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Hm... Quem é Kenan? E como você conseguiu este número? E, mais uma
vez, você soa como o avô de alguém.
Não mude de assunto.
Existe um assunto?
ASSUNTO: Sábado
Quanta maturidade.
Os três pontinhos de quando ele está digitando aparecem e somem. O trem da linha J
continua se movendo, deixando alguns passageiros em suas estações enquanto eu espero, com um
sorriso no rosto e prendendo a respiração, por uma resposta de Kenan.
Sou mal-humorado com a maioria das pessoas, mas não com você.
Agora é minha hora de deixar os três pontinhos aparecerem, de deixar meu coração
aparecer, enquanto começo e paro algumas mensagens antes de apertar para enviar.
Meu sorriso cresce abertamente e provavelmente estou mostrando todos os meus dentes. Se
isto fosse um jogo, eu estaria mostrando todas as minhas cartas, mas não é. São borboletas, emojis e
corações nos olhos. São os riscos, as emoções, a intimidade e todas as coisas que uma garota como
eu teme. Abri mão do Príncipe Encantado e questões não resolvidas no meu passado continuam se
intrometendo no meu conto de fadas. Não é um conto de fadas.
É a vida real.
[6] Em inglês, garota branca mágica. Faz referência à expressão “black girl magic”, garota preta mágica, que é usada
para dar empoderamento a mulheres pretas.
[7] Lemonade é o sexto álbum de estúdio da Beyoncé. No disco, há uma faixa chamada Sorry, em que a cantora aborda a
traição de seu marido e chama a outra mulher de “Becky with a good hair”.
— Estou TÃO orgulhosa de você, Lo.
O incentivo de Iris me fez agarrar o telefone com muita força, como se ele fosse a minha
linha da vida. Como se minha prima fosse a minha linha da vida, o que ela realmente tem sido, assim
como eu para ela, desde que éramos crianças.
— Não fiz nada ainda. — Minha risada curta é um sacolejo no meu interior.
— Você é a garota mais forte que eu conheço — afirma. — E dar esse passo para
conseguir ajuda não a torna mais fraca. Torna mais forte.
Iris ainda pensaria que eu sou forte se soubesse que estou parada na frente dessa Igreja
Presbiteriana no Brooklyn pelos últimos quarenta e cinco minutos? Que o encontro de quinta à noite
termina em breve e não controlei o nervosismo para entrar?
— Obrigada — respondo fracamente. Dou uma olhada para o lance de escadas de concreto
que levam à entrada da igreja.
— Ligue mais tarde para falar como foi — pede. — Tenho uma consulta no médico, mas
estarei disponível depois disso.
Agradeço por poder discutir algo além da minha loucura. Tenho estado genuinamente
preocupada com a gravidez da Iris.
— Está tudo bem, Bo? — pergunto, mantendo a voz deliberadamente uniforme e
despreocupada.
— Sim, completamente bem. O médico disse que a minha gravidez é tediosamente normal.
Essa é uma consulta de rotina.
— Setembro vai chegar antes que você perceba.
— Mal posso esperar. August está obcecado com o bebê.
— Claro que está. — August é um dos mocinhos. Um dos poucos homens a quem eu
confiaria minha prima e sua filha, Sarai.
— Ele me falou que Kenan pediu seu número — Iris deixa o comentário pairando no ar.
— Hmmm — respondo, dando um sorrisinho, apesar da ansiedade girando na minha
barriga. — Então foi assim que ele conseguiu.
— Bem, ele ligou? — Iris demanda, excitação e esperança na voz.
— Você e August são dois casamenteiros — digo, evitando a pergunta. Uma coisa levaria a
outra e, eventualmente, ela perceberia que encontrei Kenan algumas vezes e que estamos
familiarizados. Inferno, que nossos lábios estão familiarizados.
— Ele. Ligou? — Iris insiste.
— Mandou mensagem — respondo, dando a ela a dica que queria. — Convidou-me para o
Rucker no sábado.
— Rucker Park é como se fosse a Meca das quadras de basquete em pracinhas. — Não
fico impressionada com o choque na voz da Iris. Diferente de mim, ela ama o esporte.
— Uhum. Tanto faz. Veremos. Ainda não decidi ir.
Há um silêncio do outro lado da linha por alguns segundos, seguido por um grande suspiro
de Iris.
— Ai, meu Deus! Ele é o cara!
— O quê? — Silenciosamente, imploro para que ela não ligue os pontos.
— O cara que você tinha me falado antes. Aquele que você disse que gosta. Kenan está em
Nova Iorque este verão. Você e ele...
— Aaaah, mulher, preciso desligar — respondo bruscamente. — Tenho que ir.
— Lo, eu vou precisar de detalhes.
— Tchau, Bo. Dê um beijo na Sarai por mim — concluo e desconecto.
O que quer que aconteça entre Kenan e eu é melhor ser deixado de lado, não cutucado ou
zombado por amigos bem-intencionados. É problema nosso. Não da Iris. Não da Billie ou da Yari.
Nem do JP. Tal convicção vai além das preocupações que Kenan expressou para mim hoje. Sou
apenas eu querendo que seja lá o que aconteça conosco se mostre... diferente das conquistas às quais
eu me gabava no passado. Não estou pronta para ser mais do que amiga do Kenan nesse ponto, mas já
estou começando a me sentir especial. Nenhum dos outros caras era especial para mim. Talvez
porque eu nunca os tenha deixado ser.
Ouvir Kenan falar sobre terapia ontem, o que isso significou para ele e sua família —
como ele aguenta as sessões pela filha e o quanto a ama — me empurrou ao limite para fazer isso.
Nunca tive aquele tipo de proteção e comprometimento que ouvi dele para ela. Tive o oposto. Um pai
“desconhecido em partes” e uma mãe que nunca me priorizou do jeito que Kenan faz com Simone.
Subo as escadas.
Por dentro, a igreja é modesta e cheia de bancos vazios. Um cartaz improvisado preso na
parede mostra “GRUPO DE APOIO” e exibe uma seta vermelha apontando para baixo. Sigo uma
série de flechas que levam para o porão, meu coração protestando a cada passo. Ao chegar, duas
mulheres passam por mim em direção às escadas. Uma está fungando e a outra está secando os cantos
dos olhos avermelhados.
Droga.
Finalmente encontro coragem para entrar e parece que estou atrasada. Talvez, no meu
subconsciente, seja o que quero.
