. Essa é uma dor que não posso
parar; não posso controlar. E é invisível. Indetectável, mas, ultimamente, tem me machucado do
mesmo jeito.
Eu posso ver. Posso encontrar. Posso corrigir.
— Talvez eu esteja. — Sento-me, pressionando as costas na parede, na minha árvore,
descansando os cotovelos nos joelhos. — Ultimamente tenho me sentido... Não sei. Vazia.
— Vazia como?
— Assim, você sabe, eu não sou daquelas pessoas que têm problemas com sexo — digo,
soltando um risinho.
— Estou ciente sim — Iris responde, um sorriso na sua voz.
— Sempre coloco o sexo dentro de uma caixinha. Era para me fazer sentir bem, e estava
tudo certo. Não queria nenhuma amarra. Não queria nenhuma emoção. Eu não queria… — hesito, a
palavra aguardando na ponta da minha língua — intimidade — sussurro. — Eu não queria aquilo.
Não precisava.
— Mas agora? — Iris questiona.
— Não é suficiente. — Nego com a cabeça, chocada com as palavras que estou dizendo.
— Não é mais suficiente, parece sem sentido. Não é suficiente, mas não posso me dar o luxo de
sentir algo diferente disso. Há essa parte de mim que diz que é perigoso realmente compartilhar a si
mesma com outra pessoa. Veja minha mãe. — Até mesmo dizer o nome dela faz com que eu queira
me enrolar debaixo da árvore atrás de mim. — Veja o que ela fez por um homem ruim — continuo.
— Ela foi feita de marionete por ele. Veja a sua mãe. Ela escolheu o homem errado várias e várias
vezes... Entregou-se a eles por razões erradas.
— Veja a Iris... — ironiza. — Sou outra história que serve de exemplo?
Não respondo, mas, de certa forma, ela é. Não quero machucá-la, porém, antes de
encontrar seu marido, August, ela escolheu mal e aquele homem a machucou. Ele a prendeu em uma
armadilha. Manteve-a lá e, quando ela conseguiu escapar, era quase tarde demais.
— Todos nós cometemos erros — Iris finalmente responde, quando eu não o faço.
— É assim que você chama o que a minha mãe fez? — questiono, aspereza na minha voz.
— Estou aqui sentindo e vivendo essas coisas por causa do “erro” dela? Não, obrigada.
— O que você fará a respeito então?
— Prometi ficar sem pau.
Iris se engasga do outro lado.
— Bem, veremos quanto isso irá durar — ela diz. — E aquele fotógrafo que você trouxe na
festa de Natal?
— Chase? — Faço um som de desaprovação com a boca. — Só um pau amigo.
Não quero contar a ela que chorei na última vez que Chase e eu transamos. Há limites do
que posso expor.
— Você não conheceu ninguém? — Iris insiste. — Uma garota bonita como você vivendo a
vida glamorosa de Nova Iorque. Certamente há um cara.
Glamorosa? Neste momento, minha vida se restringe a este closet. E na vida atrás daquela
porta eu não conheci nenhum cara que valesse o meu tempo. Definitivamente, não há muitos caras que
suportariam o trem desgovernado que eu sou agora. Exceto... Talvez...
— Tem um cara. Talvez — admito, relutante, sem querer dizer para Iris que é Kenan. Ela
tem me encorajado a levar o cara em consideração desde aquele dia no hospital. — Mas acho que
ele pode ser a pior opção de todas, porque parece bom demais para ser verdade. Isso geralmente
significa que ele só parece mesmo.
— Mas você gosta dele — Iris comenta, o sorriso retornando ao seu tom.
— Sim, gosto — assumo. — Mas não confio nele.
— Bem, confiança deve ser conquistada. Sou uma prova viva. August demorou para me
fazer confiar nele. Provar que eu podia. Talvez, se você der algum tempo para esse cara, tempo para
ficar de olho nele, conhecê-lo, ele seja o cara.
— Talvez. Ele perguntou se podemos manter as coisas simples e conhecer um ao outro
durante o verão.
— Bem, você pode decidir dar uma chance a ele ou não, mas... — Iris inspira e expira
rapidamente. — Mas, de qualquer jeito, precisa falar com alguém.
— Oi? — Sento-me direito. — Não preciso falar com ninguém.
— Então você acha que é melhor que eu?
— O quê? Claro que não, Bo.
— Você não disse que eu precisava falar com alguém? Quando eu estava tendo problemas
com meu passado, não foi isso que você disse para mim?
Droga, eu disse isso a ela. Falar é tão mais fácil do que fazer quando você está
aconselhando outra pessoa.
— Pensarei nisso.
— E o Senhor Bom Demais Para Ser Verdade? — questiona Iris, sua voz mais suave. —
Vai falar com ele também?
Eu sorrio, mas brigo com meu coração por perder o compasso ao pensar em Kenan Ross.
— Não se eu puder evitar.
[2] Trocadilho com a expressão glow up, que significa brilhar em inglês, e o apelido da personagem Lotus.
— Você está ficando molenga, Glad.
Ninguém na NBA poderia ficar impune com uma mentira dessas, mas, considerando que
minha irmã joga na WNBA[3], ela pode.
— Ah é? — pergunto, ajustando o fone de ouvido e tirando o short e a camisa encharcados
de suor. — Estou acordado desde quatro e meia, malhando pelas últimas duas horas. E você?
A risada sonolenta de Kenya surge do outro lado da linha e, se conheço minha irmã, ela
está rindo de debaixo do seu edredom.
— Meeerda — diz. — Você sabe que ainda estou na cama, mas marquei trinta pontos na
noite passada, então devo ser perdoada.
— Vi seus melhores momentos na ESPN. — Inclino-me contra o balcão, o frio do mármore
contra minha pele nua enquanto navego pelos aplicativos do meu telefone. — Nada mal para uma
garota.
Só eu poderia escapar dessa provocação. Qualquer outra pessoa estaria com a bunda no
chão em segundos. Minha irmã é uma das atletas mais promissoras da liga feminina e daria conta da
maioria dos caras contra quem eu jogo.
— Você está fazendo piada — Kenya diz, sua voz perdendo um pouco do humor —, mas
meu pagamento diz que as pessoas acreditam nessa merda.
— Eu sei, Ken. Queria poder fazer mais a respeito.
— Continue falando sobre o assunto. Você e os outros líderes da Associação dos
Jogadores fazerem isso já é algo grande. As pessoas precisam saber que não é apenas querer mais
dinheiro, mas que vocês acreditam que nós merecemos ganhar também.
— Vai levar tempo — falo, abrindo o aplicativo para ligar minha banheira de gelo. —
Continuaremos indo em frente, mas ainda há muito caminho a percorrer.
— Enquanto a nossa primeira jogadora escolhida no draft faz cinquenta mil por ano, o de
vocês faz seis milhões... — Kenya retruca, com uma aspereza justificada em sua voz. — Sim, temos
muito caminho a percorrer. Sei que nós não trazemos a mesma receita, mas não somos nem mesmo
recompensadas pelo que nós efetivamente geramos.
Ando até a parte de trás do meu banheiro espaçoso, porém temporário, e encaro a banheira
de gelo com um pavor familiar.
— Droga, isso nunca fica fácil — murmuro, entrando na água congelada.
— Você está entrando no gelo? — Kenya pergunta, um estremecimento nas palavras.
— Sim, mandei instalarem uma banheira de gelo no apartamento de Nova Iorque, já que
passarei o verão todo aqui.
Os benefícios da crioterapia — diminuição da fadiga, recuperação muscular mais rápida,
menos ansiedade, melhora no desempenho e uma dúzia de outras coisas — supera e muito o quanto é
uma bosta submergir seu corpo em águas congeladas.
— O que você está comendo? — Kenya quer saber. — Sei que não arrastou aquele chef
com você para a Costa Leste.
— Ele se recusou a deixar a Califórnia — digo com uma risada, respirando com mais
facilidade enquanto meu corpo se ajusta ao frio. — Mas recomendou alguém aqui que entrega minhas
refeições para me manter em forma no verão. Não posso aparecer no treinamento com uma pança.
— Uma pança. — A risada calorosa de Kenya também me faz rir. — Você não teve uma
pança um único dia da sua vida.
— E não planejo ter.
— Cara, do jeito que você vive, poderia jogar até os cinquenta.
— Pelo amor de Deus, não.
— Não está pronto para jogar a toalha, está? — Surpresa colore a voz dela, porque, com o
meu condicionamento, a maioria espera que eu jogue por mais quatro anos ou algo assim. Eu não
tenho tanta certeza.
— Não é meu corpo que está cansado. Talvez seja minha mente. Não sei, Ken. Tenho
estado nessa por tempo demais. Quero fazer outras coisas, inclusive passar mais tempo com a
Simone.
— Como está a minha sobrinha? Continua sendo mimada e estragada?
— Ela não é mimada.
Kenya deixa o silêncio falar por ela.
— Ok — cedo, com uma risada. — Ela pode ser um pouco mimada, mas é uma boa garota.
— Ainda sem interesse em jogar? — Há desespero no tom de Kenya. Mesmo na faculdade,
eu ainda pensava que poderia ser um advogado algum dia, mas minha irmã sempre soube que seria
jogadora. E ela tinha altas expectativas para a Simone.
— Ela está interessada em balé.
— Ei, bailarinas são atletas também — Kenya diz. — Eu aceito.
Mergulho mais na água congelada, deixando que alcance todos os lugares que irão doer do
meu treino extenuante se eu não fizer isso.
— A escola nova tem um ótimo programa, com o qual ela parece estar comprometida.
— E a mãe dela? — questiona com cautela e indiferença.
— Ela... — Suspiro, pensando na cena com a equipe de filmagem na nossa sessão de
aconselhamento familiar. — Ela é a Bridget.
— E isso me diz tudo que eu preciso saber.
— Sim, a maior parte. Estou lutando para manter a Simone fora desse reality show. Não
quero que ela fique deslumbrada com a fama, ou com o que ela acha que é a fama. Não é só conseguir
vários seguidores no Instagram. É ter o pior dia da sua vida sendo transmitido para o mundo inteiro
ver.
— Acho que ela entende — Kenya diz de forma tranquilizadora. — Ela vê pelo que vocês
passam.
— Esse é o problema, Ken. Ela viu tudo. Sabe quão sombrias as coisas podem ficar. Essa
é a vida dela nessa idade. Odeio que nossa tolice tenha chegado a ela.
— Você diz a tolice da Bridget — retruca asperamente. — Ainda queria que você me desse
as chaves do carro dela.
— Bom, já que eu paguei pelo carro e que os reparos viriam da pensão que dou a ela todo
mês — devolvo ironicamente —, parece que não há vencedores nisso.
— Ela ainda está tentando voltar para você? — provoca.
— Ela sabe que isso não vai acontecer, mas continua insistindo. Infelizmente, Simone tem
na cabeça que podemos nos reconciliar.
— De jeito nenhum — diz, soando tão incrédula quanto eu. — Mesmo sabendo que a mãe
dela te traiu?
— A terapeuta diz que é uma resposta natural para uma criança, mesmo em circunstâncias
em que sabe que houve infidelidade. Simone vê nosso casamento e relacionamento por lentes
egoístas nesse ponto da vida. Não o que faz sentido ou o que é melhor para nós, mas o que é melhor
para ela. E ela acredita que o melhor é que fiquemos juntos.
— Desde que você não fique mesmo molenga e dê outra chance para a Bridget.
— Mas que porra? — Minha carranca e os dentes cerrados não têm nada a ver com a água
gelada em que estou submerso. — Você sabe que não.
— Desde que você tenha certeza, porque eu nunca confiaria naquela vadia de novo.
— Tenho certeza — respondo firmemente.
— Sim, mas, às vezes, os homens pensam com o pau deles. Na maioria das vezes na
verdade.
— Não estou atraído pela Bridget nem mesmo um pouco. — Tomo um longo gole de uma
garrafa de água próxima. — Vi a feiura debaixo da loira peituda.
— Mas você precisa foder alguém, certo?
Quase engasgo com a água descendo pela minha garganta. Estou cercado de mulheres
preocupadas com minha vida sexual.
— Não vamos por esse caminho, Ken.
— Eu poderia achar alguém para você.
O destino já trouxe uma mulher linda e ardente para o meu verão.
— Estou indo bem por conta própria — falo devagar, empurrando-me para fora da
banheira de gelo para tomar um banho e me preparar para o dia. — Mesmo assim, agradeço.
— É mesmo? — Kenya pergunta. — Quem?
— Ninguém que você conheça. — Nem tento esconder da minha irmã. Mesmo se eu não
falasse, ela encontraria a verdade.
— Ela é bonita?
— Pra caramba.
— Uma de nós?
— O que isso tem a ver? — Faço uma carranca, irritado pela pergunta que já respondi de
alguma maneira várias vezes desde que comecei a namorar e, por fim, me casei com Bridget. — Você
nunca foi contra a Bridget por ela ser branca.
— Não, eu fui contra a Bridget porque ela é uma puta que traiu meu irmão.
Não posso argumentar, mas encontro-me fazendo isso.
— Ei, pega leve. Ela ainda é a mãe da Simone e não quero que minha filha escute a mim ou
qualquer um da família falando assim da mãe dela.
— Ok, não direi. Desde que você saiba que é o que penso.
— Devidamente anotado. — Ligo o chuveiro. — E você? Saindo com alguém?
— Posso ter novidades, alguém para você conhecer.
Paro, um sorriso se espalhando pelo meu rosto. Quero a felicidade da minha irmã mais do
que a minha própria.
— É disso que eu estou falando. Você virá a Nova Iorque em breve?
— Temos um jogo aí em algumas semanas. Vamos ver como as coisas funcionam —
responde Kenya, cautelosa. — Ah, quase esqueci. Falou com a mamãe?
Culpa me apunhala. Não falei com ela tanto quanto deveria desde que papai morreu.
— Vou ligar — prometo, soltando um suspiro pesado. — Ela não parecia muito bem na
última vez que nos falamos.
— Digo o mesmo — Kenya replica, a voz estranhamente moderada. — Eles foram casados
por quarenta anos. A maior parte da vida dela foi com o papai e eles tinham um daqueles amores
épicos e eternos.
— Sim, se eu não tivesse visto o casamento deles com meus próprios olhos, não pensaria
que era possível.
— Vamos os dois ligar esta semana.
— Acho que vou fazer melhor — digo. — Preciso ir para a Filadélfia e dar uma olhada na
Faded, aquela barbearia que investi. Darei uma passada para ver a mamãe.
— Leve Simone com você. Já faz tempo que ela não vê a avó, e mamãe amaria encontrá-la.
— Se ela não começar a falar do cabelo da Simone de novo — resmungo.
— Bem, Simone precisa fazer algo naquela cabeça, e a Bridget não faz ideia de como
ajudar.
— Dá um tempo para a Simone. Ela está se descobrindo.
— Me ofereci para ajudar — diz defensivamente. — Mas ela não me escuta.
— Claro, você acabou de comprar o seu cabelo — devolvo, rindo, porque minha irmã usa
extensões o ano todo.
— E você sabe que sim — confirma, rindo também. — Cabelo é um problema, cara,
especialmente durante a temporada. Eu poderia dar um jeito no cabelo real da Simone se ela
deixasse. Lucius ainda está cuidando da Faded?
— Sim. Estou pensando em perguntar se ele estaria interessado em abrir outra em Nova
Iorque. Talvez no Brooklyn?
— Nem preciso perguntar o que você fará quando se aposentar. Já tem mais negócios do
que consigo acompanhar.
— Mais do que eu consigo acompanhar também. É por isso que eu pago alguém para me
ajudar.
— Bem, obrigada por colocar sua irmãzinha em alguns desses negócios, já que obviamente
não ficarei milionária jogando na WNBA.
— Nem pense duas vezes. Só me apresente para esse possível interesse amoroso em breve.
— Ei, eu mostro o meu se você mostrar o seu.
Pensar em Lotus sendo minha, tê-la em minha vida, na minha cama, faz o meu pau ficar
duro.
Volto para a banheira de gelo.

[3] É a liga profissional feminina de basquete nos Estados Unidos.


Há algo tranquilizador na costura. O barulho da máquina. O ritmo. Assistir a uma criação
ganhar vida e forma debaixo das suas mãos em tempo real. Sempre me acalmou de uma forma que
poucas outras coisas fizeram. Eu era uma garota de doze anos de idade selvagem, raivosa e ferida
quando cheguei aos cuidados da MiMi. Ela não tinha certeza de como ocupar meu tempo, como
direcionar a tempestade violenta que se agitava dentro de mim, então tentou de tudo. Algumas coisas
ficaram, outras não. Mas, na primeira vez que ela me sentou na Singer dela, a costura fez sentido.
— Já está terminando isso? — Yari pergunta da porta que leva para o espaço de trabalho
do ateliê.
Gosto de costurar sozinha. Dá tempo para eu pensar. Lá fora há uma dúzia de línguas que
as costureiras falam, voando por aí e nos distraindo. E a fofoca não para. Gosto de ver aonde meus
pensamentos me levam. A costura é meditativa e não serve para o caos do espaço de trabalho.
— Sim. — Ergo o vestido para a inspeção de Yari. — Tive que desfazer toda a costura e
começar de novo.
— Parece bom. — Ela pega o vestido, dobrando por cima do braço. — Vou levar para a
costureira começar pelos botões. Enquanto isso, JP quer você no escritório dele.
— E disse o motivo? — Levanto e estico os músculos que travaram enquanto eu estava
concentrada na máquina de costura.
— Não.
Saímos da sala dos fundos juntas; ela vai para o espaço de trabalho e eu subo para o
escritório do JP. A porta está aberta, então bato na moldura. Ele me olha do seu lugar no chão,
ajoelhado na frente de uma mulher que tem facilmente 1,80m.
— Ah, ótimo — diz, a boca cheia de alfinetes. — Você está aqui.
Ando até lá e estendo a mão. Ele deixa cair os alfinetes dos seus lábios na minha palma.
— Queria perguntar algo ontem. — Ainda de joelhos, ele se move pelo chão, da frente dela
para o seu lado, ajustando o material fúcsia que está modelando como um vestido para o show de
setembro. Giro com ele, entregando alfinetes sem que nem tenha que pedir. Trabalhamos bem juntos,
lemos um ao outro bem.
— Ontem? — Franzo o rosto, porque JP é conhecido por fazer as coisas de última hora. —
Do que você precisa?
— Do seu olhar. Seu senso de estilo. Da sua essência. — Ele bate os cílios com essa
bajulação de merda. — Que você venha comigo para uma sessão de fotos hoje.
— Claro. — Aceno com a cabeça e entrego outro alfinete. — Não sabia que tínhamos uma
marcada.
— É meio que de última hora.
Chocante.
— É?
— Sim. Kenan vai sair da cidade na semana que vem, então perguntei ao Chase se ele
poderia fotografar hoje.
Acidentalmente, furo o dedo com um alfinete com a menção do nome do Kenan.
— Sabe... — digo, chupando o dedo ferido — talvez eu devesse ficar. Estamos esperando
aquele carregamento de sedas hoje e eu queria estar aqui para recebê-las. Vai estragar todo o nosso
cronograma de produção se alguma coisa acontecer com a entrega.
— Qualquer um pode assinar um pacote — ele desdenha. — Você é a única que o Kenan
quer ver.
Congelo, olhando para o meu chefe, o diabo casamenteiro.
— Ele pediu que eu fosse ou algo do tipo?
— Não em tantas palavras.
— Em quantas palavras?
— Assim, o homem concordou em fazer a campanha inteira por uma chance de beijar você
— JP conta, lançando-me um olhar de onde ele está prendendo e pendurando o material na cintura da
modelo. — Eu seria um idiota de não manter você por perto.
— Quer dizer, usando-me?
— Não pense dessa forma, Lo. — Vira os olhos provocadores e calculistas do chão para
mim. — Ou pense. De todo jeito, você vem comigo. — Ele ajusta uma última dobra no vestido e dá
um tapinha na bunda da modelo. — Vai lá, querida. Peça para a Yari tirar fotos antes de se despir.
A modelo gira nos pés descalços e desliza graciosamente para fora do escritório.
— Atenção com meus alfinetes — JP grita. — Tome cuidado na hora de tirar o vestido. Ele
vale ouro. — Pegando a bolsa masculina, vira para mim. — Pronta?
— Agora? — Olho para baixo, meus shorts jeans cortados, a regata da Spelman, o Nike
Air Force 1 de cano baixo. Sessões de fotos são trabalho pesado e, normalmente, minha aparência é
a última coisa com que me preocupo, mas ele estará lá.
— Agora mesmo — confirma, já saindo da sala e caminhando para as escadas. — Lotus,
cadê você? Era para estar esquentando minhas costas. Elas estão frias e solitárias.
Rolo os olhos e murmuro:
— Chato pra porra.
— O que você disse, ma petite? — chama de volta, com o tom de quem sabe, mas é
indulgente.
— Eu disse: deixe eu pegar minha bolsa antes que corra — respondo mais alto.
No caminho para o loft em Chelsea, onde faremos as fotos, ouço parcialmente o JP falar no
banco de trás sobre o relógio e os protótipos. Na maior parte do tempo estou lutando com minhas
emoções em silêncio. Estou nervosa sim, mas é mais que isso.
Círculo da verdade e confiança.
Número de membros: 1.
O membro: eu.
Estou animada para ver Kenan. Faz mais de uma semana desde a festa. Se ele quisesse
entrar em contato comigo, teria feito. Pelo escritório ou até mesmo por JP. Inferno, através da Iris se
quisesse. Mas ele não quis. A perspectiva de vê-lo novamente faz meus dedos brincarem com o jeans
puído em volta das minhas coxas. Talvez ele tenha perdido o interesse em uma amizade simples e
livre de sexo durante o verão. Talvez tenha decidido que precisa de sexo e essa coisa de poder me
conhecer não o satisfará. Para alguém que afirmou querer que ele me deixasse em paz, meu
desapontamento é irônico. E diz muito.
— Caos! — JP declara quando entramos no set. — Viu o que acontece quando não estamos
aqui, Lotus?
Na verdade, está relativamente calmo, mas ele odeia tranquilidade. Uma vez me disse que
não consegue se concentrar em um ambiente quieto. Tenho certeza de que existe medicação para isso,
mas essas não são pílulas que o JP toma.
Chase tira o olhar da câmera que está montando e caminha até nós. Aceita os beijinhos no
ar do JP, depois me puxa para perto pela cintura.
— Sinto sua falta — sussurra no meu ouvido. — Venha para minha casa hoje à noite e eu
vou comer sua boceta para você.
Pressiono minhas mãos em seu peito e crio espaço entre nós.
— Já disse que não — digo apenas para os seus ouvidos. — Amigos ou não, da próxima
vez que você me agarrar, vou cortar sua mão fora.
— Não seja uma vadia — Chase diz, com um sorriso agradável. — Você não quer me
contrariar.
Aquela coisa sombria que aprendi a temer enquanto amadurecia cresce dentro de mim.
Uma vez perguntei para a MiMi se vudu era algo ruim, se nós éramos ruins. Ela disse que não éramos
ruins. Éramos apenas nós.
— Você nem mesmo entende o poder que lhe foi dado — costumava dizer. — Não abuse
disso com sua raiva. Gentileza é um poder sob controle.
— Não, Chase — respondo depois de um segundo para me recompor, para checar meus
impulsos mais baixos. — É a mim que você não quer contrariar.
— Vai lançar um feitiço em mim, Lo? — pergunta maliciosamente.
Uma vez, no meu apartamento, Chase se deparou com algumas ervas e poções que MiMi
mandou comigo quando me mudei para a faculdade. Não pratico vudu como ela fazia. Ela dedicou a
vida para pessoas que precisavam de sua ajuda. Não, eu não pratico, mas nunca esqueci as coisas
que me ensinou sobre magia, sobre a vida. Esse pode não ser o meu caminho, mas sou descendente
de uma longa linhagem de mulheres que o percorreram bem. Sei da minha própria força. Meu próprio
poder. E é preciso que eu use todas as minhas restrições para não liberar isso no Chase quando ele
está sendo um babaca.
— Seria bom não brincar sobre coisas que não entende, Chase — respondo com um aviso
baixo, porém claro, na minha voz.
Medo cruza o belo rosto do Chase.
Bom.
— Sinto muito — diz, seu pomo de Adão subindo ao engolir profundamente. — Você não
era apenas uma foda fácil para mim.
— Seja lá o que fomos — digo, suavizando um pouco meu tom, esperando trazer-nos de
volta para o mesmo estágio —, agora somos apenas amigos.
Ele firma o coque no cabelo. Seu sorriso safado de sempre está um pouco mexido, mas
ainda presente.
— Você tem que admitir, o sexo era incrível.
Ele está se sentindo um pouco demais, porque já tive melhores, mas as coisas andam tensas
o suficiente entre nós.
— Foi bom — concedo-lhe, com um sorriso fácil. — Mas nossa amizade é ainda melhor,
então vamos nos manter amigos.
— Se mudar de ideia... — Segura meu rosto e traça minhas bochechas com seu dedo.
— Não irei. — Afasto-me do seu toque. — Vamos nos certificar de que JP não arruinará
sua sessão de fotos.
Chase me encara por alguns poucos segundos extras antes de me dar um sorriso afetuoso, o
sorriso do garoto descontraído que conheci na primeira vez que comecei na JPL, antes que o sexo
complicasse as coisas. Ele é fruto do dinheiro, de uma família que atendeu todos os seus caprichos.
Que ele tenha realmente se esforçado por tempo suficiente para se tornar um excelente fotógrafo é um
milagre por si só. Ele não é um cara ruim. Apenas mimado. E privilegiado.
E me dá muito nos nervos.
— Você tem um ponto — avisa finalmente. — Deixar o JP solto em uma sessão de fotos
pode ser algo perigoso.
JP está no telefone gritando e gesticulando, seu inglês com forte sotaque ecoando pelo
espaço industrial, com vigas, janelas do chão ao teto e piso de concreto polido.
— O que está errado? — sussurro para ele.
— O carregamento de seda — responde, sua irritação fazendo as sobrancelhas se unirem
— foi extraviado.
Pressiono os lábios para não soltar um eu te disse, mas ele me conhece bem.
— Não se atreva a dizer nada. — Seus dedos gordos entram pelos cabelos. — Eu cuido
disso. Você vai encontrá-lo.
Não preciso perguntar a quem ele se refere. Sei meu papel aqui. Sou a cenoura que JP quer
balançar na frente do coelho gigante com antebraços que lançarão mil relógios. Viro-me para
procurar Kenan, os gritos em francês do JP ainda soando nos meus ouvidos. Meu coração tropeça em
si mesmo só com o pensamento de vê-lo novamente.
Ao virar no corredor, encontro-o de costas para mim. Ele parece uma torre por cima da
Amanda, cercado por três estantes de prateleiras de roupas masculinas. Amanda o encara como se
ele fosse um cone de sorvete que ela quer lamber até se derreter na mão dela. Assisto de alguma
distância por um momento, curiosa para ver como ele interage com ela.
— Podemos tentar esse aqui — Amanda diz, segurando um cinto de uma prateleira
próxima. Enquanto ele prende o cinto na calça, a mão dela desaparece na frente dele.
— Ei. — Uma das suas mãos enormes ainda está no cinto, mas a outra fica entre eles. —
Não faça isso.
O silêncio que cai no espaço é tenso, preenchido com a censura na sua voz grave. Embora
não possa ver seu rosto, os ombros largos estão tensos e sua postura está rígida.
— Se eu tocasse em você assim — ele diz, as palavras afiadas e severas —, seria algo
digno de processo, certo?
— Eu pensei...
— O que você pensou é óbvio, eu entendi. Estou apenas dizendo que não.
— Eu não estou... você não está...? — Amanda parece perdida, seu rosto bonito contraído
e confuso.
— Não estou interessado. Toque meu pau novamente e não serei legal a respeito.
Deslizo para fora do corredor, ficando fora de vista, pressionando minhas costas na parede
e lutando contra um sorriso. Não há muitos homens na sua posição que negariam uma chance com
Amanda. Ele disse que ela parecia a ex-mulher dele. Talvez seja por isso que negou. Não sei, mas o
que eu sei é que, se eu andasse até lá e ele estivesse aceitando a oferta dela, eu não estaria sorrindo.
Começo a assobiar Finesse, do Bruno Mars, como um sinal de que estou chegando. Espero
que dê tempo para que Amanda pegue seu queixo do chão.
Quando entro no corredor novamente, ela está de costas para mim, procurando em uma
prateleira de camisas. Kenan dá uma olhada por cima dos ombros.
Um sorriso quebra a carranca no rosto dele. Rouba o meu fôlego; não apenas o belo
contraste entre seus dentes e pele, mas a maneira como olha para mim. É um prazer sem medidas,
como se talvez ele estivesse torcendo para me ver tanto quanto eu me encontrei querendo vê-lo.
— Ei — ele diz. — Eu tinha esperança de que você estaria aqui.
Além dos ombros do Kenan, Amanda nos encara com lábios espremidos e olhos
ressentidos. Seu orgulho está ferido, mas não dou a mínima. O que ela fez foi altamente inapropriado,
apesar do fato de eu saber que outros homens na posição de Kenan foram receptivos a isso no
passado.
— JP me arrastou do estúdio. — Deslizo as mãos para dentro dos bolsos pequenos do meu
jeans cortado, de repente autoconsciente da minha aparência desbotada sob seu escrutínio.
— Fico feliz. — Ele anda para mais perto, e tenho que inclinar a cabeça para cima a fim
de manter contato visual.
— Hum-hum — Amanda interrompe de forma incisiva. — Estamos terminando o primeiro
look, Lotus. O que acha?
Examino a camisa de seda cinza e a calça escura que molda o comprimento musculoso de
suas pernas. Ele é tão belamente constituído e em escala tão grande que ficaria impressionante em
qualquer coisa, mas essa camisa não é minha favorita.
— Não tenho certeza sobre a camisa. — Estudo as prateleiras para ver se há algo que eu
goste mais.
— Odeio essa camisa — Kenan oferece.
Dou uma olhada para cima e rolo os olhos, mas não consigo esconder um sorriso. Caminho
para uma das estantes e passo pelas várias peças.
— Sou a estilista no set, Lotus — Amanda diz. — Sei o que vai ficar melhor debaixo
daquelas luzes e como se traduzirá na impressão.
— Ok. — Não tiro o olhar da prateleira em frente a mim. — Vá dizer ao JP que você
recusou minha ajuda.
Todo mundo sabe que JP respeita minha opinião. Se ele fosse professor, eu seria a sua
aluna favorita.
Amanda bufa e passa por mim.
— Bem, boa sorte — diz enfaticamente. — Encontro você lá. Veremos quão bem você se
sai por conta própria.
— Tenho certeza de que vou ficar bem — respondo distraída, pegando uma camisa verde-
menta. — O que acha dessa? — direciono a pergunta para Kenan, já que Amanda aparentemente
correu e deixou seus brinquedos para trás.
Ele para no espaço ao meu lado e se inclina contra uma parede próxima, encarando meu
perfil.
— Acho que é bonita — fala, rindo quando lhe dou um olhar irônico. — A camisa, é claro.
— Panda, do Desiigner, começa a soar pelo sistema sonoro. — Isso é para a sessão de fotos? —
Kenan questiona.
— Sim, o fotógrafo coloca músicas que deixem o modelo confortável — respondo,
deixando a camisa de lado. — Para que se sinta relaxado e consigamos melhores fotos.
— Não é esse o tipo de música que me deixa mais relaxado — conta. — E duvido que
você conseguirá fotos melhores, já que estarei rolando meus olhos o tempo inteiro.
— Não gosta dessa música?
— Você está usando a palavra “música” de forma leviana para descrever o que é isso. —
Desdém preenche seu rosto bonito. — Quer dizer, o que esse cara está dizendo?
— Panda — respondo imediatamente.
— E o que mais? — insiste. — Hã, hã, hã.
— Ai, meu Deus. — Começo a rir. — Você está parecendo o avô de alguém.
Ele para e ergue uma sobrancelha para mim.
— E você soa como uma millennial.
— Eu sou uma millennial — disparo de volta, divertindo-me completamente. — Você não
é?
— Hm... Muito mal. Tecnicamente, sim, mas minha mãe diz que tenho uma alma antiga. Eu
me identifico como mais velho, acho. — Ele inclina a cabeça, encarando-me através do véu de seus
longos e grossos cílios. — Quantos anos você acha que eu tenho?
— Não sei. — Dou de ombros. — Vinte e oito? Vinte e nove? Um pouco mais velho que
August?
Ele acena, avaliando-me. Sei que sem maquiagem e com meu cabelo nessas duas tranças
pareço ter quinze anos.
— E quantos anos você tem? — pergunta.
— Vinte e cinco.
— Merda. — Desliza as mãos para dentro dos bolsos e franze o rosto, mordendo o canto
da boca. — Tenho trinta e seis.
— Ah.
— Sim, ah — ele diz. — Onze anos.
— Isso importa mesmo? — Dou um sorriso irônico e mordo a unha do dedão. — Assim,
nós somos apenas amigos.
Depois de alguns momentos, ele me entrega um sorriso como resposta.
— Certo — afirma. — E amigos não deixam amigos ouvirem música de merda.
— Vamos lá. — Coloco as mãos na cintura e jogo a cabeça para trás. — Jogue em mim
todos os seus clássicos dos bons.
— Sua pequena... — Ele ri e balança a cabeça. — Esse rap murmurado não é música,
Lotus.
— É sim — defendo, mais por princípio do que por gostar de rap murmurado. Eu só gosto
de um bom debate. — É um subgênero emergente.
— Você leu essa naquela revista Vibe?
— Que tipo de hip-hop você considera bom?
— Cresci durante o renascimento do hip-hop. Escolha o que quiser. Biggie e Pac são
óbvios, então nem vamos lá. Nas. Jay-Z. Rakim. Tenho até mesmo que reconhecer alguns dos rappers
millennials.
— Você diz da minha geração? — faço graça.
— Você está se divertindo muito com isso. Claro. Da sua geração. Kendrick, Lil Wayne,
Drake.
— Não diga Kanye — interrompo. — Ele está afundando.
— Vi isso no Twitter.
— Twitter? — Coço meu queixo. — Hmmm. Acho que me lembro do Twitter. Aquele
passarinho azul?
— Então você só usa o Instagram, eu presumo. Milhares de pessoas que não fazem ideia de
quem você é, mas seguem sua vida perfeita e cheia de filtros. Pequenos passarinhos do Snapchat
voando em volta da cabeça e todas essas merdas.
— Ah, você é velho — digo, lamentando com um aceno de cabeça. — E está sendo cínico,
mas até que o Twitter fez o seu retorno.
— Não vamos nem começar a falar sobre redes sociais.
— Vamos deixar essa para outro dia. Termine de me educar, ou eu deveria dizer me
reeducar, pelas minhas escolhas musicais ruins e pelo tanto que os millennials estão arruinando o
mundo inteiro.
— Não o mundo inteiro — fala, dando tapinhas na minha cabeça de forma condescendente.
— Apenas a maior parte disso. Definitivamente a música.
— Nós provavelmente gostamos de algumas das mesmas músicas — rebato. — Qual é a
sua música favorita para ouvir quando quer relaxar?
— It never entered my mind[4].
— Bem, deixe passar pela sua cabeça. Pense nisso e depois me diga.
— Lotus, pare — pede, entrecerrando os olhos. — Diga que está brincando.
— O quê? Estou perguntando de que música você gosta...
— Eu te falei. — Ele ri e puxa uma das minhas tranças. — It Never Entered My Mind, do
Miles Davis. É a minha música favorita de todos os tempos.
— Espera. — Passo pela minha playlist mental. — Miles Davis, o trompetista?
— Então você ouviu falar dele.
— Essa música tem alguma letra?
— Nenhuma que se possa ouvir.
— Nenhuma que se possa ouvir? — Ergo uma sobrancelha, em dúvida. — Explique, seu
velho.
— Vou deixar você escapar apenas desta vez — diz, com um sorriso aberto. — Aquele
homem revela sua alma por meio do seu trompete. Não são palavras. São emoções. Poder. Paixão.
Dor. Você não tem que ouvir uma palavra para saber o que ele está dizendo.
— Honestamente, não acho que já ouvi antes — admito.
— Isso é revoltante — retruca, ainda segurando uma das minhas tranças de leve na mão. —
Vou colocar para você ouvir em algum momento.
— Está no Spotify, eu assumo? — questiono, puxando o telefone.
— De jeito nenhum. — Ele pega meu telefone e enfia de volta em meu bolso de trás. A mão
se demora na curva da minha bunda pelo jeans apertado e nossos olhares se encontram. Travam.
Aquecem.
— Desculpa. — Ele retira a mão do meu bolso, deixando meu telefone para trás e
limpando a garganta. — Quero que ouça pela primeira vez em um vinil.
— Vinil? E onde irei encontrar um vinil de bobeira por aí? Ainda mais um lugar para tocá-
lo?
— Na minha casa — responde, sua voz baixa e profunda, seu olhar acariciando minhas
bochechas, mergulhando para encontrar meus lábios.
Qualquer resposta morre na minha garganta. Meu rosto está pegando fogo; não por
vergonha, mas pelo calor em seu olhar. Do fogo em resposta que me atinge. Esse homem é tão
perigoso. Ele é do tipo que poderia me enganar fazendo-me pensar que entendi tudo errado. Que o
ciclo que vi das mulheres na minha família é um que eu poderia quebrar. Que eu poderia
compartilhar mais do que o meu corpo e ser recompensada com mais do que ele em retorno.
— Michael Jackson — deixo escapar, precisando quebrar a intimidade dançando entre nós
como uma fumaça suave.
Kenan pisca uma vez, duas, limpando o desejo de seu olhar.
— Desculpa?
— Michael Jackson é bem universal — respondo rapidamente. — Millennials amam a
música dele. As pessoas da sua idade também.
Ele ri e encolhe os ombros, deixando-me dissipar um pouco da tensão sexual com o Rei do
Pop.
— Pessoas da minha idade. — Ele inclina a cabeça e encosta na parede, braços cruzados e
ligeiramente protuberantes. — Você deve estar certa. Qual é a sua favorita do Michael Jackson?
— Há tantas. — Franzo as sobrancelhas, concentrando-me. — Talvez Man in the Mirror.
E você?
— Eu achava que era Off the Wall — diz, recapturando a trança, descansando no meu
ombro e passando a ponta encurvada pela minha boca, deixando meus lábios pulsando, doendo. —
Mas acho que tenho uma nova favorita.
— Ah, sim — respondo, sem fôlego. — Qual é?
Em um lampejo de dentes retos e humor cruel, ele me deixa presa aguardando suas
próximas palavras. Esperando para ver o que dirá. Como me fascinará na próxima.
— PYT.
Pretty Young Thing. Coisinha jovem e bonita.
Ele mergulha para prender o olhar ao meu, para o caso de eu perder o significado do título.
Não perco. Eu entendo. Eu o entendo. Depois de falar com ele pelos últimos poucos minutos e “olhar
debaixo do seu capô”, por assim dizer, descobri que ele é um clássico. Não fazem mais homens como
ele; e se eu não mudar de assunto, mudar o curso da conversa, vou me enganar achando que não
temos que manter as coisas simples e que podemos ser mais do que apenas amigos; não apenas
durante o verão, mas por muito tempo. Contanto que eu queira.
— Ok — digo, mudando de marcha sem embreagem e puxando uma gravata de outra
prateleira da Amanda. — Acho que aquela camisa pode realmente funcionar bem com essa gravata.
Ele não olha para a gravata que estou separando, mas mantém os olhos fixos em mim. Não
está jogando junto. Coloquei-me em um quadrado em um canto com ele. E as paredes estão muito
apertadas. Sua essência. Seu calor. Sua inteligência. Seu apreço. Ele está me pressionando, tomando
minhas boas intenções de formas que nunca nem imaginei que um homem poderia.
— Experimente isso — peço, cegamente empurrando a camisa verde-menta para ele.
Quando olho, ele já tirou uma camisa e está esticando o braço para a outra. Eu não tinha
pensado nisso. Não tinha previsto que o fato de Kenan trocar uma camisa pela outra significaria um
peito nu. Perco a linha de raciocínio e toda minha tranquilidade. Apesar de a minha boca cair aberta
com a visão do terreno esculpido do seu peito e abdômen, não dou nenhuma outra indicação de que
ele me afeta. A pele negra cor de bronze esticada nos ombros largos como tela flexível repuxada em
uma moldura, a base de uma obra de arte. Ele é um homem grande. Não volumoso, mas esculpido sob
as especificações de um mestre escultor: braços com músculos e bíceps feito rochas debaixo de uma
pele que brilha de saúde. Os antebraços que fizeram Chase delirar são marcados por veias e tendões.
E eu morro com um belo peito. Nunca vi nenhum que seja mais espetacular do que o do Kenan.
Duas palavras.
Mamilos. Masculinos.
Jesus, minha boca está literalmente cheia d’água apenas com o pensamento de prová-los,
sugá-los, lambê-los. E se aquela perfeição peitoral não fosse suficiente, as duas colunas de
músculos, quatro em cada, estão empilhadas em seu estômago magro, marcando o caminho até a
cintura e o quadril estreitos. Não consigo desviar o olhar. Lambo meus lábios, imaginando como
seria a sensação dele na minha boca. Como eu lamberia ao redor de seus mamilos e arrastaria minha
língua para baixo pelo caminho raso que divide seus músculos do abdômen. Eu deslizaria aquele
cinto dali e me colocaria de joelhos. Abriria o zíper daquelas calças e o tiraria para fora. Meu Deus,
eu o seguraria nas mãos e depois o levaria até o fim da minha garganta. Eu engasgaria com ele. Um
homem tão grande... Eu ficaria apertada ao redor dele.
— Lotus — Kenan chama, trazendo-me de volta do transe em seu torso. — Devo seguir em
frente e colocar a camisa? Ou você precisa de mais algum tempo?
Lanço um olhar para o seu rosto, envergonhada ao vê-lo rindo de mim. Ai, Deus. Eu sou
tão ruim quanto a Amanda. Giro para sair, mas ele segura meu cotovelo com gentileza, levando-nos
para trás de duas estantes. Ele se inclina até estar quase na altura da minha visão.
— Não fique com vergonha — pede, estudando meu rosto atentamente. — Estou feliz por
você ter gostado do meu corpo.
— Eu não disse que eu... — Minhas palavras saem dos trilhos com seu sorriso conhecedor.
— Ok. Você tem um corpo legal. Eu trabalho com moda. Tem ideia de quantos belos corpos eu vejo
no dia a dia?
— Tenho certeza de que muitos — fala, seu sorriso ainda bem firme no lugar. — Não
posso falar por todos eles, apenas pela forma como você olhou para mim.
— E como foi que olhei para você? — pergunto defensivamente, forçando-me a não
desviar o olhar.
No silêncio que se segue, seu sorriso se desfaz e um calor substitui o humor em seus olhos.
— Olhou do jeito que aposto que eu olho para você toda vez que entra em algum lugar —
revela, o timbre da sua voz rolando pela minha pele sensível como uma carícia. — Como se eu fosse
comê-la, se pudesse. Da cabeça aos pés, e tudo que está no meio.
— Kenan — protesto, fechando os olhos com um gemido. — Nós falamos que seríamos
amigos. Falamos que seria simples. Não é assim que se começa uma simples amizade.
Suas mãos largas seguram minha mandíbula e erguem meu queixo. Abro os olhos, piscando
atordoada para ele. Não estava preparada para a forma como seu toque me faria sentir. Como
instantaneamente desejei mais daquilo; como queria me inclinar no seu calor; virar sua mão e traçar a
linha da vida[5] com a língua. Dizer a ele todas as coisas que eu poderia descobrir apenas de ler sua
palma e olhar em seus olhos.
Como pode uma mão larga ser tão gentil, como se ela fosse capaz de dar valor e carinho?
— Ok, Lotus — solta, arrependimento e relutância envolvendo-se em meu nome. —
Simples. Amizade.
Ele se retira, e quero procurar por ele outra vez, imediatamente. Quando abro meus olhos,
ele está vestindo a camisa que escolhi, abotoando com movimentos rápidos e habilidosos. Estou
congelada no lugar, incapaz de afastar o olhar da intensidade do seu. Ele pega a gravata e estende
para mim.
— Para que isso? — questiono debilmente.
— Sou uma merda com gravatas — conta, os lábios carnudos se curvando nas pontas, parte
do seu humor retornando.
— Ah.
Estico-me para envolver a gravata em seu pescoço, enquanto ele se abaixa para que eu
possa alcançá-lo mais facilmente. Ele é muito mais alto e sinto-me como uma flor crescendo ao longo
de uma grande parede. Pequena. Protegida. De livre e espontânea vontade, mantenho as mãos firmes
enquanto termino de prender a peça. Quando estou quase terminando, ele se inclina para a frente até
que nossos narizes se alinhem e inspira.
— De um amigo para o outro — começa, a voz áspera e rouca —, você tem um cheiro
incrível.
Quando ele se afasta para olhar nos meus olhos novamente, ficamos presos em uma rede de
desejo. Não conheço esse homem e ele não me conhece, mas nossos corpos sim. Nossos corpos já se
conhecem, e exige tudo de mim não me esticar para cima a fim de que nossos lábios se encontrem —
e assim eu possa prová-lo novamente. Nossas respirações se misturam. Minhas mãos se fecham nas
palmas com o esforço requerido para não agarrar sua mandíbula e tomar sua boca, fazê-la minha.
Meu coração clama por trás das costelas. O momento fervilha com a possibilidade.
— Eu poderia beijá-la, Lo — murmura. — Mas não vou.
Suas palavras rompem qualquer fio que estivesse nos ligando e dou um passo atrás,
limpando a garganta e arrumando o rosto.
— Ótimo — digo, enrolando suas mangas. — Porque dissemos uma simples amizade, e
isso complicaria muito as coisas.
— Vou fazer um acordo com você — diz.
— Não faço acordos com homens que não conheço. — Equilibro a voz até que esteja quase
normal.
Ele para, um sorriso leve atinge seus lábios antes que continue.
— Ok, vou fazer uma promessa.
— Promessas não significam nada vindas de homens que não confio — aviso, com um dar
de ombros. — E homens que não conheço, não confio.
— Ok, vou fazer uma previsão. — Ele ergue as duas sobrancelhas e aguarda minha
objeção.
— Continue — falo, com um aceno.
— Prevejo que vamos nos beijar de novo — revela, e meus olhos arregalados vão parar
em seu rosto. — Mas só quando você quiser. Da próxima vez que nos beijarmos, você fará isso
acontecer.
— Pode esperar sentado — retruco, com uma confiança que não é minha.
— Grave minhas palavras, pequena millennial.
— Lotus, você está aqui? — chama Chase, do corredor ao lado. Ele para assim que me vê
com Kenan, franze o rosto e corre a mão pela nuca. — JP está te procurando.
— Sim, ok — digo com pressa, passando por ele.
— Estou pronto para você. — Ouço Chase dizer a Kenan.
Fico feliz que um de nós esteja.
JP impediu a crise com o carregamento de seda e parece um homem racional e agradável
novamente. Estamos falando sobre algumas coisas que provavelmente vamos resolver ao voltarmos
ao escritório quando Kenan entra.
Eu escolhi bem. O verde salta contra a pele. Ele é o retrato de uma masculinidade bela e
robusta, mas, uma vez que a sessão começa, parece que ele está fazendo um tratamento de canal. Nem
mesmo a bajulação e orientação que Chase tipicamente usa para conseguir o melhor do fotografado
funciona com Kenan.
Movo o quadril na batida pesada saindo dos alto-falantes e me pergunto se isso será uma
perda de tempo, já que a força irresistível da personalidade de Kenan não está se traduzindo.
A batida.
É Bad and Bouje, do Migos.
Hã, hã, hã.
— Ei, JP — sussurro. — O que acha?
— Não está... funcionando — diz, pânico em sua voz. — E preciso saber se temos alguém
fechado para isso. Ele é muito mais rígido do que pensei que seria, mas ainda amo aqueles braços.
— Se importa se eu tentar algo que pode ajudá-lo a relaxar um pouco?
— É sexo? — Ele arregala os olhos e aperta minha mão de forma tranquilizadora. — Faço
todo mundo sair da sala se precisarem de privacidade.
— Não, não é sexo — respondo, tentando soar apropriadamente ultrajada, em vez de
completamente excitada. — Deixe-me tentar algo.
— Não vai machucar — concorda, vendo Kenan parecer sentir dor enquanto passa pelas
poses e expressões que Chase pede.
Vou na ponta dos pés até o sistema sonoro e procuro pelas músicas disponíveis até
encontrar uma que possa funcionar.
Nas primeiras notas de PYT a tensão deixa os ombros de Kenan. Quanto mais a música
toca, melhor ele se parece, mais fácil tudo vem para ele.
— Você é uma milagreira — JP comemora, felicidade em todo o seu rosto enquanto assiste
Kenan. — Ele parece bem, não parece?
Arrisco um olhar para o assunto em questão, apenas para encontrá-lo me observando e
sorrindo. Eu não faço leitura labial, então leva um pouco de tempo para decifrar a mensagem que ele
murmura para mim, mas finalmente entendo.
— Obrigado, PYT.

[4] Nunca passou pela minha cabeça, em inglês.


[5] A linha da vida é uma das três que temos na palma da mão, aquela que rodeia a base do polegar.
Então isso é um ateliê.
Saio do elevador para a pequena entrada da JPL Maison. Ao passar do saguão, entro em
uma colmeia. Mulheres — com uma dúzia de formas, tamanhos e cores — se espalham pelo espaço
aberto lotado de máquinas de costura e mesas com lâminas grandes. Algumas cortam tecidos com
precisão cirúrgica. O espaço, com paredes brancas estéreis e pisos neutros, é pontuado com
vibrantes pontos de cores dos tecidos de todos os tipos de estampas e texturas. Uma floresta daqueles
manequins sem cabeça e braços está amontoada do outro lado da sala. Altas peças de tecido estão
apoiadas contra as paredes e preenchem os cantos. Prateleiras suspensas acima de nossas cabeças
estão abarrotadas com potes de botões, zíperes, ganchos e todo o tipo de coisas que nunca precisei
saber os nomes.
É uma colmeia, e estou procurando pela rainha.
— Kenan! — JP me chama do piso superior. — Aqui em cima!
Encontrei.
Os olhares das costureiras me fazem sentir como se eu fosse o último homem no planeta,
mas ignoro os olhares curiosos e pego as escadas para o outro andar, onde JP me aguarda com um
sorriso acolhedor. Seus lábios vêm em minha direção, mas estendo a mão.
— Não dou beijinhos no ar, JP.
— Oui, oui. — Ele ri e acena para mim de dentro de uma sala de conferências com
paredes de vidro. — Venha aqui para ver os relógios que tenho para você.
Outro homem, acho que o CEO, se me lembro corretamente, está sentado à longa mesa de
ardósia. Ele e a ruiva da festa, Billie, estão com as cabeças próximas e mergulhados no que parece
ser uma conversa intensa.
— Paul — chama JP, os olhos especulativos no casal. Assumo que são um casal.
Há algo íntimo em sua interação, mas quando Paul estende a mão para sacudir a minha,
percebo um anel de casamento. Billie não está usando um. Ele e Bridget parecem ter algo em comum.
Um rubor sobe nas bochechas de Billie e lembro-me de vê-la com Lotus. Elas pareciam amigáveis
naquela noite.
Lotus.
Prometi a mim mesmo que, se não a visse, não iria procurar por ela, mas, enquanto JP me
mostra os protótipos que gostaria que eu usasse em coletivas de imprensa e outras aparições, sei que
tentarei pelo menos encontrá-la antes de ir.
Quando terminamos, JP e Paul permanecem na sala para suas próximas reuniões e pedem
para Billie me acompanhar.
— Seu nome é Billie, né? — pergunto, dirigindo-me diretamente a ela pela primeira vez
enquanto descemos a escadaria.
— Hm, sim. — Ela me encara, seus olhos verdes amigáveis, porém cautelosos.
— Nós nos encontramos na festa do iate.
— Eu lembro. — Estreita o olhar, deixa mais certeiro. — Rolou um baita beijo.
— Rolou — confirmo, com um sorriso rígido. Engulo meu orgulho e faço a pergunta que
queima na minha língua. — A Lotus está aqui hoje?
— Está trabalhando. — Com os lábios contraídos, ela pressiona o iPad contra o peito. —
Mas acho que ela tinha algumas incumbências para resolver.
Droga.
— Entendi.
Sinto-me um adolescente parado em seu armário perguntando para a amiga de uma garota
se ela gosta de mim. Não tinha pensado na idade da Lotus até nossa conversa na sessão de fotos. Aos
vinte e cinco, eu não estava na liga nem há cinco anos. Era um pai recente, um marido recente. Nem
mesmo reconheço aquele garoto dentro de mim. Não consigo encontrá-lo. Pensar em tudo que
experimentei em onze anos... Lotus ainda tem tudo aquilo no caminho dela.
Algo na maneira como Billie olha para mim me faz perguntar se Lotus falou sobre nós com
as amigas. Não que haja muito de “nós” para se discutir, mas ainda sinto certa proteção pela amizade
que estamos cultivando. Não sinto uma vibe fofoqueira de Lotus. Não consigo imaginá-la correndo
para o TMZ ou vendendo sua história para os tabloides. Não há realmente nada para contar ainda,
mas a Doutora Packer nos avisou para sermos cuidadosos sobre como Simone descobre nossos
interesses amorosos.
— Posso dizer que você passou por aqui — Billie oferece, sua voz quase conspiratória,
como se tivéssemos um segredo.
— Não, mas obrigado. — Suavizo a expressão e passo por ela.
Por necessidade, fiquei bom em mascarar minhas emoções e deixar todo mundo de fora.
Todo dia algum repórter revirava o meu lixo, literal e figurativamente. Não posso ter minha vida
exposta daquela forma novamente. Não creio que Lotus compartilharia detalhes pessoais meus, mas
veja quão mal eu julguei a Bridget.
Estou quase na porta quando esbarro na outra amiga da Lotus, que também estava na festa,
Yari.
— Oi — cumprimenta. — Como vai?
— Bem. — Mantenho a voz seca. Nada amigável.
— Estava procurando a Lotus?
Seu sorriso me provoca e, de novo, pergunto-me se sou alvo de alguma piada que todo
mundo ouviu, menos eu.
— Não, eu tinha uma reunião com o JP. — Permito que minha irritação apareça em minha
carranca. — Tenho que ir.
Saio para o saguão, mas a droga do elevador está demorando a vida toda. É um andar. De
jeito nenhum que vou ficar aqui parado por outro minuto quando eu poderia já ter descido as escadas
e partido. Pego as escadas e estou na segunda curva, já chegando ao primeiro andar, quando algo
pesado me acerta no peito e me joga para trás na parede da escada.
— Merda — diz uma voz feminina, abafada por trás de uma enorme peça de tecido
vermelha. — Sinto muito.
Quando ela encosta o tecido contra a parede, vejo a mulher por trás da voz.
— Lotus? — chamo, atingido não apenas pelo golpe na minha barriga, mas pela visão dela.
Está fervendo de quente hoje e uma fina linha de suor fica acima de seus lábios e das suas
têmporas. Sua camiseta está cortada abaixo dos seus peitos. Um short de linho branco cai baixo em
sua cintura, expondo o estômago firme e plano, além dos músculos femininos marcados em sua pele.
Uma tatuagem de flor de lótus floresce em torno de seu umbigo. Seu short é tão pequeno que mal
atinge o topo das suas coxas. Uma tatuagem surge debaixo da bainha dele, mas a maior parte está
coberta e não consigo descobrir o que é.
Desejo me atinge com mais força do que a peça de tecido fez na minha pele. Queria
descobrir como parar de querê-la. Ela tem vinte e cinco anos. Nova demais para mim. Complicada
demais. Dissemos que seríamos apenas amigos, mas não sei se posso fazer isso. Quero fodê-la toda
vez que estamos no mesmo ambiente e, quando não estamos juntos, fico pensando nisso. Sei que
precisamos manter as coisas simples. Essa é a coisa inteligente a se fazer, mas encontro-me querendo
não fazer a coisa inteligente. Já fui cego e estúpido antes. Não tenho condições de fazer isso de novo.
— Desculpe por isso — diz, o sorriso aberto, doce. — O elevador estava demorando
demais e eu queria levar esse tecido para o estúdio. Não olhei para onde ia.
Pergunto-me o que há por trás desse rosto bonito. Não quero questionar sua honestidade,
sua franqueza, mas já fui enganado antes. Dei minha confiança a uma mulher, que a jogou de volta em
mim como uma arma carregada.
Não devolvo o sorriso da Lotus, incerto se devo dar passos atrás ou seguir em frente,
porque, de qualquer jeito, haverá alguma perda. Seu sorriso contagiante se desintegra. A boca murcha
para uma linha que já vi antes, quando estávamos começando a nos conhecer.
— Tenho que ir — digo abruptamente, empurrando-me da parede e passando por ela,
determinado a sair daqui e deixá-la sozinha.
Estou a caminho dos degraus para baixo, mas não consigo resistir a olhar para trás. Lotus
ainda está parada no mesmo ponto, encarando além de mim; suas costas, uma linha rígida, um braço
em volta da peça de roupa e a mão no quadril.
Eu sou um burro.
Corro para cima de novo e paro atrás dela, envolvendo um braço em volta de sua cintura.
Ela se mexe para sair do meu aperto, mas não a deixo ir.
— Ei. — Solto um suspiro longo, movendo os cachos selvagens que atingem meu rosto. —
Sinto muito.
Ela gira para me encarar, tirando meu braço da sua cintura.
— Pelo quê? Agir como se não nos conhecêssemos? — Raiva estala na sua voz, mas ouço
a dor. Eu a coloquei ali. — Não acho que já nos fodemos, então é um pouco estranho que você já
esteja me tratando como se eu fosse lixo.
— Eu fui brusco. É culpa minha, não sua.
— Oh, sei disso — avisa, suas palavras tão quentes quanto o verão fora dessas paredes
com ar-condicionado. — Mas tudo bem. Você faz o seu e eu faço o meu. Isso é simples o suficiente
para você, amigo?
— Posso explicar, por favor?
— Não. — Ela pega o tecido e marcha em direção ao próximo lance de escadas.
Pego a peça de debaixo do braço dela e coloco contra a parede. Segurando seu pulso
gentilmente, consciente dos ossos finos em minhas mãos grandes, inclino-me contra a parede e puxo-
a para ficar entre minhas pernas.
— Sinto muito. — Empurro uma mexa de cachos para trás, expondo os brincos de ouro no
lóbulo de sua orelha. — Posso, por favor, explicar por que sou um idiota?
Ela fica parada, mas não se afasta.
— Eu não tinha que vir ao escritório hoje — admito, minha voz quieta na privacidade da
escadaria.
Ela espia um olhar para mim por baixo dos cílios, curiosa e cautelosa.
— JP mencionou protótipos para os relógios e ofereci vir vê-los pessoalmente. — Rio de
mim mesmo e nego com a cabeça. — Eu me joguei na chance de ver você.
Ela fixa o olhar no chão entre nossos pés. Seus ombros, mantidos firmes e altos, lentamente
caem. Ela está ouvindo. Está me escutando.
— Continue — diz, os lábios carnudos se erguendo nos cantos. — Idiota.
Seu espírito, sua força, me faz sorrir. Não gosto de vê-la machucada, especialmente por
mim. Se não tivermos esta conversa, as mesmas dúvidas irão ressurgir e vou machucá-la de novo,
inevitavelmente. Ela nem sabe por quê. Ela merece saber por quê.
— Diga o que você sabe sobre mim, Lotus.
Suas sobrancelhas grossas se erguem e ela pisca algumas vezes.
— Sei que você é o pivô do San Diego Waves — fala, a voz ligeiramente incerta.
— Ala-pivô — corrijo.
— Oi? — Ela joga um olhar confuso.
— Você disse que eu sou o pivô dos Waves, mas eu sou o ala-pivô.
— Ah. — Dá de ombros, como se fosse a mesma coisa para ela... e provavelmente é. — E
sei que você tem um gosto musical de um homem de sessenta anos.
Eu rio e finjo um olhar feroz.
— Na verdade, não é muito longe disso — conto a ela, acariciando a pele sedosa em seu
pulso. — Meu pai amava jazz e passou para mim.
— Ele era jogador de basquete também?
— Não. — Nego com a cabeça e dou uma risada áspera. — Ele era juiz e queria que eu
seguisse seus passos. Ficou desapontado quando fui escolhido no draft.
— De jeito nenhum. A maioria dos pais teria orgulho.
— É, meu pai não era exatamente como a maioria dos pais. — Sorrio, lembrando-me do
homem que me moldou mais do que qualquer outro. — Quando disse a ele que planejava entrar para
o draft ao invés de ir para a escola de Direito, ele disse: “um homem negro e alto jogando basquete.
Uau, não esperava por essa”.
Ela não ri como eu esperava. Em vez disso, estuda meu rosto, procurando por algo.
— Isso doeu? — questiona.
— Se doeu? Inferno, não mesmo. Meu pai e eu éramos melhores amigos. Posso ter
escolhido um caminho diferente do que ele esperava, mas ele reconhecia que não são muitos que têm
chance de jogar nesse nível, fazer esse tipo de grana. Ele me apoiou. Não tenho traumas de infância.
Sem problemas paternos ou maternos. Meus pais foram casados por quarenta anos. Estávamos bem
de vida, bem-ajustados.
— Deve ser legal — ela diz, sua expressão e voz melancólicas. — Especialmente a
proximidade que você tem com seu pai.
— Era legal. — Nossos olhos se encontram, os dela se enchendo de simpatia até mesmo
antes de eu esclarecer. — Ele se foi no ano passado.
— Sinto muito, Kenan. — Gira os pulsos que estou segurando para que as mãos segurem as
minhas e aperta. Assinto e aperto de volta.
— Ele, hm... me aconselhou a não me casar com minha ex-mulher, Bridget — conto,
sentindo que esse é o melhor jeito de abordar o assunto. — Você sabe algo sobre o meu casamento?
O que você ouviu?
— Apenas que acabou. Você me disse. Lembra? Não acompanho muito basquete. — Ela
franze o rosto. — Há algo que eu deveria saber?
Quando Bridget me traiu com meu colega de equipe, Cliff, pareceu que o mundo inteiro
sabia, mas, mesmo assim, estou com medo de contar para essa única mulher sobre os detalhes feios.
— Uma simples busca no Google poderia te dizer os detalhes sujos — profiro, incapaz de
esconder a amargura na minha voz. — A merda que eu mais odeio viria primeiro.
— Não dei nenhuma busca no Google por você — fala. — Não parecia certo. — Ela soa
envergonhada, mas não faz ideia do quanto isso me agrada.
— Não procure. Qualquer coisa que quiser saber, pergunte. Vou te contar tudo. Vou dizer a
verdade.
— Ok. — Ela puxa a mão livre da minha e olha para mim com firmeza. — Então me diga
por que você agiu daquela forma quando esbarrei em você.
— Sim, eu estava chegando lá — digo ironicamente.
Ela dobra os braços magros debaixo dos seios e aguarda.
— Minha ex-mulher me traiu com um dos meus amigos. Com um companheiro de equipe.
Choque faz seus lábios formarem um “o” e os braços caem frouxos ao seu lado.
— Com seu companheiro de equipe — repete fracamente.
— Sim, eles foram pegos em um hotel. Parece que um repórter descobriu e estava
seguindo-os, então tinha evidências fotográficas. E ele vendeu tudo isso para quem deu o lance mais
alto. Foi parar no TMZ, ESPN, todos os blogs. Todo mundo soube.
— Como ela pôde? — Lotus questiona, suas sobrancelhas em uma curva irritada. — O que
ela fez quando isso apareceu?
— Bem, não havia como negar. As fotografias eram toda a evidência necessária. —
Desprazer retorce meus lábios. — Sem mencionar os queridos amigos e parentes distantes que deram
entrevistas e compartilharam informações.
— Ah, Kenan. Sinto muito.
— Está tudo bem. Isso já ficou para trás, mas... — Seguro as mãos dela nas minhas de
novo. — Disse a mim mesmo que não seria feito de idiota dessa forma outra vez. Quando estive no
seu escritório hoje, eu me senti um idiota... como se eu fosse o alvo de uma piada. Como se todo
mundo soubesse o quanto eu...
Minhas palavras morrem, mas olhamos um para o outro e compreendemos, mesmo sem
dizer. Nós dois sabemos o quanto gosto dela. O quanto eu a quero.
— De todo jeito — continuo —, comecei a pensar: será que ela já falou sobre nós? Ela
iria para a imprensa também?
— O quê? — Solta um suspiro afrontado. — Eu nunca faria isso.
— Eu confio em você. Mesmo — reafirmo para ela. — Só tenho que ser cuidadoso com
quem deixo entrar na minha vida, porque isso afeta minha filha. E ela ouviu e soube de muita coisa
cedo demais, já que a nossa merda saiu em todo lugar. Ela é tudo na minha vida e tenho que protegê-
la.
Na verdade, o olhar em seu rosto é intenso, compreensivo.
— Ela tem muita sorte de ter alguém que a colocou em primeiro lugar — diz Lotus.
Um lado da minha boca sobe em um sorriso que zomba de mim.
— Eu me senti a piada nacional, e hoje... Sei lá. Deixei os pensamentos correrem e
começarem a desenhar paralelos que não existiam. Joguei isso em você.
— Sinto muito, Kenan — repete, sua expressão de dor e raiva. — Odeio que ela tenha feito
isso com você. Que as pessoas não o tenham apoiado como você merece.
— Não, eu sinto muito. Achei que tinha lidado com esses problemas. Eu a julguei hoje pelo
que aconteceu antes. — Estico a mão e puxo um cacho solto, observando-o voltar para o lugar. —
Sinto muito. Você merecia pelo menos saber por que eu fui tão idiota.
Ela fica quieta por poucos minutos, e me pergunto se o que contei a assustou ou se não
justificou o suficiente o meu comportamento idiota de antes.
— Há coisas que você deveria saber também — ela finalmente fala. — Mas não estou
pronta para compartilhar.
Ela olha para cima e seus olhos estão cheios de tanta dor que quero obrigá-la a me dizer
agora mesmo quem foi que a machucou, porra. Não a conheço o suficiente para me sentir desse jeito,
como se eu devesse ser aquele que serve de escudo para ela, mas eu sinto. Admito apenas para mim
mesmo que já sinto isso.
— O que você pode me falar? — questiono.
— Minha mãe não foi como você. Ela nunca me colocou em primeiro lugar. — Seus olhos
encontram os meus, mas eles não entregam muito. — Acho que, de alguma forma, eu nunca superei
isso. Disse a você que estou dando uma pausa de sexo agora. Não tenho problemas com sexo. Na
verdade, eu amo. Muito mesmo.
— É bom saber disso. — Dividimos um sorriso breve antes que o dela desapareça.
— Não é dividir meu corpo com alguém que é difícil — explica com tristeza. — É confiar
em alguém com mais do que isso. Eu nunca fiz tal coisa. Meu problema é a intimidade, o sexo sem
isso começou a ser algo... ruim. Não consigo descrever, exceto falar que me senti vazia.
Fico quieto, esperando que ela continue se eu sair do caminho dela, se eu não interromper.
— Você disse que não tem traumas de infância. — Seu olhar desliza para o lado. — Eu
tenho. Tenho um monte dessa merda e estou percebendo que nunca lidei com nada, o que está me
assustando. Está me afetando de formas que não pensei que iriam.
Sei que não devo pressionar por detalhes quando ela já me disse que não está pronta para
compartilhar, então faço a pergunta mais importante:
— E o que você fará sobre isso?
Ela encolhe os ombros e, talvez pela primeira vez desde que a conheci, Lotus parece
verdadeiramente indefesa. Estou acostumado à confiança incontestável, à atitude presunçosa. Não
odeio vê-la insegura, inclusive quero que saiba que pode ficar assim comigo.
— Sei que soa clichê — falo para ela. — Mas conversar com alguém pode ajudar.
Estamos vendo uma terapeuta, porque minha filha está tendo dificuldades em aceitar o divórcio. É
para ela, sim, mas também é para mim. — Minha risada curta e cínica ecoa pela escadaria. —
Bridget e eu nunca chegamos a fazer aconselhamento, mas, caramba, não vou estragar as coisas mais
do que já estraguei para a minha filha.
— Você nunca fez nada de errado — Lotus protesta.
— Não importa que eu não tenha traído. Sou o pai da Simone. Sou responsável por ela.
Não é sobre ser culpado, estar certo ou errado. É sobre ter certeza de que ela está bem. Se eu não
estou saudável, não posso ser o melhor pai possível para ela, então toda semana nós vamos ao
aconselhamento. Odeio cada minuto lá, tendo que ouvir minha ex falar sobre as escolhas estúpidas
dela e fingir que quer colocar nossa filha em primeiro lugar quando está claro que não. — Nego com
a cabeça e corro a mão pelo rosto. — Sinto muito. Isso aqui é sobre você conversar com alguém, não
o motivo para eu precisar.
— Iris tem me dito a mesma coisa — fala com uma careta. — Ultimamente eu... Bem, tenho
pensado que talvez ela esteja certa.
Sinto que, se a pressionar um pouco mais, posso afastá-la. Falei o que achava. Ela tem que
fazer essa escolha por si mesma, mas tenho uma diferente para apresentar.
— Então, para resumir, admiti que queria ver você hoje, mas não contei que queria
estender para um convite.
— Um convite? — Uma sobrancelha pula para cima. — Que tipo de convite?
— Vou julgar uma competição de enterradas no Rucker Park no sábado e me perguntei se
você gostaria de ir.
— Rucker Park? Lá no Harlem?
— Hm... Você fala como se fosse na Antártida.
— Eu conseguiria fazer malas mais leves para a Antártida do que para o Harlem.
Rio abertamente, pegando as mãos dela outra vez, puxando-a para mais perto e inclinando-
me até nossos narizes se tocarem.
— Vamos lá — sussurro. — Podemos almoçar depois da competição e passar um tempo
juntos.
O ar fica pesado entre nós e, segundo a segundo, o humor se esvai, deixando qualquer que
seja essa coisa magnética que me puxa para ela desde o momento em que a vi. Seus lábios se partem,
seu peito sobe e desce com respirações rasas. O mesmo desejo que cresce dentro de mim ao vê-la, o
cheiro do seu perfume, a promessa de prová-la outra vez, vejo tudo no olhar que ela me dá. Ela quer
me beijar tanto quanto quero beijá-la?
— Lembre-se do que eu disse — falo tão próximo que as palavras tocam nossos lábios
unidos por um segundo. — Da próxima vez que nos beijarmos, você terá que fazer acontecer.
Ela dá um passo atrás, colocando algum espaço entre nós, mas é simplesmente distância.
Esses poucos centímetros não podem dissipar a forma como estamos conectados e acho que em breve
teremos que parar de ignorar isso.
— Não beijo meus amigos — avisa, apenas parcialmente brincando, seus olhos sóbrios.
— Ótimo — retruco com um sorriso. — Quando você me beijar, saberei que quer ser mais
do que minha amiga.
Estou na sala dos fundos com meu laptop trabalhando em especificações técnicas quando a
Inquisição Espanhola aparece.
Ou melhor, a Inquisição Dominicana.
— Então, você falou com Kenan Ross? — Yari questiona da porta, mastigando um pedaço
de carne-seca. Ela adora esse negócio.
Lanço-a um olhar, levemente desesperada. Estou espremida entre duas máquinas de costura
para evitar socializar no escritório, o que me distrai.
E também porque não quero falar com ela sobre Kenan. Especialmente depois da minha
conversa com ele no corredor. Não conversei com Billie ou Yari sobre ele, porque não há muito a
revelar. Nada concreto além de uma forte atração que nunca havia sentido. Caso contrário, nada para
olhar aqui.
— Hm, esbarramos um no outro quando eu estava voltando da loja de tecidos — conto, os
olhos nunca deixando a tela do computador.
— Ele esteve aqui procurando por você — Billie diz, aparecendo atrás da Yari.
Ótimo. As duas aqui.
— Esteve? — pergunto toda casual.
— Sim, mana — Yari diz, fazendo seu caminho para dentro da sala e saltando em cima de
uma das empoeiradas mesas de costura. — Mas ele estava tentando fingir que não.
— Ah, comigo não — Billie se intromete, escolhendo a mesa oposta à Yari. — Foi direto e
me perguntou onde ela estava.
Divido um olhar irritado entre as duas.
— Já perguntaram a si mesmas por que alguém que tem um escritório perfeitamente bom no
segundo andar está trabalhando na salinha dos fundos do primeiro?
— Claro que nos perguntamos isso — afirma Billie docemente. — E deduzimos que você
queria que tivéssemos alguma privacidade para que você soltasse os babados.
— Que babados? — Ergo uma sobrancelha.
— É, tipo, já o beijou novamente? — Yari questiona, mastigando aquela droga de carne-
seca.
— Claro que não — Billie repreende. — Ela teria nos dito.
— Não, ela não teria — replico, desistindo de ser produtiva e fechando o laptop.
— Bem, pelo menos conte como você está lidando com a pausa de sexo — Yari pede. —
Nós vivemos juntas e eu nem mesmo sei o que está rolando com você.
— Tenho andado ocupada. — Esfrego os olhos cansados. — Tem essa coisinha chamada
Fashion Week se aproximando e tenho uma coleção para produzir, um show para planejar. Então,
vocês sabem, é isso.
— Temos trabalho também — Billie devolve defensivamente. — Mas nós não deixaríamos
isso ficar no meio do caminho para os detalhes.
— Que detalhes? — pergunto cautelosa.
— Os relacionados a pau — Yari explica, olhando para mim como se dissesse: por que eu
tenho que explicar isso? — Assim, sabemos que o Chase vem tentando novamente. Ele já te cansou?
— Ou te deixou esgotada? — Billie lança um sorriso malicioso e puxa um cigarro. —
Vocês não se importam se eu fumar, né, meninas?
— Sim — nós duas respondemos em uníssono.
— O quê? — Billie pergunta, a palavra distorcida pelo cigarro pendurado entre os lábios.
— Onde eu deveria fumar então? Parece que o mundo inteiro se virou contra a nicotina.
— Porque o mundo inteiro se virou contra a nicotina — digo. — Lá pela época que
descobrimos que ela mata.
— Mas não é justo. — Faz beicinho, ainda dando um jeito de tragar o cigarro como se
fosse conseguir algum efeito com ele ainda apagado. — Tenho certeza de que é algum tipo de
violação dos nossos direitos civis.
— Por favor, não diga a duas mulheres de cor que não ter permissão para fumar livremente
é parte da luta — Yari pede.
— Mas a luta é real — Billie insiste. — E nós, fumantes, temos direitos.
— Sinto muito, White Girl Magic[6], mas, com todas as merdas que estão erradas no
mundo — falo, tendo que suprimir a risada —, você está lutando pelo câncer de pulmão? Essa é a
sua plataforma?
— Todos temos vícios — Billie argumenta, tentando soar séria, mas seus lábios também
estão começando a tremer.
— Só não sopre seu vício na minha cara. — Yari ri. — Mas estamos nos distraindo do
assunto em questão. Lo, como o celibato está sendo?
— Faz apenas algumas semanas.
— Sim, mas você não pode secar a carne da noite para o dia — Yari sugere, mastigando
sua carne.
— Acho que você quis dizer secar a fonte — Billie corrige.
— Eu quis dizer secar a carne. — Yari faz gestos obscenos com o pedaço de carne na
boca. — Igual essa carne-seca.
— Isso foi horrível — digo com desgosto. — Já passei semanas sem sexo antes, estou
bem.
Não menciono que a única vez que penso a respeito de sexo é quando estou com Kenan.
Elas cairiam em cima disso, e com razão.
— Só prometa que, se quebrar seu voto com Kenan Ross — Yari pede, os olhos fechados e
as mãos unidas como se estivesse rezando —, irá nos dizer quão grande é o pau dele.
Billie bufa e eu rolo os olhos.
— Não vai rolar — murmuro, abrindo o laptop na esperança de que desistam.
— O que não vai rolar? Você e Kenan ou o fato de nos contar sobre o pau dele? — Billie
questiona. — Quer dizer, ele é um homem tão grande. Dá para imaginar se ele tiver um pau pequeno?
Seria uma piada do universo. Uma maldição.
Fico totalmente em silêncio. Elas nem mesmo percebem o tanto que estão pisoteando os
meus nervos.
— E você sabe o tanto que eu amo um pau grande — lembra-nos Yari.
— Sim, lembra aquele cara com quem você dormiu mesmo pensando que ele poderia ter
uma DST? — Billie questiona, seu rosto todo enrugado de desgosto.
— Um. — Yari enumera com o dedo. — Ele embrulhou bem apertado.
Eu rio em silêncio, porque só a Yari com uma dessas.
— E dois — continua, um sorriso lascivo pintado em seus lábios. — Os exames voltaram
limpos.
— Você deu sorte! — Billie diz, apontando para ela.
— Com certeza eu dei. Ele era tão bom — concorda meio sonhadora. — A gente sabe que
um homem é bom quando tem um pau problemático, mas, ainda assim, funciona. Okurrr.
— Não invoque a Cardi B na conversa — alerto, com um sorriso largo.
— Lembra aquele cara que você saiu na outra vez, Lo? — A gargalhada de Billie sai de
seus lábios e preenche toda a sala. — O seminarista?
Vasculho a memória e, assim que me lembro de quem ela está falando, começo a rir
também. Muito.
— Ai, meu Deus. — Arfo, cobrindo a boca. — Aquele que disse que, se eu não fizesse um
oral nele, não seria abençoada!
Nós três perdemos o controle e o meu laptop, as especificações técnicas, o show... tudo é
esquecido por alguns minutos de conversa com as minhas garotas. Não percebi o quanto esse resíduo
doloroso do meu passado estava pesando sobre mim. Rir com elas, ser uma bobona, mesmo que por
poucos minutos, parece algo bom.
Quando nos recuperamos, olho para o meu telefone, vejo a hora e faço uma careta.
— Ok, agora é sério — falo para elas, abrindo o laptop de novo. — Preciso terminar isso
para o JP.
— Tudo bem, foi bom me atualizar das fofocas — Billie diz, ficando de pé. — Mas você
está certa. Tenho um relatório para entregar ao Paul amanhã de manhã.
Yari e eu erguemos as sobrancelhas na mesma altura, querendo dizer “não vamos nem
começar”, mas ficamos em silêncio.
— Não, gente — pede Billie, todo o humor evaporando de sua expressão. — Deixem isso
quieto. Sei que vocês acham que ele não vale a pena.
— Não — contrario, minha voz calma e sóbria. — Quero que você veja que você vale a
pena. Vale mais do que ser segunda opção de um homem que desrespeita sua esposa, seus filhos e
você.
— É, Bill — Yari concorda, lançando-a um olhar de repreensão. — Você está do lado
errado do Lemonade. Quer mesmo ser a Becky do cabelo bom[7]?
— Não olha assim para mim — pede.
— Como? — Yari questiona, o rosto franzido. — Esse é o meu olhar de Beyoncé.
Nem mesmo a Billie consegue resistir a isso e rimos de novo antes de elas saírem. Uma
vez que somos apenas eu e as máquinas de costura, repasso a conversa com minhas garotas, ouvindo
como se fosse o Kenan. Frivolamente. Ele disse que eu era jovem. E está certo. Sempre me senti
madura para minha idade, como uma alma antiga, mas as coisas pelas quais ele tem navegado —
divórcio, o bem-estar da filha durante essa transição, acompanhamento familiar — me fizeram sentir
cada ano que nos separa. Todos os onze. Preciso ser cuidadosa. Nunca quero que ele sinta que traí
sua confiança. Não quero falar sobre ele com minhas amigas, com a imprensa, com ninguém. E odeio
o que sua esposa fez. Como você escolhe outra pessoa no lugar de um homem como o Kenan?
Não estamos em um relacionamento, mas temos alguma coisa, mesmo que seja apenas um
cabo de guerra, resistindo à atração que há entre nós dois sempre que estamos juntos. Sei que não
estou pronta para intimidade, que é o que eu poderia ter com Kenan. E acho que sabia disso desde o
começo, motivo pelo qual o ignorei e rejeitei todas as vezes que nos vimos. O relacionamento que
desenvolvemos em tão pouco tempo fala a respeito de uma conexão que não tenho certeza se estou
pronta para ter. Não estou pronta para ver isso sendo manifestado entre nossos corpos — para ver
quão profundo seria e o que iria requerer.
O estúdio fica quieto, o espaço de trabalho esvazia e há poucas luzes no andar de cima
quando termino as coisas que preciso fazer no dia. Está escuro e fico com medo de deixar o trabalho.
Queria poder bater os sapatos um no outro e estar em casa. Estou no trem da linha J, a cabeça
encostada na janela, quando a luz do meu telefone se acende com uma mensagem.