— Posso ajudar? — uma mulher, talvez em seus trinta e poucos anos, cabelo castanho e
olhos gentis, pergunta.
— Hm, não, eu... — Eu sou o quê? Uma covarde? — Eu estou apenas, hm, perdida —
respondo, mentindo na igreja. — Pensei que a doação de sangue fosse aqui.
— Só nos sábados — avisa, com um sorriso leve.
— É. Percebi isso agora. Eu vou...
— Acho que você está aqui por causa do grupo de apoio — interrompe, enquanto arruma
pilhas de papel e copinhos, guardando os biscoitos.
Ela pausa a limpeza quando não respondo imediatamente.
— Estou, hm... Como eu disse, estou perdida.
Encaramos uma a outra, trocando um olhar de verdade, mesmo tentando contornar sem
dizer as palavras.
— Elas também estavam quando começaram a vir. — Aponta para as escadas, onde as
duas garotas estiveram. — Perdidas, digo. Pode ajudar muito falar sobre isso, mesmo que para
estranhos que têm seus próprios problemas, problemas como os seus. Para separar as coisas,
encontrar as peças que não encaixam, jogar fora e conseguir peças novas e melhoradas. Peças
saudáveis.
— É, ok. — Viro em direção às escadas. — Bem, boa sorte.
— Talvez tenha sido bom você estar atrasada — continua, como se eu já não a tivesse
dispensado e mentido para ela. — Podemos conversar sozinhas na sua primeira vez.
— Talvez numa próxima oportunidade — digo, nem mesmo me incomodando em dizer a
ela que está enganada. — Tenha uma boa noite.
— Você poderia me contar um pouco sobre si. Um pouco sobre sua história — ela pausa.
— Ou eu poderia falar um pouco sobre a minha. Leva um bom tempo para se abrir, mas agora eu faço
isso o tempo inteiro. De primeira era para ajudar a mim mesma. Agora é para ajudar outras pessoas.
— Estou feliz por você, mas tenho que ir. — Aponto vagamente para o norte, na direção do
meu apartamento, um pé no primeiro degrau para cima e para longe desta conversa. — Eu moro a
alguns blocos daqui.
— Para mim, era o meu pai — revela suavemente.
Olho por cima do ombro e encontro seu olhar. Não é dor que eu vejo lá, mas sim a força
que Iris erroneamente atribuiu a mim mais cedo. Essa mulher tem isso.
— Foi meu pai quem me machucou — diz. E, mesmo que não seja mais que um sussurro,
reverbera por todo o porão como o som de um gongo. — Faz ideia de quanto tempo levou para eu
dizer isso? Para admitir isso?
Retorno das escadas e encaro-a, esperando por mais. Precisando saber que alguém passou
por isso e poderia me dar o caminho das pedras para fazer o mesmo.
— Levou minha vida inteira — revela, e vejo um pouco de cansaço em seus olhos por trás
da força. — Por muito tempo, eu nem me lembrava. Dizem que Deus não dá um fardo maior do que
se possa carregar. Às vezes, nem a sua mente dá. É autopreservação. A mente diz: “ah, ela não está
pronta para isso”, aí esconde de você.
Ela coloca a comida e os produtos de papel organizadamente para um lado da mesa e se
senta em uma das cadeiras do pequeno círculo.
— Mas só podemos nos esconder ou fugir até que a merda comece a aparecer. — Ela ri de
leve. — Desculpe o palavreado na igreja, mas, de alguma forma, acho que Deus vai me perdoar.
Nossa mente faz coisas para nos proteger de traumas indescritíveis que funcionam por muito tempo,
por anos em alguns casos, mas aí um dia ela para. Ou lidamos ou não. E se não... — Suas palavras
carregam um aviso, uma urgência para escolher lidar em vez de não.
Lembro-me de me enrolar em uma bola no chuveiro do Chase, chorando depois de um sexo
perfeitamente bom. Vejo meu corpo curvado em posição fetal na base de uma árvore desenhada à
mão no meu closet. Sinto o cheiro do ar queimando, a fumaça se envolvendo nas minhas memórias. A
paz na minha mente pegando fogo.
Você está vazando, Lo?
Pingando. Pingando. Pingando.
— Não sei por que logo agora — revelo subitamente e sem nenhum contexto, mas ela
parece entender. — Eu estava bem. Por anos, estive bem.
— Eu estava bem também — faz coro. — Sou a Marsha, a propósito.
— Lotus — ofereço.
— Prazer em conhecer você, Lotus. Sou uma sobrevivente, mas também uma terapeuta
licenciada. Tenho um grupo de apoio para sobreviventes de abuso sexual na infância — conta. —
Então, o que trouxe você aqui?
— Tenho tido alguns, hm... problemas com sexo. Coisas que nunca lidei antes.
— Isso não é uma surpresa. É onde aconteceu a lesão, então, para muitos de nós, para a
maioria de nós, nossa sexualidade é afetada. É o que foi profundamente violado.
— Achei que tinha escapado de tudo isso. Fiz sexo por anos e estive bem. Quer dizer,
coloquei sexo em uma categoria, mas eu aproveitava.
— Qual era a categoria? — pergunta, encarando-me de perto. — Desenvolva para mim.
— Sexo era para o meu prazer — digo, engolindo com força, minha boca subitamente seca.
— Posso pegar... — Aceno para as garrafas d’água alinhadas na mesa.
— Claro. — Marsha indica uma das cadeiras no pequeno círculo. — Escolha uma cadeira
também.
Hesito. Estamos conversando, mas ainda sinto como se pudesse escapar se precisasse.
Sentar-me sinaliza que vamos ficar aqui por um período. E não tenho certeza de que quero ficar aqui
por muito tempo, mas pego a água e me sento. Ao me acomodar, Marsha sorri, mas faz um trabalho
decente para esconder sua satisfação.
— Então sexo era para o seu prazer — repete, voltando de onde parei. — Parece bom até
aqui.
— Era. — Eu rio, mas não há humor de verdade. — Sei que muitos sobreviventes têm
problemas com sexo, mas sempre gostei.
— Bom para você. E sim, você está certa. Eu, por exemplo, não tive meu primeiro
orgasmo até ter trinta e três.
Minha boca cai aberta, e não sei se é rude ou insensível, mas caramba. Não consigo
imaginar.