Desconhecido: É o Kenan. Odeio mensagens de texto.

Hm... Quem é Kenan? E como você conseguiu este número? E, mais uma
vez, você soa como o avô de alguém.
Não mude de assunto.

Existe um assunto?

ASSUNTO: Sábado

Ah. Você está falando da viagem para a “Antártica”?

O Harlem não é tão longe. Vamos. Vai ser divertido.

Mande as infos e eu vejo o que posso fazer.

Também odeio a palavra “infos” e todo tipo de abreviações textuais de


fala.

Dsclp. Ñ sabia. Ñ é nd. Volto c/ + infos dps.

Quanta maturidade.

Que velho mal-humorado!

Os três pontinhos de quando ele está digitando aparecem e somem. O trem da linha J
continua se movendo, deixando alguns passageiros em suas estações enquanto eu espero, com um
sorriso no rosto e prendendo a respiração, por uma resposta de Kenan.

Sou mal-humorado com a maioria das pessoas, mas não com você.

Agora é minha hora de deixar os três pontinhos aparecerem, de deixar meu coração
aparecer, enquanto começo e paro algumas mensagens antes de apertar para enviar.

Por que você não fica mal-humorado comigo?

Por milhões de razões que ainda não entendi.


Meu coração dá um salto triplo no peito, girando uma, duas, três vezes, a batida irregular
enquanto leio e releio o que ele escreveu.

E você quer entender?

Acho que sim. Quero muito... De vdd. ;-)

Meu sorriso cresce abertamente e provavelmente estou mostrando todos os meus dentes. Se
isto fosse um jogo, eu estaria mostrando todas as minhas cartas, mas não é. São borboletas, emojis e
corações nos olhos. São os riscos, as emoções, a intimidade e todas as coisas que uma garota como
eu teme. Abri mão do Príncipe Encantado e questões não resolvidas no meu passado continuam se
intrometendo no meu conto de fadas. Não é um conto de fadas.
É a vida real.

ASSUNTO: Sábado. Veremos.

[6] Em inglês, garota branca mágica. Faz referência à expressão “black girl magic”, garota preta mágica, que é usada
para dar empoderamento a mulheres pretas.
[7] Lemonade é o sexto álbum de estúdio da Beyoncé. No disco, há uma faixa chamada Sorry, em que a cantora aborda a
traição de seu marido e chama a outra mulher de “Becky with a good hair”.
— Estou TÃO orgulhosa de você, Lo.
O incentivo de Iris me fez agarrar o telefone com muita força, como se ele fosse a minha
linha da vida. Como se minha prima fosse a minha linha da vida, o que ela realmente tem sido, assim
como eu para ela, desde que éramos crianças.
— Não fiz nada ainda. — Minha risada curta é um sacolejo no meu interior.
— Você é a garota mais forte que eu conheço — afirma. — E dar esse passo para
conseguir ajuda não a torna mais fraca. Torna mais forte.
Iris ainda pensaria que eu sou forte se soubesse que estou parada na frente dessa Igreja
Presbiteriana no Brooklyn pelos últimos quarenta e cinco minutos? Que o encontro de quinta à noite
termina em breve e não controlei o nervosismo para entrar?
— Obrigada — respondo fracamente. Dou uma olhada para o lance de escadas de concreto
que levam à entrada da igreja.
— Ligue mais tarde para falar como foi — pede. — Tenho uma consulta no médico, mas
estarei disponível depois disso.
Agradeço por poder discutir algo além da minha loucura. Tenho estado genuinamente
preocupada com a gravidez da Iris.
— Está tudo bem, Bo? — pergunto, mantendo a voz deliberadamente uniforme e
despreocupada.
— Sim, completamente bem. O médico disse que a minha gravidez é tediosamente normal.
Essa é uma consulta de rotina.
— Setembro vai chegar antes que você perceba.
— Mal posso esperar. August está obcecado com o bebê.
— Claro que está. — August é um dos mocinhos. Um dos poucos homens a quem eu
confiaria minha prima e sua filha, Sarai.
— Ele me falou que Kenan pediu seu número — Iris deixa o comentário pairando no ar.
— Hmmm — respondo, dando um sorrisinho, apesar da ansiedade girando na minha
barriga. — Então foi assim que ele conseguiu.
— Bem, ele ligou? — Iris demanda, excitação e esperança na voz.
— Você e August são dois casamenteiros — digo, evitando a pergunta. Uma coisa levaria a
outra e, eventualmente, ela perceberia que encontrei Kenan algumas vezes e que estamos
familiarizados. Inferno, que nossos lábios estão familiarizados.
— Ele. Ligou? — Iris insiste.
— Mandou mensagem — respondo, dando a ela a dica que queria. — Convidou-me para o
Rucker no sábado.
— Rucker Park é como se fosse a Meca das quadras de basquete em pracinhas. — Não
fico impressionada com o choque na voz da Iris. Diferente de mim, ela ama o esporte.
— Uhum. Tanto faz. Veremos. Ainda não decidi ir.
Há um silêncio do outro lado da linha por alguns segundos, seguido por um grande suspiro
de Iris.
— Ai, meu Deus! Ele é o cara!
— O quê? — Silenciosamente, imploro para que ela não ligue os pontos.
— O cara que você tinha me falado antes. Aquele que você disse que gosta. Kenan está em
Nova Iorque este verão. Você e ele...
— Aaaah, mulher, preciso desligar — respondo bruscamente. — Tenho que ir.
— Lo, eu vou precisar de detalhes.
— Tchau, Bo. Dê um beijo na Sarai por mim — concluo e desconecto.
O que quer que aconteça entre Kenan e eu é melhor ser deixado de lado, não cutucado ou
zombado por amigos bem-intencionados. É problema nosso. Não da Iris. Não da Billie ou da Yari.
Nem do JP. Tal convicção vai além das preocupações que Kenan expressou para mim hoje. Sou
apenas eu querendo que seja lá o que aconteça conosco se mostre... diferente das conquistas às quais
eu me gabava no passado. Não estou pronta para ser mais do que amiga do Kenan nesse ponto, mas já
estou começando a me sentir especial. Nenhum dos outros caras era especial para mim. Talvez
porque eu nunca os tenha deixado ser.
Ouvir Kenan falar sobre terapia ontem, o que isso significou para ele e sua família —
como ele aguenta as sessões pela filha e o quanto a ama — me empurrou ao limite para fazer isso.
Nunca tive aquele tipo de proteção e comprometimento que ouvi dele para ela. Tive o oposto. Um pai
“desconhecido em partes” e uma mãe que nunca me priorizou do jeito que Kenan faz com Simone.
Subo as escadas.
Por dentro, a igreja é modesta e cheia de bancos vazios. Um cartaz improvisado preso na
parede mostra “GRUPO DE APOIO” e exibe uma seta vermelha apontando para baixo. Sigo uma
série de flechas que levam para o porão, meu coração protestando a cada passo. Ao chegar, duas
mulheres passam por mim em direção às escadas. Uma está fungando e a outra está secando os cantos
dos olhos avermelhados.
Droga.
Finalmente encontro coragem para entrar e parece que estou atrasada. Talvez, no meu
subconsciente, seja o que quero.
— Posso ajudar? — uma mulher, talvez em seus trinta e poucos anos, cabelo castanho e
olhos gentis, pergunta.
— Hm, não, eu... — Eu sou o quê? Uma covarde? — Eu estou apenas, hm, perdida —
respondo, mentindo na igreja. — Pensei que a doação de sangue fosse aqui.
— Só nos sábados — avisa, com um sorriso leve.
— É. Percebi isso agora. Eu vou...
— Acho que você está aqui por causa do grupo de apoio — interrompe, enquanto arruma
pilhas de papel e copinhos, guardando os biscoitos.
Ela pausa a limpeza quando não respondo imediatamente.
— Estou, hm... Como eu disse, estou perdida.
Encaramos uma a outra, trocando um olhar de verdade, mesmo tentando contornar sem
dizer as palavras.
— Elas também estavam quando começaram a vir. — Aponta para as escadas, onde as
duas garotas estiveram. — Perdidas, digo. Pode ajudar muito falar sobre isso, mesmo que para
estranhos que têm seus próprios problemas, problemas como os seus. Para separar as coisas,
encontrar as peças que não encaixam, jogar fora e conseguir peças novas e melhoradas. Peças
saudáveis.
— É, ok. — Viro em direção às escadas. — Bem, boa sorte.
— Talvez tenha sido bom você estar atrasada — continua, como se eu já não a tivesse
dispensado e mentido para ela. — Podemos conversar sozinhas na sua primeira vez.
— Talvez numa próxima oportunidade — digo, nem mesmo me incomodando em dizer a
ela que está enganada. — Tenha uma boa noite.
— Você poderia me contar um pouco sobre si. Um pouco sobre sua história — ela pausa.
— Ou eu poderia falar um pouco sobre a minha. Leva um bom tempo para se abrir, mas agora eu faço
isso o tempo inteiro. De primeira era para ajudar a mim mesma. Agora é para ajudar outras pessoas.
— Estou feliz por você, mas tenho que ir. — Aponto vagamente para o norte, na direção do
meu apartamento, um pé no primeiro degrau para cima e para longe desta conversa. — Eu moro a
alguns blocos daqui.
— Para mim, era o meu pai — revela suavemente.
Olho por cima do ombro e encontro seu olhar. Não é dor que eu vejo lá, mas sim a força
que Iris erroneamente atribuiu a mim mais cedo. Essa mulher tem isso.
— Foi meu pai quem me machucou — diz. E, mesmo que não seja mais que um sussurro,
reverbera por todo o porão como o som de um gongo. — Faz ideia de quanto tempo levou para eu
dizer isso? Para admitir isso?
Retorno das escadas e encaro-a, esperando por mais. Precisando saber que alguém passou
por isso e poderia me dar o caminho das pedras para fazer o mesmo.
— Levou minha vida inteira — revela, e vejo um pouco de cansaço em seus olhos por trás
da força. — Por muito tempo, eu nem me lembrava. Dizem que Deus não dá um fardo maior do que
se possa carregar. Às vezes, nem a sua mente dá. É autopreservação. A mente diz: “ah, ela não está
pronta para isso”, aí esconde de você.
Ela coloca a comida e os produtos de papel organizadamente para um lado da mesa e se
senta em uma das cadeiras do pequeno círculo.
— Mas só podemos nos esconder ou fugir até que a merda comece a aparecer. — Ela ri de
leve. — Desculpe o palavreado na igreja, mas, de alguma forma, acho que Deus vai me perdoar.
Nossa mente faz coisas para nos proteger de traumas indescritíveis que funcionam por muito tempo,
por anos em alguns casos, mas aí um dia ela para. Ou lidamos ou não. E se não... — Suas palavras
carregam um aviso, uma urgência para escolher lidar em vez de não.
Lembro-me de me enrolar em uma bola no chuveiro do Chase, chorando depois de um sexo
perfeitamente bom. Vejo meu corpo curvado em posição fetal na base de uma árvore desenhada à
mão no meu closet. Sinto o cheiro do ar queimando, a fumaça se envolvendo nas minhas memórias. A
paz na minha mente pegando fogo.
Você está vazando, Lo?
Pingando. Pingando. Pingando.
— Não sei por que logo agora — revelo subitamente e sem nenhum contexto, mas ela
parece entender. — Eu estava bem. Por anos, estive bem.
— Eu estava bem também — faz coro. — Sou a Marsha, a propósito.
— Lotus — ofereço.
— Prazer em conhecer você, Lotus. Sou uma sobrevivente, mas também uma terapeuta
licenciada. Tenho um grupo de apoio para sobreviventes de abuso sexual na infância — conta. —
Então, o que trouxe você aqui?
— Tenho tido alguns, hm... problemas com sexo. Coisas que nunca lidei antes.
— Isso não é uma surpresa. É onde aconteceu a lesão, então, para muitos de nós, para a
maioria de nós, nossa sexualidade é afetada. É o que foi profundamente violado.
— Achei que tinha escapado de tudo isso. Fiz sexo por anos e estive bem. Quer dizer,
coloquei sexo em uma categoria, mas eu aproveitava.
— Qual era a categoria? — pergunta, encarando-me de perto. — Desenvolva para mim.
— Sexo era para o meu prazer — digo, engolindo com força, minha boca subitamente seca.
— Posso pegar... — Aceno para as garrafas d’água alinhadas na mesa.
— Claro. — Marsha indica uma das cadeiras no pequeno círculo. — Escolha uma cadeira
também.
Hesito. Estamos conversando, mas ainda sinto como se pudesse escapar se precisasse.
Sentar-me sinaliza que vamos ficar aqui por um período. E não tenho certeza de que quero ficar aqui
por muito tempo, mas pego a água e me sento. Ao me acomodar, Marsha sorri, mas faz um trabalho
decente para esconder sua satisfação.
— Então sexo era para o seu prazer — repete, voltando de onde parei. — Parece bom até
aqui.
— Era. — Eu rio, mas não há humor de verdade. — Sei que muitos sobreviventes têm
problemas com sexo, mas sempre gostei.
— Bom para você. E sim, você está certa. Eu, por exemplo, não tive meu primeiro
orgasmo até ter trinta e três.
Minha boca cai aberta, e não sei se é rude ou insensível, mas caramba. Não consigo
imaginar.
— Nem mesmo... tocando a si mesma?
— Masturbação foi uma boa parte da minha recuperação — conta, seus olhos sem
lacrimejarem enquanto divide tantas informações sensíveis. — Não conseguia experimentar prazer
nas mãos de outra pessoa. Tinha que me sentir segura por conta própria primeiro. — Ela inclina a
cabeça e pisca. — Não se preocupe. Com muita terapia, trabalho duro e um parceiro bem paciente,
as coisas estão bem melhores nesse departamento agora — revela. — Vários relacionamentos não
sobrevivem ao processo de recuperação, porque precisamos de muito controle e nossos parceiros
não aguentam. Controle relacionado aos nossos gatilhos, para os efeitos do nosso trauma. Sexo
requer um monte de confiança. Esquecemos o tanto às vezes; esquecemos a magnitude de
compartilhar dessa maneira.
— Nunca tive problemas em confiar meu corpo a alguém — conto, franzindo o rosto,
perguntando-me se algo está errado comigo, com o jeito como processo tudo. —Mas nunca pude
confiar em ninguém com nada além. Sem real... intimidade, eu acho. Eu me certifiquei de que eles
sabiam que era apenas sexo. Nunca me permiti sentir nada mais, porém, ultimamente, aquilo não era
mais satisfatório.
— Parte de uma sexualidade saudável é saber que você pode ser amada e tem valor,
mesmo não se oferecendo sexualmente — Marsha explica. — Não pode ser intimidade real sem um
pouco de amor ou afeição. Se você bloquear isso completamente, o sexo pode começar a parecer...
uma transação ou puramente alívio sexual. — Ela oferece um sorriso de um lado só. — Se passarmos
algum tempo juntas, tenho certeza de que podemos nos aprofundar e descobrir o que você fez para
sobreviver. É o que todas nós fazemos. Encontramos formas de recuperar ou, pelo menos, sentir que
recuperamos o controle que foi tirado de nós. Estivemos desamparadas e, constantemente,
procuramos maneiras de nos certificarmos que não voltaremos para aquela posição outra vez.
Algumas pessoas se tornam hipersexuais. Outras nem conseguem transar.
— Decidi dar uma pausa no sexo — digo — e não sinto falta. — O rosto do Kenan, sua
voz e seu perfume invadem minha imaginação, minha memória.
— Isso é comum também — Marsha comenta, assentindo. — Não é anormal termos
períodos de celibato enquanto estamos resolvendo as coisas. Soa como se estivesse ouvindo a si
mesma mais de perto e seus instintos a guiassem bem.
Sou mais autoconsciente do que a maioria. Sei que isso é um resultado de como a MiMi me
criou — como ela me ensinou a ficar ligada em coisas que não posso ver com meus próprios olhos.
Até minha própria dor.
— Está tudo bem se o sexo às vezes for apenas uma liberação — Marsha continua. —
Muitos sobreviventes fazem sexo, mas se desligam emocionalmente, porque uma experiência sexual
anterior estava associada ao abandono ou algum trauma. Desligar-se emocionalmente é uma medida
de proteção. Poderia ser um mecanismo de defesa, porque você está com medo de confiar em alguém
com algo a mais, especialmente se tiver sido traída por alguém em quem deveria poder confiar, como
um membro da família ou... quem quer que seja.
Peso minhas próximas palavras. Elas fazem fila na minha língua, e fico sentada por tanto
tempo que não tenho certeza se conseguirei empurrá-las para fora.
— Foi o namorado da minha mãe — forço-me a falar.
— Sinto muito, Lotus — gentilmente diz.
— É, hm, obrigada.
Isso é tudo que posso dizer por hora. Acho que cheguei a um limite e, dizendo isso em voz
alta, não quero ficar no mesmo lugar que tais palavras. Fico de pé e jogo minha garrafa d’água pela
metade no lixo reciclável.
— Eu vou embora — digo, apressada. — Preciso... ir embora.
— Claro. — Marsha se levanta e pega a bolsa, tirando um cartão de visitas e oferecendo
para mim. — Nós nos encontramos nas noites de quinta. Na mesma bat-hora, no mesmo bat-canal.
Meus contatos estão aí se você quiser conversar um pouco mais.
Encaro o cartão por alguns segundos antes de aceitá-lo, olhando para cima ao encontrar os
olhos dela nos meus.
— Obrigada. — Volto em direção aos degraus e pauso quando um pensamento me atinge.
— Marsha, posso fazer uma pergunta?
— Qualquer uma — responde, e dá para dizer que ela realmente quis falar isso.
— Acho que, quando se está em um período como esse, não é um bom momento para
começar um relacionamento, né?
Não consigo acreditar que perguntei, mas o que está acontecendo entre Kenan e eu está se
tornando irresistível. Quando eu finalmente desistir, quero saber como causar o menor dano possível.
— Depende — Marsha diz. — Às vezes nós nos seguramos com tanta força à dor do
passado que perdemos a felicidade à frente. E se tem uma coisa que merecemos, Lotus, é a
felicidade, onde quer que a encontremos.
Assinto, deixando isso penetrar em mim.
— Vai requerer um parceiro paciente — continua, o tom gentil e instrutivo. — Alguém que
não se importe se você colocar algumas regras, algumas linhas-guia, se isso ajudar. Que não irá
forçar você a fazer algo que não esteja pronta, e que esteja bem com você controlando o trajeto.
— Entendo. — Sorrio para Marsha e me viro para sair. — Obrigada.
— Amaria ver você na próxima quinta, se quiser vir — fala. — Ou podemos conversar
novamente, só nós duas.
Pego as escadas que levam para o andar de cima. Digo a mesma coisa que falei para o
Kenan:
— Veremos.
No verão da minha temporada de estreia, vim para o Harlem para o torneio da liga
profissional no Rucker Park, a quadra de basquete mais famosa do mundo. Se quiser credibilidade
nas ruas, precisa ganhar aqui. É a sua peregrinação para a Meca.
De forma superficial, é algo despretensioso. Não há glamour na quadra ao ar livre com
dois aros e cinco fileiras de bancos, mas as lendas foram formadas aqui. Dr. J fez seu nome aqui
antes que qualquer um sequer soubesse quem ele era. No verão que ele jogou, as pessoas se reuniam
no prédio da escola do outro lado da rua, escalavam e subiam para assistir nas árvores e
pressionavam os narizes na cerca para ver um garoto que voava no ar com uma graça incomparável e
acertava a cesta com a maior força que eu já vi. Foi o público do Rucker que primeiro cantou “Dr.
J”. Eles o batizaram e o nome pegou. O homem jogou na Filadélfia, minha cidade natal, e mudou o
jogo. Então, toda vez que venho ao Rucker é especial, mas hoje sinto essa excitação ainda mais.
E não tem nada a ver com a competição de enterrada que estou aqui para julgar pela
caridade.
Com a disputa finalizada, os outros jurados celebridades e eu tiramos fotos com os
vencedores e os autógrafos começam. O tempo inteiro em que assinei bonés, pedaços de papel,
sapatos e qualquer coisa que as pessoas tinham, fiquei procurando por uma mulher. Lotus não
respondeu minha mensagem, então não sei nem se ela veio. As chances são de que não, mas isso não
me impede de procurar compulsivamente a cada poucos segundos.
— Está curtindo Nova Iorque, Glad? — Ben Mason, um armador que entrou na NBA no
mesmo ano que eu, pergunta. Estamos um de costas para o outro, dando autógrafos, rodeados por uma
multidão de crianças.
— Está tudo bem. — Sorrio para a garotinha que me estende uma camiseta para assinar. —
Minha filha vive aqui agora, então estou feliz de ter parte da intertemporada com ela.
— Ouvi mesmo que a Bridget estava se mudando para Nova Iorque — Ben diz. — Ela está
naquele reality show novo das esposas do basquete, não é?
Ben, como todos no mundo dos esportes, sabe mais da minha vida do que eu mesmo.
— Sim, ela está aqui — murmuro.
— Seu divórcio finalmente saiu?
— Sim, saiu. Graças a Deus.
— Cara, ela jogou sujo.
Sério, Ben? Claro, por que não falar sobre a minha experiência mais dolorosa e
humilhante enquanto autografo para centenas de crianças escandalosas? A hora perfeita.
— Já ficou para trás — digo em voz alta. — Estamos apenas tentando descobrir como
cuidar bem da minha filha.
— Você é um homem melhor que eu — Ben continua. — Se fosse comigo...
— Mas não foi. — Viro-me para encará-lo, nem mesmo tentando esconder minha irritação
mais.
— Foi mal, Glad — apressa-se para dizer. — Cara, estou viajando. Sei que foi um período
difícil. Não queria trazer isso à tona.
— E mesmo assim continua falando. — Viro novamente e volto a assinar itens e tirar fotos
com fãs.
Embora minha frustração não seja realmente sobre ele. Estou desapontado que a Lotus não
apareceu. Não admiti para mim mesmo o tanto que esperava que ela viesse. Agi como um idiota na
escada. Achei que tinha resolvido, mas talvez não.
— Aqui, Glad! — uma criança grita, erguendo um telefone para tirar uma foto. Quando
olho em sua direção, um flash de cores prende meu olhar. Um pequeno espaço no público revela uma
seda da cor de manteiga espalhada em uma pele bronzeada. Uma mulher usa um vestido amarelo
estilo avental, de costas nuas, que se prende em sua bunda. O que parece um zíper com minúsculas
flores no lugar de dentes está tatuado em sua coluna despida. Uma enorme nuvem de cabelo castanho-
dourado com curvas e ondas está solta ao redor do seu pescoço e na curva dos seus ombros.
— Lotus? — Sai como uma pergunta, mas sei que é ela.
Não sou o único notando cada detalhe de sua aparência. O público se divide como um Mar
Vermelho e as cabeças se viram enquanto ela caminha para longe. Parece totalmente alheia à luxúria
que inspira enquanto se afasta do grupo imenso.
Enquanto se afasta de mim.
Há muita gente nos separando e tenho que empurrar rudemente um monte de corpos
adolescentes com pressa para alcançá-la, mas de jeito nenhum ela vai sair daqui sem me ver.
— Ei, PYT! — grito com as mãos ao redor da boca, na direção em que a vi pegar. Ela é tão
pequena que não consigo nem ver mais o topo de sua cabeça.
Por um segundo, acho que a perdi, mas o raio de sol que ela está usando entrega sua
presença novamente a alguns metros de distância. Ela virou o rosto para mim agora, mão no quadril e
diversão no rosto. Sorrio, totalmente preparado para ser criticado por gritar com ela.
— Aonde você acha que vai? — pergunto, alto o suficiente para que ela e qualquer um
entre nós possa ouvir.
— Eu certamente não vou ficar plantada o dia inteiro esperando por você — grita de
volta, seus lábios brigando com o sorriso em seus olhos.
— Bem, vocês a ouviram. — Assino outro boné e suspiro. — Vou ter que parar. Ela está
me deixando.
— Eu parava tudo por aquilo também — diz um cara de pé na metade do caminho entre
Lotus e eu, os olhos deslizando por cada centímetro de sua pele exposta. Quero tirá-la daqui.
— Com licença — peço, passando pelo público depois de assinar um último autógrafo.
Ela poderia me encontrar na metade do caminho, mas ela o faz? Não, fica parada na
multidão como um narciso plantado no meio de um engarrafamento, esperando para que eu a alcance.
Uma vez que o faço, fico o mais próximo que posso sem tocá-la, então ela tem que inclinar a cabeça
para trás para encontrar meus olhos. Nossos olhares se prendem e não se afastam. O calor que sobe
entre nós não tem nada a ver com o clima de 35ºC. Respiro superficialmente o perfume de Lotus.
— Você está me cheirando de novo? — pergunta, um sorriso inclinando os cantos dos seus
olhos como um gato inteligente.
Permito que meus lábios tremulem.
— Aonde você estava indo? Ia sair daqui sem me ver?
— Não. — Nossos olhos se fixam por um segundo enquanto aguardo suas próximas
palavras. — Tinha muita gente. Eu só ia sentar ali.
— Ah, obrigado por esperar.
Empurro seu cabelo para longe do rosto e traço a sequência de brincos na curva de sua
orelha com o dedo indicador. Ela estremece.
— Está com frio? — questiono, escondendo um sorriso.
Ela abaixa os cílios e esconde os olhos.
— Congelando.
Uma alça fina do seu vestido cai da curva do seu ombro, revelando sua clavícula, e eu
consigo ler a escrita que não consegui na noite da festa do iate.
— Você é inteiramente linda — leio e passo o dedão pelas palavras que marcam o osso
frágil. — Uma pequena lembrança para o caso de nos esquecermos quão linda você é?
Seu sorriso desaparece e depois volta.
— Minha bisavó costumava me dizer isso quando eu era uma garotinha. É do Cântico dos
Cânticos.
Tenho vinte novas perguntas para cada coisa que aprendo sobre essa mulher, mas não
posso fazer nenhuma delas nesta multidão. Pego em sua mão e entrelaço nossos dedos, procurando
em sua expressão por uma recusa. Não há nenhuma.
— Vamos sair daqui — peço.
Ela assente e aperta os pequenos dedos em volta dos meus.
— Vamos lá.
— Está com fome? — questiono, e andamos em direção ao estacionamento onde deixei
meu carro.
— Estou.
— Seria uma vergonha virmos ao Harlem e não comermos no Sylvia’s. Já comeu lá antes?
— Você sabe que não. — Ela me lança um sorriso. — Mas gostaria de ir.
Os organizadores ficaram de olho em nossos carros durante o evento, então recupero
minhas chaves e caminhamos para a caminhonete que comprei semana passada.
— O que é isso? — Lotus questiona, andando lentamente ao redor da besta prateada,
cromada e reluzente.
— É uma Lamborghini SUV, a Urus — conto, abrindo a porta do passageiro para ela. —
Gostou?
— Acho que sim. — Dá de ombros, como se andasse em caminhonetes de duzentos mil
dólares todos os dias. — Não sou muito fã de carros. Pego o trem para todo canto.
— Uma verdadeira nova-iorquina então. — Dou uma olhada no trânsito e saio para a rua.
— Não, definitivamente não. — Ela ri. — Mas eu me adaptei.
— Você é de Nova Orleans como a Iris, né?
Ela fica em silêncio por um momento e dou uma olhada para ela. “De onde você é?”
parece uma pergunta inofensiva, mas uma sombra passa por seu rosto.
— A primeira parte da minha infância foi em Nova Orleans. No Nono Distrito — confirma.
— Mas aí fui viver com a MiMi no bayou, nessa pequena região onde eles falam mais francês do que
inglês.
— Você aprendeu?
— É, a MiMi falava francês pra caramba, então eu meio que tive que aprender para
acompanhar. Acabou sendo uma boa com o JP.
— Gosta de trabalhar para ele?
— Gosto, mas sei que farei algo diferente algum dia.
— Tipo o quê?
— Não tenho certeza. — Ela se inclina para trás no banco luxuoso de couro. — Amo meu
trabalho, mas também tenho um podcast chamado gLO Up que está começando a ter anunciantes e
ganhar seguidores. Ou talvez diversificar com algo específico, como lingerie ou acessórios. Quem
sabe? Não tenho que saber tudo hoje sobre para onde vou amanhã, então só aceito o que vem.
— Sou um planejador — digo a ela, navegando pelas ruas do Harlem. — Sempre tive as
coisas mapeadas, e normalmente sigo o curso meticulosamente.
— Soa como se você não desse muito espaço para o inesperado — comenta, virando de
leve em seu assento para estudar enquanto estou dirigindo.
— Isso pode ser verdade, mas, quando eu dou, sei que é pela coisa certa. Que vale a pena
sair da rota. Disse a você que sabia que iria para a escola de Direito e, um dia, esperava ser juiz
como meu pai. A NBA foi a maior mudança de rota da minha vida, mas não me arrependo disso.
Lotus é uma das coisas mais inesperadas que encontrei. No dia que ela entrou naquela sala
de hospital, eu não estava procurando por nada com outra mulher. Estava enterrado até o pescoço na
lama em que Bridget tinha transformado nossas vidas e pronto para colocar todas as mulheres na
categoria de sexo casual indefinidamente. Levou um piscar de olhos, bastou um olhar, e eu soube que
havia algo de diferente a respeito da Lotus. Fora de rota? Merda, eu estava quase torcendo o pescoço
para conseguir olhar para ela. Estava dando a volta para pegar um retorno antes mesmo que
percebesse.
— Acho que tenho o que gosto de chamar de espontaneidade informada — diz, puxando um
joelho para o peito.
— Ok. Vou morder a isca. Que droga é essa?
— Tenho uma boa intuição para os riscos que devo tomar. Como quando conheci o JP. Eu
era aluna na Spelman e planejava tirar meu diploma de negócios e talvez fazer algo com a moda. Era
mais seguro, mas quando o JP me convidou para ir trabalhar para ele em Nova Iorque, eu sabia que
era o certo. Eu saltei.
Ela ri e dá uma olhada pela janela para absorver o Harlem, sua história e cultura unidas, o
icônico Apollo Theater espremido entre o restaurante Red Lobster e a loja Banana Republic.
— Iris achou que eu era louca — continua, suas palavras perdendo a leveza. — Nós
brigamos e ficamos sem nos falar por um tempo. Não apenas por causa disso, mas… — Ela gira o
anel no dedo da mão esquerda. — Enfim. — Balança a cabeça em negação, como quem descarta
memórias desagradáveis. — Não foi por muito tempo. Nada fica entre nós por muito tempo, nem
mesmo nós duas.
— Você e a Iris sempre foram próximas?
— Sim — afirma. — Ela é quase um ano mais velha e somos primas, mas sempre fomos
mais como irmãs. Penso na Sarai como minha sobrinha.
Isso me lembra de algo bem estranho que preciso perguntar a ela. Não posso questioná-la a
respeito, mas esperarei até estacionarmos e nos acomodarmos no restaurante.
— Senhor Ross — a recepcionista do Sylvia’s me cumprimenta calorosamente. — Bem-
vindo.
Costumo me desconcertar quando pessoas que não conheço já me conhecem.
— Oi. — Sorrio, educado e direto ao ponto. — Vocês têm uma mesa para dois?
— Claro. — Ela morde o lábio e me encara quase timidamente. Conheço esse olhar.
Aquele que diz “eu queria muuuito pedir um autógrafo, mas não vou”.
Ela nos acomoda em uma cabine fora de vista, algo pelo que estou agradecido. Não sou
desses caras que não conseguem sair de casa sem serem incomodados, mas minha altura faz as
pessoas me olharem duas vezes. E, nesse segundo olhar, muitos me reconhecem. Não quero tanta
atenção no meu primeiro encontro com a Lotus.
Isso é um encontro?
Ainda somos apenas amigos?
Isso é algo simples?
Decido não definir nada, apenas aproveitar. Aproveitá-la.
Limito-me a pedir água e Lotus escolhe um dos famosos Bloody Marys com Ketel One do
Sylvia’s e um molho picante extraquente. Ela prova e reclama:
— Aaaah. Essa foi forte.
— O que você vai pedir? — pergunto, procurando no cardápio algo que se encaixe na
minha dieta. Minhas opções são bem limitadas.
— Pensei no frango e nos waffles, mas acho que vou pedir camarão e grãos. — Abaixa o
menu, o sorriso um pouco melancólico. — Talvez eu esteja sentindo saudades de casa.
— Comia muito disso na Louisiana?
— Sim. Nunca provei nenhum melhor do que o da MiMi. E o étouffée dela era delicioso.
Na verdade, tudo o que ela cozinhava era o melhor.
— Nova Orleans é um lugar fascinante — digo, pensando que esta pode ser uma boa
transição para a pergunta estranha que tenho que fazer.
— Não há lugar igual. — Ela me dá um sorriso repentino. — Você teria amado todo o jazz.
Já viu a Second Line?
— Second Line?
— As marchas fúnebres com bandas de jazz.
— Na televisão ou algo assim. Não na vida real.
— No vudu, eles celebram a vida após a morte para agradar os espíritos e proteger o
morto. — Ela me encara como se estivesse esperando por algo e, por um momento, pergunto-me se já
sabe qual é minha dúvida.
— Posso fazer uma pergunta que pode ser um pouco… — procuro pela palavra correta,
mas, para o que quero saber, não tenho certeza se existe uma — estranha?
— Mais estranha do que me beijar pela primeira vez na frente de todos os meus amigos em
uma festa?
Um sorriso sem arrependimentos surge de um lado da minha boca.
— No mesmo nível de estranheza.
— Ah, ok. Vá em frente.
Estico a mão sobre a mesa e pego a dela. Seu olhar salta das nossas mãos entrelaçadas
para o meu rosto e volta.
— Acho que entendo isso aqui. — Toco os três dedos adornados com tatuagens da lua em
várias fases, depois acaricio o anel em seu dedo. — Mas queria perguntar sobre isso.
Seus dedos apertam minha mão e o olhar que ela me dá é afiado, alerta. Não verbaliza sua
permissão, mas assente para que eu prossiga.
— Lembra quando nos vimos há alguns meses na festa de Natal? — questiono. — Você
estava com a Iris e o August, e tinha levado Chase com você.
Odeio até mesmo mencionar o nome do cara, mas ele disse algo que me levaria para esta
questão.
— Lembro — responde, os olhos fixos no meu rosto.
— Você deu para a Sarai um anel que você fez, que lembra esse aqui e o que a Iris usa.
Qual é o significado dele?
Ela me observa por alguns segundos sem falar, provavelmente suspeitando que minha
próxima pergunta seja ainda mais estranha.
— Minha bisavó, MiMi — revela. — Minha e da Iris, ela fez um para cada. É um anel
gris-gris, como um talismã para proteção. Eu nunca tiro.
— Ok. E naquela noite o Chase disse que tinha conexão com o vudu? — A questão fica em
aberto para que ela explique tanto quanto está disposta a compartilhar.
— Chase sempre abre aquela boca a respeito de coisas que precisa ficar calado —
devolve, mexendo no canudo do seu Bloody Mary. — Gris-gris é uma prática vudu. Amuletos e joias
que invocam proteção para as pessoas que os usam. MiMi os fez junto com poções, ervas e outras
coisas para ajudar as pessoas quando elas tinham problemas.
Franzo o rosto, tentando assimilar a informação de forma que faça sentido.
— Então ela era… — Limpo a garganta, sem ter certeza se quero ouvir sua resposta. — O
que ela fazia? O que ela era?
— Ela era uma sacerdotisa vudu, Kenan.
Lotus podia muito bem ter dito que a bisavó era uma alienígena que veio de Netuno. Eu
esperaria que ela dissesse que estava brincando. Peguei você, bobinho.
— Lotus, o que isso significa?
Ela olha para mim sem piscar.
— Muitas mulheres da minha família praticaram vudu.
— No período da escravidão ou…
— MiMi foi a última a praticar e morreu há apenas dois anos. Era o seu sustento.
Meu sorriso morre. Não tenho certeza de como abordar isso. Lotus parece perfeitamente
séria.
— Você pratica vudu?
— Praticar é uma palavra forte.
— Hm, não. Vudu é uma palavra forte. Quer dizer, você realmente acredita nisso?
Ela não responde por alguns momentos, mas mexe em sua bebida com o canudo.
— Decidi que esse não era o meu caminho — fala. — Sei quem eu sou, Kenan. Não posso
mudar meu sangue. Sempre haverá coisas na minha vida que não posso explicar para outras pessoas.
— Seus cílios se levantam para revelar o orgulho em seus olhos. — Não sinto necessidade de
explicar. Não machuco ninguém e ajudo quando posso.
A garçonete vem pegar nossos pedidos, mas a interrupção não dissipa a tensão que minha
pergunta trouxe e, assim que ela sai, retornamos à nossa discussão fascinante, apesar de ligeiramente
estranha.
Procuro em sua expressão alguma dica para este belo enigma.
— Você acredita em feitiços, poções, espetar bonecas e…
— Acredito que não sabemos de tudo — ela me corta. — E que há forças maiores que eu.
— Forças maiores que você? Lotus, sei que cresceu com essas... superstições, mas…
— Essas superstições, como você chama, têm raízes lá na África, no Haiti, nas pessoas que
não possuem nada para se prender, a não ser sua fé, seja lá a forma que assume. Foi parte de como
elas sobreviveram.
— Exatamente — digo. — Religião é um mecanismo de enfrentamento cultural. Eles não
têm nada para se prender, então fazem essas construções que lhes dão algo para acreditar que podem
ser salvos, que podem aprimorar suas vidas ou garantir algo melhor quando morrerem.
Seus lábios se apertam, depois se soltam em um pequeno sorriso.
— Você não acredita na vida após a morte? — questiona.
— Acredito no agora. É a única coisa que posso ver e provar. É racional.
— A racionalidade de um homem é a covardia de outro.
— Acha que sou um covarde porque não sou religioso? — pergunto.
— Não, mas acredito que fé, fé de verdade, requer valentia. Com cada oração, arriscamos
ter o coração partido.
— Então oração e vudu? — indago. — Como isso funciona?
— As pessoas vinham ver a MiMi com suas bíblias em uma mão e saíam com uma poção
na outra. Vudu e religião cresceram juntos na Louisiana, como primos próximos, fossem os batistas
ou os católicos. — Ela ri, descansando o queixo na mão. — MiMi começava e terminava cada
sessão com uma oração.
— Sessão? — Coço a nuca, sem ter certeza de que quero saber, mas perguntando de todo
jeito. — O que acontecia nessas sessões?
Sua expressão se fecha.
— MiMi era a pessoa mais importante da minha vida — diz, a voz rígida e formal. — Não
vou expô-la à chacota. Quero continuar gostando de você e não tenho certeza se posso fazer isso se
você pensar nela como alguém tola ou se dissesse a coisa errada.
— Ei. — Coloco a mão por cima da dela. — Não quero insultar sua bisavó, sua mãe ou…
— MiMi era a última. Minha mãe não praticava. — Ela afasta o olhar para a porta. —
Nem a irmã dela, mãe da Iris. Nem nossa avó. — Seus lábios afinam e tremem com ceticismo. —
Mas elas eram as que realmente sabiam como jogar um feitiço em um homem.
Quero perguntar, sondar, mas Lotus disse antes que havia coisas que ela não queria
compartilhar ainda.
— Só preciso saber que você não está fazendo bonecos meus e enfiando agulhas neles ou
algo do tipo — digo para aliviar a atmosfera.
Um sorriso dissipa sua expressão sóbria.
— Eu guardo os bonecos para os garotos realmente maus.
— Não tenho certeza se devo rir novamente, me sentir mais tranquilo ou correr para as
colinas.
— A porta fica ali. — Ela inclina a cabeça em direção à entrada. — Se quiser correr.
Arrasto o olhar pelos seus cabelos selvagens, os olhos sensuais, os seios altos e cheios
lutando contra a seda da cor do sol, os lábios que imploram para serem beijados.
— Vou correr o risco — finalmente respondo.
Já ela, não. Mas o olhar conhecedor que me dá diz: “foi isso que eu pensei”. A garçonete
traz nossa comida, dando-me a chance de mudar o assunto para um terreno menos perigoso.
— Parece bom. — Aponto com meu garfo para seu camarão com grãos.
— O seu também.
Pedi um prato vegetariano de feijão fradinho, couve e macarrão com queijo.
— Você não come carne? — questiona, colocando o camarão e os grãos na boca.
— Não como carne frita em geral — esclareço. — E essa parece ser a coisa favorita deles
aqui.
— Assim, isso é a comida afro-americana — responde, rindo. — O que você esperava?
Por que viria aqui se não come essas coisas?
— Pensei que você iria gostar. E comer no Sylvia’s é uma daquelas coisas que você
precisa fazer quando está no Harlem.
— Tenho que levar você para o Brooklyn algum dia. Não dá para fazer tudo em Nova
Iorque. E os verões aqui são os meus favoritos.
— Eu amaria ver o Brooklyn. Tenho que ir para a Filadélfia na semana que vem olhar
alguns negócios. Quem sabe quando eu voltar?
— Talvez. Não quero que pense que estou tentando mudar as condições da nossa… — o
olhar que ela me lança é metade provocador, metade sério — amizade.
— Amigos fazem coisas juntos.
— Hmmm… — é sua única resposta, acompanhada de um sorriso. — Então, o que tem de
tão especial no Rucker?
Gosto como ela muda de assunto para algo mais seguro.
— É um campo de provas — respondo. — Todos os melhores vão para lá em algum
momento, alguns jogam contra caras da região que nunca chegaram à NBA, mas são tão talentosos
quanto os profissionais. Se ser escolhido fosse puramente baseado em talento, eu certamente não
estaria na NBA. É trabalho duro. Ficar fora de problemas. Entender o sistema e trabalhar com ele.
— Quem são os seus jogadores favoritos?
— Big O, com certeza.
— Eu mesma sou fã de um Big O — diz, o rosto sério e os olhos maliciosos.
Leva alguns segundos para que eu entenda a referência, mas a visão da Lotus no meio de
um big orgasmo me faz engasgar com feijão fradinho.
— Muito engraçado — solto, tossindo e bebendo minha água. — Mas estou falando do
outro Big O, o Oscar Robertson, primeiro jogador da NBA a conseguir um triplo-duplo[8].
— Tenho certeza de que ele é bom também. — Ela dá de ombros e a droga da alça do
vestido cai do seu ombro.
— Por que o Cântico dos Cânticos? — pergunto, acenando para a tatuagem de escrita em
sua clavícula.
— Era o favorito da MiMi. Ela era uma romântica de coração e o Cântico dos Cânticos é
uma das peças mais românticas já escritas, seja na Bíblia ou em outro lugar.
— Nunca pensei no vudu e nas religiões convencionais coexistindo, mas parece que a
MiMi descobriu como.
— Ela não era religiosa, mas conseguiu construir sua própria fé de certa forma. — Lotus
toma um gole de sua bebida antes de prosseguir: — Faço distinção, porque acho que a religião,
quando usada de forma abusiva, se torna uma das forças mais destrutivas do mundo. A religião matou
Jesus. A religião trouxe a Inquisição Espanhola e o julgamento das Bruxas de Salém. As pessoas,
convenientemente, organizam suas crenças para o que elas acreditam. Pegam dinheiro, começam
guerras, segregam, produzem linchamento… Tudo isso baseado em alguma escritura, algum dogma
distorcido para se encaixar no ódio. A verdadeira fé tem tudo a ver com relacionamento.
Empurro minha cumbuca vazia para o lado.
— Como você sabe?
— Em primeiro lugar, um relacionamento entre você e Deus. Poder superior, seja lá como
você chama. Algo a mais que você — explica. — E, em segundo, relacionamento entre pessoas. A
Bíblia diz que a religião de verdade é tomar conta das viúvas e daqueles que não podem cuidar de si
mesmos, dos mais vulneráveis.
— Isso eu entendi.
— Mas a religião, como ela é professada hoje, tem tão pouca compaixão. Tão pouca
humanidade. E a fé é, em primeiro lugar, humana.
Ela empurra os últimos grãos de lado e descansa os cotovelos na mesa, o queixo nas mãos.
— Somos nós admitindo para o universo que não temos todas as respostas. Frequentemente
a religião diz que sim, ela tem todas as respostas, e se você não gosta delas, não pode sentar à mesa
com eles. Mas todos nós temos nossas mesas. Mesas demais e amor de menos.
— Você soa como se tivesse experimentado isso em primeira mão — comento.
— Experimentei enquanto crescia. — Assente com a cabeça, tristeza, memórias, algo
sombrio em seus olhos. — Fé deveria nos dar esperanças, não retirar. As pessoas da igreja não
permitiam que a MiMi fosse adorar com eles… Chamavam-na de bruxa.
— Ela era?
— Ela era uma senhora idosa que queria celebrar sua fé com a comunidade. — Lotus dá de
ombros, sendo filosófica. — Ela não podia sentar à mesa deles, então fez a sua própria. Todo
domingo de manhã cantávamos hinos na varanda dos fundos. Ela pegava sua pequena Bíblia e lia
para mim. Aquela coisa estava se desfazendo, as páginas caindo. Ela a mantinha ao lado da cama e
lia todas as noites.
— E foi assim que você conheceu o Cântico dos Cânticos?
— Tornou-se o meu favorito. Você já leu?
— Não éramos exatamente pessoas religiosas. Meu pai era juiz, um oficial eleito, então
íamos para a igreja toda vez que estava concorrendo. Sei o básico do que era ensinado nos
domingos, mas nada além disso.
— Acho que muitas pessoas só querem sentir que há algo a mais. Algo além do que a vida
parece ser — esclarece, correndo a ponta do dedo na borda do copo.
— E você acredita que há mais do que a vida parece ser?
— Os cientistas não costumam dizer que usamos apenas dez por cento do nosso cérebro?
— pergunta.
— Cientistas não dizem isso — corrijo. — É um mito e já foi desbancado.
— Você é sempre assim tão engraçado?
Minha própria risada rápida me pega de surpresa.
— Você estava prestes a argumentar usando notícia falsa. Não me deixe estragar toda a sua
diversão com, você sabe, fatos.
— Bem, o ponto que eu estava tentando fazer antes de você se meter com essas merdas de
fatos — continua, rolando os olhos, porém sorrindo depois — é que eu acho que, apenas usando uma
porção deste mundo, perdemos um monte de coisas que estão bem na nossa frente e várias que não
podemos ver, mas nunca ficamos parados o suficiente para reconhecer.
— Tem certeza de que só tem vinte e cinco anos? Agora nem parece mais certo chamar
você de PYT.
Nossas risadas e olhos contentes se encontram por cima da mesa. Bloqueio os outros
clientes, o som das louças, o murmúrio das conversas. Foco em qualquer farelo de pão que ela possa
deixar cair e me ajudar a entender o que a moldou.
— Então, devo chamar você de Glad? — questiona, atrevida.
— Oi? De jeito nenhum.
— Mas ouvi pessoas te chamarem assim hoje no parque.
— Sim, mas só meus colegas de equipe e a mídia. — Nego com a cabeça. — Alguns
repórteres esportivos disseram que eu era um guerreiro nas quadras e isso evoluiu para Gladiador,
mas muitas pessoas diminuem para Glad.
— Todo mundo me chama de Lo.
— Acho que vou chamá-la de Botão — digo provocativamente. — Quer dizer,
considerando que foi isso que nos levou ao nosso primeiro beijo.
Não dá para saber se um rubor surge em suas bochechas acobreadas, mas seus cílios
descem e sua bela boca se curva nos cantos.
— Botão do tipo botão de flor? — pergunta. — Já sofro desafios demais com minha altura
para ser considerada apenas uma parte da flor.
— No mundo real, nós chamamos de “pequena”.
— Pelo menos não tenho que me abaixar para entrar em um restaurante.
— Agora você me pegou — concedo, rindo. — Ok. E se eu só chamar você de Botão
quando estivermos a sós? Será coisa só nossa.
— Amigos têm coisas “só deles”? — O olhar que ela me manda por cima da borda do
copo me faz pensar em dezenas de outras perguntas para as quais quero respostas.
— Acho que somos o tipo de amigos que fazem o que querem.
Suas sobrancelhas se arqueiam, dúvidas em seus olhos escuros misteriosos.
— Ah, somos?
Esta conversa apenas aprofundou minha atração pela Lotus e não tenho intenção de voltar
atrás agora.
— Seremos — afirmo, segurando seu olhar.
Se somos dois amigos que fazem o que querem, sei o que eu quero. E quanto mais descubro
sobre a Lotus, menos simples isso se parece.
[8] Quando um jogador faz um número maior ou igual a 10 em três quesitos de uma partida. Exemplo: 10 pontos, 10 rebotes

e 10 assistências.
Não há lugar como o nosso lar.
Estar na Filadélfia traz de volta tantas memórias, a maioria ligada ao meu pai. As marcas
que fez na parede para Kenya e eu enquanto passávamos em altura nossos pais. Ele lendo o jornal de
domingo na cozinha iluminada da nossa casa geminada em Society Hill. Seu suspiro, metade cansaço,
metade alívio, quando passava pela porta após um longo dia no tribunal. Sinto sua presença e ouço
sua voz em cada cômodo.
Simone e eu estamos descarregando as mercadorias que compramos na Whole Foods. Já
que minha mãe torceu o tornozelo e ficou em casa enquanto fazíamos compras, foi um bom momento a
sós com minha filha. Ela abre o armário à esquerda do fogão para guardar o sal, a pimenta e o
orégano.
— Pimenta na direita, Moni — avisa minha mãe, tirando o olhar do seu jogo de palavras
cruzadas.
— Desculpe, vovó. — Simone sorri para minha mãe e troca de lugar. — Papai, podemos ir
ao Geno’s?
Seus olhos brilham com uma empolgação rara e possivelmente fome dos famosos
sanduíches de bife com queijo.
— Claro. Passaremos por lá depois de darmos uma olhada na Faded com o tio Lucius.
Pode ser?
Ela assente e se aproxima, batendo os maiores cílios já vistos pelo homem; ou, pelo
menos, vistos por este homem.
— No Federal Donuts também?
— Sanduíches e donuts? — Minhas artérias choram.
— Onde mais eu consigo frango frito e donuts de uma vez? — pergunta, como se essa fosse
uma lógica racional. — Temos que ir ao Federal enquanto estivermos aqui.
— Kenan, você sabe que tomava café da manhã no Federal e almoçava no Geno enquanto
crescia — minha mãe diz, o sorriso mais largo que tenho visto em um longo período. — Ele até pode
comer todo regradinho e vegano agora, Moni, mas, acredite em mim, ele nem sempre foi assim.
Ela está certa. Lucius e eu comíamos e fodíamos por toda a cidade naquela época.
Nenhuma das minhas garotas favoritas precisa saber da trilha de camisinhas que deixamos para trás.
— Mãe, falei que não sou vegano. — Para minha mãe, ou você come sanduíches de carne e
donuts ou você é vegano. Aparentemente, não há meio-termo. — Moni, vamos ao Geno’s hoje e no
Federal amanhã — sugiro. — Que tal?
— Tá bom. — Ela assente com a cabeça e um brilho ansioso surge em seus olhos azuis. —
E talvez fazer umas comprinhas.
Meu intestino se fecha. Engulo em seco.
— Compras? — pergunto, tentando disfarçar minha apreensão.
— Papai, por favor. — Simone une as mãos e faz beicinho. — Só na Forever 21 e na GAP,
e acho que tem uma J.Crew no…
— Ok. — Massageio o súbito nó que se formou na minha têmpora. — Algumas lojas. E
pensei que poderíamos ver filme ao ar livre no Oval.
— Uhuuul! — Joga os braços ao redor do meu pescoço. — Vou trocar de roupa.
Ela praticamente pula para fora da porta da cozinha.
— Erin Simone Ross — minha mãe chama, usando o nome completo da minha filha, sem
nunca erguer o olhar das palavras cruzadas. — Se você não voltar aqui e terminar de guardar essas
compras…
Simone para no meio do caminho e dá meia volta com um sorriso tímido.
— Sim, senhora — diz.
Ela tagarela sobre compras, donuts e aulas de dança pelos próximos minutos, enquanto
guarda as últimas compras. Estou feliz por tê-la trazido para a Filadélfia comigo. Não só porque
precisávamos de tempo sozinhos, fora da sombra da Bridget, mas porque acho que está fazendo bem
para minha mãe vê-la. E Simone parece mais feliz também.
Quão diferentes as coisas teriam sido se eu não viajasse tanto, se não passasse tanto tempo
longe da minha filha? Nunca houve um período, desde que ela nasceu, em que eu não jogasse bola
nove meses por ano.
— Pronto — Simone anuncia, triunfante. — Agora posso me trocar.
— Sim. — Faço nosso gesto amoroso em seu rosto. — Seu tio Lucius vai chegar aqui em
breve, então se apresse.
Ela desaparece em um flash, com alegria nas pernas e um cabelo selvagem.
— Obrigada por trazer a Simone para me ver — minha mãe agradece, uma vez que estamos
sozinhos na cozinha.
— Sinto muito por ter demorado. É difícil escapar. — Junto-me a ela na mesa. — E é
complicado para mim estar aqui às vezes, porque me faz sentir falta do meu pai. Voltou a pensar em
vender?
— Por que eu iria? Sua ida é o que nos faz sentir a falta dele — explica, girando a caneta
nas mãos. — Não importa onde eu durma. O que importa é que ele não está ao meu lado quando eu
acordo.
Os cantos de sua boca caem e ela pisca várias vezes. Odeio ter dito alguma coisa. Já faz
mais de um ano, Kenya e eu continuamos tentando ajudá-la a passar pelo luto, mas às vezes acho que
ela quer isso. Como se pensasse que, se tudo que sobrou do meu pai era o luto, ela aceitaria.
Ela é uma mulher pequena em uma família de gigantes. Meu pai tinha 1,95m. Minha irmã,
1,92m. Eu tenho 2,05m. Minha mãe tem 1,67m, contando com as meias. E ela ainda é uns dois, três
centímetros mais alta que a Lotus.
Pensar nela me desafiando no meio do Rucker Park me faz sorrir. Ela me faz sorrir.
— Como a Bridget está? — O tom da minha mãe fica mais frio notavelmente. Ela não
enxergou a Bridget como meu pai. Abraçou minha ex como uma filha e a amou desde o começo.
Apesar do comportamento do meu pai durante anos, ela ficou chocada e magoada quando notícias de
infidelidade da Bridget saíram.
— A Bridget é a Bridget. — Suspiro, envolvendo a mão ao redor da pequena xícara de chá
que mamãe colocou na minha frente. Ela ama tomar chá, mesmo quando está fazendo 32ºC do lado de
fora. — Esse reality show novo que ela está fazendo… Eu nem mesmo quero falar sobre isso.
— Ela ainda acredita que vocês dois vão ficar juntos?
Eu rio, o som duro e sem humor na cozinha.
— Se acredita, ficará duramente desapontada.
— Ela deveria encontrar alguém que a ame da maneira que procura — opina
decisivamente.
— Você está dizendo que eu não amei?
Mamãe balança a cabeça de uma forma que reconheço em mim mesmo, avaliando e
pesando suas palavras.
— Acho que ela teve uma estrada mais difícil do que pensou que teria ao se casar com
você.
— Uau, obrigado. Quase soa como se você pensasse que ela tinha razão em me trair.
— Não — diz com firmeza. — Nunca.
— Mas você acha que não a amei o suficiente? — questiono, franzindo o rosto.
— Acho que seu pai viu algo que não vi. Você e ele têm muito em comum. — Seus lábios
tremulam em um sorriso amargo. — Tinham muito em comum. Ele era como você antes de nos
conhecermos.
— E como era isso?
— Difícil de conhecer. Não era propenso a se abrir. Homens como vocês têm que ser
impelidos a se abrirem lentamente e a Bridget tentou quebrar você como uma noz. Embora, para a
mulher que você ama, ama de verdade, não seja um trabalho duro. Não tive que quebrar o seu pai.
Não tive que forçá-lo. Ele se derramou para mim. — Dá de ombros e nega com a cabeça. — Não sei
o motivo, de verdade. Não fiz nada de especial.
— Não, mas você foi alguém especial. Não foi algo que você fez. É quem você é.
Eu entendo isso. É o que sinto pela Lotus. É cedo demais para pensar dessa forma, mas é
difícil não fazer a comparação.
— Não é tarde demais para encontrar isso, filho. — Ela estica a mão por cima da mesa e
aperta minha mão. — Você e Kenya, se ela conseguir ficar parada por tempo suficiente.
Sorrio para isso e levo minha xícara para a pia, derramando o chá intocado.
— Ela disse que tem alguém para me apresentar quando vier para Nova Iorque, então nem
tudo está perdido daquele lado.
— Ainda vou conseguir netinhos! — Ela aplaude e dá risada.
— Com licença, a Simone é o quê? Filha de chocadeira?
— Uma neta? — reclama, os olhos arregalados, porém brilhando com uma alegria que não
tenho visto ultimamente. — Preciso de pelo menos um reserva, já que você não tem nenhuma
perspectiva.
— Quem disse que eu não tenho nenhuma perspectiva? — murmuro, sorrindo e
preparando-me para milhares de perguntas.
— Kenan Admiral Ross, o que você está escondendo de mim?
— Não estou escondendo nada… não de verdade. — Inclino-me contra a pia e cruzo os
braços sobre o peito. — É que tem essa… hm, garota com quem eu gosto de conversar.
— Você gosta de falar? — Incredulidade ergue as sobrancelhas da minha mãe. —
Prossiga.
— Ela é tão diferente de mim. É extrovertida, cheia de vida, a alma da festa. — Eu rio e
enfio as mãos dentro dos bolsos. — Mas ela também é atenciosa e sensível. Supersticiosa.
— De onde é o povo dela? — pergunta meio arrogante.
— O povo dela, como você chama, é de Nova Orleans, mas ela foi para a Spelman e
morou em Atlanta antes de se mudar para Nova Iorque.
— Excelente faculdade.
Não me incomodo de dizer que Lotus largou para seguir em moda. Apesar do enorme risco
que assumiu, deu tudo certo e ela caiu de pé. Lotus é uma gata com sete vidas.
— E a Bridget sabe que você está interessado em alguém? — Lança-me um olhar cheio de
significados. — Ela sabe que perdeu algo bom.
— Ela não perdeu tanto. Estou pagando o suficiente a ela todo mês.
— Você sabe que não estou falando sobre isso, mas tome cuidado com ela. Não enxerguei
quem ela era antes, mas agora eu vejo. Ela tem um lado vingativo.
— Talvez eu tenha também.
— Não tem, não. Você consegue fazer uma pessoa sentir que é uma sem noção com um
olhar, mas isso não é ser vingativo. É apenas sua personalidade. Seu pai era igualzinho.
A campainha toca antes que eu possa comentar algo.
— Deve ser o Lucius — digo.
— A barbearia está indo bem?
— Ótima, na verdade. — Indico a porta da frente. — Pelo menos é o que o Lucius me diz.
Preciso ver por conta própria.
Meu amigo está parado na varanda vestindo um grande sorriso e um chapéu kufi[9] branco
bem justo na cabeça.
— Assalamu alaikum — saúda, esticando-se para me abraçar.
— Wa Alaikum Assalam[10] — respondo, recuando para dar uma olhada nele. — Você
secou, mano.
— Cortei toda a carne de porco. — Sorri timidamente, ainda se parecendo o cara com
quem joguei no time júnior de basquete no ensino médio. Isso foi antes de eu ser levado para o time
da faculdade, claro. — E aquele treino que você me passou não foi nada mal.
— Nada mal? — Ele jurou que não precisava das minhas dietas “chiques” e treinamentos
para perder peso. — Ok. Vou deixar essa passar. Venha ver minha mãe antes que a gente saia para ir
à barbearia.
— Sua mãe ainda está bem? — pergunta, com aquele sorriso de adolescente que ela não
resistia. — Sabe que ela sempre teve uma vibe de Clair Huxtable. — Rolo os olhos e guio-o para a
cozinha. — É uma vergonha que a gente não possa mais assistir ao The Cosby Show. A Lisa Bonet
era gata demais — reclama. — Nós perdemos o Cosby e o Kanye.
Começo a rir, lembrando-me da conversa com Lotus.
— É, eu vi no Twitter que o Kanye está se afundando — brinco.
— Twitter? — pergunta, dando-me um olhar bravo. — Você ainda usa Twitter?
Queria que a Lotus estivesse aqui para curtir isso.

[9] Tipo de chapéu usado por diversos países da África e, apesar do cunho religioso, é muito utilizado pelos afro-
americanos dos EUA como marca do orgulho por sua cultura.
[10] Assalamu alaikum é uma saudação islâmica que significa “que Deus lhe conceda proteção e segurança”. Wa Alaikum
Assalam é a resposta para a saudação.
— Feliz aniversário!
Billie assopra todas as vinte e sete velas do enorme bolo de café com chocolate. Com
olhos risonhos e cabelo mais vermelho do que o normal, devido ao brilho das velas, ela se parece
ironicamente mais jovem enquanto comemora outro ano.
— Espero que tenha feito um pedido — Yari diz, apontando o telefone para tirar uma foto
do bolo e da aniversariante.
O sorriso da Billie desliza rapidamente, duvido que a câmera tenha pego, mas eu peguei.
Todos comemoramos e estou contente que as pessoas que mais se importam com ela estão aqui. Paul
não estaria aqui conosco, meros peões.
Isso me deixa doente.
Como uma mulher brilhante, ambiciosa e honesta como Billie pode deixar um homem como
Paul comer seu bolo me surpreende e deprime. Ela acha que Yari e eu não entendemos, que somos
muito duras com ela, mas vi em primeira mão e mais de uma vez quão perigoso é confiar em alguém
que não merece seu coração. É o motivo de tudo que já compartilhei com um homem estar da cintura
para baixo.
Ultimamente, nem isso tenho compartilhado.
Bem na hora, Chase se inclina e sopra em meu ouvido. Era para isso ser sexy?
Dou um tapa nele, como se fosse um mosquito irritante.
— Chase, quando você vai desistir? — Yari nega com a cabeça e passa pratinhos com
fatias de bolo.
— Eu não vou. — Aperta minha coxa debaixo da mesa. — Estamos dando um tempo, mas
ela vai voltar.
— Não, ela não vai. — Forço um sorriso e afasto sua mão. — Você está firmemente na
categoria foda antiga, e lá deve permanecer.
Amanda, que ainda está no meu cantinho da disciplina pessoal por tocar Kenan lá embaixo,
inclina-se para a frente, permitindo-nos um vislumbre do trabalho manual do seu cirurgião plástico
transbordando do decote.
— Espero que você não esteja se segurando para o nosso modelo de relógios — solta, os
olhos brilhando por despeito e pela bebida.
— Acho que era você quem estava tentando segurá-lo da última vez que verifiquei. —
Pisco para ela, destilando inocência e um “não me teste, sua vadia”. — Embora não tenha funcionado
exatamente como você esperava, né?
Seu sorriso vaporiza, a boca cai em uma linha fina e plana.
— De quem vocês estão falando? — Chase questiona, uma carranca entre suas
sobrancelhas loiro-escuras.
— Ninguém — eu digo, enquanto Amanda também fala:
— Kenan Ross.
Chase ri, zombando, e toma um grande gole da sua cerveja.
— Vocês duas estão sem sorte, já que ouvi que ele e sua esposa podem voltar.
Sei que é mentira, e sei que não deveria me importar, mas minhas mãos congelam a
caminho da minha boca, e meu Negroni parece pesado demais. Coloco de volta na mesa, mantendo
meus movimentos sutis e o rosto em branco.
— Ele é livre para fazer o que quiser — digo, e dou de ombros.
— Então não incomoda você se ele voltar para a esposa? — Chase pergunta.
— Nem mesmo um pouquinho — minto.
Quando isso se tornou mentira? Quando abaixei minha guarda por tempo o suficiente para
Kenan Ross se tornar uma possibilidade? Para se tornar uma exceção às regras que governam minha
vida e mantêm meu coração intacto?
Não vou mencionar meu coração na mesma frase que Kenan Ross.
Mesmo assegurando a mim mesma desse fato, lembro-me de assisti-lo no Rucker semana
passada, admirando sua confiança e facilidade com o público. Ele não tenta comandar todo o espaço
em que está. Apenas acontece. Não só por sua altura. Havia outros jogadores lá naquele dia — mais
altos, mais largos, mas ele se destacava. Todos os olhos ficavam presos nele.
Pelo menos os meus estavam.
E eu reprisei mentalmente nossa conversa fascinante e desconcertante no Sylvia’s muitas
vezes. Ele teve a coragem de me perguntar sobre vudu e falei mais abertamente com ele sobre minha
herança e sobre a MiMi do que já tinha feito.
— Que bom que você não está presa ao Ross — Chase fala, arrastando-se, cortando com o
garfo um pedaço enorme de bolo. — Seus sentimentos ficariam feridos ao vê-lo com a esposa
naquela mesa ali.
Chase aponta com a cabeça para o outro lado do cômodo e, antes que eu possa me parar
(droga!), viro-me nessa direção. Meus olhos colidem com os de Kenan e minha respiração morre.
Esse homem é um gato. Não dá para ficar negando isso.
Obviamente, ele voltou da Filadélfia. Tudo bem ele não ter ligado. Venho dizendo a mim
mesma que o melhor é mantermos as coisas nessa pequena caixinha marcada como “amizade”. É só
agora, quando nossos olhos se encontram e se prendem, que admito que estou mentindo para mim
mesma. Senti falta dele e esperava que tivesse me ligado, mesmo tendo dito o contrário a mim
mesma. Meu olhar desliza para a bela mulher loira ao seu lado.
— Ah, uma loira bonita dos olhos azuis com peitão não é seu tipo?
— Costumava ser. Fui casado com uma por muito tempo.
Ele disse “costumava ser”, mas parece que eles ainda são. Volto o olhar para a mesa e
encontro o escrutínio cruel do Chase esperando por mim.
— Como eu disse — Chase diz, com um sorrisinho rígido —, que bom.
— Ouvi que ela está em um novo reality show — Amanda interrompe. — Amor de
Jogador. E que Kenan se mudou para Nova Iorque para ficar mais próximo, já que ela está gravando
aqui.
Não foi assim que Kenan me contou, mas fiz voto de silêncio sobre o assunto Kenan Ross e
certamente não vou quebrá-lo por esses dois idiotas fofoqueiros.
— Abra seus presentes, Bill. — Inclino-me por cima do Chase para falar com a minha
amiga. — Se você não amar o que te dei, vou querer para mim.
Billie não precisa de muita persuasão, e grita e murmura a cada presente. O tempo inteiro,
recuso-me de forma teimosa a olhar para trás na direção do Kenan e sua ex-esposa, mesmo que sinta
seus olhos em mim mais de uma vez.
— Lo! — berra e segura o presente que fiz para ela. — Que lindo. É um dos seus designs?
Sorrio e aceno, inchando com orgulho silencioso quando Billie coloca o pequeno bolero. É
de lantejoulas, e a costura é tão sutil que fica praticamente invisível. O bordado nos cotovelos e a
gola são intrincados e vibrantes.
— Eu amo tanto você. — Seguro-a apertado e sussurro em seu ouvido. — Cuidado com o
que você deseja, Bill.
Ela se afasta e encara meu rosto, os assustados olhos verdes procurando nos meus por algo
que ela não tem certeza de que eu tenho. Nem eu mesma sei, mas tenho esses impulsos. Sugestões.
Fortes sentimentos. Nem sempre sei o que as coisas realmente significam e a maioria delas eu ignoro,
mas, uma vez ou outra, digo o que vejo e vi a Billie desejando algo que não deveria.
— Ok, chega dessa festa do amor — Chase diz. — Ou vocês duas começam a se beijar ou
se separam para você abrir meu presente, Billie.
Billie tropeça antes de sentar, mandando um olhar atordoado para mim antes de voltar à
sua pilha de presentes. Volto para o meu assento, sentindo olhos em mim daquela direção, finalmente
desistindo e encarando em direção à mesa do Kenan. Estou pronta para fazer careta ou mostrar a
língua — qualquer coisa que o coloque para fora do jogo —, mas não é Kenan que está me
encarando.
É ela.
Os olhos de Bridget Ross são de um azul frio e congelante em um vidro fosco. Afasto o
olhar rapidamente, perguntando-me por que ela está me encarando. Senti algo conectando Kenan e eu
desde a primeira vez que nos vimos. Ela é inteligente o suficiente para discernir a linha invisível nos
conectando de lados opostos da sala?
— Você está pronta para pegar o trem? — Yari me pergunta, uma vez que pagamos nossa
conta, guardamos o que sobrou do bolo e nos preparamos para nos separar dos outros. — Garota,
temos que pegar o bonde para o Brooklyn.
— É. — Em um estalo, tiro meus pensamentos de Bridget e Kenan. — Vou usar o banheiro
antes de irmos para casa.
Corro para lá torcendo para que ninguém da mesa me siga. Preciso de um minuto para me
recompor — para recuperar as crenças que eu tinha no começo dessa jornada e manter as coisas
simples. Para sermos apenas amigos. Porque em algum lugar ao longo do caminho as coisas
mudaram, e não tenho certeza se estou pronta para isso. Se há uma coisa que preciso ter é certeza.
Estou andando pelo corredor iluminado, quase no banheiro feminino, quando uma palavra
atrás de mim rouba todas as minhas certezas e me desafia a dar uma chance.
— Botão.
Ela para no meio do caminho, mas não se vira.
Suas costas atraem muita atenção. Enquanto eu estava na Filadélfia, ela recolocou tranças.
Brilhantes e platinadas à meia-luz do corredor, elas estão presas em um coque na cabeça dela por
palitos. Ela parece uma boneca chinesa, delicada e curvilínea. Seu vestido verde-esmeralda de gola
mandarim, estampado com flores de cerejeira rosa, se encaixa perfeitamente nas linhas sinuosas do
seu corpo.
Vira-se lentamente, dando-me tempo suficiente para me preparar para ela, mas ainda não
estou pronto.
Quando me encara, minha mente se confunde um pouco. Procuro algo para dizer, mas minha
língua parece pesada, desajeitada. Ela sempre tem esse efeito em mim. Eu costumava ficar
ressentido, mas agora só confirma que fomos feitos para sermos especiais, não simples. Se Lotus,
com seus problemas de confiança e celibato temporário, não for algo complexo o suficiente, minha
ex-esposa aguardando no salão confirma que as coisas não serão fáceis.
Maquiagem e cílios falsos exageram seu já dramático olhar. Pequenas jades estão
penduradas em suas orelhas. Sua boca é de um tom escarlate, carnuda e, se minha memória funciona
corretamente, doce.
— Achei que tinha dito para não me chamar de Botão — ela diz como forma de
cumprimento.
— Achei que tínhamos concordado que eu faria isso quando estivéssemos sozinhos. — E
estamos sozinhos neste espaço estreito, mas há um elefante na sala a caminho daqui. — Estou aqui
com minha ex-esposa — aviso, inclinando-me contra a parede. — E filha. Tivemos um
aconselhamento familiar hoje. Simone vinha pedindo se poderíamos jantar juntos depois das sessões.
Nossa conselheira achou que fosse uma boa ideia.
— Isso é ótimo — diz, baixando os cílios em vez de olhar para mim. — Eu vi a sua… ex.
— Estávamos sozinhos porque minha filha encontrou uma amiga da escola e saiu da mesa
para dizer oi.
— Você não me deve explicação, Kenan — responde, as sobrancelhas arqueadas. — Não
estamos saindo nem somos um casal nem… nada, apenas amigos.
— Engraçado. — Alcanço seu pulso e gentilmente puxo-a para perto nos poucos
centímetros que nos separam de ficar frente a frente. — Não pensei nos meus outros amigos
diariamente enquanto estava afastado.
Puxo-a para um pouco mais perto até que a seda do seu vestido roça minhas coxas cobertas
pelo jeans. Ela inclina a cabeça para baixo, então tudo que eu vejo é uma coroa de tranças.
— E certamente não fiquei tentado a mandar mensagens para eles todos os dias —
adiciono. — Os meus amigos, é claro.
— Mas não mandou — diz suavemente, erguendo os cílios para me encarar. — Para mim, é
claro.
— Não tinha certeza se devia — pauso. — Não estou certo do que estamos fazendo ou de
que linhas posso cruzar. Nós temos duas regras absolutas. Sem sexo, porque você está “sem pau”.
Ela bufa e ri, como eu esperava que fizesse.
— E sem beijos até que você faça acontecer — continuo —, mas essas são linhas
desenhadas para os nossos corpos, não para os nossos sentimentos.
— E o que você acha que está sentindo, Senhor Ross?
O minúsculo momento de silêncio que segue a questão dela é como uma bifurcação, dois
caminhos diferentes. Um é pavimentado com autopreservação. Digo a ela que não sinto nada —
protejo a mim mesmo das armadilhas de uma mulher que não conheço bem o suficiente para confiar.
A outra estrada é de paralelepípedos, cheia de esperança — irregular, talvez um pouco instável, mas
daria a verdade para ela, torcendo para que devolvesse o favor.
— Estou sentindo… mais — digo, deslizando a mão por seu pulso para entrelaçar meus
dedos aos seus. — Mais do que eu planejava sentir. Mais do que, se eu fosse esperto, me permitiria
sentir.
— Se você fosse esperto? — pergunta, os olhos presos nos nossos dedos entrelaçados.
— É. A última mulher que confiei arruinou a minha vida.
Nunca falei isso dessa forma, mas é verdade. Quando as notícias do caso da Bridget
vazaram, eu estava vivendo um sonho. Acabara de ganhar dois anéis de campeão com um time a
caminho de outra temporada. Tinha uma bela esposa, uma filha que eu adorava, sucesso e saúde. Mas
era apenas isso — um sonho. Uma frágil ilusão destruída por uma escolha e muitas mentiras.
— Não sou ela, Kenan.
— E eu também não sou quem quer que torne difícil que você confie nos outros.
Ela morde o lábio inferior entre os dentes e assente.
— Não estou dizendo isso para apressá-la, Lotus. Estou dizendo que nós dois temos razões
para sermos cautelosos. Falei para você no começo, não preciso de complicações. Minha família é
uma bagunça. Minha ex é um circo completo. Minha filha não tem certeza se me odeia ou me ama de
um dia para o outro. Mais do que em qualquer outro momento da minha vida, preciso de algo
simples. — Ergo seu queixo e, quando ela me encara, olhos cobertos com mistério, respondo sua
pergunta sobre o que estou sentindo: — Eu preciso de algo simples — repito —, mas eu quero você.
Ela fecha os olhos e aperta meus dedos, como se estivesse se apegando a este momento —
fechando-o em suas mãos e gravando em sua memória. Espero que, depois que eu assumi o risco de
confiar nela, ela também vá confiar em mim.
— Papai?
A voz da Simone me assusta. Deve ter assustado Lotus também, porque ela larga minha
mão e dá um passo para trás. Quando olho pelo corredor, Simone está lá com uma expressão de
curiosidade no rosto. Bridget está atrás dela, olhos condenatórios.
Como se ela tivesse algum direito, porra.
— Moni. Oi, amor — digo, estabilizando a voz. — Como estava sua amiga? Camilla, era
esse o nome dela?
Simone fica em silêncio por um momento, encarando Lotus antes de se virar para mim com
uma leve carranca.
— Camille. Ela estava bem. Me convidou para dormir na casa dela semana que vem.
— Teremos que conversar sobre isso — Bridget diz. — Estamos prontas para ir para casa,
Kenan, se não for muito inconveniente.
A linguagem do amor da Bridget é passivo-agressiva.
— Claro que não. Vou pegar o carro. — Viro-me para Lotus. — Quero que conheça alguém
antes. Moni, essa é a Lotus. Lotus, minha filha, Simone.
Simone não se move, mas assiste de uma distância segura, alguns passos afastada. Depois
de uma breve hesitação, Lotus dá um passo à frente e estende a mão.
Minha filha é alta para a idade. Ela não tinha escolha, considerando a altura dos pais. Com
14 anos de idade e 1,70m, ela já é mais alta que a Lotus, que mal alcança seus olhos, mesmo usando
saltos.
— Oi, Simone — cumprimenta, a voz baixa e rouca, porém forte. — Prazer em conhecê-la.
Simone pega, mas rapidamente larga a mão da Lotus.
— E essa é a Bridget — apresento. — A mãe da Simone.
A boca da Bridget se aperta e suas narinas se abrem. Baseado no conselho da Doutora
Packer, eu deveria focar no papel da Bridget como mãe da Simone, não no seu antigo papel como
minha esposa. Ela deveria estar feliz por ter sido apresentada.
— Prazer em conhecê-la — Lotus fala, esticando a mão para Bridget, que a pega apenas
com as pontas dos dedos, como se estivesse com medo de Lotus contaminá-la de alguma maneira.
— Hmmm… — Bridget cumprimenta com uma sílaba rude.
— Lotus é…
— Da JPL Maison — interrompe Lotus, o sorriso impessoal e sereno. — Trabalho para o
Jean Pierre Louis e Kenan é o novo porta-voz dos nossos relógios.
Isso está bom por agora, mas minha torcida era para que, em algum ponto, Lotus e eu
tivéssemos que dar algumas explicações. Pelo menos para a Simone. Quem se importa com o que a
Bridget pensa a respeito da minha vida pessoal?
— O carro, Kenan? — Bridget pergunta bruscamente. — Simone precisa chegar em casa.
Ela tem um ensaio de dança amanhã cedo.
— Bem, foi um prazer conhecê-las — Lotus diz. — Boa noite.
Vira-se de volta para o banheiro e entra lá como se nada a tivesse parado. Como se eu não
a tivesse parado.
Nós três ficamos em silêncio enquanto pago a conta. Pego o carro e levo Simone e Bridget
de volta para o apartamento que minha ex alugou no Upper West Side. Não fiz nada de errado e não
tenho intenção de me desculpar por falar com uma amiga em um corredor. Ainda há um frio no ar por
causa da umidade da noite de julho. Nem Bridget nem Simone expressam seus pensamentos, mas sei
que estão especulando. Se as coisas se desenvolverem com Lotus como espero, haverá um momento
e lugar para orientá-la sobre Simone. Se as coisas pararem — se Lotus decidir que esse é o mais
longe que nós vamos —, não interrompemos nada.
Caminho com elas até o apartamento e volto para onde meu carro está estacionado, quando
o telefone acende com uma mensagem.

Aqui é a Botão… se você estiver sozinho.

Com um sorriso que se espalha pelo rosto, descanso os cotovelos no volante e respondo.

Estou sozinho. Não consegui dizer que você estava linda hoje.

Não mude de assunto.

Começo a rir quando percebo que ela está repetindo nossa primeira troca de mensagens,
então sigo o script.

Existe um assunto?

Assunto: SÁBADO

Agora estamos conversando.

O que vai acontecer no sábado?

Brooklyn, se você quiser.

Ah, eu quero, definitivamente.

Mando as infos. Sei o quanto você gosta disso. ;-)


— Não é um encontro — digo para a garota no espelho.
Enrolei minhas tranças em um coque na cabeça e mantive a maquiagem leve, natural. Estou
usando um top tomara que caia e shorts jeans curtos que mal cobrem as tatuagens na parte de cima
das minhas coxas. Meus olhos estão brilhando.
Droga, por que meus olhos estão brilhando?
O que é esse turu-turu que meu coração faz enquanto espero que Kenan bata na porta?
Por que minha barriga dá cambalhotas com o pensamento de passar o dia inteiro com ele?
— Não é um encontro — lembro severamente ao meu reflexo.
— Se tem cara de encontro, cheira como um encontro — Yari fala da porta do meu quarto
—, logo, é um encontro.
— Você não sabe de nada — respondo, virando-me para sorrir para ela. Minha amiga
ainda está de pijamas e seu cabelo está metade cacheado, metade alisado, uma bagunça na sua
cabeça. — E também, em que arbusto você dormiu?
— Garota, não rolou muito isso de dormir — comenta, seu sorriso sujo e satisfeito
surgindo no rosto bonito. — Pedro passou a noite aqui.
— Ah, bem, veja só você, dando umazinha. — Rio, colocando brincos de argolas enormes.
— Vocês se conhecem há séculos, não é?
— Ele é um daqueles caras do meu bairro que ficaram farejando ao meu redor desde o
ensino médio. Nunca dei atenção a ele, mas, depois de todos esses anos, finalmente dei. — Ela
inclina a cabeça para baixo e me lança um olhar significativo. — Lo, o cara me mostrou na noite
passada no que ele estava trabalhando. É demais.
Passo protetor solar nos meus braços e pernas. É um mito que pessoas negras não se
queimam.
— Foi bom, né?
— Foi. — Ela para e me olha dos pés à cabeça. — Você falou que não quer fisgar ninguém,
mas está lançando uma isca das grandes. Você está bonita, Lo. Talvez precise lembrar ao Kenan que
não é um encontro também.
— Ele sabe — falo, pegando a pequena bolsa de couro a tiracolo.
A provocação deixa o rosto de Yari.
— O que está realmente acontecendo com vocês dois?
Paro, certificando-me de que tenho protetor labial e dinheiro para todo o dia.
— Do que você está falando?
— Olha, sei que você afirma não estar a fim do Kenan desse jeito, e sei que você está
nessa fase de pernas fechadas, mas você não me engana. Eu a conheço, Lo — avisa. — Você gosta
dele e não quero vê-la ferida.
— Não sei, Ri. Estou atraída por ele. O cara parece ser bom demais para ser verdade. Não
nos beijamos novamente desde aquela festa, mas…
Relembro a pressão firme, mas suave, da sua boca na minha. Lembro-me dele me
segurando como se eu fosse preciosa.
— Mas… — Yari incentiva, sorrindo.
— Ele disse que, da próxima vez que nos beijarmos, eu terei que fazer acontecer. — Solto
uma risada ofegante. — Quero fazer isso acontecer. Quero mesmo, mas tenho algumas merdas
verdadeiras para resolver. — Mexo na alça da minha bolsa. — Sempre pensei que o meu problema
seria me apaixonar por um homem ruim, como minha mãe fez, mas me apaixonar por um homem bom
poderia ser pior.
— Como você sabe?
— Com os outros caras era apenas sexo. Eu sabia o que era. Eles podiam ter meu corpo,
mas nada mais. Kenan não vai se contentar com isso e não sei se estou pronta para confiar nele, para
confiar em ninguém, com mais. Eu nunca estive.
— Bem, talvez você pudesse…
Uma batida na porta corta qualquer que seja o sábio conselho que Yari estava prestes a me
dar.
— Ah! — Toco meus bolsos. — Preciso pegar meu telefone e me recompor.
— Eu atendo a porta.
— Desse jeito? — pergunto, em dúvida.
— E por que não? — questiona por cima do ombro, enquanto sai do meu quarto. — Ele
não é o meu encontro.
— Não é um encontro!
Acho meu telefone e corro para a sala antes que Yari diga ou faça algo ultrajante, que é o
seu normal. No momento em que chego, Kenan já está dominando nosso pequeno sofá.
Gladiador.
Ele realmente parece um guerreiro em repouso. Enorme. Poderoso. Intimidante. Uma torre,
mesmo quando está sentado, o rosto em uma linha austera enquanto escuta qualquer que seja a coisa
que Yari está dizendo. Ele está vestido casualmente em shorts e uma camisa polo branca.
Droga. Ele nunca deveria ter permissão para usar branco. O contraste com sua pele… é
demais. Deveria ser proibido por lei. Já estou mentalmente redigindo uma carta para o congresso.
Quando me vê por cima do ombro da Yari, sua expressão suaviza e ele sorri. É algo lento,
levando seu tempo para se mover dos olhos escuros e profundos para a sua boca bonita. Será que eu
já tinha pensado na boca de um homem como bonita? A do Kenan é; em cima um arco largo e
embaixo uma curva cheia e sensual. Lembro-me de como era a sensação daqueles lábios nos meus.
Como sua língua afundou na minha boca, agressiva, caçadora. Lembro-me de como era o gosto dele.
Yari lança um olhar para mim e sorri.
— Bem, tenho algo relaxante para fazer — ela diz. — Vocês, crianças, divirtam-se
pegando insolação caminhando por todo o Brooklyn.
Uma vez que a Yari se vai, Kenan e eu encaramos um ao outro por alguns segundos em uma
saudação calorosa e sem palavras.
— Insolação, é? — finalmente fala. — Você disse que iríamos explorar o Brooklyn, mas
não disse nada sobre insolação.
Dou risada e caminho para mais perto, para inspecionar seu tênis preto e prateado, que
parece como se devesse ter um painel debaixo dos cadarços.
— Você ficará bem. Gostei dos tênis.
— Obrigado. É o meu design.
Olho mais de perto e percebo um Gladiador desenhado ao lado.
— Ah, é o seu sapato.
— Bem, eles me deixaram ajudar.
— E vejo que está usando meu relógio — digo a ele, andando para a porta.
— Sim, estou testando, mas JP não me deixou ajudar.
— JP não deixa ninguém ajudar. Acredite em mim.
Descemos os quatro lances de escada em vez de esperar o elevador que os donos
recentemente adicionaram ao prédio.
— Ele parece ter um ponto fraco com você — comenta Kenan. — Ele a deixa ajudar?
— Colaborar um pouco, mas meu trabalho é mais nos detalhes, trabalho pesado e opinião
ocasional. JP confia nos meus instintos e no meu estilo.
— Você sempre está bem vestida, então acho que isso é inteligente.
Suas palavras me acalentam. Não digo a ele, só continuo seguindo em frente para nosso
primeiro destino.
— Não veio dirigindo, né? — pergunto. — Não vou segurar a responsabilidade se aquele
seu tanque for roubado enquanto estivermos fora.
— Não, peguei o Uber Black.
— Ah, ouvi sobre isso. — Sorrio ironicamente enquanto ele caminha atrás de mim. —
Uber de gente rica.
— Se você diz. — Ele ri e dá uma olhada pela minha vizinhança. — Aqui é legal.
— É, dizem que o Brooklyn é a Nova Manhattan. Não conhecia a Antiga Manhattan. Sou
uma espécie de transplante, então sempre foi assim para mim. Ri e eu amamos Bushwick.
— Tem uma vibe incrível, com certeza.
— Ah, aguarde. — Esfrego as mãos unidas. — Nós iremos para Williamsburg. Podemos ir
para o Prospect Park. Talvez devêssemos ver o carrossel. É histórico! Podemos pegar o trem e…
— Você tinha mencionado comida — interrompe.
Rimos juntos e nego com a cabeça.
— Vou entender que você está com fome.
— Sim, minha dieta requer que eu coma muito, o dia inteiro — fala.
— Entendo. Há um lugar chamado Sally Roots na Avenida Wycoff. Estaremos lá em breve.
O brunch deles é fora de série.
— Opções saudáveis?
— Algumas sim, mas você vai tomar sorvete hoje.
— Não é meu dia do lixo — avisa, com um sorriso largo.
— Ah, sim, é sim. Você pode se dar um dia livre. — Cutuco seu estômago, mas meu dedo
não vai a lugar nenhum. Não afunda, apenas pressiona músculos abdominais de aço. — Merda, você
pode se dar uma semana livre, um mês.
Ele pega meu dedo e enrosca no seu, sorrindo para mim sem me deixar me afastar.
— Não me dou um mês livre há muito tempo. É uma forma de viver para mim. Não posso
imaginar ser indisciplinado por tanto tempo.
— Nem mesmo na intertemporada? — Espero soar normal, mas ele mudou de apenas
segurar meu dedo para acariciar a faixa de pele sensível entre meu dedão e o indicador, e endireito-
me, sem ar.
— Que intertemporada? — Sua risada sai curta e rápida. — Na minha idade, não posso me
dar ao luxo de desistir. E sem piadas de homem velho, PYT. — Ele sorri, depois franze o rosto. —
Merda, sinto muito, Lotus. Deixei você praticamente correndo e sem ar.
— Está tudo bem. — Puxo minha mão e desacelero os passos, ambas as coisas me
ajudando a estabilizar um pouco a batida do meu coração. — Você anda um pouco mais lento, eu
ando um pouco mais rápido. Nós nos encontramos no meio.
Estou grata ao chegarmos ao restaurante. Apesar da minha fala sobre andar o dia inteiro,
estamos no Brooklyn em julho. E está quente e abafado. Sally Roots é uma bênção de tão legal, com
uma vibe de ilha que nos transporta da selva urbana para um paraíso tropical em uma questão de
passos. Bugigangas e antiguidades estão amontoadas nas prateleiras do bar. E as paredes, pintadas de
azul como o mar caribenho que inspirou o menu, resfriam o espaço como uma brisa.
Desistimos do salão de jantar lotado e perguntamos ao garçom se podemos nos sentar no
quintal de trás, que tem sombras de guarda-sóis e árvores enormes.
— Esse lugar é bom — Kenan diz, olhando em volta para o lugar praticamente vazio. —
Tranquilo. Gostei.
— Eu também. Ri e eu amamos o brunch nos fins de semana. — Olho do menu para os
seus olhos. — Então, alguma coisa aqui funciona para o seu regime superrestrito?
— Não é superrestrito. É uma estratégia, e não uma dieta. — Estreita os olhos para o menu.
— Gosto de limitar o açúcar, especialmente durante a temporada e os playoffs, porque diminui a
recuperação depois dos jogos. Posso liberar um pouco disso, já que é verão. — Ele rouba meu olhar
por cima do cardápio. — Já que é com você.
Olho de volta para o cardápio bem na hora. Não posso fazer isso o dia inteiro — fico com
um coração palpitante e um pulso balbuciante toda vez que ele vira aquele olhar intenso para mim.
— Então, o que vamos pedir? — o jovem que está nos servindo pergunta, depois de trazer
uma água para Kenan e uma mimosa para mim.
— Primeiro as damas — Kenan diz, ainda estudando o menu.
— Vou querer o akee e peixe salgado[11] — peço.
— Bolinhos dumpling e banana frita, pode ser? — sugere o garçom.
— Perfeito.
— E você, Senhor Ross?
Seria chocante ter pessoas que sabem quem eu sou quando as vejo pela primeira vez e não
sei nada sobre elas, mas Kenan parece acostumado e sua expressão não muda.
— Estou de olho no omelete. — Dá uma olhada para o menu. — Dá para fazer com a clara
do ovo? Oito claras? E apenas com os vegetais, sem o bacon?
— Claro. — O rapaz assente e rabisca em seu bloco. — Batatas fritas e salada?
— Não. Vamos pular as batatas. — Ele direciona um sorriso branco ofuscante para mim.
— Aparentemente, preciso guardar espaço para sorvete mais tarde, mas vou querer a salada de
couve e rúcula.
— Trarei isso agora mesmo.
Com a saída do garçom, o silêncio recai sobre o jardim novamente. Somos os únicos aqui
fora agora e a intimidade estala no ar. Pergunto-me de verdade por quanto tempo vou aguentar. Um
mês atrás, eu estaria escalando por cima da mesa para beijá-lo, arrastando-o para o banheiro e
matando essa vontade com tanta força que deixaria marcas.
Mas isso foi antes de eu me ver chorando no chuveiro do Chase. Foi antes de eu me ver
confusa no meu closet com um tambor no lugar onde meu coração deveria estar. Não quero aquilo
com o Kenan. Quero resolver a minha merda. Não apenas por ele. Por mim. Mas não há dúvidas de
que o quero.
E baseado na maneira que seus olhos continuam sondando a borda do meu top tomara que
caia e roubando olhares para as minhas pernas nessas coisas minúsculas que estou usando, ele me
quer também.
— Deveríamos falar sobre o que aconteceu no restaurante — sugere, preocupação
momentaneamente apagando a luxúria em seus olhos.
Eu preferiria sentir a atração que vem dele no ar ameno e silenciosamente me perguntar por
quanto tempo conseguirei evitar transar com ele, mas, se for preciso...
— Você está falando do quanto sua ex-esposa quer me deportar para que nunca tenha que
me ver novamente?
Uma risada alta enruga os cantos dos seus olhos e seu peito se move subitamente com a
força disso. Quando ele joga a cabeça para trás, a forte extensão de sua garganta fica exposta. Eu
poderia ficar vendo esse homem rir o dia inteiro.
— A Bridget é como uma criança que tem um brinquedo e se cansou dele — explica,
olhando para mim por baixo de uma grossa camada de cílios. — Infelizmente, eu sou o brinquedo
velho nesse cenário e ela encontrou um novo e brilhante. Agora ela deseja o antigo de volta e não
quer que ninguém mais brinque com ele.
— Não tenho nenhum interesse em brincar com você — aviso a ele, as palavras escapando
antes que eu pense bem nelas.
Encaramos um ao outro por longos momentos, os sons abafados da cidade e das risadas,
além do tilintar dos vidros no lado interno, são a trilha sonora para a história que nossos olhos estão
construindo, adicionando uma nova linha, um novo capítulo a cada segundo.
— Bom, isso é decepcionante — responde sem rodeios. Eu rio e ele se junta a mim, sem
quebrar a tensão, mas marcando-nos até que nossos olhos se encontrem novamente. — Tenho sido tão
honesto com ela quanto posso — continua. — Não a quero. Não quero uma vida com ela. Eu nem
estaria na mesma cidade se ela não estivesse com a minha filha.
— Vocês não dividem a guarda?
— Dividimos, mas é complicado. — Ele faz uma careta. — O basquete tem uma temporada
regular de 82 jogos, uma das mais longas no esporte. É de setembro a julho, da pré-temporada até os
playoffs, se chegarmos lá. Não consigo dar nenhuma estabilidade real para a Simone com esse
calendário. Bridget não era a esposa do ano, mas é uma boa mãe. Ela e Simone são próximas. Não
houve nem mesmo perguntas se Simone ficaria comigo em San Diego quando Bridget decidiu se
mudar para Nova Iorque. Talvez no verão, mas há esse programa de dança aqui que deixou a Simone
empolgada.
Há uma abertura em suas feições quando fala sobre a filha. Normalmente fechado, ele não
tenta esconder seu amor por ela.
— Simone lidou com um monte de merda por nossa causa nos últimos dois anos — Kenan
prossegue. — Deixou Houston quando fui negociado para San Diego. Agora se mudou de lá para
Nova Iorque. Ela nunca gostou de nada como recentemente gosta de dança. Não poderia negar a ela
essa chance, pedindo que viva comigo na Califórnia durante o verão.
— Você poderia negar a ela — corrijo. — Mas é um bom pai e escolheu colocá-la em
primeiro lugar.
— Claro. — Ele franze o rosto como se isso fosse óbvio.
Não é óbvio. Eu sei exatamente por que não é óbvio. O que é ser renegada. Invejo Simone
por ter pais que a amam dessa maneira.
Mesmo que uma das partes seja uma traidora brilhante que me deu um aperto de mão como
se eu tivesse alguma doença contagiosa.
— Sua ex pareceu suspeitar de mim ou algo do tipo.
Ele está prestes a falar quando o garçom chega com nossa comida. Kenan ataca a omelete
gigantesca de claras, e também não fico tímida com meu prato.
— Suspeitar? — Kenan finalmente diz, limpando a boca com um guardanapo. — Talvez.
Não tenho certeza de por que ela me quer de volta.
— Sério? — questiono, sem acreditar. — Você não sabe por que ela quer um homem
bonito, inteligente, bonito, que…
— Você disse bonito duas vezes — interrompe, sorrindo.
— Não me interrompa. Um homem bonito que obviamente é um cara legal? Provavelmente,
ela está chutando a si mesma daqui até a lua por ter sido tão descuidada. Por ter perdido você.
— Bem, se ela está, pode continuar se chutando, porque não há chance.
— Nenhuma chance? — pergunto. — O que ela fez que matou o seu amor?
Ele olha para baixo, para seu prato, e coloca o garfo do lado.
— Serei completamente honesto com você por alguma razão que não sei. — Ele nega com
a cabeça como se não acreditasse que está me contando. — Acho que havia algo quebrado no nosso
casamento bem antes de Bridget me trair. — Kenan parece triste e guarda arrependimentos. — Não
sou um cara fácil de se conhecer — diz, o sorriso de um lado da boca que vai direto para o meu
coração. — Você pode não acreditar nisso agora que eu enchi seu ouvido, mas não costumo ser tão
falante. Sou introvertido. Gosto de ficar em casa. Amo ouvir música, ler e relaxar. Amo meus
negócios e dedico um monte de tempo para fazê-los serem um sucesso.
Ele toma um longo gole de água antes de falar novamente, e não tento preencher o espaço
com palavras ou perguntas. Ele precisa me dizer essas coisas e eu quero ouvi-las.
— Nós nos casamos assim que saímos da faculdade, pouco antes de eu ser escolhido no
draft — conta. — Minha família esteve bem enquanto eu crescia, mas ser selecionado significava um
dinheiro que eu nunca tinha visto. Milhões e milhões de dólares no primeiro dia. Talvez a Bridget
tenha pensado que teríamos esse estilo de vida das estrelas de rock. Que eu subitamente iria me
tornar esse cara que queria ser o centro das atenções, que não seria capaz de resistir à atração da
fama, mas eu não ligo para isso.
— E ela liga?
— Agora sim. — Dá de ombros. — A parte mais triste é que não tenho certeza se ela um
dia me conheceu e estou convicto de que nunca a conheci. Não se Amor de Jogador é o que ela
procura. — Seu riso cínico vem e vai rapidamente. — Tivemos Simone, mas não tínhamos muito
mais em comum. Meu pai tentou me avisar. Ele se foi agora e vejo o vazio que deixou na vida da
minha mãe. Eles estavam profundamente satisfeitos um com o outro. Nunca tive aquilo com a Bridget.
— Sinto muito — digo, sentindo-me mal por ambos, mas especialmente por ela ter se
casado com um homem como Kenan e nunca realmente tê-lo conhecido.
— Bem, eu nunca estaria sentado aqui se as coisas não tivessem sido como foram —
revela, sério ao olhar para mim novamente. — E estou muito feliz de estar aqui com você.
— Isso não é um encontro — solto.
Seus lábios pecaminosamente carnudos se espremem para evitar um sorriso, mas ele
consegue não rir.
— Esse foi um lembrete bem oportuno — diz com uma falsa seriedade. — Obrigado.
O garçom traz nossa conta e estou seriamente me perguntando se o dia inteiro será assim…
como se estivéssemos em uma panela de pressão. Como se eu estivesse cozinhando por baixo da pele
toda vez que ele olha para mim por mais de dois segundos.
Ficamos de pé para sair e o garçom vem para a mesa. Ele já pegou a conta, então não tenho
certeza do que mais precisa. Seu sorriso, hesitante e tímido, me dá uma dica.
— Senhor Ross — ele diz, escrutinando seu rosto. — Podemos tirar uma selfie? Só vai
levar um segundo.
Imagino que precisa de um pouco de paciência para o Kenan, que já confessou ser
introvertido, lidar com isso regularmente.
— Claro — responde com um sorriso gracioso, embora um tanto reservado.
Consulto a lista no meu telefone com todas as coisas que faremos hoje enquanto eles tiram
a foto.
— Pronta? — Kenan pergunta, uma vez que terminam.
— Acho que a pergunta é se você, Senhor Ross, está pronto para tudo que eu tenho
planejado.
Enquanto andamos, ele coloca a mão nas minhas costas. Tento ignorar o calor — ignorar a
tempestade elétrica se formando no ar em volta de nós toda vez que encostamos um no outro de
propósito ou por engano. Conosco não há esse negócio de toque casual.
— Não — fala, negando com a cabeça, sem sorrir. — Não acho que nenhum de nós está
pronto para isso, mas, foda-se, vou fazer de qualquer jeito.
Por poucos segundos, sou lançada, atraída mais profundamente para esse olhar
inquebrável, mas tento aliviar o momento, quebrar a tensão e me manter dentro do plano.
— Bom, espero que o idoso possa acompanhar a millennial.
Depois de um segundo, ele abre um sorriso.
— Não acredito que serei tão clichê, o cara velho e rico namorando a mulher mais jovem.
— Não se precipite nisso — zombo dele, forçando-me a manter contato visual. — Porque
não, você não está.
Ele para na calçada, abaixando-se até nossos rostos se alinharem e os lábios quase se
tocarem no mero espaço nos separando.
— Ah, sim, estou sim.

[11] Prato nacional jamaicano.


— Vocês não estavam brincando quando falaram em insolação, né? — faço a pergunta
brincando, mas eu não ficaria surpreso se tivesse feito um buraco nos Glads, meus tênis. Além de
uma viagem de Uber, estamos a pé o dia inteiro.
Lotus ri, andando de costas um pouco à minha frente.
— Tecnicamente, Yari mencionou as queimaduras, não eu — diz, dando uma longa lambida
em sua casquinha de sorvete. — Mas conheço um homem em forma superior que não está reclamando
nada sobre caminhar um pouquinho.
— Um pouquinho? — Paro no meio da calçada e espero que ela faça o mesmo. Ela
finalmente rola os olhos e anda para mim novamente. — Você arrastou meu rabo de Bushwick para
Kingdom Come…
— Você aproveitou ou não o Jardim Botânico? — ela demanda, uma mão na cintura, a
outra segurando a casquinha de sorvete.
— Assim, eu…
— Sim ou não.
Olho para essa coisinha minúscula de olhos cerrados.
— Sim, mas…
— Você amou ou não andar no Jane’s Carousel?
— Um homem crescido de dois metros de altura…
— Sim. Ou. Não? — Ergue a elegante sobrancelha e inclina a cabeça, esperando pela
resposta que já sabe que darei a ela.
— Ok. Sim. Foi divertido porque era ridículo. Havia crianças de quatro anos ali com a
gente.
Ela joga a cabeça para trás e ri com tanto gosto que sacode o corpo inteiro. Ela não liga
que haja pessoas passando por nós, encarando a mulher barulhenta rachando de rir no meio da
calçada com um sorvete pingando. Amo isso nela.
— E a pizza da Roberta foi a melhor que você já comeu? — pergunta.
— Foi bem ok. — Dou de ombros, subestimando a melhor pizza que já comi.
— Você está mentindo… — Ela cerra seus olhos já inclinados e torce os lábios cheios e
carnudos, totalmente sem batom. — Foi uma delícia, e você sabe disso. E o que podemos falar sobre
este sorvete? — Lambe o sorvete de baunilha. — Hmmm. Você provavelmente não consegue se
lembrar da última vez que provou algo tão doce.
A língua circula o sorvete e minha boca saliva, lembrando daquela língua dentro dela,
lambendo por dentro, lutando contra a minha, nós dois ofegando em busca de ar.
— Não — falo, torcendo para a minha voz não soar tão rouca. — Já faz um tempo desde
que provei algo tão doce. Você está certa sobre isso.
Sua lambida diminui de ritmo enquanto ficamos parados na calçada, fodendo um ao outro
com os olhos, o que temos feito intermitentemente o dia inteiro. Para a minha enorme frustração e
deleite.
Frustração, porque nunca quis ninguém como quero a Lotus. Com os seios naquela blusa
tomara que caia e as pernas magras e suaves naqueles shorts em miniatura? Eu trocaria um dos meus
anéis de campeão para tê-la. Assim, eu tenho dois anéis. Existe apenas uma Lotus, pelo que posso
dizer.
E deleite, porque é tão óbvio para mim que ela também me quer. Não sou um cara
convencido. Tenho sido um jogador na metade da minha vida — ensino médio, faculdade,
profissional. Nunca consegui ter certeza se uma mulher me queria pelas minhas perspectivas e pelo
ganho potencial ou por mim.
Lotus me quer por mim. Não há artimanhas com ela, não há truques. Não é um jogo que ela
está fazendo. Não é programado. Quando ela olha para mim e seus olhos queimam e sua respiração
fica curta, é por mim. A forma pura como ela também me quer e a dificuldade que está tendo para
lutar contra isso pode ser uma das coisas mais atraentes a seu respeito.
— Bem, quase terminamos — finalmente diz, começando a andar novamente. — Você
sobreviveu.
Combino minha marcha com a dela, que é mais curta, e por poucos minutos ficamos quietos
enquanto ela termina o sorvete.
— Sinto que hoje usei todas as minhas palavras até o próximo mês — conto a ela com uma
risada.
Ela vira levemente o rosto em minha direção. Seu perfil é de curvas delicadas em sombras
que caem com o pôr do sol.
— O que você quer dizer com isso? — pergunta.
— Eu só… não sou muito de falar.
— Acho que podemos dizer com segurança que esse não foi o caso hoje — diz, sua risada
baixa e sarcástica. — Não tive uma chance de falar.
— Ok, agora você está exagerando.
— Bem, pelo menos encontrei um apelido para você.
— E qual é? Eu não vou gostar.
— Bocudo.
— Nem é criativo nem preciso. — Puxo uma das trancinhas que caíram em seu ombro. —
De volta à estaca zero.
— Você fica me dizendo que é introvertido, mas não vejo isso.
Diminuo meus passos um pouco conforme nos aproximamos da calçada da Brooklyn
Heights Promenade. Peso as palavras, perguntando-me se devo dizê-las. São verdadeiras, mas pode
ser que digam muito para ela, cedo demais.
— Não sou assim com mais ninguém — falo suavemente. — Sei que soa como loucura, já
que não conhecemos um ao outro nem bem nem por muito tempo, mas só sou assim com você.
Mordo o lábio, sem ter certeza de como responder às palavras do Kenan.
Falo com todo mundo o tempo inteiro, sou hipersocial, mas sei o que ele quer dizer. Acho
que o ponto é que ele realmente fala comigo, enquanto não fala tanto com as outras pessoas. Acho
que o ponto é que ele quer falar comigo. E entendo isso porque, embora eu fale com todo mundo, há
algo único em relação ao meu tempo com ele. Algo que desejo poder reproduzir com outras pessoas,
mas, ao mesmo tempo, amo experimentar apenas com ele. Ainda não compartilhei meus segredos
mais profundos e sombrios — as coisas que me perseguem em sonhos e me prendem no meio da
noite.
Mas acho que irei.
Em breve irei compartilhar aquelas coisas com ele, e ele está certo. Não faz sentido. Mas
eu, diferente de Kenan, estou acostumada com coisas que não batem. Estou acostumada com coisas
que pecam em ter explicação. Fui criada com a esperança e amadureci vendo milagres, então o
excepcional é familiar para mim.
Mesmo assim, isso é diferente.
Paro perto da grade, colocando o pé entre os degraus, e encaro o horizonte de Nova Iorque
e a água batendo nas bordas da cidade.
— Nada a dizer sobre isso? — Kenan pergunta suavemente.
— Ah, eu tenho um monte para dizer sobre isso, mas agora eu só quero ver o sol se pôr —
sussurro, mas não porque há outras pessoas por perto que podem ouvir; turistas e nativos alinhados
perto da grade para pegar o finzinho do dia como nós. Sussurro porque há algo de sagrado no céu.
Toda vez que ele fala comigo, eu o reverencio, seja com um anúncio de boas ou más notícias. —
Nuvens de algodão-doce — digo, virando-me para sorrir para Kenan.
— Oi? — Pisca, da forma que faz quando alguém diz algo inesperado. Ele piscou quando
Chase disse que ele tinha belos antebraços. Rio, lembrando-me de como Kenan olhou para ele na
festa de Natal. Como se o Chase fosse um chiclete em que ele pisou. — O que é tão engraçado? —
questiona.
— Nada. — Nego com a cabeça, porque dizer o nome do Chase, dizer qualquer nome que
não seja o meu ou o do Kenan agora parece errado.
Ele apoia os cotovelos na grade, tão perto que o calor do seu corpo se estica e toca minha
pele. Sinto seus olhos no meu perfil, tateando-me como se fizessem uma carícia. Como se estivesse
tocando minha clavícula, suave e curioso, saboreando. Ele afasta o olhar do meu rosto para o
horizonte. A Estátua da Liberdade. A Ponte do Brooklyn. E a ponta de um arranha-céu que parece
perfurar o céu rosado.
— Eu estava dizendo que as nuvens estão rosa como algodão-doce — explico com um
sorriso. — Nuvens rosa significam dias felizes.
— Hã? — pergunta.
Desço da grade, viro as costas para a vista e subo novamente, apoiando os cotovelos.
Estou encarando-o agora e posso ver sua resposta enquanto observa o pôr do sol.
— Uma vez eu procurei — digo. — Costumava amar ver o pôr do sol de uma árvore no
quintal da MiMi.
— Essa árvore é mágica, criança. Quando estiver se sentindo triste, suba nela.
Engulo a emoção. Ainda dói, depois de dois anos, não poder pedir seu conselho. Não
poder pular em um avião para vê-la quando eu quiser.
— O que você descobriu sobre as nuvens rosa? — questiona, traçando a concha da minha
orelha, passando o dedo pelos brincos, deixando uma trilha de arrepios com seu toque.
— Bem, eles dizem…
— Eles quem?
— Cientistas, eu acho. — Rio e dou de ombros. — Seja lá quem eles forem, dizem que
quando o sol está se pondo, sua luz atravessa mais ar do que durante o dia, quando está mais alto.
Mais ar significa que mais moléculas fazem o violeta e o azul no céu parecerem mais distantes.
Realmente afasta o azul; a tristeza, o blues, como dizemos.
Seguro seu olhar quando se vira para contemplar a mim em vez das nuvens rosa.
— Então são nuvens felizes, porque não há mais azul. — Sorrio, perguntando-me se ele
consegue dizer que está ironicamente tingido de tristeza. Sinto falta daquela árvore. Mesmo nos dias
em que os céus me dizem através das nuvens rosa para ficar feliz, não parece a mesma coisa que eu
sentia lá na minha árvore no quintal da MiMi.
— Nuvens de algodão-doce? — pergunta, encarando-me de perto.
— É, elas são como algodão-doce. Tive que desenhar um vestido para o meu projeto final
do FIT. Era de nuvem de algodão-doce e absolutamente perfeito.
— Você fez isso no tamanho de uma modelo ou no seu tamanho? — questiona, num riso
baixo e profundo.
— Ah, fiz para mim. Exatamente nas minhas medidas.
— Adoraria vê-lo em você.
— Nunca usei.
— Para o que você está guardando? Por que não vestir?
— Vou saber quando for a hora. Será uma ocasião especial — revelo, em uma falsa postura
defensiva. — Saia do meu armário.
Rimos bem quando seu telefone toca. Ele tira do bolso e faz uma careta para a tela, mas
atende.
— Ei, Bridget. O que foi?
Sua carranca fica mais profunda. Se ela pudesse ver seu rosto, teria desligado. Ele parece
puto. Além de puto. Com desgosto. Eu estremeceria se ele olhasse para mim assim algum dia e ela
nem faz ideia. Ou talvez ela tenha se acostumado.
— Se você estiver mentindo, Bridget…
Ouço sua voz, que, choramingando, corta o comentário. Ele aperta a ponte do nariz e nega
com a cabeça.
— Diga a ela para ficar pronta em uma hora, que irei buscá-la.
Meu coração afunda. Nosso dia praticamente acabou, mas eu esperava que pudéssemos
voltar para casa juntos de trem, depois ele pegaria seu Uber… desculpe, Uber Black… de volta para
o Upper West Side.
— Sinto muito, Lotus. — Suspira, frustrado. — Eu deveria ficar com a Simone amanhã,
mas a Bridget diz que tem um compromisso e precisa que eu a pegue hoje. Sei que provavelmente ela
está fazendo joguinhos e me manipulando, mas não quero nunca que a Simone sinta que escolhi não
ficar com ela. Entende? Já estou em desvantagem com a minha filha.
Meu coração se contrai. Ele não faz ideia do tanto que eu entendo. Sei como é sentir que
sua mãe escolheu um amor em vez de você. Como é sentir que ela não escolheu ter você com ela.
Não por uma noite, mas por anos. Perder uma infância inteira por um homem que não vale nada.
— Eu entendo — digo simplesmente, transmitindo meu entendimento de forma inadequada.
— Simone deve estar em primeiro lugar. Nunca vou ficar de má vontade com você por causa disso.
Seus olhos, normalmente tão reservados, não estão dessa forma comigo agora. Seu rosto é
tão intimidante quanto o resto. Bonito, mas composto de linhas fortes e ossos arredondados, rígidos.
Mas, quando ele olha para mim, as linhas duras se suavizam e é como se eu estivesse assistindo a
uma rocha derreter. Eu sou o sol.
Sinto aquele poder por um momento — o de fazer alguém tão duro quanto Kenan parecer
terno. O poder surge e se converte em responsabilidade.
Gentileza é poder sob controle.
E sinto o desejo, apesar de ele ser tão maior, setenta quilos mais pesado e dez vezes mais
forte, de ser gentil com Kenan. De ser cuidadosa com o poder que ele investe em mim toda vez que
me mostra mais, me conta mais.
Sinto um senso de responsabilidade por um homem como ele, que, mesmo tendo sido traído
por alguém em quem deveria confiar, conseguiu escolher confiar novamente. É arriscado confiar em
mim novamente. Não somos tão diferentes, nós dois. Fui traída por aquela que deveria ter me
protegido também. Não uma esposa, mas uma mãe — pelo silêncio cúmplice de uma família. Não
somos tão diferentes, e talvez seja isso que minhas nuvens de algodão-doce estão tentando me dizer.
É um dia bom. Um dia bom para confiar novamente.
Ficar na grade me deixa alta o suficiente para alcançá-lo. Toco seu rosto, acaricio o forte
osso debaixo da pele de mogno e viro-o em minha direção até que nossos lábios se encostem. Ele se
afasta ligeiramente com um olhar que não vacila.
— Lembre-se do que eu disse. — Sua voz está rouca e grave, talvez com o peso deste
momento sem volta. — Quando nos beijarmos novamente, você terá de fazer acontecer e isso
significará que quer ser mais do que minha amiga.
Aproximo o espaço que ele deixou entre nossos lábios e lambo a abertura da sua boca. Ele
ofega e seus olhos se fecham imediatamente.
— Quero ser mais do que sua amiga — sussurro sobre seus lábios. — Abra seus olhos e
não os afaste de mim.
Quando os abre, eles se travam nos meus e eu sugo seu lábio inferior, lambendo até os
cantos. Ele angula a cabeça para capturar meu lábio superior entre os seus, nunca largando o olhar.
Sua mão, enorme e abrangente, se curva no meu pescoço, os dedos enrolados na minha nuca. Ele
aprofunda o beijo, provando-me com lambidas crescentes e famintas que me fazem choramingar e
gemer. Agora é minha vez de ofegar e fechar os olhos, porque o contato é tão intenso que envia uma
corrente pela minha espinha e dedos dos pés.
— Não os afaste de mim — ele ecoa de volta.
Definimos um ritmo frenético para nossas cabeças enquanto o beijo cresce com mais
urgência. Viro a cabeça e ele inclina a dele, as duas tentando mergulhar mais fundo sem quebrar o fio
de eletricidade em nosso olhar. Enquanto nossas línguas se unem, nossos lábios imploram e nossos
corpos se esforçam para aprender o formato um do outro, não afastamos o olhar. E é mais intenso do
que foder.
O beijo afasta cada homem que veio antes dele em um batismo de lábios gananciosos e
línguas estudiosas, mergulhando-me, molhando-me, salvando-me.
Mudando-me.
Estou nova. Diferente.
Mesmo quando acaba, nossos lábios ainda se agarram, relutam em se desapegar desse
renascimento que purifica até mesmo o ar que respiramos. E aqui, presa em nossos lábios, cada
respiração é sagrada. Aqui, entre nossos peitos, nossos corações batem como antigos tambores.
Aqui, entre nossos olhos, os seus e os meus, um olhar abrasador vê tudo.
É o melhor beijo da minha vida. É o meu primeiro vislumbre da real intimidade.
E é quase mais do que posso suportar.
Fiquei com a Simone o dia inteiro ontem e ela passou a noite aqui. Agora já é segunda-
feira e não consegui ver Lotus novamente. Quero muito isso depois do nosso “não encontro”. Pode
não ter sido um encontro, mas definitivamente foi um beijo. Quero repeti-lo o mais breve possível.
Estou saindo do elevador para o escritório da Doutora Packer quando meu telefone se ilumina com
uma notificação incomum de uma floricultura local.

Seu pacote foi entregue.

Aquele tal de August serve para alguma coisa. Meu companheiro de equipe no San Diego
Waves, casado com a prima de Lotus, Iris, tem me incomodado desde que pedi o número dela.

— Como foi o encontro? — ele ligou ontem para perguntar.


— Que encontro? — questionei, deliberadamente vago.
— Brooklyn. — Havia apenas ansiedade e frustração mal percebida em sua voz. — Se
você jogar esse jogo direitinho, nós podemos ser praticamente irmãos.
— Tão atraente quanto estar permanentemente acorrentado a um novato cheirando a
leite seja — tive que dizer, deixando as farpas que sempre uso com ele saírem —, acho que vou
lidar com isso por conta própria.
— Você não acha que a Lotus contou todos os detalhes para a Iris?
Isso me fez parar.
— Ela contou? — Mantive minha voz neutra. Elas são próximas. Não seria algo inédito.
É tudo tão novo, e não falei com ninguém ainda.
— Não — August admitiu, de má vontade. — Iris não conseguiu tirar nada dela. Estamos
nos coçando aqui.
— Por que você e sua esposa não se preocupam mais em ter aquele bebê e menos sobre o
que pessoas adultas estão fazendo aqui em Nova Iorque?
— Você é adulto, mas a Lotus não. — Ele riu. — O bom e velho Glad. Roubando o bebê
do berço.
Se estivéssemos juntos, eu teria batido nele. Ou pelo menos lhe daria uma boa chave de
braço.
— Mesmo que não compartilhe merda nenhuma comigo — disse —, darei a você um
conselho de graça. Algo que fiz pela Iris, e veja onde cheguei.
— Como se eu precisasse do seu conselho — zombei. O telefone ficou mudo por poucos
segundos mortais e soltei um suspiro exasperado. — Assim, agora que começou, termina.
Ele me provoca com uma risada antes de compartilhar seu conselho. É melhor que ela
goste das flores que enviei.

— Se você me deu uma orientação errada — murmuro, enquanto cruzo o saguão. — Vou
raspar as drogas dos seus cachos na próxima vez que dormir no avião.
Simone e Bridget já estão sentadas na área de espera. Sei que não estou atrasado.
Geralmente as encontro aqui.
— Ei, Moni. — Deslizo a mão por seu rosto para saudá-la e dou um puxãozinho em seu
rabo de cavalo.
— Não, pai — reclama, bloqueando meu toque com ambas as mãos. — Não toque. Preciso
que esteja arrumado para o meu recital de amanhã.
— Você tem um recital amanhã? — Franzo o rosto, olhando entre elas. — Não está no meu
calendário.
— Bem, acho que o Davis cometeu um erro — Bridget diz, irritada.
Meu assistente, Davis, lá de San Diego, não comete erros com meu calendário ou em
qualquer outro aspecto da minha vida. Eu estaria perdido sem ele.
A porta se abre e a Doutora Packer caminha para fora com um sorriso acolhedor para nós
três.
— Bom vê-los — ela diz, gesticulando para nós entrarmos em seu escritório.
— Espere aqui fora por alguns minutos, Simone — Bridget pede, lançando-me um olhar.
— Precisamos de alguns minutos sozinhos com a Doutora Packer primeiro.
— Precisamos? — pergunto, franzindo o rosto. É a primeira vez que ouço isso.
— Precisamos — confirma, passando por mim em direção ao escritório.
O que é isso agora?
— Algum problema, Bridget? — a doutora pergunta de trás da mesa. — Sei que
conversamos há algumas semanas sem a Simone, mas gosto de limitar reuniões improvisadas como
esta e agendar nosso horário sem ela. Ver algo assim pode fazê-la sentir que estamos falando sobre
ela.
— Bem, nós meio que estamos — começa Bridget —, graças ao comportamento
imprudente do Kenan.
— Meu? — Aponto com o polegar para o meu peito. — Imprudente? Como assim?
— Assim. — Ela empurra o telefone na minha direção.
Quando vejo a foto no Instagram, quero rosnar para Bridget por se meter nas minhas
coisas. Ao mesmo tempo, quero chutar a mim mesmo por não ter sido mais cuidadoso. O garçom do
Sally Roots postou a selfie comigo. Na parte de trás da foto, quase como uma penetra, Lotus está
olhando para o telefone. Sua cabeça está abaixada, mas aquelas tranças platinadas são únicas.
Bridget as viu na noite do restaurante. Pedi ao garçom para não me marcar e ele não o fez, mas usou
#KenanRoss.
— Você é contra eu tirar uma foto com um fã?
Ela terá que dizer as palavras — ser mesquinha o suficiente para arrumar confusão com
algo que não é nada demais.
— O que eu sou contra — cospe — é essa mulher com quem você está rodando por Nova
Iorque.
— Rodando por Nova Iorque? Dificilmente.
— Do que você chama isso então? — Ela me empurra o celular novamente.
Há fotos minhas com Lotus no Jane’s Carousel. Estamos rindo na imagem e quase sorrio
novamente comigo enorme e ridículo no carrossel, apesar da situação estranha em que estou agora. A
legenda do post é: “Não se vê isso todo dia. #KenanRoss”.
Bridget deve ter me perseguido e procurado aquela hashtag do Instagram. Quero tacar o
telefone dela na parede mais próxima.
— Posso ver? — a Doutora Packer pergunta e aceita o telefone. — Qual é o problema?
— Você disse que não deveríamos nos envolver com outras pessoas — retruca Bridget,
irritada.
— Não — a Doutora Packer responde. — Eu disse que deveriam ser cuidadosos com a
forma como iriam apresentar isso para a Simone. Admito que o Instagram não é a melhor forma,
especialmente dado o recente… drama que veio pelas mídias sociais.
Bridget limpa a garganta com a menção de toda a nossa merda que foi jogada no ventilador
por causa das suas palhaçadas.
— Mas essas fotos podem ser interpretadas como mera amizade também — pontua a
Doutora Packer. Ela vira a atenção para mim. — Essa é apenas uma amiga ou é alguém que
precisaremos apresentar para a Simone eventualmente?
Este é o momento da verdade. Eu poderia negar e tirar Bridget da minha cola. Poderia
atrasar as coisas e ver Lotus discretamente — evitar tudo completamente por mais algumas semanas.
Só que eu não quero.
Quero ser mais do que sua amiga.
As palavras roucas e doces da Lotus que estão me perseguindo desde sábado.
Não os afaste.
— Estamos vendo um ao outro. — Minha voz está forte e certeira, assim como meus
sentimentos pela Lotus, e seria o meu fim se eu mentisse sobre isso, sobre ela, para satisfazer a
possessividade fora de lugar e atrasada de Bridget.
— Eu sabia — diz Bridget com veemência, expirando em seguida. — No restaurante. Você
e ela no corredor. Eu vi a forma como olhou para aquela coisinha...
— Você não vai falar merda sobre ela — aviso, com uma ferocidade silenciosa.
Bridget pisca, os olhos azuis saltados. Tudo fica silencioso por um momento, enquanto ela
e eu avaliamos um ao outro, nenhum dos dois recuando.
— Acho que nós devemos dar um passo de cada vez — Doutora Packer diz, quebrando
nosso olhar. — Queremos introduzir… qual é o nome dela?
— Lotus — respondo.
— Temos várias coisas programadas para a sessão de hoje — começa a Doutora Packer,
olhando para suas anotações e depois de volta para nós. — Quer adicionar apresentar a Lotus?
— Simone tem um grande recital — Bridget avisa de forma brusca. — Vamos deixar que
ela passe por isso antes de darmos notícias desagradáveis como essa.
— Não são notícias desagradáveis. Não estou fazendo nada de errado.
— Você está fodendo com ela? — demanda, olhos frios.
O suspiro da Doutora Packer é o único som na sala.
— Isso não é problema seu — respondo controlado, apesar da fúria arranhando minha
barriga. — E não é apropriado que você pergunte sobre isso aqui, ou em qualquer outro lugar, a
propósito.
Fico de pé e direciono-me para a porta.
— Trarei a Simone — aviso. — Já que nós obviamente terminamos aqui.
Simone se junta a nós e começa a falar sobre dança, seus novos amigos e todas as coisas
que parecem estar melhores em sua vida. Isso me deixa mais à vontade. É só quando sinto o olhar
assassino da Bridget em mim a cada poucos minutos que me questiono se talvez não tenhamos
terminado afinal. Talvez o drama com a Bridget esteja apenas começando.
— Temos convidados chegando — JP avisa, seu tom distraído enquanto ele espreme os
olhos para as faixas de cores espalhadas pela longa mesa de vidro, uma concessão anacrônica para a
era moderna em um escritório temperado com móveis franceses antigos.
— Convidados? — Passo pelas amostras de tecido que trouxe para ele analisar. — Quem?
— Acho que algumas daquelas donas de casa. Paul vai coordenar. Estão vindo com a
desculpa de estarem procurando vestidos para um evento. Vivem procurando por lugares bonitos
para terem suas brigas e manterem as coisas interessantes. — Ele tira um par de óculos de aro verde
do bolso da camisa e desliza no rosto. — De onde veio esse?
— Deve ter uma etiqueta. — Inclino-me e viro a amostra. — Lá vamos nós. B&J Fabrics.
— É próximo, mas um pouco amarelo demais, não? — Ele lança o olhar por cima dos
óculos fashion e estremece. — Sabe como me sinto a respeito de verde-limão.
— Claro. — Arranco o tecido ofensivo dos seus dedos. — Quer que eu misture algumas
cores e leve algo para o nosso cara na 37ª? Ele pode ser nossa melhor chance de personalizar.
— Boa ideia. — Ele olha por cima de mim e sorri. — Ah, estava me perguntando quando
você iria descer, Vale.
Sua assistente entra, um estudo da sofisticação islandesa e eficiência fria.
— Estamos atrasados — lembra-nos desnecessariamente. — O show é em menos de dois
meses.
— Mon dieu! — JP pressiona a mão gorducha no peito. — Eu não tinha ideia! Sabia que a
Fashion Week é bem em breve, ma petite?
Devolvo o sorriso irônico, olhos brilhando, que ele manda para mim. Anjos já estão
preparando um lugar na sessão VIP do céu pelo que a Vale atura com o JP.
— Ouvi algo sobre isso. — Recolho as amostras do tecido e beijo a bochecha maquiada
da Vale. — Vou trabalhar nesses prazos de produção para ontem.
— Esse era meu próximo item em pauta. — Sua expressão suaviza e ela indica os tecidos
de cores vibrantes em meus braços. — Verde-limão pode ser a cor que o JP não suporta. Vermelho é
a do Paul. É melhor estarmos de preto depois desse show. Muito trabalho a fazer.
É a minha deixa para correr para o meu próprio cubículo. Cada show é um trampo enorme
e, quanto mais próximos ficamos, menos tempo teremos para qualquer coisa além dessas paredes. A
semana antes do evento é conhecida por acamparmos aqui, dormindo e negligenciando qualquer
coisa pessoal, inclusive a higiene, para deixar tudo pronto.
Duas cabeças surgem na divisória elegante, que proporciona uma frágil aparência de
privacidade para trabalhar.
— O que vocês duas querem, danadinhas? — Olho por cima do meu laptop para ver Yari e
Billie por cima da minha divisória.
— Hm… nós trouxemos presentes — Yari fala, alegria enchendo suas palavras.
Torço para que seja um dos lattes do outro lado da rua, que eu amo.
— Não é nosso — Billie praticamente grita, puxando um buquê de um local escondido
atrás de suas costas. — Mas estamos morrendo para saber quem foi que as enviou!
Ela segura um vaso pequeno com pequenas flores de lótus em tons vivos de rosa, roxo e
azul. Sei quão difícil é encontrá-las por aqui, sendo praticamente impossíveis de replantar. São muito
complicadas de conseguir e duram apenas poucas horas. Observo o pequeno vaso com uma fita
amarrada no pescoço e um envelope lacrado. Minhas amigas estão paradas com as línguas
praticamente penduradas para fora. Obviamente não estão planejando me dar muita… privacidade.
Se é que vão.
Billie segura as flores enquanto pego o envelope e abro o cartão lá dentro. As palavras
quase ilegíveis parecem ter sido jogadas ali.
Botão,
Falei que odeio mandar mensagem.
Infelizmente, flores de lótus não vivem muito depois de serem cortadas do solo onde foram
plantadas. Perde um pouco do impacto ao saber que estarão murchas no momento em que você
vier jantar na minha casa hoje à noite. Ah. Você viria jantar na minha casa hoje à noite? Posso
buscá-la no trabalho. Mande apenas uma mensagem com um sim... ou um não... e em que momento
você gostaria que eu fosse até aí.
“Deixe-me ver seu rosto. Deixe-me ouvir sua voz, pois sua voz é doce e seu rosto é adorável.”
Cântico dos Cânticos 2, 14.
— Kenan

Ah, isso é ruim.


A respiração é como uma sinfonia nos meus pulmões. O sorriso involuntário que beija
meus lábios. A vibração debaixo das minhas costelas. Todos os sinais de que Kenan, quando coloca
algo na cabeça, faz um grande jogo.
— De quem elas são? — Yari demanda, paciência nenhuma na voz. — Elas são de quem
achamos que são?
Com uma das mãos, pego meu vaso de pétalas condenadas da mão dela. Com a outra,
pressiono o cartão no peito.
— São de um admirador secreto — aviso, virando as costas a elas para colocar o vaso no
canto da mesa.
— Você não sabe de quem elas são? — Billie pergunta.
— Não, vocês não sabem de quem elas são — respondo, com um sorriso largo para
esconder. — Esse é o segredo.
As duas parecem querer me estrangular. Sento de costas e deslizo o envelope para dentro
da gaveta.
— Elas são do Kenan — Yari fala.
— Não, vocês não sabem. — Volto para o meu laptop. — Vocês estão jogando a isca.
— Bem, nós achamos que são do Kenan Ross — diz Billie, mãos na cintura fina.
— Bem, vocês podem estar certas. — Eu as expulso dali com uma das mãos. — Falaremos
sobre isso mais tarde. Se eu disser agora, vocês farão um milhão de perguntas para as quais não
tenho tempo. Preciso de foco.
— Boa sorte — Yari deseja. — Temos convidados chegando.
— Eu ouvi. — Meus olhos desviam para o seu rosto. — Não vou suportar ser interrompida
hoje.
— Ouvi Paul falando sobre isso. — Billie dá de ombros. — Eles acham que será uma boa
exposição para a marca.
A maioria dos grandes ateliês de moda praticamente não é rentável, simplesmente por
conta dos custos de produção a esse nível, que são exorbitantes.
— Desde que essa exposição não venha para o lado de cá — digo. — E não consigo
imaginar por que viria.
— Você vai sair no horário hoje? — questiona Yari, já se virando para ir embora,
estudando-me por cima do ombro. — Vai pegar a J comigo às cinco?
As cores vibrantes no vaso arrancam um pequeno sorriso de mim e nego com a cabeça.
— Não. Tenho planos.
Assim que as duas voltam para suas mesas, pego o telefone na bolsa e mando uma
mensagem para o Kenan.

Sim. Seis em ponto.

Vejo você então.

Tenho permissão de mandar meu agradecimento por mensagem?

Não. Agradeça-me mais tarde. ;-)

No começo, o dia parecia estar voando e ser curto demais para que eu conseguisse fazer
tudo. Tendo seis em ponto e Kenan como minha linha de chegada, o dia está oficialmente levando a
droga de uma eternidade para terminar. São apenas três da tarde quando verifico o horário no meu
laptop e levanto para me esticar. Arranco uma das flores e pressiono contra o nariz, mergulhando no
perfume doce.
— Algumas pessoas da nossa equipe trabalham aqui. — Ouço JP dizer. — Mas toda a
costura acontece lá embaixo e mantemos as roupas para vocês verem lá também. Sigam-me.
Deve ser o elenco do reality show. Graças a Deus eles não vieram para a minha área.
— Ah, você está aqui.
Olho para cima, chocada de encontrar Bridget Ross parada no meu cubículo.
— Posso ajudar? — É uma pergunta recheada com um “mas que inferno?”.
— Perguntava-me se seu escritório era aqui em cima — diz casualmente, aproximando-se.
Ela encara as flores na minha mesa antes de virar os olhos azuis congelantes para mim.
— Você está aqui com a equipe? — indago. — O Amor de Jogador está de olho na
coleção?
— Sim. Eu queria ver sobre o que era todo o burburinho. — Faz uma parada significativa,
correndo os olhos pelos meus jeans skinny, uma regata canelada e cardigã simples.
Minha paciência está acabando.
Senhor, dai-me sabedoria para não chutar a bunda dela.
Com Deus ao meu lado, talvez a Bridget saia daqui como uma única peça loira e magra.
— O que posso fazer por você, Bridget? — questiono. — É Bridget, né? Nós nos
conhecemos naquela outra noite no restaurante, acredito.
— Você sabe bem quem eu sou — solta, com uma indiferença ilusória. — Ou deveria
saber, já que está fodendo com meu marido.
Senhor, não me deixe.
— Acho que você deveria ir antes de se fazer parecer ainda mais desesperada — sugiro,
espero que com alguma gentileza e não com o dedo do meio que quero enfiar no nariz dela.
— Tem certeza de que não quer que eu fique por aqui? — Senta na ponta da mesa e
acaricia uma pétala da flor de lótus. — Eu poderia te dar algumas dicas de como o Kenan gosta que
chupe o pau dele. Estivemos juntos por uma década. Pouparia um bom tempo seu.
Ando até que esteja em frente a ela. Cuidadosamente, tiro minhas flores de perto do seu
toque.
— Por que eu iria querer um conselho da mulher que o perdeu? — pergunto, minha voz
sussurrada. Não preciso de uma cena. Tenho certeza de que suas câmeras estão próximas e prontas
para atacar. Darei a ela a menor munição possível.
— Você não vai conseguir ficar com ele — zomba.
— Bem, pelo menos teremos algo em comum e talvez aproveitaremos melhor a companhia
uma da outra, mas, por enquanto, repito: saia.
— Você não faz ideia de com quem está lidando — avisa, o queixo erguido, jogando o
cabelo para trás.
— Ah, não, você não sabe com quem você está lidando — devolvo, meu tom suave com um
perigo que ela não consegue, não pode entender. — Você deveria rezar a Deus para que minha
bondade e paciência não acabem, ou eu vou matar você.
— Lembre-se apenas de que ofereci ajuda para você acertar — diz, rancorosa, ficando de
pé.
— É melhor que você acredite que, quando estou fodendo com o seu ex-marido — digo a
ela —, essa é a última coisa que temos em mente. Agora desapareça da minha frente, do meu
escritório e fique fora do meu caminho.
— Não deixarei você arruinar as coisas para nós — garante, a voz veemente.
— Você já arruinou — afirmo, com pena.
E tenho mesmo pena dela. Eu me odiaria se perdesse um homem como Kenan, perdesse
uma vida com ele. Desespero a toma, e pergunto-me se ela o traiu e depois acordou como se fosse
um sonho, percebendo o que fez. O que perdeu e desperdiçou.
Ela me encara, depois olha as flores uma vez mais. Algo surge em seus olhos e a fachada
desliza. Ela pisca os olhos azuis brilhantes, vira e sai.
Estou encostado no “tanque”, como Lotus chama minha caminhonete, quando ela sai de
dentro do prédio. Todas as tranças finas e individuais estão unidas e presas em duas mais grossas.
Ela parece uma garotinha, exceto por aquela bunda, aqueles peitos, os lábios e todas as outras partes
dela.
Então é só o cabelo mesmo.
Abro o lado do passageiro, mas, quando ela passa por mim para entrar, agarro seu
cotovelo gentilmente e viro-a para que suas costas estejam contra a porta aberta. Apoio os braços no
carro, acima da cabeça dela, inclinando-me para baixo.
— Oi — falo a palavra em tom baixo e inclino-me para beijar a linha de sua mandíbula.
— Oi, você — diz, com um pequeno sorriso. Moldo a mão em sua cintura, o polegar
roçando levemente a parte inferior do seu seio. — Kenan — chama, sem ar. — Não consigo pensar
quando você me toca assim.
Deslizo as mãos para dentro do bolso.
— Olha. — Inclino-me para a frente, pairando sobre seus lábios. — Nada de mãos.
Com o beijo, nossos lábios são o único ponto de contato, nossas bocas ligadas por um
único fio de luxúria. Nossos gemidos se encontram e sincronizam. Centímetros nos separam. Meus
braços não a envolvem, mas a paixão apenas dos nossos lábios e línguas queima o espaço entre nós,
assim eu sinto cada centímetro dela.
— Aqui fora não — diz suavemente, triste, depois de alguns segundos, e se separa.
Ela está certa. Já tenho a Bridget procurando hashtags no Instagram. Não preciso que
alguma foto surja e torne as coisas mais complicadas com a Simone antes do que elas devem ser.
Estou com medo de falar com a Lotus sobre isso, mas ela precisa ser avisada sobre o que aconteceu
na sessão de aconselhamento com a Bridget. Não espero que haja drama, mas nunca dá para saber
com a minha ex.
Pressiono a testa na dela por um breve momento, mas não consigo resistir a roubar outro
selinho rápido em seus lábios. Tenho pensado nisso o dia inteiro. Merda, tenho pensado em beijar a
Lotus de novo desde que nosso último beijo terminou.
Ela devolve o selinho. Nossas bocas não se abrem. Nossas línguas não se enroscam. Mas
essa simples pressão parece incrível, como se houvesse algo que trocamos mesmo em um toque tão
casto.
Fecho a porta do passageiro quando ela entra e subo no assento do motorista.
— Meu chef entregou o jantar lá em casa — aviso a ela, entrando na rua ao lado do ateliê.
— Não iria submetê-la à minha culinária.
Ela inclina a cabeça, mordendo a curva do lábio inferior.
— Kenan, tem uma coisa que preciso dizer.
Endureço e minhas mãos se apertam no volante com o tom sério da sua voz.
— Isso nunca é bom — murmuro. Parando em um sinal, viro-me para estudar seu perfil. —
O que é?
— Bridget veio ao estúdio hoje.
— Bridget? Minha ex? — Choque e fúria se misturam dentro de mim. — Veio ao seu
trabalho? Que inferno?
— Exatamente. Fomos avisados de que um reality show queria vir. Não é incomum.
Produtores estão sempre procurando por cenários legais para os dramas que os elencos precisam.
Felizmente, meu drama com a Bridget ficou só entre nós. Ela não trouxe nenhuma câmera ao meu
cubículo.
Centenas de cenários correm pela minha mente, nenhum deles fazendo sentido. A cada
segundo a chama da minha raiva aumenta, até que eu esteja cozinhando.
— Verde.
— Oi? — Viro os olhos cegos para ela. — O quê?
— O sinal ficou verde.
Uma buzina atrás de mim me tira do meu estupor raivoso.
— Droga. — Avanço, tendo dificuldades para não liberar minha raiva no carro. Quero
afundar o acelerador, canalizar toda a potência que não permito a mim mesmo de liberar em Bridget.
— Sinto muito, Lotus. O que ela falou?
— Ela me acusou de estar fodendo com o marido dela e ofereceu me ensinar como você
gosta que chupem seu pau.
Um rosnado ressoa na minha garganta.
— O que mais? — pergunto, com uma calma que estou longe de sentir. — E o que você
disse?
Lotus abre a boca, fecha novamente e olha pela janela.
— Lotus? O que mais? Preciso saber.
— Ok, droga — fala a contragosto. — Eu disse que, quando eu fodo com o ex-marido dela,
ela é a última coisa na nossa mente.
Suas palavras pousam feito uma mão no meu pau. Como não pousariam? Fico em silêncio,
marinando os pensamentos com as imagens que suas palavras evocam.
— Kenan, você ouviu o que…
— Sim, ouvi. — Lanço um olhar, metade luxúria, metade risada, para ela no assento do
passageiro. — Ouvi alto e claro. Quando fodermos. Entendi.
— Sinto muito se falei a coisa errada.
— Hm, não. — Bato os dedos no volante inquietamente. — Acho que foi… tudo bem. O
que você disse.
— Eu não podia deixar que ela…
— Claro que não.
— Mas deixei que ela pensasse que nós já… você sabe. Fomos ativos.
— Você fez soar como um check-up em uma clínica de saúde — digo, com um sorriso
malicioso. — Então, diga, Senhorita DuPree, você e o Senhor Ross ficaram ativos?
— Bem, eu não quis dizer a ela que não faremos sexo por um bom, bom, bom…
— Sério? — Aperto a ponte do nariz. — Tantos bons assim?
Ela joga a cabeça para trás e dá uma gargalhada.
— Você é maligna. — Rio, negando com a cabeça e entrando no estacionamento do meu
prédio.
— Engraçado. Em seu bilhete hoje parecia que você gostava bastante de mim. — Sua
mãozinha se curva ao redor da minha no console entre nós. — Obrigada pelas flores e pelo bilhete.
Fez meu dia.
— Isso depois que minha ex-esposa o destruiu.
— Ah, não. — Lotus nega com a cabeça. — Ela não tem tanto poder sobre mim.
Ficamos bem quietos uma vez que estamos dentro do prédio e mantenho distância até que
adentramos no elevador privativo que leva para o meu apartamento. Quando as portas se fecham,
puxo-a para mim.
— Oi de novo. — Inclino-me para baixo e abro seus lábios, depois deslizo para dentro
para prová-la. Meu Deus, tão doce. Ela se ergue na ponta dos pés; agarro sua bunda e levanto-a.
— Kenan. — Ela ri em nosso beijo. — Coloque-me para baixo.
— Por quê? Eu levanto mais peso no supino do que o seu, todo dia.
— Exibido — fala, a boca curvada com um sorriso feliz.
— Tenho que encontrar alguma forma de impressionar você.
Ela descansa os cotovelos nos meus ombros e acaricia minha nuca. Ainda está suspensa no
ar.
— Você me impressionou desde o começo — diz.
— Ah, foi? — Coloco-a de volta no chão quando as portas se abrem em meu andar, pego
sua mão e caminho para o meu apartamento. — Foi por isso que você estava sempre ansiosa para
sumir quando víamos um ao outro nos últimos dois anos?
Seu sorriso desliza, depois desaparece.
— Suspeitei que isso poderia acontecer. — Ela indica nós dois com as mãos. — E não
achava que era uma boa ideia.
— Por quê? — Levo-nos para dentro do meu apartamento e imediatamente puxo-a para
perto. Ela se aconchega no meu ombro, como se sentisse minha falta tanto quanto eu, de forma
irracional, sinto a dela. Tudo fora de proporção para o tanto de tempo que nos conhecemos. Além
dos poucos beijos que compartilhamos. — Por que você não achava que era uma boa ideia? —
pergunto novamente.
Ela passa os braços ao redor da minha cintura e apoia a cabeça no meu peito.
— As mulheres da minha família se fazem de bobas com os homens — conta, sua voz é
uma confissão. — Elas deixam homens influenciá-las. Arruiná-las. Não quero isso.
Beijo o topo da sua cabeça e puxo-a para alguns centímetros mais perto.
— Não quero arruiná-la ou fazê-la de boba. Sei como é o sentimento.
— Sei que você sabe. — Lança um olhar para mim, seus olhos tão reservados quanto
vulneráveis. — Esse foi o motivo de eu ter decidido beijá-lo no Brooklyn.
— Qual motivo?
— Você tem tanto a perder quanto eu; vai saltar tão alto para confiar quanto eu. — Ela
encolhe os ombros. — Talvez eu esteja me enganando, porque estou cansada de resistir à atração,
mas foi isso que eu disse a mim mesma antes de beijá-lo.
Assinto, pensando que essa possa ser a única vez que a merda para a qual Bridget me
arrastou funcionou a meu favor. Pego a mão da Lotus, coloco sobre o meu peito e cubro com a minha,
escondendo a dela completamente. Ela é tão pequena, mas não é frágil. Se estou usando uma das
histórias da Bíblia da MiMi que até eu conheço, Lotus é a pedra que Davi jogou para derrotar
Golias. Talvez eu não seja o gladiador, afinal, mas o Golias. Estou caindo? Caindo por uma pedrinha
que me acertou bem no meio dos olhos.
— Vamos comer — sugiro, depois de alguns minutos assim.
Entramos na sala de jantar, onde o chef deixou a comida em aquecedores de alimentos.
— Lugar legal — ela fala, examinando o apartamento de planta aberta e sentando em uma
cadeira.
— Não posso levar muito crédito. Já veio mobiliado. A única coisa que realmente
adicionei foi minha própria banheira de gelo.
— Banheira de gelo?
— Tomo banhos de gelo depois de todos os jogos e treinos mais pesados. Ajuda na
recuperação. Instalei uma para quando eu estiver aqui.
Pressiono alguns botões na parede e uma música, In a Sentimental Mood, soa no cômodo.
Parte da tensão que vinha carregando nos ombros desde que Lotus me falou sobre Bridget se desfaz.
Cada nota do saxofone de John Coltrane encontra um nó no meu pescoço e rola por cima dele
precisamente e com a quantidade certa de pressão.
— Na verdade, eu reconheço essa — Lotus comenta, apoiando o queixo na mão.
— Ah, é? — Sirvo uma porção de frango grelhado e vegetais no prato dela e uma porção
maior no meu. Coloco os dois na mesa e aceno para ela começar. — Vá em frente.
— Sim. É da trilha sonora de Uma loucura chamada amor — diz, e desliza uma garfada
de cogumelos e aspargos na boca.
Quase cuspo minha água no meio de um gole.
— Uma das melhores músicas do último século, do John Coltrane, um gênio, e o que você
tem de contexto para ela é um filme?
Ela ri e encolhe os ombros, provocando-me com o olhar, dando outra mordida.
— Espera — peço. — Você está me zoando?
Ela espreme o olhar e faz um gesto com o polegar e o indicador, deixando pouco espaço.
— Talvez um pouquinho.
Essa é só a pontinha do humor afiado da Lotus.
Ela me mostra muito mais disso pela próxima hora. Falamos tanto durante do jantar que
minha comida fica fria, negligenciada por eu estar absorto na maneira como ela pensa, na forma
como dá opiniões. A noite inteira flui com facilidade de um tópico ao outro. Nossa conversa muda
sem esforço de filmes, passando por música, até política. Não estamos alinhados em todos os pontos,
mas ouvir como ela chega às suas opiniões é tão satisfatório quanto compartilhá-las. Coltrane dá
lugar para Chet Baker e seu Funny Valentine. No momento em que chegamos ao sofá, Miles Davis
assume o centro do palco e caímos em silêncio, eu sentado no canto e ela agarrada a mim, os joelhos
dobrados debaixo do corpo.
— É essa — digo a ela quando It Never Entered My Mind começa.
— Sua música favorita? — sussurra, como se tivesse medo de interferir com seu diálogo
entre o homem e seu instrumento.
Assinto, ouvindo-o não neste cômodo, mas nas paredes cheias de livros do escritório do
meu pai naquela primeira vez; sentado com ele, escutando enquanto ele revisava seu material para os
casos do tribunal e eu fazia meu dever de casa.
— Era a favorita do meu pai também.
Seus olhos se enchem de compaixão por mim.
— Você sente falta dele.
Engulo, surpreso pela queimadura na minha garganta. Deve ser por me lembrar dele com
essa música tocando, rememorando sua natureza contemplativa e a forma como apreciava coisas
bonitas. Como passou ambas as coisas para mim.
— É. Eu sinto — respondo, depois de alguns segundos. — Você acha que está bem, mas
aí…
Ela assente contra meu ombro, mordendo os lábios e apertando o tecido da minha camisa
em seu punho.
— Penso na MiMi quase todo dia — diz. — Nem sempre de forma triste. Coisas boas
também. Algo que ela me disse, me ensinou. Uma receita. Um padrão de costura. Eu costumava lutar
contra as memórias dela porque machucam, mas percebi que era como se ela batesse à minha porta e
eu não a deixasse entrar. — Dá de ombros, o brilho das lágrimas em seus olhos escuros. — Ela
sempre me deixava entrar. Não pensar nela seria como me esquecer de partes existentes de mim. As
melhores partes.
— Nunca pensei dessa forma. — Beijo o topo de sua cabeça e puxo-a para mais perto. —
Quero que conheça minha mãe. Ela não está lidando bem com isso. Acho que vai gostar de você.
Ocorre-me, assim que digo, que pode ser um pouco além. Que ela pode pensar que já
quero que ela conheça minha família e que isso é rápido demais.
Ela sorri, piscando para afastar suas últimas lágrimas.
— Seria legal.
Devolvo seu sorriso, feliz por não sentir que isso é um problema para ela.
— E você vai poder conhecer minha irmã Kenya na próxima semana. Ela mal pode
esperar.
— Você falou sobre mim para ela? — Surpresa colore sua voz e o olhar que ela lança para
mim.
— Só que havia alguém que eu gostava.
— Tentei fazer isso com a Iris, mas agora ela sabe que é você — Lotus fala, sua risada
ressoando no meu peito. — Ela andou me perseguindo.
— Meu Deus, o August é igualzinho.
— Por que eles estão tão obcecados com a gente?
— Não é? Você falou com ela sobre nosso primeiro beijo? — pergunto, esperando
desconcertá-la. Ela pisca algumas vezes, mas, por outro lado, não parece surpresa ou afetada.
— Não — responde, fazendo um pouco de beicinho.
— E sobre o nosso segundo? — insisto, sorrindo mais abertamente. — Falou com ela
sobre o Brooklyn?
— Não, tenho sido meio protetora disso, de tudo isso, e não quero tanta intromissão, acho.
Estou testando meus instintos e limites. Isso soa estranho.
— Não, mas isso me faz questionar. — Mexo-me para poder alcançar seus lábios quando
eu estiver pronto. — Você vai falar para ela sobre este beijo?
— Que beijo? — sussurra, seus olhos correndo para minha boca.
Pressiono a minha na dela, provocando sua língua para brincar com a minha, e seu suspiro,
seu gemido e os sons que ela faz disparam pelo meu sangue. Sento-me, puxando-a para o meu colo
pela coxa fina coberta de jeans; depois a outra cai do outro lado do meu quadril. Ela volta, abrindo
minha boca com a sua, enfiando a língua com agressividade. Deslizo as mãos por baixo da fina regata
e exploro suas costas sedosas. Ela move o quadril por cima de mim e nós dois ofegamos.
— Faça de novo — ordeno com a voz rouca.
Ela obedece, movendo-se contra mim e arrancando um gemido da minha garganta. Envolve
os braços no meu pescoço e despeja beijos pelo meu queixo, maçã do rosto, nariz. São ternos e
doces, mas também quentes pra caralho.
Nem mesmo percebo que minhas mãos se moveram para a bunda dela e que guiaram seu
quadril para um passeio constante que a deixou arfando e o meu pau duro dentro do jeans. Seus
gemidos ficam mais altos, seus gritos harmonizam com as notas que saem dos trompetes de Miles
Davis. Ela está perto. Meu Deus, ela vai gozar. Afasto-me o suficiente para vê-la, preso no jogo de
emoções, na fome, na sua boca aberta, na cabeça caída para trás.
E então ela para.
— Kenan — suspira meu nome, os olhos bem fechados. — Ainda estou sem pau.
Sento-me perfeitamente parado e obrigo meu pênis a encolher até seu tamanho normal.
Forço minha respiração a normalizar.
Ficamos parados como crianças esperando um temporal passar, só que nós somos o
temporal. Esse sentimento entre nós é uma tempestade e não tenho nenhum desejo de procurar abrigo.
Quando ela me beija, eu me esqueço de tudo e fico debaixo da chuva.
— Obviamente, estou atraída por você. — Ela solta uma risada, nega com a cabeça e
abaixa os cílios. — Mas há algumas coisas em que ainda estou trabalhando. — Lança um olhar para
estudar meu rosto. — Está bravo comigo? — pergunta. — Por ter te deixado assim?
Passo o polegar pelos seus lábios inchados de beijos.
— Não sou um adolescente. Se eu não puder parar quando me pede sem ficar bravo com
você, não deveria beijá-la. Você está sem pau até segunda ordem. Esse é o acordo, e eu estou de boa.
Ela deixa a testa cair no meu queixo e acena, mas desliza a mão para minha nuca, passando
os dedos para cima e para baixo, como se estivesse acalmando um animal. Do jeito que minhas
emoções e hormônios estão rugindo, isso não é muito distante da realidade.
— Você sente cócegas? — questiono, precisando de uma distração da maneira como meu
corpo ainda queima e meu sangue ainda corre.
Sua cabeça se ergue e ela abre um sorriso largo.
— Não mesmo.
— Mentirosa.
Apoio suas costas no sofá e faço cócegas em suas laterais. Seus gritos abafam os primeiros
acordes de Sarah Vaughn. Depois de vários minutos de luta livre e cócegas, e de quase ter ficado
excitado novamente, ela para, respirando com dificuldade.
— Tenho que ir. Vou acordar muito cedo e sair muito tarde amanhã — diz. — Temos
provas de roupa e um monte de outras coisas para fazer conforme vamos nos aproximando da
Fashion Week.
Concordo, bem mais desapontado por ela ir embora do que por não transar hoje à noite.
Estou com tesão? Ah, estou sim. Provavelmente darei uso extra para a banheira de gelo em um futuro
próximo, mas honestamente ficaria feliz de apenas tê-la aqui ao meu lado, Miles no repeat, falando e
fazendo cócegas. Odeio que ela tenha que ir.
— Eu poderia pegar o trem para casa, sabe? — diz no elevador, que desce para o saguão.
— Faço isso o tempo inteiro.
Não justifico isso com uma resposta, e mantenho os olhos nos números acesos.
Não conversamos muito no caminho, mas tudo bem. Ela alcança minha mão, brinca com
meus dedos, estica-se para descansar a cabeça no meu ombro. Quando paro em frente ao seu
apartamento, ela insiste que eu não estacione nem saia.
— Isso significa que você terá que me beijar aqui então — digo a ela.
O beijo esquenta rápido, ardente, chiando no banco da frente, até que ela sobe no meu colo.
Seu quadril está girando. Estou me impulsionando para cima. Estamos compartilhando respirações
afiadas e quentes, arranhando as roupas um do outro. Se não pararmos, vou fodê-la no banco de trás
do carro, em frente ao seu prédio.
Afasto a boca, enterrando a cabeça no arco da sua garganta.
— Lotus, temos que parar ou eu… — Seguro sua cabeça nas mãos e viro o rosto para a
linha da sua mandíbula, deixando beijos seguros lá.
— Eu sei. — Ela assente e se esconde no meu pescoço.
Rasteja estranhamente para o lado do passageiro, pega a bolsa e sai, sem esperar que eu
abra a porta. Ela se vira para sair, mas volta, inclinando a cabeça para dentro da janela aberta.
— O que vai fazer sobre a Bridget? — pergunta.
Lotus disse que Bridget será a última coisa na minha mente quando fodermos, mas ela já é.
Não tinha pensado nela a noite inteira, mas sei que terei que lidar com a situação.
— Vou cuidar disso — digo, a voz tranquila, mas minha decisão é firme. Bridget arruinou
as coisas para mim por vezes demais. Ela não irá arruinar isso.
Inclino-me por cima do console e Lotus me encontra na metade do caminho, enfiando a
cabeça dentro do carro para um último beijo doce.
Vou cuidar de você.
— Então, quando vou conhecê-la?
— Conhecer quem? — pergunto para minha irmã distraidamente, parando na calçada para
olhar o espaço comercial para alugar. — Esse lugar é legal, mas o Soho não é o certo para a Faded.
— Não. — Kenya pressiona o rosto na janela, olhando para dentro. — Brooklyn, Queens,
Harlem, tanto faz. Um desses. Mas não evite a pergunta. Perguntei quando vou conhecer a garota que
você não consegue parar de falar.
— Quem? Lotus? — Lanço um olhar de dúvida para ela. — Eu praticamente nem a
mencionei.
— É? — Kenya volta a andar ao meu lado. — Então, como eu sei que ela trabalha para a
JPL Maison, nasceu em Nova Orleans e costura? Ah, e que ela gosta de rap murmurado. Que tem uma
tatuagem da flor de lótus em volta do umbigo e…
— Ok. Talvez eu tenha compartilhado alguns detalhes. — Lanço um sorriso para minha
irmã. — E ela só finge que gosta de rap murmurado para me irritar.
— Bem, estarei na cidade até amanhã, então preciso conhecer essa mulher que te levou
para o mau caminho.
— Ela não me levou para o mau caminho — zombo. — E você a conhecerá no jantar hoje à
noite.
— E como estão as coisas com a Bridget, desde que ela apareceu lá toda armada? —
Kenya dá um sorriso pretensioso. — Aparecer no local de trabalho da garota assim é o básico do
manual da vadia.
— Não estamos exatamente nos melhores termos. — Faço uma careta. — Não foi bonito
quando a confrontei; e ela tentou mentir, dizer que foi uma coincidência. Disse a ela que, se continuar
se metendo na minha vida, haverá consequências.
— Dinheiro?
— É a única vantagem que eu tenho sobre ela agora — digo. — Pago duas vezes o que
nosso acordo estipula, além da pensão. As necessidades da Simone estão mais do que cobertas. Todo
o resto é uma grana fácil, mas uma grana fácil que a Bridget gosta. Veremos se funciona.
— Espero que sim. — Keny olha para baixo, no telefone. — Ei, chegamos.
Atravessamos a rua e entramos na galeria. A Gilded Bean ostenta um espaço arejado, cheio
de pinturas, fotografias e esculturas.
— Legal, né? — Kenya pergunta. — Minha treinadora confia totalmente neste lugar. Ela
conseguiu todas as suas obras de arte aqui. E eles entregam fora do Estado.
— Vamos ver se há algo que você goste.
Amaria comprar algumas coisas para ela, mas minha irmã é tão orgulhosa quanto eu.
Talvez mais. Ela faz uma grana decente, mas eu ganho mais por um jogo do que ela recebe a
temporada inteira. Realmente preciso abordar o aumento salarial das mulheres no próximo encontro
da Associação dos Jogadores aqui em Nova Iorque. Fui eleito para o comitê executivo três anos atrás
e tem sido uma das minhas coisas favoritas aqui na liga. A maioria dos meus heróis, que veio antes
de mim, serviu na mesma função. Foi Oscar Robertson quem negociou o agenciamento gratuito para
os jogadores quando a NBA e a ABA se uniram. Ainda estamos nos beneficiando do seu trabalho.
Eu mesma sou fã de um Big O.
A piadinha da Lotus no nosso dia no Harlem se repete na minha mente, fazendo-me sorrir e
balançar a cabeça. Isso vem acontecendo bastante. Não temos conseguido passar tanto tempo juntos.
Ela teve que acompanhar o JP em Milão inesperadamente, o que é uma droga. Chegou em casa na
noite passada e estamos tentando nos organizar para que conheça a Kenya hoje à noite.
— Sua garota curte hip hop? — pergunta, mandando uma mensagem, sem erguer os olhos
do telefone.
— Sim. Por quê?
— Vai rolar um show. Talvez possamos ir depois do jantar. — Ela olha para mim, mas algo
por cima dos meus ombros prende sua atenção. — Cara, aquilo ficaria bom na minha parede. Merda,
ficaria bom na parede de qualquer um.
Olho por cima do ombro para ver o que é tão bom e paro, o meu sangue congelando,
depois fervendo em minhas veias. Cruzo a galeria com rápidas passadas para me unir a um pequeno
grupo parado na base de uma foto que deve ter sido ampliada para 1,80m de altura, presa a uma
parede.
É uma mulher.
A figura esguia está aninhada no canto de um assento próximo a uma janela. Suas pernas
finas, suaves e bronzeadas como cobre estão ligeiramente abertas. Sua cabeça, envolta por uma
cabeleira caramelo de cachos selvagens e espirais, está jogada para trás, expondo os músculos
elegantes de sua garganta e um pedaço de osso, sua clavícula, tatuado com algumas palavras. Ela está
usando uma camisa masculina branca, desabotoada, aberta, as pontas penduradas em cada lado das
coxas tonificadas. Um seio está parcialmente coberto pela camisa, mas o outro está exposto; aquela
parte do tecido caindo dos seus ombros e correndo pelo braço. Um pequeno piercing dourado de
barra perfura o mamilo rechonchudo cor de cereja, pendurado como uma fruta pesada de uma vinha.
O começo de uma tatuagem que atinge o topo das suas coxas aparece por baixo da barra da camisa.
Sua boceta está nas sombras, mas é óbvio que ela não está de calcinha, e sua barriga
levemente musculosa se eleva por cima do colo, decorada com uma flor aberta ao redor do umbigo.
Sua mão, mole ao seu lado, está adornada por um anel prateado e tatuagens de luas em três dedos.
Meus olhos seguem a linha do seu joelho, passando pela panturrilha, para os ossos bem trabalhados
do seu tornozelo. O esmalte preto nas unhas dos pés está levemente lascado, um detalhe íntimo e
sincero, como todos os outros detalhes íntimos e sinceros que ninguém na porra desta galeria deveria
estar colocando os olhos.
Fecho os olhos com força, de primeira bloqueando a imagem, mas também gravando-a por
trás das pálpebras para mais tarde. Para sempre. Quero arrancar da parede e queimar. Quero levar
para casa e acordar vendo-a todos os dias. Minha mandíbula dói com a força dos dentes cerrados.
Minha mão se abre e se fecha, formando e liberando um punho.
— Belas tetas, né? — Um cara com entradinhas recentes no cabelo me cutuca com o
cotovelo e compartilha um sorriso maroto.
Agarro seu braço e aperto. Ele grita, e Kenya arranca meus dedos do seu cotovelo.
— Que inferno, Kenan! — reclama, dando um olhar de desculpas para o homem que está
esfregando o cotovelo, fúria e medo em seu rosto. — Meu irmão tem, hm… TEPT. Sinto muito.
— Desculpe — murmuro. — Eu não queria…
— Sem problemas — ele diz apressadamente, andando para longe e jogando palavras de
despedida por cima do ombro. — Obrigado por servir.
— Servir? — pergunto, perplexo. — O que ele…
— De nada — Kenya solta. — Melhor ser um veterano problemático do que um jogador da
NBA que ele poderia processar por agressão. Cara, o que há de errado com você?
Olho de volta para a foto.
— Isso? — Ela aponta para a parede. — Esse negócio com nome de Lo?
— Não é um negócio com nome de Lo — solto. — É ela.
— Oi? — Seu rosto se enruga com uma carranca, depois se estica com a percepção. Ela
olha de volta para a parede. — Lo? Essa é a Lotus?
Um cara ao nosso lado tira uma foto da imagem em seu telefone. Antes que eu possa pegar
o aparelho e esmagar, uma mulher de óculos se aproxima para abordá-lo.
— Nada de fotos. — Aponta para uma placa a alguns passos de nós. — Por favor, me
mostre seu telefone. Preciso ver se deletou a foto que tirou.
Assisto com raiva e frustração, segurando minha língua até que ela termine.
— Quanto? — pergunto assim que o cara se afasta.
— Desculpe? — Ela se vira para mim com um sorriso educado, mas seus olhos brilham
com avareza por trás dos óculos sem aro. — Pela Lo, você quer dizer?
— Pelo quadro, sim.
— Só faz dois dias que está na galeria — diz. — E já tivemos muitos pedidos. Vai custar
um bom preço. Está…
— Não está à venda — uma voz masculina, semifamiliar, solta por trás de mim.
Quando me viro e Chase está parado lá, eu quase pulo em seu pescoço. Ele e eu nos
encaramos, desgosto cintilando no ar como ondas de calor subindo do asfalto.
— Quanto é essa aqui? — Aponto para o quadro à esquerda da Lo.
— Seis mil — responde, com um sorriso pretensioso.
— E essa daqui? — Aponto para a foto à direita.
— Essa é uma pechincha, cinco mil e quinhentos — fala.
— E aquela lá? — Indico a parede atrás de mim, nem mesmo olhando para o que está lá.
— Qualquer que seja a que você diga — começa, os olhos brilhando com malícia —, todas
têm uma etiqueta de preço, exceto essa.
— Sete mil — ofereço, nivelando meu tom, controlando minha raiva.
— Não — decreta, a mandíbula formando um ângulo da sua teimosia.
— Dez mil.
— Eu disse não.
— Quinze mil — lanço, a pouca paciência que tive com esse filho da puta sumindo
completamente.
— Kenan — minha irmã sussurra. — Deixa pra lá.
— Vinte mil dólares — ofereço novamente, meus olhos fixos em Chase.
— Já falei, ela é minha. — Seu sorriso me provoca. — Você pode ver por que eu não
abriria mão dela.
— Hum-hum — a atendente da galeria limpa a garganta. — Senhor Montclair, certamente
podemos...
— Não — ele a corta, sem tirar o olhar de mim. — Minha.
Nem mesmo percebo que dei os três passos que nos separavam até que estou bem na cara
dele, pairando acima, e Kenya tem de me puxar para longe pelos ombros.
— Nós entendemos — avisa, com um sorriso tímido. — Meu irmão é um… colecionador.
E tem procurado por algo assim. Adeus.
Ela me arrasta para fora da galeria e eu puxo uma grande quantidade de ar fresco para
encher os pulmões, limpando um pouco da névoa vermelha em minha visão.
— Você perdeu a porra da cabeça? — exige Kenya, uma vez que estamos a alguns passos
da galeria.
— Isso… — Hesito, fúria pulsando em meu sangue. — Ele a colocou lá em cima para todo
mundo ver. Ele não deveria… Ele não tem o direito.
— Ela deve ter dado permissão, Kenan — pontua. — Deve querer que isso seja visto. Não
é tão ruim. Só dá para ver o seio dela.
Minha irmã não entende. Ninguém entende. Odeio que as pessoas a vejam assim. Odeio
que ele a tenha visto assim. Lotus me disse que eles costumavam foder. Entendo isso de forma
racional, mas aquela foto transmite uma intimidade que ele não merecia com uma mulher de quem não
era digno.
— Ken, eu preciso, hm… Eu tenho algo para fazer — digo a ela, deixando um beijo em sua
testa. — Tudo bem?
— Sim — responde, preocupação no rosto. — Mas controle-se antes de falar com ela.
Kenya está certa. Se eu ver a Lotus agora, deste jeito, vou ferrar alguma coisa. Mas vê-la
sendo mostrada daquela maneira, ouvir Chase se gabar a seu respeito, ele ter me negado dessa
forma… como não ir até lá?
— Ah, então você está aqui vivendo o melhor da vida, né?
A pergunta em tom de piada da Yari atrai minha atenção para longe da amostra que estou
verificando com uma das nossas costureiras.
— Me dá um segundo — peço a ela, sorrindo e dando as costas para voltar para a
costureira. — O bordado vai aqui. — Corro a unha pelo cós da saia.
— Mas não ver? — pergunta, o inglês falhando e o rosto confuso.
— Camisa curta. — Desenho uma linha imaginária debaixo dos meus seios. — Vai dar
para ver o bordado na saia, porque a camisa será mais curta.
— Aaah. — Ela oferece um sorriso exultante de compreensão e caminha de volta para a
máquina de costura Juke, que é padrão aqui no estúdio. Prefiro a minha boa e velha Singer lá de casa.
— Do que você está falando, Ri? — pergunto, apoiando a bunda contra uma das mesas de
costura.
— Veio voando de Milão? — Ela acena na minha direção. — Look perfeito. Maquiagem.
— A maquiagem e o vestido eram para o lançamento da CFDA[12] que o JP me pediu para
ir com ele. — Puxo a seda pegajosa para longe do meu corpo e deixo se soltar de novo. — Acredite
em mim, estou prestes a colocar algo mais confortável para conseguir fazer meu trabalho.
— Aaah, amei o vestido — Billie elogia, cruzando a sala em nossa direção. — Primavera
do ano passado?
Assinto. Foi um dos meus favoritos. Seda laranja queimada, sem alças, acinturado, fluindo
pelo meu corpo dos meus seios aos joelhos, alargando-se na bainha. Finalizamos o look com um
salto agulha cravejado de strass dourado, que está me matando.
— O cabelo também — Yari interrompe. — Ainda não tinha visto você usar platinado sem
as tranças.
Toco a nuvem enorme de cachos que, com a umidade, vai ficar ainda maior. Tirei as
tranças, mas mantive a cor.
— Ideia brilhante do JP — digo, seca. — Experimentando, como ele diz.
— Agora que você voltou — começa —, Billie e eu estávamos pensando se podemos ter
um momentinho de BFFs. Que tal uma noite de filmes no nosso apartamento? Estava pensando que já
faz muito tempo que não vemos Pantera Negra.
— De novo? — Billie questiona baixinho.
— Wakanda pra sempre — Yari grita, cruzando os braços sobre o peito na saudação do
Pantera.
Repito o gesto, rindo.
— Mas Wakanda terá que esperar, porque eu tenho planos.
Com o Kenan, cantarolo em minha mente.
Eu não queria sorrir, mas até pensar no nome dele me deixa cheia de sentimentos. Quando
cheguei em casa do aeroporto na noite passada, eu tinha uma entrega. Não havia remetente, mas eu
sabia exatamente quem tinha mandado. Reconheci o praticamente ilegível garrancho e as batidas do
meu coração aumentaram quando abri.