— Nem mesmo... tocando a si mesma?
— Masturbação foi uma boa parte da minha recuperação — conta, seus olhos sem
lacrimejarem enquanto divide tantas informações sensíveis. — Não conseguia experimentar prazer
nas mãos de outra pessoa. Tinha que me sentir segura por conta própria primeiro. — Ela inclina a
cabeça e pisca. — Não se preocupe. Com muita terapia, trabalho duro e um parceiro bem paciente,
as coisas estão bem melhores nesse departamento agora — revela. — Vários relacionamentos não
sobrevivem ao processo de recuperação, porque precisamos de muito controle e nossos parceiros
não aguentam. Controle relacionado aos nossos gatilhos, para os efeitos do nosso trauma. Sexo
requer um monte de confiança. Esquecemos o tanto às vezes; esquecemos a magnitude de
compartilhar dessa maneira.
— Nunca tive problemas em confiar meu corpo a alguém — conto, franzindo o rosto,
perguntando-me se algo está errado comigo, com o jeito como processo tudo. —Mas nunca pude
confiar em ninguém com nada além. Sem real... intimidade, eu acho. Eu me certifiquei de que eles
sabiam que era apenas sexo. Nunca me permiti sentir nada mais, porém, ultimamente, aquilo não era
mais satisfatório.
— Parte de uma sexualidade saudável é saber que você pode ser amada e tem valor,
mesmo não se oferecendo sexualmente — Marsha explica. — Não pode ser intimidade real sem um
pouco de amor ou afeição. Se você bloquear isso completamente, o sexo pode começar a parecer...
uma transação ou puramente alívio sexual. — Ela oferece um sorriso de um lado só. — Se passarmos
algum tempo juntas, tenho certeza de que podemos nos aprofundar e descobrir o que você fez para
sobreviver. É o que todas nós fazemos. Encontramos formas de recuperar ou, pelo menos, sentir que
recuperamos o controle que foi tirado de nós. Estivemos desamparadas e, constantemente,
procuramos maneiras de nos certificarmos que não voltaremos para aquela posição outra vez.
Algumas pessoas se tornam hipersexuais. Outras nem conseguem transar.
— Decidi dar uma pausa no sexo — digo — e não sinto falta. — O rosto do Kenan, sua
voz e seu perfume invadem minha imaginação, minha memória.
— Isso é comum também — Marsha comenta, assentindo. — Não é anormal termos
períodos de celibato enquanto estamos resolvendo as coisas. Soa como se estivesse ouvindo a si
mesma mais de perto e seus instintos a guiassem bem.
Sou mais autoconsciente do que a maioria. Sei que isso é um resultado de como a MiMi me
criou — como ela me ensinou a ficar ligada em coisas que não posso ver com meus próprios olhos.
Até minha própria dor.
— Está tudo bem se o sexo às vezes for apenas uma liberação — Marsha continua. —
Muitos sobreviventes fazem sexo, mas se desligam emocionalmente, porque uma experiência sexual
anterior estava associada ao abandono ou algum trauma. Desligar-se emocionalmente é uma medida
de proteção. Poderia ser um mecanismo de defesa, porque você está com medo de confiar em alguém
com algo a mais, especialmente se tiver sido traída por alguém em quem deveria poder confiar, como
um membro da família ou... quem quer que seja.
Peso minhas próximas palavras. Elas fazem fila na minha língua, e fico sentada por tanto
tempo que não tenho certeza se conseguirei empurrá-las para fora.
— Foi o namorado da minha mãe — forço-me a falar.
— Sinto muito, Lotus — gentilmente diz.
— É, hm, obrigada.
Isso é tudo que posso dizer por hora. Acho que cheguei a um limite e, dizendo isso em voz
alta, não quero ficar no mesmo lugar que tais palavras. Fico de pé e jogo minha garrafa d’água pela
metade no lixo reciclável.
— Eu vou embora — digo, apressada. — Preciso... ir embora.
— Claro. — Marsha se levanta e pega a bolsa, tirando um cartão de visitas e oferecendo
para mim. — Nós nos encontramos nas noites de quinta. Na mesma bat-hora, no mesmo bat-canal.
Meus contatos estão aí se você quiser conversar um pouco mais.
Encaro o cartão por alguns segundos antes de aceitá-lo, olhando para cima ao encontrar os
olhos dela nos meus.
— Obrigada. — Volto em direção aos degraus e pauso quando um pensamento me atinge.
— Marsha, posso fazer uma pergunta?
— Qualquer uma — responde, e dá para dizer que ela realmente quis falar isso.
— Acho que, quando se está em um período como esse, não é um bom momento para
começar um relacionamento, né?
Não consigo acreditar que perguntei, mas o que está acontecendo entre Kenan e eu está se
tornando irresistível. Quando eu finalmente desistir, quero saber como causar o menor dano possível.
— Depende — Marsha diz. — Às vezes nós nos seguramos com tanta força à dor do
passado que perdemos a felicidade à frente. E se tem uma coisa que merecemos, Lotus, é a
felicidade, onde quer que a encontremos.
Assinto, deixando isso penetrar em mim.
— Vai requerer um parceiro paciente — continua, o tom gentil e instrutivo. — Alguém que
não se importe se você colocar algumas regras, algumas linhas-guia, se isso ajudar. Que não irá
forçar você a fazer algo que não esteja pronta, e que esteja bem com você controlando o trajeto.
— Entendo. — Sorrio para Marsha e me viro para sair. — Obrigada.
— Amaria ver você na próxima quinta, se quiser vir — fala. — Ou podemos conversar
novamente, só nós duas.
Pego as escadas que levam para o andar de cima. Digo a mesma coisa que falei para o
Kenan:
— Veremos.
No verão da minha temporada de estreia, vim para o Harlem para o torneio da liga
profissional no Rucker Park, a quadra de basquete mais famosa do mundo. Se quiser credibilidade
nas ruas, precisa ganhar aqui. É a sua peregrinação para a Meca.
De forma superficial, é algo despretensioso. Não há glamour na quadra ao ar livre com
dois aros e cinco fileiras de bancos, mas as lendas foram formadas aqui. Dr. J fez seu nome aqui
antes que qualquer um sequer soubesse quem ele era. No verão que ele jogou, as pessoas se reuniam
no prédio da escola do outro lado da rua, escalavam e subiam para assistir nas árvores e
pressionavam os narizes na cerca para ver um garoto que voava no ar com uma graça incomparável e
acertava a cesta com a maior força que eu já vi. Foi o público do Rucker que primeiro cantou “Dr.
J”. Eles o batizaram e o nome pegou. O homem jogou na Filadélfia, minha cidade natal, e mudou o
jogo. Então, toda vez que venho ao Rucker é especial, mas hoje sinto essa excitação ainda mais.
E não tem nada a ver com a competição de enterrada que estou aqui para julgar pela
caridade.
Com a disputa finalizada, os outros jurados celebridades e eu tiramos fotos com os
vencedores e os autógrafos começam. O tempo inteiro em que assinei bonés, pedaços de papel,
sapatos e qualquer coisa que as pessoas tinham, fiquei procurando por uma mulher. Lotus não
respondeu minha mensagem, então não sei nem se ela veio. As chances são de que não, mas isso não
me impede de procurar compulsivamente a cada poucos segundos.
— Está curtindo Nova Iorque, Glad? — Ben Mason, um armador que entrou na NBA no
mesmo ano que eu, pergunta. Estamos um de costas para o outro, dando autógrafos, rodeados por uma
multidão de crianças.
— Está tudo bem. — Sorrio para a garotinha que me estende uma camiseta para assinar. —
Minha filha vive aqui agora, então estou feliz de ter parte da intertemporada com ela.
— Ouvi mesmo que a Bridget estava se mudando para Nova Iorque — Ben diz. — Ela está
naquele reality show novo das esposas do basquete, não é?
Ben, como todos no mundo dos esportes, sabe mais da minha vida do que eu mesmo.
— Sim, ela está aqui — murmuro.
— Seu divórcio finalmente saiu?
— Sim, saiu. Graças a Deus.
— Cara, ela jogou sujo.
Sério, Ben? Claro, por que não falar sobre a minha experiência mais dolorosa e
humilhante enquanto autografo para centenas de crianças escandalosas? A hora perfeita.
— Já ficou para trás — digo em voz alta. — Estamos apenas tentando descobrir como
cuidar bem da minha filha.
— Você é um homem melhor que eu — Ben continua. — Se fosse comigo...
— Mas não foi. — Viro-me para encará-lo, nem mesmo tentando esconder minha irritação
mais.
— Foi mal, Glad — apressa-se para dizer. — Cara, estou viajando. Sei que foi um período
difícil. Não queria trazer isso à tona.
— E mesmo assim continua falando. — Viro novamente e volto a assinar itens e tirar fotos
com fãs.
Embora minha frustração não seja realmente sobre ele. Estou desapontado que a Lotus não
apareceu. Não admiti para mim mesmo o tanto que esperava que ela viesse. Agi como um idiota na
escada. Achei que tinha resolvido, mas talvez não.
— Aqui, Glad! — uma criança grita, erguendo um telefone para tirar uma foto. Quando
olho em sua direção, um flash de cores prende meu olhar. Um pequeno espaço no público revela uma
seda da cor de manteiga espalhada em uma pele bronzeada. Uma mulher usa um vestido amarelo
estilo avental, de costas nuas, que se prende em sua bunda. O que parece um zíper com minúsculas
flores no lugar de dentes está tatuado em sua coluna despida. Uma enorme nuvem de cabelo castanho-
dourado com curvas e ondas está solta ao redor do seu pescoço e na curva dos seus ombros.
— Lotus? — Sai como uma pergunta, mas sei que é ela.
Não sou o único notando cada detalhe de sua aparência. O público se divide como um Mar
Vermelho e as cabeças se viram enquanto ela caminha para longe. Parece totalmente alheia à luxúria
que inspira enquanto se afasta do grupo imenso.
Enquanto se afasta de mim.
Há muita gente nos separando e tenho que empurrar rudemente um monte de corpos
adolescentes com pressa para alcançá-la, mas de jeito nenhum ela vai sair daqui sem me ver.
— Ei, PYT! — grito com as mãos ao redor da boca, na direção em que a vi pegar. Ela é tão
pequena que não consigo nem ver mais o topo de sua cabeça.
Por um segundo, acho que a perdi, mas o raio de sol que ela está usando entrega sua
presença novamente a alguns metros de distância. Ela virou o rosto para mim agora, mão no quadril e
diversão no rosto. Sorrio, totalmente preparado para ser criticado por gritar com ela.
— Aonde você acha que vai? — pergunto, alto o suficiente para que ela e qualquer um
entre nós possa ouvir.
— Eu certamente não vou ficar plantada o dia inteiro esperando por você — grita de
volta, seus lábios brigando com o sorriso em seus olhos.
— Bem, vocês a ouviram. — Assino outro boné e suspiro. — Vou ter que parar. Ela está
me deixando.
— Eu parava tudo por aquilo também — diz um cara de pé na metade do caminho entre
Lotus e eu, os olhos deslizando por cada centímetro de sua pele exposta. Quero tirá-la daqui.
— Com licença — peço, passando pelo público depois de assinar um último autógrafo.
Ela poderia me encontrar na metade do caminho, mas ela o faz? Não, fica parada na
multidão como um narciso plantado no meio de um engarrafamento, esperando para que eu a alcance.
Uma vez que o faço, fico o mais próximo que posso sem tocá-la, então ela tem que inclinar a cabeça
para trás para encontrar meus olhos. Nossos olhares se prendem e não se afastam. O calor que sobe
entre nós não tem nada a ver com o clima de 35ºC. Respiro superficialmente o perfume de Lotus.
— Você está me cheirando de novo? — pergunta, um sorriso inclinando os cantos dos seus
olhos como um gato inteligente.
Permito que meus lábios tremulem.
— Aonde você estava indo? Ia sair daqui sem me ver?
— Não. — Nossos olhos se fixam por um segundo enquanto aguardo suas próximas
palavras. — Tinha muita gente. Eu só ia sentar ali.
— Ah, obrigado por esperar.
Empurro seu cabelo para longe do rosto e traço a sequência de brincos na curva de sua
orelha com o dedo indicador. Ela estremece.
— Está com frio? — questiono, escondendo um sorriso.
Ela abaixa os cílios e esconde os olhos.
— Congelando.
Uma alça fina do seu vestido cai da curva do seu ombro, revelando sua clavícula, e eu
consigo ler a escrita que não consegui na noite da festa do iate.