“Não há mais ninguém, só você. Minha amiga, minha igual.”


Cântico dos Cânticos 5, 2.

Enfiei o cartão na bolsa que trouxe hoje, e provavelmente já li umas vinte vezes.
— Que planos? — Billie encosta o quadril na mesa de costura. — Esses planos não
calham de serem com Kenan Ross, né?
Meu sorriso desliza e olho de uma amiga para a outra, perguntando-me quanto digo a elas.
Não tenho tentado esconder as coisas de propósito, mas não falei sobre como nosso relacionamento
progrediu. Não falei que beijei Kenan… algumas vezes. Não contei que agora somos mais que
amigos.
Ok. Talvez eu tenha escondido coisas de propósito.
— Se você não quer Kenan Ross — avisa Yari, com um dar de ombros —, vou assumir
que ele está livre e investir. Parece que ele gostaria de uma amante latina.
— Vaca, nem começa — devolvo, com um sorriso mortal.
— Agora estamos chegando a algum lugar. — Yari ri. — Vamos lá. Conta pra gente.
Puxo uma respiração profunda, exalo e olho ao redor para as costureiras, todas de cabeça
baixa, parecendo absorvidas nas tarefas.
— Ok, estamos vendo um ao outro — revelo, baixo o suficiente para apenas nós ouvirmos.
— Isso! — Yari ergue o punho, comemorando. — Bill, você me deve cinco pratas.
— Apostamos quanto tempo levaria — Billie admite, procurando dentro do bolso e
entregando uma nota de cinco para a Yari. — Ela disse antes da Fashion Week. Eu disse depois.
Droga. Achei que você fosse se segurar durante o verão.
Minha boca cai, aberta, e lanço um olhar surpreso entre as duas.
— Vocês dois estão obviamente interessados um no outro — explica Yari, guardando a
nota. — Era apenas uma questão de tempo.
— É, bem, por favor, não falem com ninguém sobre isso, meninas — peço, entrelaçando as
mãos debaixo do queixo. — Não estamos exatamente nos escondendo, mas temos sido bem discretos.
A ex dele está enlouquecendo e dificultando as coisas, especialmente com a filha. Os dois estão
planejando dizer que ele está saindo com alguém no próximo aconselhamento familiar, na segunda.
— Boca fechada — Billie afirma, correndo um zíper imaginário por cima da boca.
— Trancada — confirma Yari. — Mas você vai nos manter atualizadas? Só queremos ter
certeza de que você está feliz, Lo.
— Eu estou. — Mexo com a corrente fina em volta do meu pescoço. — Ele é muito bacana
e lida bem com o fato de eu precisar levar as coisas lentamente.
— Significa que você continua sem pau? — questiona Billie.
— Continuo. — Torço os lábios. — Estou trabalhando em algumas coisas.
— Nós somos loucas — reforça Billie, observando-me atentamente. — Mas você sabe que
estamos por aqui se precisar de nós, certo?
— Eu sei.
Além da MiMi e da Iris, só falei com a Marsha sobre o que aconteceu anos atrás. Talvez
contar para minhas amigas seja o próximo passo.
— Eu, hm, tenho frequentado um grupo de apoio para sobreviventes de abuso sexual
infantil. — Minha voz, embora suave, soa como uma bala em uma sala silenciosa.
— Merda — Billie murmura e segura minha mão. — Lo, sinto tanto.
— Está tudo bem. Eu estou bem, ou pelo menos chegando lá — digo ironicamente. — Até
agora, só ouvi outras mulheres, mas já falei com a líder do grupo. Acho que está ajudando.
— Então toda a coisa da pausa sexual… — Yari franze o rosto e segura minha outra mão.
— É, é complicado. — Solto uma respiração rápida. — Mas estou resolvendo minhas
merdas.
— Quando quiser conversar — começa Billie —, estamos aqui.
— Sei disso. — Assinto, grata por tê-las. — Sejam apenas pacientes comigo. Vou chegar
lá, mas, por enquanto, pelo menos vocês sabem. — Olho para minhas duas melhores amigas, afeto
profundo momentaneamente preenchendo a dor em meu coração. — Amo vocês, garotas.
— Nós também te amamos — Yari diz, passando um braço em volta dos meus ombros. —
Venham aqui, de verdade.
Nós nos agrupamos rapidamente em um apertão a três que me faz segurar as lágrimas.
Meu telefone toca na bolsa atrás de mim, em cima da mesa. Desvencilho-me das minhas
garotas para atender. Quando o nome de Kenan surge na tela, não consigo esconder um sorriso.
— Ei. — Dou as costas para minhas amigas, encarando o saguão e diminuindo o tom de
voz. — Eu ia ligar para confirmar as coisas de hoje à noite.
— Estou aqui fora — fala abruptamente, sem nem notar minhas palavras. — Posso subir?
— Hm, claro. Deve ficar tudo… — eu o vejo saindo do elevador com o celular
pressionado na orelha — bem.
Assim que entra, as cabeças se levantam e ele é o centro das atenções. Olha em volta, as
grossas sobrancelhas franzidas. Ele me vê, mas a carranca não se desfaz enquanto se aproxima.
— Ei — cumprimenta, dividindo um cumprimento breve entre nós três antes de parar o
olhar em mim. — Podemos conversar?
— Hm, claro. Beijo, vacas — despeço-me delas, dando uma piscadinha, esperando
dispersar a vibe assassina que Kenan trouxe. — Podemos conversar ali.
Passamos pelas costureiras curiosas, que inspecionam cada mísero centímetro de Kenan.
Abro a porta para a sala dos fundos, meu refúgio de sempre. Ele me ultrapassa e tranco a porta, caso
alguém fique curioso ou perambule por perto.
— Bem-vinda ao lar, Lotus — digo, segurando a maçaneta atrás de mim, as costas
pressionadas à porta. — Estou feliz por vê-la, Lotus. Como foi Milão? Você…
— Você tem um piercing no mamilo.
Ele fala quase como se me acusasse. Fico perplexa, porque tivemos beijos profundos,
trêmulos e longos sim, mas ele ainda não viu minhas meninas, pelo que me lembro.
— Tenho — concordo em tom baixo, franzindo o rosto. — Como você sabe disso?
— Qualquer um no Soho poderia saber — solta, caminhando em círculos. — É só entrar na
Gilded Bean e bum! Está bem ali.
Algo surge na minha memória. Gilded Bean. Onde foi que eu ouvi…
— Chase — sopro. — Ele tinha algumas fotos sendo expostas lá.
— Bingo. — Solta o corpo enorme em uma mesa desavisada, que não tenho certeza se
pode segurá-lo. Kenan não está exatamente sentado, mas também não está de pé. Estou preocupada
pelos dois.
— Há uma foto minha na coleção ou algo do tipo? — pergunto. — Acha que viu algo
que…
— Eu não acho que vi merda nenhuma, Lotus — retruca. — Eu reconheceria minha
namorada em uma foto tão certo quanto sou um cara alto.
Namorada dele.
É a primeira vez que ele me chama assim e mal posso apreciar o momento por conta do
interrogatório.
— Não, não pode ser. — Nego com a cabeça, incapaz de computar a informação. — Você
viu meu rosto?
— Não precisei.
— Então você pode estar errado.
— A tatuagem na sua clavícula, as luas nos seus dedos, seu anel gris-gris, a flor de lótus
em volta do seu umbigo. Isso soa errado?
— Não faz sentido. Não assinei permissão para nenhuma nudez. Eu vi as fotos que ele
tirou. Lembro-me delas. Não tenho nenhum problema com a nudez na arte, para que fique claro,
porém, pessoalmente, não quero fazer isso.
— Mas posou para ele? — Outra acusação. Uma a qual ele não tem direito e está
começando a me irritar.
— Sim, posei — respondo, dura. — Quando estava terminando na FIT e era praticamente
uma estagiária aqui, fazendo quase nenhuma grana. Chase me pagou para posar para ele. Não é um
segredo e não é da sua conta.
Ele corre a mão pela nuca.
— Eu sei. Você está certa. Eu só… — Sua cabeça cai para trás, os olhos no teto. — Odeio
que as pessoas a vejam assim.
— Não pertenço a você, Kenan — lembro a ele. — Você não pode me criticar por posar
para fotos, mesmo que não devesse ter havido nenhuma nudez. Vou lidar com Chase, acredite nisso,
mas você não tem que vir aqui rosnando como um homem das cavernas e dizer merda sobre coisas
que acontecerem antes que nós fossemos… alguma coisa. Não funciona desse jeito e, se você está
pensando que pode me dizer o que fazer, deixe que eu esclareça. Eu não sou aquela garota.
— Sei que você não pertence a mim, Lotus — rosna. — Por que você acha que estou
agindo feito um cuzão? Fico maluco por você não ser minha. Sendo honesto…
— Sim, por favor, vamos tentar isso.
— Sendo honesto — repete, as duas sobrancelhas erguidas, cheias de significado —, fico
maluco que Chase tenha algo com você que eu ainda não tenho. Ele a conhece de maneiras que eu não
conheço.
— Você diz isso porque nós fodemos? — Cruzo os braços sobre o peito. — Nesse
joguinho que você e Chase estão marcando pontos, te incomoda que você ficou para trás? Podemos
foder agora mesmo e seu problema estaria resolvido, certo? Vocês estariam empatados? Quer me
foder, Kenan?
— Claro que quero, mas não só isso. — Seu rosto se suaviza. Sua voz se suaviza. — Você
sabe que não é só isso, Lotus.
Empurro-me da porta e caminho até estar em frente a ele.
— Então, o que é isso tudo? — questiono, minha voz suavizando também. — Chase e eu
fizemos sexo sim, mas pensei que você queria mais.
— Eu quero. — Ele segura meu quadril com as mãos enormes e me puxa para ficar entre
suas pernas. — Você sabe que quero.
— Então não estrague tudo — sussurro. Pressiono-me mais perto e, com ele sentado e eu
de pé, posso unir minhas mãos por trás da sua nuca com mais facilidade. — Não deixe que ele
estrague isso.
Suas mãos saem da minha cintura para afagar minhas costas por cima da seda.
— Não tive ciúmes dele antes — confessa. — Quer dizer, não gostava de você ter estado
com ele, mas você é uma mulher adulta com uma vida sexual normal, então eu entendo.
— As coisas não têm sido exatamente normais para mim no departamento “sexo”
ultimamente. — Rio secamente. — Mas continue.
— A foto era tão bonita, e ele não queria vender para mim. — Empurra meu cabelo
rebelde para trás, prendendo-o à minha orelha como faz com frequência. — Você estava tão
fantástica nela, tão desinibida. É decadente, mas parecia que você estava…
— Que eu estava o quê?
— Gozando. — A palavra acaricia meus lábios. — Percebi que ele viu seu rosto, como
você fica quando goza, e eu não. Ele sabe coisas sobre o seu corpo que eu não sei. Por exemplo, não
faço ideia do que é a tatuagem no topo das suas coxas. Já vi flashes, mas não sei. Ele sabe. Acho que
o que estou dizendo é que ele te conhece intimamente.
— Não, ele me conhece sexualmente. Desenhei uma linha entre essas duas coisas e
ninguém as ultrapassou. — Ergo-me um pouco mais para beijar sua mandíbula. — Mas você pode —
sussurro. — Acho que você pode atravessar essa linha, Kenan, e isso tem me assustado desde o
momento em que te conheci. — Volto alguns centímetros para ver seu rosto. — Isso que acabei de
dizer a você é intimidade. É confiança que estou colocando em você. Chase nunca teve isso.
Ele assente e desliza os dedos pelo meu cabelo, inclinando minha cabeça para mais perto e
prendendo meu lábio inferior entre os seus. Suas mãos deslizam para baixo em minhas costas,
puxando-me para mais perto, até que nossos peitos se tocam e eu pego fogo apenas pelo esfregar dos
nossos corpos. Por mais que eu tenha dito que ele não tem direito, sua possessividade me excita, e
estou intensificando o beijo, desesperada por tanto dele quanto eu possa ter.
— Senti sua falta — confessa dentro do beijo.
As palavras apertam meu coração em punho. Aceno em concordância, precisando ficar
perto. Querendo mais intimidade. Desejando mais confiança entre nós. Pulo sobre a mesa atrás dele.
Curiosidade está clara em seus olhos. Transforma-se em luxúria quando eu lentamente tiro o vestido
de seda das minhas coxas.
— Renda chantilly — digo, traçando o padrão de tatuagens no topo das minhas coxas. —
Havia algumas dessas estocadas em uma lojinha em Paris. No topo estava a renda mais requintada
que já vi. Ninguém poderia pagar por ela, então tirei uma foto e tatuei aqui. — Observo a máquina
que imita o padrão da renda. As lâminas não são tão grandes. — Eu a fiz bem para cima, porque, se
eu acabasse odiando, ninguém conseguiria ver.
— Ela é linda. — Ele traça o padrão com um dedo. Os nós dos seus dedos encostam na
minha calcinha e perco o ar. Kenan olha para mim, sério. — Sinto muito. — Limpa a garganta. — Eu
deveria ir.
Seguro seus dedos, encarando o contraste da tinta contra minha pele.
— Quer ver? — pergunto, minha voz rouca, baixa.
— Ver o quê? — devolve, as sobrancelhas franzidas em perplexidade.
Vou mesmo dar este passo? Dar um passo para frente e acreditar que posso voar? Tenho fé
no homem que estou começando a conhecer e me importar? Posso confiar nele? Posso acreditar no
que está acontecendo entre nós?
Fé de verdade requer bravura.
Provocada pelas minhas próprias palavras, dou um passo atrás.
— Você quer me ver gozar?

[12] Council of Fashion Designers of America, em português, Conselho de Designers de Moda da América.
A pergunta descarada sai dos seus lábios com o impacto de um deslizamento de terra,
lançando-me uma centena de respostas e perguntas de uma vez. Ela lambe o lábio inferior, olhando
para mim através dos cílios longos e grossos.
— Achei que você não estivesse pronta para…
— Não estou, mas, da última vez que chequei, dá para gozar sem fazer sexo. — Sua risada
é vazia. — Faço isso o tempo inteiro.
Uma respiração profunda expande meu peito. Mesmo o pensamento de Lotus tocando a si
mesma — de vê-la se desfazer desse jeito debaixo das minhas mãos… Estou tomado de luxúria e em
suas garras. Não preciso de nada dela. Quero que ela receba, receba e receba, e nem pense sobre o
que me faz sentir bem. Nunca quis o prazer de alguém dessa forma. Vê-lo. Saboreá-lo. Fazê-lo.
— Tem certeza, Lotus?
— Tenho certeza de que quero tentar — diz suavemente. — A desolação que senti da
última vez que fiz sexo, o vazio e a falta de sentido, não quero nunca associar aquilo a você. — Ela
enquadra meu rosto em suas mãos. Pressiona os lábios nos meus em uma carícia quase imperceptível.
— Toque-me, Kenan.
Abrimos nossas bocas ao mesmo tempo, convidando um ao outro para dentro, movidos
pela harmonia invisível da necessidade. Sou arrastado para dentro do calor e da doçura de sua boca
— para a forma como ela ofega e geme para mim. Lotus se afasta, prende o meu olhar e abaixa a
parte de cima do vestido tomara que caia.
Engulo profundamente na primeira vez que a vejo. Sua foto é linda, mas não se compara a
essa proximidade — ao potencial de tocar e observar seu corpo responder. Sua carne quente e nua
me deixa atordoado, os mamilos dilatados implorando pelo meu toque e meus beijos. Observando
seu rosto, certificando-me de que ela está bem, esfrego os polegares neles. A respiração sai dela
aguda e assustada.
Coloco a palma das mãos contra seus seios, girando em círculos que lentamente crescem,
aceleram, até que os bicos do peito ficam rígidos e redondos. Sua cabeça cai para trás, os cabelos
formam uma gota de cachos platinados ao redor dos ombros. Acaricio suas costas, minhas mãos se
encontrando, sobrepondo-se em sua coluna. Ela parece tão frágil. Não apenas os ossos delicados,
mas os olhos escuros brilhando com confiança enquanto ela espera que eu faça o que estou desejando
fazer. Tomo o mamilo com piercing na boca com ternura. Meu Deus, com reverência.
— Sim. — As mãos da Lotus em minha cabeça me impelem para frente. — Por favor,
Kenan.
Não preciso de mais nenhum encorajamento. Chupo, com suavidade em princípio, mas o
seu gosto e a sensação de tê-la florescendo e se apertando em minha boca sobrecarregam minhas
boas intenções. Empurro seu seio mais para dentro. Quero que ela fique mais perto. Puxo-a para
cima, até que esteja fora da mesa, e a mantenho erguida em minhas mãos enquanto me alimento,
correndo a língua pela barra do piercing em seu mamilo. A textura dela na minha boca — o metal frio
da barra, o bico quente e inchado, a pele sedosa ao redor — é quase demais. Coloco o outro na boca
e gemo. É tão doce quanto. Tão redondo e sensível em meus lábios! Suas lamúrias crescem com mais
urgência — as mãos na minha cabeça se apertam.
Coloco-a de volta na mesa e acaricio sua coxa, minha mão se aventurando para cima, para
a renda tatuada. Ela a pega e entrelaça nossos dedos. Ergo a cabeça, seus olhos queimando. Sem
afastar o olhar, ela coloca nossas mãos unidas dentro da sua calcinha.
— Foda-se — murmuro.
Ela é como seda quente e úmida debaixo dos meus dedos. Debaixo dos nossos dedos.
Exploramos juntos e acariciamos, até que seu quadril se empurra e ela morde os lábios, os olhos
começando a fechar. Ela tira a mão da calcinha e a ergue, correndo os dedos pela minha boca. Lambo
a umidade com que ela me presenteia e gemo com seu sabor, viciado com uma prova. Abaixo a
cabeça até que nossas testas se toquem, meus dedos ainda trabalhando nela, seu quadril ainda se
movendo em um ritmo desesperado.
— Deixe-me provar — gemo em seu ouvido. — Posso provar você?
Seu aceno é rápido. Ela fica quieta, exceto pelo choro baixo e abafado que engole toda vez
que ele ameaça escapar.
Caio de joelhos e pressiono suas pernas abertas. Puxo a seda preta para baixo, depois abro
a boca sobre ela, querendo tudo de uma vez, ganancioso. Ela fica quieta por um segundo e deixa um
grito afiado sair antes de se balançar com força contra mim. Arrasto-a para a borda da mesa e
deslizo o dedo para dentro, ainda sugando o monte de nervos. Ela é tão apertada e meu dedo é tão
largo que ela se contrai ao redor.
— Outro — geme. — Adicione mais um dedo, Kenan.
Não quero machucá-la, mas quero que fique ainda mais apertada ao meu redor, então
deslizo outro dedo e bombeio mais devagar, combinando com a cadência do seu quadril.
— Merda. Sim. Ai, meu Deus, sim, Kenan. Isso. Eu… ah.
Espalma os peitos, apertando e beliscando com força, seu rosto se contorcendo enquanto se
empurra contra mim, a perna se erguendo e pousando nas minhas costas. Seu salto perfurando meu
ombro.
— Vou gozar. — Suspira. — Observe. Se você quer ver, observe.
E eu o faço. Enquanto continuamente acaricio, toco e lambo sua boceta, fixo o olhar no seu
rosto. Sua cabeça está levemente inclinada para o lado e o lábio está preso entre os dentes. Suas
sobrancelhas estão franzidas e os longos cílios beijam os topos de suas bochechas. A boca cai aberta
e ela se alivia, um grito de prazer saindo enquanto o faz. Estou obcecado por seu calor e umidade,
trabalhando os dedos entre suas pernas. Levanto, sem perder o toque, mas precisando ver.
Sua cabeça tomba para trás. Lágrimas descem pelas bochechas em direção ao queixo.
Mergulho para lambê-las. Bebo-as como se fosse o responsável por provar o chá da rainha, tomando
o primeiro gole. Beijo todo o seu rosto e desço pela garganta, para seus seios. Ela se curva em mim,
surfando as ondas finais, as mãos fechadas na minha camisa, os olhos arregalados me mostrando o
desejo, o desespero e, finalmente, a satisfação em seu olhar.
Eu fiz isso. Nós fizemos juntos, ela me mostrando como gosta e eu dando exatamente o que
ela queria. Uma troca de paixão, paciência, desejo e confiança. É ela quem está tremendo,
choramingando, mas meus joelhos estão fracos. Ela diz que nunca conheceu intimidade verdadeira.
Se é assim que será entre nós — essa paixão desconhecida como nada que pensei ser possível —,
tenho que admitir pelo menos para mim mesmo:
Também nunca tive.
Seu corpo se aquieta e se acalma, e eu me movo para sentar sobre a mesa e puxá-la para o
meu corpo.
— Esta mesa não vai aguentar nós dois, Kenan — avisa, as palavras preguiçosas. Ela
enterra a cabeça no meu ombro e se curva em mim como uma bola, como se fosse uma gata em meu
colo.
— O que você realmente está dizendo é que não vai me aguentar. — A punição é um aperto
em seu corpo e um beijo em seus cabelos.
— Sim, isso aí. — Ela ri e desliza a mão debaixo da minha camisa, correndo a palma pelo
meu abdômen. Meus músculos se contraem com o contato. — Isso nem parece de verdade.
— O que não parece de verdade?
Ela deita a cabeça em meus ombros e prende meu olhar.
— Posso ver?
— Ver o quê?
Em resposta, ela corre a mão pelo meu estômago de novo e ergue as duas sobrancelhas.
Uma risada surpresa sai de mim.
— Baby, claro que pode. É só um abdômen. Você já o viu antes.
Ela desliza para fora do meu colo, um sorriso malicioso pintado em seus belos lábios.
Quando ergue minha camisa, sua boca se abre.
— Bem como eu me lembrava deles. — Levanta a camisa um pouco mais e seus olhos se
arregalam. — Você tem o peito mais bonito de todos. Meu Deus, esses mamilos.
Enquanto procuro na minha memória por alguma vez que alguém elogiou meus mamilos e
nada surge, ela se inclina e coloca um na boca.
Ela está completamente absorta, os olhos fechados e as bochechas ficando ocas. Coloca um
dos mamilos entre os dentes, volta o olhar para mim e morde. Com força.
— Merda. — Minha mão bate na mesa. — Lotus, porra.
Sua língua se move para amenizar a mordida, e bem quando estou certo de que vou gozar
nas minhas pernas, ela morde o outro e sorri para mim.
Rio, excitado apesar da dor, ou possivelmente por conta disso.
— Sua bruxinha.
— Não é a primeira vez que alguém me chama assim — diz secamente, e corre as mãos
pelos músculos do meu estômago, rindo quando eles se contraem involuntariamente. — Alguém está
sensível.
— Ou com tesão. — Rio.
O sorriso dela cai e ela toca meu pau.
— Sou tão egoísta — diz, angústia estampada em seu rosto. — Eu nem…
— Não. Essa foi por você. Quero que seja só por você.
Ela abre a boca, tenho certeza de que é para argumentar, mas meu telefone toca. Não
consigo resistir a beijar sua boca ainda aberta, sorrindo contra seus lábios e atendendo.
— Ei, Ken — respondo, sem desviar de Lotus, que não tira o olhar de mim.
— Ainda estamos confirmados para hoje à noite? — Kenya pergunta.
— Deixe-me verificar. — Afasto o telefone e questiono Lotus: — Ainda quer encontrar
minha irmã para jantar?
— Claro. — Ela pisca. — Vou poder perguntar histórias embaraçosas sobre sua infância e
puberdade estranha.
— Eu nunca fui estranho — rebato. — Sim, Ken, estamos dentro. Passa os detalhes.
Finjo escrever e Lotus corre para uma mesa no canto, pegando uma caneta e algum tipo de
papel com o desenho de um vestido. Escrevo os detalhes do jantar seguido do show. Minha letra está
menos legível do que o normal, mas consigo entender a maioria das letras quando leio após
desligarmos.
— Então o jantar é às seis. — Tiro o olhar do meu rabisco. — Depois o show.
— Quem é o artista? — Torce o nariz. — Não quero ficar sentada lá ouvindo alguém que
não gosto por duas horas.
— É. Seria um castigo. Esse é, na verdade, um show surpresa no Central Park — digo,
fingindo uma careta. — Não tenho nem certeza se você já ouviu falar do cara.
— Quem é? — ela pergunta, suspeita e ceticismo se misturando em um olhar.
— Grip? — questiono inocentemente.
Pela forma como a boca dela se escancara e seus olhos se abrem como dois pratos,
suponho que o conhece.
Ainda estou surtando por conseguir ver Grip em um show. Quando ele veio para Nova
Iorque no ano passado, os ingressos esgotaram em questão de horas e eu perdi.
Quase chorei.
Ele é um dos artistas de hip hop mais influentes no momento. Suas letras são conscientes e
provocam pensamentos. Seu flow é ridiculamente bom. Mal posso esperar por hoje à noite, mas,
antes, tenho algo para cuidar.
Quando entro na Gilded Bean, não leva muito tempo para encontrar a mim mesma em uma
parede. Encaro como uma idiota a imagem de tamanho real — não, maior que tamanho real, já que é
pelo menos trinta centímetros mais alta que eu. Sei que nunca vi essa foto, muito menos assinei uma
liberação para isso.
Abaixo a cabeça para que o cabelo caia e cubra meu rosto. Fico parada bem no meio do
grupo e ninguém conecta a garota abandonada na parede com aquela se escondendo com o cabelo.
— Perguntei-me quando você viria — Chase fala ao meu lado. — Bonita, não é?
— Preciso falar com você, sozinha — aviso, sem desviar da minha semelhante na parede.
— Estou bem ocupado, obviamente — diz lentamente. — Esta é a primeira semana da
minha exibição.
Viro-me para encará-lo, cada músculo do meu corpo apertado. Um baita problemão. Quero
pular em cima dele e puxar aquele coque masculino até a sua bunda.
— Ótimo — falo alto o suficiente para todo mundo ao nosso redor ouvir. — Podemos
conversar agora mesmo, bem aqui, sobre como irei processar o seu rabo por usar essa foto sem a
minha permissão. Sobre como meus advogados…
Ele me corta ao puxar meu braço e me arrastar do salão para um pequeno escritório.
— Ficou maluca? — indaga imediatamente. — Falando esse tipo de merda? Você poderia
arruinar minha exibição.
— Eu ainda posso arruinar sua exibição. — Nego com a cabeça, furiosa. — Quando você
tirou aquela foto? Sabe que eu nunca a vi, Chase.
Ele me encara por alguns segundos em silêncio, provavelmente pensando se consegue
escapar com alguma mentira ou se terá que me contar a verdade. Finalmente, solta um suspiro
exasperado e desliza a mão por cima do belo rosto.
— Você caiu no sono em uma das sessões de fotos. — Sua risada é curta e seus olhos são
quase afetuosos. — Tinha um projeto da faculdade, acho. Eu fui buscar uma peça do equipamento e
quando voltei… — Ele gesticula para trás, na direção do salão do outro lado da porta do escritório.
— Quando voltei, você estava daquele jeito — termina, cruzando a sala para parar em frente a mim.
— Eu tive que tirar, Lo. Viu quão bonita é a foto? Quão bonita você está? Como eu poderia ignorar?
— Você violou minha privacidade — respondo. Quieta. Veemente. — Já não tinha o direito
de tirar, e ainda decide exibir? Sem uma liberação minha?
— Mas eu…
— Pare. — Ergo o braço. — Não quero ouvir seu lado, ou como você achou que estava
tudo bem. Não estava. Eu poderia arruinar não apenas a sua exposição, como a sua carreira. Você
sabe disso, né?
— Uau. — Ele nega com a cabeça e um sorriso malicioso contorce seus lábios. — Você
mantém uma opinião bem elevada sobre si mesma, né? Pensar que tem esse tanto de poder. Que
alguém iria dar atenção para uma ninguém no glorioso mundo da moda.
— Eu poderia lembrá-lo que essa “ninguém do mundo da moda” é, para todos os efeitos, o
braço direito de uma das vozes mais poderosas da moda — argumento, controlando muito mal a
minha raiva. — Ou eu poderia lembrar sobre, você sabe, a lei, e como um processo nesse ponto da
sua carreira seria devastador.
Aproximo-me até nossos corpos quase se tocarem. Sua respiração fica pesada e ele engole.
Fico na ponta dos pés para sussurrar:
— Nós dois sabemos do que isso realmente se trata, Chase — falo, certificando-me de que
meus lábios roçam sua orelha. Ele geme. — Boceta. A minha. E o fato de você agir como um
garotinho mimado porque não a tem mais. — Dou uma olhada para baixo e vejo seus dedos se
retorcendo ao seu lado. — Você mal consegue respirar e está se tremendo para me tocar — falo para
ele. — Diga quem é que tem o poder aqui.
— Lo, não consigo parar de pensar em você — ele diz, rouco. — Talvez tenha começado
casual, conveniente, mas em algum ponto se tornou mais.
— Não para mim. — Afasto-me. — Não estou tentando ser cruel ou sem coração, mas
você cruzou uma linha. Isso era para conseguir minha atenção?
— Você não me levava a sério — reclama, mal-humorado, petulante. — Quero você, Lo.
— De onde é que vem a ideia de que homens como você podem ter o que quiserem? Quero
que retire aquela foto, ou isso vai se tornar um problema legal. E também, quero qualquer cópia
digital e a impressa que está pendurada lá. Deixarei instruções para a entrega.
Estou pronta para curtir minha noite. Caminho para a porta, mas Chase me para, sem virar,
segurando ambos os meus braços com tanta força que estremeço.
— É isso? — pergunta atrás de mim, empurrando-se contra minha bunda. — Acha que
pode sair e fingir que nós nunca acontecemos?
Ele se pressiona com força, prendendo-me contra a porta. Meu coração salta nas costelas.
Suor sai pelos meus poros. Um medo familiar, porém há muito perdido, gira na minha barriga.
Respiro fundo.
— Deixe-me ir, Chase — digo com calma, torcendo para que não sinta meu medo. — Ou
vai ficar pior para você.
— Pior para mim? — indaga, com uma risada sem emoção. — Você disse que tinha coisas
para resolver, mas está dando para ele, não está? Está fodendo com aquele jogador.
Forço-me a não me contorcer ou tentar me libertar do seu aperto de aço. Tentar isso ou
falar apenas irá relembrar a ele que estou indefesa. Que ele é mais forte. Que estou vulnerável…
como antes. Como naquele dia. Pontos escuros aparecem em meus olhos e eu pisco, esperando
clareá-los. Voltar a focar.
— Você me perguntou antes sobre o vudu — falo, a voz áspera, torcendo para esconder o
pânico na minha voz. Ele fica rígido atrás de mim. — Sim, agora eu tenho sua atenção, seu pau no cu
— cuspo. — Deixe-me ir, ou prometo que vai doer. Acha que pode me machucar porque é maior e
mais forte? — Solto uma risada sem humor. — Isso não é poder. Posso tornar sua vida miserável por
anos de maneiras que você não consegue imaginar. Um feitiço faria isso. — Viro a cabeça e lanço um
olhar para ele sobre o ombro. — Juro. Teste-me, Chase.
No silêncio, quase posso ouvir seus pensamentos correndo, seu medo crescendo para se
igualar e depois passar por cima do meu, conforme se lembra das ervas, amuletos e pedras em meu
apartamento. Perguntando-se para que servem e do que sou capaz.
— Deixe-me ir — repito, enchendo minha voz com a confiança que vai retornando. — E
darei instruções para você entregar a minha fotografia.
Seus dedos se afrouxam o suficiente para que eu me liberte e vire. Levanto o joelho direto
em suas bolas. Elas não servem para nada, de todo jeito. Ele se curva, as mãos entre as pernas, o
rosto contorcido em agonia. Empurro seus ombros para que caia de costas. Ele gira, a cara toda
vermelha e marcada. Fico de pé sobre ele.
— Quero a minha foto — aviso, a voz dura. — E, para responder a sua pergunta sobre o
jogador, você está certo. — Abaixo-me e encontro seus olhos espremidos. — Ele pode me pegar.

Kenan e eu chegamos ao restaurante alguns minutos antes do que tínhamos combinado com
a irmã dele, Kenya, para conhecer a ela e sua amiga. O dia começa a esfriar, mas ainda está bem
quente. Quente demais para as mangas na altura do cotovelo da minha blusa, mas o aperto forte do
Chase deixou marcas nos meus braços. Não quero ficar respondendo perguntas ou convencer Kenan a
não bater em Chase até virar pó. Tenho coisas melhores para fazer. Tipo ver o show do Grip!
Embora eu acredite que a camisa caia bem. É listrada em preto e branco, apertada ao torso
e cortada acima do umbigo. Combinei com uma saia flare de tule preta meio sedutora e sapatilhas
vermelhas confortáveis, porque… caminharemos.
— Você está tão bonita — Kenan sussurra, seu hálito frio soprando o ar em meu ouvido.
— Você também.
E eu não estou mentindo. Ele é… Magnífico é minha maneira favorita de descrevê-lo e
mesmo assim não transmite de forma adequada o efeito que esse homem tem sobre mim. A altura
enorme e a largura de seu peito e ombros. Os braços lendários, que não são como de fisiculturistas,
mas são marcados por músculos e veias. E, alto do jeito que é, tem as pernas um pouquinho de nada
arqueadas.
Morta estou.
Tipo, é sério, Deus? Tinha que colocar essa cereja no topo?
A pele negra cor de mogno. O rosto marcante com ossos proeminentes, sobrancelhas cor de
ônix e olhos penetrantes, tão escuros que parecem um espelho que mostra o que está fora, mas não
deixa que você veja o que está dentro.
Mas ele me deixa ver por dentro. Essa é provavelmente a coisa mais sexy a seu respeito, o
que já diz algo. Meu homem é dos bons.
Acabei de chamar Kenan de meu homem. Depois de dizer hoje que não pertenço a ele, eu
apenas o reivindiquei na minha cabeça. E acho que cortaria a primeira vadia que tentasse tirá-lo de
mim. Incluindo a ex.
— Baby? — Kenan se inclina em minha direção, franzindo o rosto. — Tudo bem?
Não, eu não estou bem, grito na minha cabeça. Estou me apaixonando por você e isso não
faz parte do plano. Meeerda. Merda dupla.
— Hm, sim. — Abano-me com uma das mãos. — Está um pouco quente.
— Vamos esperar lá dentro. — Ele aponta para o restaurante por cima do ombro.
Dou uma olhada para o toldo mostarda com o nome de Serafina. É um dos meus lugares
favoritos para comida italiana. As garotas e eu viemos algumas vezes depois de visitarmos o
Met[13], mas também fica perto do Central Park.
Assinto, e Kenan pega meu cotovelo para me guiar para dentro. Ele também é, diferente de
Chase e da maioria dos babacas com quem estive, um cavalheiro. Preciso começar uma lista de
motivos para evitar me apaixonar. Não razões para me apaixonar de fato.
Subimos as escadas de pedra até o nível superior, onde há uma varanda. O restaurante
sempre está lotado e não tem tanto espaço, mas a comida é ótima e conseguimos chegar ao parque
bem rápido daqui.
Tínhamos pedido drinques e aperitivos quando sua irmã chega. Ela é alta, o que não
deveria me surpreender, considerando que é irmã do Kenan e joga na liga feminina. Suas feições
também se parecem com Kenan de maneira sutil. Ele fica de pé, o sorriso enorme e natural, e a
abraça.
— Kenya — fala, virando-se para mim. — Essa é a Lotus DuPree. Lotus, minha irmã,
Kenya.
— E aí? — Ela me estuda com cuidado, cautela. Sinto a superproteção por seu irmão e
gosto dela imediatamente. Ele passou por muita coisa e ela deve examinar qualquer um que entre em
sua vida e tenha um acesso tão íntimo a ele.
— Oi. — Fico de pé e estico a mão. — Prazer em conhecê-la.
— É, você também. — Lança um olhar provocativo para Kenan. — Ouvi falar muuuito
sobre você. Tipo, muito mesmo.
— Cala a boca, Ken — Kenan reclama, lançando a ela uma rápida cara fechada, e os dois
ficam parecendo tanto típicos irmãos que me fazem sorrir. — Apresente-me para a sua amiga.
Uma mulher magra entra no campo de visão, saindo de trás de Kenya e segurando sua mão.
Ela é bonita, com uma pele suave, marrom escura. Sem maquiagem que eu possa perceber. Cílios
longos e curvados moldam seus grandes olhos castanhos. Ela usa jeans baggy, Chucks e uma camiseta
branca do Public Enemy. Tranças nagô surgem na borda do seu boné Oakland Raides.
— Essa é a Jade — apresenta Kenya. — Jade, meu irmão Kenan e a sua… — Ela olha
entre nós dois enquanto espera a confirmação de como deve se referir a mim.
— Essa é a minha namorada, Lotus — responde, direto. — Prazer em conhecê-la, Jade.
Não ouvi tanto sobre você. Kenya tem feito segredo.
— É assim mesmo — Jade devolve, rindo. — Ninguém tem falado sobre ela também.
Todos rimos, nos sentamos e começamos uma conversa fácil enquanto bebo meu
Chardonnay, Kenan, sua água e as garotas tomam as duas cervejas que pediram.
— Então, você trabalha com moda? — Kenya pergunta.
Estou no meio da mordida de uma massa orecchiette quando ela fala, então engulo e limpo
a boca em um guardanapo antes de responder.
— Sim. Para Jean-Pierre Louis.
— Nunca ouvi falar dela — Kenya fala, pegando sua fatia de pizza.
— Dele — corrijo, com um sorriso. — Ele é o designer fundador da JPL Maison.
— Chique. — Jade ri. — Se não é Converse, Nike ou Gap, você precisa me ensinar.
— Kenya, seu irmão já me disse que você joga bola. — Devolvo a pergunta para elas. —
E o que você faz, Jade?
— Escrevo músicas — Jade conta e dá de ombros. — Tenho feito isso a vida inteira, mas é
meio novo o fato de ser paga para tal. Até aqui vai bem.
— Falando nisso — Kenya começa, olhando o relógio —, deveríamos seguir para o
parque? O show começa logo, não é, amor?
Jade acena e olha o telefone, que acende com uma mensagem de texto.
— Ah, é o Grip. Deixe-me ver sobre o que ele está falando.
Minha boca fica pendurada. Kenan gentilmente empurra meu queixo para cima e sussurra:
— Você está surpresa ou quer capturar algumas moscas?
— Ela conhece o Grip? — sussurro de volta, esperando estar sendo discreta, mas estou
prestes a surtar.
— Sim. Kenya disse que são primos. Não contei? Temos assentos na primeira fileira.
Iremos ao backstage para conhecê-lo depois.
— Hm, não — nego. — Você pulou bem essa parte.
— Tenho que me comunicar melhor agora que você é minha namorada — comenta. Seu
sorriso se desfaz. — Eu só falei isso e nem perguntei se estava tudo bem ou se…
Nem penso na irmã ou na namorada dela, sentadas bem ali. Apenas me inclino para a
frente, cortando a explicação com um beijo. É rápido, porém suficiente. Ele segura meu rosto e me
beija de novo, mais longo, com tanta ternura que alivia a dor do meu confronto com Chase. Não as
marcas dos meus braços, mas as outras maneiras com as quais Chase me feriu hoje. Violando minha
privacidade. Sua tentativa de me objetificar. Todas as formas que usou para tentar me fazer menor
diminuem com a sombra desse beijo.
— Ah, sério isso? — O tom divertido de Kenya se infiltra. — Vocês vão mandar ver na
mesa?
Os dedos do Kenan se apertam no meu rosto para que eu não me afaste.
— Aham — diz contra meus lábios. — Dá para me culpar?
Quando nos separamos, Jade está mandando mensagem para o primo famoso, presumo, mas
Kenya está olhando para mim e seus olhos brilham tanto de preocupação quanto por humor.
— Vou correr no banheiro antes de irmos embora — avisa Kenan. — Já volto.
Quando ele se vai, olho para Kenya, esperando pelo que quer que venha a seguir.
— O negócio é o seguinte — diz lentamente. — Preciso saber qual é a sua.
Ergo o queixo e bebo o último gole do meu vinho antes de colocar a taça no lugar.
— Qual é a minha? — questiono. — De que maneira? O que você quer dizer?
— Você sabe de todo o drama com a Bridget — explica. — Ouvi que ela brotou no seu
trabalho.
— Que droga — Jade murmura, lançando um olhar para mim antes de voltar ao celular.
— Quando toda aquela merda saiu, se Kenan não tivesse me segurado, eu teria chutado a
bunda da Bridget — conta Kenya, o rosto sério. — E a verdade é essa. Só quero saber se terei que
chutar a sua em algum momento por fazer algo errado com o meu irmão.
Sempre admirei uma abordagem direta.
— Não se engane pelo meu tamanho — começo dizendo a ela. — A minha bunda não gosta
de ser chutada.
— Parece que ela respondeu — Jade murmura, ainda digitando no telefone.
— Parece, né? — Kenya pergunta, um sorriso largo começando em seus lábios.
— Não parece, é. — Bato na haste da taça de vinho. — E não tenho intenção de machucar
o Kenan. Eu me importo muito com ele.
— Ele também se importa muito com você. — Ela ri e nega com a cabeça. — Pensei que
ele fosse ser preso quando viu a foto. Tive que segurá-lo, sendo que ele nunca perde o controle. —
Sua boca lentamente se endireita, deixando o sorriso para formar uma linha, assim como Kenan faz.
— Se eu não estivesse lá, ele teria chutado o cara com certeza.
Esfrego os braços, estremecendo com as dolorosas e persistentes marcas escondidas
debaixo das minhas mangas. Estou ainda mais determinada de que Kenan não as veja.
— Aquela situação foi resolvida — asseguro. — Já lidei com Chase.
— Kenan sabe disso?
— Kenan sabe do quê? — ele pergunta, franzindo o rosto para nós duas.
— Ei — chama Jade, ficando de pé. — Temos que ir. O carro está lá fora para nos levar.
— É a poucos minutos de distância — comento. — Podemos ir andando.
Kenya e Kenan olham um para o outro e falam juntos:
— Nova-iorquinos.
— Vocês querem andar para todo lado. — Kenya ri e segue Jade até a saída. Kenan e eu
estamos bem atrás.
— Do que a Kenya estava falando? — questiona. — Sobre o que eu sei?
Respiro superficialmente e solto rápido.
— Ela me perguntou sobre a foto na galeria.
— Droga. — Kenan faz uma careta. — Sinto muito. Não faço ideia do porquê ela sequer
mencionou isso.
— Eu sei o motivo. Ela o ama e teve medo de que você teria problemas por ir atrás do
Chase.
— Pode ser que ela esteja certa — ele comenta, uma risada áspera saindo dele. — Mas
ficou tudo bem. Se você não concordou com isso ou assinou uma permissão, precisamos descobrir
como vamos lidar.
— É, eu, hm… lidei. Já lidei com isso.
Chegamos à calçada, e Kenya e Jade sobem na SUV preta que está esperando.
— Como você lidou com isso? — Ele para antes de entrarmos.
— Kenan. — Olho em volta e vejo o olhar impaciente no rosto das duas garotas. —
Falamos sobre isso depois. Estão esperando.
— Deixe esperarem.
— Kenan, vamos lá — chama Kenya.
— Você pode esperar um minuto — fala para ela, seco — ou seguir em frente, porra. É
com você, Ken.
Ela rola os olhos e solta um suspiro pesado.
— Bem, se apresse.
— Ok — diz, virando-se para mim. — Agora que você deixou todo mundo esperando...
— Eu deixei todo mundo esperando… — Rio com o pequeno brilho de humor em seus
olhos escuros. — Não dá para acreditar em você, Kenan Ross.
— Fala. O que você fez? Como lidou?
— Fui ver o Chase.
As poucas linhas em seu rosto se apertam.
— E como foi? Ele te deu algum trabalho?
— Nenhum trabalho. Já foi removido da galeria.
É um longo dia de verão e o sol ainda não se pôs completamente. No quase escuro, ele
estuda meu rosto antes de assentir.
— Ok. Você lidou. Bom. — Ele joga um sorriso para a irmã. — Estamos indo. Não
machuca esperar às vezes.
No curto caminho até o Central Park, digo a mim mesma que não menti. Omiti partes da
verdade para protegê-lo e ainda estou tentando entender completamente quão importante isso é para
mim.

[13] Conhecido informalmente como The Met, é o famoso Metropolitan Museum of Art, Museu Metropolitano de Arte,

localizado em Nova Iorque.


— Ele é bom — digo, enquanto Grip sai do palco no Great Lawn do Central Park.
— Bom? — Lotus pergunta, seu rosto contorcido. — Frozen iogurte é bom. Ovo cozido é
bom.
— Prefiro mexido.
— O novo livro do James Patterson é bom.
— É mesmo?
— É ok. — Ela dá de ombros e balança a cabeça. — Meu ponto é: Grip é ótimo.
Maravilhoso. Tem o dom.
— Então ele está em seu Top 5?
— Com certeza.
Dou uma olhada para onde Jade e Kenya estão conversando com caras enormes que
assumo serem seguranças.
— Parece que você vai encontrá-lo em breve.
— Vou tentar real não envergonhar você e sua irmã — avisa, seu rosto completamente
sério.
— Droga, Lotus. Nunca vi você tão animada com nada. Devo ter ciúmes?
— Definitivamente não — decreta. — Nunca.
Mas nós dois sabemos que fui ciumento mais cedo e agi como um idiota.
— Sobre hoje — começo, limpando a garganta. — Sinto muito por ter aparecido no seu
escritório todo… Como foi que você disse? Homem das cavernas falando merda?
— Glad! — alguém grita por trás de nós.
Forço-me a ser legal e paciente quando tudo que realmente quero é ficar com a Lotus.
Quase não ficamos sozinhos de verdade desde que ela voltou de Milão. Mantive uma distância
respeitável na maior parte da noite para me certificar de que nada suspeito apareceria nas redes
sociais antes que eu pudesse conversar com a Simone na reunião de segunda.
— Me dá um segundo — peço para Lotus e aceno em direção ao fã que me aborda.
O trabalho é esse.
Um autógrafo vira dois, depois mais. Não penso em mim como um famoso na maior parte
do tempo. Noites como esta me lembram disso, mas essa não é realmente a minha vida.
— Se você já terminou de ser todo o Campeão está aqui — Kenya solta, perto de onde
estou —, queremos ir encontrar o Grip. Ele tem que ir embora em breve.
Rio com sua piada. Porque é uma piada. Minha irmã me conhece melhor do que qualquer
um e sabe que eu ficaria perfeitamente bem se ninguém me reconhecesse ou abordasse. Eu preferiria
isso.
Quando nos guiam para o backstage, Lotus agarra minha mão e aperta. Com força.
— Ai, meu Deus — grita, os olhos brilhando. — Está acontecendo.
— Hm, lembra aquele papo de não tentar me envergonhar?
— Sim, desculpa. Isso foi lá fora. Prepare-se para a fã histérica. Muito histérica.
Estou amando isso. Minha pequena garota fodona sempre de boa e segura de si está prestes
a surtar.
Somos levados para uma pequena sala com alguns sofás e uma mesa cheia de garrafas de
água. Reconheço Grip na mesma hora, é claro. Ele é mais alto do que pensei, talvez cinco
centímetros mais baixo que eu. Ainda está usando a roupa do show, jeans e uma camiseta preta com a
palavra “DOPE” escrita em branco. Seus tênis, embora, me dão uma baita inveja. Air Jordans 1985
originais.
— E aí, prima? — cumprimenta Jade com um sorriso aberto. Cruza a sala e passa o braço
por seu pescoço, rouba o boné do Raiders e beija a testa dela.
— O que eu falei do boné? — Jade reclama, mas se contradiz ao dar um sorriso afetuoso.
— Quero que conheça alguém. Comporte-se.
— Sempre me comporto — brinca.
— Uhum. É comigo que você está falando. — Jade torce os lábios e rola os olhos. — Te
conheço, cuzão. — Ela gesticula para que minha irmã se aproxime e pega a mão dela. — Essa é a
Kenya — diz. Apesar de durona, seus olhos se suavizam ao encarar minha irmã.
— Ouvi bastante sobre você, Kenya — Grip comenta. — Estou rezando para que dê um
jeito nessa aqui.
— Agradeço as orações muito necessárias. — Kenya ri e gesticula em direção à Lotus e
eu. — Esse é o meu irmão…
— Glad! — cumprimenta Grip. — Não fiz a relação. Como você está, cara? — Ele anda
até mim, surpreendendo-me. — Fico de olho nos Waves. — Aponta um dedo para mim como aviso.
— Não vá para cima dos meus Lakers.
— Ah, você é roxo e dourado, né? — pergunto.
— Muito, irmão — Grip replica, com um encolher de ombros de quem se desculpa. — Sou
de LA. Não tive escolha.
— Vou deixar passar então — aviso, procurando a mão da Lotus. — Essa é minha
namorada, Lotus.
Grip muda o olhar para ela, depois volta para mim, erguendo as sobrancelhas em
aprovação. Todo mundo sabe que ele está obviamente apaixonado pela esposa, Bristol, então sei que
não é nenhum desrespeito. O oposto, na verdade.
— Oi, Lotus — fala, sorrindo. — Prazer em conhecê-la.
— É, hm… bem, eu… — Ela respira fundo. — Desculpa. Sou uma grande fã. O show foi
incrível.
— Viram? — Estica o braço em direção a ela, a palma da mão aberta. — É disso que estou
falando. Nenhum de vocês, seus imbecis, falaram para o irmão aqui que ele foi bem. — Ele acena de
forma exagerada para ela e se curva. — Obrigado, Lotus. Fico feliz que alguém percebeu.
— Alguém precisando ter o ego acariciado novamente?
A pergunta vem de uma mulher parada na porta com o cabelo escuro e olhos cinza. Ela não
é muito conhecida pelo público, mas sei que é a esposa do cara, Bristol.
Ele caminha até ela, deixa um beijo rápido em seus lábios e a puxa para a frente dele,
cruzando os braços por sua cintura.
— Não venha aqui falando sobre acariciar se não está disposta a arcar com as
consequências, Bris. — Ele a encara, focando o olhar perverso e dando um sorriso malicioso para a
esposa.
— Eca. — Jade faz uma careta, andando até Bristol para um abraço rápido. — E aí, Bris.
Grip, não comece com essa merda. Vocês têm um quarto aqui em algum lugar. Usem. Onde estão as
crianças? Foram elas que eu realmente vim ver.
— Com a Mama James — Bristol diz, apoiando-se contra o peito do marido. — Lá no
hotel.
— Achei que estariam aqui — comenta Jade.
— Só porque Grip nos arrastou com ele em turnê — explica, dando uma cotovelada gentil
em seu estômago, com um sorriso malicioso —, não significa que minhas crianças não terão certa
estrutura ou algo do tipo. Elas não são estrelas do rock e vão para a cama no mesmo horário toda
noite.
— O hotel é aqui na esquina — Grip avisa. — Venha conosco. Vamos sair em breve. Outro
show. Outra cidade amanhã. — Corre a mão pelo rosto. — Estou exausto e quero apagar. — Ele
sorri para nós. — Vocês estão convidados para virem jantar. Minha mãe contrabandeia um fogão
elétrico para os nossos hotéis, porque se recusa a pedir serviço de quarto. É coisa de pobre, mas
vocês ficariam maravilhados com o que ela consegue fazer com recursos tão limitados.
— Essa é a tia Mittie. — Jade ri. — Sim, preciso vê-la antes que você vá embora. — Olha
para Kenya. — Vamos? Você precisa conhecê-la.
Kenya olha para nós, uma pergunta no rosto. Por mais legal que Grip pareça, e tenho
certeza de que tia Mittie pode fazer milagres com poucos ingredientes e um fogão elétrico, realmente
quero ficar sozinho com a Lotus. Embora ela seja fã do Grip, e eu não negaria essa experiência a ela.
— Você decide — aviso para Lotus, mantendo a expressão neutra.
— Parece divertido — diz.
Engulo a decepção e começo a me convencer de que teremos um momento juntos amanhã
ou em outro dia. Quanto mais perto ela fica da Fashion Week, menos tempo tem. E meu tempo será
inexistente em breve, porque terei que aparecer para a pré-temporada. Depois os jogos de pré-
temporada e a temporada em si. Com sorte, os playoffs.
— Mas é melhor não — Lotus continua. — Tenho que acordar cedo. — Ela olha para mim.
— Acho que eu deveria ir para casa e descansar — diz. — Tudo bem por você, Kenan?
Nossos olhos se fixam, e o mesmo desejo que suprimi a noite inteira, lutando toda vez que
nossas mãos se tocavam ou nossas pernas se encostavam debaixo da mesa, queima no olhar que Lotus
me dá.
— É — respondo, mantendo a voz calma. — Vou acordar cedo também.
— Acordar cedo, meu cu — responde Kenya, dando-me um olhar conhecedor. — Bem, ok.
Você ainda vai ao meu jogo amanhã?
Ando até ela e beijo sua bochecha. Ela me dá um olhar de desgosto em resposta e todo
mundo ri.
— Eu não perderia, irmãzinha. — Dou um abraço rápido em Jade também. — Muito bom
finalmente conhecê-la. Vai ao jogo amanhã?
— Sim — Jade responde. — Ouvi que talvez eu conheça sua filha.
— Provavelmente não — respondo tristemente. — Ela achou que iria, mas a mãe me
mandou mensagem avisando que Simone tem um compromisso de dança. Talvez na próxima. — Viro
a atenção para Grip e a esposa. — Muito legal te conhecer — digo a ele, esticando a mão para um
soco na dele.
Ele sorri, aconchegando Bristol, que parece prestes a cair de fadiga, mais próxima a ele.
— Amei essa saia, Lotus — Bristol comenta. — Jean-Pierre Louis?
— É sim. — Lotus ergue uma das camadas da saia preta. — E obrigada.
— Eu amo as coisas dele — Bristol adiciona.
— Lotus trabalha com o JP — conto vantagem por ela, já que obviamente não está
planejando fazer isso.
— De jeito nenhum! — Os olhos de Bristol se arregalam e se enchem com novo respeito.
— É o único show que quero ver na Fashion Week.
— Posso conseguir um ingresso se quiser — Lotus diz com facilidade.
— Sério? — Bristol dá um passo à frente e tira o telefone do bolso. — Deixe-me pegar seu
número.
— Fui convidado para um jogo das celebridades no All-Star do ano que vem — Grip me
conta. — Sabe, jogadores querem ser rappers e rappers querem ser jogadores.
— Não esse jogador — comenta Lotus. — Kenan é mais um cara do jazz.
— Sério? — A sobrancelha do Grip se ergue. — Amo Miles, Monk, Coltrane, Ella. De
quem você gosta?
— Todas as opções anteriores e algumas mais — respondo, grato por encontrar alguém da
minha idade com gosto real por outra era. — Você tem que vir ver meus vinis.
— Ah, você tem que ir ver os dele também — Bristol convida, com um sorriso. — Ele é
obcecado. Vinis e tênis sneakers.
— É, notei os 1985 — digo a ele, acenando para seus Jordans.
— É, sabe — começa, orgulhoso —, só uma coisinha de Nova Iorque.
Todos rimos e começamos a rodada final de abraços e despedidas.
— Vou voltar para a Costa Oeste em algumas semanas — aviso a Grip. Não olho para
Lotus, mas ela se enrijece ao meu lado. Sua mão aperta a minha. — Vamos tentar nos encontrar antes
do fim de semana do All-Star.
— Soa como um plano.
Uma vez que tomamos caminhos diferentes, Lotus e eu caminhamos para o Great Lawn,
dentro do parque. Abordo uma coisa que estive pensando a noite inteira.
— Lotus, não passamos muito tempo juntos desde que nos tornamos — hesito na forma de
como nos chamar — mais que amigos.
— Verdade — concorda, passando o braço pelo meu. — E só vai ficar pior. Quase esqueci
que você teria de voltar para San Diego em breve.
— É, tenho cerca de um mês. O treinamento começa em setembro. — Guio-nos para sentar
em um banco por um segundo. — Quero passar a maior parte do tempo que tivermos com você antes
que eu vá.
— Meu evento é em três semanas — ela replica. — Vai ser uma loucura em breve. Quase
não dormirei e terei pouco tempo para qualquer coisa que não seja a JPL.
— É, eu sei. — Trago seus dedos para os meus lábios. — Passe a noite comigo. Nós não
temos que…
— Sim. — A luz da lua suaviza seus traços, os ossos de seu rosto. — Não temos que foder,
era o que você ia dizer.
Rio e puxo-a para mim, desejando poder colocá-la no meu colo agora.
— Basicamente, mas quero esta noite com você. Quero acordar e tomar café da manhã.
— Torradas, bacon e ovos? — pergunta, provocadora.
— Hm, claras e frutas para mim — devolvo com um sorriso. — Mas vá em frente.
Ela se mexe até nossos olhos se encontrarem.
— Ah, eu definitivamente vou em frente.
No caminho para o apartamento do Kenan, sentamos na parte de trás do Uber de mãos
dadas, esse único ponto de contato reverberando em cada célula do meu corpo. Falamos bem pouco,
mas não há necessidade. O ar fica mais pesado com um querer implícito e um desejo sufocado.
Minha cabeça gira com fantasias de como ele vai me satisfazer esta noite. De como vou satisfazê-lo.
Não estou planejando que esta seja a noite, mas estou mais aberta a ele do que estive antes. Não é só
sexo que eu quero, que é o que sempre tive. É a intimidade que engana — a partilha, a troca.
Ele não solta minha mão em nossa caminhada rápida pelo saguão. Assim que entramos no
elevador, ele vira minhas costas contra a parede e assume a sedução que seu silêncio deu início no
longo caminho para casa. Belisca meus lábios e beija abaixo do meu queixo e por cima dos meus
seios, sugando meu mamilo através da blusa.
— Kenan. — Suspiro, minha cabeça caindo contra o painel do elevador. — Quero isso.
Ele beija a curva do meu pescoço e ombros. O elevador apita e se abre, logo Kenan me
puxa pela mão para fora. Suas passadas longas tornam difícil acompanhar, mas minha ansiedade me
faz tropeçar para tentar. Uma vez dentro, ele vira minhas costas novamente contra a parede e se
ajoelha em frente a mim, um rei suplicante. Esfrega a língua repetidamente pela flor nascendo ao
redor do meu umbigo. Gemo, enfiando os dedos nos implacáveis e densos músculos em seus ombros.
Ele desce mais, beijando minha boceta pelas camadas simples e macias do tule e da calcinha de
seda; um grunhido deixa sua garganta quando ele inala.
— Foda-se, o seu cheiro… — Olha para cima, seus olhos escuros e ferozes. — Você
cheira como se me quisesse.
— Eu quero. — Minha voz está áspera, assim como minha resistência; desgastada como
meu controle. Freneticamente puxo minha saia por cima das coxas, expondo minha calcinha e a mim
mesma. — Tanto.
Gemendo, ele corre o nariz para cima e para baixo na parte da frente da minha boceta e me
abocanha por cima da calcinha, buscando gananciosamente, encontrando, sugando meu clitóris
através da seda e da renda. Arranho a porta de madeira nas minhas costas, procurando apoio e forças
para ficar de pé. Não consigo passar outro minuto sem sua boca em mim. Sem vergonha e
desesperada, puxo a calcinha de lado. Sua boca me agarra, festejando, lambendo a fenda, fazendo
dos meus lábios vaginais reféns dos seus. Ele estende a mão enorme, passando pelo meu estômago e
deslizando-a por debaixo do meu cropped para apertar meu mamilo com piercing.
Não sei como chegar ao que preciso sem foder com ele. Preciso ser preenchida por ele.
Preciso de cada centímetro desse espaço vazio dentro de mim ocupado, tomado por seu corpo, por
sua paciência e cuidado. Por ele.
Afasto-me e fico abaixada em frente a ele, sem me preocupar com o chão de mármore frio
e duro debaixo dos meus joelhos. Agarro sua nuca, puxo-o para mim, prendo sua boca na minha e
provo-me em sua língua, um reconhecimento erótico que aperta meus mamilos e vaza pelas minhas
coxas. Minhas mãos se atrapalham com seu cinto — estou tremendo com a necessidade de tê-lo. Ele
não para ou me ajuda, mas enfia a mão pelo meu cabelo e esfrega entre minhas pernas com a outra,
esgueirando-se pela minha calcinha para inserir dois dedos em mim.
Fico imóvel contra seu tórax, minha respiração ofegante, minhas mãos inúteis em seu zíper,
meu quadril se movendo junto dos seus dedos me invadindo e recuando. Seu polegar esfrega meu
clitóris enquanto me toca com certeza obstinada, os olhos travados em mim.
— Ai, Deus.
Minha cabeça cai em seu peito enquanto um formigamento começa em meus pés e vibra
pelas minhas panturrilhas, meus joelhos, minhas pernas, e converge para o ponto que ele ainda possui
de forma implacável e metódica. E aí não consigo lutar contra. Com uma mão em seu zíper, a outra
segurando seu bíceps, eu gozo. O orgasmo corre em um rompante pelo meu corpo, não deixando
nenhuma parte de mim intocada. Um grito rasga por mim — rasga o apartamento. Soluços secos
cortam minha garganta e, destruída de prazer, enterro o rosto em seu pescoço, abro a boca na sua
curva musculosa e mordo. Ele fica tenso, rosna e seus músculos se apertam debaixo das minhas
mãos.
Ficamos imóveis. Afasto-me o suficiente para olhar em seus olhos, nossas respirações
pesadas colidem entre nossas bocas. Sem liberar seu olhar, abaixo o zíper, deslizo a mão em seu
jeans e retiro-o de dentro da cueca.
— Lotus — murmura, as pálpebras pesadas, as pupilas dilatadas com luxúria.
Não espero pelo que quer que ele vá dizer, mas empurro seu ombro para baixo, deixando
suas costas no chão de mármore. Ergo sua camisa e lambo meus lábios com a visão do seu torso, uma
chapa de músculos esculpidos. E aqueles mamilos.
Minha fraqueza.
Monto em sua barriga e inclino-me para pegar um na boca. Gemo com o sabor dele — a
textura macia e áspera em minha língua. Abaixo-me e seguro seu pau, esfregando-o para cima e para
baixo no ritmo, com a cabeça balançando em seu peito, chupando seus mamilos. Ele emite sons rudes
e estrangulados e mergulha a mão no meu cabelo, puxando minha cabeça para baixo. Rendo-me,
deixando beijos enquanto desço. Sussurro “sim” sobre seu peitoral, as marcas robustas das duas
costelas, a construção do seu abdômen.
Seu cinto já foi desfeito. O zíper, abaixado. Elevo o olhar, prendendo os meus nos seus
quando minha boca alcança sua parte mais vulnerável. Engulo em seco. Kenan é um homem grande.
Assumi que ele não seria diferente aqui e estava certa.
— Meu Deus, você é lindo — digo a ele, nem mesmo tentando esconder a reverência em
minha voz. Ele é perfeitamente formado, esculpido, maciço.
Meu. Por hoje, por quanto tempo eu conseguir manter, meu.
Levo seu pau à minha garganta e engulo, saboreando os sons selvagens que ele me dá em
recompensa. Lambo para cima e para baixo, da base à coroa, sem negligenciar nenhum centímetro.
Vou mais abaixo, colocando as bolas na boca uma de cada vez, trabalhando nelas até que estejam
brilhantes, molhadas, escorregadias.
— Porra, Lotus — geme, as duas mãos em punhos no meu cabelo com tanta força que
pinica. Não ligo. Só quero senti-lo.
Deslizo a língua na fenda em sua ponta e, no primeiro sinal do seu leite salgado, perco o
controle. Torno-me uma besta faminta, segurando suas coxas poderosas com as mãos, os pelos
ásperos arranhando minhas palmas. Estou manipulando suas bolas e levando-o tão longe na minha
garganta que engasgo, saliva se acumulando em minha boca e escorrendo nos cantos.
— Baby, vou gozar.
Assinto bruscamente, segurando seu quadril no lugar e levando-o mais para baixo. Minha
garganta se contrai ao redor dele em cada gole duramente conquistado.
— Jesus, Lotus. — Seus belos traços retorcendo-se com um prazer agonizante, acariciando
minha mandíbula enquanto ela trabalha ao redor dele.
O primeiro jato quente cobre minha língua e o céu da boca, escorrendo pela garganta.
Gemo com o sabor dele. Vorazmente, deixo espaço nas minhas bochechas para sugar cada gota.
Quando a corrente finalmente para, lambo da base à ponta, tomando tudo que posso. Guardando o
gosto, saboreando-o. Quando o lambo até deixar seco, rastejo em seu peito e enfio-me na curva do
seu braço, meu ouvido pressionado ao seu coração buscando seu som reconfortante. Seus dedos
perpassam meu cabelo, e um mais largo traça a tatuagem florida em minha espinha.
Deitamos aqui por muito tempo, ignorando o fato de que o chão de mármore do seu
vestíbulo é frio e duro. Sem nos importar com a bagunça pegajosa que compartilhamos do corpo um
do outro. Está silencioso, exceto pelas nossas respirações lentas e calmas, que preenchem o ar.
Nossos corpos estão nos ensinando o propósito da verdadeira intimidade. É o prazer do outro acima
do seu. É uma fome única pela outra pessoa — satisfeita apenas por ele. Apenas por ela.
— Isso foi… — As palavras de Kenan falham, desaparecem, mas não preciso delas.
Toco seu torso rígido e espalho beijos pelo seu peito.
— Eu sei — sussurro, meus olhos molhados de emoção. — Eu sei.
Os eventos da noite passada, depois de nos devorarmos no vestíbulo, são meio turvos.
Estávamos exaustos. Peguei a Lotus de saia e blusa, deixando sua bolsa, calcinha, sapatos e jeans
perto da porta. Quase não chegamos à cama, desabando bem no centro e caindo no sono quase
imediatamente. Acordei com as costas dela no meu peito e suas curvas suaves deixam meu pau mais
duro do que a típica ereção matinal.
— Alguém está feliz de me ver esta manhã — Lotus diz, a voz rouca de sono e, espero,
excitação.
Ela se vira para me encarar e desliza uma coxa tonificada entre minhas pernas. Meus
braços se apertam ao redor dela e desejo podermos acordar assim em todas as manhãs. É cedo
demais para pensar assim? Começar a explorar cenários onde podemos ficar assim, juntos, o tempo
todo?
— Estou muito feliz de te ver — murmuro na curva aveludada do seu pescoço. — Quero
ver você o dia inteiro. É possível?
— O dia inteiro? — Ergue a cabeça e apoia-se no cotovelo para me olhar. — É domingo,
mas talvez o JP ainda precise de algo, estando tão perto do evento. Posso confirmar com ele antes de
começarmos a fazer planos?
— Claro. — Estou distraído, enchendo sua mandíbula de beijos e esfregando sua coxa
debaixo da saia de tule. Subo um pouco mais e encontro a curva firme e nua de sua bunda. Olhamos
um para o outro, as memórias da noite passada, os momentos quentes, ressurgindo entre nós. — Não
consegui realmente ver você — digo a ela, minha voz cada vez mais grave pelo desejo. Encontro o
botão minúsculo na parte de trás da sua saia. — Deixe-me olhar para você. Não temos que fazer nada
que você não queira.
Ela se move para facilitar que eu tire a saia. Com sua calcinha no vestíbulo, tenho uma
visão ininterrupta das suas pernas bem torneadas e em um tom de cobre, o quadril sutilmente curvado
e a boceta nua e carnuda.
A depilação ajuda muito.
Puxo a bainha da sua blusa, querendo ver os seios, a barra que perfura um de seus
mamilos. A peça já está quase passando da cabeça dela, quando Lotus começa a lutar para se afastar.
— Kenan, não — pede, a voz um tom mais alto.
— Baby, está tudo bem. Eu vou parar — começo a tranquilizá-la, mas perco a linha de
pensamento quando vejo as marcas escuras em seus braços.
— Kenan… — sussurra, completamente nua na minha cama, os olhos arregalados e
preocupados. — Posso exp…
— Quem? — interrompo, mordendo com força para conter minha fúria. — Quem fez isso?
Como você conseguiu essas marcas?
— Não é na… Não é nada — fala. — Deixa pra lá.
— Diga agora mesmo quem colocou as mãos em você — corto. — Não minta para mim.
— Kenan, você está fazendo um drama com algo…
— Droga, Lotus.
— Ok, foi o Chase — diz, apressada. — Senhor. Foi o Chase, mas ele não teve intenção.
Ele só me segurou com mais força do que…
— Chase te segurou quando foi confrontá-lo? Você disse que tinha lidado com isso e que
ele não tinha te dado nenhum trabalho.
— Eu lidei e ele não me deu — responde, soando levemente na defensiva. — Eu dei conta
sozinha.
— Isso — comento, tocando de leve as marcas escuras em seus braços — diz o contrário.
— Por favor, não transforme isso em grande coisa. — Ela esfrega os olhos e libera um
suspiro frustrado. — Eu posso cuidar de mim mesma. Chutei as bolas dele e ameacei tomar medidas
legais. Está resolvido.
— Por que você teria que chutá-lo nas bolas? — pergunto, a voz baixa e a frustração alta.
— O que ele fez?
Ela pisca para mim, seu olhar opaco, sem entregar nada.
— Olha — finalmente diz —, Kenya me disse que você teve uma reação exagerada na
galeria.
— Não, não tive.
Lança um olhar irônico para mim.
— Se foi algo próximo de como você agiu quando foi no estúdio…
Ela deixa o restante no ar, fazendo-me repetir tudo na minha cabeça. Kenya teve que dizer
que eu tinha TEPT para evitar que eu fosse processado ou preso.
— Ok. Talvez eu tenha exagerado um pouco — admito. — Mas, e essas marcas? Não
posso deixar isso passar.
— Falei que lidei com isso. Já conversei com ele.
Observo-a em um silêncio sombrio. Não vou conversar com o Chase. Vou socar a cara
dele. Não prometo nada a ela, não digo uma palavra, o que parece preocupá-la ainda mais.
— Kenan. — Ela deixa a cabeça cair nas mãos, os cachos bagunçados por toda parte. —
Por favor, deixe isso quieto.
Impossível. Primeiro ele tira uma foto dela parcialmente nua sem permissão. Depois tem a
coragem de expor sem permissão. E aí ele deixa marcas na minha garota?
Minha garota.
Meu Deus, parece a coisa certa. Eu a chamei de minha namorada ontem à noite sem nem
pensar. Saiu de dentro de mim e parecia tão natural quanto respirar. Tão certo quanto qualquer outra
coisa boa que já tive.
— Não quero que você tenha problemas. — Suas sobrancelhas se franzem e seus lábios se
apertam. — Você tem muito a perder, Kenan. Não quero que o drama na minha vida o coloque nos
noticiários por ser qualquer coisa além da pessoa maravilhosa que é. Você disse que a Bridget
arruinou a sua vida. Não quero fazer isso.
— Não se coloque no mesmo hemisfério que a Bridget — digo, impaciente. — O que ela
fez não foi nada disso. Ela me traiu e me fez ser pego pelo circo da mídia.
— Aqui vai uma manchete — sarcástica, começa. — Jogador da NBA é preso por
agressão com lesão corporal. Isso seria circo o suficiente para você?
— Você está certa em uma coisa. — Emolduro seu rosto, traçando os ossos delicados com
as mãos. — Eu tenho muito a perder. — Beijo sua testa, sua têmpora, seu queixo. — Tenho você a
perder, Lotus — afirmo, afastando-me para capturar seu olhar preocupado. — Ninguém vai machucar
você e sair ileso.
Algo brilha em seus olhos e ela olha para baixo, para as mãos.
— Apenas duas pessoas na minha vida inteira me protegeram — conta, a voz trêmula. —
Iris e MiMi. Não confiei em mais ninguém.
Sei que alguém a machucou gravemente no passado. Seu trauma de infância. Não consigo
pensar muito em como isso se conecta com a dificuldade que ela tem tido com sexo. Se for algo perto
do que imaginei, vou perder a cabeça quando ela finalmente me disser. Até mesmo o pensamento de
alguém machucar a Lotus, minha garotinha durona, solta cães de caça dentro de mim.
— Você confia nesse anel para protegê-la — digo, pegando sua mão e brincando com o
anel que ela nunca tira — porque a MiMi o deu a você.
Ela assente, cabeça baixa, juntando a mão na minha.
— E se ela me deu a você? — Inclino-me para sussurrar em seus lábios. — E se agora eu
for o seu gris-gris?
Sua cabeça se ergue e seus olhos, mais escuros com a emoção, se enchem de lágrimas.
— Não acredito em feitiços, poções ou vudu. — Coloco a mão sobre seu coração, entre os
seios nus. Cobre a maior parte do seu torso. — Mas acredito nisto. Acredito que algo especial está
acontecendo entre nós, Lotus. E sim, já fui machucado antes. Mentiram para mim. Já me traíram. Mas
não vou fugir disto, de você, por causa daquilo. Não vou deixar o que aconteceu no passado me
impedir de nos dar uma chance. — Beijo seu nariz e ela se move para nossos lábios se encontrarem e
se tocarem de forma breve e doce. — Deixe-me proteger você — sussurro em nosso beijo, minha
mão ainda cobrindo seu coração.
Ela assente e deixa beijos na minha mandíbula, no meu pescoço. Enquanto estávamos
discutindo, não prestei atenção em sua nudez, mas agora penetra minha consciência até que não
consigo focar em mais nada. Quero explorar todos os segredos do seu corpo. Inspecionar o presente
que recebi.
— Quero olhar para você.
Respiro perto do seu mamilo perfurado, algo delicado e sombrio, e passo meus dedos para
baixo em direção à flor de lótus ao redor do seu umbigo. Olho para cima e a encontro me estudando
enquanto a estudo, com um sorriso indulgente. Traço a renda francesa trabalhada no topo de suas
coxas. Os nós dos meus dedos acariciam sua boceta e sua respiração fica presa. Sua garganta se
move ao engolir em seco. Meu pau esteve tão profundamente naquela bela garganta na noite passada.
— Quando me chupou, eu quase perdi a cabeça.
— Você ainda não viu nada — promete, com uma risada lasciva.
Sorrio maliciosamente e deslizo a mão entre suas pernas.
— Alguém está molhada. — Ofego, a boca enchendo d’água.
— Você tem esse efeito em mim.
Passo a língua na pele macia do seu umbigo e distribuo beijos no vão de seus seios,
sugando a barra em seu mamilo entre os dentes. Olho para baixo, e ela está de pernas abertas,
esfregando o clitóris. Seus olhos estão fechados. O pescoço, arquejado.
— Não pare. — Ela arfa.
Inferno, não vou parar de jeito nenhum.
Trabalhamos juntos — ela entre as pernas, eu em seus seios —, conspirando para o seu
prazer. Ela se contorce debaixo das próprias mãos, pelos meus lábios. Quero que ela goze em todo o
meu lençol. O cheiro do seu cabelo, a doçura do seu corpo… Quero que isso fique na minha cama
por dias depois que ela se for.
— Porra — solta, expirando o ar. A boca abrindo e a cabeça pressionada com força em
meu travesseiro, enquanto seu corpo estremece.
Quando ela se acalma, eu a viro gentilmente para deixar beijos em todo o zíper que decora
sua coluna e as pequenas flores correndo pelo lado.
Caramba, a bunda dela é perfeita. Aperto as duas bandas redondas e firmes e ela ofega.
Deslizo o dedo pelo meio em direção à sua boceta, espalhando os fluidos que ela terminou de expelir
pelos lábios, depois em seu ânus, sem me atrever a colocar o dedo. Não fizemos sexo ainda, quanto
menos anal. Lotus pode não curtir, apesar de que, julgando pela forma como empurra a bunda contra
a pressão dos meus dedos e geme, talvez tenha a mente aberta.
— Você come bundas? — pergunta subitamente, e sei que ela está tentando me afastar.
— Eu comeria a sua — respondo com verdade. Porque não existe uma parte dela que não
seria boa para mim.
Nós dois parecemos achar isso muito engraçado e caímos na risada. Eu a viro de volta e
puxo em minha direção para sentir a vibração da sua alegria. Estou fazendo cócegas nos seus lados
quando um barulho chama minha atenção.
— Ouviu isso? — pergunto, parado, meus dedos posicionados sobre seu estômago.
— Sim. Como se fosse uma porta. — Ela senta. — Parece que alguém entrou no
apartamento.
— Ninguém tem a chave, mas… — Pulo da cama. — Tem que ser a Simone. Ela é a única
que tem.
— Merda — Lotus diz baixinho, lutando para colocar a blusa e a saia de volta. Horror
toma seu rosto. — Kenan, meus sapatos e a calcinha ainda estão na porta.
— E minhas calças — gemo. — Droga.
Visto uma calça de moletom e uma camiseta, caminhando rapidamente para o cômodo da
frente. A Doutora Packer teve uma emergência familiar e cancelou nossa última sessão, então ainda
não falamos com a Simone sobre a Lotus. Eu quase preferia encontrar um ladrão do que a minha filha
no apartamento agora, mas são Bridget e Simone que estão paradas ao lado da pilha de roupas que
descartamos no vestíbulo. Simone encara a calcinha, a bolsa e os sapatos da Lotus. Bridget parece
convencida e furiosa.
— Não lembrava que você era tão desleixado, Kenan — comenta Bridget, chutando nossas
coisas no caminho. — Ou que tinha pés tão pequenos.
— Ei — falo, tentando manter minha própria raiva longe da minha voz na frente da Simone.
— Não estava esperando vocês.
Ando até lá e beijo a testa da minha filha.
— Bom dia, Moni — cumprimento, fazendo nosso gesto em seu rosto. — Achei que você
tinha dança hoje.
Ela assente, os olhos ainda nas coisas da Lotus.
— Faltei porque queria ver o jogo da tia Ken.
— Eu liguei — Bridget diz, com uma nota defensiva no seu tom —, mas foi para a caixa
postal.
— Quando? — Franzo o rosto para ela. — Não recebi nenhuma mensagem. Quando você
ligou?
— Mais cedo — responde de forma vaga.
Tenho certeza de que ela está fazendo algum joguinho. Estou de saco cheio.
— De quem são essas coisas, papai? — questiona Simone, a voz baixa, os olhos no chão.
Estou chutando a mim mesmo. Sim, Bridget não deveria ter invadido meu apartamento, mas
o peso da tristeza da Simone me pressiona. Queria ter insistido para ter a conversa com a Doutora
Packer mais cedo ou esperado para seguir em frente com a Lotus, apesar de isso ser difícil de
imaginar, dado o quanto eu a quero. Minha filha mais uma vez foi pega no fogo cruzado dos pais —
na maldade da Bridget e no meu descuido, minha falta de controle. Independente de como chegamos a
esse ponto, agora estamos aqui e não posso mentir para ela. Simone tem 14 anos, não 4. Preciso
respeitar sua inteligência e o fato de que ela foi exposta a muito mais do que eu em sua idade.
— Lembra-se da mulher que apresentei a você no restaurante? — questiono, procurando
em seu rosto por sinais de reconhecimento.
— Lotus — ela diz, encontrando meu olhar e assentindo.
— Isso. Ela e eu estamos saindo, Moni. Ela é minha namorada.
Bridget ofega, sua frustração e raiva me prendem como se houvesse uma mão em meu
pescoço.
— Ela está aqui. — Abaixo-me para pegar os pertences da Lotus. Recolho meu jeans. —
Já volto.
Quando retorno para o quarto, Lotus está sentada na cama, a saia de tule espalhada ao seu
redor, um olhar ansioso em seu belo rosto.
— Está tudo bem? — pergunta. — A área está limpa?
— É sua, acredito — digo, oferecendo a calcinha.
Ela faz uma careta, vestindo-a e colocando os pés nos sapatos vermelhos.
— A área não está limpa. — Pego sua mão e caminho em direção à porta. — Houve uma…
vamos chamar de confusão, para dar à Bridget o benefício da dúvida. E Simone virá ao jogo, afinal
de contas.
Lotus para, puxando a mão de volta.
— O que você está fazendo?
— Amor, ela estava parada ao lado da sua bolsa, da sua calcinha e de um sapato tamanho
36 que obviamente não é meu. Ela não é idiota e não quero mentir para ela. Contei que você está aqui
e que estamos namorando.
— Ela está bem?
Essa é a pergunta que me faço todos os dias. Questiono-me o que se passa na mente ágil da
minha filha, como ela está processando as mudanças em sua vida. Mudanças enormes no mar, que
vieram em ondas e jogaram o mundo dela em um caos.
— Ela vai ficar bem — afirmo, com mais confiança do que às vezes sinto. — Mentir para
ela não ajuda. Venha.
Depois de uma breve hesitação, Lotus assente e me segue.
Ao chegarmos na sala de estar, minha filha está no sofá digitando no celular. Com a planta
aberta do piso, consigo ver Bridget na cozinha, mexendo na minha geladeira.
— Não tem água mineral? — grita.
Ignoro.
— Moni, você se lembra da Lotus, né?
Ela examina cada detalhe da sua aparência, começando pelo sapato vermelho, e cada
centímetro dos cachos platinados selvagens.
— Como você conseguiu que seu cabelo ficasse assim? — pergunta, as sobrancelhas
unidas, olhos curiosos.
— Hm, ficasse como? — Lotus toca o cabelo, incerta.
— Cacheado e tal — Simone responde de má vontade, como se até esse mínimo interesse
em Lotus estivesse sendo arrancado dela.
— Bem, nem sempre foi. — Lotus ri secamente. — Quando tentei da primeira vez, ele não
cacheava de jeito nenhum. Levou muito tempo para descobrir que produtos funcionavam comigo. —
Lotus olha o cabelo dela, preso em um rabo de cavalo. — Acho que o seu é um 3C, como o meu —
comenta.
— O que é um 3C? — pergunta.
— É só um tipo de cabelo. Existe um sistema que determina a textura do cabelo. Ajuda a
encontrar os melhores produtos — Lotus hesita, mordendo o lábio antes de falar: — Eu poderia
ajudar, se…
— Não será necessário — Bridget solta da cozinha. — Kenan, queria conversar com você
sobre amanhã, se pudermos.
— Sobre o quê? — pergunto, com uma calma deliberada. Não tenho nenhuma vontade de
falar em particular com ela. Iremos apenas brigar, e prefiro fazer isso sob a supervisão imparcial da
Doutora Packer.
Bridget desliza um olhar cheio de significados para a Lotus, depois volta para mim. Quero
dizer a ela para sair do meu apartamento e ir estragar o domingo de outra pessoa, mas Lotus limpa a
garganta, pedindo atenção. Ela sacode a cabeça subitamente.
— Preciso ir. Vou pegar um Uber — diz, caminhando para a porta. Então sorri para minha
filha. — Foi bom ver você, Simone.
Ela finge estar ocupada com o telefone e lança um olhar resignado em minha direção, como
se estivesse se perguntando por que precisa aturar minha nova namorada.
— Deixe-me pelo menos levar você lá fora — peço para Lotus, minha mão em suas costas.
— Não, está tudo certo — responde rapidamente. — Falo com você mais tarde. — Sigo-a
para fora e fecho a porta atrás de mim. — Kenan, volte para dentro — sussurra. — Sua filha precisa
de você. Não acho que ela esteja levando bem.
— Não, mas vamos trabalhar nisso na reunião de amanhã, quando ela deveria descobrir
sobre nós. Sei que Bridget fez de propósito, tentando me pegar desprevenido. — Corro a mão pela
cabeça, frustrado. — Não foi assim que eu nos vi passando nossa manhã.
— Como você viu? — questiona Lotus, caminhando para trás em direção ao elevador, sem
tirar os olhos dos meus.
Dou alguns passos em sua direção, aproximando-me, para não ter que falar tão alto.
— Como na noite passada — respondo gentilmente, dando uma olhada na porta fechada. —
Tirando um tempo para conhecer minha nova namorada.
O elevador se abre com um apito e ela entra, segurando as portas por um segundo e
encarando meus olhos, sem nenhum humor à vista.
— Amei ouvir isso — devolve, deixando as portas se fecharem.
Eu poderia perguntar se ela gostou de ouvir que eu iria conhecer melhor minha namorada
ou de tê-la chamado de namorada. Eu acho, eu espero, que sejam os dois.

— Diga o que está sentindo, Simone.


O tom calmo da Doutora Packer não ameniza a turbulência nos olhos da minha filha. É
segunda-feira, e Simone quase não falou comigo ontem, quando voltei do elevador. Ela me deu um
gelo no caminho para Barclays, onde o time da Kenya jogou. Ela foi quase rude quando conheceu
Jade, dando-nos caretas, ficando em silêncio e rolando os olhos. Se existe essa coisa de adolescentes
terríveis, estamos bem no meio dessa fase.
Com os lábios abertos para falar, Simone lança um olhar de dúvida entre Bridget e eu,
apenas para fechar a boca em uma linha reta em teimosia, traçando o furo em sua calça, na altura do
joelho.
— Pode dizer, Simone — a Doutora Packer insiste gentilmente. — Seus pais não vão ficar
chateados, e todos precisamos ser honestos se queremos fazer isso funcionar.
— Papai não foi honesto — ela diz, sem me olhar.
— Simone, não queria que você soubesse da Lotus dessa forma — defendo-me. — Mas
não menti para você.
Acusação brilha em seus olhos quando finalmente se vira para mim.
— Você disse que ela era uma amiga quando a vimos no restaurante.
— Ela era uma amiga — devolvo, de forma uniforme. — Decidimos que… gostamos um
do outro não muito depois daquilo. Planejei contar sobre ela na reunião de hoje. — Espero que o
olhar que dirijo para Bridget, sentada do outro lado da Simone, não esteja tão irritado quanto me
sinto. — Mas, quando sua mãe a levou para o apartamento ontem — explico —, fui pego de surpresa.
Pensei que teria tempo de contar. Juro que tinha toda a intenção de discutir isso.
— É verdade, Simone — a terapeuta confirma. — Estava na agenda de hoje.
— Então você sabia, mamãe? — Simone demanda.
— Sim. — Bridget limpa a garganta. — Não mencionei porque estávamos planejando dizer
hoje.
Mas aparecer sem avisar arruinou esse plano, né, Bridget?
Meu Deus, queria poder dizer isso em voz alta, mas seguro o comentário.
— Tendo dito isso — interfere a Doutora Packer —, pode nos contar sobre como o novo
relacionamento do seu pai te faz sentir?
Simone engole e rapidamente pisca os longos cílios.
— Triste.
Abro a boca, pronto para mergulhar, sem ter certeza do que dizer, mas precisando fazê-la
se sentir melhor. Doutora Packer pega meu olhar, oferecendo uma rápida negativa com a cabeça.
— Por que triste? — insiste.
— Tudo continua mudando — Simone sussurra, uma carranca surgindo acima dos seus
olhos preocupados. — E eu só queria que fosse como quando minha mãe e meu pai estavam juntos.
Quando encaro o olhar da Bridget, encontro a presunção que eu já esperava, mas também
há impotência. Dor. Culpa. Quero gritar “você fez isso!”, mas, quanto mais distância tomo do nosso
casamento e da nossa situação atual, mais olho em perspectiva. Sei que a Bridget não é culpada por
tudo. Eu não era o melhor marido. Inferno, eu ficava na estrada 75% do ano e nem sempre fui o
melhor pai. Compartilho da culpa nos olhos da Bridget.
— Casamentos nem sempre duram — comenta a Doutora Packer —, mas a família sim.
O lábio inferior da Simone treme.
— Quanto tempo o vovô ficou casado com a vovó, papai?
A pergunta é uma bola fora, errante, voando por cima da cerca e pousando bem no meio
desta conversa. Todas as emoções que reprimi cuidadosamente retornam para a superfície com a
menção ao meu pai. Viro para a Doutora Packer buscando orientação e seu rápido aceno me encoraja
a responder.
— Hm, eles foram casados por quarenta anos — respondo.
— E você achou que ficaria casado com a mamãe por tanto tempo? — Simone indaga, os
olhos brilhantes e intensos examinando meu rosto como um holofote.
— Achei que ficaria casado com sua mãe pelo resto da minha vida, Moni. — Lanço um
olhar para a expressão cada vez mais séria da Bridget. — Levei meus votos de casamento muito a
sério.
— Eu também — Bridget se defende, poucas palavras. — Só porque cometi um erro não
significa que não dei valor aos nossos votos.
Não respondo, porque essa não é a hora de rever meu passado com a Bridget, mas de
preparar Simone para o meu futuro com a Lotus.
— Você ficava fora por muito tempo — Bridget murmura.
Meu Deus, se essa mulher arrotar, ela vai encontrar um jeito de colocar a culpa em mim.
— Isso ainda não é desculpa… — Suavizo as palavras e minha raiva antes de prosseguir:
— E já ficou para trás. Nós dois cometemos erros e é hora de seguirmos em frente.
— Você vai me deixar se eu cometer um erro também? — Simone retorce os dedos em nós
ansiosos no seu colo.
— Nunca. — Estendo a mão e gentilmente viro seu rosto, até que olhe para mim. — Nunca
vou deixar você, Moni.
— Qual é a diferença? — sussurra, olhando-me. As adagas em seus olhos apunhalam meu
coração e tenho dificuldade de manter a voz tranquila enquanto sangro por dentro.
— Não posso desfazer o sangue em minhas veias — explico a ela. — Você é parte de mim
e não há nada que faça eu não ser seu pai.
— Mas o divórcio fez a mamãe não ser sua esposa — argumenta, os olhos brilhando no
mesmo exato tom de azul da mãe. — Não pode perdoá-la?
Desvio de Simone para encarar o olhar alerta de Bridget, depois vou para a Doutora
Packer.
— Responda, Kenan — incentiva a Doutora Packer.
— Não sei, querida — devolvo com honestidade, dando de ombros. — Tenho certeza de
que irei perdoá-la algum dia, mas nunca mais seremos casados. Não vai acontecer.
— Por causa dela — rebate Simone, sua voz carregando uma pontinha de amargura. —
Você está tão ocupado com a Lotus que…
— Simone, não — aviso, o mais perto de ser incisivo que posso, mantendo a voz gentil,
mas falhando. — Você sabe que sua mãe e eu ficamos separados por bastante tempo antes de eu
conhecer a Lotus.
— Então você já se apaixonou por ela? — Simone zomba, mas sua bravura não esconde a
dor e o medo.
— Eu me importo muito com ela. Estamos em um relacionamento. Acho que você
realmente gostaria…
— Terminamos? — ela me corta, lançando o olhar para a Doutora Packer.
— Na verdade, temos mais alguns minutos. — A doutora olha o relógio. — Mas estamos
quase terminando e…
— Eu terminei. — Simone fica de pé abruptamente e caminha para a porta. — Estarei no
carro, mamãe.
A porta bate atrás dela e solto um suspiro pesado. Inclino-me para frente e descanso os
cotovelos no joelho. Minha cabeça parece muito pesada nas mãos. Meu coração, como se fosse de
chumbo em meu peito.
— É, foi tudo bem — Bridget diz, seca.
O tênue controle em minha frustração acaba. Viro a cabeça e faço uma careta para ela.
— Por que infernos você apareceu sem avisar no meu apartamento ontem, Bridget? —
falo, rangendo. — Podíamos ter evitado tudo isso se você…
— Se você tivesse mantido esse pau dentro da calça?
— Não se preocupe com o meu pau. Fique fora da minha vida pessoal e do meu
relacionamento.
— Seu relacionamento. — Bridget torce os lábios em uma curva de desdém. — Com uma
garota que mal saiu da faculdade e que você conhece pelo quê? Dois meses? Me poupe. Não vai
durar. Nem sei por que nos incomodamos em contar à Simone.
— Nós nos preocupamos porque a Lótus é importante para mim — digo a ela, enxergando
através de sua bravura da mesma forma que fiz com a minha filha. Forço-me a suavizar o tom, apesar
da irritação. — Simone não é a única que tem que aceitar isso, Bridget.
Ela me encara de volta, a ira piscando e desaparecendo até que morda o lábio e abaixe os
cílios.
— Concordo que não foi uma maneira ideal de apresentar o assunto — diz a Doutora
Packer —, mas pelo menos vocês foram honestos. Ela está magoada, confusa e ainda se acostumando
com a nova vida. Suas bases foram abaladas e qualquer esperança que tinha de restaurar as coisas
parece mais distante do que nunca agora. — Ela se recosta na cadeira e olha para nós dois. — Acho
que pode ser bom para a Simone algumas sessões individuais com cada um de vocês. Pode haver
algumas coisas que ela está relutante em dizer na frente de um ou de outro.
Bridget e eu acenamos, concordando.
— Deem tempo a ela, observem-na de perto e a coloquem em primeiro lugar — orienta a
Doutora Packer. — Isso significa deixar de lado toda essa amargura. — Ela divide seu olhar entre
nós dois, suas sobrancelhas levantadas. — Acham que podem fazer isso?
Bridget e eu trocamos um olhar carregado de todas as coisas que infectam todas as nossas
interações — ressentimento, raiva, medo, arrependimento — antes de ambos assentirmos
bruscamente. Bridget se levanta tão abruptamente quanto Simone e também se afasta.
Retorno para a cena do quase crime.
E Kenya não está comigo desta vez quando entro na Gilded Bean, então preciso cuidar de
mim mesmo.
— Ah. — A mulher de óculos do outro dia ergue os olhos do seu bloco de notas. — Você
voltou.
— É. Sinto muito se eu… fui muito duro no outro dia — digo, usando meu estoque bem
limitado de charme. — Fiquei desapontado que a imagem não estava à venda.
— Sim. Essa parte eu entendi, Senhor Ross.
— Sabe quem eu sou?
— Quando um homem oferece vinte mil dólares por um quadro na minha galeria —
justifica ironicamente —, faço meu trabalho de saber quem ele é.
— A oferta ainda está de pé. Quero muito aquela foto.
— Não está à venda. Na verdade, como pode ver — comenta, apontando para a parede
onde a foto da Lotus esteve pendurada —, não está mais em exibição.
Estudo a imagem do parque High Line onde estava a foto da Lo. Então ela estava certa. Foi
removido.
— Posso perguntar por que você estava tão interessado? — pergunta. — Assim, além do
óbvio. Ela é uma bela garota.
— Ela é minha garota. Minha namorada. E aquele idiota não tinha permissão de expor
aquela foto.
— Essa é uma séria alegação. — Olha para a nova foto e franze o rosto.
— Não estou aqui para fazer alegações. Fica a cargo da Lotus a forma como quer
prosseguir. Eu só quero falar com o Chase. Ele está aqui?
É uma pequena mentira. Quero fazer mais do que falar com ele, mas transformo minha
expressão em algo inofensivo e apenas ligeiramente interessado.
Depois de uma pausa e um olhar de escrutínio, ela aponta para um corredor à esquerda.
— Ele está em um dos quartos trabalhando com algumas fotos.
— Obrigado.
Sigo na direção que ela apontou e, de certo, Chase está em cima de uma escada, ajustando
a montagem de um dos displays. Chuto a escada de leve e ela treme por alguns segundos, quase
caindo. Chase solta um palavrão alto e agarro os lados para estabilizar no último minuto.
— Que merda você está fazendo aqui? — Chase franze o rosto para mim do seu lugar.
— Desça — ordeno no tom mais calmo que posso.
O tamanho dele não chega nem perto do meu, mas ele é bem maior que a Lotus e colocou as
mãos nela. Continuo vendo as marcas escuras em seus braços e vou ficando mais irritado a cada
minuto.
— Desculpa? — questiona, uma sobrancelha erguida, a imagem da arrogância.
— Você pode descer e conversaremos cara a cara ou pode ficar aí em cima e eu chuto essa
escada para que você caia. Não importa como, você vai descer.
Ele corre a mão pelo cabelo, solto nos ombros hoje, e libera uma respiração exasperada.
Desce e, uma vez no chão, dobra os braços sobre os peitos.
— Olha, Lo veio e resolvemos — diz. — Então você não tem nada para discutir, pelo que
eu sei.
— Esse é o problema. Você não parece saber muita coisa.
— Não entendi o que você disse.
— Se você tivesse alguma noção — começo, andando para mais perto —, não teria a
agarrado. Não teria deixado marcas em seus braços, porque então você teria previsto que teria que
lidar comigo.
Ele engole em seco, os olhos mudando nervosamente para a porta atrás de mim.
— Ela ficou com marcas?
— Na verdade, ela tentou esconder de mim, porque estava com medo de que eu viesse e
socasse a sua cara ou algo do tipo. — Inclino-me levemente até que nossos olhos estejam alinhados.
— Porque eu vou socar a sua cara.
— Você não pode simplesmente sair por aí ferindo as pessoas — fala, mas não parece ter
total certeza.
— Por que não? — Franzo a testa e inclino a cabeça como se estivesse realmente pensando
nisso. — Você sai por aí tirando fotos de mulheres nuas sem a permissão delas e mostrando em suas
exibições.
— Você pode não ter percebido, mas a Lotus e eu temos uma história — começa, uma
expressão de satisfeito consigo mesmo. — Ela e eu costumávamos…
— Foder — corto-o. — Tenho conhecimento.
Ele para, os olhos espremidos.
— Mas estamos fugindo do assunto — completo, com uma calma que engana. — Estou
aqui para socar a sua cara.
— Por quê? Eu tirei a foto de lá.
Dou um passo à frente para fazê-lo sentir cada um dos centímetros que tenho a mais que
ele. Deixando-o ver como é ser ameaçado por alguém maior.
— Você deixou marcas nela — explico —, então vou deixar marcas em você também. E
você não vai prestar queixas, porque quebrou a lei, ela poderia processá-lo e sua carreira iria
acabar. Blá, blá, blá.
— E eu deveria apenas deixar que você me batesse? — questiona, ultraje em sua
expressão.
— Eu pareço precisar que você me deixe bater em você? Só vou te socar. Estou
explicando a você o motivo de eu fazer isso sem nenhuma consequência.
— Cara — diz, engolindo ansiosamente —, você não tem que fazer isso.
— Cara — zombo com malícia —, deveria ter pensado sobre isso antes de colocar as
mãos na minha garota.
— Sua garota?
Não vou ficar repetindo. Espremo um olho e estudo suas feições de menino bonito.
— Queixo, nariz, olho, bochecha? Vou te deixar escolher. — Encosto o punho fechado em
sua cara. — De nada.
Não tenho tempo para isso.
Estamos a apenas uma semana de distância do evento. Anda bem agitado, como sempre, e
tenho trabalhado com a Sasha, estilista do show, coordenando todos os detalhes possíveis. JP
desenhou cerca de 150 peças para a coleção e ficamos com 30 looks para mandar para a passarela.
Agendamos a maioria das modelos, claro, mas existem algumas garotas que JP viu em Paris em
fevereiro que de forma inacreditável ainda estavam disponíveis. Elas farão outros desfiles durante a
Fashion Week, mas a agenda funciona e podem nos encaixar também. O que significa provas de
último minuto e embaralhar alguns dos outros looks parecidos para ajustar. Nós três — JP, Sasha e eu
— dormimos no ateliê na noite passada e provavelmente faremos isso de novo hoje à noite.
Como eu disse, não tenho tempo para isso.
E mesmo assim estou aqui, parada do lado de fora da Igreja Presbiteriana na noite de
quinta-feira, quando eu deveria, com todo o direito, estar no estúdio. Disse ao JP que realmente
precisava de algumas horas para cuidar de algo pessoal. Ele sabe que nunca me permito precisar de
nada na semana que antecede o evento, então tinha noção de que deveria ser algo importante.
E é.
Eu apareci um pouco mais cedo toda semana até me sentar realmente no círculo, comendo
biscoitos e tomando café. No começo, ajudou simplesmente saber que eu não estava sozinha. Abuso
sexual infantil é algo muito invisível e predominante. Fiquei chocada que uma a cada quatro garotas é
sexualmente abusada antes de completar dezoito anos.
Sou uma delas.
Tantas de nós caminhando por aí como eu estive, vivendo com segredos, com
ressentimentos em relação aos adultos que deveriam nos proteger, mas falharam conosco.
Vivendo nas sombras.
Tenho mais ouvido as outras mulheres. Somos apenas quatro mais a Marsha, que guia o
grupo. Fico grata pelo número pequeno. Faz a confiança crescer mais rápido. Não sei o que elas
fazem das nove às cinco, mas sei quem as machucou. Sei quão longe foram. Sei que afeta cada uma
delas até hoje.
O tio da Sherrie começou a tocá-la quando ela tinha apenas quatro anos de idade e ninguém
descobriu até que ela fez oito. Não permitiram que ele ficasse sozinho com ela nunca mais, porém
nenhuma denúncia foi feita contra ele. O cara não passou um único dia na prisão. Ela não conseguiu
nenhuma ajuda, e foi só quando estava lutando contra a depressão e tentou suicídio que uma terapeuta
descobriu o que realmente estava por trás disso.
Foi o primo da Chloe.
Foi a tia da Kyla.
Posso não saber onde elas vivem, seu programa de TV favorito, mas tenho intimidade com
suas dores e estou sentada em um círculo de luz onde expõem seus segredos mais obscuros.
Kenan não sabe das minhas noites de quinta. As últimas semanas têm sido mágicas de
várias maneiras, com o nosso relacionamento crescendo, se aprofundando, em um ritmo perfeito.
Temos tido um tempo juntos relativamente pequeno por conta da minha agenda e da dele. Ele
precisou viajar para o exterior para alguns compromissos e aparições, e minha vida está confinada
ao ateliê. Mas quando estamos juntos é como algo que nunca senti antes, mais divertido do que já
tive. Exploramos o Museu do Brooklyn, os fogos de artifício em Coney Island nas sextas, passamos
um sábado no Smorgasburg, a feirinha gastronômica do Brooklyn em Prospect Park, passeios de
balsa, festivais de música e Shakespeare no parque. Ele está vendo Nova Iorque pelos meus olhos.
Estou vendo a vida pelos dele. Estamos conhecendo um ao outro, absorvendo um ao outro.
Estamos nos apaixonando.
Não dissemos as palavras, mas tenho certeza de que estou me apaixonando por Kenan Ross
e ele certamente está se apaixonando por mim.
E, sim, a química sexual entre nós é como um combustível. Um simples olhar, um mero
toque nos deixa pegando fogo. Ele sabe os segredos do meu corpo e eu sei os dele. Às vezes, sou
aquela que nos impede de dar o último passo. Às vezes, é ele quem o faz, porque quer que eu tenha
certeza. Quer que eu esteja pronta, mesmo que não saiba todos os motivos de eu estar segurando.
Ainda não disse detalhes, mas acho que ele tem suspeitas. Marsha disse que seria preciso
um homem paciente. Kenan tem sido isso e mais. Ele deve mesmo achar que está pegando alguém
para criar. Estamos namorando há um mês e ainda não “fomos até o fim”. Vou pedir para ele a jaqueta
college e o bracelete do baile de formatura.
Ele está na Croácia, de todos os lugares possíveis. Aparentemente, basquete se tornou algo
grande lá. As cartas que recebo pelo correio todos os dias quase fazem a falta dele valer a pena. Ele
deve ter alguém daqui enviando enquanto está fora, porque de jeito nenhum elas chegam do exterior a
tempo. Ponho a mão dentro da bolsa e pego a de ontem.

“Você fez meu coração bater mais rápido.”


Cântico dos Cânticos 4, 9.

Deslizo o cartão de volta na bolsa, cuidando para não amassar. Quando chegar em casa,
vou colocar junto com os outros nessa lancheira de metal vintage que usava como kit de costura
quando era adolescente. Aquela velha lancheira tem estado comigo desde que eu estudava economia
doméstica no ensino médio, viajou do bayou para a Spelman e me ajudou a passar pelo meu período
na FIT.
— Vai entrar? — Sherrie pergunta do topo da escadaria da igreja. Seu sorriso é aberto e
amigável. O olhar que me dá é compassivo.
Ela espera enquanto subo os degraus para alcançá-la e entramos, caminhando juntas para o
porão.
Sou a única em nosso pequeno grupo que ainda não compartilhou a própria história. Contei
um pouco sobre o vazio; sobre como chorei na última vez que fiz sexo. Os gatilhos com flashbacks e
os ataques de pânico. Elas sabem que estou namorando uma pessoa incrível, mas que tenho medo de
dar o passo final com ele.
— Boa noite, moças — cumprimenta Marsha, tomando um gole do café e olhando nos
olhos de cada mulher do círculo. — Como a semana está indo?
— Finalmente disse para minha família o que meu primo me fez — conta Chloe, piscando
rapidamente com as lágrimas se formando em seus olhos. — Eles não acreditaram em mim. Nem
mesmo minha própria mãe.
O silêncio que se segue deveria ser preenchido de espanto, mas não é. Todas fomos traídas
por alguém próximo a nós — fomos decepcionadas e desacreditadas.
— Minha própria mãe teve a coragem de trazer o “meu passado”, como ela gosta de
chamar — revela Chloe, roendo uma das unhas. — Ela disse que uma garota não pode ser tão
promíscua quanto eu era e esperar que as pessoas acreditem quando ela faz acusações. Eu tinha sete
anos quando aconteceu. Ela me fez sentir uma prostituta. Como se eu fosse uma vagabunda fazendo
teatro.
Lágrimas descem por suas bochechas sem controle.
— Tentei explicar. — Ela funga e olha, impotente, para Marsha. — Usei a linguagem que
você me ensinou. Falei que alguns de nós podem fazer muito sexo ou que alguns podem não querer de
jeito nenhum, mas que estamos todos tentando obter o controle do primeiro abuso. Ela não entendeu,
sabe? E disse que eu estava dando desculpas.
— Diga-me a sua verdade, Chloe — pede Marsha, a voz baixa e suave, porém firme. —
Sua mãe a fez se sentir suja, mas me conte a verdade sobre você. O que você descobriu sobre si
mesma.
— Minha autoestima estava conectada com o sexo — começa, hesitante, lançando olhares
rápidos ao redor do círculo. — Acreditei que tinha que ser sexualmente desejável para ter valor para
qualquer coisa ou qualquer um, mas isso não é verdade.
Kyla saiu para um segundo encontro com um homem que ela conheceu online.
— Ele é tão doce — Kyla diz, seu sorriso surgindo, depois sumindo. — Tentou me beijar e
eu congelei. Não foi tão ruim quanto tinha sido quando eu… fugi, mas, ainda assim, congelei. — Uma
única lágrima escorre por sua bochecha e ela a seca, impaciente. — Eu só quero beijar alguém legal,
alguém bom, sem pensar no que ela fez comigo. — Engole em seco e fecha os olhos. — Tinha
esquecido por tanto tempo. Queria ter deixado enterrado e nunca lembrado.
— Nossas mentes não costumam nos deixar escapar disso para sempre — Marsha fala. —
E mesmo que não nos lembremos, isso vai encontrar uma maneira de se manifestar. Pelo menos,
quando você lembrar, saberemos com o que estamos lidando. Saberemos como lidar com isso.
— Ele foi mesmo um querido — Kyla adiciona, com um sorriso. — Vamos sair outra vez.
— Que ótimo, Kyla — Marsha comemora, afeição real evidente no olhar que ela dá à outra
mulher. — Mantenha-nos atualizadas. — Olha para o relógio e depois ao redor do círculo. — Mais
alguém tem algo para compartilhar antes de terminarmos?
Chloe funga e, com um sorriso, aceita um lenço de Marsha. Elas são tão corajosas, tão
vulneráveis e nunca me pressionaram para compartilhar muita coisa. Toda semana permitem que eu
me sente aqui e absorva. A confiança necessária para dividir tantas coisas difíceis com estranhos —
para confiar neles com nossas dores mais profundas — é notável.
— Quero compartilhar algo — digo, minha voz tão baixa que quase não consigo ouvir a
mim mesma.
— Claro, Lotus — incentiva Marsha, não muito ansiosa e com a quantidade certa de
encorajamento. — Vá em frente.
— Contei a vocês que estou em um… — Como falar isso sem soar ridícula? — Uma pausa
sexual, por falta de palavra melhor. — Trocamos sorrisos ao redor do círculo. — Sexo sempre foi
algo completamente desprovido de intimidade — continuo, encolhendo os ombros. — Eu não era
hipersexual nem tinha medo de ser. Eu simplesmente me desliguei e comecei a me sentir meio merda,
então parei de fazer sexo por um tempo. — Minha risada emerge, áspera e sem humor. — Isso me
levou a conhecer um cara ótimo bem quando jurei ficar sem pau.
As outras mulheres riram e parecemos relaxar coletivamente por um momento.
— Ele tem sido paciente? — Marsha pergunta. — Compreensivo?
— Sim, cem por cento — confirmo. — E nem mesmo contei a ele o que aconteceu, mas
acho que ele suspeita. — Minha garganta queima quando preparo as próximas palavras e engulo
várias vezes, parando e recomeçando antes de conseguir dizer: — Aprendi muito sobre intimidade
com ele, mesmo sem termos feito sexo. — Rio, seca. — Quer dizer, nós demos beijos longos e
pesados, fizemos de tudo e mais um pouco.
A risada delas volta e isso me faz sentir um pouco mais leve, mas tudo some com as
próximas palavras que quero dizer.
— Mas antes eu não tinha chorado no pós-sexo — explico. — E foi um sentimento horrível
e solitário. Tenho medo de que aconteça com ele e que de alguma forma isso signifique que não vou
melhorar, e eu preciso sentir que vou melhorar. As coisas estão tão boas entre nós. Não quero
estragar tudo, pensar que não deveria ter tentado. É tipo: se eu não puder encontrar intimidade e
satisfação com ele, que é um homem tão bom e tudo que eu poderia pedir, talvez não haja esperança
para mim.
— Não coloque tanta pressão nisso — diz Marsha. — Assim, é um grande negócio, claro,
mas, se eu tivesse desistido com meu marido na primeira vez que tive a mesma resposta negativa que
tive em outras situações, nós não estaríamos onde estamos hoje. Inferno, não estaríamos em lugar
nenhum. Eu teria corrido e assumido que nunca iria melhorar. — Ela se estica e aperta minha mão. —
Vai ficar melhor. Pode levar tempo, mas vai ficar.
— Já pensou em contar a ele o que aconteceu? — Sherrie, que esteve meio quieta hoje à
noite, pergunta. — Assim ele estaria preparado para uma resposta negativa. Poderia saber seus
gatilhos ou as coisas que deveria evitar fazer.
— Pensei em dizer a ele — falo, cordas amarradas em minha barriga. — Mas, em toda
oportunidade, não consigo imaginar. Só a minha família sabe o que aconteceu e nem todos eles.
Nunca falei minha história em voz alta. Nem sei como ela soa.
— Você pode testar com a gente — Marsha oferece suavemente. — Ou não. O que você
sentir que deve fazer.
Olho meu relógio. Todas elas precisam ir, tenho certeza; em breve, eu também.
— Sei que estamos quase no final do nosso horário — digo, negando com a cabeça. —
Não quero atrapalhar vocês de nada.
Chloe senta para trás e cruza os braços sobre o peito.
— Jantar congelado é a única coisa me esperando em casa.
— Meu gato vai ficar bem com alguns minutos extras — Kyla murmura.
Olhamos para a Sherrie, que está digitando no celular. Ela olha para cima com um sorriso.
— Avisando minha colega de quarto para desligar a panela elétrica, porque vou me atrasar
um pouco.
— Viu? — Marsha me oferece um sorriso triunfante, que me incentiva a dividir todos os
meus segredos. — Temos todo o tempo do mundo.
— Senta direito, Lo! Estou quase terminando — mamãe diz, impaciência surgindo em suas
palavras. — Segura a orelha.
Eu obedientemente puxo a parte de cima da minha orelha para baixo para não queimar
enquanto ela corre o pente quente pelo meu cabelo. Fumaça sobe do calor e da pressão que achatam
as espirais que tanto a incomodam. Às vezes eu mesma faço isso, mas acabo com ainda mais
queimaduras e leva mais tempo. E já estamos ficando atrasadas.
— Viu? — diz, um sorriso em sua voz, embora esteja atrás de mim e eu não consiga ver
seu rosto. Vejo o brilho vermelho no fogão, onde o pente é aquecido. — Em poucos minutos seu
cabelo vai estar liso como o da Iris.
Dou uma olhada para a minha prima Iris em um canto, lendo uma cópia de O Leão, A
Feiticeira e o Guarda-Roupa. Iris não precisa de pente quente, e o cabelo dela nem é exatamente
liso. É ondulado, mas tão bom quanto o das garotas brancas na escola. Sua pele é quase pálida
também. A cor da pele da sua mãe, minha tia Priscilla, é uma mistura de bege escuro com marrom
claro, assim como a da mamãe. As duas têm cabelos sedosos na altura da cintura.
Sou a única que precisa de pente quente.
— Prontinho — minha mãe declara com satisfação, dividindo meu cabelo em partes para
prender.
— Pode deixar alguns soltos? — pergunto.
Assim ele vai cair nas minhas costas como o da Iris. Como o seu e o da tia Priscilla.
Não digo em voz alta, mas é isso que eu quero.
A mão da minha mãe para, mas então ela parte meu cabelo em uma parte maior atrás e
deixa livre de presilhas, prendendo o restante em dois rabos de cavalo.
— Vou deixar um pouco solto — mamãe diz, um aviso em sua voz. — Mas você não pode
ficar correndo para todo lado e suando. Seu cabelo vai voltar ao normal e não vai ficar lindo mais.
— Terminou? — tia Priscilla questiona, inspecionando meu cabelo. — Veremos quanto
dura. Não sei por que você se incomoda de alisar no meio do verão.
— Vai durar um dia — mamãe comenta, depois desliga o fogão. — Está pronta?
— Peguei a salada de batata e o frango frito — responde tia Priscilla. — Dá uma olhada na
torta de batata doce. Precisamos ir.
— Temos de esperar pelo Ron de todo jeito. — Mamãe abre o forno e olha as duas tortas.
— Bem, é melhor aquele falido vir logo — tia Priscilla murmura, baixo, porém não o
suficiente a ponto de todas nós ficarmos sem ouvir.
— Não fale do meu homem. — Por cima do ombro, mamãe dá um olhar irritado para a tia
Pris.
— Querida, o que você vê naquele homem insignificante eu não sei. Ele não consegue
pagar o aluguel, e nem você. Pelo que posso dizer, eles não valem a pena manter se não podem pagar
pelo menos uma conta ou duas. Essa é a receita de um novo homem, se é que eu já vi um.
— O Ron é diferente — mamãe diz, sua voz mais suave que o normal. Estou acostumada a
ouvir o tom cortante em cada palavra da minha mãe, mas não quando ela fala sobre o Ron. Ela diz
que o Ron é diferente, mas sei que é ela quem está. Nunca vi ninguém agir do jeito que ela age com
ele.
— E ele é tão bom com a Lo.
Não, ele não é. Ele me assusta e me toca em toda oportunidade que tem.
Não é nada incomum. Mamãe e tia Pris continuam trazendo homens estranhos ao meu redor
que ajudam a pagar as contas. Iris e eu ficamos realmente boas em evitarmos as mãos deles, mas Ron
está ficando por mais tempo e parece ter mais mãos do que o resto.
Ele finalmente aparece, trinta minutos mais tarde.
— Você está atrasado — mamãe avisa a ele, uma carranca entre seus olhos escuros.
— Eu diria que estou bem no horário, baby. — Ele abaixa a cabeça para beijá-la, calando-
a.
— É tão desagradável quando ele coloca a língua na boca dela — sussurro para Iris.
— É mesmo. — Iris fecha a expressão. — Mas eles parecem gostar.
Mas, no momento em que Ron tira a língua da boca da mamãe, ela não parece mais irritada.
Ela envolve os braços ao redor do pescoço dele enquanto Ron sussurra no seu ouvido. A tia Pris
entra na sala, parecendo um botão de ouro naquele vestido amarelo. Ela rola os olhos e treme os
lábios vermelhos.
— Como se não estivéssemos atrasados o suficiente — reclama, batendo na cabeça do Ron
enquanto passa. — Vamos lá.
Eu, Iris e tia Priscilla nos esprememos na parte de trás do Cutlass Supreme velho do Ron.
Mamãe ficou com ele na frente.
— Sem ar-condicionado? — reclama tia Pris.
— Você poderia ir andando — Ron devolve, olhando para ela pelo retrovisor.
— E você poderia estar em casa, já que essa não é uma reunião da sua família — dispara
de volta.
Iris e eu rimos, e pego o olhar de Ron pelo espelho também. Não ligo. Gosto quando a tia
Priscilla fala coisas maldosas que eu queria poder dizer.
— Falido — tia Pris murmura novamente, baixinho.
“Falido” é a pior coisa que um homem pode ser para a tia Priscilla. Normalmente para a
mamãe também, mas, desde que Ron começou a “farejar” por aqui, como a tia Pris chama, ela
mudou. Pela primeira vez, mamãe não parece ligar que Ron não possa pagar as contas dela — e que,
às vezes, ela pague as dele. Minha tia nunca esconde a irritação de que a mamãe não se importa de a
carteira do Ron estar vazia desde que a cama dela não esteja. Isso quebra o código de sobrevivência
das duas.
Estico o braço para fora da janela e faço ondas como as do mar.
— Se você não fechar essa janela, Lo... — mamãe ameaça. — O tempo que levei para
alisar esse cabelo e você quer abaixar a janela?
— Desculpa, mamãe — murmuro, rolando a janela para cima, mas deixando uma pequena
e rebelde abertura em cima para que uma brisa entre.
— Espero que eles estejam brincando de jogo da ferradura — Iris fala.
— Não sou boa nesse jogo — relembro.
— Vou te mostrar como é. Lembra quando a gente não conseguia nem pular amarelinha?
Belisco o lado dela de brincadeira e nós duas rimos. Quando éramos mais novas, eu nunca
conseguia pular amarelinha, então a Iris pulava na minha frente e eu a seguia, até que aprendi a fazer
por conta própria. Não sei por que foi tão difícil para mim, mas imitar seus passos foi a única
maneira que eu consegui. “Amarelinha” é o nosso código agora para quando uma de nós precisa da
ajuda da outra. Gritávamos amarelinha no parquinho quando um valentão tentava mexer conosco.
Talvez fosse bobo, mas era coisa nossa. É difícil viver no Nono Distrito, em Nova Orleans, e não
temos muita coisa, mas Iris e eu temos uma a outra.
— Chegamos — mamãe avisa. Ela gira o corpo no assento e estuda o meu cabelo. —
Lembre-se. Não deixe seu cabelo suar.
Olho para fora da janela do carro do Ron em dúvida. Está tão quente que eles já ligaram os
sprinklers no centro comunitário onde a reunião é feita.
— Vão encontrar as crianças — mamãe ordena, as mãos no quadril. — Não precisamos
que vocês fiquem se metendo nos problemas dos adultos hoje.
Nós “encontramos as crianças” e brincamos de jogo da ferradura e kickball, enquanto os
adultos jogam cartas e dominó; a risada deles e todas as coisas que não deveríamos ouvir chegam
aos nossos ouvidos. Na hora de comer, Iris e eu sentamos na mesa das crianças com um pouco de
cada coisa nos nossos pratos.
— Qual é o seu favorito? — questiono Iris.
— Frango frito — fala, com a boca cheia de gordura, apontando para a perna, a coxa e o
peito em seu prato. — Deu para perceber?
— Eu gostei desse étouffée. — Coloco um pouco da sopa e do arroz de um isopor.
— Posso ensinar a fazer — uma senhora que está perto diz.
É minha bisavó MiMi. Não a vemos tanto, já que ela vive no bayou, no meio do nada.
— Ok. — Dou de ombros. — Talvez algum dia.
Ela pega meu queixo entre os dedos e estuda meu rosto.
— Você está crescendo, Lotus — comenta. — Uma menina tão bonita.
Será que a MiMi viu a Iris ao meu lado com a sua pele clara e o cabelo longo, sedoso e
“bom”? Ela é a única pessoa que costuma ser notada, não eu. Nós nos vestimos quase idênticas, as
duas usando top branco e shorts.
— Hm, obrigada. — Afasto o olhar quando MiMi continua me encarando. Ela tem uma
coisa de olhar dentro de você. Minha mãe diz que ela pratica vudu como um monte de mulheres da
nossa família costumava fazer. Ela é meio assustadora e fico feliz quando solta meu queixo e segue
em frente.
Comemos e corremos o resto do dia até escurecer. O sol está prestes a se pôr e estou
brincando de bater na mão com um dos meus primos quando a tia Priscilla se aproxima, franzindo o
rosto e procurando pelo pavilhão.
— Lo, eu não estou achando a Iris em lugar nenhum — diz. — Vá encontrar sua prima para
podermos ir. Não quero andar naquela ameaça mortal do Ron na estrada no meio da noite.
— Sim, senhora. — Corro em direção ao campo onde eu tinha visto a Iris brincando com
um dos cachorros que alguém trouxe.
— Bo! — chamo.
A tia Priscilla é de origem Crioula[14]. O pai da Iris é alemão, então ela é uma mistura e
leva um pouquinho de tudo em si. É por isso que eu a chamo de Gumbo.
Caminho pelo antigo canavial que fica nas bordas do centro comunitário. Parece que
ninguém veio colher na última temporada. Todos os caules estão altos, alguns deles apodrecendo,
fica difícil de enxergar.
— Ela não deve ter vindo tão longe. — Viro, pronta para refazer minhas pegadas e
encontrar o caminho de volta, mas bato em algo sólido. — Ah, Ron — digo, olhando para ele com
cuidado. — Ei.
— Ei, Lo. — Ele dirige as palavras para os pequenos botões no meu peito, em meu top. —
Você está crescendo rápido.
Seu sorriso faz meu estômago se retorcer em nervosismo, mas não tenho ideia do motivo.
Olho em volta e não vejo mais nada, a não ser os caules e o Ron.
— É melhor eu voltar. — Tento passar ao seu lado, mas ele para na minha frente. Quando
dou um passo para o outro lado, ele imita.
Ron ri e toca meu rosto.
— Temos alguns minutos.
— E-eu tenho que ir. A tia Pris me mandou encontrar a Iris. — Minha voz treme um pouco
e meu coração está batendo com tanta força que consigo ouvir. — Ela vai estar me procurando em
breve.
— Não… O novo cara dela acabou de chegar — fala com facilidade. — Ela vai ficar
ocupada com ele por um tempo, tentando convencê-lo a pagar o aluguel do mês que vem. Você e eu
nunca conversamos.
— Quero voltar, Ron.
Ele agarra minha cintura e me puxa para perto.
— Você está andando por aí quase nua o dia inteiro — diz, a voz ficando mais rouca e
profunda. — Toda bonita.
A palavra nua desperta alarmes na minha cabeça. Ele não deveria falar comigo assim. Ou
me olhar assim. Ou me dar pequenos toques toda vez que tem a chance.
— Não, eu não fiz isso. — Tento me afastar, mas seus dedos me apertam. — Deixe-me ir.
— Só um beijo, Lo — sussurra, inclinando-se para frente e pressionando a boca na minha.
— Não! — Afasto-me, mas ele segura minha cabeça no lugar com a mão enorme. Abro a
boca para gritar e ele enfia a língua dentro. É molhada, grosseira e abafa minha voz. Eu engasgo.
Como a mamãe consegue gostar disso? Mordo o lábio dele até sentir gosto de sangue.
— Sua bruxinha — rosna, deixando-me ir e tocando a boca que sangra.
Corro, mas não chego muito longe antes que ele me puxe por trás. Caio, e minha cabeça
bate no chão com força. O mundo escurece, cheio de pontinhos coloridos como o joguinho de pinos
Light Brite que ganhei de doação no verão passado.
Aí tudo fica escuro.
Quando abro os olhos, não consigo me mover. Ron segura meus pulsos com uma das mãos
acima da cabeça. Uma brisa passa pelas minhas pernas e percebo que meus shorts e calcinha
sumiram. Estou presa entre seu quadril e coxas, e algo duro me cutuca.
— Não! — grito, virando a cabeça de um lado para o outro com tanta força que um dos
meus rabos de cavalo se solta. Não consigo ver através da cortina escura e grossa de cabelo alisado.
— Não! Por favor.
— Isso vai ficar só entre nós — Ron sibila em meu ouvido. — Você vai gostar. Prometo.
— Por favor — digo, soluçando, o cheiro do meu cabelo, sua colônia barata e a cana-de-
açúcar podre congestionando minhas narinas. — Ron, não.
Mas ele o faz.
E a dor está em todo canto. Na minha cabeça, da queda. Nos meus pulsos, dos dedos de
aço segurando abaixo das minhas mãos. Entre minhas pernas, onde parece que um cano está pegando
fogo e forçando um caminho para dentro. Ele geme sobre mim como um pinto no lixo, a boca aberta,
os olhos rolando para trás. Pontos nadam na minha frente e aperto os olhos fechados. Lágrimas
descem por minhas bochechas e molham meu cabelo.
Há um grito na minha mente que ninguém ouve, apenas eu. Continuo gritando, mas minha
boca está congelada, o som preso lá dentro. É um choro secreto, tão alto na minha mente que isso é a
única coisa que consigo ouvir, mas ele não sai. Ai, Deus, o som não sai.
Olhe para cima.
É o mais fraco sussurro, quase impossível de ouvir através dos gritos na minha cabeça.
Olhe para cima!
Aquele sussurro volta, impulsionando-me, mais urgente e, através da dor e do barulho, eu
olho para o céu. Duas nuvens agrupadas lentamente vão se separando. Elas se parecem mandíbulas e,
enquanto se abrem para revelar o sol escondido por trás delas, minha boca se abre também,
esticando-se com as nuvens. E, finalmente, minha voz rompe pelo campo apodrecido.
— Amarelinhaaaaaaaaaaa!

— May, você sabe quão rápidas essas meninas são. — Ron fica de pé, com os olhos
astutos e sombrios no sol se pondo, o cinto pendurado e o zíper desfeito. — Lo pode ser nova, mas
ela já tinha experimentado em algum lugar, a maneira como ela estava chegando em mim...
— Você está mentindo! — Iris grita, segurando-me de forma protetora.
Aperto-me mais nela, tremendo com tanta força que dói, meus dentes batendo no calor do
verão. Meu cabelo está metade para baixo, metade para cima e bagunçado. Aquele lugar privado
entre minhas pernas está tão sensível que até a calcinha de algodão queima contra minha carne
rasgada.
Mamãe encara Ron, depois a mim, como se não tivesse certeza de quem ela mais odeia
agora.
— Lotus, eu te falei que você estava crescendo rápido — mamãe fala, mas a voz dela
treme. Ela sabe. Ela tem que saber que ele está mentindo; e eu não estou.
Não consigo me defender. Não disse uma palavra desde que gritei amarelinha e trouxe Iris
correndo. Mamãe e tia Pris não estavam muito longe. Nós cinco estamos parados no meio do campo,
e as mentiras do Ron estão tão podres quanto a cana.
— May — tia Pris começa, os lábios apertados —, não sei se…
— É isso, nós não sabemos — mamãe diz, os olhos espremidos na irmã. — Só preciso de
um minuto para pensar, Pris. Me dê um...
Sua voz se quebra como um prato caindo no chão e ela começa a chorar, as duas mãos
cobrindo o rosto. Ron vai até ela, que bate em seus ombros, rosto e cabeça.
— Você não é bom — grita, sua pele clara ficando vermelha. — Como pôde, Ron?
— Baby, vamos lá — diz, capturando seus braços agitados, prendendo as garras de seus
dedos em uma das mãos e puxando-a contra o seu peito com um braço grosso.
— Não vou a lugar nenhum — grita para ele. — Não desta vez.
— Baby, você me conhece — murmura em seu cabelo, fazendo círculos em suas costas
com as mãos. — Eu amo você. Sabe como é entre nós.
Soluços a sacodem contra ele e ela balança a cabeça de um lado para o outro, negando,
mas para de arranhar e se afastar e começa a se agarrar, enfiando-se em seu pescoço.
— Como você pôde? — sussurra de novo e de novo, soando mais machucada do que
brava. Quebrada, mas não indignada por conta de mim.
— Temos que falar com a polícia! — Iris diz, como se fosse uma adulta.
— Não! — mamãe e eu dizemos em uníssono.
— Não — repito. O rosto borrado da Iris aparece entre minhas lágrimas. — Não quero que
ninguém saiba. — Viro o olhar pedinte para minha mãe. — Por favor, nada de polícia. — Encaro
Ron. — Só o faça ir embora.
Ela congela com minhas palavras, parecendo impotente entre mim e o homem que me feriu,
como se fosse uma escolha difícil a se fazer.
— Faça-o ir embora, mamãe — imploro novamente. — Por favor, não temos de falar com
a polícia. Só o faça ir embora.
— Mas, Lotus, nós… — Lambe os lábios. — Todos precisamos de algum espaço para
entender o que aconteceu.
— Sei o que aconteceu, mamãe — protesto. — Ele me es…
— Lotus! — mamãe me corta, como uma lâmina. — Não diga isso.
— Mas ele fez isso. — Choro no cabelo da Iris. — Ele fez.
— Talvez você deva ficar em outro lugar por um tempo — mamãe fala, evitando meus
olhos. — Até que todos nos sintamos mais confortáveis.
— Eu? — Meu choque salta entre mamãe, tia Pris e Ron, cujos lábios sangrentos se
empurram em um sorriso presunçoso. — Mas, mamãe, eu…
— Apenas por algumas semanas, Lo — garante, um pouco da culpa em seu rosto
transformando-se em impaciência.
— Não — Iris grita, apertando-me com mais força. — Não mande Lotus embora.
— Apenas por algumas semanas — mamãe diz novamente, seu tom mais firme.
— Então eu vou com ela. — Iris coloca os lábios em uma linha fina e determinada.
— Você não vai a lugar nenhum, garota — afirma tia Pris. — O que eu disse sobre não se
meter no assunto dos adultos?
— Mas mamãe — minha prima fala, a voz grossa e vacilante. — Para onde ela vai?
Os caules se movem e se separam, esmagados debaixo dos pés de alguém, alertando a
todos nós. É minha bisavó MiMi. Ela leva seu tempo olhando para cada um de nós, mas finalmente
fixa o olhar furioso em Ron. Ele engole em seco, estremecendo.
— Vou levá-la — MiMi avisa, olhando para mim com os olhos antigos. — Ela pode vir
ficar comigo.

[14] Nome dado ao descendente de colonizadores franceses em regiões dos Estados Unidos como a Louisiana e Nova
Orleans.
Se há um lugar que nunca esperei estar é aqui.
New York Fashion Week. Primeira fila do show da JPL. Mas, ainda assim, cá estou,
ansiosamente esperando o primeiro “look”, como a Lotus chama. Ela me disse que o desfile que o JP
veio desenhando e planejando por meses acabaria em menos de vinte minutos.
Meu tipo de evento.
O público que aguarda está sentado em um terraço com vista para o Lincoln Plaza. Não
consigo aproveitar completamente a cidade à beira de um pôr-do-sol ou o ar eletrizante e excitante,
porque estou pronto para o desfile terminar. Estou feliz pelo JP e seu time, a quem passei a conhecer
e de fato gostar durante o verão. Mas, quanto antes o evento e a after party acabarem, antes poderei
ter a Lotus para mim mesmo. Ela me avisou que sua agenda seria complicada nas últimas semanas
antes do grande dia, mas eu não estava preparado para quão pouco tempo ela teria para qualquer
outra coisa.
Quão pouco tempo teria para mim.
Nunca me envolvi com alguém com uma agenda ou comprometimento ao seu ofício que
rivalizasse com o meu. Em três semanas vou para a pré-temporada e a NBA terá quase todo o meu
tempo pelos próximos nove meses, no mínimo. Dez se chegarmos aos playoffs, o que August e eu
estamos determinados a fazer. Então Lotus será alvo da minha carreira. Não é fácil de conviver com
isso. Eu não sou fácil de conviver. Sou ainda mais obcecado com minha alimentação e rotina de
treinos durante a temporada. Assisto vídeos constantemente. Falo ainda menos, porque estou dentro
da minha cabeça estudando planos, avaliando o ataque dos outros times, mentalmente separando os
defensores antes dos jogos.
Tudo gira em torno do esporte.
Posso não ter começado pensando que seria jogador da NBA, mas sempre fiquei muito
focado em meus esforços. Eu seria assim com o Direito, se tivesse realizado os sonhos do meu pai e
seguido essa carreira. Se eu fosse fazendeiro, seria assim com minhas frutas, vegetais e solo. É a
forma como fui feito e nada quebrou esse padrão em mim. Sei o que a Bridget fez de errado, mas
também reconheço que não sou fácil, especialmente uma vez que a temporada começa.
E a Bridget passou por várias temporadas.
Ela é a última coisa que quero considerar agora. Segui em frente completamente; não me
importo que Lotus trabalhe com moda, algo que nunca dei a mínima, ou que não saiba diferenciar
Oscar Robertson de Oscar Meyer. Que eu seja onze anos mais velho. Ou que eu viva na Costa Oeste
e ela, na Costa Leste. Não importa que ela talvez acredite em vudu. Talvez ela seja uma bruxa. Não
sei. Só tenho certeza de uma coisa.
Estou me apaixonando por ela.
E se estou sendo honesto, pelo menos para mim mesmo, já estou usando o pretérito perfeito
nessa frase. Eu me apaixonei por ela.
Você pensaria que, com todo o drama e o trauma que experimentei com a Bridget, eu não
teria feito isso de novo. Mas já foi. Não há nenhum “de novo” no que estou sentindo. Isso é território
desconhecido. Nunca me senti desse jeito por ninguém. Meu Deus, me dá vergonha pensar nisso, mas
a Bridget e eu nos conhecemos na faculdade. Eu a conheço há dezesseis anos, fui casado com ela na
maior parte disso, e nunca senti por ela o que estou sentindo por Lotus depois de poucos meses.
Sempre mantive com ciúmes meus momentos de solidão, então querer estar com alguém o
tempo inteiro não é apenas algo estranho, mas desconcertante. Leio o Cântico dos Cânticos para
fazer bilhetes para ela. Isso mesmo. Lá da Bíblia. Alguma merda de ladrão de corpos. Não sei quem
tomou como residência a minha mente e corpo, com os quais sempre fui tão disciplinado. Quem
tomou como residência esse coração.
O caminho circular dos meus pensamentos para quando as luzes se abaixam e a música
preenche o terraço. A música é como se a Enya tivesse transado com um DJ e dado luz a alguma
música bastarda da New Age, possuída por uma linha de baixo pesada. Uma mulher alta e magra
caminha com confiança e arrogância pela passarela. Ela para, posa e se vira. Antes que desapareça,
outra assume seu lugar no final da passarela.
Os próximos vinte minutos apresentam um desfile de mulheres cuja beleza apenas rivaliza
com as belas roupas que vestem. Posso não saber muito de moda, mas sei que aquelas roupas são
arte, e sinto orgulho por minha garota ser uma parte tão crucial dessa obra de arte. Celebridades, não
apenas críticos e pessoas do mundo da moda, preenchem cada fila. Vejo Bristol James, esposa do
Grip, a alguns assentos. Acenamos brevemente, mas Bristol retorna a atenção para as roupas
imediatamente.
Tudo acaba em vinte minutos como Lotus prometeu, e JP vem de trás das cortinas junto de
todas as modelos e para no final da passarela, acenando e recebendo a bajulação que a coleção
merece. O público está de pé. Estou de olho na cena por qualquer sinal da Lotus, mas ela
provavelmente ficou no backstage.
Como um porta-voz da marca, eu tenho um passe, que irei utilizar assim que tudo terminar
e as pessoas começarem a se dispersar. Lotus disse que a agenda da Fashion Week é brutal. Shows
consecutivos são agendados em locais por toda a cidade, fazendo a maioria dos críticos, editores,
blogueiros de moda e participantes darem o seu melhor para ir de um local a outro a tempo.
No meio das amazonas, algumas me olham nos olhos usando seus saltos, é difícil encontrar
minha pequena Lotus. Quando a vejo, ela está abraçando JP e usando calça skinny azul meia-noite
que molda cada linha da sua figura esguia. A camisa, se pode ser chamada assim, é de seda cor de
marfim. Não é nada mais que um sutiã com mangas compridas agarradas aos braços e alguns cristais
caindo dos pulsos por cima das mãos. Uma sugestão de mamilos escuros aparece pelas conchas
frágeis envolvendo seus seios, e seu estômago está nu, a flor de lótus sendo a única interrupção à sua
pele suave. Ela se vira para responder alguém e eu engulo em seco. A bunda dela naquela calça
apertada é um crime. Meu Deus, quero lamber aquele zíper na coluna dela. Eu deveria estar
acostumado a isso — partes de mim ficam dolorosamente duras e outras se tornam
inacreditavelmente suaves apenas com a visão dela —, mas não estou. Fico metade esperançoso de
que nunca me acostume.
Talvez ela sinta meus olhos nela. Eu não ficaria surpreso caso sentisse. Há algo diferente e
único a respeito de Lotus. Ela sente coisas, percebe coisas que nem sempre estou em sintonia. Ela
procura até me encontrar.
— Kenan! — grita, e rapidamente encontra seu caminho pela multidão para me alcançar.
Ela está usando mais maquiagem que o normal e um piercing no nariz, uma pequena argola
de ouro em uma das narinas. Assim que está perto o suficiente, dobro os joelhos, envolvo os braços
ao redor dela e, com os cotovelos presos debaixo de sua bunda, puxo-a para mim.
— Estou tão orgulhoso de você, Botão — sussurro na nuvem de cachos platinados.
Ela enrijece em meus braços e afasta-se para olhar no meu rosto. Seu sorriso é ofuscante,
uma fusão de alegria e realização.
— Sabe que a linha não é minha, né? — brinca, descansando um cotovelo em meu ombro,
traçando minhas sobrancelhas e maçãs do rosto com a unha.
— Sei de tudo que você fez — insisto. — E não sei nada sobre moda, mas o show foi
fantástico. — Beijo a linha quente da sua garganta. — Você é fantástica.
Ela abaixa a cabeça até nossos olhos se encontrarem e o sorriso sumir deles e dos seus
lábios. Descansa a testa na minha.
— Quero passar a noite com você, Kenan.
As batidas do meu coração triplicam por trás do meu esterno e engulo minha ansiedade.
Acalme seu pau e diminua as expectativas.
Não fizemos sexo e eu esperaria um ano, dois, quanto tempo fosse necessário para que ela
se sentisse confortável. Ela já passou a noite várias vezes comigo e sempre foi difícil de parar, mas
eu o faço. Por ela, sempre irei até que diga que não preciso mais. Então, quando ela diz que quer
passar a noite, meu pau e eu devemos saber por ora que isso não significa…
— Claro. — Eu a coloco no chão. — Você mencionou uma after party.
— Não vou — ela me corta, seus olhos fixos no meu rosto. — Já falei com o JP.
— Ah, ok. Certo. — Limpo a garganta. — Se você quiser pegar algo para comer…
— Não quero. — Ela pega minha mão e me encara na penumbra dos bastidores. Modelos,
críticos, celebridades, o staff da JPL… estão todos ao nosso redor, mas, para mim, somos as duas
únicas pessoas aqui. — Quero ir para o seu apartamento e quero passar a noite. Kenan, estou pronta.
— Lotus, baby, você não tem que…
— Kenan! — JP grita perto do meu ouvido.
Lotus e eu não quebramos nosso olhar imediatamente, ficando presos um ao outro por
alguns segundos antes de encarar o chefe dela. Ele está praticamente vibrando de triunfo e eu
entendo. Estou feliz por ele, mas agora preciso descobrir o que a Lotus quis dizer. O que ela está
falando — se é o que estou pensando que ela está dizendo. Se é isso, vamos sair daqui o mais breve
possível.
— Aproveitou o show, meu amigo? — ele me pergunta.
— Sim, foi ótimo. — Puxo Lotus para o meu lado, acariciando a pele suave das suas
costas. — Todo mundo pareceu amar.
— Oui! — Sua satisfação fica evidente em seu sorriso para mim. — E Lotus, tem certeza
de que não quer vir comigo para a after party? Todo mundo vai estar lá. Todos os gigantes da
indústria.
Lotus se aperta mais profundamente ao meu lado com uma risada rouca.
— Depois de todas as horas que dediquei a isso no último mês — começa, soando
cansada, porém feliz —, só tem um gigante que eu quero ver.
Meu sorriso fica tão largo que dói. Não consigo nem esconder, pelo que ela quer dizer e
como a quero. Agora que a Simone sabe, não dou a mínima para quem nos verá juntos. As pessoas
geralmente não se interessam pela minha vida, exceto quando a Bridget bagunça tudo.
— Bem, eu gostaria de receber algum crédito por isso — JP fala lentamente, seu sotaque
francês engrossando e os olhos brilhando —, já que foi o meu botão que os uniu.
— Acho que encontraríamos nosso caminho com ou sem o botão. — Inclino-me para beijar
o topo da cabeça da Lotus. — Mas obrigado pela ajuda.
— De rien[15]. — Ele move a cabeça em direção à saída lateral. — Vão em frente e
sumam daqui, pombinhos.
— Tem certeza? — Lotus pergunta, seus dedos se apertando na minha cintura.
— Vamos começar novamente em breve — relembra. — Vá antes que eu lembre que mal
consigo funcionar quando você não está comigo nessas festas horríveis.
Para alguém tão pequena, a Lotus consegue carregar um homem duas vezes o seu tamanho
por uma multidão com aparente pouca dificuldade. Assim que a porta se abre, a luz do sol de
setembro se derrama nos bastidores. Lotus respira fundo antes de pisar lá fora, um pouco à minha
frente.
— Liberdade — diz, soltando um suspiro longo. — Acabou.
Uma risada irônica se solta dela e é rapidamente engolida pelo som das buzinas e a
cacofonia urbana de Nova Iorque. Ela olha para mim com os ombros caídos, o olhar cheio de
cansaço e antecipação.
— Leve-me para casa, Kenan.

[15] De nada, em francês.