— Você é inteiramente linda — leio e passo o dedão pelas palavras que marcam o osso
frágil. — Uma pequena lembrança para o caso de nos esquecermos quão linda você é?
Seu sorriso desaparece e depois volta.
— Minha bisavó costumava me dizer isso quando eu era uma garotinha. É do Cântico dos
Cânticos.
Tenho vinte novas perguntas para cada coisa que aprendo sobre essa mulher, mas não
posso fazer nenhuma delas nesta multidão. Pego em sua mão e entrelaço nossos dedos, procurando
em sua expressão por uma recusa. Não há nenhuma.
— Vamos sair daqui — peço.
Ela assente e aperta os pequenos dedos em volta dos meus.
— Vamos lá.
— Está com fome? — questiono, e andamos em direção ao estacionamento onde deixei
meu carro.
— Estou.
— Seria uma vergonha virmos ao Harlem e não comermos no Sylvia’s. Já comeu lá antes?
— Você sabe que não. — Ela me lança um sorriso. — Mas gostaria de ir.
Os organizadores ficaram de olho em nossos carros durante o evento, então recupero
minhas chaves e caminhamos para a caminhonete que comprei semana passada.
— O que é isso? — Lotus questiona, andando lentamente ao redor da besta prateada,
cromada e reluzente.
— É uma Lamborghini SUV, a Urus — conto, abrindo a porta do passageiro para ela. —
Gostou?
— Acho que sim. — Dá de ombros, como se andasse em caminhonetes de duzentos mil
dólares todos os dias. — Não sou muito fã de carros. Pego o trem para todo canto.
— Uma verdadeira nova-iorquina então. — Dou uma olhada no trânsito e saio para a rua.
— Não, definitivamente não. — Ela ri. — Mas eu me adaptei.
— Você é de Nova Orleans como a Iris, né?
Ela fica em silêncio por um momento e dou uma olhada para ela. “De onde você é?”
parece uma pergunta inofensiva, mas uma sombra passa por seu rosto.
— A primeira parte da minha infância foi em Nova Orleans. No Nono Distrito — confirma.
— Mas aí fui viver com a MiMi no bayou, nessa pequena região onde eles falam mais francês do que
inglês.
— Você aprendeu?
— É, a MiMi falava francês pra caramba, então eu meio que tive que aprender para
acompanhar. Acabou sendo uma boa com o JP.
— Gosta de trabalhar para ele?
— Gosto, mas sei que farei algo diferente algum dia.
— Tipo o quê?
— Não tenho certeza. — Ela se inclina para trás no banco luxuoso de couro. — Amo meu
trabalho, mas também tenho um podcast chamado gLO Up que está começando a ter anunciantes e
ganhar seguidores. Ou talvez diversificar com algo específico, como lingerie ou acessórios. Quem
sabe? Não tenho que saber tudo hoje sobre para onde vou amanhã, então só aceito o que vem.
— Sou um planejador — digo a ela, navegando pelas ruas do Harlem. — Sempre tive as
coisas mapeadas, e normalmente sigo o curso meticulosamente.
— Soa como se você não desse muito espaço para o inesperado — comenta, virando de
leve em seu assento para estudar enquanto estou dirigindo.
— Isso pode ser verdade, mas, quando eu dou, sei que é pela coisa certa. Que vale a pena
sair da rota. Disse a você que sabia que iria para a escola de Direito e, um dia, esperava ser juiz
como meu pai. A NBA foi a maior mudança de rota da minha vida, mas não me arrependo disso.
Lotus é uma das coisas mais inesperadas que encontrei. No dia que ela entrou naquela sala
de hospital, eu não estava procurando por nada com outra mulher. Estava enterrado até o pescoço na
lama em que Bridget tinha transformado nossas vidas e pronto para colocar todas as mulheres na
categoria de sexo casual indefinidamente. Levou um piscar de olhos, bastou um olhar, e eu soube que
havia algo de diferente a respeito da Lotus. Fora de rota? Merda, eu estava quase torcendo o pescoço
para conseguir olhar para ela. Estava dando a volta para pegar um retorno antes mesmo que
percebesse.
— Acho que tenho o que gosto de chamar de espontaneidade informada — diz, puxando um
joelho para o peito.
— Ok. Vou morder a isca. Que droga é essa?
— Tenho uma boa intuição para os riscos que devo tomar. Como quando conheci o JP. Eu
era aluna na Spelman e planejava tirar meu diploma de negócios e talvez fazer algo com a moda. Era
mais seguro, mas quando o JP me convidou para ir trabalhar para ele em Nova Iorque, eu sabia que
era o certo. Eu saltei.
Ela ri e dá uma olhada pela janela para absorver o Harlem, sua história e cultura unidas, o
icônico Apollo Theater espremido entre o restaurante Red Lobster e a loja Banana Republic.
— Iris achou que eu era louca — continua, suas palavras perdendo a leveza. — Nós
brigamos e ficamos sem nos falar por um tempo. Não apenas por causa disso, mas… — Ela gira o
anel no dedo da mão esquerda. — Enfim. — Balança a cabeça em negação, como quem descarta
memórias desagradáveis. — Não foi por muito tempo. Nada fica entre nós por muito tempo, nem
mesmo nós duas.
— Você e a Iris sempre foram próximas?
— Sim — afirma. — Ela é quase um ano mais velha e somos primas, mas sempre fomos
mais como irmãs. Penso na Sarai como minha sobrinha.
Isso me lembra de algo bem estranho que preciso perguntar a ela. Não posso questioná-la a
respeito, mas esperarei até estacionarmos e nos acomodarmos no restaurante.
— Senhor Ross — a recepcionista do Sylvia’s me cumprimenta calorosamente. — Bem-
vindo.
Costumo me desconcertar quando pessoas que não conheço já me conhecem.
— Oi. — Sorrio, educado e direto ao ponto. — Vocês têm uma mesa para dois?
— Claro. — Ela morde o lábio e me encara quase timidamente. Conheço esse olhar.
Aquele que diz “eu queria muuuito pedir um autógrafo, mas não vou”.
Ela nos acomoda em uma cabine fora de vista, algo pelo que estou agradecido. Não sou
desses caras que não conseguem sair de casa sem serem incomodados, mas minha altura faz as
pessoas me olharem duas vezes. E, nesse segundo olhar, muitos me reconhecem. Não quero tanta
atenção no meu primeiro encontro com a Lotus.