Isto é o que eu queria. Ele é o que eu queria.
Estar aqui com o homem encostado contra a porta do seu apartamento é o que eu quis por
dias, semanas. Kenan nem percebeu JP praticamente salivando por ele em um terno de três peças da
linha masculina da JPL, mas eu sim. A barba perfeitamente aparada fazendo sombra em sua
mandíbula de granito. O horizonte de ombros impossivelmente largos, esticados sobre o tecido sob
medida e marcando o quadril estreito, e o comprimento poderoso de suas pernas. Há uma apatia
sobre ele, mas é enganosa. O ar pulsa com querer — um prazer pacientemente verificado que estou
finalmente pronta para saciar.
Estou tão orgulhoso de você, Botão.
Não você está bonita, o que seria legal também, mas estou tão orgulhoso de você.
A coisa perfeita para se dizer para a garota que teve a mãe gastando muito tempo mudando
e moldando-a, alisando seus cachos, mas nunca satisfeita.
Estou orgulhoso de você.
— Quero conversar primeiro — aviso, sentando no sofá da sala de estar e deslizando para
fora dos meus sapatos.
— Primeiro? — Ele se afasta da porta, vai até o sofá e senta no canto oposto, deixando
algum espaço entre nós.
— Sim, primeiro. — Sorrio, apesar da agitação em meu estômago. — Antes de fazermos
amor.
— Você sabe que eu esperaria meses, anos — diz, os olhos fixos nas largas mãos sobre os
joelhos. — Quero muito você, Lotus. Acho que você sabe disso, mas vou esperar o tanto que
precisar. Você significa muito para mim.
Suas palavras, perfeitamente ditas, colocadas e cronometradas, me acalmam e a história
jorra de dentro de mim.
— Eu disse antes a você que havia coisas que eu precisava compartilhar.
— Sim. — Ele olha para cima e seus olhos piscando são o único movimento perceptível.
Ele fica completamente parado, um estado de alerta aguça seu olhar.
— Estou pronta para… — Engulo o nervosismo que ameaça minhas palavras. — Para
dizer por que precisei esperar e o que aconteceu.
Um músculo pulsa em sua bochecha.
— Você vai me contar que alguém a feriu — afirma, sem perguntar.
Lembrando-me de sua resposta ao Chase, acho que isso pode ser quase tão difícil para ele
quanto é para mim. Movo-me no sofá até estar ao lado dele e pego sua mão entre a minha, beijando
os nós.
— É, preciso te contar.
Ele assente e me puxa para perto, até que minha cabeça esteja em seu peito e seu queixo
descanse em meu cabelo.
— Não quero dar detalhes esta noite — digo suavemente. — Compartilhei a história
inteira, detalhe por detalhe doloroso, com meu grupo de apoio na semana passada e…
— Grupo de apoio? — questiona.
— Você pode não ter percebido porque é apenas uma hora na quinta-feira, mas tenho ido a
um grupo de apoio para… para, hm, sobreviventes de abuso sexual infantil.
Seu peito enorme infla debaixo da minha bochecha com uma inspiração demorada. Os
batimentos cardíacos surgem em meus ouvidos, aumentando, acelerando.
— Ok — ele diz, simplesmente.
— Minha mãe nunca estava feliz comigo. — Nego com a cabeça contra ele. — Não sou tão
escura, mas, comparada ao resto da minha família, eu era. Meu cabelo era todo errado.
— Seu cabelo? — Ele corre a mão pela bagunça, beijando o topo da minha cabeça. — O
que ela achava que tinha de errado com o seu cabelo?
— Não era como o dela ou o da Iris, ou o da mãe da Iris, ou o de ninguém da nossa família.
Parece algo bem pequeno agora, mas, enquanto eu crescia, era um grande negócio. Fazia eu me sentir
como se não fosse boa o suficiente.
Dou de ombros, um gesto de desprezo que não chega nem perto de contar a história de
como minha mãe me rejeitou em milhares de pequenas maneiras antes de me rejeitar da maior forma
possível. Da pior maneira possível.
— Ela tinha um namorado que… — vacilo, minha garganta fechando ao redor de segredos,
de memórias sombrias. Meu corpo reluta em soltá-lo, mas eu preciso. Não vou me segurar a esse
trauma. Ele está me atrasando. Colocou-me sob controle. Tenho que sair daqui para seguir em frente.
— Droga — murmuro, torcendo os dedos no meu colo.
— Baby, você não tem que…
— Eu quero — digo a ele, olhando para cima. — Preciso que você saiba.
Ele olha para baixo e passa o polegar calejado sobre meus lábios.
— Ok. Conte-me.
Assinto e engulo, forçando-me a continuar:
— Ela tinha um namorado.
— Qual era o nome dele? — Kenan demanda, antes que eu possa ir em frente. Sua mão está
enrolada em um punho apertado em seu joelho.
— Ron Clemmons — respondo, a voz sussurrada. Quero deixar isso para trás. Quero
colocar para fora e deixar para trás, a fim de que eu siga em frente. — Ele, hm… ele me estuprou
quando eu tinha doze anos.
— Ele… — As palavras do Kenan ficam presas em sua garganta como um rifle emperrado.
— Ele está na cadeia? O que aconteceu com…
— Ele está no Inferno — interrompo, as palavras saindo rápidas, afiadas e pesadas como
uma guilhotina, ágeis para executar o julgamento. — Nós nos certificamos.
Encontro as perguntas se unindo em seus olhos, mas ele não questiona como alguém “se
certifica” de que alguém foi para o Inferno, porque acho que sabe que essa é, acredite se quiser, a
parte menos importante da história.
— Quando contei para minha mãe o que aconteceu — continuo, a dureza se derretendo em
uma tristeza que não tenho certeza de quando ou se um dia serei capaz de lidar —, ela não acreditou
em mim. — Uma risada vazia sai dos meus lábios. — Ou ela acreditou, mas não ligava. Não o
suficiente para deixá-lo.
— Você está me dizendo que ela ficou com aquele filho da puta? — indaga Kenan,
afastando-se para me encarar. — Depois do que ele fez para você, ela ficou com ele?
— Ela escolheu ficar com ele e me mandou para viver com a MiMi.
— Foi assim que você acabou morando com a MiMi? — A voz do Kenan se levanta,
alimentada por indignação, fúria e desprezo. — Que tipo de mulher faz isso? Baby, o que…
Ele fica de pé abruptamente, rodando em círculos apertados como se estivesse preso e não
fizesse uso de todo o apartamento espaçoso, apenas aquela pequena porção que seus pés traçam no
carpete. Sua respiração silenciosa fica errática.
— Kenan — digo gentilmente, ficando de pé e abordando-o. — Está tudo bem.
— Está tudo bem droga nenhuma. — As palavras saem de dentro dele como um grito de
guerra, e assassinato e sede de sangue fervem no seu olhar em minha direção. — Como ela pôde
escolher aquele pedaço de merda em vez de você? Acima da própria filha, sabendo que ele…
Ele fecha os olhos, talvez lutando contra as imagens que, para mim, são mais que
imaginação. São memórias.
Ele solta o ar pelas narinas como um touro. Apenas esse pedaço de consternação que me
corrói a vida inteira como náusea revira seu estômago e o deixa passando mal. Seu punho se abre e
fecha compulsivamente ao seu lado. Ele mal consegue conter sua raiva pelo meu bem e isso me faz
amá-lo ainda mais.
Eu o amo.
Não existe mais “se apaixonando”. Não existe mais escolha ou voltar atrás. Acabou. Sou
dele de todas as maneiras, exceto uma.
— Eu não tinha problema com sexo — digo a ele, calma caindo sobre mim como um véu.
— Eu precisava descobrir por que sempre fui capaz de transar e não sentir nada, até ficar enojada
por não ter sentido nada. Estava me desligando emocionalmente.
— Então você parou de fazer sexo — pontua, estudando meu rosto.
— Sim, eu precisava entender. Minha conselheira diz que nossa mente faz isso de vez em
quando para nos proteger. Nós esquecemos, compartimentalizamos, separamos. Qualquer mecanismo
necessário para sobreviver, nós fazemos, mas, quando isso para de funcionar, você tem que lidar com
a merda que vinha escondendo de si mesmo. — Minha risada é seca e autodepreciativa. — O meu
parou de funcionar nesse verão. Então decidi parar de transar bem quando o homem mais sexy que já
conheci começou a me rondar.
— É melhor que você esteja falando de mim — diz, humor quebrando sua carranca pela
primeira vez desde que comecei minha história.
— Sim, você — confirmo lentamente. — Fiquei com muito medo de me arriscar com você
de primeira e depois estava com medo que o mesmo vazio e desolação que senti com sexo antes
surgisse com você. — Caminho até parar em frente a ele e pego sua mão, entrelaçando nossos dedos.
— Tive medo de acontecer novamente.
— O que aconteceria? — pergunta, confusão no olhar que me dá.
— Eu já tinha transado sentindo apenas esse vazio e desolação — digo, inquieta. — Mas,
da última vez eu tive um flashback e entrei em pânico. Fiquei tão assustada. Assim que terminamos,
eu chorei feito um bebê.
— E você teve medo de que poderia acontecer comigo também?
— Tive medo de que, se acontecesse com você, não houvesse mais esperança,
considerando como me sinto ao seu respeito.
A tensão pulsa nas batidas silenciosas que seguem minha declaração.
— E como você se sente sobre mim? — pergunta, os olhos alertas, intensos.
As palavras se alojam em minha boca. Confissões demais para uma noite. Coisas demais
que expus a ele. Estou cansada de falar. Quero mostrar como me sinto. Não preciso de palavras para
puxar o pequeno arco cristalino que mantém unidas as conchas que cobrem meus seios. Ele se solta
facilmente. Libertados, meus seios caem, livres. Os olhos de Kenan vão para os meus mamilos, duros
e redondos, antes de voltarem para o meu rosto e esperarem pelo meu próximo movimento.
Encolho um ombro, deixando que a manga deslize pelo meu braço e a camisa fique
pendurada no meu corpo. Repito o movimento e a outra manga desliza, derrubando os pedaços da
seda no chão.
Seu olhar, ainda sem piscar, não se desvia do meu rosto, estudando-me.
Deslizo um dedo dentro da pequena fenda que prende minha calça de veludo à cintura,
desabotoando e deixando cair do meu quadril, dando um passo para o lado. Elas acompanham minha
blusa em uma piscina de tecido caro aos meus pés. Sua expressão é tão rígida e impenetrável quanto
a face de um penhasco, mas seus dedos se enroscam, e sei que ele está morrendo de vontade de me
tocar. Estou morrendo para tocá-lo também. Enfio os polegares nas tirinhas da minha calcinha e
começo a puxar, mas suas mãos enormes em meu quadril me fazem parar.
— Não. — É sua primeira palavra desde que comecei a me despir. — Deixe-me fazer.
Nossos olhares se misturam. Minha boca formiga, treme. Lambo os lábios com algo
próximo ao nervosismo e assinto em permissão para que ele termine de me despir.
Finalmente, seus olhos correm por todo o meu corpo, dos meus pés aos joelhos, passando
pelas minhas coxas, quadril, cintura, demorando-se nos meus seios. Uma vida inteira passa antes que
eu sinta uma leve pressão no meu quadril, seus longos dedos puxando minha calcinha. As palmas das
mãos deslizam por baixo das tiras para cobrir minha bunda nua. Minha respiração engata quando ele
a aperta gentilmente. Suas mãos são tão grandes que encobrem cada nádega completamente. Ele
continua empurrando até que o fio dental deslize pelas minhas canelas e se prenda aos tornozelos.
Fico de pé em frente a ele, completamente nua, mas sem me sentir tão exposta quanto estive
quando contei a ele sobre Ron, minha mãe e meus problemas. Aquela era a verdadeira nudez. Este
corpo ele já viu antes, mas não daria para saber disso pela maneira cheia de intenções com que me
observa, como se fosse deixar de respirar se afastasse o olhar.
— Existe algo que eu deva saber? — pergunta, estudando meu rosto. — Alguma coisa que
você não gosta ou não quer que eu faça?
— Não… — Respiro fundo. — Não segure meus braços acima da cabeça.
— Ok — concorda gentilmente. — Mais alguma coisa?
— Tudo que fizemos até agora tem sido maravilhoso, mas não tenho certeza absoluta do
que pode, hm… ser um gatilho. — Dou de ombros e lambo os lábios. — Mas quero tentar com você.
Quero você.
— Tem certeza? — insiste, e há uma nota em sua voz que mostra que sua restrição está no
limite. Sei de fato que, se eu disser agora mesmo que não posso, que não quero, ele não seguirá, mas
também sei que, assim que Kenan tiver a certeza de que quero isso tanto quanto ele quer, este homem
irá me devorar.
E quero ser comida por inteiro. Sem colocar em parcelas. Sem dar pequenas mordidas.
Consumir-me em um gole faminto, porque é assim que o quero.
Fico na ponta dos pés, empurrando os seios contra ele, saboreando a mordida dos botões
do seu colete em minha pele nua.
— Estou pronta — sussurro, minha voz ofegante e quase partida com desejo suprimido.
Minhas palavras liberam a tempestade. Ele me levanta e caminha até seu quarto, chutando a
porta. Não é a primeira vez que me vê assim, mas agora nós dois sabemos que não vou parar. Esta
noite estamos dando um passo que eu não sabia quando estaria pronta e, se estou sendo honesta, não
tenho certeza de como vou responder. Não saberei até tentar. Minha mente pode pregar alguma peça
em mim, em minhas emoções. Meu corpo e meu coração estão prontos, mas minha mente pode não
estar completamente. Eu poderia terminar chorando sozinha no chuveiro do Kenan, assim como foi
com Chase.
A ternura nos olhos do Kenan faz meu coração pausar, pular uma batida e depois
recomeçar. Não, não vou chorar sozinha no chuveiro. Se eu chorar, será nos braços dele. Se me sentir
desolada, deixarei que atravesse minhas paredes para me confortar. Esse é o vínculo de intimidade
que estabelecemos — um que nunca tive com mais ninguém.
Assim que estou de pé em frente ao Kenan, eu me aventuro sob o paletó, encontrando seus
ombros para deslizar o casaco de corte perfeito por cima dos braços musculosos e elegantes, feito
aço dentro do algodão caro. Um homem de paletó sempre me irritou. Kenan de paletó, a camisa
branca contrastando, é quase além do que posso suportar. Habilmente, começo a desfazer os botões,
e ele não me para nem oferece ajuda.
Ele é um homem feito uma montanha magnífica, cada linha, tendão e músculo esculpido
com habilidade mestre e atenção aos detalhes. Mesmo suas partes mais rudes me atraem. As
cicatrizes e cortes em sua carne das batalhas na quadra. Mãos calejadas dos anos de bola e dos
rigores do esporte profissional. Estou pasma com o físico do espécime parado em frente a mim.
Uma vez que o despi de sua camisa e calça, ele fica apenas de cueca.
Já vi seu pênis. Segurei. Engasguei. Mas nunca o tive dentro de mim. Não pergunto a mim
mesma nenhuma daquelas bobeiras a respeito de ele caber. É claro que ele vai caber. Pode ser
apertado e pode ser que eu sinta que vou explodir com aquele pau enorme me esticando, mas vai
caber. Moldarei meu corpo em volta dele até que caiba tão perfeitamente que nenhuma mulher depois
de mim será boa novamente. Já suspeito que, depois dele, ninguém será.
— Já falei que você é um belo homem, Senhor Ross? — pergunto, correndo os olhos pelos
cumes habilmente talhados de seu corpo impressionante.
— Talvez. — Ele encolhe um ombro pesadamente musculoso. — Não consigo nem pensar
direito agora para me lembrar. Não com isso em frente a mim.
Ele esfrega o polegar por cima do meu mamilo perfurado, mandando uma descarga elétrica
da ponta sensível para o ponto pulsando entre minhas pernas. Respiro, instável. Seus polegares
continuam descendo, traçando os músculos trêmulos em meu estômago, delineando a flor tatuada ao
redor do meu umbigo, planando entre minhas coxas. Com nossos olhares trancados, ele empurra o
polegar entre as dobras da minha boceta e esfrega meu clitóris de novo e de novo em um ritmo
sedutor que literalmente me coloca de joelhos. Ele passa o braço ao redor das minhas costas e me
mantém de pé, mas seu polegar nunca abandona a tortura sensual. Quando estou certa de que não
consigo aguentar outro segundo, ele desliza o dedo para baixo e enfia dentro de mim.
— Merda — sibilo. Seu polegar é do tamanho de três dedos meus e ele não se contém,
empurrando agressivamente. — Kenan.
Seu nome sai em uma respiração necessitada. Ele dá alguns passos em direção à cama e me
deita, pairando sobre mim, inclinando-se para manter primeiro o meu mamilo perfurado entre seus
lábios e dentes, depois o outro. Ele troca, o polegar esfregando meu clitóris novamente e três dedos
enormes dentro de mim, esticando-me, preparando-me. Tremores começam nos meus pés, rasgam
pelas minhas coxas, voltam e explodem quando suas mãos me trazem para o orgasmo com uma
intenção suave.
Tenho certeza de que meus olhos reviram. Cores se espalham na parte de trás das minhas
pálpebras — um caleidoscópio de luzes brilhantes em cada onda de sensação. Não consigo ver nada;
o prazer é avassalador. Alcanço cegamente entre nós e pego seu pau nas mãos.
— Lotus — ele engasga. — Baby, espera.
— Estou pronta. — Atordoada pela luxúria, abro os olhos para encontrar os dele. — Eu
esperei, nós esperamos tempo demais. Por favor, Kenan.
Ele se estica para a gaveta ao lado da cama. Antes que ele possa colocar a camisinha,
pego-a. O calor que vimos desde o primeiro toque funde os nossos olhares. Inferno, desde a primeira
vez que vimos um ao outro, meu corpo, meu coração quer isso. Tomo o controle, pairando sobre ele,
e deslizo a camisinha, levando meu tempo, demorando. Antecipação. Fome. Frustração. Saboreio
cada emoção expressa em suas belas feições.
— Lotus, vamos lá — ofega.
— Tem certeza de que você está pronto? — provoco, sorrindo para ele.
Humor em resposta escurece seus olhos. Ele me puxa para cima dele, guia meu quadril
para a posição. Nossa risada se dissolve, derretida pelo calor entre nossos corpos. Então ele está
dentro de mim, um início surpreendente. Um batismo. Imediatamente, um lacre foi quebrado, por mais
que estejamos lacrados juntos.
— Não se mexa — murmura, agarrando meu quadril e me segurando no lugar, engolindo e
fechando seus olhos. — Deixe-me senti-la por um momento.
Sei o que ele quer dizer e por que o disse. Saboreio o primeiro gosto do corpo dele no meu
— uma comunhão entre carne e osso, coração e alma. Fico perfeitamente parada, mas alguma coisa
que nunca senti sacode minha base. É invisível e inegável. Ele estica a mão e afasta meu cabelo para
longe do rosto, um gesto tão familiar agora, tão tenro que lágrimas surgem nos meus olhos. Não
trocamos palavras. Elas são a última fronteira, mas, em meu coração, eu sei. E seus olhos ecoam o
mesmo.
A primeira ondulação do meu quadril arranca um suspiro de nós dois.
— Jesus, amor — Kenan diz, mudando as mãos do meu quadril para minhas costas. —
Faça isso novamente.
Rio com ele e me mexo novamente, um movimento lento e deliberado do meu quadril.
Aperto minha boceta ao redor dele.
Meu.
Deixe outras mulheres tentarem.
Ergo o queixo, aperto as coxas em seu quadril e me mexo de novo. Aperto mais,
introduzindo seu pênis à sua nova amante. Possuirei esse guerreiro debaixo de mim. O homem que
eles chamam de Gladiador sendo capturado por uma garota com metade do seu tamanho e uma
década mais jovem. Sou alguém que ele poderia esmagar, mas tudo na maneira como me olha diz
carinho. Diz tesouro. Diz proteção.
Diz que sou dele também.
Minha, seus olhos respondem.
Esse olhar, esse sentimento, é como um laço, deslizando por cima dos meus ombros,
passando pelos meus braços, apertando-me e deixando-me no lugar. Não vou a lugar nenhum.
Monto nele por tanto tempo e com tanta força que os músculos das minhas pernas e da
minha barriga doem e tremem com a força que nos enrosca juntos. E ele ainda pede por mais,
empurrando para cima com força, suas mãos alcançando meus seios, apertando, beliscando e rolando
meus mamilos. Um ataque impiedoso e sensual que eu não consigo suportar por muito tempo.
— Quero que você goze de novo — diz, embaixo de mim. — Toque a si mesma.
Com seus polegares deixando meus mamilos em picos rígidos, estico a mão entre nós para
encontrar meu clitóris. Minha cabeça cai para trás e minha boceta se aperta em torno do seu pau.
— É isso — sussurra.
Estou à beira de lágrimas. O prazer é muito grande, bem mais rico do que qualquer coisa
que conheci. Ele desliza um dedo entre minhas pernas, umedecendo-o, depois tocando por trás de
mim.
— Vou colocar um dedo na sua bunda — murmura. — Está tudo bem para você?
Só de pensar...
— Sim, por favor — ofego.
Ele o faz. Seu polegar, embebido com meus fluidos, desliza dentro do meu buraco
apertado, e isso é demais. Sua mão beliscando meu mamilo. Meu dedo esfregando o clitóris. Seu
polegar em minha bunda. Seu pau é uma coluna rígida e engolida por mim. Meu quadril assume um
ritmo acelerado e frenético, cavalgando-o como se eu estivesse sendo perseguida. Minha boca se
abre em um grito silencioso.
— Porra — diz, entrando em mim, implacável.
Cavalgamos juntos, a tempestade que nos arrasta. Colapso em seu peito com ele dentro de
mim, uma bagunça suada, exausta e satisfeita. Ele arrasta as palmas abertas pelas minhas costas,
acariciando-me, tocando-me, sentindo-me. Envolvo os braços em volta dele e escondo o rosto em
seu pescoço. Ele se afasta, segura meu queixo e estuda meu rosto.
— Você está chorando — diz, sua carranca composta de preocupação e autopunição. —
Baby, eu sinto tanto. Droga, queria que fosse perfeito. Eu deveria ter…
— E foi — corto, só agora consciente das minhas lágrimas, mas não é o que ele acha. Não
há vazio. Estou cheia. Não há tristeza. Sinto alegria. — Kenan, foi perfeito.
Seus ombros caem. Os olhos se fecham, exalando profundamente antes que ele olhe para
mim.
— Achei que tinha te machucado — revela, colocando o nariz no meu pescoço, segurando
meu rosto, mergulhando os dedos por dentro da bagunça indomada em meu cabelo.
— Não, você não me machucou — prometo, beijando seu pescoço, seu ombro, seu rosto;
qualquer parte dele que eu possa alcançar. — Você me curou.
Sei que foi o grupo de apoio. Foi dar uma pausa no sexo — desmantelando meu desapego
emocional. Foi a Marsha e o conselho que me deu a cada passo do caminho. Foram todas essas
coisas que me trouxeram a este lugar, ao ponto em que eu estava pronta para receber o homem que
passei a amar.
Mas foi Kenan também. Sua paciência. Sua bondade. Sua confiança. Ele me alimentou com
minha primeira provinha da verdadeira intimidade entre um homem e uma mulher, não apenas nos
últimos minutos, mas nos últimos meses. Primeiro em nossos corações, almas e mentes; nas palavras
que trocamos, nos bilhetes que enviamos e no tempo que compartilhamos. Isso veio lentamente para
nós, no ritmo de um gelo derretendo. O que acabamos de fazer nesta cama foi um sacramento — um
sinal externo de uma promessa que negociamos, elaboramos, prometemos desde nosso primeiro
beijo. Esse ato foi espiritual e a implicação disso ressoa entre nós como uma melodia sagrada.
Ele senta, ainda dentro de mim, os músculos no estômago se flexionando sob a pele
esticada e bronzeada. Ele me reposiciona em seu colo, transferindo minha bunda para suas coxas
poderosas. Meu guerreiro que não usa armadura. A guarda se foi. Vulnerável para mim. O olhar em
seus olhos não é como nada que eu já tenha visto. É um bálsamo por cada rejeição — um abrigo para
cada tempestade que já me perseguiu. Uma defesa dos demônios que me assombram.
Ele engole profundamente, encarando-me em silêncio em longos segundos e secando
minhas lágrimas com seus polegares. E quando ele fala, as palavras que diz são tão perfeitas quanto
cada momento desde que nossos corpos se encontraram. As palavras são do Cântico dos Cânticos,
mas a verdade que transmitem é dele. É minha também.
— Encontrei quem minha alma ama — cita.
Mais lágrimas correm por minhas bochechas; uma libertação atrasada de anos. Choro por
cada momento que não me senti amada, querida, necessária, que me senti imperfeita. Está tudo lá no
olhar que ele coloca em mim. Para ele, sou mais do que suficiente. Sou tudo que ele quer.
— Kenan — soluço seu nome em meio às lágrimas, segurando as maçãs do seu rosto com
mãos trêmulas, pressionando nossas testas. — Eu disse que não pertencia a você.
Ele assente, sua expressão se preparando contra a violência em suas próprias emoções, os
olhos passando possessivamente pelo meu rosto.
— Eu estava errada. — Nego com a cabeça contra a dele. — Tão errada. — Afasto-me
para olhar em seus olhos e falo para ele a passagem que guardei em meu coração e nunca pensei que
diria a um homem. — Meu amado é meu e eu sou dele — cito o cântico por sobre uma trilha de
lágrimas, quebrada, mas verdadeira. — Kenan, eu sou sua.
Ele incha e endurece dentro de mim com as palavras passionais que derramo sobre ele
como óleo ungido na cabeça de um rei. Suas mãos descem pelas minhas costas e se colocam em meu
quadril, apertando-o em uma possessividade confiante.
— E eu — começa, suas palavras beijando meus lábios mesmo antes de ele o fazer. — Eu
sou seu.
— Para um homem que nunca quis ir para Nova Iorque — August diz, driblando duas
bolas, uma na mão direita e a outra na esquerda —, você certamente parece sentir falta de lá.
Lamentando-se o treino todo como se alguém tivesse roubado sua bicicleta.
Lanço a ele um olhar meio irritado, mas foco em meu próprio exercício. Estamos treinando
para a pré-temporada há uma semana, e sinto falta da Lotus ainda mais do que pensei que iria. Já
ficamos afastados por uma semana antes, mas adicionar sexo ao nosso relacionamento levou tudo a
outro nível. Ela ficou no meu apartamento até que tive que retornar a San Diego e me apresentar ao
time. Criamos um ritmo nosso ao qual me acostumei.
— Ou talvez seja da Lotus que você sente falta — August continua —, não da cidade.
— Você não quer mesmo saber — murmuro. — Idiota.
— Eu gostaria de saber, na verdade. — Ele para de driblar e cruza o curto espaço na
quadra que nos separa. — Diga o que está acontecendo entre você e a Lo. Por que está me
escondendo?
Porque estou me divertindo muito o torturando.
— Você sabe que estamos saindo — comento, disfarçando minha diversão com uma
expressão neutra. — Não é suficiente? Em breve você vai querer ir ao banheiro comigo, fazer festa
do pijama e essas merdas. Por que está se metendo tanto na nossa conta?
— Ela é como a irmã mais nova da Iris, Glad — August explica, sem sinal de ser leviano
em seus olhos cinza por baixo dos cachos escuros. — Para mim também, e só preciso ter certeza de
que ela está bem e você não vai… — Dá de ombros, olhando para o lado, parecendo desconfortável.
— Não vou machucá-la — garanto a ele, prendendo a bola de basquete entre meu quadril e
braço. — Eu me importo muito com ela.
Surpresa se espalha em seus olhos antes que se recupere.
— Tudo bem. Era tudo que eu queria saber.
— Lotus não contou nada para a Iris ainda? — pergunto, retomando os dribles.
— Um pouco. — Ele também recomeça seu drible duplo. — Ela disse que vocês estão
juntos, mas não deu muitos detalhes. Para ser honesto, Iris está tão preocupada com a chegada do
bebê que não questiona tanto quanto normalmente.
— Então você está questionando por ela? — indago, levantando uma sobrancelha.
— Algo assim. — Ele lança um sorriso. — Quer dizer, algum velho pervertido está atrás
da jovem prima da minha esposa. É meu dever investigar.
— Estava me perguntando quando as piadas de homem velho iriam começar — comento,
rindo e negando com a cabeça.
— Espere mais delas. — Ele ri.
— Vocês dois têm um segredo ou gostariam de compartilhar com o restante da turma? —
nosso novo técnico grita do outro lado da quadra.
Ele não é exatamente novo. É o nosso antigo treinador assistente, Ean Jagger. O técnico
Kemp, que esteve à frente dos Waves desde que começamos como um time em expansão há alguns
anos, está lutando contra um câncer de próstata. Claro, desejamos o melhor a ele e queremos que se
recupere, mas também é empolgante ter uma mente jovem e brilhante no comando esta temporada.
Com sua reputação como mestre estrategista e QI de basquete[16] muito acima da média, Ean
poderia conseguir qualquer emprego na liga. Estamos muito gratos, e levemente confusos de por que
ele ficou em um time em expansão que não tinha esperanças de ir para os playoffs nas primeiras
quatro temporadas.
Mas aceitaremos.
— Nenhum segredo, treinador — respondo. — Estou tendo uma conversa sobre sexo com
o novato aqui. Ele não entendeu como a esposa acabou grávida. Estou explicando como as coisas
funcionam.
O time ri e tenho que parar de driblar e me inclinar, rindo de mim mesmo com o olhar que
August me direciona.
— Uau — Ean diz, levando seu tempo para cruzar a quadra e nos alcançar. — Esperava
mais do capitão do time.
August é o jogador da franquia[17] e o futuro do time, mas ele só tem algumas temporadas
de experiência. Eles me trouxeram por causa da minha reputação de ser disciplinado, minha
liderança dentro e fora da quadra e os dois anéis de campeão. Sei como vencer. Todos os atributos
que esperam que eu possa passar aos meus colegas de time mais jovens, especialmente o August.
— Já que você e West parecem ter muito para conversar — começa Ean, uma vez que está
parado em frente a nós —, vamos ver se conseguem subir e falar ao mesmo tempo.
August geme, e eu estou com ele. Ninguém gosta de subir na corda. É algo antigo e não está
mais nas nossas rotinas de exercícios. Mas é parte do que faz Ean ser tão cobiçado. Ele é uma ótima
mistura da sensibilidade old school e da inovação de ponta.
— Espero que tenha se mantido em forma nas férias de verão, velhote — August zomba
enquanto nos direcionamos para as duas cordas presas no final da quadra.
— Férias de verão? — pergunto alegremente. — O que são férias de verão? Acho que já
ouvi falar. Talvez eu tire umas algum dia.
— Aparentemente, essa não é a melhor maneira de acabar com o falatório — Ean reclama,
seco —, já que os dois ainda estão futricando. No meu apito. Encostem no topo e no tapete. Encostem
no topo e no tapete de novo.
— Merda — August murmura. — Última vez que converso com você durante o exercício,
Glad.
— É, pelo menos uma coisa boa. — Dou a ele uma cara de tédio e enrolo as mãos na
corda.
Vou fazê-lo comer poeira.
O apito soa.
August já começou como se fosse um cavalo puro-sangue, subindo, centímetros acima de
mim. Eu me controlo, mas não o deixo ficar muito à frente. De jeito nenhum vou deixar esse garoto se
mostrar em cima de mim.
Ele ainda está levemente na dianteira quando tocamos o tapete e começamos a segunda
subida. É quando faço minha jogada, descendo mais para uma explosão de velocidade que mantive
na reserva. Também tenho quase oito centímetros de altura, quinze de envergadura e uns bons vinte
quilos de músculos a mais que ele. Meu alcance é maior e empurro-me mais alto com menos esforço.
Encosto no topo e volto a descer milissegundos na dianteira. Quando meus pés tocam o tapete, meia
respiração antes, estou aliviado por ter me segurado. Eu sou o cara com os anéis. Sou o capitão do
time, mas, nesta liga, você nunca termina de provar seu valor.
— Idade vem antes da beleza, novato — aviso a ele entre lufadas bruscas de ar.
— Não se sinta mal — August devolve, limpando Gatorade dos lábios. — Tenho certeza
de que sua namorada Lotus acha que você é bonito.
Isso gera a curiosidade e as piadas que tenho certeza de que ele sabia que fariam.
— Glad conseguiu uma garota?
— Quando vamos conhecê-la?
— Aposto que ela é uma gata.
Mal consigo focar pelo resto do treino com homens adultos me fazendo perguntas
intrometidas sobre a minha garota.
— Aposto que preferiria ter me deixado ganhar, né? — August pergunta, sorrindo como um
garotinho de treze anos enquanto caminhamos pelo estacionamento após o treino.
— Não, mas você queria.
— Belo carro — elogia, assobiando e caminhando em volta do Urus. — Aquele dinheiro
do contrato máximo é longo, né?
Banner negociou um acordo de contrato máximo para mim um ano antes de eu sair de
Houston. Sorte a minha, já que me transferi no ano seguinte. Me deu um belo pagamento antes que eu
saísse.
— Olha quem fala. — Aperto para abrir a caminhonete. — Você tem aquela grana do selo
da franquia.
— Nós dois sabemos qual é maior — diz sem rancor, bem-humorado. — Você mereceu.
— Pegue enquanto pode — falo para ele, sério. — Muitos de nós vivem no conforto e,
quando chega a hora de se aposentar, a fonte seca. Faça seu dinheiro. Invista nele, depois faça mais
grana. Banner me falou isso desde o começo e está me convencendo agora no final.
— Final? — August para, inclinando-se contra a caminhonete e franzindo o rosto. — Não
está tentando sair agora, está?
Dou de ombros.
— Todo mundo se aposenta em algum momento.
— Você está em melhores condições do que qualquer um na equipe. — August solta um
riso seco. — Incluindo eu. Você poderia jogar até os quarenta se quisesse.
— A palavra-chave é querer.
— Por que você não iria querer?
— Há muito mais coisas do que uma bola. Você sabe disso, August.
— Sim, claro, mas eu esperava que você me ajudasse a conseguir um anel antes de
pendurar a velha bolsa de ginástica.
Começo a rir e encosto-me contra o carro ao seu lado.
— Não sei de nada. Já perdi muito com a Simone. Essa vida é difícil com as famílias.
— Sim. Tenho que ser muito incisivo sobre estar presente quando estou em casa, já que
passo tanto tempo fora. — Ele balança a cabeça. — Cara, tivemos um ótimo verão. Bastante tempo
com a Iris e a Sarai. Iris teve uma bela gravidez.
— Pronto para ser pai novamente? — questiono.
— Acho que sim. Estou com a Sarai desde que ela era pequenininha, então ela
praticamente não se lembra de nada antes de a Iris e eu nos casarmos. — Ele ri. — Por quê? Tem
dicas de profissional?
— Meeerda. — Nego com a cabeça e ofereço uma risada seca. — Sou o último oferecendo
conselhos de paternidade. Não sou exatamente a pessoa favorita da Simone agora.
— Como foram as coisas no verão?
— Ok. Tivemos aconselhamento familiar enquanto eu estive lá. Ela ainda está tendo
dificuldades com o divórcio. Achava que nós íamos reatar.
— Você? — August pergunta, os olhos se arregalando e as sobrancelhas se erguendo. — E
Bridget? Reatar? Por que ela pensou isso?
— Ela é uma criança e quer a vida de volta. — Faço um som de negação com os dentes,
com nojo da minha ex. — E esse show Amor de Jogador que sai em breve não ajuda. Tenho uma
sensação muito ruim a respeito. Sabia que a Bridget teve a coragem de aparecer no trabalho da
Lotus? Bisbilhotando e querendo assustá-la?
— Assustar a Lotus? — August indaga, seu tom incrédulo. — Ela obviamente não a
conhece. Lo não se assusta fácil. Eu certamente não cruzaria o caminho dela. E a Simone não virou
fã?
— Não. Não mesmo. — Dou de ombros e abro a porta para jogar minha bolsa de ginástica
no banco de trás. — Mas ela vai ter que superar isso, porque Lotus não vai a lugar nenhum.
— E os detalhes começam a aparecer — August comenta com alguma satisfação. — Você
realmente está a fim dela.
— Como se você não soubesse disso desde o dia em que a vi no hospital.
— Verdade. — O sorriso do August é largo e provocativo. — Mano, ela entrou lá e você
estremeceu.
Sorrio, apesar da dor em meu peito. Estremecer? Pela Lotus?
Ainda estou estremecendo.

[16] O QI de basquete é um termo que se refere a jogadores que, mesmo não sendo inteligentes, possuem excelente leitura
de jogo, posicionamento e movimentações em quadra.
[17] O jogador da franquia é o atleta no time que recebe o status de estrela. É ao redor dele que a equipe desenvolve seu
marketing e estilo de jogo. Exemplo: Kobe Bryant no Los Angeles Lakers.
— Você consegue! — Minha garganta está seca, mas forço as palavras para fora mais uma
vez, rezando para que algo acabe com a agonia da minha prima em breve.
— Não dá — Iris diz, lágrimas escorrendo dos cantos dos olhos. — Não dá, Lo.
— Sim, dá sim. — Seco o suor em sua sobrancelha e entrego a ela uma caneca com
pedaços de gelo. — Você vai conseguir.
— Quero o August.
— Eu sei, querida. — Olho para o relógio na parede. — Ele está chegando.
— Odeio basquete — declara, o lábio inferior tremendo.
— Tenho tentado te dizer isso — brinco. — Precisou do trabalho de parto para você me
ouvir.
Sua boca treme bem pouquinho.
— Ele já está chegando? — questiona de novo, pela centésima vez.
— Está. O time pousou há pouco e ele ligou do aeroporto.
É pré-temporada e os Waves tiveram um jogo em Toronto. Iris não deveria parir por mais
alguns dias.
— A primeira coisa que vou fazer quando esse homenzinho chegar — prometo, dando a ela
um sorriso — é dizer a ele para sincronizar o calendário. Pegou todos nós de surpresa.
Eu não viajaria para San Diego até o fim de semana e planejava passar alguns dias no
Havaí com o JP. Felizmente, recebi a ligação antes de sairmos para o aeroporto e consegui trocar
meu voo.
A parte boa é que conseguirei ver meu namorado antes que o time viaje para a China em
dois dias. Quando Kenan disse que o cronograma era duro, não achei que ele estivesse mentindo, mas
até a pré-temporada é intensa.
— Aaaah! — Iris grita. Rios de suor descem por sua testa, fazendo os cabelos finos de
suas têmporas se enrolarem. — Como está a Sarai? — pergunta ofegante quando a dor passa.
— Bem. Recebi uma atualização da sua amiga há alguns minutos. Ela disse que a Sarai está
brincando com as bonecas.
Iris sorri, seus olhos mudando para algo atrás de mim.
— Doutora Matthews, oi.
— Oi, Senhora West — a obstetra da Iris, Doutora Matthews, chama da porta. Sua voz é
calma, mas carrega uma nota de urgência. — Precisamos conversar. Você está em trabalho de parto
há oito horas e parou em cinco centímetros de dilatação. Gostaria de fazer um teste de escalpe fetal.
Iris tem recebido remédios para dor, embora ela não queira uma epidural. Sei que não tem
dormido muito por semanas. Sombras escuras descansam abaixo dos seus olhos. Entre contrações,
suas pálpebras caem, sonolentas. Ela está exausta. Preciso estar alerta para o seu bem.
— O que é um teste de escalpe fetal? — pergunto.
A médica olha para mim em dúvida, depois para Iris, cuja cabeça tombou para o lado.
— Fiz uma pergunta — insisto com a médica, com uma firmeza suave. — O que o teste
envolve e por que precisamos disso?
— Diga a ela — Iris sussurra. — Ela é minha única família.
Tecnicamente não é verdade. Nós duas temos mães vivas e bem em Nova Orleans.
Nenhuma de nós as viu desde o funeral da MiMi. Não falo com a minha desde que eu tinha doze anos.
— E o Senhor West? — Doutora Matthews pergunta, sobrancelhas erguidas.
— A caminho — respondo, meu olhar inabalável. — O teste?
— Colocamos um cone de plástico na vagina, contra o couro cabeludo do bebê — explica.
— Tiramos uma pequena amostra de sangue, que será analisada e dirá em dez minutos se ele está
recebendo oxigênio suficiente.
— Tudo bem para você, Bo? — pergunto. — Ouviu a médica?
Iris acena fracamente e lambe as marcas de dentes em seus lábios.
— Ok — afirma. — Faça.
Eles colocam Iris nos estribos e rapidamente conduzem o teste.
— Estou preocupada com isso — a Doutora Matthews diz quando volta minutos depois. —
Precisamos tirar esse bebê. Devemos começar a discutir outras opções. Possivelmente uma cesárea.
— Não, eu não quero… — Lágrimas correm pelas bochechas da Iris. — Queremos fazer
de forma natural. — Ela olha para mim, angústia e pânico enchendo seus olhos. — Onde ele está,
Lo?
Meu telefone toca e é August. Graças a Deus.
— É ele! — Rio e seguro o telefone antes de atender. — Cara, quão perto você está?
— Estou na esquina — August diz, frustração em sua voz. — Mas há um acidente. Espero
que limpe em breve. Como ela está?
— Ótimo — digo, sorrindo para tranquilizar minha prima. — Ela está indo bem. Elas estão
um pouco preocupadas de que o bebê não esteja recebendo oxigênio suficiente e falando sobre uma
cesariana.
— Não, ela não quer — avisa.
Ando um pouco para longe da cama e viro as costas para a Iris.
— Ela pode precisar, August — explico, baixando o tom de voz. — Ela precisa de você.
Não ligo se vai ter que descer do carro e vir correndo, traga sua bunda para cá. — Olho por cima do
ombro e dou outro sorriso a ela. — Quer falar com ele?
— Sim. — Ela assente, o cabelo escuro espalhado em uma bagunça no travesseiro. — Por
favor. — Não consigo entender as palavras do August, mas ela puxa o ar profunda e tranquilamente,
depois solta. — Eu sei — diz, a voz vacilante. — Eu lembro. Só quero você aqui. Vou fazer a
cesárea se precisar, August. Não quero fazer isso sem você. — Sua voz se quebra e novas lágrimas
rolam por cima de suas bochechas coradas. — Quero você. Por favor, não perca o nascimento do
nosso filho.
Quando desligam, pego meu telefone de volta e sento ao lado da cama da Iris. Assim que
estou prestes a encontrar algo para distraí-la enquanto a médica vai fazer ajustes, outro grito rasga
por ela.
— Droga! — grita, franzindo o rosto em uma máscara de dor. — Essa merda dói. Não tinha
doído assim antes.
Com Sarai, Iris teve uma gravidez difícil, mas o parto em si foi relativamente fácil. Desta
vez, a gravidez da Iris foi como uma brisa, mas o parto está sendo uma vadiazinha.
— Não consigo fazer isso, Lo — sussurra. — Meu Deus, estou tão cansada.
— Sim, você consegue. — Agarro a mão dela e perco a linha do que estava prestes a dizer
quando Iris aperta minha mão com tanta força que tenho medo de quebrar. Droga, isso dói.
Iris range os dentes e senta para empurrar enquanto a Doutora Matthews entra com a equipe
para se preparar para a cesárea.
— O que… — Ela checa entre as pernas da Iris e nos olha de volta, radiante. — É isso que
eu gosto de ver. Não tenho certeza do que você fez, Senhora West, mas está com oito centímetros.
— Estou? — Iris pergunta, um sorriso partindo seu belo rosto como o sol. — Como? Eu
não fiz nada.
— Acho que seu corpo só precisava de mais alguns minutos para se recuperar e seguir com
as coisas — diz, com uma piscadela. — Você teve uma onda de poder. Agora, vamos empurrar.
Iris está empurrando com força pela segunda vez e o grito é horripilante. Não tenho certeza
de quanto mais consigo aguentar. Pelo tanto que consigo me lembrar, sua dor tem sido minha dor e a
minha dor tem sido a dela. Lágrimas brilham em meus olhos, mas não solto sua mão, mesmo quando
meus dedos ficam dormentes com a pressão. Ela solta outro grito quando August surge pela porta.
— Estou aqui, baby — diz, correndo para o seu lado.
Começo a me mexer para que August possa assumir meu lugar, mas Iris não me deixa ir.
Ela nega com cabeça para que eu não saia.
— Amarelinha — sussurra, chorando muito. — Não me deixe, prima.
Sempre estivemos uma pela outra, fizemos o que foi preciso, e essa palavra tem sido
padrão durante as coisas mais difíceis e sombrias que a vida reservou para nós. Emoções enchem
minha garganta, mas eu consigo assentir, determinada a suportar os ossos sendo esmagados pelo
tempo que demorar, pelo tempo que ela precisar. Ela fará isso por mim um dia.
Nossos olhares se travam e nossos anéis gris-gris se travam como se nossas vidas, nossos
destinos, tivessem permanecido entrelaçados. Pode ser minha imaginação, mas, enquanto ela se
abaixa e aperta minha mão para empurrar uma última vez de forma agonizante, sinto a onda de poder
que a médica mencionou. O poder em nossas veias passando entre duas garotas do Nono Distrito.
Nós nos agarramos a isso em um campo de cana-de-açúcar podre, mesmo quando fomos separadas.
Fluiu entre nós através dos anos, das dores no coração e do amor incondicional. O poder da linhagem
contínua.
Nós somos a mágica.
Isso é mesmo só a pré-temporada?
Afundo na banheira de gelo que mantenho na arena dos Waves. Mesmo que tenha sido
apenas um jogo de exibição, dei meu tudo.
Há, definitivamente, momentos em que temos que facilitar e jogar conservadoramente.
Hoje não foi um desses. Cliff, que um dia foi meu amigo e colega de equipe, pulou de um lado para o
outro na NBA como uma bola de borracha sendo chutada no parquinho depois que saí do Houston.
Este é provavelmente o último ano dele e, apesar de ganhar um anel conosco, ele não se preparou
para a aposentadoria tão bem como eu. Não teve a carreira que eu tive ou o sucesso. Ele não tem o
dinheiro.
Mas teve a minha esposa bem debaixo do meu nariz por semanas e jogamos contra o time
dele essa noite. De jeito nenhum que eu ia perder para aquele filho da puta. Nem era por causa da
Bridget. Não tem sido por ela há muito tempo.
Na primeira vez que encarei Cliff depois que tudo apareceu, as pessoas achavam que eu
brigaria com ele em quadra ou explodiria com violência. Fiz o oposto. Eu dei um gelo nele. Dei um
gelo em todos eles, envolvendo a mim e meu jogo em uma parede congelada. Muitos no meu lugar
teriam pago a multa por não estarem disponíveis para a imprensa naquela noite. Não eu. Toda vez
que um repórter fazia uma pergunta sobre Cliff, Bridget, o caso deles, eu o encarava em um silêncio
invernal até que se sentasse e a próxima pergunta surgisse.
Agora os repórteres sabem que é melhor não perguntar sobre minha vida pessoal. Eles não
têm feito isso nos últimos dois anos. Dependendo de quanta roupa suja Bridget decidir lavar em seu
reality show, isso pode mudar.
A porta se abre e olho por cima do ombro para ver o presidente de operações do basquete,
MacKenzie Decker, entrar. Ele fez quarenta anos recentemente. Uma lesão o forçou a se aposentar
poucos anos atrás, mais cedo do que gostaria, mas duvido que sinta falta das últimas temporadas que
poderia ter. Ele será o primeiro eleito para o Hall da Fama e, depois de poucos anos fora da liga, já
é um executivo de linha de frente preparado para ser um dos proprietários dos Waves. Nada mal.
— E aí, Deck? — pergunto, afundando mais na água gelada.
— Vim te perguntar isso — diz, assumindo um assento perto da banheira. Seu bronzeado
natural da Califórnia, olhos da cor de Bourbon e cabelo loiro grosso e escuro o tornam uma
armadilha para as mulheres. Ele é devoto de uma única mulher, embora: sua namorada, Avery
Hughes, uma âncora de esportes que fica em Nova Iorque.
— Como vai sua garota? — Inclino-me para frente para ajustar as configurações da
banheira.
— Ainda é minha — responde, com um sorriso de espadachim.
— Vai torná-la uma mulher direita em breve?
— Ah, ela já é direita — Deck devolve. — Mas, se você está perguntando se vou casar
com ela… — Ele deixa as palavras penduradas no ar, fazendo-me perguntar o quanto a mídia sabe
sobre o relacionamento. Deck e Avery têm sido bem reservados sobre isso até recentemente. —
Então, cá entre nós — revela, o humor sumindo de seus olhos e algo mais sóbrio entrando no lugar
—, bem em breve. Não posso continuar com isso. Preciso dela comigo.
Avery é uma das âncoras mais populares da SportsCo, um canal esportivo enorme, atrás
apenas da ESPN.
— O contrato dela entra em renegociação este ano — Deck confidencia, inclinando-se na
cadeira. — Ela vai pedir para o programa ser gravado em LA em vez de Nova Iorque.
— Mano, isso seria fantástico.
— É. Essa merda de longa distância perde a graça rápido.
Nem me fala. Foram apenas algumas semanas e já estou de saco cheio.
— Como foi jogar contra o Cliff hoje? — pergunta, cortando a baboseira e entrando bem
no x da questão. É uma das minhas coisas favoritas no Decker.
— Mais um dia como outro qualquer. — Sorrio e inclino a cabeça. — Mas foi bom acabar
com aquele merda. Nós arrasamos.
— Isso vocês fizeram — Decker concorda, rindo sombriamente. — Estou feliz por você
ter superado isso. — Ele hesita, lançando um olhar observador sobre mim. — Mas sei que está
lidando com as repercussões. Com o programa da Bridget começando em breve e a Simone vivendo
na Costa Leste agora. Você sabe que passei por isso. Minha ex deu muito trabalho quando nos
divorciamos. Ela se mudou para longe de mim também.
— Para cá, não foi?
— Isso, veio para LA quando eu estava vivendo e trabalhando em Connecticut. — Ele faz
um som de desdém e nega com a cabeça. — Cara, fiquei furioso com ela. Eu não queria que nossa
filha nos visse brigando e fosse arrastada para todo canto.
— Você acertou em cheio nessa — murmuro, passando a mão pela água frígida, esperando
que possa esfriar meu temperamento crescente ao pensar em todas as armadilhas feitas por Bridget
que definitivamente feriram nossa filha mais do que a mim.
— Sei que vocês estavam fazendo aconselhamento e que morou lá no verão — comenta. —
Isso é bom. Colocar sua filha em primeiro lugar, cara. Mesmo quando a Bridget escolher o caminho
errado, que todos nós vimos ser o seu padrão, escolha o correto. Mostre para sua filha várias e
várias vezes, de todas as maneiras que puder, que ela é sua prioridade. Elas estão em uma posição
tão estranha nessa idade.
— Nem me fale. Catorze é o pesadelo.
— Tudo que você está fazendo agora, embora pareça difícil e talvez até mesmo como se
não funcionasse, valerá a pena quando seu relacionamento com a Simone permanecer intacto.
— É exatamente disso que eu precisava ser lembrado. Valeu, Deck.
Ele fica de pé e me cumprimenta com a mão, rindo e apontando para a água.
— Você e as banheiras com gelo. É uma maravilha que seu pau não congele.
— Ah, ele funciona bem — garanto a ele.
Ainda ouço sua risada mesmo quando a porta se fecha por trás dele. Abaixo a cabeça na
borda da banheira. Meu pau definitivamente funciona. Com esse relacionamento à distância, seria útil
se ele me deixasse na mão. Tenho certeza de que há uma piada sobre masturbação aí em algum lugar,
mas estou muito cansado e excitado para fazer funcionar. Pelo menos devo encontrar a Lotus por
algumas horas quando ela terminar no hospital. Falando nisso… onde está a droga do meu telefone?
— No meu armário — lembro a mim mesmo. Ela pode estar tentando me ligar agora com
uma atualização do bebê. — Vou pegar quando terminar.
Ainda tenho cinco minutos de recuperação aqui antes de poder ir.
A porta se abre atrás de mim novamente.
— Esqueceu algo, Deck? — pergunto, os olhos ainda fechados, absorvendo os efeitos
curativos da água glacial mesmo quando ela belisca minha pele.
Quando não há resposta, olho por cima do ombro para a porta da sala de treinamento.
Lotus.
— Oi — diz, sua voz intensa, bem-vinda, rouca. Exatamente como me lembro, exceto que
da última vez estava assim de tanto gritar, depois da maratona de sexo no meu último dia em Nova
Iorque.
Não estive na Califórnia por muito tempo, mas parecia meses desde a última vez que a vi.
Desejo, necessidade… foda-se. Vou dizer a mim mesmo, embora não tenhamos dito explicitamente
um para o outro ainda… amor intensifica a saudade e estica o tempo.
Encontrei quem a minha alma ama.
Meu amado é meu e eu sou dele. Kenan, eu sou sua.
Repeti esses momentos e os sentimentos que pegamos emprestados do Rei Salomão
centenas de vezes na minha mente. Virando-os, analisando-os para ver se existia alguma maneira de
ela não estar dizendo que me ama.
— Ei, você — finalmente respondo, incapaz e indisposto a segurar meu sorriso de merda
por mais tempo. — Como você chegou aqui?
— Ah — diz, inclinando-se contra a porta da sala de treino. — August me devia um favor.
— Ah, é? — pergunto, absorvendo-a.
O cabelo platinado está castanho-dourado novamente. Não consigo acompanhar os estilos
e cores dos seus cabelos. Usa um vestido de verão azul-real preso em um ombro só, deixando o outro
exposto, seguindo as curvas do seu corpo fielmente dos seios aos tornozelos.
— É — continua, inclinando a cabeça para o lado. — Eu praticamente pari o filho dele.
Uma risada rápida sai dos meus lábios.
— Puta merda! Então é mesmo um garoto?
— Uhum, segredo revelado — ela diz, alegria tirando um pouco da fadiga em seus olhos.
— Michael Spencer West.
— Legal. Tenho um palito guardado para o novato.
— Um palito? — Uma sobrancelha se ergue e ela gira a fechadura, o som ecoando no
cômodo outrora silencioso. Mesmo na água congelada, meu pau fica duro. — Você está falando de
picolé?
— Normalmente sim. — Não renuncio ao seu olhar aquecido. — Mas um palito pode
significar várias coisas agora que pensei a respeito.
— Hmmm… — Ela fecha o rosto e dá alguns passos que a levam até mim, ao lado da
banheira. — O que mais um palito pode ser?
— Bem, poderia ser...
As palavras derretem na minha boca quando Lotus desfaz o nó em seu ombro e o vestido
cai no chão. Ela está completamente nua e, comigo sentado na banheira, meus olhos ficam na altura
do mamilo duro e perfurado.
— Do que você estava falando? — pergunta, as sobrancelhas arqueadas como se não
conseguisse imaginar por que parei de falar. — Algo sobre usar um palito?
Com sua adaptação, solto uma risada estrangulada. Ela apoia os cotovelos na banheira,
servindo dois mamilos escuros aos quais não consigo resistir por mais um minuto. Foda-se o flerte.
Inclino-me para frente, pegando o perfurado em minha boca e observando seu rosto. Seus olhos se
fecham e um arrepio percorre seu corpo. Ela agarra minha cabeça, pressionando-me com mais força
em suas curvas maduras.
— Senti sua falta, Botão — murmuro contra a pele sedosa entre seus seios antes de trocar a
boca para o outro mamilo.
— Estou percebendo isso — ela diz, a respiração ofegante. Lotus se afasta e usa a escada
na banheira para subir.
— Lotus, baby, não. Está congelando aqui — aviso.
— Com medo de não conseguir levantar no frio? — pergunta, parada na escada e olhando
para baixo, em minha direção, pela primeira vez.
— Ah, já está levantado. — Afasto as pernas para que ela veja a ereção em meu calção
pela água. — Mas é sério, baby. Você não pode simplesmente pular aqui dentro. Leva um tempo para
se acostu...
Perco a linha de raciocínio quando ela testa a água com um pezinho antes de terminar de
escalar e sentar do lado oposto, encarando-me com os seios pulando na superfície da água.
— Ai, está tããão frio. — Ela finge um arrepio. — Não sei como vocês, meninos grandes,
conseguem.
— Você não é humana. — Rio. — Talvez você seja uma bruxa. — Estendo os braços em
direção a ela, que dá dois passos na água para me alcançar. — Minha bruxa.
Eu a beijo, e a primeira prova da minha doce garota faz algo comigo. Claro, meu pau fica
ainda mais duro, apesar da água congelante, mas todo o resto derrete. Existe uma parede que eu ergo
quando a temporada começa — uma proteção que meio que me isola do escrutínio constante, da
pressão que nunca me deixa e todo o drama que não tem nada a ver com a bola. É o que me permite
focar tão completamente, quase excluindo todo o resto.
Contra a Lotus, essa parede não tem nenhuma chance.
Está caída e ela está atacando os portões, dentro, invadindo, saqueando minhas defesas.
Minha atenção, meus pensamentos são seus, cativos de forma voluntária.
— Meu Deus, baby. — Não consigo ficar satisfeito, abrindo ainda mais a boca dela,
enfiando as duas mãos em seus cabelos para manter sua cabeça parada e para que eu possa comer
minha porção. — O que você faz comigo?
Sua fome cresce e iguala à minha, as pequenas mãos segurando minha cabeça e sua língua
ansiosa mergulhando agressivamente, devorando-me também. Ela espalha as coxas sobre as minhas,
esfregando os seios em meu peito, choramingando como uma gatinha no cio, escaldando-me em águas
congeladas. Ela puxa o cordão do meu calção. Com as mãos trêmulas, ela o afasta pela minha cintura.
Droga, está frio.
— Não tenho camisinha — murmuro no calor úmido e abrasador do nosso beijo.
— Que bom — diz, virando as costas para mim, capturando meu olhar sobre os ombros,
posicionando-se sobre mim. — Você não vai precisar.
Em um movimento rápido, ela me coloca dentro do seu corpo, oferecendo-me um santuário,
e compartilhamos um suspiro. O contraste entre a água congelada e o calor úmido de sua boceta me
apertando, os músculos contraídos para me manter, rouba meu ar e parte da minha sanidade.
— Você está bem? — pergunto, na seda úmida de seu pescoço.
— Você me diz — responde, rindo enquanto começa a se mover.
Porra. Puta que pariu. Caralho.
Ela aperta seus músculos internos e eles se arrastam sobre mim toda vez que se impulsiona
para cima e para baixo. E a vista...
A porra da vista daqui é de tirar o fôlego.
Ela tira o cabelo do pescoço. Será que ela tem alguma ideia de como se parece? Um
punhado de estrelas tatuadas desce por sua nuca. O zíper de flores acompanha o comprimento de sua
coluna e ondula a cada impulso nosso.
E sua bunda...
Os dois globos redondos e rechonchudos cavalgando no meu pau. Ela coloca a mão para
trás para espalhar as nádegas, colocando-me ainda mais profundo. Levo uma mão até seu seio e
deslizo a outra para baixo, para acariciar seu clitóris, espalhando a mão inteira sobre ele, esfregando
a palma por cima dela até que o cerne esteja duro e apertado.
— Ai, meu Deus, Kenan.
Criamos um ritmo de suspiros compartilhados, respirações unidas, uma coreografia sexual.
O ritmo se torna furioso, o vigor dos nossos corpos transformando a água gelada em uma correnteza.
Fluímos e refluímos como uma onda, águas turbulentas subindo, erguendo-se. Mesmo submersos no
frio, suor cobre minha testa e seu pescoço. Ficamos selvagens e quentes debaixo da água congelada.
Apoio a mão espalmada em seu coração, que ruge no peito como uma besta presa em uma caverna.
As batidas do meu coração respondem, clamando para sair. Para encontrar a outra metade que bate
presa dentro dela.
Meu amado é meu e eu sou dele.
Ela vira a cabeça e inclino-me para tomar sua boca, deslizo a mão pelo plano tensionado
de sua barriga e encontro seu clitóris; belisco, torço e esfrego até que seus lábios se libertem dos
meus com um choramingo, depois eles gemem, gritam, arrancando de mim um choro em retorno —
um chamado, uma resposta. Nossas vozes e nossos corpos se torcem, unindo-se até que nós dois
estejamos roucos e exaustos.
E, finalmente, caímos em silêncio.
— Então, acho que temos que limpar essa banheira — brinco, minutos depois de a
tempestade ter morrido.
A porta está trancada, mas as demandas de nossas carreiras aguardam do outro lado. O
avião que ele irá pegar para a China em dois dias. Aquele que pegarei de volta para Nova Iorque.
Mas, agora, somos só nós dois nesse silêncio, rompido pelo som da sua risada.
— É de autolimpeza, na verdade — responde, beijando minha têmpora. — Baixa
manutenção. Sorte a nossa.
A cowgirl reversa se virou e eu estou sentada de lado no colo do Kenan, na água gelada.
— Isso nunca fica quente? — pergunto. Agora que a onda inicial de paixão morreu, o frio
está me atingindo, mas não quero me mover. Não até que Kenan o faça. Não quero que ele aguente
mais que eu.
— Nunca. — Ele ergue minha mão com as pontas dos dedos enrugadas, mesmo que eu não
tenha estado aqui por muito tempo. — Pronta para sair? O frio está demais para você?
— Não — respondo imediatamente, cerrando os dentes. — Parece ótimo aqui dentro. Eu
amei.
— Concordo. — Sua cabeça cai para trás e ele estende os braços por cima da borda da
banheira, como se tivesse a noite toda. — Já caí no sono aqui algumas vezes.
Inferno, de jeito nenhum.
Fico de pé abruptamente, interrompendo a superfície tranquila da água. Estou subindo a
escada quando sua risada zombeteira me faz girar.
— Eu ganhei — fala, o sorriso branco provocativo naquela droga de rosto bonito.
— Nem tudo é uma competição, Kenan — devolvo, fingindo exasperação.
— Ah, é sim. — Um braço musculoso passa ao redor da minha cintura e seus lábios
marcam a minha bunda, um beijo em cada nádega. — E eu ganhei. Eu ganhei você.
Quando olho por cima do ombro, ele ainda está sentado na água e o olhar em seu rosto é
quase reverente. Será que o Rei Salomão olhava para sua amada dessa forma? Será que a resistência
dela desmoronou como a minha? Será que sua amada o sentiu se envolver ao redor de seu coração
como uma videira? Será que eles tiveram a vaga ideia de que, séculos depois, duas pessoas usariam
as palavras que eles trocavam um com o outro, destinados a serem canonizados, a sério? Que
levaríamos a sua paixão e as suas palavras um para o outro a sério?
Mas quem sou eu para me esconder por trás das fortes declarações de amor deles? Para
não desnudar minha alma, meu coração, a um homem que, finalmente, merece?
Viro-me, sentando na borda da banheira, segurando o rosto do Kenan nas mãos. Eu quero,
preciso dizer a ele as minhas próprias palavras. Da minha própria maneira.
— Amo você, Lotus.
Há um silêncio estranho que segue sua afirmação para mim antes que eu possa dizer algo a
ele; o tipo de silêncio que segue um milagre; o tipo que persegue algo sobrenatural, que procura
motivos. É o que isso é — a sincronização das nossas palavras, batidas compartilhadas e um baque.
O milagre que é termos encontrado um ao outro.
— Eu queria ter dito primeiro — digo a ele, lágrimas pinicando por trás das minhas
pálpebras. — Você chegou antes.
— Falei que eu sempre ganho — ele fala, com um sorriso gentil, apesar de levemente
arrogante. Aquele sorriso que começa em seus olhos e se espalha em seu rosto lentamente, porém
certeiro, até que ilumina todas as passagens escuras que ninguém mais se aventurou. Ele é um castelo
com túneis secretos, masmorras abandonadas e pesadas portas trancadas.
E eu sou sua chave mestra.
Mergulho para beijá-lo novamente, querendo prová-lo tanto quanto eu puder.
— Você vai ficar, né? — pergunta, suas mãos trabalhando nos músculos das minhas costas
nuas. — Até que eu viaje para a China em alguns dias, você vai ficar?
— Por que não? — Dou de ombros. — Não tenho nada melhor para fazer.
— Sua coisinha… — Ele envolve os braços ao redor da minha cintura e me puxa de volta
para a água congelada.
Merda!
O choque frio força o ar em meus pulmões.
— Kenan! — Bato na água com a mão, assim ela voa em seu rosto.
Ele ri, puxando-me para o seu colo e apertando-me contra o peito largo com a mão,
fazendo cócegas na minha lateral com a outra.
— Não! — grito. — Para!
Mal consigo respirar. Nós dois estamos ofegando de rir, lutando para recuperar o fôlego.
Quando ele finalmente cede, fico mole contra seu peito arfante, respirando tão pesado quanto ele.
— Amo você, Botão.
É ainda mais doce na segunda vez e não consigo conter as lágrimas. Elas rolam por conta
própria pelas bochechas doloridas da risada.
— Amo você também.
Seus braços se apertam ao meu redor e inclino-me para beijá-lo novamente, mas meu
telefone toca, interrompendo o momento.
— Deixa pra lá — murmura contra os meus lábios. — Não vai.
— Em primeiro lugar, está congelando aqui. — Deixo um último beijo rápido em seus
lábios antes de deslizar pelo lado para pegar o telefone no bolso do meu vestido. — Em segundo, é o
toque da Iris.
— Bela vista — Kenan diz por trás de mim.
— Chega de cowgirl reversa para você — aviso, lançando um olhar por cima do ombro e
balançando minha bunda nua.
— Ah, não. Qualquer coisa, menos isso. — Seu sorriso cai. — Não, é sério. Qualquer
coisa, menos isso.
Dou-lhe um sorriso pretensioso e atendo o telefone.
— Ei, Bo. O que foi?
— Lotus, onde você está? — O tom solene em sua voz me deixa séria na hora.
— O que aconteceu? — Pego uma toalha pendurada em um gancho próximo. — É o
Michael? Ele está bem? Você está…
— Estamos bem — ela se apressa em me assegurar. — Sinto muito. Não queria… Estamos
bem. — Há uma hesitação, uma pausa antes que ela continue: — Minha mãe ligou — revela.
— Tia Priscilla? — Uma carranca enruga minhas sobrancelhas. — O que ela queria?
— Ela não tinha seu número.
— Nenhuma delas tem. Por que teriam?
— Ela ligou para avisar que sua mãe está no hospital, Lo — explica. — Mamãe disse que
você precisa ir para casa.
Casa não é Nova Orleans.
E casa certamente não é em nenhum lugar perto de May DuPree, a mulher que me
abandonou há treze anos por um pedaço de merda chamado Ron Clemmons.
Não liguei de volta para a tia Priscilla. Nem sei se irei. O relacionamento da Iris com a
mãe dela não é tão ruim quanto o meu, mas não é tão melhor. Foi uma coincidência a tia Pris ligar no
dia que seu novo neto nasceu. Iris não compartilhou nenhum detalhe da gravidez com ela. As duas
têm seus próprios dramas.
Escolhi não ter contato com minha mãe e não vejo nenhum motivo para mudar isso. Iris
acha que, se é tão sério quanto a tia Pris diz ser, eu posso querer tentar encontrar algum tipo de paz
antes que seja tarde demais.
Levei anos para ficar tão saudável quanto estou agora. E se ver minha mãe, revisitar aquele
local e tempo, me levar de volta? E se tudo que conquistei esse verão for perdido na busca de alguma
paz idealizada que ver uma mulher morrendo não me dará de verdade?
Minha mãe me deu à luz. Viva! Gatos e cachorros dão à luz a ninhadas inteiras. Não há
nenhum milagre ao parir, pelo que eu sei. O milagre é o que vem a seguir. O milagre do altruísmo. O
fenômeno de nutrir a autoestima e de se sacrificar por uma criança — alimentar não apenas seu
corpo, mas sua alma. Ah, sei o que é uma mãe, e não é May DuPree. Tive uma mãe. Quando estive
morta por dentro, uma ferida aberta, catatônica e ambulante, que se recusava até mesmo a falar, MiMi
me deu vida.
Essa é uma mãe, e a minha já está morta.
— Você tem que fazer o que é certo para você — Marsha me diz por telefone.
— É, mas o que eu deveria fazer? — pergunto. — Como devo saber o que é certo para
mim?
— Eu acho…
— Sim — corto-a. — Por favor, diga-me o que você acha. Não preciso da sua distância
profissional, Marsha.
— Sou sua amiga e uma profissional — ela me lembra. — Acho que, se você for, precisa
saber por que está indo e gerenciar suas expectativas. O que você quer dela? Para ela?
— Não quero nada para ela — cuspo, mudando as pernas e colocando debaixo de mim no
sofá do Kenan. — Ela está basicamente morta para mim, de todo jeito. Não conversamos desde o dia
em que me entregou.
— Ok, justo. Então, o que você quer dela? Para você?
Penso nisso por um momento e pergunto-me honestamente o que quero dela se estivermos
no mesmo lugar.
— Quero as palavras, quero que ela me diga — respondo, em uma onda de indignação e
raiva há muito contida. — Por que ela me entregou? Por que o escolheu em vez de mim?
Meu peito sobe e desce com respirações pesadas, como se eu estivesse correndo.
— Mas o que ela poderia dizer para melhorar as coisas, Lotus? — Marsha pergunta. — O
que ela poderia dizer que não iria soar como uma desculpa lamentável?
Nada. Não há nada que ela poderia dizer para corrigir as coisas, e qualquer coisa que
inventasse seria um insulto.
— Então, para que ir? — pergunto, dando de ombros, sentindo-me impotente e furiosa,
como se algo estivesse fervendo em meu estômago com uma tampa apertada. Como se eu pudesse
explodir a qualquer momento.
— E se as palavras de que você precisa não sejam dela — Marsha começa —, mas
direcionadas a ela?
— Você quer que eu a perdoe? — indago, chocada com a ideia.
— Não necessariamente. Se você puder, ótimo, mas, se não puder, não perdoar alguém não
significa que você não possa se curar. Não concordo quando as pessoas dizem que um sobrevivente
não consegue realmente seguir em frente até perdoar a pessoa que o magoou. A chave, da minha
perspectiva, é liberar a dor. Seguir em frente na sua vida sem a dor te segurando. Talvez não sejam
palavras que você precise ouvir dela, mas que precise dizer que irão ajudá-la nessa situação. Se
você achar que esse pode ser o caso, então é por isso que você vai. Não espere nada que ela possa
dizer para fazer você se sentir melhor sobre essa coisa indesculpável que ela fez.
Suas palavras pousam como um baque verdadeiro em meu estômago, onde MiMi
costumava dizer que o “conhecedor” dela vivia. O seu instinto.
Por bastante tempo depois de Marsha e eu termos desligado, fico sentada no sofá do Kenan
e pergunto-me o que direi a ela. Marsha sugeriu que eu escrevesse, mas não tenho certeza de por
onde começar.
Kenan chega do treino e larga a bolsa de ginástica no chão, observando-me com uma
carranca preocupada. Ele anda em minha direção, se joga no sofá e me puxa para o seu colo. Enfio o
rosto no cheiro limpo do seu pescoço.
— Ah, cara. Você tomou banho — digo, fingindo desapontamento. — Eu esperava lamber o
suor do seu corpo.
— Posso voltar e suar de novo — oferece, esperançoso.
— Talvez da próxima vez. — Beijo sua mandíbula e entrelaço nossos dedos, aproveitando-
o, aproveitando seu silêncio por alguns momentos. — Eu vou para Nova Orleans.
Ele endurece debaixo de mim, afastando-se para olhar meu rosto.
— Você vai? — pergunta. — Tem certeza?
— Sim.
— Droga, o timing… — resmunga. — Se eu não tivesse que ir para a China para esse jogo
exibição, eu iria com você.
— Vou ficar bem.
— E com o bebê novo, Iris não pode ir — continua, como se estivesse revirando tudo na
cabeça, procurando uma solução. — Talvez a Billie ou a Yari possam.
— Vou ficar bem sozinha. Sério.
— Me liga. — Ele pressiona os lábios no meu cabelo. — Quero estar lá para você do jeito
que eu puder.
Assinto contra o seu peito e envolvo os braços ao redor do torso largo.
— Posso perguntar uma coisa? — questiono, depois de um momento nosso envolvidos um
no outro.
— Qualquer coisa.
— Bem, você tem essa reputação de ser meio ranzinza.
Ele ri.
— Como você sabe disso? Eu lembro que nem seguia basquete.
— Não precisa pesquisar muito. E eu nem joguei você no Google. Minhas amigas foram
rápidas em me dizer quão intimidante você é. Como não é de falar muito com a imprensa. Como todo
mundo acha que você é todo durão e enigmático.
— Ok, qual o seu ponto?
— Você nunca foi assim comigo, Kenan. — Olho para ele. — Desde o começo, foi aberto e
curioso a meu respeito, e me contou coisas e…
— Eu queria você — interrompe. — Nunca quis nada ou ninguém do jeito que a queria
quase que desde o começo. Eu a vi naquele hospital e pronto. Não estou dizendo que me apaixonei
naquele dia, mas você não me deixava em paz. — Ele fica quieto por um segundo, depois olha para
mim, um lampejo de uma incerteza estranha em seus traços fortes. — Você não sentiu nada no dia que
nos conhecemos? — pergunta. — Ou naquela premiação? Na festa de Natal do ano passado? Em
nenhuma das vezes que nos encontramos? — Ele balança a cabeça rapidamente. — Não importa.
Você sente agora.
Seguro o queixo dele entre os dedos e direciono seus olhos para os meus.
— Você está me perguntado se em todas as vezes que fugi da sala o mais rápido possível,
todas as vezes que fingi que você não estava lá ou que fui uma espertinha para escapar, eu estava
sentindo algo?
Ele abaixa o rosto até nossos narizes se tocarem.
— Eu já te disse que você me assustou de verdade — confesso, lambendo os lábios. —
Ainda deveria estar assustada. O amor é difícil. A confiança é difícil.
— Bem, agora não tenho mais escolha — comenta, beijando uma das minhas bochechas,
depois a outra. — Você tem algo meu que não tenho certeza se quero de volta.
— Ah, é? — pergunto, rouca. — O que eu tenho que é seu, Senhor Ross?
Ele me diz da maneira que sabe que me derrete em uma poça — com um cântico.
— Você roubou meu coração com um único olhar seu.
No quarto de hospital, procuro pela minha mãe no emaranhado de fios e tubos. Ela está
inconsciente, dando-me tempo para estudá-la sem a estranheza do que devo dizer. Do que ela poderia
possivelmente dizer para mim.
— Você veio.
A voz da tia Priscilla é um mix de chá doce e Sazerac, o coquetel de French Quarter; uma
antiga receita familiar haitiana com bitters, conhaque, absinto e casca de limão. Essa é a pontinha
amarga que a voz da tia Pris carrega de se arrastar em sua vida no Nono Distrito. Com minha tia,
você tem que pegar o amargo junto com o doce.
Não sei o que ela faz, mas nunca envelhece. Ela se parece uma irmã um pouquinho mais
velha da Iris, não a mãe dela. Com um tom mais escuro que a Iris e alguns mais claros do que eu, ela
é mais bonita do que nós duas. Seu cabelo é uma onda fluida até sua cintura e seus olhos, ainda sem
rugas, podem fazer um homem se jogar de um penhasco para chegar até ela. Já vi isso acontecer, pelo
menos figurativamente. Homens que deixaram suas esposas e filhos, que perderam o emprego para
provar tia Priscilla. Ela, embora, foi mais inteligente que minha mãe e nunca desenvolveu um gosto
por eles. Nunca foi pega por um homem em particular — nunca se entregou tão completamente a um
amante a ponto de perdoar seus erros contra sua própria carne. Que a faria virar as costas para a
filha sem arrependimento. Não, ela cometeu pecados diferentes, e esses são problemas que ela e Iris
precisam resolver. Estou aqui para lidar com meus próprios demônios.
— É, eu vim — respondo.
— Obrigada.
Sua voz realmente treme e, quando olho para a beleza eterna, vejo vulnerabilidade real,
medo real. Ver algo sincero em seu rosto é uma coisa nova para mim. Ela e minha mãe sabiam tudo
sobre armadura — sobre fazerem fachadas brilhantes para atrair um homem perto o suficiente para
que ele pague as coisas, mas mantê-lo distante o suficiente para que ele não inflija dor.
Aparentemente, elas se importavam menos em manter as filhas em segurança.
— Ela está mal, Lo — tia Pris diz, ansiosamente, juntando as mãos na sua frente. —
Disseram que é um derrame.
— Um derrame? — pergunto. Minha mãe me teve aos dezessete anos e mal completou
quarenta e dois.
— Não é nada inédito — explica. — A menos… Você não tem nada a ver com isso, tem?
— Com o quê? — Por um momento, estou completamente perdida. Sem ideia. — Eu? O
que você está dizendo?
Tia Pris lambe os lábios e me estuda com cautela.
— Bem, sei que a MiMi te ensinou coisas — revela, depois corre para esclarecer. — Não
que eu esteja te acusando de fazer isso. Só me perguntei se, considerando quão jovem ela é, isso
pode ser magia das trevas. Se pode ser alguma raiz, feitiço, alguma coisa que você possa quebrar.
Meu Deus, eu sou tão idiota.
Aqui estava eu pensando que a tia Pris queria que eu viesse para tentar fazer as pazes —
ver a mamãe antes que ela morresse —, mas ela queria que eu a salvasse.
Engulo a raiva e o ressentimento e decido seguir em frente.
— Não tenho certeza do que posso fazer — digo, com a solenidade apropriada. — Preciso
ver com o que estamos lidando aqui.
Os olhos da minha tia brilham e ela assente, ansiosa.
— Sim. Veja com o que estamos lidando. Pode ser qualquer um por trás do feitiço. Você
sabe que ela tem uma… uma lista de esposas que a odeiam, maridos também, verdade seja dita. Há
alguma coisa que eu possa fazer para ajudar? Algo de que você precise?
— Sim. — Franzo o rosto, fingindo pensar por um tempo e com força. — Vá para casa.
— Uhum — diz, assentindo.
— E traga para mim…
— Sim, do que você precisa? — pergunta, ofegando de esperança.
— Uma joia dela — finalizo, encontrando seu olhar por um segundo, depois olhando para
longe.
— Uma joia? — Suas sobrancelhas se unem. — Qualquer joia?
— Algo que ela ame, de preferência, e queira levar com ela em sua… sua jornada.
— Para a pós-vida? — sussurra, piscando para conter as lágrimas.
Sinto-me mal por um momento, mas logo passa. Se quero ter algum tipo de tempo a sós
com minha mãe, a tia Pris precisa ir.
— Se chegar a isso, sim — aviso apressadamente, antes que minha culpa me pare. — Mas
vou precisar usar antes disso.
— Não vou demorar. — Ela se encaminha para a porta, pausa e olha de volta para mim. —
Obrigada por vir. Não achei que você viria.
— Nem eu — murmuro. — É melhor você ir para voltar logo com a joia.
Não tinha me permitido olhar para minha mãe deitada de bruços na maca de hospital, não
de verdade. Uma vez que a tia Pris sai, eu o faço.
Eu a vi duas vezes em treze anos, ambas quando a morte estava próxima. Uma no túmulo do
Ron e a outra no da MiMi. E a última palavra que ela me disse foi adeus. Agora, quando sinto como
se a única coisa que vai resolver é a sua palavra, ela não consegue falar. O bipe das máquinas, o
único som no quarto, pode ser o toque do sino. A morte pode estar conosco novamente.
Se a tia Pris parece uma irmã da Iris, minha mãe parece ser tia de Priscilla. E mesmo
assim, mamãe é a mais nova. A vida foi dura com ela, ou talvez ela nunca tenha descoberto como se
livrar dos anos como a irmã. Somos mais parecidas do que percebi. Peguei a inclinação dos meus
olhos dela, o formato da minha boca. As pessoas costumavam dizer que eu parecia com ela, que
inclinava a cabeça, estudando-me como se eu fosse uma estranha, e dizia:
— Sério? Não consigo enxergar.
— Como você acha que isso me fazia sentir, mãe? — pergunto para a mulher silenciosa. —
Você não queria se parecer comigo. Não queria ver a semelhança, mas há uma.
Um toque amargo mascarado de sorriso surge em minha boca.
— Trabalho com moda agora e visto belas roupas, e às vezes as pessoas realmente querem
tirar fotos de mim para pendurar em suas galerias porque acham que eu sou bonita. Embora você
nunca tenha visto isso, né? — pergunto a ela. — Foi por isso que você fez aquilo? Escolheu-o no
meu lugar? Eu não era clara o suficiente. Bonita o suficiente. Você sempre desejou poder me
devolver e, na primeira chance que teve, foi lá e fez?
Lágrimas enchem minha garganta, levando a pergunta inevitável para minha língua:
— Por que você o deixou me ferir, mãe? — Fungo, impaciente com minhas próprias
lágrimas. — Por que o escolheu, sabendo que ele era podre? Sabendo que tinha machucado sua
garotinha? Por que você nunca veio atrás de mim? — A pergunta é dura e crua no estéril quarto de
hospital. — Você nunca sentiu minha falta? Você sequer voltou àquele dia e reconsiderou me
entregar?
Uma fila de perguntas fúteis se forma ao meu redor, indo a lugar nenhum, batendo nas
paredes. Tia Pris voltará em breve com qualquer joia que ela pensa que eu posso usar em um feitiço
para salvar minha mãe.
Não vim aqui para salvar May DuPree.
Vim para salvar a mim mesma.
Talvez não “de uma vez por todas”, porque o trauma não funciona dessa forma. Pode nunca
haver um “por todas” para a minha cura. Pode ser que o cheiro de cabelo alisado sempre me
incomode. Pode ser que sempre haja dias aqui e ali em que eu não consiga espantar a tristeza, a
incerteza que vem de ter sido abandonada e traída. Posso ter vestígios disso na minha vida para
sempre, como uma mancha de sangue no chão que fica rosa clara, mas nunca mais desaparece.
Ah, o sangue de Jesus que nos lavou, nos deixou brancas como a neve.
A frase de um dos hinos que a MiMi costumava cantar aos domingos quando nenhuma
igreja nos recebia ressurge para encontrar minha dor. Ela ressurge para encontrar minha dor, como
sempre fez. De cabeça erguida. Sem medo. Com sabedoria. Compaixão. Amor incondicional. Coisas
que ela me ensinou e que me trouxeram tão longe. Ela foi a primeira a colocar curativos em minhas
feridas. Hoje estou fechando todas elas.
— Pensei que precisava das suas palavras, mãe — digo, minha voz sussurrada. — Mas
minha amiga disse que as palavras que mais me ajudarão podem ser aquelas que eu direi a você,
então aqui vai.
Alcanço o caderno em minha bolsa, o qual costumo usar para escrever a narrativa do
trauma pela qual Marsha tem me guiado. A última página que viro é onde começo.
— Você teve sua chance — leio a primeira frase com uma voz forte que não treme. — Você
teve sua chance de me amar incondicionalmente, mas escolheu me mudar. Teve a chance de me
proteger como uma mãe deveria, mas escolheu me trair pelo homem que me partiu em duas. Eu era
uma garotinha antes de Ron me estuprar e, depois daquele dia, soube de coisas que não deveria
saber. Tive perguntas que não era o momento de eu fazer. Ele roubou minha inocência.
O choque da dor preenche o quarto como uma enchente, subindo ao meu redor e acima da
minha cabeça. Prendo a respiração. Ofego por ar. O pânico me atinge em ondas, mas puxo oxigênio
para os meus pulmões em pequenas porções até conseguir respirar fundo. Como tantas vezes antes,
essa dor tenta me esgotar.
Mas não consegue. Eu não vou deixar.
— Ele roubou minha inocência — continuo de onde parei, minha voz tremendo e fraca, mas
ainda alta o suficiente para eu ouvir; para ela ouvir se puder. — E, em vez de puni-lo, em vez de
buscar justiça para mim, você o escolheu. E tenho perguntado por que todos os dias desde então. Ah,
posso não ter dito em voz alta, mas toda vez que duvidei de mim mesma, pensando que não era bonita
o suficiente, clara o suficiente, que precisava ser diferente, ser mais, eu me perguntava por que você
fez aquilo. Tentava descobrir o que havia de tão errado comigo.
Minha coluna se endireita e empurro contra o peso da dor antiga e dos pesadelos que
desaparecem. Endireito os ombros, encontrando força para jogá-los para fora como se fossem uma
capa.
— Mas, quer saber? — pergunto retoricamente, porque já sei a resposta. — Não há uma
única coisa errada comigo. O problema era você. O erro foi dele e a vergonha, a culpa, a sujeira que
carreguei por anos eram dele também. Eram seus, e eu me recuso a manter.
Nego com a cabeça, lágrimas descendo por minhas bochechas, para dentro dos cantos da
minha boca, sendo coletadas na base da minha garganta.
— A única coisa boa que você já fez por mim foi me entregar — digo, esfregando meu anel
gris-gris. — Não vim aqui para ver minha mãe antes de ela morrer, porque minha mãe já se foi.
MiMi foi a melhor mãe que eu poderia pedir. Tudo de bom que há em mim encontra seu caminho nela
e tudo que não é bom, ela me ensinou a aceitar ou mudar.
Dobro a carta, porque memorizei a última linha. É a verdade que entrei neste quarto
sabendo e deixarei tendo dito minha parte.
— Não vim aqui culpá-la por ter me dado a ela — aviso para May DuPree —, mas para
agradecer por isso.
A porta do quarto se abre e tia Pris corre com uma caixinha de joias.
— Eu trouxe a coisa toda — avisa, entregando-me. — Para o caso de você sentir uma…
uma vibe em uma peça em vez de outra.
— Vibe? — pergunto, erguendo uma sobrancelha.
— Sei lá. — Ela estreita os ombros elegantes. — O que quer que você e MiMi façam,
apenas vá. Apenas salve-a.
— Não posso. — Balanço a cabeça e devolvo a caixa. — Não sei como salvar ninguém.
— Não, você pode. — Ela segura minhas mãos entre as suas, desespero tornando seu
aperto doloroso. — Você tem que fazer. MiMi disse que você era a mais forte.
— O quê? Quando?
— Sempre — tia Pris diz, impaciente. — Mesmo quando era uma garotinha, cinco, seis
anos de idade, ela dizia que você era a mais forte de nós. Disse que todo o poder que nós não
quisemos passou para você.
— O quê? Eu… — Eu vacilo e processo aquilo. — Bem, não posso salvar uma mulher
morrendo.
— Você tem que fazer — tia Pris diz, lágrimas deixando seus olhos escuros ainda mais
luminosos. — Disseram que ela pode não ter muito tempo.
E como se suas palavras fossem um convite, a morte vem. Não é uma figura encapuzada
que eu vejo segurando uma foice. Não é um anjo sombrio ou uma criatura com chifres e cauda. É o
frio repentino e os arrepios que surgem em meus braços.
MiMi dizia que perdemos a maior parte do que está acontecendo no mundo porque não
podemos ver — que perdemos as coisas importantes contando apenas com o que temos de evidência
em nossos olhos.
Como quando a morte entra na sala.
— Eu não posso salvá-la — aviso para tia Pris. — Mas há uma coisa que posso fazer por
ela.
— O quê? — O medo torce seu rosto sempre bonito. — Qualquer coisa. O que você pode
fazer?
Pego a mão de tia Pris, segurando-a com força, e olho para minha mãe morrendo bem na
minha frente.
— Você sabe quem eu sou — eu digo, minha voz, apesar das palavras ousadas, trêmula. —
Estou aqui para tornar meu julgamento conhecido.
— O que você está fazendo? — Tia Pris puxa a mão dela, mas eu não a solto. — Não
quero fazer parte de nenhum feitiço. O que é isso?
— É o poder de uma linha contínua — explico, mantendo minha voz calma, já que seu
medo é evidente. — Duas mulheres de nossa linhagem têm mais poder do que uma.
Ela para de puxar a mão.
— E nós podemos salvá-la?
— Não, mas acho que podemos ajudá-la ao longo do caminho.
— Não. — Lágrimas escorrem pelas bochechas macias. — Ela não pode... Você tem que...
Balanço a cabeça lentamente, agarro sua mão com mais firmeza e volto-me para a cama.
— Você sabe quem eu sou — digo novamente. — Estou aqui para tornar meu julgamento
conhecido. A alma desta mulher está em jogo.
Repasso todas as coisas que li para mamãe, todas as coisas que ela nunca me disse, todas
as perguntas para as quais nunca terei respostas. Mesmo se ela pudesse me responder, não seria o
suficiente.
Lembro-me de toda a dor que suas ações me causaram. Ainda vivo com o legado delas.
Sinceramente, não sei se tenho alguma influência sobre a pós-vida dessa mulher. Ela é
praticamente uma estranha para mim. Então, talvez este seja apenas um show para minha tia aliviar
sua dor que está por vir. Talvez, na morte, eu esteja dando para May DuPree algo que ela nunca teve
em vida. Ou talvez seja um ato egoísta, e as palavras que sussurro não são para ela na vida após a
morte, mas para mim nesta.
— Eu coloco uma pedra do lado da... — Hesito na palavra final, como se realmente fosse
reverberar na eternidade, e então a deixo cair como uma pedra na água, cujas ondulações são
infinitas. — Paz.
Realmente quero chegar ao meu destino antes de o sol se pôr. Essas estradas secundárias e
pântanos são assustadores pra caralho. A qualquer minuto agora, eu espero totalmente que o Google
Maps vire e diga: sério, cara?
Se falhar, também tenho as direções que a Iris me enviou. Ela disse que os últimos
quilômetros poderiam ser complicados.
— Complicados? — pergunto em voz alta, mesmo que eu seja o único dentro do carro
alugado. — Parece mais a Terra Média do que a Louisiana.
O mais próximo que chego da casa da MiMi, acho que agora pertence à Iris e à Lotus, mais
incerto me sinto. Não é o matagal, os jacarés ou as árvores que parecem vivas com braços que se
estendem para mim enquanto dirijo. Estou incerto porque não sei em que estado encontrarei a Lotus.
Ninguém ouviu falar dela. Da última vez que conversamos, ela estava indo para Nova Orleans visitar
a mãe no hospital. Eu estava na China, desejando loucamente que estivesse de volta aos Estados
Unidos e pudesse ir com ela. Isso foi há uma semana. O time ainda está em Xangai, mas o jogo
passou. São tarefas de caridade e aparições, então disse que tinha uma emergência familiar e
precisava retornar mais cedo. Ainda é pré-temporada, sendo assim, as coisas estão mais soltas.
Realmente parece uma emergência. Iris não falou com a Lotus em três dias, não desde que
ela ficou sabendo que May DuPree faleceu. Lotus disse para Iris que iria para casa e não ouvimos
falar dela desde então. Toda vez vai para a caixa de mensagem e estou perdendo a cabeça. Esta pode
ser uma missão impossível, eu ter vindo até aqui no meio do nada. E se ela nem estiver aqui?
É uma chance que vou agarrar. Se ela estiver ferida, quero estar com ela. Eu iria querer
que ela estivesse comigo.
A pequena casa é apertadinha, com uma trilha de pedras que leva para uma varanda e uma
porta azul. Não dá para dizer se o jardim cresceu muito ou se sempre foi assim — como uma
extensão do pântano, mas sem água. Com sorte, não haverá jacarés.
Estaciono, deixando minha bagagem no carro para o caso de eu não ficar por ela não estar
aqui. Eu bato e espero, mas não há resposta. Quando tento a maçaneta, ela não gira. Não há carro
aqui, exceto o que estou dirigindo, então não tenho certeza de como ela chegou aqui ou como planeja
chegar em casa. Mais e mais, parece que desperdicei meu tempo.
Ela falou tanto sobre este lugar. Não sei o que esperar, mas tive problemas para imaginar
minha garota bonita e vibrante crescendo aqui, tão isolada e afastada de tudo. Mas ela falou daqui
com amor, até com saudades. Talvez tenha sido a mulher que viveu aqui que a fez amar o lugar — o
mundo que MiMi criou para a Lotus que ela amava. Um mundo onde nuvens rosa afastam o azul e
árvores mágicas te fazem sentir segurança. Para ela, não é um pântano, mas uma espécie de País das
Maravilhas, exatamente o que precisava depois do inferno que passou.
Pessoas que não possuem nada para se prender, a não ser sua fé, seja lá a forma que
assumem. Foi parte de como elas sobreviveram.
Lotus disse aquilo para mim no Sylvia’s quando discutimos religião e vudu. Foi aquilo que
ela encontrou aqui com a MiMi, seus gris-gris, poções e feitiços? Talvez tenha encontrado a fé, seja a
forma que ela assumiu, então pôde sobreviver também.
Eu costumava amar ver o pôr-do-sol de uma árvore no quintal da MiMi.
Suas palavras naquele dia no Brooklyn voltam para mim e olho para um caminho usado de
grama levando para os fundos da casa.
Vale a tentativa.
Sigo o caminho sem muita esperança de encontrar muita coisa, mas há um mundo inteiro
que eu não saberia que existe. Uma copa de árvores faz sombra em direção à água. Flores nascem em
todo lugar, não sendo bem cuidadas, mas selvagens, bonitas. E depois vejo o que deve ser a árvore
da Lotus. É enorme e posso imaginar uma garotinha pensando que poderia ver o mundo inteiro dali.
Procuro na linha de galhos e ramos até visualizar algo brilhante, algo dourado.
Há um farfalhar de folhas e um movimento de ramos. Dou alguns passos para a esquerda e
tenho uma clara visão de Lotus em um galho, talvez a seis metros do chão.
— Lotus! — grito para ela.
Ela vira a cabeça, impassível, e olha bem no meu rosto, mas não há resposta. Seus olhos,
mesmo daqui, parecem vazios, distantes, como se a garota que eu conheço, aquela que eu amo e que
me ama, tivesse desaparecido em algum lugar.
— Baby, venha aqui — tento novamente. — Está muito alto. Não gosto de você aí.
Sem resposta, mas uma carranca une suas sobrancelhas. Ela nega com a cabeça.
— Droga, Lotus — murmuro baixinho, caminhando para a árvore, dando um olhar para o
meu tênis. — Acho que veremos se gladiadores foram feitos para escalada.
Não posso dizer que já subi numa árvore. Cresci na Filadélfia. Sou um garoto da cidade
por inteiro e nunca vi valor em subir na droga da árvore de ninguém, mas, se consigo ganhar de
August subindo na corda, posso escalar uma árvore.
Não há muitos galhos entre ela e eu, mas há muito espaço entre cada um e não tenho certeza
de como chegou aqui quando estou tendo dificuldades. Estou um galho abaixo dela, perto o suficiente
para olhar em seus olhos, quando ela fala.
— Por que você está aqui? — sussurra.
Não tenho certeza de como responder a isso. Obviamente estou aqui por ela, mas o luto tem
uma forma de deixar as coisas menos óbvias, de fazerem menos sentido.
— Eu vim por você — digo simplesmente. — Fiquei preocupado com você. Tenho te
ligado, Lotus. Tenho… — perdido a cabeça, finalizo em silêncio, apertando os dedos nos galhos.
— Sinto muito — pede, engolindo em seco, piscando rapidamente. — Eu deveria ter
ligado. Meu telefone morreu e não me incomodei.
— Tudo bem.
E é isso. Cara a cara com sua dor, não interessa que eu tenha voado até aqui e dirigido para
alguma pequena comunidade no bayou na mera esperança de que ela estaria aqui. Só estou feliz por
ela estar.
— Vou até você. — Alcanço o último galho que me leva até ela.
— Não tenho certeza de que irá nos aguentar — avisa.
Paro, minha mão no galho, meus olhos nela.
— Então você poderia descer — sugiro.
Ela olha para mim por muito tempo antes de negar com a cabeça.
— Não estou pronta para descer ainda.
— Então eu vou até você. Torça para que esta árvore aguente nós dois.
Sem esperar permissão, agarro o último galho, feliz de encontrá-lo robusto e estável
mesmo quando o puxo e ergo-me até lá, onde ela está sentada. Cuidadosamente, deslizo por trás dela,
deixo minhas pernas caírem uma de cada lado, assim como as dela, e peço a Deus para não morrer
caindo desta árvore.
Lentamente empurro minhas costas até a casca, encontro meu centro de estabilidade e então
coloco meus braços ao seu redor. Ela endurece primeiro, resistindo, mas aperto as mãos em sua
cintura. Deixo-a me sentir, esperando parecer tão certo para ela como se parece para mim.
Aos poucos, seus ombros relaxam e ela se afunda em mim, até que seu peso leve e
completo pertence a mim, apoia-se em mim. Puxo-a para perto, então seus cachos fazem cócegas em
meu nariz e acariciam meus lábios.
— Meu Deus, eu senti a sua falta, Botão.
Ela vira a cabeça para me encarar e, pela primeira vez, sorri.
— Senti sua falta também.
Essas são as últimas palavras que dissemos por alguns minutos, mas consegui minha garota
de novo. Ela está segura e vai ficar bem. Qualquer que seja o inferno que ver a mãe dela a deixou,
ela voltará para mim.
E se ela não voltar, eu vou buscá-la.
— Sempre me senti segura aqui — diz, finalmente. — MiMi chamava esta de “a minha
árvore mágica”. Quando eu estava triste, subia aqui e, de alguma forma, ficava melhor.
— Então foi bom você ter vindo. — Entrelaço nossas mãos em sua cintura e enfio o queixo
na curva entre seu ombro e pescoço.
— Minha mãe nunca acordou — Lotus fala, negando com a cabeça. — Sempre pensei que
seria eu fazendo perguntas, obtendo respostas que fariam a dor ir embora, mas não foi.
— A dor não vai embora? — Está me matando ouvir isso, porque me mata vê-la ferida;
saber que não posso fazer isso parar.
— Não. Tudo de uma vez, não — ela diz suavemente, mas se vira para sorrir para mim, seu
rosto radiante apesar da dor, das lágrimas se acumulando em seus olhos. — Mas vou chegar lá.
— E eu estarei bem aqui, baby — sussurro.
Seus dedos se apertam nos meus e ela concorda.
— Amo você, Kenan.
Minha garganta pega fogo. Não tenho ideia do que tem neste lugar, nesta mulher que me
vira de ponta cabeça, que expõe meu estado natural, mas, quando ela me fala isso, eu posso chorar.
Eu, o Gladiador. Conhecido como um dos caras mais durões da NBA, quebrado por uma pequena
mulher que diz que me ama.
— Amo você, Lotus.
— E você sempre estará comigo, não é? — pergunta, um sorriso na voz.
— Sim — prometo. — Sempre.
— Sempre estarei com você também, Kenan — diz, depois aponta para o céu. — Olha.
Sigo o dedo dela e quase quero agradecer ao céu pelo seu timing perfeito.
— Nuvens de algodão-doce — sussurra. — Mandando o azul embora.
Asas de anjo.
Lençóis brancos estão pendurados no varal, voando com o vento. MiMi costumava chamar
de asas de anjo. Olho em volta no jardim, abrindo a porta para todas as memórias que nós duas
fizemos aqui.

Choveu na minha primeira semana vivendo com a MiMi e algo na ferocidade da


tempestade, no céu sinistro cheio de raios prateados, chamou minha atenção. Fiquei na varanda
dos fundos, sem me importar de a chuva estar encharcando minhas roupas e atingindo meu rosto.
As gotas escorriam por meu cabelo, ainda alisado da reunião familiar, até que ele voltou ao
estado crespo original com ondas.
— Algumas pessoas têm medo da tempestade — MiMi disse, caminhando ao meu lado.
— Eu não tenho — falei defensivamente, ainda ressentida com ela. Com esse lugar
afastado. Com o fato de ser separada da Iris. Por ser exilada de tudo que me era familiar para um
lugar com uma mulher que eu não conhecia.
— Claro que você não tem medo da tempestade — comentou, com um sorriso. — Você é
a tempestade.
Eu não fazia ideia do que aquilo significava e franzi o rosto para ela, sem perguntar
nada.
— Lotus. — Ela tirou o olhar das nuvens escuras no céu para o meu rosto. — Não
falamos de verdade sobre o Ron.
Meu estômago se apertou, contorcendo-se à menção do seu nome. Medo surgiu em
minha garganta e minhas narinas mais uma vez se encheram com o cheiro podre do esquecido
campo de cana.
— Sei que você disse que não queria falar com a polícia, mas…
— Não — protestei secamente, pânico me tomando. — Apenas… Não, por favor, não me
obrigue.
Ela me observou por um momento, sem piscar, seus olhos se enchendo de uma promessa
sombria.
— Sem polícia — finalmente concordou. — Mas há outras maneiras.
Não pensei no que aquilo significava, porém, apenas senti um alívio de não ter que falar
com ninguém nem ver o Ron de novo.
— Seu cabelo está uma bagunça — disse rapidamente, o sorriso e os olhos brilhando de
novo. — Vamos lavar.
Ela lavou e deixou secar por conta própria. Naquela noite ela apoiou o pente na boca
vermelha e viva do fogão.
— Não — falei, minha voz um sussurro. — Não quero meu cabelo alisado.
Ela me encarou, realmente me vendo e enxergando coisas que eu nem sabia o que eram.
— Vamos trançar — sugeriu, sentando no sofá e apontando para um lugar no chão entre
seus joelhos. Eu me sentei e seus dedos, ainda ágeis para uma mulher da sua idade, trabalharam
firmemente no meu cabelo por uma hora, talvez mais. Quando terminou, ela segurou um espelho
para eu ver.
— Ficou… — Toquei os redemoinhos e padrões que ela criara. — Ficou bonito.
— Você é bonita — disse como se estivesse me lembrando. — E agora o seu cabelo
reflete quem você é.
Olhei para o espelho novamente.
— O que você quer dizer?
Ela traçou os padrões, dizendo o que cada um representava.
— Essa é a sua coragem — disse, tocando o padrão na direita. — Essa é a sua gentileza.
— Correu os dedos pelas espirais do meu cabelo à esquerda. — Esse é o seu discernimento. —
Encostou no padrão de trás. — Os olhos atrás da sua cabeça servem para ver o que os outros
perderam.
— E esse aqui? — perguntei, tocando o da parte de cima.
— Essa, minha bela garota — começou, sorrindo —, é a sua coroa. Seu orgulho. Sua
autoestima. A glória de saber quem você é e que isso é suficiente. Ninguém diz a uma rainha para
usar sua coroa.

Suas palavras, todas as coisas que ela me falou naquele jardim, sussurraram entre as
árvores de carvalho. Sua sabedoria se agitava pelos lençóis brancos pendurados na corda e explodia
no ar.
Asas de anjo.
Lavei os lençóis para que Kenan e eu tivéssemos algo para dormir à noite. Ontem,
comemos os sanduíches e lanches que comprei para mim. Conversamos e rimos.
Eu chorei.
Disse a ele sobre o hospital e minha mãe, chorei, e ele me segurou até que caímos no sono
no sofá. Vamos embora amanhã, mas temos mais uma noite a sós aqui e estou determinada a
dormirmos em uma cama com lençóis limpos. Estou puxando o último do varal e colocando dentro
do cesto de roupas quando braços fortes me envolvem por trás e me giram ao redor.
— Kenan! — guincho e rio. — Coloque-me no chão agora.
Ele mantém um braço em minha cintura e usa o outro para pegar um lençol do cesto,
jogando-o no chão.
— Eu acabei de lavar — protesto, franzindo o rosto para ele por cima do ombro.
— Que bom. — Ele me deita no algodão macio, olhando para mim. — Eu gosto de lençóis
limpos.
Estico-me para tocar os traços fortes de seu rosto, a curva sensual de sua boca, os cílios
grossos contra as bochechas firmes.
— Você é magnífico — sussurro. — Acho que em outra vida você comandou um país. Você
foi o rei da sua própria galáxia.
— E nessa outra vida — começa, o riso sumindo de seus olhos —, você era minha rainha?
Neste lugar onde aprendi sobre todas as coisas que nossos olhos ignoram, as dimensões
cheias de vida além das evidências do que vemos, eu poderia conjurar nossa existência juntos antes
ou no que virá, se isso for real. Às vezes, não tenho certeza do que é verdade.
— Serei sua rainha nesta.
Encaramos um ao outro através de séculos, através de continentes, tempo e espaço, e
realmente acredito que teria o encontrado em qualquer lugar. Não há lugar ou ponto no contínuo
espaço-tempo que poderia esconder esse homem de mim.
Ele sorri, tirando um pouco do peso do momento, e puxa a barra do meu vestido, passando
pelos meus joelhos e por cima das minhas coxas.
— O que você está fazendo? — pergunto, minha respiração prendendo quando seus dedos
acariciam a parte interna da minha coxa.
— Fodendo minha rainha a céu aberto. — Ele suspira no meu ouvido. — Com quanta
frequência vou poder fazer isso?
Coisas sujas nas asas dos anjos.
Eu deveria resistir, mas a quem eu quero enganar? Ele pressiona o vale entre minhas coxas
e nossas respirações se misturam. Mesmo através da minha calcinha e da sua calça de moletom, ele
está quente e duro. Eu estou molhada. Pronta. Ele abaixa a cabeça, o queixo empurrando para o lado
o decote do meu vestido para adorar meu mamilo com seus lábios. Desliza dedos certeiros dentro da
minha calcinha e estico o pescoço em prazer absoluto. Gozo em segundos. Meus olhos se fecham e
mordo meu lábio, mas meus gemidos escapam no ar. Encho o quintal com os sons do meu êxtase.
Quando os abro, ele está me observando.
— Nunca me canso de te ver assim.
Seus beijos começam gentis, suaves como nuvens em minhas bochechas, chuviscando como
gotas de chuva por cima da ponte do meu nariz. Mas aí nossas bocas, nossos corpos colidem como
dois raios no céu.
Você é a tempestade.
Kenan empurra meu vestido para cima da minha cintura e deslizo suas calças para baixo de
sua bunda. Ele enfia o quadril entre minhas coxas e desliza minha calcinha para o lado, entrando em
mim com uma poderosa investida.
— Casa — murmura.
Ele é grande. Não há como negar isso. E espalhei minhas pernas bem abertas para
acomodar seu corpo. Seu pau é grosso e duro, e mesmo molhada e esticada, esse primeiro impulso
tira o ar de dentro de mim. Depois ele se acalma, indo mais fundo, até atingir o ponto que apenas ele
parece ter encontrado dentro de mim, e eu gemo. Balanço-me contra ele, respondendo os movimentos
ásperos e rápidos com um mover do meu quadril, com um aperto das minhas coxas. Minhas partes
mais íntimas colocam uma demanda nele.
Mais fundo. Mais duro. Mais rápido. Mais.
Mais fundo. Mais duro. Mais rápido. Mais.
Mais fundo. Mais duro. Mais rápido. Mais.
É um ritmo imperativo. Na sombra da árvore que sempre achei que era mágica, fazemos a
nossa própria. O feitiço que é unicamente nosso. Na sombra do lugar que achei ser seguro, percebo
que não é uma árvore, uma cidade ou um lugar em particular onde me encontro desse jeito. É nos
braços do Kenan, no porto do seu amor. Esse é o lugar mais seguro que conheço.

Acordo com um sobressalto. Não sei o que me arrancou do sono, mas levanto como se
alguém tivesse derrubado um balde de água em minha cabeça. Meu coração clama por trás das
minhas costelas e uma fina camada de suor cobre minha pele. A lua ilumina uma faixa da cama,
mostrando-me Kenan adormecido — em paz, tranquilo. Ele é grande demais para a cama, mas não há
nenhuma nesta casa que seja grande o suficiente para ele. Seu pé está pendurado na borda e seus
ombros enormes e o peito deixam apenas um pedaço de colchão para mim. Não ligo. Deitei por cima
dele e caí no sono. Foi o melhor descanso que tive em semanas, até agora.
Mesmo que seja quase outubro, ainda está quente no bayou e dormimos com apenas uma
coberta sobre nós. Um arrepio violento me lembra da minha nudez. Há uma colcha que eu costumava
amar no antigo quarto da MiMi, então caminho pelo corredor e abro seu armário para procurar por
ela, enquanto o ar quente da noite acaricia minha pele.
O ar quente da noite.
Verifico a cozinha, a sala, o banheiro — tudo quente.
Só está frio onde dormimos.
Meus pensamentos estão uma confusão, um pânico irracional que me manda de volta pelo
corredor com pressa e entro tropeçando no quarto. Está tão abruptamente frio que a diferença
marcante da temperatura me para no limiar. Um calafrio não natural espalha arrepios pelos meus
braços e ombros, atingindo a pele sensível ao redor dos meus seios. Chego na cama lentamente, com
medo de ver se Kenan ainda está respirando.
Suas respirações são longas, até mesmo puxões de ar que levantam e abaixam seu peito nu
em intervalos regulares.
Mas eu sei o que senti. Sei o que é isso. Já tinha sentido antes.
Uma dúzia de coisas que a MiMi me contou, todas as que ela já me ensinou, enche minha
mente. Mentalmente, eu peneiro as informações, descartando as inúteis, segurando as que preciso
com mãos desesperadas. Corro pela casa coletando os itens necessários. Sal. Velas. Procuro em
caixas, buscando até ter tudo de que preciso.
Observo Kenan por horas, acho. Não tenho certeza. Sentada nua ao pé da cama, eu o
observo, disposta a pedir todo favor cósmico, invocar qualquer santo, proferir qualquer prece.
Implorarei a Deus para não levá-lo e farei o que for preciso.
Meus ombros estão rígidos e meus pés estão dormentes quando ele acorda. Ainda está
escuro no quarto, mas não tenho certeza da hora. Ele procura por mim, deslizando a mão pelos
lençóis de algodão, buscando cegamente.
Estou bem aqui.
Não digo nada. Medo trava minha mandíbula e amarra minha língua em um nó.
— Lotus — murmura, apertando os olhos e empurrando-se para sentar, os ombros quase
tão largos quanto a cabeceira da cama estreita que eu dormia quando era uma menina. Ele é um rei,
um faraó, aquele que governa o meu coração. E vou lutar contra qualquer coisa, qualquer um que
tentar tirá-lo de mim.
Vou lutar contra a própria morte.
— Lotus, que merda está acontecendo? — Ele varre o quarto com um olhar confuso, vendo
as quatro velas estrategicamente colocadas ao redor da cama nos pontos norte, sul, leste e oeste. No
sal em forma de círculo. — O que é tudo isso? — Ele olha para mim, nua e completamente parada,
sentada de pernas cruzadas com as mãos pressionadas entre os seios. — O que você está dizendo?
— Salmo 35 — resmungo, a voz rouca de repetir por tanto tempo o Salmo que é o feitiço
de proteção requerido.
— Por quê? — Ele caminha de joelhos em minha direção, nu, magnífico. Meu.
Lágrimas escorrem pelos meus cílios e respirações irregulares encontram seu caminho
para fora dos meus pulmões.
— Ok — Kenan diz, sua voz endurecendo. — Diga agora mesmo que porra é essa que está
acontecendo. Por que você está chorando? O que…
— É a morte — corto seu discurso crescente. — Está aqui. Neste quarto. Não posso te
perder.
Confusão dá lugar à frustração quando ele percebe o que estou dizendo.
— Lotus, essa merda não é real — ele diz, as palavras acaloradas. — Odeio ver você
chateada por uma superstição e baboseira mágica que as pessoas usam para controlar as outras, para
tirar dinheiro delas.
— Não. — Nego com a cabeça com firmeza. — Sim, tem gente que faz isso. Sei o que quer
dizer, mas não é o caso, Kenan. Eu sei o que sinto. Senti quando a MiMi morreu. Senti quando minha
mãe morreu. Sei como é a sensação da morte e ela está aqui. — Fecho os olhos porque sei que ele
não vai acreditar no que direi a seguir e preciso que acredite em mim. — Está aqui por você.
Ele senta nos calcanhares e corre a mão pelo rosto, jogando a cabeça para trás e
contemplando o céu antes de devolver o olhar para mim. A lua revela a forte beleza masculina em
seus traços. Revela sua descrença.
— Vou apagar essas velas antes que você queime a droga da casa.
Ele pula da cama e corre o pé pelo chão, interrompendo, destruindo o círculo. Todas as
quatro velas se apagam de uma vez.
Medo começa a se enrolar em meu peito e floresce em cada membro.
— Mas que…? — Ele olha das velas apagadas para o meu rosto e volta. — Essas velas
para truques não me enganam, então…
— Não são velas para truques, Kenan — digo solenemente. — Sei que você não acredita
em mim, mas…
— Claro que não acredito, Lotus. — Ele suspira. — Baby, o que você espera que eu pense
quando acordo no meio da noite cercado por velas, sal e você está entoando um cântico? Eu… É
demais. Diga-me que você sabe que isso não é real.
Observamos um ao outro com teimosia mútua, o silêncio feito um impasse pairando como
se houvesse uma ponte quebrada entre nós. Não vou dizer que não é real. Não sei de tudo. Não sei
sempre o que é verdade e às vezes não consigo interpretar o que sinto, mas sei que há mais além dos
limites das três dimensões que nós vemos — que as paredes entre uma dimensão e outra não são tão
complicadas quanto podemos acreditar. Além desta vida está a eternidade, o infinito, e o tempo não é
medido em minutos, horas, dias ou anos.
— Não posso perder você — finalmente sussurro. Minhas mãos tremem ao redor do Santo
Expedido, a pequena estátua que encontrei no fundo do cofre da MiMi. — Se alguma coisa acontecer
a você, eu…
As linhas rígidas de seus ombros e a expressão impenetrável se suavizam. Um braço forte
me puxa do fim da cama para os seus braços, para o seu colo. Ele me balança como um bebê e beija
meu cabelo.
— Nada vai acontecer comigo — diz, no que tenho certeza que deve ser uma voz
reconfortante. — Nós vamos voar amanhã. Vamos dormir um pouco.
Enterro o rosto em seu pescoço e engulo minhas lágrimas, deixando-o pensar que está me
confortando, mas, logo depois que ele pega no sono, as batidas de seu coração fortes sob meu
ouvido, fico acordada. Nesta casa, aprendi a retirar a venda dos meus olhos — a discernir além do
que está bem à minha frente. Posso não ser capaz de ver a ameaça, mas a ameaça me vê. Mostro a ela
meu coração com raiva, perambulando em um círculo de sal ardente, meus dentes à mostra. Vigilante.
O Salmo em meus lábios e o santinho que guarda a sepultura apertado em minha mão.
Lotus e eu estamos saindo do aeroporto, em direção ao carro que meu assistente, Davis,
conseguiu para nós, quando o primeiro repórter nos aborda.
— Kenan — chama, o telefone apontado para mim para gravar um áudio ou vídeo, não
tenho certeza. — Como você se sente a respeito do episódio de hoje?
Com a minha viagem rápida da China, indo para Louisiana, e nosso período no bayou,
esqueci que o primeiro episódio de Amor de Jogador foi ao ar nessa noite.
Droga.
— Sem comentários — murmuro, abaixando a cabeça e puxando Lotus para mais perto.
— Lotus, é verdade o que a Bridget disse? — outro joga. — Sobre você e Chase
Montclair?
A cabeça da Lotus se vira na direção da pergunta que o repórter lançou para ela.
— Do que eles estão falando? — questiona, olhando para mim com olhos enormes e
bravos.
— Ignore, baby.
— Sim, mas…
— Não dê nada a eles. — Vejo o serviço de automóveis logo à frente. — Banner está
lotando meu telefone. Vou ligar para ela em um segundo. Vamos dar o fora daqui.
Coloco Lotus no banco traseiro e entrego nossas malas ao motorista para poder escapar
das câmeras o mais cedo possível. Não é o caos que segue um escândalo, com centenas de câmeras e
perguntas sendo lançadas na minha cabeça toda vez que piso do lado de fora, mas, se não
controlarmos essa merda agora, poderia ser.
Ligo de volta para a Banner assim que damos partida.
— B, que merda está acontecendo?
— Onde você está? — Banner pergunta com a calma forçada que aprendi a perceber
através dos anos.
— Acabei de pousar em Nova Iorque, mas volto para a Califórnia depois de amanhã. —
Faço uma carranca e inclino-me para frente. — Diga o que há de errado.
— Nada está errado por si só.
— Inferno, Banner. Você não me liga quatro vezes por alguma merda de “por si só”. E
repórteres me abordaram assim que pisei do lado de fora do aeroporto. O que está rolando?
— Você olhou alguma TV ou rede social? Esse tipo de coisa?
Endureço.
— Não — digo, arrastando a palavra para fora. — Por quê?
— Vou te mandar um link. Não perca a cabeça. Não é nada, mas quero que esteja
preparado — Banner hesita. — Lotus está com você?
Contei para Banner sobre a Lotus logo que nos tornamos oficialmente “mais que amigos”.
Ela me representa melhor quando sabe o que está acontecendo em minha vida e o que é importante
para mim, então definitivamente precisava saber sobre a minha garota.
— Sim, está. Eles tinham perguntas para ela também.
Lotus me encara, algo que aparenta cautela, mas não exatamente preocupação, em sua
expressão. Estamos os dois exaustos. Acordar no meio da noite com alguma merda de Coração
Satânico não exatamente me faz ter uma boa noite de sono. Não discutimos mais, graças a Deus. As
coisas têm estado relativamente normais o dia inteiro. Até que esse não normal nos atingiu.
— Assista ao vídeo — Banner diz. — E me diga se precisar de algo.
— Tchau. — Desligo e clico no link da sua mensagem.
A prévia do vídeo já me deixa rangendo os dentes antes mesmo de eu pressionar o play. É
a logo de Amor de Jogador e uma imagem da Bridget no almoço com outros dois integrantes do
elenco na sequência.
— Tentei fazer funcionar. — Ela balança a cabeça, tristeza aparente e arrependimento em
seu rosto. — Sei que não foi certo o que fiz, mas Kenan me abandonou em nosso casamento. Eu
estava sozinha pra PIII e ele não ligava para nada além do basquete.
Uma camada de gelo se forma por cima da minha raiva. Quero parar o vídeo e não ouvir os
dois minutos e quarenta e um segundos restantes, mas preciso ouvir o que mais ela tem a dizer.
Banner não teria perguntado sobre a Lotus se ela não estivesse envolvida nessa loucura de alguma
forma.
— E agora ele está namorando uma criança. — Bridget rola os olhos, tocando a mão de
um dos membros do elenco, que murmura algo para lamentar. — Ela parece que acabou de sair da
faculdade. Não é muito mais velha do que a nossa filha. Dá para acreditar nisso?
— Garota, é isso que eles fazem — diz uma mulher que reconheço como namorada de um
dos caras da liga, mas não consigo lembrar quem. — Ele se casou com você depois da faculdade.
Você criou a filha dele, manteve a casa, ficou ao lado dele enquanto construía a carreira... e agora ele
quer um lanchinho novo.
— É por isso que precisamos manter nossa vagina jovem, querida — outra integrante do
elenco diz. — Mantê-la apertada, ou eles se dispersam.
Dispersam? Eu me dispersei? Em que realidade alternativa a Bridget existe onde eu sou o
vilão na nossa história?
— E ele ficou tão bravo que eu tive uma pequena indiscrição — reclama. — Mas eu ouvi
que ela está saindo escondida dele com um fotógrafo que ela estava PIII antes de ele tê-la
encontrado.
Pressiono a tela para parar o vídeo. Não posso ouvir mais nada agora. Minhas têmporas
literalmente pulsam de raiva suprimida.
— Por que você parou? — Lotus pergunta.
Olho para ela com uma carranca.
— Baby, ela é…
— Uma puta — Lotus diz bruscamente, encarando a tela na pouca iluminação provida
pelas luzes da cidade fora do carro. — Mas não pode nos machucar. — Ela joga o telefone no banco
ao meu lado e segura meu rosto entre as mãos. — Nós sabemos a verdade. — Seus olhos se prendem
aos meus. — Você sabe que eu nunca o trairia com o Chase ou com mais ninguém.
— Claro — respondo imediatamente. — Confio em você completamente.
— E sabemos que não tenho quase a idade da sua filha — provoca, rindo. — Embora haja
onze anos entre Simone e eu. Devo chamar você de papai?
— Você está rindo? — pergunto, incrédulo.
— O que você quer que eu faça? Chore? Faça beicinho? Birra? Haverá pessoas que irão
assistir, sentir pena dela, acreditar em suas mentiras. Não podemos controlar isso. Tudo que podemos
é viver nossas vidas e nos recusar a deixar isso ficar entre nós.
Inclino a cabeça para beijá-la, acariciando sua mandíbula com meu polegar.
— Obrigado por ficar tão de boa com todo esse circo. — Solto um suspiro de frustração.
— Eu não fico. Odeio ter minha privacidade invadida e mentiras contadas sobre nós, sobre você. Ela
nem pensou quão difícil isso vai ser para a Simone? Nos arrastar de volta para os tabloides dessa
forma?
O pensamento de ter minha filha regredindo depois dos pequenos passos à frente que ela
deu me enfurece. Apesar do seu progresso, sei que ainda está emocionalmente frágil, e tantas
transições, pressão e atenção? Tudo está prestes a atingi-la.
— Porra! — solto a palavra duramente e bato no console entre nós. — Se isso ferir a
Simone… Meu Deus, por que a Bridget não pode apenas…
— Vai ficar tudo bem. O que vier, vamos lidar com isso.
— Essa é a última coisa que eu quero pensar quando só tenho um dia antes de ter que voar
de volta.
— Então não pense. — Lotus se inclina para me beijar, deslizando a mão entre minhas
pernas para apertar meu pau.
— Droga, baby — resmungo no beijo.
— Eu tinha que distraí-lo de alguma forma. — Ela ri contra meus lábios.
— Distração ou não, você acordou a fera. Agora terá que lidar com isso quando chegarmos
lá em cima.
Peço ao motorista para nos deixar dentro da garagem privada, para o caso de haver
qualquer outro repórter à espreita. Dou gorjeta a ele, pego nossas malas e vou meio que mancando o
mais rápido que posso com uma ereção para o elevador. Assim que as portas se fecham, Lotus se
estica para beijar minha mandíbula e sugar o lóbulo da minha orelha. Beijo-a tão profundamente que
nós dois ficamos sem ar no momento em que as portas se abrem no meu andar.
Largamos as bagagens assim que entramos e Lotus envolve os braços em meu pescoço e as
pernas na minha cintura. Caminho para o quarto, minhas mãos cheias com sua bunda. Ela espalha
beijos pelo meu rosto.
No quarto, a luz já está acesa. Estranho, já que não venho aqui há semanas. Estou abismado
com a paixão, o amor nos olhos da Lotus enquanto ela desliza as pernas para o chão. Ela se vira em
direção à cama.
— Ai, meu Deus! — ofega.
Tiro o olhar dela e meu coração para, depois dispara no meu peito. Simone está dormindo
na minha cama. Ela parece tão pacífica que de primeira eu não entendo. A garrafa aberta e vazia na
mão. A quietude sobrenatural da minha filha.
— Moni? — Corro para a cama e sacudo-a. — Simone, baby, acorde.
Ela não se mexe. Está tão fria. Medo aperta meu coração até eu ter certeza de que está
sangrando.
— Vou ligar para a emergência — Lotus diz por trás de mim, pânico horrorizado em sua
voz.
Não sinto pânico, embora saiba que isso é sério, apenas uma calma misteriosa que recai
sobre mim enquanto respondo as perguntas do atendente. Sim, ela está respirando. Ela tomou uma
garrafa de remédios da mãe, mas não sei quantos. Uma equipe de emergência chega rapidamente,
coloca Simone em uma maca e leva para fora do apartamento. Na ambulância, ela para de respirar e
eles a entubam. Observo-os forçarem um tubo pela garganta da minha filha e minha parede de gelo se
quebra; o terror, o pânico e a raiva, tudo vem em um maremoto. Luzes brilhantes e uma sirene
barulhenta, silenciadas pelo meu choque, inundam meus sentidos.
Meu Deus, minha garotinha. Simone.
— Moni — murmuro, paralisado por estar desamparado.
Lotus aperta minha mão, mas não para seu sussurro persistente. Salmo 35, aquele que ela
repetia na noite passada. Lágrimas descem por suas bochechas e ela balança a cabeça.
— Não era você — diz, a voz fina e esganiçada. — Não era você. Era…
Ela não finaliza o pensamento. Ela não precisa, mas volta ao sussurro urgente. Não tenho
nem ideia do que dizer ou acreditar. No que pensar. A Lotus poderia estar certa? A noite passada, sua
premonição ou o que quer que fosse, poderia ser sobre a Simone?
Assim que chegamos ao hospital, eles tiram Simone de nossas vistas. Ela ainda está
respirando, mas não recobrou a consciência. Eles terão que limpar seu estômago.
Um tubo em sua garganta, uma lavagem no estômago. Estou preso em meu pior pesadelo e
não consigo acordar. Não consigo nem me mexer, mas observo inutilmente como algum espectador
preso atrás de uma divisória de vidro que separa o que é realidade e o que é ficção.
— Bridget! — Lotus diz, os olhos cheios de lágrimas arregalados. — Você tem que ligar
para ela.
— Merda. — Passo a mão trêmula pelo rosto. Tenho medo de ter que falar isso para
Bridget, mas também estou tendo dificuldades de manter meu temperamento sob controle. As
mentiras que ela contou, o escrutínio ao qual expôs nossa família novamente para seu próprio
benefício… está tudo fresco em minha mente. E os remédios. Seu nome na garrafa de remédios que a
Simone tomou.
Minha conversa com a Bridget é breve, concisa e quase estoica, apesar de sua histeria.
Tem que ser. Se eu permitir que uma emoção, compaixão, passe pela parede de gelo, todas vão
assumir — ultrapassar minha intenção de guardar as recriminações para depois. Para depois de a
Simone estar fora de perigo.
Estou sentado na sala de espera, agarrando a mão de Lotus como se fosse uma corda
jogada por cima de um precipício, quando Bridget chega.
— Kenan, meu Deus do céu. — Ela está vestida com um simples jeans. Sem maquiagem.
Tênis. Nenhum glamour feito para as câmeras que me acostumei desde que ela começou a gravar
Amor de Jogador. Seu rosto está coberto de lágrimas.
Fico de pé para cumprimentá-la, que se joga em meus braços. Meus dentes se apertam e
mordo de volta todas as perguntas e acusações, dando batidinhas estranhas em suas costas.
— Onde ela está? — pergunta, afastando-se para estudar meu rosto.
— Estão trabalhando nela agora. Fazendo uma lavagem em seu estômago. — Eu paro. —
Os remédios que ela tomou… era uma garrafa sua. Você percebeu que tinha sumido?
Seus olhos se transformam de arregalados e chorosos para enfurecidos e em formato de
fendas.
— Você não pode estar me julgando — ela solta. — Se é culpa de alguém, é sua. — Olha
para Lotus, ainda sentada na cadeira da sala de espera. — E dela. — Aponta um longo dedo para
Lotus, sua voz subindo. — Isso foi um grito de ajuda da Simone, grito de atenção. Quando ela mais
precisou do pai, você veio e arruinou tudo.
— Já chega — devolvo. — Se você vai apontar o dedo para alguém, deveria ser para si
mesma, Bridget. Acha que é coincidência a Simone tentar isso na noite que aquele trem
desgovernado que é o seu programa foi ao ar? Na mesma noite que você trouxe toda aquela merda
que nos colocou no aconselhamento em primeiro lugar à tona? Considerou isso?
— Não, não considerei, porque não fui eu quem falhou em ação quando ela mais precisou
de mim. Onde estava você quando ela precisava? Com ela. — Ela joga a cabeça na direção da Lotus.
— Então desça do seu cavalo, Kenan. Talvez nós dois tenhamos errado com ela ultimamente, mas
pelo menos ela não precisava se perguntar se era prioridade para mim.
— Meu Deus, isso é tão injusto — digo. — Estamos separados por quase três anos entre o
término e o divórcio e essa é a primeira vez que eu saí com alguém.
— Mas a Simone quer que fiquemos juntos de novo — Bridget aponta. — Talvez agora
você acredite nela.
— Não podemos fazer isso. Não podemos adaptar o mundo para ela dessa forma e você
sabe disso, mas podemos mantê-la lidando com a realidade. E você atrapalhou cada passo disso,
encorajando essa fantasia de que podemos reatar.
— Eu queria que vocês dois calassem a droga da boca — Lotus diz, sem emoção, de sua
cadeira.
Bridget e eu a encaramos, nossas bocas se arregalando.
— Desculpa? — As mãos da Bridget vão para o quadril e indignação surge em suas
sobrancelhas.
— Sei o que é achar que os adultos são todos loucos — explica Lotus, negando com a
cabeça. — Sentir que ninguém está considerando o que é melhor para você. Ela não precisa de vocês
dois brigando um com o outro. Precisa que ambos estejam ao lado dela. — Lotus pega minha mão,
segurando meu olhar. — Isso não é sobre você, Kenan. Não pode ser. Tem que ser sobre a Simone.
— Seus olhos esfriam, mais duros que pedra vulcânica quando se mudam para a Bridget. — Não é
sobre quem está certo ou errado, porque, se fosse, acredite em mim, Bridget, você estaria errada.
— Quem você pensa que é? — Minha ex dá um passo para mais perto dela. Antes que eu
possa entrar no meio delas, Lotus se ergue e, mesmo vários centímetros mais baixa, consegue olhar
Bridget nos olhos.
— Vou te dar uma folga porque eles estão enfiando tubos na garganta da sua filha — Lotus
fala, seu tom sombrio. — Mas você tem mais uma chance de colocar o dedo na minha cara e andar na
minha direção.
Bridget respira fundo, mas dá um passo para trás, sabiamente recuando.
— Olha — Lotus diz, seu olhar se movendo entre nós. — Isso também não é sobre mim.
Nós todos temos que nos sacrificar até a Simone melhorar. Eu farei a minha parte.
O que ela está dizendo? Sacrificar o quê?
Estou prestes a perguntar quando o médico se aproxima pelo corredor e diz que podemos
finalmente ver a Simone. Sigo o médico, com pressa de ver minha filha e começar a cura que ela
precisa. No último minuto, viro-me para a sala de espera, querendo pedir que Lotus espere por mim.
Mas ela já se foi.
A primeira visão de Simone me coloca de joelhos. Há uma máquina monitorando seus
sinais vitais e um IV preso em seu braço. A palidez em sua pele, normalmente dourada, está um cinza
doente.
O coração dela está partido em seus olhos.
Como eu perdi isso, inferno? Aquela tristeza insondável nos olhos azuis lacrimejantes da
minha garotinha — tem sido sempre assim? E se tivéssemos nos atrasado vindo do aeroporto? E se
tivéssemos ido para o apartamento da Lotus em vez do meu? E se tivéssemos ficado presos no
trânsito comum de Nova Iorque? Milhares de cenários voam pela minha mente como morcegos, as
asas escuras fazendo sombras em um dia que poderia ter acabado comigo de pé em um necrotério em
vez deste quarto de hospital.
— Sinto muito — Simone murmura, lágrimas rolando por suas bochechas. — Eu só… —
Um soluço a sacode e ela vira a cabeça para o travesseiro, os olhos se apertando.
— Moni, está tudo bem. — Minha voz sai estrangulada e levo um momento para me
recompor. — Vamos resolver amanhã.
— Sim, descanse — pede Bridget, afastando o cabelo da Simone de seu rosto. — Podemos
falar sobre tudo mais tarde.
— Sei que não deveria ter feito isso. — Soluça. — Só queria que tudo parasse. As brigas,
os tweets, os posts no Facebook… Algumas pessoas da escola estavam me marcando. Começou tudo
de novo.
Raiva ferve por baixo do meu rosto sem expressão enquanto ouço como minha filha foi
torturada pelas nossas escolhas e por pessoas insensíveis que não pararam para pensar em como um
tweet descuidado pode levar uma garota emocionalmente frágil ao limite.
O soluço da Bridget me arranca de meus pensamentos. Ela aperta a grade da cama com
tanta força que os nós de seus dedos parecem brancos através da pele. Cubro sua mão. A mesma
impotência que me tortura nada em seus olhos lacrimosos. Pela primeira vez estamos na mesma
página, embora seja uma terrível na nossa história — manchada com nosso arrependimento, marcada
por nossa dor. Para nós dois, a Simone é tudo. É o terreno neutro que perdemos de vista durante a
nossa batalha. Nenhum de nós fala, mas, ao lado de nossa filha, negociamos uma trégua silenciosa.
A porta se abre por trás de nós e a Doutora Packer entra. Todas as vezes que ela nos disse
para sermos cuidadosos, que a Simone não estava indo bem e que isso não era em relação a nós
voltam em minha memória. Quando encaro os olhos da terapeuta, não encontro julgamento ou
censura, apenas bondade e preocupação, mas não preciso dela para me condenar.
Posso fazer isso eu mesmo.
— Kenan chegou — Yari avisa da porta do meu quarto. — Tem certeza disso?
Encaro sem ver as anotações para a entrevista do podcast gLO Up da próxima semana.
Não tenho certeza se estou pronta para o que precisa ser feito. Posso não ser forte o suficiente.
— Sim. — Fico de pé e passo por ela. — É a coisa certa a se fazer.
— Talvez não. Talvez você possa…
— Sei o que estou fazendo, Ri.
— Ok, bem, vou encontrar o Pedro para jantar — avisa. — Mas, se precisar que eu
fique…
— Não, vá. Estou bem. — Forço um sorriso e caminho para a sala.
Ela sai e preparo-me para a conversa à frente.
Assim que o vejo, quero voltar para o meu quarto e me esconder debaixo das cobertas.
Não posso fazer isso. A quem quero enganar? Ele é magnífico. Não apenas o rosto de rei, de ossos
marcados, ou a beleza brutal de seu grande corpo. A sexualidade atrativa. É a forma como as linhas
austeras se suavizam por mim. Apenas por mim. O amor que chama em seus olhos. Apenas por mim.
— Ei. — Ele fica de pé em frente ao sofá e segura minha cintura nas mãos. Abaixo a
cabeça, evitando o beijo. Ele enrijece e olha para mim, esfregando as mãos nos meus braços. — O
que há de errado? — Segura meu rosto, traçando minha boca com o dedão.
— Hm, Kenan — começo, depois vacilo. Minha resolução, tão dura e definida antes de ele
chegar, oscila, derretendo com sua proximidade. Ele queima minha decisão sem nem mesmo tentar.
Só fica parado aqui, sendo ele, me amando. Como afasto o homem que amo mais do que qualquer
coisa no mundo? — Como está a Simone? — pergunto, colocando alguns centímetros de distância
entre nós para eu poder pensar.
Sua expressão se fecha, mas não antes de eu detectar a dor e a culpa lá.
— Ela está se recuperando bem, fisicamente.
Tudo está apertado. A forte inclinação de seus ombros. Os cantos de sua boca. As mãos em
punhos ao seu lado.
— Há uma espera de três dias em… — ele limpa a garganta antes de soltar as próximas
palavras: — tentativa de suicídio — complementa, suas sobrancelhas transformadas em uma
carranca. — Há uma avaliação psicológica e depois… veremos. Ela, hm, aparentemente disse para a
Doutora Packer que gostaria de se mudar para a Califórnia e viver comigo. Como ela só voltou às
aulas há um mês, não deve ser difícil colocá-la na escola antiga. Devolvê-la à antiga rotina.
Fico parada, procurando em seu rosto por alguma dica.
— E a Bridget?
— Ela vai ficar em Nova Iorque para finalizar o Amor de Jogador — explica, um toque
sarcástico nos lábios — e aí vai voltar para San Diego. Como ficarei na estrada por muito tempo esta
temporada, perguntei para minha mãe se ela estaria disposta a se mudar conosco para dar alguma
estabilidade à Simone.
Cada uma das suas palavras apenas solidifica que meus instintos estavam corretos. E que,
em algum nível, ele irá concordar comigo, mas não de primeira. Ainda não. Terei que convencê-lo.
— Kenan — digo, forçando a mim mesma a erguer o rosto e encontrar seus olhos. — Acho
que precisamos de algum tempo separados. Uma pausa.
Ele não pisca nem parece respirar por alguns segundos. Espero uma explosão assim que
minhas palavras afundam, mas, em vez disso, ele encontra minhas palavras com uma calma
implacável.
— Não.
Uma palavra pousa com força bruta na sala, mas há um aperto súbito onde ele me toca, no
meu braço, no meu rosto, como se ele estivesse pronto para me segurar se eu tentar me afastar.
Mas eu tenho que me afastar.
— Sim, Kenan, eu…
— Eu disse não — ele corta. Sua boca está parada em uma linha dura. Seu rosto é uma
parede de pedra. Seus olhos, diamantes pretos, são afiados o suficiente para cortar vidro. — Não
para uma pausa. Não para um tempo separados.
— Você nem me ouviu.
— Que porra você poderia possivelmente me dizer para me fazer acreditar que eu não
deveria estar com você? — demanda, sua voz finalmente ganhando calor, volume.
— Simone não só precisa de você, Kenan, ela precisa que você esteja separado de mim.
— Afasto-me de suas mãos e viro minhas costas para ele. — Especialmente se irá viver com você.
Não tem que ser para sempre. Pode ser…
— Não tem que ser para sempre? — grita por trás de mim. — É um “não” geral. Isso é
ridículo, Lotus.
Giro para encará-lo. Eu posso falar alto também. Posso ficar brava. Raiva é mais fácil de
lidar do que a dor que até mesmo pensar em me afastar dele traz.
— Sua filha tentou matar a si mesma, Kenan. — Bato no meu peito. — Pelo menos em
parte por minha causa. Por nossa causa. Como você acha que isso me faz sentir?
— Lo…
— Eu — corto, nossas palavras se chocando como espadas. — A garota cuja mãe escolheu
outro homem, um homem horrível, no lugar dela.
— Se você…
— Eu, que nunca me senti prioridade para minha mãe, que sempre me perguntei por que ela
não me amava mais do que o amava. Não posso fazer isso com outra garotinha.
— Isso é completamente diferente da sua situação — dispara. — Acha que não estou
preocupado? Acha que não estou quebrado? Simone quase… — Sua voz murcha e ele exala uma
respiração rápida. Quase consigo ver as emoções turvas dentro dele, batendo contra seu interior,
perto de derramar. — Se ela tivesse morrido, parte de mim teria também — diz, a voz abaixando,
desaparecendo. — E temos muito para corrigir, mas nós nos separarmos não vai consertar as coisas,
e o que você passou não é o que ela está passando. Você não abusou de ninguém. Não feriu ninguém.
O que você fez de errado? Me amou? Me quis?
— Não estou dizendo que é exatamente a mesma coisa. Estou dizendo que sei como ela se
sente. — Pisco, com lágrimas me queimando. — Você tem alguma ideia de quantas vezes eu quis
fazer o que ela fez? Acabar com a minha vida se isso fizesse a dor parar?
— Sinto muito, Lotus — geme, colocando as mãos na cabeça e olhando para o teto. — Mas
você tem que ver que não é a mesma coisa.
— Não estou falando sobre a realidade do que fizemos, da nossa situação. Estou falando
sobre como ela vê isso. Como ela sente isso, que é o que importa agora.
A sonda laser do seu olhar volta para o meu rosto.
— E você acha que nós terminarmos fará as coisas se resolverem?
— Acho que nos darmos um tempo — enfatizo — enquanto ela consegue a ajuda que
precisa pode fazer com que ela sinta que é prioridade para você, que é o que ela precisa de você e
da Bridget. Sentir que é número um. Como se você fizesse qualquer coisa por ela, até mesmo parar
de ver alguém.
— Não concordo e não vou desistir de você. — Ele segura o meu braço. — Por que me
deixaria agora quando preciso tanto de você?
Há tanto desânimo na pergunta, tanta dor em sua voz. Perfura meu coração como uma
agulha, passando pelo músculo pulsante e encontrando minha alma. Eu o amo com tudo. Meu
coração, minha alma, meu corpo, minha mente. Não há parte de mim que ele não tenha sitiado. Sou
uma cidade ocupada. Completamente dele.
E, ainda assim, fico me perguntando se minha mãe se sentia tão consumida por um homem,
mesmo um homem do mal, que ela não conseguiu fazer a coisa certa. Não conseguiu fazer a coisa que
precisava ser feita. Não conseguiu deixá-lo quando ela precisava, quando tinha que deixar, mas
escolheu seus próprios desejos, certos ou errados, no lugar da sua filha.
— Somos os adultos — forço-me a dizer, mesmo que minha voz trema, minha resolução
trema. — Não estou dizendo que é para sempre. — Encontro descrença e indignação, a recusa em seu
olhar. — Não posso ficar longe de você para sempre — digo suavemente. — Você já sabe disso,
Kenan, mas estou dizendo que, por hora, por ela, vamos dar um passo atrás nisso. Pelo menos pela
temporada. Como se o basquete não fosse distração suficiente enquanto você está negociando isso,
você não precisa de mim também.
— É aí que você se engana — ele diz. — Preciso muito de você.
Ele me puxa em sua direção pela cintura e o seu cheiro, seu calor me seduz. Fecho os olhos
e saboreio a pressão leve dos nossos corpos unidos. Imagino a movimentação, como me sinto quando
ele está enterrado em mim. Quando vou ter isso de novo?
— Quero isso também — ele sussurra em meu ouvido, a mão escorregando para minha
bunda. — O que você está pensando agora mesmo. O que está relembrando. Quero foder você
também.
— Kenan, não. — É um protesto patético ofuscado pela maneira como meu corpo lateja
com ele tão próximo.
— Amo você — diz, sua voz é como um sopro e uma respiração por cima dos meus lábios
antes que ele os capture com os seus.
Sua língua caça a minha, procurando, confiscando. Minha convicção desaparece e eu o
beijo de volta. Ele geme, suas mãos tateando entre nós e por baixo do meu vestido. Seus dedos
infalíveis me encontram pela minha calcinha.
— Meu Deus. — Suspira, pressionando a têmpora na minha. — Você está encharcada.
— Kenan, não podemos — peço, mas meu quadril se move na urgência de sua mão. Meu
clitóris floresce sob seus dedos.
— Por que não podemos? — Ele beija meu pescoço, chupa a curva com força e nos
encaminha para trás até que minhas costas toquem a parede. — Você é minha. — Abre o jeans e me
ergue pelas coxas, pressionando-me contra a parede. — Esqueceu? — pergunta, a voz rouca,
desorientada. — Você disse que pertencia a mim. Você é mentirosa?
— Não. Você sabe que sou sua, mas precisamos fazer isso por ela. Não consegue ver isso?
— É isto que eu vejo. O que eu sei. — Ele afasta minha calcinha para o lado e mergulha
em mim como um guerreiro indo para a batalha.
— Ai, meu Deus. — Não consigo resistir ao clamor dos nossos corpos fundidos e balanço-
me nele, desatenta em minhas intenções, arruinando meus planos. Minha boceta se apertando ao redor
dele, possessiva, demandando.
— É isso. Me fode, Lotus. — Suspira no espaço insignificante deixado entre nós enquanto
nossas estocadas agressivas batem minhas costas na parede. — Diga-me de quem você é, de quem eu
sou.
Cravo minhas unhas contra sua cabeça, afundo os dedos em seu pescoço com um desejo
feroz nascido do desespero. Quando isso acabar, eu o farei ir, e não tenho certeza de quando o terei
de novo.
— Meu amado é meu — cito, minha cabeça jogada para trás, lágrimas descendo dos meus
olhos fechados. — E eu sou dele.
— De novo. — Suas mãos se apertam em minhas coxas e ele afunda em mim, a agitação de
nossos corpos furiosa, frenética. — Diga-me novamente.
— Meu amado é meu e eu sou dele. — As palavras saem mais altas, mais duras, enquanto
meu clímax cresce.
— De novo! Diga.
— Meu amado é meu e eu sou dele — grito tão alto que as palavras arranham minha
garganta e ricocheteiam nas paredes.
— Como você se atreve a pensar que pode tirar isso de nós? — resmunga em meu
pescoço. — A porra de uma pausa? Não vai haver pausa. Nem separação. Diga de novo.
— Ai, Deus. Sou sua, Kenan. — Eu me agito contra ele com meus soluços, com o orgasmo
trovejando pelo meu corpo mesmo enquanto choro. — Você sabe que sou sua.
— E eu encontrei aquela que minha alma ama — cita de volta para mim, sua voz colidindo
na curva do meu pescoço. Ele goza, um rugido estrangulado em sua garganta. Um grunhido que morre
em seus lábios enquanto ele perde o ar com a força de sua liberação.
Ficamos dessa forma por longos minutos, eu presa à parede, minhas pernas envolvidas
nele, suas mãos segurando minhas coxas. Saboreio a evidência molhada do nosso amor, da nossa
paixão. Odeio que isso já esteja deslizando do meu corpo. Perdido em minhas coxas. Quero segurá-
lo dentro de mim para sempre.
— Não me deixe, Lotus. Meu Deus, não consigo aguentar. — Ele pressiona a testa na
minha. — Agora não. Nunca, mas agora não.
— Mas tem que ser agora — sussurro. — Sinto muito, baby, mas tem que ser agora.
Solto as pernas, mas ele não se move, mantendo-me presa na parede. Cutuco seu peito,
porém, minha força é insignificante ao lado da dele, e Kenan não se move. Olho em sua direção pelos
meus cílios e endureço minha vontade.
— Mexa-se — digo firmemente. — Vá.
— Não.
— Você não pode ficar aqui para sempre — digo, racional. — Em algum ponto, você vai
ter que ir. Está apenas atrasando o inevitável. Quanto mais cedo você focar na Simone, mais cedo
podemos…
— Mais cedo podemos voltar a ficar juntos? — Ele afasta meu cabelo e traça a concha do
meu ouvido. — Não vamos terminar.
— Kenan. — Solto um suspiro fechado. — Nós vamos. Por enquanto, nós vamos. Não é
para sempre, mas precisa acontecer. Ela falhou dessa vez. Duvido que quisesse ter sucesso. Ela fez
no seu apartamento, na sua cama, sabendo que você voltaria para casa. Mas, e se ela ainda sentir que
não conseguiu sua atenção? E se fizer de novo?
— Ela nunca vai fazer aquilo de novo. — Um tique aparece na linha da sua mandíbula.
— O ponto de tentar se matar — começo, mantendo minha voz dura, sendo implacável,
porque preciso — é que você fica melhor cada vez que tenta.
Ele respira fundo, o que tensiona os músculos do seu peito na camisa.
— Mostre a ela agora, Kenan — insisto, agarrando sua mão. — Mostre que ela é a coisa
mais importante para você. Foque nela e, quando for a hora certa, quando ela estiver melhor, a
Doutora Packer vai guiá-la em me aceitar como parte da sua vida. — Inspiro uma risadinha. —
Talvez, um dia, em me aceitar como parte da vida dela também.
— Eu quero isso — diz, o olhar em seus olhos se intensificando. — Quero você na vida
dela. Quero que sejamos uma família. Lotus, quero que você seja minha…
— Pare. — Se ele disser, de jeito nenhum que posso mandá-lo embora. O anseio cresce tão
grande dentro de mim que acho que vou explodir. — Não. Ainda não.
— Quando? — demanda, levantando meu queixo. — Quando posso dizer?
— Depois. Quando ela estiver melhor, você pode dizer.
— Prometa para mim. Prometa que posso dizer isso quando ela estiver melhor e darei a
sua pausa.
— Não é minha pausa, Kenan — explico, bufando um suspiro exasperado. — É por ela,
não por nós. Esse é o ponto.
Encaramos um ao outro, e é uma lembrança de todas aquelas vezes que entrei em uma sala
e me forcei a encarar os olhos do homem mais bonito que já vi e me afastar. Tive medo do que
aconteceria se eu cedesse à força entre nós. Na época, apenas suspeitei que, se eu me envolvesse
com ele, não seria capaz de deixá-lo. Agora, sei quem está por trás daquele exterior rude. Conheço
sua ternura, seu amor, sua paixão, e isso excedeu cada expectativa minha. Ele é muito mais do que
imaginei que seria, e está me partindo ao meio deixá-lo ir, mesmo que por um tempo.
— Tudo que você me falou parece enfatizar meu ponto de vista — digo cuidadosamente.
— Simone quer ficar com você. Com ela vivendo na sua casa, é a oportunidade perfeita de mostrar
quem é sua prioridade.
Ele não me solta da parede. Sou uma borboleta presa dentro de um vidro. Ele me estuda,
mas ainda não se move.
— Vou levar a Doutora Packer uma vez por semana para que a Simone não tenha que
começar com uma nova terapeuta — diz finalmente. — Quando ela determinar que a Simone está
melhor e que o momento é o correto, você vai, hm… — Ele limpa a garganta, os cílios baixos
escondendo o que quer que esteja em seus olhos. — Quando o momento for correto, você vai voltar
para mim?
Meu guerreiro desprotegido. Nunca o vi mais vulnerável, mais exposto do que está agora.
Estico-me para tocar seu rosto, encontrando seus olhos com a força da minha paixão, da minha
devoção.
— Quando o momento for correto — prometo, minha voz rouca das lágrimas que mantenho
presas em minha garganta —, irei correndo até você, Senhor Ross.
Ele se inclina e prende os cotovelos debaixo da minha bunda, levantando-me e prendendo
a testa na minha.
— Ninguém toca em você — diz suavemente, mas com força.
— Ninguém — concordo.
— Nada de encontros.
— Nenhum.
— Nada de flerte nem nenhuma merda dessa.
— Nenhuma merda dessa.
Ele para, cerrando os olhos.
— Estou falando sério, Lotus. Não estamos dando um tempo. Não estamos vendo outras
pessoas. Você não está solteira.
— E você pode dizer para aquelas groupies que ficam em volta do túnel depois dos jogos
que, se elas gostam de ter dentes na boca — digo firmemente —, é melhor manterem as patas e as
bocetinhas desagradáveis longe do meu homem. Fui clara, Kenan?
Ele sorri, um flash agridoce contra a pele de mogno, que faz meu coração perder batidas e
dar estrelinhas mesmo ao se partir.
— Transparente.
— Paris ano que vem, Lo — JP diz, decidido. — Quero o show em Paris no ano que vem
ao invés de Nova Iorque.
Assinto, focada no vestido em que venho trabalhando.
— Soa bem.
— Os pedidos da nova coleção já passaram muito das nossas projeções.
— Isso é maravilhoso — respondo, borrando a linha do ombro com o dedão.
— E acho que usarei aquela nova modelo de Marte.
— Amei. — Faço uma careta para o comprimento da manga, virando o lápis para apagar
meio centímetro.
— E abriremos o evento de outono com uma orgia.
— Ótima ideia. — Inclino a cabeça e foco o olhar na bainha. — Orgias estão com tudo
ultimamen… — Levanto a cabeça e encaro-o de olhos arregalados. — Espera. O quê?
— Estava me perguntando quão longe eu teria que ir até você realmente começar a ouvir
— diz, o sorriso provocador.
— Muito engraçado. Eu estava ouvindo.
— Ah, então você vai procurar em Marte a minha nova modelo?
— Va te faire foutre[18] — murmuro, lutando contra um sorriso.
— Acho que o problema é esse. — Ele complementa com um movimento sugestivo das
sobrancelhas e um sorriso diabólico. — Você não está sendo fodida.
Meu sorriso desaparece e pego o bloco de desenhos, o telefone e o computador.
— E com essa — digo, ficando de pé —, acho que vou trabalhar de verdade.
— Você sente a falta dele, Lotus — JP comenta. — É óbvio o quão miserável está sem ele.
— Não estou miserável. Estou bem, e é temporário.
— Nós só temos alguns poucos dias nesta terra, ma petite. Por que desperdiçar até mesmo
um deles quando você encontrou o amor da sua vida?
— O que o faz pensar que ele é o amor da minha vida? — pergunto, encaminhando-me para
a porta, querendo sair do escritório.
— Você é uma dessas criaturas que só amam uma vez e com grandeza, eu acho. Então o
mousieur Ross, ele é o cara. Ai-je tort[19]?
Paro na porta, mão na maçaneta.
Uma vez e com grandeza. Nunca me apaixonei antes, nem mesmo perto disso, e espero
nunca mais amar ninguém. Apenas Kenan.
— Estou errado? — JP repete, dessa vez em inglês.
— Não. — Por cima do ombro, dou um sorriso a ele, suavizando quando encontro seus
olhos preocupados. — Provavelmente não.
Fecho a porta por trás de mim e vou direto para a sala dos fundos no piso inferior. Não
apenas preciso de privacidade para trabalhar, mas também de um pouco de tempo sozinha.
Os últimos dois meses foram mais difíceis do que antecipei, mas acho que fizemos a coisa
certa. Kenan e eu conversamos algumas vezes. Sua agenda tem sido agitada, tendo jogos dia sim, dia
não, às vezes em dias consecutivos, viagens constantes. Eu provavelmente não o estaria vendo muito,
de todo jeito.
Mesmo sabendo que foi a coisa certa, foi também a mais difícil. Sinto a falta de Kenan, não
apenas de estar em Nova Iorque, mas na minha vida, profundamente. Cada parte de mim sente a sua
falta. Meu corpo anseia o seu toque — a maneira como ele tira meu cabelo do rosto e acaricia meus
dedos enquanto conversamos, ou traça minha coluna depois de fazermos amor. Minha alma dói
querendo a peça de quebra-cabeça que falta. Meu coração está pressionado ao peito com um copo na
orelha, esforçando-se para ouvir o eco das batidas do coração dele, mas elas estão longe demais.
Coloco as coisas na mesa, pronta para começar.
— Onde eu coloquei o lápis? — murmuro, olhando em volta. Bato nos bolsos enormes do
vestido sem mangas que desenhei para mim mesma e sinto um pequeno cartão quadrado lá dentro.
Fico parada por um segundo, depois puxo para fora.

“Você povoa os meus sonhos. Eles estão ricos da sua essência. Seu coração está em meu
travesseiro e sinto seu sabor no meu sonho.”
— Essa fui eu que escrevi.

Meu sorriso vacila. Uma vez por semana recebo um bilhete pelo correio. Esses tesouros
semanais são os pontos altos em minha vida, aquelas palavras quase ilegíveis que ele escreve para
mim. É outro cartão para a minha lancheira/kit de costura.
— Aí está você — diz Yari, parada na porta. — Estava te procurando.
Fungo e viro-me para secar debaixo dos olhos.
— Aqui estou — forço-me a responder alegremente, sentando-me com meu laptop. — Veio
me distrair do meu trabalho de novo?
— Não desta vez. — Yari se aproxima, sua expressão séria. — Billie se demitiu.
— O quê? — Fecho o computador e fico de pé. — Como assim, se demitiu?
— Ela se demitiu no estilo “pega o seu emprego e enfia naquele lugar”.
— Mas por quê?
— Eu tive que fazer — Billie diz da porta aberta, o rosto coberto de lágrimas e manchado.
— Acabou com o Paul.
Yari e eu a encontramos na metade do caminho e ela está dentro dos nossos braços antes
que o primeiro forte soluço se derrame de dentro dela. Meu Deus, odeio o som de um coração
partido. Eu o escutei vezes demais das mulheres na minha família que trocavam seus corpos pela
esperança de um futuro melhor, apenas para se desapontarem uma e outra vez. De amigas que
confiaram nos homens errados — que deram a eles tudo que quiseram, pensando que os fariam ficar,
apenas para observá-los partirem. Coração partido é um hábito para algumas mulheres, um que
prometi a mim mesma que nunca iria desenvolver.
— Conta. — Caminho com ela para nos sentarmos em uma mesa de costura e deslizo o
braço em seus ombros. — O que rolou?
— Cheguei hoje de manhã e ele disse que tínhamos que terminar. — Billie limpa o nariz
com a mão trêmula.
— Aqui, querida — Yari diz, pegando um pouco de lenço de papel em uma gaveta
próxima.
— Obrigada. — Billie assua o nariz e morde o lábio. — Ele disse que a esposa descobriu
sobre nós.
— Ai, meu Deus. — Cubro a boca com uma das mãos e com a outra, o coração. — Como?
— Não sei. — Dá de ombros e fecha os olhos, apertando-os. — Mas ele disse que, quando
ela o confrontou a respeito, ele confessou tudo e falou que foi… um casinho. Nada. Ele disse a ela
que eu não era nada. — Outro soluço sacode seu peito e enruga seu rosto. Ela fala as próximas
palavras entre soluços: — Falou que eu era um deslize, um erro que só aconteceu uma vez. — Sua
risada está vazia de humor e cheia de dor. — Ficamos juntos por mais de um ano. Ele me levou para
Aspen no nosso aniversário. Como ele pôde mentir assim?
— Ele é um mentiroso — Yari fala, sua voz frágil. — Mentiu para a esposa e mentiu para
você. É o que ele faz. Sei que está ferida, mas é melhor assim, Bill. Você consegue algo melhor do
que isso. Melhor do que ele.
— Ela está certa, Bill — concordo, um pouco mais gentil, mas não menos direta.
Billie assente, seu geralmente bem arrumado cabelo vermelho está uma bagunça, caindo
por seus ombros, como se ela tivesse corrido as mãos nele.
— Quase sinto que sabia que isso teria que acontecer. Como se tivesse trazido isso para
mim mesma.
— Como você sabe? — Yari questiona.
Billie repousa os olhos verdes e curiosos em mim por vários segundos.
— O quê? — pergunto. — Por que está me olhando assim?
— No meu aniversário — começa —, você disse: cuidado com o que você deseja. Por que
diria isso?
Pisco para ela, procurando alguma explicação que faça sentido lógico.
— Nenhuma razão. — Corro a mão pela nuca. — Por quê? O que você desejou?
— Um bebê. Desejei um bebê para forçá-lo, para fazê-lo escolher — sussurra. Seus olhos
se enchem de lágrimas. — Sei que é o truque mais antigo de todos, mas parei de tomar o remédio.
— Bill, não. — O olhar horrorizado de Yari se arregala, mudando entre nossa amiga e eu.
— Você está grávida?
— Não. — Ela olha para mim novamente. — A esposa dele está.
Meu coração cai aos meus pés. Não sei o que me fez dizer aquilo. Eu nem sempre sei os
detalhes, mas, às vezes, tenho impressões ou sentimentos fortes. Qualquer que seja o dom que herdei
da MiMi, não é perfeito nem preciso, como na noite que senti a morte próxima e assumi que era o
Kenan, mas estava me alertando, na verdade, sobre a Simone.
— Pedi um bebê para fazê-lo escolher — Billie diz amargamente. — Acho que eu deveria
ter especificado que era um bebê para mim, para que ele me escolhesse. Você estava certa, Lo. Eu
deveria ter tido cuidado com o que estava pedindo.
Não posso responder as perguntas em seus olhos de jeito nenhum, então redireciono a
conversa:
— Então você pediu demissão.
Billie me observa por mais alguns segundos antes de assentir.
— Não posso mais trabalhar para ele. Não depois disso. Vou começar a buscar nas ruas, eu
acho.
— Você tem um diploma de administração da NYU — digo ironicamente. — E quatro anos
trabalhando em uma das casas mais badaladas da moda. Vai encontrar alguma coisa.
— E se não for encontrar alguma coisa — Yari começa, seus olhos brilhantes se mudando
entre nós —, mas criar alguma coisa?
— O que você está dizendo? — Billie franze as sobrancelhas. — Eu? Criar alguma coisa?
Você sabe que não consigo costurar, desenhar nem mesmo fazer ponto cruz. A única coisa que eu
tenho para trabalhar na moda é a mente de negócios.
— Certo. — Yari corre na direção da mesa onde minhas coisas estão e pega meu bloco de
desenhos. — Mas acontece que tenho uma amiga que é muito boa em fazer coisas.
— Eu? — Aponto para o meu peito. — Não, não estou pronta para seguir por conta
própria. Ainda tenho muito a aprender com o JP. Talvez em um ano ou mais.
— Acho que você se subestima — Billie comenta, pegando um pouco da empolgação da
Yari. — Poderíamos fazer isso, Lo. Poderíamos começar nossa própria marca.
— E seu podcast se tornou popular — Yari complementa. — Poderíamos aproveitar
totalmente a influência que você está construindo com ele.
Estou prestes a falar que isso é uma ideia horrível de verdade quando Paul entra.
Homem corajoso e idiota.
— Billie, posso falar com você por um minuto? — pergunta, fixando os olhos nela e
deliberadamente ignorando os olhares que Yari e eu lançamos em sua direção.
— Não, Paul. — Billie olha para ele, e odeio a fraqueza se arrastando para os olhos dela
quando os dois se encaram. — Não há mais nada a dizer.
— Discordo — ele replica, ajustando os óculos e limpando a garganta. — Hm, moças,
talvez vocês possam nos dar alguns minutos.
— Hm, Paul — Yari devolve, ficando na frente da Billie para escondê-la da visão dele —,
talvez você possa se foder por alguns minutos.
— Olha, ainda sou o CEO desta companhia, droga — responde asperamente. — E vocês
não podem falar comigo assim. Não irei tolerar insubordinação.
— Insubordinação? — pergunto, uma risada sombria saindo da minha boca. — Você tem
cinco minutos para levar essa bunda de volta lá para cima ou sua esposa vai receber uma ligação
minha esta noite com a verdade, não essa merda que você disse a ela para se acobertar.
— Billie, se você pudesse...
— Um — digo, dando um passo para ficar ao lado da Yari e esconder completamente a
Billie da visão dele.
O vermelho mancha sua pele branca e pálida e ele franze o rosto.
— Olha, eu posso explicar.
— Dois — Yari continua, os braços dobrados sobre o peito, o quadril empinado.
— Você quer uma recomendação, não quer, Billie? — pergunta, uma luz cruel em seus
olhos azuis. — Quão longe você acha que vai chegar nessa indústria se as pessoas souberem que
você tentou dormir com todo mundo para se promover?
Ando até ele até estar perto o suficiente para sentir o cheiro do que comeu no almoço.
— Ah, você está cheio das ameaças agora, Paul? — pergunto em um tom perigosamente
suave. — Você não quer ameaçá-la, porque, quando faz ameaças a ela, faz a mim. E quando faz
ameaças a mim, eu ataco.
— Você não pode me machucar — zomba, mas uma veia de nervosismo aparece em seu
tom.
— Tem certeza? — pergunto, usando uma doçura artificial em meu sorriso. — Você sabe
por que nós não usamos mais o Chase, né? Ele traiu minha confiança e só precisou de uma conversa
com o JP para me certificar de que ele não iria voltar. Talvez seja a hora do JP saber que você andou
fodendo as funcionárias dele.
— Você é maluca — ele diz, medo escurecendo seus olhos.
— Sim, motivo pelo qual, se eu fosse você, correria. Sou maluca o suficiente para ter um
grande prazer em destruir sua carreira, aquela farsa do seu casamento e qualquer coisa promissora
em seu futuro. — Inclino a cabeça em direção à Yari. — Em que número estamos, Ri?
— Três — cospe.
— Ah, sim. — Franzo a testa para ele. — Três. Quatro. Se você ainda estiver parado aqui
no cinco, começarei a destruir as coisas.
Com um rosnado que poderia muito bem ser um gemido, ele se vira em seus calcanhares e
sai pela porta.
Viro para minhas amigas e sorrio largamente.
— Medroso de merda — digo, com uma gargalhada. Bato a mão com a Yari e vou fazer o
mesmo com a Billie, mas as lágrimas em seus olhos me param. — Ah, querida. Ele não merece suas
lágrimas. Você consegue algo melhor. Você vai encontrar alguém melhor.
— Sei disso. — Ela funga e nos dá um sorriso trêmulo. — Mas meu coração tem que se
atualizar com o que é a coisa certa.
Esfrego o pequeno quadrado escondido em meu bolso, suas palavras presas em uma
prateleira na minha alma. Fazer o que é certo às vezes quebra meu coração. Saber que é certo não faz
isso machucar menos.
Sei disso em primeira mão.

[18] Vai se ferrar ou vai se foder, em francês.