Isso é um encontro?
Ainda somos apenas amigos?
Isso é algo simples?
Decido não definir nada, apenas aproveitar. Aproveitá-la.
Limito-me a pedir água e Lotus escolhe um dos famosos Bloody Marys com Ketel One do
Sylvia’s e um molho picante extraquente. Ela prova e reclama:
— Aaaah. Essa foi forte.
— O que você vai pedir? — pergunto, procurando no cardápio algo que se encaixe na
minha dieta. Minhas opções são bem limitadas.
— Pensei no frango e nos waffles, mas acho que vou pedir camarão e grãos. — Abaixa o
menu, o sorriso um pouco melancólico. — Talvez eu esteja sentindo saudades de casa.
— Comia muito disso na Louisiana?
— Sim. Nunca provei nenhum melhor do que o da MiMi. E o étouffée dela era delicioso.
Na verdade, tudo o que ela cozinhava era o melhor.
— Nova Orleans é um lugar fascinante — digo, pensando que esta pode ser uma boa
transição para a pergunta estranha que tenho que fazer.
— Não há lugar igual. — Ela me dá um sorriso repentino. — Você teria amado todo o jazz.
Já viu a Second Line?
— Second Line?
— As marchas fúnebres com bandas de jazz.
— Na televisão ou algo assim. Não na vida real.
— No vudu, eles celebram a vida após a morte para agradar os espíritos e proteger o
morto. — Ela me encara como se estivesse esperando por algo e, por um momento, pergunto-me se já
sabe qual é minha dúvida.
— Posso fazer uma pergunta que pode ser um pouco… — procuro pela palavra correta,
mas, para o que quero saber, não tenho certeza se existe uma — estranha?
— Mais estranha do que me beijar pela primeira vez na frente de todos os meus amigos em
uma festa?
Um sorriso sem arrependimentos surge de um lado da minha boca.
— No mesmo nível de estranheza.
— Ah, ok. Vá em frente.
Estico a mão sobre a mesa e pego a dela. Seu olhar salta das nossas mãos entrelaçadas
para o meu rosto e volta.
— Acho que entendo isso aqui. — Toco os três dedos adornados com tatuagens da lua em
várias fases, depois acaricio o anel em seu dedo. — Mas queria perguntar sobre isso.
Seus dedos apertam minha mão e o olhar que ela me dá é afiado, alerta. Não verbaliza sua
permissão, mas assente para que eu prossiga.
— Lembra quando nos vimos há alguns meses na festa de Natal? — questiono. — Você
estava com a Iris e o August, e tinha levado Chase com você.
Odeio até mesmo mencionar o nome do cara, mas ele disse algo que me levaria para esta
questão.
— Lembro — responde, os olhos fixos no meu rosto.
— Você deu para a Sarai um anel que você fez, que lembra esse aqui e o que a Iris usa.
Qual é o significado dele?
Ela me observa por alguns segundos sem falar, provavelmente suspeitando que minha
próxima pergunta seja ainda mais estranha.
— Minha bisavó, MiMi — revela. — Minha e da Iris, ela fez um para cada. É um anel
gris-gris, como um talismã para proteção. Eu nunca tiro.
— Ok. E naquela noite o Chase disse que tinha conexão com o vudu? — A questão fica em
aberto para que ela explique tanto quanto está disposta a compartilhar.
— Chase sempre abre aquela boca a respeito de coisas que precisa ficar calado —
devolve, mexendo no canudo do seu Bloody Mary. — Gris-gris é uma prática vudu. Amuletos e joias
que invocam proteção para as pessoas que os usam. MiMi os fez junto com poções, ervas e outras
coisas para ajudar as pessoas quando elas tinham problemas.
Franzo o rosto, tentando assimilar a informação de forma que faça sentido.
— Então ela era… — Limpo a garganta, sem ter certeza se quero ouvir sua resposta. — O
que ela fazia? O que ela era?
— Ela era uma sacerdotisa vudu, Kenan.
Lotus podia muito bem ter dito que a bisavó era uma alienígena que veio de Netuno. Eu
esperaria que ela dissesse que estava brincando. Peguei você, bobinho.
— Lotus, o que isso significa?
Ela olha para mim sem piscar.
— Muitas mulheres da minha família praticaram vudu.
— No período da escravidão ou…
— MiMi foi a última a praticar e morreu há apenas dois anos. Era o seu sustento.
Meu sorriso morre. Não tenho certeza de como abordar isso. Lotus parece perfeitamente
séria.
— Você pratica vudu?
— Praticar é uma palavra forte.
— Hm, não. Vudu é uma palavra forte. Quer dizer, você realmente acredita nisso?
Ela não responde por alguns momentos, mas mexe em sua bebida com o canudo.
— Decidi que esse não era o meu caminho — fala. — Sei quem eu sou, Kenan. Não posso
mudar meu sangue. Sempre haverá coisas na minha vida que não posso explicar para outras pessoas.
— Seus cílios se levantam para revelar o orgulho em seus olhos. — Não sinto necessidade de
explicar. Não machuco ninguém e ajudo quando posso.
A garçonete vem pegar nossos pedidos, mas a interrupção não dissipa a tensão que minha
pergunta trouxe e, assim que ela sai, retornamos à nossa discussão fascinante, apesar de ligeiramente
estranha.
Procuro em sua expressão alguma dica para este belo enigma.
— Você acredita em feitiços, poções, espetar bonecas e…
— Acredito que não sabemos de tudo — ela me corta. — E que há forças maiores que eu.
— Forças maiores que você? Lotus, sei que cresceu com essas... superstições, mas…
— Essas superstições, como você chama, têm raízes lá na África, no Haiti, nas pessoas que
não possuem nada para se prender, a não ser sua fé, seja lá a forma que assume. Foi parte de como
elas sobreviveram.
— Exatamente — digo. — Religião é um mecanismo de enfrentamento cultural. Eles não
têm nada para se prender, então fazem essas construções que lhes dão algo para acreditar que podem
ser salvos, que podem aprimorar suas vidas ou garantir algo melhor quando morrerem.
Seus lábios se apertam, depois se soltam em um pequeno sorriso.
— Você não acredita na vida após a morte? — questiona.
— Acredito no agora. É a única coisa que posso ver e provar. É racional.
— A racionalidade de um homem é a covardia de outro.
— Acha que sou um covarde porque não sou religioso? — pergunto.
— Não, mas acredito que fé, fé de verdade, requer valentia. Com cada oração, arriscamos
ter o coração partido.
— Então oração e vudu? — indago. — Como isso funciona?
— As pessoas vinham ver a MiMi com suas bíblias em uma mão e saíam com uma poção
na outra. Vudu e religião cresceram juntos na Louisiana, como primos próximos, fossem os batistas
ou os católicos. — Ela ri, descansando o queixo na mão. — MiMi começava e terminava cada
sessão com uma oração.
— Sessão? — Coço a nuca, sem ter certeza de que quero saber, mas perguntando de todo
jeito. — O que acontecia nessas sessões?
Sua expressão se fecha.
— MiMi era a pessoa mais importante da minha vida — diz, a voz rígida e formal. — Não
vou expô-la à chacota. Quero continuar gostando de você e não tenho certeza se posso fazer isso se
você pensar nela como alguém tola ou se dissesse a coisa errada.
— Ei. — Coloco a mão por cima da dela. — Não quero insultar sua bisavó, sua mãe ou…
— MiMi era a última. Minha mãe não praticava. — Ela afasta o olhar para a porta. —
Nem a irmã dela, mãe da Iris. Nem nossa avó. — Seus lábios afinam e tremem com ceticismo. —
Mas elas eram as que realmente sabiam como jogar um feitiço em um homem.
Quero perguntar, sondar, mas Lotus disse antes que havia coisas que ela não queria
compartilhar ainda.
— Só preciso saber que você não está fazendo bonecos meus e enfiando agulhas neles ou
algo do tipo — digo para aliviar a atmosfera.
Um sorriso dissipa sua expressão sóbria.
— Eu guardo os bonecos para os garotos realmente maus.
— Não tenho certeza se devo rir novamente, me sentir mais tranquilo ou correr para as
colinas.
— A porta fica ali. — Ela inclina a cabeça em direção à entrada. — Se quiser correr.
Arrasto o olhar pelos seus cabelos selvagens, os olhos sensuais, os seios altos e cheios
lutando contra a seda da cor do sol, os lábios que imploram para serem beijados.
— Vou correr o risco — finalmente respondo.
Já ela, não. Mas o olhar conhecedor que me dá diz: “foi isso que eu pensei”. A garçonete
traz nossa comida, dando-me a chance de mudar o assunto para um terreno menos perigoso.
— Parece bom. — Aponto com meu garfo para seu camarão com grãos.
— O seu também.
Pedi um prato vegetariano de feijão fradinho, couve e macarrão com queijo.
— Você não come carne? — questiona, colocando o camarão e os grãos na boca.
— Não como carne frita em geral — esclareço. — E essa parece ser a coisa favorita deles
aqui.
— Assim, isso é a comida afro-americana — responde, rindo. — O que você esperava?
Por que viria aqui se não come essas coisas?
— Pensei que você iria gostar. E comer no Sylvia’s é uma daquelas coisas que você
precisa fazer quando está no Harlem.
— Tenho que levar você para o Brooklyn algum dia. Não dá para fazer tudo em Nova
Iorque. E os verões aqui são os meus favoritos.
— Eu amaria ver o Brooklyn. Tenho que ir para a Filadélfia na semana que vem olhar
alguns negócios. Quem sabe quando eu voltar?
— Talvez. Não quero que pense que estou tentando mudar as condições da nossa… — o
olhar que ela me lança é metade provocador, metade sério — amizade.
— Amigos fazem coisas juntos.
— Hmmm… — é sua única resposta, acompanhada de um sorriso. — Então, o que tem de
tão especial no Rucker?
Gosto como ela muda de assunto para algo mais seguro.
— É um campo de provas — respondo. — Todos os melhores vão para lá em algum
momento, alguns jogam contra caras da região que nunca chegaram à NBA, mas são tão talentosos
quanto os profissionais. Se ser escolhido fosse puramente baseado em talento, eu certamente não
estaria na NBA. É trabalho duro. Ficar fora de problemas. Entender o sistema e trabalhar com ele.
— Quem são os seus jogadores favoritos?
— Big O, com certeza.
— Eu mesma sou fã de um Big O — diz, o rosto sério e os olhos maliciosos.
Leva alguns segundos para que eu entenda a referência, mas a visão da Lotus no meio de
um big orgasmo me faz engasgar com feijão fradinho.
— Muito engraçado — solto, tossindo e bebendo minha água. — Mas estou falando do
outro Big O, o Oscar Robertson, primeiro jogador da NBA a conseguir um triplo-duplo[8].
— Tenho certeza de que ele é bom também. — Ela dá de ombros e a droga da alça do
vestido cai do seu ombro.
— Por que o Cântico dos Cânticos? — pergunto, acenando para a tatuagem de escrita em
sua clavícula.
— Era o favorito da MiMi. Ela era uma romântica de coração e o Cântico dos Cânticos é
uma das peças mais românticas já escritas, seja na Bíblia ou em outro lugar.
— Nunca pensei no vudu e nas religiões convencionais coexistindo, mas parece que a
MiMi descobriu como.
— Ela não era religiosa, mas conseguiu construir sua própria fé de certa forma. — Lotus
toma um gole de sua bebida antes de prosseguir: — Faço distinção, porque acho que a religião,
quando usada de forma abusiva, se torna uma das forças mais destrutivas do mundo. A religião matou
Jesus. A religião trouxe a Inquisição Espanhola e o julgamento das Bruxas de Salém. As pessoas,
convenientemente, organizam suas crenças para o que elas acreditam. Pegam dinheiro, começam
guerras, segregam, produzem linchamento… Tudo isso baseado em alguma escritura, algum dogma
distorcido para se encaixar no ódio. A verdadeira fé tem tudo a ver com relacionamento.
Empurro minha cumbuca vazia para o lado.
— Como você sabe?
— Em primeiro lugar, um relacionamento entre você e Deus. Poder superior, seja lá como
você chama. Algo a mais que você — explica. — E, em segundo, relacionamento entre pessoas. A
Bíblia diz que a religião de verdade é tomar conta das viúvas e daqueles que não podem cuidar de si
mesmos, dos mais vulneráveis.
— Isso eu entendi.
— Mas a religião, como ela é professada hoje, tem tão pouca compaixão. Tão pouca
humanidade. E a fé é, em primeiro lugar, humana.