[19] Estou errado, em francês.
— Ele finge pela esquerda — explico para August, enquanto deixamos o clube. — Você
vai ter que fazer marcação apertada, ele é uma besta no drible.
— Entendi, Glad — responde, colocando a bolsa de ginástica no ombro.
— Não dê muito espaço. Empurre-o de volta para que ele tenha uma porcentagem pequena
de quadra para arremessar.
— Assisti ao vídeo que você... — August para antes que nós sigamos caminhos diferentes,
já que o carro dele está de um lado do estacionamento e o meu está do outro. — Vou ficar bem. Nós
vamos ficar bem. Esse é o melhor começo de temporada que já tivemos. É o nosso ano, mano. Por
que você está tão tenso?
— É, você está certo. Sei que entendeu. Só tem muita coisa acontecendo, acho.
— Tudo bem com a Simone?
August e Iris têm sido de grande apoio e sabem as demandas que venho manejando entre a
temporada e ter Simone vivendo comigo.
— Sim, ela está bem, cara. Valeu por perguntar. — Rio. — E estar aqui com ela é
exatamente o que minha mãe precisava. Ken e eu estávamos preocupados com ela depois da morte do
meu pai, mas tomar conta da Simone deu a ela um novo sopro de vida. A Doutora Packer disse que a
Simone está bem melhor.
— Cara, isso é ótimo.
— Se dá para acreditar, a Bridget tem se comportado bem. — Faço uma careta. — Quer
dizer, ajuda ela estar em Nova Iorque e não aqui. Quem sabe se nossa trégua vai perdurar quando ela
se mudar para cá no verão? Mas, por enquanto, acho que estamos no melhor momento que tivemos
em bastante tempo. O que aconteceu com a Simone foi um alerta para nós dois.
— Parece que tudo está se alinhando — August comenta, hesitando antes de continuar: —
Isso significa que você e a Lotus…
— Em breve. — Sorrio, embora doa até de ouvir seu nome. — Acho mesmo que em breve.
— É isso que eu gostaria de ouvir. Vocês dois merecem. — August me dá um tapinha e se
vira para ir. — Ok. Prometi para a Iris que iria para casa logo depois do treino, então vou lá. Vejo
você no avião.
O jogo de amanhã é o primeiro de uma viagem brutal. Quatro jogos antes de voltarmos
para San Diego. Isso significa uma semana longe de casa. Vou passar um tempo com a Simone hoje,
enquanto a levar para o acampamento de dança em Laguna Beach. Pelo menos ela vai ficar lá por boa
parte do meu tempo afastado e sentirá menos o impacto.
Estou destravando “o tanque” quando um cara com um microfone me aborda. Não tenho me
preocupado com os tabloides por um tempo, mas conheço um repórter quando vejo um.
— Glad, ei! — grita, o telefone apontado em minha direção para gravar. — Animado para
o final da temporada de Amor de Jogador?
— Não discuto minha vida pessoal — respondo automaticamente. — Se tiver perguntas
sobre basquete, consiga uma credencial de imprensa e apareça na coletiva depois do jogo. De outra
forma, sem comentários.
Subo no carro e ligo o motor.
— E a Lotus? — grita, logo que meu pé paira sobre o acelerador. — Aquela garota com
quem você estava saindo no verão?
Cerro os dentes e tento me convencer a não me envolver, mas é uma batalha perdida.
Desço a janela e tento ignorar a satisfação nos olhos do canalha.
— O que tem ela?
— Bem, o rumor é que ela está namorando com o fotógrafo novamente — fala apressado.
— Bridget alegou que ela estava traindo você com ele. O que você tem…
Ergo a janela novamente e saio.
Filho da puta. É isso que eu ganho por desperdiçar meu tempo com ele.
Meu dedo se contorce sobre o botão no meu volante que ligaria para ela. Nós conversamos
um pouco. Não seria completamente fora do normal se eu ligasse. Temos mantido um ao outro a par
das nossas vidas.
— Foda-se.
Aperto o botão.
— Kenan? — A voz dela no carro me faz querer esquecer a viagem da equipe e ir até ela.
Voar para Nova Iorque e trazê-la para casa comigo.
— Sim, sou eu. — Claro que é você, idiota. — Hm, como vai você?
— Bem. — Ela pausa e limpa a garganta. — Recebi seu cartão ontem. Agora você é poeta?
Minha própria risada quase me pega de guarda baixa. Nesse verão esqueci quanto tempo
passo sozinho. Quão pouco realmente falo com as pessoas a maior parte do tempo, porque ri,
conversei e me senti mais livremente eu mesmo com a Lotus do que já tinha sentido com qualquer um.
— Não exatamente um poeta — digo quando nossa risada acaba. — Só uma coisinha que
eu tinha em mente.
— Eu gostei — revela, a voz rouca.
Há muito que eu quero dizer. Ela perdeu muita coisa, mesmo que conversemos
ocasionalmente. Mas, no geral, só quero saber…
— Hm, teve um repórter que me abordou depois do treino.
— Ok.
— Ele mencionou algo sobre a garota que eu estava vendo no verão estar namorando
aquele fotógrafo novamente. — Deixo a pergunta não dita suspensa nos milhares de quilômetros que
nos separam.
— Ah. — Ela fica quieta por um momento. — Não tenho ideia de onde ele tirou isso.
Preciso focar e ter certeza de que entendi bem o que ela está dizendo. Paro no
estacionamento de um posto de gasolina e inclino-me para trás em meu assento, esperando que ela
elabore. Ela não o faz.
— É, eu também não sei — digo finalmente. — Porque, sabe, nós dissemos…
Não sei o que nós dissemos, mas ela sabe que não estamos namorando outras pessoas.
Confio nela. Não tinha me ocorrido isso até que aquele repórter plantou seu veneno.
— É, nós dissemos… — Ela solta uma risada rápida. — Você não achou… Eu não faria.
Kenan, não fiz.
Solto um suspiro aliviado e assinto, mesmo que ela não possa me ver. Por que ela não pode
me ver? Eu deveria ter ligado por vídeo. Meu Deus, eu quero vê-la.
— Você não… — ela começa, mas para. — Bem, nós dissemos…
— Sim, nós dissemos… não — apresso-me em assegurá-la. — Tenho vivido como um
monge.
Ela ri e ouço alívio em sua voz também.
— Meu monge.
— Seu monge. Completamente.
Sua respiração falha e ela suspira. Quero provar esse suspiro. Se eu pudesse beijá-la,
saberia o que está pensando. Saberia o que está em seu coração apenas pela pressão dos nossos
lábios.
— Sinto sua falta, Kenan — diz, a voz se quebrando. — Tanto.
Aperto o volante e meus dentes até minha mandíbula doer.
— Não quero mais fazer isso, Lotus. Acho que a gente pode… Simone está bem melhor. Já
a diagnosticaram. Ela está tomando os remédios corretos. Minha mãe está cuidando de tudo para mim
durante a temporada. — Uma risada dura ressoa em meu peito. — Ela até conseguiu deixar o cabelo
da Simone bonito.
— Isso é maravilhoso — Lotus diz, um sorriso na voz.
— Falei para minha mãe a seu respeito.
Uma curta pausa.
— Falou? O que você disse a ela?
— Que estou apaixonado por você.
Sua respiração engata novamente, então eu devo estar fazendo algo correto.
— Disse a ela que quero me casar com você um dia.
Ela não me deixou dizer isso da última vez que a vi — que queria que ela fosse minha
esposa —, mas digo agora, antes que ela veja o que se aproxima, antes que possa me parar.
— Você disse isso a ela? — Sua voz está trêmula e esganiça docemente no final.
— Sim, e sabe o que ela me perguntou?
— O quê?
— Quando ela poderia esperar mais netos. Com apenas uma, ela afirma que precisa de um
reserva.
A risada da Lotus se parte e um soluço explode.
— Amo você, Kenan Ross, e ficarei muito feliz de casar com você e ter quantos netos sua
mãe puder tomar conta quando o momento for correto.
Quando o momento for correto.
Correto.
— O que estou dizendo é que esse momento correto é em breve, Lotus.
— Fale com a Doutora Packer e seguiremos daí. Não queremos desfazer todas as coisas
que sacrificamos.
— Ela acha que você é maravilhosa, a propósito — conto a ela, um sorriso imparável em
meu rosto.
— Por quê?
— Porque ela acha que você fez a coisa certa — digo, ficando sério. — No nosso caso, ela
acha que foi o melhor para a Simone. Tudo isso. Nem todo mundo se compromete tanto a ponto de
colocar as necessidades dos filhos antes das próprias.
— Mas você se comprometeu.
— Não, você se comprometeu. Eu não faria isso se você não tivesse me forçado.
— Bem, como eu disse, sei como é sentir que qualquer um é mais importante.
Vozes no fundo quebram o feitiço que esta conversa colocou em mim.
— Minha reunião vai começar — avisa. — Tenho que ir.
— Sim, eu também. Tenho que levar a Simone para esse negócio de acampamento de
dança.
— Ok. — Ela para por um segundo antes de sussurrar. — Amo você.
— Você não faz ideia — respondo imediatamente —, mas vou mostrar a você bem em
breve.
— Gosto do som disso.
— Eu também. Amo você, Botão.
Estou nas nuvens, sentindo-me como um idiota apaixonado, mas não dou a mínima.
Meu barato se quebra quando o painel mostra uma chamada da Bridget. Fomos civilizados
nas poucas vezes que conversamos. Com ela em Nova Iorque, houve, felizmente, algumas poucas
visitas para coordenar e todas aconteceram enquanto eu estava na estrada. A Doutora Packer acredita
que a harmonia entre Bridget e eu é algo que serve como força estabilizadora tanto quanto esperar
para estar com a Lotus ou minha mãe se mudar conosco.
Atendo o telefone e me preparo para qualquer drama que ela possa ter reservado.
— Bridget, oi — digo, mantendo meus olhos na estrada. — Beleza?
— Ei, Kenan — fala, a voz enchendo o interior do carro. — Como você está?
Ah, boas maneiras. Lembre-se delas.
— Estou bem. Beleza? — repito.
— O elenco tem uma aparição em LA hoje — diz, seu tom levemente hesitante. — Eu, hm,
pensei em passar para ver a Simone.
— Você sabe que ela tem aquele acampamento de dança em Laguna Beach — lembro. —
Estou a caminho de casa para levá-la.
— Ah, sim. Esqueci. Hm… talvez da próxima.
— Bem, LA é ainda mais perto de Laguna Beach. Apareça para vê-la antes de voltar.
Tenho certeza de que vai ficar tudo bem.
— Acha? — pergunta, seu tom de voz se iluminando.
— Sim. Começo uma sequência de jogos longe de casa amanhã e ficarei fora por uma
semana, então ver um de nós provavelmente vai ser bom para ela.
— Ok. Vou mandar mensagem para ela e combinar. — Fica quieta por um segundo. — Ela
está melhor, né?
O mesmo suor frio de medo que eu tenho — de encontrar Simone praticamente sem
respirar na minha cama novamente — reside na voz da Bridget. Encontro-me no quarto da minha filha
quando ela está dormindo, observando-a repousar, como se fosse uma bebê. Isso me tranquiliza.
Agora mesmo, Bridget não tem nem isso.
— Sim, Bridget. Ela está melhor.
— Acho que todos estamos — diz, um sorriso na voz.
— É.
— Ela me disse que você não está mais vendo a Lotus — Bridget comenta, a menor
centelha de esperança em suas palavras. — Sinto muito que as coisas não tenham dado certo.
— Na verdade, elas estão dando certo — respondo cauteloso. — Lotus e eu quisemos dar
um tempo para a Simone se recuperar e para eu focar nela tanto quanto possível já que a temporada
está exigindo muito.
— Bem atencioso da sua parte. — Uma pontada de ciúme surge em suas palavras.
— Ideia da Lotus na verdade.
Várias segundos de silêncio formam uma poça rasa, que começa a ficar desconfortável bem
quando nos falamos de novo.
— Eu vi você com ela algumas vezes, sabe? — Bridget diz, exalando uma risada ofegante
e amarga. — Saíram algumas fotos suas nesse verão, fazendo coisas juntos. Rindo. Divertindo-se.
Quase não o reconheci.
— Procurando em hashtags novamente? — pergunto, incapaz de conter a familiar
irritação.
— Como eu saberia o que está acontecendo na sua vida?
— Para que você quer saber? — demando, exasperado. — Não entendo você, Bridget.
Você teve um caso com um dos meus amigos. Jogou nosso casamento pela janela…
— Nosso casamento? — pergunta, uma espada de dois gumes de desprezo e amargura. —
Era assim que você chamava aquilo?
Minha mãe, tão brava quanto ela ficou com a Bridget, expressou simpatia por ela por
sermos incompatíveis.
Bridget tentou quebrar você como uma noz. Embora, para a mulher que você ama, ama
de verdade, não seja um trabalho duro. Não tive que quebrar o seu pai. Não tive que forçá-lo. Ele
se derramou para mim.
Meu Deus, minha mãe estava certa. Não sei se fiz algo de errado, mas, provavelmente,
devo ter feito coisas com a Bridget que não eram certas. E agora eu vejo claramente que não poderia,
nunca teria confiado a mim mesmo, eu de verdade, meu interior, à pessoa que ela se provou ser. Não
acho que eu era capaz disso com ela.
— Olha, Bridget, estivemos em guerra um com o outro por anos, e se o que aconteceu com
a Simone me mostrou algo é o valor de uma segunda chance. Temos uma chance de corrigir as coisas.
Estou cansado de brigar. É destrutivo e nós dois temos que seguir em frente.
— Com a Lotus, você quer dizer — diz, sua voz vencida. — Você vai seguir em frente com
a Lotus.
— Sim. — Encontro o desapontamento na voz dela. — Com a Lotus. — Ignoro sua
respiração aguda e continuo: — Fiquei bravo com você. Por anos, fiquei bravo que nossa família,
nossa vida, foi destruída.
— Eu sei, sinto muito — Bridget sussurra.
— Sei que fiquei bravo — continuo. — Mas nunca consegui entender por que você estava
brava também. Você estava revoltada comigo por não ser o que você pensou que eu seria. Por não te
deixar entrar, por te abandonar em nosso casamento.
— Isso não desculpa o que fiz — fala, fraca. — Nunca quis traí-lo. Apenas…
Fico grato por ela não ter dito que apenas “aconteceu”. Essas coisas não apenas
acontecem.
— Não foi tudo culpa sua — conto para ela, limpando a garganta. — Foi minha também.
Você costumava falar sobre a parede que surgia durante a temporada, mas não era apenas quando eu
estava jogando bola. Era o tempo inteiro. Sou um homem difícil de conhecer, de alcançar.
— Mas não para ela. — Suas palavras saem com um suspiro leve, mas pousam com um
baque.
— Não, não para ela. — Um meio sorriso irônico se forma em minha boca. — Não me
arrependo de nós, Bridget, porque tivemos a Simone e ela é a melhor coisa.
— Ela é. — Ela ri suavemente do outro lado, hesitando antes de se apressar: — Você
vai… Será que você pode me perdoar, Kenan?
Fervi de ressentimento por anos, e neste momento toda a dor, humilhação e coisas horríveis
que o caso da Bridget causou correm por minha mente.
Depois outras memórias lentamente começam a aparecer. Bridget, jovem e sozinha em uma
cidade estranha com uma recém-nascida enquanto eu estava na estrada. Tantos aniversários perdidos,
datas importantes, marcas e vezes que eu sabia que havia algo que ela precisava e não fazia ideia de
como dar a ela.
Bridget e eu não estivemos nos melhores termos nos últimos anos, mas eu a conheço
metade da minha vida, fui casado com ela por mais de uma década. Ela me deu minha filha. Pode não
haver um momento em que a amei da maneira que ela precisava ser amada e pode não ter tido um
momento em que ela me viu de verdade, me entendeu, conheceu o verdadeiro eu, mas houve um
momento em que fomos amigos. Houve uma garota que conheci na faculdade que caminhou comigo
pela desafiadora transição para a NBA, pela paternidade quando eu não fazia ideia de que merda
estava fazendo. Pelas minhas maiores conquistas. Queria que pudéssemos focar mais nessas coisas
ao invés de em todas as que falhamos um com o outro, e agora temos essa chance.
— Eu perdoo você — digo, com um sorriso meio dolorido —, se você puder me perdoar.
Não tenho que explicar por que estou pedindo perdão. Isso alimentou sua raiva e
frustração, além de pairar sobre nós por anos.
— Eu posso fazer isso — responde, as palavras trêmulas. — Obrigada, Kenan.
Não será fácil e tenho certeza de que nossa raiva e passado doloroso virão à tona às vezes,
quando menos esperarmos. Talvez tenha sido preciso esse alerta para que ganhássemos perspectiva
do que era mais importante — que tudo isso realmente é em relação à Simone e que talvez, por ela,
possamos colocar o passado de lado e focar em seu futuro. Talvez, por ela, possamos ser amigos de
novo.

— Pegou tudo? — pergunto mais uma vez antes de deixar a Simone na luxuosa praia onde
o acampamento de dança irá acontecer.
— Sim. — Ela mexe na bolsa de ginástica no ombro. — A vovó olhou duas vezes a lista
que nos deram para se certificar de que eu não estava me esquecendo de nada.
— Boa. Vou ligar da estrada. Nosso primeiro jogo é em Toronto, depois em Chicago e San
Antonio; por último, o Lakers. Volto no sábado.
Quando olho para minha filha, uma onda de gratidão me sobrecarrega. Os “e se” têm me
torturado desde a noite em que a encontrei inconsciente na minha cama. Meus pesadelos são feitos de
fins alternativos sombrios e já acordei mais de uma vez correndo pelo corredor para me certificar de
que ela é real, não uma alucinação induzida pelo luto.
Ela é linda e está crescendo rápido. Fará quinze anos em breve e não pensará mais no seu
velho. Já perdi o suficiente. Basquete levou muito de mim, mas valeu a pena pelo dinheiro.
— Amo você mais do que tudo, Moni. — Beijo a testa dela e pressiono sua cabeça em meu
peito. — Sabe disso, né?
Ela olha para mim, suas sobrancelhas unidas acima dos olhos azuis, depois assente.
— O quê? — Franzo o rosto para ela. — O que foi?
— O que aconteceu com a Lotus?
Queria que a Doutora Packer estivesse aqui agora. Não tenho certeza de como lidar com
isso. Simone sabe que não estou mais vendo a Lotus e não falamos sobre ela, então não tenho certeza
do que trouxe a pergunta.
— Hm, ela ainda mora em Nova Iorque. Por que a pergunta, querida?
— Você parecia, sei lá. — Simone encolhe os ombros estreitos. — Você parecia mais feliz
quando ela estava por perto.
Droga, eu sinto a falta dela.
O isolamento me atinge com uma força esmagadora. Minha vida é muito mais brilhante com
a Lotus nela. Não falo. Ainda estou formulando a melhor resposta — uma que não desfaça tudo que
trabalhamos tão duro para ajustar.
— Está tudo bem se você a amar também — Simone diz baixinho.
Afasto-me e olho para o seu rosto. Seus olhos, quando encontram os meus, estão sérios.
Eles já viram muito, sabem muito.
— Está? — pergunto, testando.
— Quero que você seja feliz. — Ela engole em seco e olha para o chão. — Quero que a
mamãe seja feliz também, mas sei que vocês não fazem mais um ao outro feliz.
— Mas sempre amaremos você — digo, segurando seu rosto — e sempre a colocaremos
em primeiro lugar, ok?
Ela assente e me oferece um pequeno sorriso. É uma boa garota. Apesar de toda merda
pela qual passou. A única coisa boa que veio do meu casamento.
— Simone — uma mulher alta e elegante chama. Lembro-me de encontrá-la em um dos
recitais da Moni. — As outras garotas estão todas lá dentro. Diga adeus e junte-se a nós por favor.
— Estou indo, Madame Petrov — responde antes de dar as costas para mim. — Tenho que
ir.
— Ok. Amo você, Moni. — Deslizo a mão pelo seu rosto, nossa expressão familiar de
amor.
Ela sorri, parece feliz. Meu Deus, que isso seja real. Saber que sua filha está machucada
de uma forma que você não consegue parar ou melhorar é o sentimento mais impotente do mundo.
Você procura por qualquer sinal de angústia e se esforça para pegar qualquer sinal de progresso ou
indício de alegria, segurando a respiração. Com esperança perdida.
— Amo você, papai.
Nós vamos ficar bem.
É um refrão que fica se repetindo na minha cabeça enquanto dirijo de volta para San
Diego. Amei falar com a Simone no caminho, ouvir sobre quão bem as coisas estão na escola e na
dança. Dar espaço para que ela me dissesse como os medicamentos a fazem se sentir melhor.
Permitir que me contasse sobre os dias em que eles não funcionam. Cada palavra que compartilhou,
mesmo as que eram difíceis de ouvir, me tranquilizou, porque ela estava dividindo. Ela não estava
me escondendo ou guardando para si mesma. Ela é muito parecida comigo de várias formas,
naturalmente enterrando suas emoções e acumulando seus pensamentos.
Mas, tanto quanto aproveitei nossa conversa dirigindo para Laguna Beach, deleito-me com
o silêncio ao dirigir para casa. É difícil descrever para alguém que não precisa disso quão
revigorante ficar sozinho pode ser — não solitário no geral, mas sozinho. No trecho panorâmico da
rodovia tenho uma vista de tirar o fôlego do oceano só para mim. A lua cintila na água azul escura
enquanto passo pelas curvas da Pacific Coast Highway. Coloco minha música favorita, It Never
Entered My Mind. As notas iniciais do piano se misturam perfeitamente com o trompete de Davis.
Ele afinou cada nota até chegar à perfeição em um tom doce e suave.
Mesmo quando aproveito minha solidão, Lotus não me deixa.
— Qual é a sua música favorita para ouvir quando quer relaxar?
— It never entered my mind.
— Bem, deixe passar pela sua cabeça.
Minha risada com a memória quebra o silêncio no carro e desejo que ela estivesse aqui
comigo, enrolada no banco do passageiro, falando sobre tudo e nada. Eu me acostumaria com seu
silêncio, sua voz, sua essência. Aceitaria qualquer coisa dela que pudesse.
Faz com que eu corra para casa — para passar por essa viagem e encontrar uma maneira
de vê-la. Falarei com a Doutora Packer para conseguir um modo de falarmos com a Simone, o que
dizer. É o momento de trazer a Lotus de volta para a minha vida, para a nossa vida.
Fico preso não tão paciente atrás de um caminhão lento que carrega canos enormes, até que
meus faróis iluminam uma corrente segurando os canos enquanto ela se solta. O tubo desliza do
caminhão na minha direção, vindo para o meu para-brisa.
— Merda!
Desvio, evitando o cano que pousa na estrada onde meu carro estava a meros segundos.
Outro cano desliza da carroceria do caminhão, quicando em uma trajetória que não previ. A
sequência inteira leva segundos, mas tudo retarda, arrastando-se lenta e terrivelmente. Dentro de
mim, embora, o acelerador acaba com tudo — as batidas rápidas e fortes do meu coração, o sangue
correndo em minhas veias como corredeiras e a respiração ágil e rasa cortando meu peito enquanto
meu corpo derrama adrenalina em cada órgão vital.
O volante escorrega em minhas mãos enquanto a caminhonete avança em direção ao
guarda-corpo. Na minha mente vejo Lotus segurando seu santinho, o rosto contorcido de medo e
amor, iluminado pelas luzes das velas, olhos fixos em mim sem se desviar. Tudo que escuto é ela
recitando urgentemente o Salmo que cai de seus lábios com a persistência determinada de gotas de
chuva pingando em um telhado de zinco.
É a última coisa que ouço antes do gemido, do estrondo e do amassar do metal colidindo
levarem tudo embora.
— Pronta para pegar a linha J? — Yari pergunta.
— Em um minuto. — Tiro o olhar do vestido que estou apertando para o JP. — Não é
lindo?
— Garota, sim. — Yari caminha mais para dentro do provador, onde as modelos
normalmente trocam de roupa. Embora eu esteja trabalhando em um manequim. — Para que é?
— Certa atriz de Hollywood quer usar isso quando receber o Oscar — murmuro, com
alfinetes na boca. — Temos bastante tempo, já que ela ainda não foi nomeada. — Compartilhamos
uma risada rápida. Levanto e estico-me, por causa do longo tempo de joelhos. — Vou pegar minhas
coisas.
Meu telefone toca no bolso enquanto estou andando para o meu cubículo. É o toque da Iris.
— Ei, Bo. Beleza? — pergunto, sinalizando para Yari que podemos continuar caminhando.
— Ligando para reclamar sobre quão faminto meu sobrinho é? Te avisei que a fórmula…
— Lo… — Ela suspira. — Não, eu, hm… Não é por isso que estou ligando.
O tom sério pesa em sua voz e me impede de entrar no elevador. Yari para também,
olhando-me com curiosidade.
— Ah — digo. — Você soa engraçada, Bo. O que está rolando? Tudo certo com as
crianças?
— As crianças estão bem. — Sua voz falha. — É, hm, é o Kenan, querida.
Todas as funções do meu corpo param. Ou, pelo menos, é o que sinto. O prédio inteiro, a
cidade inteira, o mundo inteiro parece parar por um segundo. Quero ficar nessa pequena janela de
tempo antes de eu saber quão ruim isso é, antes de ela me dizer algo que irá destruir meu coração e
arruinar minha vida.
— O que… — Limpo a garganta, mas o medo não se move. Um pavor intransponível me
pega e embrulha meu estômago. — O que tem ele? Ele está bem, certo? Iris, ele está bem?
O silêncio que se segue ressoa em meu ouvido. Afasto o telefone e pressiono contra o
peito, fechando os olhos e forçando-me a ouvir novamente.
— Lotus? — Iris chama. — Você está aí?
— Sim. Só me diz.
— Ele esteve em um acidente de carro.
— Mas ele está bem. Está vivo. Eu saberia se não estivesse.
O ceticismo da Iris me alcança do outro lado da linha — o mesmo ceticismo que recebo de
Kenan. Ela acha que eu invento isso — que peguei emprestado um pouco das coisas sem sentido da
MiMi idosa. Ela não entende. Nunca entendeu.
Minha alma saberia. Eu teria arrepios. A droga do céu se abriria e choveria fogo. De
alguma maneira, seja como for, eu saberia se Kenan Ross tivesse deixado esta terra.
— Ele está vivo sim. Está em cirurgia agora — Iris diz. — Mas é sério. Você precisa vir.
August está fretando um voo para te trazer aqui o mais rápido possível.
— Ok. — Meu corpo está uma confusão. Meu coração se estilhaçou em um milhão de
pedaços, mas minha mente está incrivelmente focada, como se eu estivesse vendo tudo de uma torre
de observação. Não está acontecendo comigo. Não pode estar acontecendo com ele.
Yari liga para a Billie, que nos encontra no aeroporto. Passo pelo meu apartamento e pego
minhas coisas. Alguns itens de vestuário, minha lancheira, sal, velas e o Santo Expedito. Estou
completamente preparada para me fazer de idiota. Estou pronta para o ceticismo e as acusações de
loucura, mas recuso-me a me importar.
Minhas amigas nunca viram esse meu lado. Elas me observam cuidadosamente enquanto
vou para o meu assento, segurando a pequena imagem em mãos e recitando o Salmo 35 até minha
boca ficar seca e áspera. Prossigo com a ladainha em minha cabeça, mal piscando ou respirando.
Organizo freneticamente tudo que MiMi me disse sobre vida, morte e cura. A vida após a morte. As
paredes translúcidas que separam o tempo da eternidade — como elas caem sem percebermos e
aqueles que amamos podem deslizar tão facilmente desta vida para a próxima.
— Ajude-me, MiMi — sussurro, a cabeça pressionada na janela fria enquanto
sobrevoamos as nuvens. Não há sinal de rosa. Nenhuma nuvem de algodão-doce no céu. — Você
disse que tenho seu coração. Verdadeiramente acredito que isso é tudo de que preciso. Não me deixe
perder as coisas que nossos olhos não podem ver. Preciso de você.
Lágrimas salgadas correm quentes e rápidas para minha boca e rezo ao redor delas. Abro
minha pequena lancheira/kit de costura e pego os bilhetes que Kenan me enviou. Há um que eu
necessito. Um a que eu me agarro.

“Coloque-me como um selo em seu coração, como um selo em seu braço; pois o amor é tão forte
quanto a morte, seu ciúme é tão obstinado quanto o túmulo.
Queima como fogo ardente, como uma chama poderosa.”
Cântico dos Cânticos 8, 6.

— O amor é tão forte quanto a morte — murmuro, os olhos arregalados, sem ver o oceano
abaixo. — O amor é tão forte quanto a morte. O amor é tão forte quanto a morte.
Esqueço-me das minhas amigas e só percebo que ainda estão aqui quando pousamos.
Preocupação une suas sobrancelhas e fecha suas expressões. Elas acham que estou enlouquecendo.
— Vamos lá — digo, sem mais explicações. — Temos que ir.
A corrida para o hospital é um borrão. Não olho pela janela, puxo conversa ou finjo que
não estou preocupada. Não tenho tempo para acalmar as preocupações das pessoas, suas dúvidas. No
Uber, pressiono a testa no encosto de cabeça do assento do passageiro e fecho os olhos, bloqueando
os sons da cidade e erguendo uma parede impenetrável ao redor da minha fé, minhas crenças, minhas
noções ferozes de vida, morte e o que for possível. Estou preparada para qualquer coisa. Mergulho
tão profundamente em mim mesma, buscando pelo coração que MiMi deixou para mim, que é como
se ela estivesse no carro comigo, não minhas amigas. Seu coração é minha herança. Meu direito de
nascença. Tomo posse certeira e silenciosa disso.
— Hm, chegamos — Billie avisa.
Abro os olhos e aceno. Uma chuva leve cai enquanto o carro para na entrada da
emergência do hospital. Nós três descemos, levando nossas malas conosco. Ao chegarmos à sala de
espera, August e uma mulher mais velha que não reconheço são as primeiras pessoas que vejo. Mack
Decker, presidente de operações que conheci em alguns eventos com August, está sentado em um
canto com o telefone pressionado no ouvido. Iris fica de pé da cadeira quadrada na sala de espera.
Com a visão da minha prima, o frágil controle que eu tinha sobre minha compostura desliza e um
soluço sai livremente da prisão em meu peito.
— Bo — falo, choramingando, quebrada.
Iris cruza a sala imediatamente e seus braços se fecham ao meu redor, o conforto que
esperamos e passamos uma para a outra desde que éramos crianças fluindo entre nós como um
bálsamo. Minhas lágrimas encharcam seu cabelo e permito-me amolecer. Compartilho o pesado
fardo em meu coração, extraindo forças dela que nem ela sabia que tinha.
Depois de alguns segundos, o padrão que MiMi trançou em meu cabelo há tanto tempo
formiga, os olhos na parte de trás decifrando o peso do escrutínio de alguém.
Viro-me do abraço da Iris para encarar a Bridget. Suas bochechas estão molhadas e
manchadas, mas ressentimento ainda queima da chama azul-gelo em seu olhar. Ela não me quer aqui,
mas terá que me arrastar deste hospital para se livrar de mim; e, se ela quiser me ouvir, aconselho a
nem tentar.
Um movimento por trás dela me distrai da nossa encarada. Na última vez que vi Simone,
ela não estava respondendo e um paramédico estava enfiando um tubo em sua garganta, entubando-a
para salvar sua vida. Seu rosto está marcado com preocupação e ela não parece muito melhor agora.
Ela desliza uma mão fina entre a da mãe, no que suponho ser um ato de solidariedade contra mim, a
inimiga jurada. Não consigo ter raiva dela — não posso culpá-la ou odiá-la. Ela é a coisa mais
preciosa no mundo do Kenan. Queria abraçá-la. O sangue dele corre em suas veias. Ela tem sua
boca, maçãs do rosto, DNA. Ela é a coisa mais próxima do homem que eu amo nesta sala e, se me
permitisse, eu daria a ela um abraço de quebrar os ossos e a encheria de beijos.
— Oi, Simone — cumprimento em vez disso. Estou pronta para a rejeição, mas aceitarei a
indiferença.
Antes que ela possa dizer qualquer coisa, um homem de jaleco branco segurando uma
prancheta se aproxima da área de espera. Ele olha para o pequeno grupo e fala, soando cansado:
— Parente próximo de Kenan Ross? — chama, as sobrancelhas inquisidoras levantadas.
— Aqui — a mulher mais velha que não conheço diz, ficando de pé e dando um passo à
frente. — Sou a mãe dele.
Outra pessoa que compartilha seu sangue — uma mulher que Kenan queria que eu
conhecesse. Nunca imaginei que seria sob essas circunstâncias. Nem nos meus sonhos mais loucos ou
nos pesadelos mais tortuosos.
— E eu sou a esposa dele… ex-esposa — Bridget emenda, tirando o cabelo do rosto,
fazendo a aliança que insiste em usar brilhar sob a forte luz florescente. — Essa é a filha dele. O que
pode nos dizer?
Aproximo-me para ouvir o que ele diz, porque elas podem se foder se acham que vão me
excluir.
— Ele passou bem pela cirurgia — o Doutor Madison, de acordo com o nome no jaleco,
informa. — Aquele ali é forte. Ele desviou para evitar os canos e milagrosamente sofreu poucos
ferimentos quando o carro bateu no guarda-corpo. Embora a lesão em seu torso tenha causado
sangramento interno extenso. Conseguimos controlar, mas é complicado e tem que ser monitorado de
perto. Se não parar, pode causar danos ao cérebro, parada cardíaca e uma série de disfunções nos
órgãos.
— Mas está sob controle? — pergunto, ignorando os três pares de olhos das mulheres Ross
que se viram para mim com a pergunta. — Ele vai ficar bem?
Posso vê-lo fazer os cálculos. Se a mulher mais velha é a mãe do Kenan, Bridget e Simone
são sua “esposa” e filha, então, quem eu sou?
Bridget me lança um olhar duro.
— Realmente não acho…
— Lotus é a namorada do papai — Simone diz, observando-me sem piscar. — Ela precisa
saber também.
A boca da Bridget se abre, mas a mãe do Kenan passa a mão pelo cabelo da Simone em
uma carícia e olha para mim.
— Ele falou muito de você — conta a Senhora Ross.
Ela quer mais netos.
Mordo o lábio, segurando o medo de nunca ser capaz de dá-los a ela. Aceno com a cabeça,
incapaz de formar palavras, e olho de volta para o médico, silenciosamente insistindo para ele
continuar.
— Então, sim — ele se dirige a mim e à minha pergunta. — Mas ainda não está fora de
perigo.
— Quando nós poderemos vê-lo? — pergunto.
Quando eu poderei vê-lo?
Preciso colocar meus olhos nele, ver aquele peitoral enorme subindo e descendo em
intervalos regulares e tranquilizadores.
— Ele acabou de sair da cirurgia — explica o médico. — Vai demorar um pouco. —
Lança um olhar preocupado para Simone, que parece estar sumindo, os olhos pesados. — Vocês
estão aqui há horas. Este é o momento perfeito para ir para casa, tomar um banho e dormir um pouco.
Quando vocês voltarem, poderão vê-lo.
Simone nega com a cabeça, o queixo em um ângulo de teimosia.
— Não, eu quero…
— O Doutor Madison está certo — a Senhora Ross interrompe com gentileza e firmeza. —
Vamos para casa tomar banho e descansar por uma hora, depois voltaremos.
— Mas vovó…
— Escute sua avó. — Bridget passa o braço por cima do ombro da filha. — Será por
pouco tempo.
Os ombros da Simone caem e ela demonstra seu desapontamento em cada linha do corpo.
— Conversaremos quando eu voltar — a Senhora Ross diz, com um sorriso cansado. —
Temos muito para aprender uma sobre a outra.
— Eu gostaria disso — respondo. Meus olhos vão até a Simone, desconcertada de
encontrá-la me encarando.
— Você o ama — diz; uma afirmação, não uma pergunta. Há uma seriedade nela que me
lembra muito do pai, meu coração se estende para o dela, como mãos em direção ao fogo,
procurando o calor.
Talvez não seja sensato, talvez desfaça tudo que trabalhamos para acertar com ela nas
últimas semanas, mas Kenan disse que ela estava melhor e que estávamos próximos, então vou
aceitar as palavras dele.
— Eu o amo muito — afirmo, lutando para manter minha voz equilibrada.
— Ele te ama também — Simone sussurra. Lágrimas se acumulam em seus olhos azuis, um
oceano de medo.
— Ele vai ficar bem — afirmo a ela, segurando seu olhar e torcendo para que sinta minha
fé. — Ele vai.
Encara-me de volta por alguns segundos antes de repousar a cabeça no ombro da avó.
— Vamos lá, Moni — pede a Senhora Ross. — Quanto antes formos, antes voltaremos.
Simone acena e segue a avó em direção à saída.
Bridget não as segue, mas para em frente a mim. Encaramos uma a outra, nenhuma das duas
fraquejando ou voltando atrás.
— Quando ele sair dessa — começa, a voz dura —, seja melhor para ele do que eu fui.
Choque me mantém completamente imóvel por um momento, depois eu suspiro. Não falo
nada, porque qualquer coisa que eu disser para a mulher que perdeu o melhor homem que eu conheço
seria errada, inadequada. Não há prêmio de consolação na Terra que poderia me satisfazer se eu
perdesse o Kenan. Não sei se ela ainda o ama ou se apenas se arrepende de alguém assumir o lugar
na vida dele que ela perdeu. De todo jeito, isso é obviamente difícil, então eu assinto,
silenciosamente garantindo a ela que ele terá o meu melhor. Sem outro olhar, ela segue o caminho que
a Simone e a Senhora Ross pegaram.
— Nós voltaremos — avisa por cima do ombro, virando no corredor e desaparecendo.
— Vá para casa, August — pede Iris. — Com Michael e Sarai. Libere a babá. Eu aviso
quando ele acordar.
Esqueci que August estava aqui — esqueci Yari e Billie, enroladas nas cadeiras duras,
lutando para não dormir. August me dá um aperto tranquilizador rápido, depois vai embora.
— Oi, Lotus — cumprimenta Decker. — Não tenho certeza se lembra de mim.
— Sim, eu lembro — afirmo, conseguindo sorrir e aceitando a mão que ele oferece. — E
Kenan falou bastante sobre você, Deck.
— Digo o mesmo. — Decker aperta minha mão. — Preciso reportar à equipe, mas queria
pelo menos dizer oi. — Ele se inclina perto o suficiente para sussurrar: — Ele é uma ótima pessoa.
Fará você feliz.
Lágrimas surgem em meus olhos e meu sorriso se abre.
— Eu o farei feliz também.
Decker sorri para mim.
— Ele merece.
E depois ele se vai. A sala fica rapidamente vazia, todos aceitando o conselho do Doutor
Madison, mas não consigo sair. Não vou.
— Você está bem? — questiona Iris, estudando-me de perto.
— Sim. — A exaustão que ignorei desde que pousamos em San Diego cai sobre mim como
uma pilha de pedras, mas não quero dormir. — Acho que vou tomar um pouco de ar para espairecer a
mente.
— Eu poderia pegar um ar também — Billie diz, ficando de pé.
— Vou junto — Yari avisa.
— Vou ligar para a babá. — Iris pega o telefone do bolso do jeans. — Sei que August está
indo para casa, mas preciso falar com ela.
— Voltamos já — anuncio.
Uma vez do lado de fora, o “ar” que Billie precisava é uma pausa para fumar. Yari e eu
paramos a uma respirável distância de suas baforadas nocivas. É mais tarde do que percebi. Ou
melhor, mais cedo. Está amanhecendo. Chegamos no meio da noite e o sol já começou a subir,
iluminando outro dia. Um torno marcado por ansiedade e medo ainda me segura pela garganta, mas, a
cada minuto que passa, eu respiro com mais facilidade. Ele ainda não está fora de perigo, mas ficará.
Evitando complicações, irá se recuperar. Agarro-me a isso e tento limpar a mente dos cenários que
me torturavam enquanto tentava chegar a ele.
— Que bom que a chuva parou — Yari comenta, inclinando-se contra a parede de tijolos a
poucos passos da ponta acesa de cigarro da Billie.
— Eu sei. — Billie dá um longo trago. — Era para nunca chover no sul da Califórnia.
Estou prestes a concordar quando escuto. O fraco sussurro que aprendi a confiar.
Olhe para cima.
E vejo o que só tinha visto uma vez antes. A coisa que a maioria nunca presencia na vida,
eu vi duas vezes. As cores começam a queimar, um presságio cruzando as nuvens. Um arco-íris de
fogo.
— Não. — A palavra se ejeta do meu corpo. Uma negação. Uma réplica à profecia do céu.
— Não.
— O quê? — Billie questiona. — Não o quê?
Nem respondo. Não posso. Corro de volta para a entrada do hospital e pelo corredor,
minhas pernas e braços bombeando, meu coração explodindo. Viro em uma curva para a sala de
espera. Iris está sentada lá sozinha, ainda conversando com a babá, presumo.
— Iris — digo, em uma respiração rápida e aterrorizada. — Algo está errado. Tenho que ir
até ele agora.
Seus olhos se arregalam, ela diz um adeus apressado e encerra a ligação.
— Mas o médico disse…
— Não ligo para o que a droga do médico disse — grito, começando a ir pelo corredor
que vi o Doutor Madison pegar, arrastando Iris comigo.
— Espera! — Iris resiste, afunda o salto no chão e para. — Você ouviu o Doutor Madison.
Não podemos vê-lo ainda. Apesar de não ter complicações…
— Preciso que venha comigo, Iris. Por favor, cale a porra da boca e me ajude a encontrá-
lo.
Yari se apressa, o peito arfando.
— Lo, o que há de errado?
— Se você puder se acalmar — Iris pede suavemente — e me dizer o que…
— Não vou me acalmar — grito, ignorando os olhos arregalados delas e as bocas abertas.
— Há algo de errado. Eu sei disso!
Billie vira no corredor, freneticamente estudando nossos rostos.
— O que eu perdi? O que está errado?
— Lotus quer ver o Kenan agora — explica Iris. — Mas, querida, não podemos vê-lo
ainda. Nós…
— Venha comigo — imploro, minha voz quebrando em um suspiro. — Preciso de você,
Bo.
Seus olhos travam nos meus e algo, não ligo para o quê — meu desespero, nosso vínculo
de vida, o desejo de me acalmar —, a persuade e ela acena.
— Não entendo. — O suspiro da Iris é resignado. — Mas vou com você.
— Obrigada — sussurro, puxando-a pelo corredor comigo. — Muito obrigada.
Passo correndo pela mesa da recepção, ignorando a mulher gritando para eu parar. Checo
cada sala, espiando pelas janelas e empurrando portas.
— Lotus, você não pode fazer isso — Iris sussurra um aviso por trás de mim. — Consegui
que a recepcionista esperasse para ligar para a segurança, mas você vai fazer nós duas sermos
chutadas daqui.
Ignoro-a e continuo caminhando, até que arrepios se espalham pelos meus braços. Meus
passos vacilam e minha respiração fica rasa enquanto um frio percorre minha pele.
— É esse aqui — falo baixinho.
Abro a porta, assustando a equipe médica com um desfibrilador posicionado no peito do
Kenan. Meu homem magnífico, uma estrutura massiva mal contida pela cama do hospital. O espectro
daquela noite, daquela premonição na casa da MiMi, não se compara à realidade de ver meu amado
parado e sem vida. Por um momento, não tenho palavras e posso apenas fazer o som de um animal
capturado. Estou presa e indefesa.
Mas apenas por um momento.
— Faça isso — peço, apontando para o desfibrilador.
— Senhorita, não pode ficar aqui — diz o Doutor Madison gentilmente, nem se importando
em questionar por que eu invadi o caos da sala. — Já fizemos isso diversas vezes.
Ela dizia que você era a mais forte de nós. Disse que todo o poder que nós não quisemos
passou para você.
As palavras da tia Pris voltam para mim, estimulando-me, aumentando minha confiança.
— Não fizeram comigo aqui — declaro bruscamente. — Faça de novo. Só faça, por favor.
Faça de novo. Faça de novo.
As palavras se tornaram um cântico, um encantamento saindo dos lábios de uma mulher
louca.
— Quebraremos as costelas dele se continuarmos as compressões — uma enfermeira avisa
ao Doutor Madison.
— Se ele estiver morto — solto —, vai importar se as costelas estiverem quebradas? Faça
alguma coisa. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor.
— Ok. — O médico tira o olhar do equipamento para a técnica. — Prepare-se para fazer
novamente.
Agarro a mão da Iris e olho em seus olhos.
— Preciso que você acredite.
— Acreditar no quê?
— Que ele vai conseguir — digo, mal conseguindo vê-la pelas lágrimas borrando minha
visão. — Quando você estava no hospital e Michael não nascia, nós demos as mãos. A médica disse
que seu corpo teve uma onda de poder.
— Sim — concorda. — Mas foi…
— Fomos nós. — Aperto a mão dela. — Preciso de uma onda de poder, Iris. O poder de
uma linhagem contínua.
— O poder de quê? — Iris murmura, consternação em seu belo rosto.
— Afastem! — a técnica grita, usando o desfibrilador e fazendo o torso do Kenan saltar.
Nada acontece.
Agarro os dedos da Iris com uma das mãos e o Santo Expedito na outra.
“Coloque-me como um selo em seu coração, como um selo em seu braço; pois o amor é
tão forte quanto a morte”.
— Afastem!
E você sempre estará comigo, não é?
Sim. Sempre.
Sempre estarei com você também, Kenan.
— Afastem!
— Lotus, não está funcionando — fala Iris, contorcendo os dedos em meu forte aperto.
— Não, deixe para lá. — Viro-me para ela, desespero fazendo minha voz ficar mais afiada
e aguda. — Por favor, não solte. Olhe para mim.
Ela o faz, e o medo e o desânimo em seus olhos eu combato com a fé, com a confiança a
qual posso não ter direito, mas tomo como minha. Por ele. Eu preciso.
— Sinta minhas palavras em sua boca — peço a ela, esperando, rezando, implorando que o
canal em nosso sangue o salve. — Sinta meu poder em suas veias. É o poder da linhagem contínua.
Duas mulheres da mesma linhagem juntas. Há poder nisso.
— Estou tentando, Lo — garante. — Acreditar.
— Tente mais forte! — demando, minha voz se erguendo acima do bipe das máquinas e do
pânico contido da equipe médica.
— Sem mudança — Doutor Madison murmura com gravidade.
Meu sangue, meu corpo, meus pensamentos — frenéticos.
— Esta é a maior amarelinha da minha vida, Iris. Preciso que você acredite.
Essa palavra, amarelinha, é sagrada para nós, nossa aliança. O medo some dos olhos da
Iris. E se não for a fé que assume, é pelo menos uma determinação. Posso trabalhar com isso.
— Você sabe quem eu sou — sussurro, com as lágrimas descendo dos meus olhos, riachos
de desespero. Meu rosto se contrai e meus ombros tremem. Minha cabeça pende, mas minha fé se
mantém forte. — A alma desse homem está em jogo. Estou aqui para tornar meu julgamento
conhecido. Estou aqui para colocar uma pedra no lado da…
— Afastem!
— Vida!
— Afastem!
— O amor é tão forte quanto a morte — sussurro. — O amor é tão forte quanto a morte. O
amor é tão forte quanto a morte.
— Afastem!
— O amor é tão forte quanto a morte.
— Botão.
Essa palavra resmungada é tudo que posso soltar da minha garganta, tão seca e queimando
como o Saara.
— Senhor Ross, está acordado. — Uma enfermeira de cabelo grisalho sorri e põe um copo
em meus lábios. — Beba um pouco. Lentamente.
Estou conectado a pelo menos duas máquinas, pelo que posso dizer. Tudo está nebuloso,
como se uma camada de gelatina tivesse sido colocada por cima do quarto. Minhas palavras, meus
movimentos — tudo está mais lento e cada respiração me custa. Sinto-me deslizando de novo, mas
luto para me manter consciente.
— Botão — falo de novo, mas não sei por quê. Não consigo entender nada. Não consigo
colocar nada disso no lugar. — Quanto tempo? — pergunto para a enfermeira. — Dormindo?
— Três dias. — Ela verifica o tubo em que corre um líquido para o meu braço. —
Tivemos que sedá-lo.
— Três dias? — pergunto, incrédulo. — Isso não é possível.
— Às vezes, você descansa melhor e se cura mais rápido quando está dormindo.
Tento sentar, mas uma dor afiada cruza o meu peito.
— Merda — murmuro fracamente, tocando meu peito.
— Você tem umas poucas costelas quebradas — a enfermeira avisa.
— Foi uma jogada suja? — questiono, minha voz rouca. — Alguém me bateu na quadra?
— Não, Senhor Ross. — Suas sobrancelhas franzem com concentração enquanto ela
verifica as máquinas e os tubos conectados a mim. — Você não estava jogando basquete. Esteve em
um acidente de carro. Seu corpo passou por muita coisa. Vai levar algum tempo para todas as suas
memórias voltarem para o lugar, mas acontecerá.
— Ok — murmuro, afundando mais na cama.
— O médico vai querer examiná-lo. Eu já volto — diz, saindo do quarto.
— Você quebrou a regra. — A voz rouca vindo do canto sombreado penetra minha névoa,
assustando-me. — Você só deveria me chamar de Botão quando estivermos sozinhos.
— Lotus? — Tento sentar, mas aquela pontada de dor no meu peito me deita de volta,
imobilizando-me nos travesseiros.
— Ei, calma. — Ela vem para o meu lado e pressiona meus ombros de volta para a cama.
— Você passou por… — Sua voz se quebra e olho para cima, para encontrar seus olhos brilhando
com lágrimas. — Você passou por muita coisa — finaliza, os lábios tremendo em um sorriso.
— Pelo que eu passei? Não sei nem como cheguei aqui. Eu estava dirigindo, né? Lembro-
me disso agora.
— Você não… — Ela fecha os olhos e respira profundamente antes de olhar de volta para
mim. — Você estava dirigindo de Laguna Beach.
— Laguna Beach? Por que diabos eu… — Memórias invadem minha confusão. Uma
cascata mortal de canos de cimento do caminhão na minha frente. Uma batida. Vidro quebrando. O
ruído do metal amassando. — Simone.
Forço-me em uma posição sentada e um dos tubos em meu braço repuxa com o movimento.
Merda! Isso dói.
— Pare. — Lotus me empurra de volta para a cama. — Simone está bem.
— Mas eu a estava levando para… algo. Não consigo lembrar.
— Um acampamento de dança — responde, mordendo o lábio inferior.
Minha cabeça dói. Faço careta, tentando com força me lembrar de qualquer um dos eventos
que me levaram ao acidente, mas está tudo uma mistura de imagens e flashes que não consigo
organizar em uma linha do tempo.
— É um milagre os seus ferimentos não serem piores — explica. — Você sofreu um
sangramento interno significativo.
— Sofreu mesmo — um médico diz da porta, seguido de perto pela enfermeira. — Você
tem muita sorte de estar vivo, Senhor Ross.
O doutor me examina e avisa que ficarei aqui por pelo menos outra semana, se não mais.
— Doutor, quando poderei voltar para as quadras?
Os três pares de olhos me encaram.
— Hm… — O médico limpa a garganta. — Seu time me contatou perguntando a mesma
coisa. Tenho conversado com o médico dos Waves e, na verdade, vou dar uma coletiva de imprensa
hoje para reportar o seu caso.
Esse é o padrão quando alguém como eu está hospitalizado — alguém que tem um monte de
apólices de seguro garantindo ao meu time que eles não perderão dinheiro em seu investimento: meu
corpo.
— Não temos certeza de quando você estará pronto para jogar — o médico fala
vagamente. — Como eu disse…
— Sim, o sangramento interno. Eu ouvi você, mas não estou sangrando agora, né? —
pergunto. — Então, quando? Este é o nosso ano de chegar aos playoffs e isso não vai acontecer se eu
estiver fora por muito tempo.
— Isso é tudo, doutor? — Lotus pergunta, seu tom afiado como um bisturi. — Quer dizer,
tem mais alguma coisa que precise dele?
— Não desta vez.
— Pode nos dar um minuto então? — Ela coloca um sorriso rígido naquela boca bonita.
— É claro. — Ele acena para a enfermeira e os dois deixam o quarto.
— Escute aqui, Kenan Ross — Lotus começa, os olhos apertados e os lábios em uma linha
fina. — Você quase morreu. Está me ouvindo? Morreu.
— Entendi — respondo, estremecendo com a dor no resto do meu corpo do impacto
absorvido. — Mas não morri, então preciso voltar à minha vida. Ao meu trabalho, baby. Não posso
desapontar meu time.
— O que você precisa fazer é descansar e se curar, e você não vai retornar à quadra nem
sequer um minuto antes de o médico se sentir absolutamente confiante de que você está pronto. Quem
você não vai desapontar é a sua filha, que quase o perdeu. — Sua voz se quebra e ela cobre os olhos
com a mão trêmula. — E sua namorada, que quase o perdeu e não pode — fala, lágrimas saturando
suas palavras —, sob nenhuma circunstância, passar por aquilo novamente.
Fraco como estou, consigo puxá-la para perto. Apesar dos fios e tubos, ela enterra a
cabeça no meu pescoço e encharca meu pijama de hospital com suas lágrimas.
— Você está certa — afirmo em seus cabelos, afastando-os do seu rosto. — Vou dar o meu
tempo, ok? Serei cuidadoso.
— Não posso te perder. — A cabeça dela sacode. Suas palavras sacodem. — Tentei te
dizer.
Olho além dela, para o chão, onde algo atrai e prende minha atenção.
— É por isso que há um círculo de sal ao redor da minha cama de hospital? — questiono,
metade sorrindo, metade surtando.
— Eles não me deixaram usar as velas. — Ela funga, com uma risada fraca. — Código de
incêndio.
— Meu Deus, eles vão internar você, baby.
— Não. Eles, na verdade, acham que eu consigo trazer as pessoas de volta à vida.
— Por que eles pensariam isso?
Ela dá de ombros, o olhar de cordeirinho.
— Baby, não faço ideia.
“Olhe para ela agora.
Ela se levanta de seu deserto de dificuldades, apegando-se ao seu amado.”
Cântico dos Cânticos 8, 5
Jantar. Hoje à noite.

Pressiono o cartão com as palavras quase ilegíveis de Kenan em meus lábios. É apenas
papel e tinta, mas provo a doçura do homem por trás disso. Sua sinceridade e amor me envolvem.
Mesmo quando estamos a milhares de quilômetros de distância, sinto a proteção de seus braços.
Embora seja bom não estar a 6,5km dele hoje. Além de negociarmos um relacionamento à
distância, temos tentado acostumar Simone ao fato de nós dois sermos um casal e manter as carreiras
exigentes dos dois. Os últimos sete meses têm sido agitados, felizes e, às vezes, bem difíceis. E ainda
há muita transição pela frente. É bom estar aqui em San Diego, mesmo que não possa ficar por muito
tempo.
O que me lembra que…

Chicas! Prontas para LA na semana que vem?


Yari: Simmm, garota! Mandei para vocês duas a lista de locais que
estamos olhando.

Billie: Beleza! E agendei um almoço com três investidores enquanto


estivermos lá.

Yari: Lo, você PRECISA perguntar ao investidor em sua cama se ele quer
entrar em suas calças… Aquelas que você desenha, é claro. Okurrrr!

O que foi que eu disse sobre dar uma de Cardi B? Hahaha! E NÃO! Não
vou pedir ao Kenan para investir na gLo. Esqueça isso. Podemos ter
certeza de que nossa merda está resolvida para que eu não tenha que pedir
ao meu namorado para nos salvar? Vlw.

Billie: Certo. Vamos impressionar esses investidores. Lo, as amostras


chegaram a San Diego?

Sim. Estão na casa do Kenan. Vou levá-las para LA na semana que vem.
Vocês vão procurar um apartamento enquanto estiverem lá?

Billie: Afirmativo!

Yari: Sim, mami!

O rosto da Simone aparece na tela com uma chamada de vídeo.

Tenho que ir. Falo com vocês depois.

Yari: Fui!

Billie: Tchaaau.

Aceito a ligação e sorrio para Simone na tela.


— Ei, mocinha. — Pulo em um dos balcões da cozinha e seguro o telefone no meu rosto.
— Como vai o acampamento?
— Difícil. — Simone rola os olhos, mas sorri. — Eu pensei que sabia dançar. Eu nem
tinha ideia. É outro nível. Não tenho tempo para mais nada.
— Pelo menos Laguna Beach é linda. Espero que você pegue algum sol e surfe.
Uma sombra cruza o rosto da Simone.
— Continuo pensando na última vez que o papai me trouxe. No acidente.
Mesmo com o pesadelo no nosso passado, meu coração ainda acelera e minhas mãos se
apertam onde descansam no balcão.
— Eu entendo. — Sacudo a memória e rio para dispersar o peso. — Embora ele tenha
voltado para as quadras assim que o médico o liberou. Lembra? Tivemos que praticamente amarrá-lo
na cama.
— Papai não ia perder a primeira temporada de playoffs dos Waves.
— Ei, temos que ir para mais jogos de playoffs. Talvez, na próxima, eles vençam tudo.
Os olhos de Simone brilham e um sorriso surge em seu rosto.
— Ou… e se o papai se aposentar?
Kenan perdeu muita coisa com ela durante a carreira e ela obviamente ama a perspectiva
de tê-lo por aqui mais vezes. Eu também. Ele está seriamente considerando que a próxima temporada
seja sua última.
— Talvez — respondo, sem me comprometer. Tenho certeza de que essa é uma decisão
mais difícil para ele do que eu posso realmente entender. Provavelmente ainda mais do que ele pode
suportar até experimentar o enorme vazio onde a bola costumava estar.
— Minha mãe está em LA — Simone avisa, recapturando meu foco.
— Ah, sério? — Mantenho o tom deliberadamente leve. — Legal.
Bridget me aceitou na vida do Kenan e, por consequência, na da Simone, mas ela e eu
ainda não somos melhores amigas. Não desgostamos uma da outra efetivamente. Está mais para uma
indiferença cautelosa.
— Sim — Simone diz. — Ela está fazendo aulas de atuação. Disse que a NeNe saiu do The
Housewives e chegou à Broadway. Ela quer estar pronta.
— Bom para ela — devolvo de forma neutra.
— Você também vai para LA semana que vem, né?
— Isso. Encontrar alguns investidores. E procurar espaços para a loja.
— Mal posso esperar para ver sua primeira linha.
— Aff. — Rio e nego com a cabeça. — Não consigo acreditar que estou realmente fazendo
isso. Saindo de Nova Iorque. Mudando para cá. Começando a linha gLo. Tendo meu primeiro show
em março, na LA Fashion Week. Sinto que está acontecendo muito rápido, mas também que está
demorando uma eternidade.
— Meu pai vai ficar bem mais feliz quando você estiver vivendo aqui. Isso é certo.
Não sei como responder. Meu estúdio será em LA, porque faz mais sentido do que San
Diego. Há uma cena fashion mais rica lá — melhores oportunidades, mais celebridades —, mas
viverei em San Diego para ficar perto do Kenan e fazer as duas horas de carro para lá algumas vezes
na semana. Temos sido cuidadosos a cada passo do caminho na maneira como orientamos Simone em
nosso relacionamento. Até fui a algumas sessões de terapia familiar. Queremos fazer da forma
correta. Por ela, temos que fazer.
— Ficarei mais feliz também — respondo —, mas meu chefe não. JP está surtando e
gritando.
O chiado da comida frita chama minha atenção. Desço do balcão, segurando o telefone
para que Simone veja meu rosto, mas apoio o aparelho contra a parte de trás da pia enquanto mexo a
cebola, o alho e a farinha, que são a base do meu étouffée.
— Quando você deixará Nova Iorque? — Os olhos azuis dela se arregalam de
empolgação. Me faz sorrir saber que ela está feliz por eu vir para a Costa Oeste.
— Leva alguns meses. Ficarei em Nova Iorque durante a Fashion Week em setembro para
ajudar o JP. Depois me mudo para cá.
Adiciono mais farinha e verifico a panela de arroz.
— O que você está cozinhando? — Simone pergunta.
— Peixe assado, étouffée e quiabo frito.
— Meu pai vai comer comida frita? — Simone questiona, surpresa gravada em seu rosto
suave.
— Tenho certeza de que ele voltará à comida saudável amanhã. — Rio e abro o forno para
verificar o peixe. — É só esta noite.
— Ah, por causa do aniversário! — Simone parece aprovar.
Então ela sabe. Mesmo que nosso relacionamento esteja muito melhor, eu ando pisando em
ovos às vezes, com medo de quebrar algo, então não falei para a Simone que Kenan e eu estamos
celebrando nosso um ano de namoro. Tecnicamente, é um ano do nosso primeiro “não encontro”. O
começo do nosso relacionamento foi um ponto tão sensível com a Simone que não ia nem mencionar.
— Papai me contou — Simone diz naturalmente.
— Dá para acreditar que ele quis celebrar algo tão bobo? — pergunto, mantendo a voz
casual.
— Não é bobo. — O sorriso dela é astuto, conhecedor e curioso, tudo de uma vez. —
Comprou um presente para ele?
— Sim, mas não vou te contar o que é, bocuda. — Aponto um dedo para ela. — Não pense
que esqueci o aniversário dele. Tentei tanto surpreendê-lo, mas, graças a você…
A risada sem arrependimentos da Simone aumenta e ela parece jovem e despreocupada.
Não muito tempo atrás, nós a encontramos quase sem vida na cama do Kenan. Eu a vi no momento
mais baixo de sua curta vida. Olhando para ela agora, você nunca saberia que há menos de um ano
ela era aquela garota problemática.
— Falou com sua avó? — questiono.
Desligo tudo e pego o telefone, deixando a cozinha. Caminho descalça pela sala imaculada,
o saguão com teto alto e o lustre enorme. Eu sabia que Kenan era um homem bem de vida, é claro,
mas seu apartamento em Upper West Side, embora luxuoso, não me preparou para a casa imensa em
La Jolla, uma das partes mais nobres de San Diego.
— Sim — responde Simone, colocando um chiclete na boca. — Está amando o cruzeiro
com as suas “garotas”. — Ela faz aspas com os dedos e rola os olhos.
— Ela merece um tempo de folga por aguentar duas pessoas mandonas como você e seu
pai — brinco, e subo a escada caracol.
— Nós somos mandões? Quem basicamente reescreveu as regras do Taboo[20] quando o
time estava perdendo?
— Ai, meu Deus. Nós derrotamos vocês de forma justa. — Nego com a cabeça enquanto
entro no quarto do Kenan. — Bando de perdedores chorões.
— Vocês tinham a Banner — zomba. — Ela deveria contar como dois jogadores.
— É, mas vocês tinham o marido dela. Jared e ela são como tubarões. — Estremeço. —
Dá para imaginar os dois jogando no mesmo time?
— Nunca deixaremos isso acontecer — Simone avisa, com o rosto sério.
Uma mulher magra e de cabelo preto aparece no campo de visão da tela, parada na porta
do quarto.
— Simone — chama. — Está na hora.
— Sim, Madame Petrov. — Ela lança um sorriso antes de voltar para o telefone. — Tenho
que ir.
— Ok. Obrigada por ligar. — Afundo na cama king size do Kenan e sorrio. — E gostei do
cabelo, a propósito.
Simone toca as tranças que descem por cima do ombro.
— Fica tudo arrumado para dançar. — Ela me dá aquela mesma mexidinha peculiar dos
lábios. — Aproveite o aniversário.
Uma vez que desligamos, percebo a hora no meu telefone.
— Argh — murmuro. — Ainda tenho que me vestir.
Salto da cama e corro para o closet, parando para acariciar reverentemente o vestido que
usarei hoje à noite. A saia completa de organza começa com uma cintura apertada e para acima dos
joelhos quando a coloco. As mangas transparentes se derramam pelos meus ombros e tocam o topo
do meu braço. Passei dias bordando flores de lótus no corpete e na bainha, tornando-o único para
mim. E, claro, ele é rosa algodão-doce.
Esperei um bom tempo para usar o vestido que fiz para o trabalho final do FIT e sempre
imaginei exibi-lo em algum lugar como uma estreia ou evento de moda — um local público. Todo
mundo perguntaria o que eu estava usando e eu orgulhosamente diria que eu mesma fiz. Mas, hoje à
noite usarei o vestido para uma plateia de uma pessoa.
Kenan não deve voltar da reunião com os executivos da Associação dos Jogadores pela
próxima uma hora e meia. Bastante tempo para me arrumar. Poderíamos sair para comemorar, mas
não nos vimos em duas semanas. Nenhum de nós quer o escrutínio público e a especulação, ou atrair
os caçadores de autógrafos a noite toda. Há sempre alguns em Nova Iorque, mas aqui, na cidade onde
Kenan realmente joga, acontece constantemente.
E eu o quero todinho para mim.
Depois do banho, coloco o vestido e os fones de ouvido sem fio para ouvir Billie Holiday
enquanto faço a maquiagem e prendo o cabelo em um coque. O gosto musical do Kenan está passando
para mim. Amo a voz da Billie, mas queria que a dama que canta blues tivesse encontrado mais
nuvens cor-de-rosa em sua vida para mandar o azul embora. Essa música, You Go To My Head, é
perfeita para uma noite de celebração do início do meu relacionamento com o Kenan. A letra
desperta minhas memórias do Hook Shot e do nosso primeiro beijo no Hudson, para o qual a Estátua
da Liberdade, a Ponte do Brooklyn e uma sala cheia de amigos próximos foram testemunhas.
A música conta a história de uma mulher fascinada por seu amado. Ele gira por seus
pensamentos como bolhas em uma taça de champanhe. Cada uma das metáforas arrastadas da Billie
me leva mais fundo no passado — voltando para aquela primeira noite. Beijar Kenan mudou tudo.
Inclinou e sacudiu meu mundo como se fosse um globo de neve, redistribuindo as estrelas. Cantarolo
com ela, lembrando-me de como minha garganta ainda estava queimando com a tequila quando minha
boca pegou fogo de seus beijos.
Olho no espelho, pronta para aplicar um batom vermelho mate. Meus olhos colidem com os
de Kenan no reflexo e quase derrubo o tubo. Ele se inclina contra o batente da porta, as mãos
enfiadas na calça escura e bem cortada que leva às longas pernas poderosas. O movimento estica o
algodão branco imaculado de sua camisa de colarinho sem gravata por cima do peito largo.
— O que você está fazendo aqui? — questiono, um pouco sem ar com a imagem linda que
ele faz.
— Eu moro aqui — responde, um dos lados de seus lábios carnudos se inclinando em
divertimento.
Viro-me e apoio a bunda no balcão de mármore do banheiro para encará-lo.
— Chegou cedo. — Reprimo o sorriso irrefreável por vê-lo pela primeira vez depois de
catorze dias afastados.
— Estava ansioso. — Ele anda mais para perto e repousa as mãos enormes em minha
cintura, puxando-me para cima em seu enorme corpo rígido. — Senti falta da minha namorada.
Descalça, minha cabeça mal alcança seus ombros, então me estico na ponta dos pés para
sussurrar em seu ouvido:
— Ela vem?
Kenan se afasta para me encarar, suas pálpebras pesadas com luxúria e amor. Suas mãos
exploram por baixo do meu vestido e ele acaricia a pele sensível do interior da minha coxa com a
mão áspera e cheia de calos.
— Ah, ela vem com tudo — diz, rouco. — Vou me certificar disso.
— Nem começa. — Minha risada está ofegante, meu corpo, excitado.
— Depois de duas semanas — começa, inclinando-se para chupar meu pescoço —, você
tem ideia de quão rápido seria? Podemos foder, comer, o que você quiser. Nessa ordem.
Ignoro a onda de calor líquido que começa em minha barriga e vai descendo.
— Foi você quem quis celebrar esse “não-aniversário” — lembro a ele. — E vamos fazer
isso direito. Eu fiz o jantar. Precisamos comer.
Seus dedos sobem mais para provocar a borda da minha calcinha.
— Isso é o que eu quero fazer. — Passa o dedo por cima do meu calor úmido através da
seda, desejo brilhando nos olhos escuros que me consomem. — Comer.
Menina do céu. Esse homem. Meu homem.
Respiro fundo, esperando que o ar frio enchendo meus pulmões alcance outras partes do
meu corpo.
— A comida — digo significativamente. — Comer a comida que eu fiz. Primeiro.
Alcanço por baixo do vestido e posiciono a mão por cima da dele para impedir seu
progresso. Quando nossos dedos se enroscam na dobra da minha coxa, o ar fluindo em meu peito
para, envolve o meu coração e aperta. Na primeira vez que ele me tocou desse jeito, nós conduzimos
meu corpo ao orgasmo juntos. Ele me viu gozar. Foi uma tempestade sensual que quebrou cada parte
minha, chovendo em meu coração. Aumentando minha confiança. Nutrindo uma intimidade que não
tive com mais ninguém. Qualquer vestígio de brincadeira desaparece de sua expressão e o que toma
seu rosto, seus olhos, rouba meu ar.
Ele está lembrando também?
— O quê? — pergunto, embasbacada. — Por que você está me olhando desse jeito?
E você pode não parar nunca?
— Estava pensando na primeira vez que a vi gozar — revela, queimando-me com um olhar
tão quente, tão amoroso, que eu não poderia negar a lua para ele se me pedisse. — Ok. Um beijo —
sussurra, salvando-me sem aviso das minhas tendências atrevidas. — Um beijo de aniversário.
— Um beijo — concordo, como se não estivesse prestes a entregar a ele a mão, o pé e a
droga do corpo inteiro.
— Até mais tarde — afirma.
Guardo essa promessa nos locais devassos onde meu corpo dói por ele. Kenan se inclina
para capturar meus lábios e um gemido sacode minhas costelas.
Meu Deus, o gosto dele é melhor do que eu me lembrava.
Como é possível querê-lo, precisar dele, amá-lo ainda mais cada vez que nos tocamos ou
beijamos?
Ele devora minha boca enquanto as mãos percorrem meu corpo possessivamente —
apertando minha bunda, acariciando meus braços, agarrando minhas coxas pela saia de seda… Suas
mãos se acalmam até parar. Ele sorri contra minha boca.
— Esse não é o vestido, né? — Sua pergunta sopra sobre meus lábios. — O rosa algodão-
doce?
Assinto, e seu olhar pousa sobre mim, absorvendo cada centímetro da confecção de seda e
organza que dei meu tudo para criar. Trabalhei nesse vestido até meus dedos sangrarem. Meu sangue
está nos pontos, emaranhado na costura. Uma carranca se forma entre suas sobrancelhas.
— Estamos apenas jantando em casa — comenta. — Achei que você estivesse guardando
para uma ocasião especial.
Fico na ponta dos pés para cruzar os pulsos em sua nuca.
— Você é a minha ocasião especial, Senhor Ross — sussurro, desnudando minha alma no
olhar que dou a ele.
A carranca se desfaz e aquele sorriso lento, o que começa em seu coração, se arrasta até
seus olhos e encontra caminho até a boca. Ele se inclina e descansa a testa contra a minha,
provavelmente sendo capaz de ouvir o som fraco de Billie Holiday que ainda toca em meus ouvidos.
Eu tinha bloqueado a música uma vez que o vi, mas agora retorno para a letra, que me conquista
novamente. Sorrio e deslizo um dos fones no ouvido dele para que possamos ouvir juntos.
— Gostei — diz, curvando os lábios e parecendo impressionado. — Boa escolha. A
própria Lady Day.
— Essa música me lembra do nosso primeiro beijo.
Ele fecha os olhos, uma expressão concentrada em suas feições. Ele acena e aperta as mãos
em minha cintura, levando nossos corpos para o balanço sutil da música.
— Nunca dançamos antes. — Isso me atinge com uma importância boba e vital. Uma
primeira vez bem quando comemoramos uma noite de primeiras vezes.
— Quando você se mudar, poderemos dançar todas as noites. — Ele se afasta para me
encarar.
Afasto o olhar para baixo primeiro. Ele mencionou me mudar para cá antes, mas quero ter
certeza de que é a melhor coisa, o melhor momento para a Simone. Ele é o pai dela e sei que está
mais em contato com seu estado mental e emocional do que eu, mas não consigo ser a responsável
por ela sair dos trilhos de novo. Simone gosta de mim agora. Nós nos damos bem, porém, me mudar
para San Diego é uma coisa, agora, morar com eles? Seria demais para ela.
— Veremos. — Levanto os cílios para capturar seu olhar. — Estarei metade em LA de todo
jeito. Tenho procurado apartamentos próximos de La Jolla.
— Pare de procurar — insiste, franzindo o rosto. — Quero você aqui comigo.
Deslizo as mãos por seus ombros e para baixo, em direção aos seus braços, para entrelaçar
nossos dedos, esperando distraí-lo de algo que podemos não concordar ainda.
— Tenho um presente para você!
Ele lança um olhar irônico para mim. Ele sacou a minha.
— Lotus, baby, nós…
— Um presente de aniversário. — Desligo a música em nossos ouvidos.
Seu olhar fixo e algumas batidas de silêncio me dizem que iremos revisitar as opções de
moradia mais tarde.
— Não quer me dar o presente depois do jantar? — pergunta finalmente.
— Agora parece um momento tão bom quanto qualquer outro. — Eu o arrasto pela mão
para o quarto, empurrando seus ombros para que fique sentado na cama. — Feche os olhos.
Deliberadamente, ele mantém os olhos abertos, indo longe ao ponto de arregalá-los para
enfatizar.
— Kenan Admiral Ross.
— Ai, inferno. — Nega com a cabeça e fecha os olhos. — Minha mãe te deu essa.
— Ela fica bem acessível depois de alguns drinks. — Sorrio, atrevida. — Sua mãe
entregou todos os seus segredos.
Uma risada sacode os ombros largos.
— Sabia que deveria ter mantido vocês duas separadas.
— Feche os olhos — ordeno novamente, caminhando para trás em direção ao closet,
observando-o o tempo inteiro. — Sem espiar.
Pareço uma criança no Natal, só que, em vez de estar ansiosa para abrir meu presente, mal
posso esperar para entregar.
O pacote é tão grande que tenho dificuldade de arrastar do closet para a cama. Por sorte,
está protegido por um papel de embalagem bem grosso.
Uma vez que eu e o presente estamos parados em frente ao Kenan, balanço a mão na frente
do seu rosto.
— Pare de balançar a mão na minha cara — pede, com um sorriso e os olhos ainda
fechados.
— Você está espiando? — Minha pergunta termina com um esguicho indignado.
— Não, eu só tenho o senso apurado de um lince — brinca.
— Linces têm sensos apurados?
— Quem se importa? — Kenan pergunta, com uma exasperação bem-humorada e um
sorriso se arregalando. — Posso abrir os olhos agora? Que merda.
Rio com tanta força que tenho que dobrar o corpo. Estou me divertindo demais com isso.
— Ok — digo depois de me recompor. — Pode abrir.
Quando ele abre os olhos, eles se prendem a mim, depois se mudam para o presente, que é
cerca de trinta centímetros mais alto que eu. É grande, quadrado e envolto em papel pardo.
— Isso é… — Seus olhos disparam entre o quadrado enorme e eu. — Você…
— Dá pra você abrir logo? Que merda — repito seu xingamento de zoeira.
Ele fica de pé e cobre minha mão que segura o presente pelo canto. Em vez de rasgar tudo,
como eu assumi que faria, ele se abaixa, passando a outra mão pela minha cintura, e beija-me tão
profundamente que não consigo respirar e estou com as pernas bambas quando termina. Ele espalha
beijos pelo meu queixo e pescoço.
— Kenan — protesto, fraca, tentando muito afastar a excitação. — Comporte-se. Abra.
Ele sorri e me larga para rasgar o papel, a fim de revelar a foto da exibição do Chase.
— Meu Deus, Lotus. — Kenan olha entre mim e a fotografia várias vezes como se não
tivesse certeza de qual ele quer encarar mais. — É tão linda. Não sei o que… obrigado. Você sabe o
quanto eu quis isso.
— É, ouvi que você ofereceu vinte mil dólares por ela. — Rio e acaricio seu rosto. — Que
babaca.
— Ah, eu sou babaca? — Aparentando pouco esforço, ele ergue a foto enorme e caminha
até encostá-la na parede. Retorna para a cama, os olhos brilhando com más intenções. — Diga
novamente.
Prendo a respiração, permitindo a ansiedade entre nós do que está a ponto de estalar.
— Babaca!
Saio correndo para o outro lado da cama gigantesca. Ele me persegue, quase me prende,
mas eu pulo, meu pé afundando no colchão macio, e salto para o outro lado. Finjo que vou para a
esquerda, depois direita, correndo ao redor por cima da cama algumas vezes antes que seus braços
de aço fechem em volta de mim e gentilmente me empurrem para a cama.
— Por favor, não me faça cócegas — imploro, rindo antes mesmo que ele comece.
— Então eu sou um babaca? — Ele desliza um braço pelas minhas costas, pressionando-
me a ele e tornando impossível fazer qualquer coisa diferente de me contorcer ou aproveitar nossa
proximidade.
— Não, você não é um babaca! E nem é um velho rabugento também.
— Você não me chamou de velho rabugento — diz, franzindo o rosto.
— Bem, acabei de chamar. Otáriooo!
E então seus dedos persistentes se afundam em minhas costelas, encontrando cada ponto
sensível e frágil. Chuto, grito e esperneio, arqueando o pescoço e contorcendo o corpo o máximo
possível, mas ele não é dissuadido.
— Ai, meu Deus — protesto. — Por favor, não me faça mijar nesse vestido na primeira
vez que eu uso.
Ele finalmente cede, deitando de lado e apoiando a cabeça na mão para me observar.
— Essa foi a única coisa capaz de te salvar. — Suas feições, já suavizadas pelo humor,
ficam mais macias com a afeição. — Amei a foto. Vai ficar naquela parede para que seja a primeira
coisa que eu veja toda manhã.
— Isso não é estranho nem nada — murmuro, mas não consigo segurar o sorriso satisfeito.
— Estou feliz que você gostou.
— Eu amei — repete. — Mas em breve estarei de conchinha com a versão real todas as
manhãs em que eu acordar.
— Kenan, veremos. — Solto um suspiro longo. — Vamos conversar com a Doutora Packer.
Morar aqui é algo grande, especialmente porque a Simone vive com você. Só quero me certificar de
que ela está cem por cento confortável.
— Ok. — Ele deixa um beijo na minha testa antes de me puxar para sentar na beirada da
cama. — Agora feche os seus olhos. — Ele fica de pé, erguendo as sobrancelhas quando meus olhos
permanecem abertos como os dele. — É a minha vez.
Rolo os olhos antes de fechá-los.
— Mantenha-os assim — avisa, sua voz vindo de um pouco mais longe, mas ainda no
quarto.
— Estão fechados, droga — finjo reclamar.
Ainda estou presa por trás da escuridão das minhas pálpebras fechadas quando ele pega
minha mão esquerda e tira o anel de gris-gris. Ele não saiu do meu dedo em anos. Suprimo o instinto
de abrir os olhos e agarrá-lo antes que se vá.
Ele lentamente o coloca no dedo anelar da minha mão direita. Meu coração assume um
ritmo estrondoso, meu sangue corre para o meu rosto e pulsa em meus ouvidos. Suor brota por todo o
meu corpo quando ele desliza um anel diferente no dedo em que o da MiMi estava antes.
E se ela me deu a você? E se agora eu for o seu gris-gris?
As palavras do Kenan de meses atrás voltam para mim, correm por mim.
Você escolheu bem, MiMi, sussurro em silêncio, cheia de gratidão.
Achei que o coração dela era o melhor presente que me deixou, mas não.
É esse homem.
Não consigo mais continuar assim. Meus olhos se abrem para encontrar Kenan abaixado
em um joelho em frente à cama, em frente a mim. Um diamante vintage com lapidação almofadada
incrustado em platina enegrecida brilha na minha mão esquerda. Não tenho ideia de quantos quilates
tem, mas é grande sem ser berrante. É antigo, mas inteiramente moderno.
É perfeito.
— Kenan, meu Deus. — Uma respiração vacilante deixa meus lábios. Pressiono a mão
trêmula na garganta. — Você tem certeza…
— Já falei com a Simone — interrompe, seu tom baixo, fervendo. — E com a Doutora
Packer e minha mãe. Todas concordaram com isso. Estão em êxtase. — Ele para e traz minha mão
para os seus lábios. — Já até falei com a Bridget.
— A Bridget sabe? — Fico boquiaberta. — O que ela acha disso? Como ela está?
— Ela está namorando alguém do elenco de Amor de Jogador — diz secamente. — Acho
que ela está bem. Já faz um tempo que ela sabe como me sinto por você. — Ele nega com a cabeça e
solta outra risada entrecortada. — Inferno, todo mundo sabe como me sinto por você.
— E a Simone? — pergunto mais uma vez, precisando ter certeza. — Ela está bem mesmo?
— Ela me ajudou a escolher o anel. — Sua risada sai profunda, mas detecto um pequeno
traço de incerteza. — A única coisa nos segurando é você. Você, hm, ainda não disse que sim.
Ele olha para o anel em meu dedo, seus ombros e peito completamente imóveis; acredito
que está literalmente segurando a respiração. Lágrimas enchem meus olhos e pisco várias vezes, mas
não há como evitar que corram por minhas bochechas. Meu gladiador, um dos homens mais
intimidades da NBA — tenho o coração dele na palma da minha mão. Mas é uma troca justa, pois ele
tem o meu também.
Escorrego para frente até estar bem na beirada da cama, minhas pernas tendo que se
espalhar ao redor de seu torso largo, enquanto ele espera de joelhos pela minha resposta. Seguro seu
queixo, inclino-me para frente e esfrego o nariz contra o seu, depois deslizo a curva da minha
bochecha contra o osso da sua e me afasto para prender nossos olhares.
— Não os afaste de mim — sussurro, lambendo a abertura de seus lábios carnudos.
Ele geme, abrindo-se da maneira como faz apenas por mim. Entrelaça os dedos da mão
direita com os da minha esquerda, afagando a declaração brilhante do seu amor. Minhas lágrimas
descem rápidas, misturando-se com cada mordida faminta e lambida voraz enquanto o provo. Não o
sabor rico e picante do seu beijo. Provo a aceitação, a paciência e o amor incondicional que me
encontrei buscando a vida inteira.
Encontrei aquele que minha alma ama.
Está tudo em seus lábios, neste beijo, nas emoções dos olhos escuros que nunca se afastam.
Sem quebrar a ligação doce e quente dos nossos lábios ou a intimidade profunda e inabalável do
olhar que compartilhamos, sussurro em nosso beijo a resposta que ele esteve procurando.
— Sim.

[20] Jogo de mímica em que cada time precisa descobrir a palavra nas cartas.
No Top 30 dos mais vendidos da Amazon, Kennedy Ryan escreve para mulheres em todas
as etapas da vida, empoderando e colocando-as firmemente no centro de cada história, como
responsáveis de seus próprios destinos. Seus heróis respeitam, cuidam e perdem a cabeça pelas
mulheres que capturam seus corações.
Ela é esposa do seu marido de longa data e mãe de um filho extraordinário. Sempre se
aproveitou de sua experiência no jornalismo para escrever para caridades e organizações sem fins
lucrativos, mas gosta mais de escrever para aumentar a consciência sobre o autismo. Colaboradora
da revista Modern Mom, a escrita de Kennedy já apareceu no Chicken Soup for the Soul, USA Today
e vários outros. Como fundadora e diretora executiva de uma fundação que atende famílias de Atlanta
que convivem com o autismo, ela apareceu no Headline News, Montel Williams, NPR e outras
vitrines midiáticas como defensora de famílias que convivem com o autismo.
Obrigada sempre parece insuficiente para esta parte da caminhada.
O fim.
O longo caminho para chegar ao fim de cada história é pavimentado pela generosidade e
pelo apoio de muitos. Primeiro, tenho que agradecer aos sobreviventes que compartilharam suas
histórias comigo enquanto eu buscava entender a dor da Lotus e sua cura.
Vocês sabem quem são e tenho uma dívida de gratidão com todos.
E para Ceedee Gaddis, especialista em saúde mental, obrigada por entrar no coração e na
mente da Lotus para se certificar de que documentamos sua jornada de cura com sensibilidade e
compaixão.
Há muitos autores, blogueiros e leitores para nomear por terem me ajudado. Esquecerei
alguns, com certeza, então obrigada a todos. Estou especialmente grata à Brittany, Vanessa, Joanna e
Shannon, que lideram minha equipe de divulgação tão bem e com tanta graciosidade.
Para minha equipe de divulgação (Kennedy’s Krew, BlockStars, Pinkballerz e Kennedy’s
Crusaders) e leitoras betas, obrigada por investirem ao longo do trajeto no que essa história se
tornou.
Para a Jen, do Social Butterfly PR, e a Tia, do Honey Magnolia PR, vocês duas estiveram
lá quando precisei. Significa muito e foi muito encorajador para mim. Sua ética de trabalho e sua
dedicação são sem iguais e me provocaram a me pressionar, mesmo quando eu não queria. Obrigada!
Para Brooklyn Mavens (IG: @bklynmavens), obrigada por amar o Brooklyn tão
profundamente e dividir esse amor comigo!
E, como sempre, obrigada aos meus garotos. Meu marido e filho, que me emprestam para
os meus sonhos todos os dias. Amo vocês mais do que posso dizer. Mais do que a mim mesma.
E, finalmente, queria mencionar que essa história foi concluída meses antes que o
documentário Leaving Neverland fosse ao ar. A referência à música do Michael Jackson não era
para ser insensível de jeito nenhum.
Obrigada por lerem! Beijos!
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Sumário
1. Início
2. Nota da autora
3. Prólogo
4. Capítulo 1
5. Capítulo 2
6. Capítulo 3
7. Capítulo 4
8. Capítulo 5
9. Capítulo 6
10. Capítulo 7
11. Capítulo 8
12. Capítulo 9
13. Capítulo 10
14. Capítulo 11
15. Capítulo 12
16. Capítulo 13
17. Capítulo 14
18. Capítulo 15
19. Capítulo 16
20. Capítulo 17
21. Capítulo 18
22. Capítulo 19
23. Capítulo 20
24. Capítulo 21
25. Capítulo 22
26. Capítulo 23
27. Capítulo 24
28. Capítulo 25
29. Capítulo 26
30. Capítulo 27
31. Capítulo 28
32. Capítulo 29
33. Capítulo 30
34. Capítulo 31
35. Capítulo 32
36. Capítulo 33
37. Capítulo 34
38. Capítulo 35
39. Capítulo 36
40. Capítulo 37
41. Capítulo 38
42. Capítulo 39
43. Capítulo 40
44. Capítulo 41
45. Capítulo 42
46. Capítulo 43
47. Capítulo 44
48. Capítulo 45
49. Capítulo 46
50. Epílogo
51. Sobre a autora
52. Agradecimentos

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