Ela empurra os últimos grãos de lado e descansa os cotovelos na mesa, o queixo nas mãos.
— Somos nós admitindo para o universo que não temos todas as respostas. Frequentemente
a religião diz que sim, ela tem todas as respostas, e se você não gosta delas, não pode sentar à mesa
com eles. Mas todos nós temos nossas mesas. Mesas demais e amor de menos.
— Você soa como se tivesse experimentado isso em primeira mão — comento.
— Experimentei enquanto crescia. — Assente com a cabeça, tristeza, memórias, algo
sombrio em seus olhos. — Fé deveria nos dar esperanças, não retirar. As pessoas da igreja não
permitiam que a MiMi fosse adorar com eles… Chamavam-na de bruxa.
— Ela era?
— Ela era uma senhora idosa que queria celebrar sua fé com a comunidade. — Lotus dá de
ombros, sendo filosófica. — Ela não podia sentar à mesa deles, então fez a sua própria. Todo
domingo de manhã cantávamos hinos na varanda dos fundos. Ela pegava sua pequena Bíblia e lia
para mim. Aquela coisa estava se desfazendo, as páginas caindo. Ela a mantinha ao lado da cama e
lia todas as noites.
— E foi assim que você conheceu o Cântico dos Cânticos?
— Tornou-se o meu favorito. Você já leu?
— Não éramos exatamente pessoas religiosas. Meu pai era juiz, um oficial eleito, então
íamos para a igreja toda vez que estava concorrendo. Sei o básico do que era ensinado nos
domingos, mas nada além disso.
— Acho que muitas pessoas só querem sentir que há algo a mais. Algo além do que a vida
parece ser — esclarece, correndo a ponta do dedo na borda do copo.
— E você acredita que há mais do que a vida parece ser?
— Os cientistas não costumam dizer que usamos apenas dez por cento do nosso cérebro?
— pergunta.
— Cientistas não dizem isso — corrijo. — É um mito e já foi desbancado.
— Você é sempre assim tão engraçado?
Minha própria risada rápida me pega de surpresa.
— Você estava prestes a argumentar usando notícia falsa. Não me deixe estragar toda a sua
diversão com, você sabe, fatos.
— Bem, o ponto que eu estava tentando fazer antes de você se meter com essas merdas de
fatos — continua, rolando os olhos, porém sorrindo depois — é que eu acho que, apenas usando uma
porção deste mundo, perdemos um monte de coisas que estão bem na nossa frente e várias que não
podemos ver, mas nunca ficamos parados o suficiente para reconhecer.
— Tem certeza de que só tem vinte e cinco anos? Agora nem parece mais certo chamar
você de PYT.
Nossas risadas e olhos contentes se encontram por cima da mesa. Bloqueio os outros
clientes, o som das louças, o murmúrio das conversas. Foco em qualquer farelo de pão que ela possa
deixar cair e me ajudar a entender o que a moldou.
— Então, devo chamar você de Glad? — questiona, atrevida.
— Oi? De jeito nenhum.
— Mas ouvi pessoas te chamarem assim hoje no parque.
— Sim, mas só meus colegas de equipe e a mídia. — Nego com a cabeça. — Alguns
repórteres esportivos disseram que eu era um guerreiro nas quadras e isso evoluiu para Gladiador,
mas muitas pessoas diminuem para Glad.
— Todo mundo me chama de Lo.
— Acho que vou chamá-la de Botão — digo provocativamente. — Quer dizer,
considerando que foi isso que nos levou ao nosso primeiro beijo.
Não dá para saber se um rubor surge em suas bochechas acobreadas, mas seus cílios
descem e sua bela boca se curva nos cantos.
— Botão do tipo botão de flor? — pergunta. — Já sofro desafios demais com minha altura
para ser considerada apenas uma parte da flor.
— No mundo real, nós chamamos de “pequena”.
— Pelo menos não tenho que me abaixar para entrar em um restaurante.
— Agora você me pegou — concedo, rindo. — Ok. E se eu só chamar você de Botão
quando estivermos a sós? Será coisa só nossa.
— Amigos têm coisas “só deles”? — O olhar que ela me manda por cima da borda do
copo me faz pensar em dezenas de outras perguntas para as quais quero respostas.
— Acho que somos o tipo de amigos que fazem o que querem.
Suas sobrancelhas se arqueiam, dúvidas em seus olhos escuros misteriosos.
— Ah, somos?
Esta conversa apenas aprofundou minha atração pela Lotus e não tenho intenção de voltar
atrás agora.
— Seremos — afirmo, segurando seu olhar.
Se somos dois amigos que fazem o que querem, sei o que eu quero. E quanto mais descubro
sobre a Lotus, menos simples isso se parece.
[8] Quando um jogador faz um número maior ou igual a 10 em três quesitos de uma partida. Exemplo: 10 pontos, 10 rebotes
e 10 assistências.
Não há lugar como o nosso lar.
Estar na Filadélfia traz de volta tantas memórias, a maioria ligada ao meu pai. As marcas
que fez na parede para Kenya e eu enquanto passávamos em altura nossos pais. Ele lendo o jornal de
domingo na cozinha iluminada da nossa casa geminada em Society Hill. Seu suspiro, metade cansaço,
metade alívio, quando passava pela porta após um longo dia no tribunal. Sinto sua presença e ouço
sua voz em cada cômodo.
Simone e eu estamos descarregando as mercadorias que compramos na Whole Foods. Já
que minha mãe torceu o tornozelo e ficou em casa enquanto fazíamos compras, foi um bom momento a
sós com minha filha. Ela abre o armário à esquerda do fogão para guardar o sal, a pimenta e o
orégano.
— Pimenta na direita, Moni — avisa minha mãe, tirando o olhar do seu jogo de palavras
cruzadas.
— Desculpe, vovó. — Simone sorri para minha mãe e troca de lugar. — Papai, podemos ir
ao Geno’s?
Seus olhos brilham com uma empolgação rara e possivelmente fome dos famosos
sanduíches de bife com queijo.
— Claro. Passaremos por lá depois de darmos uma olhada na Faded com o tio Lucius.
Pode ser?
Ela assente e se aproxima, batendo os maiores cílios já vistos pelo homem; ou, pelo
menos, vistos por este homem.
— No Federal Donuts também?
— Sanduíches e donuts? — Minhas artérias choram.
— Onde mais eu consigo frango frito e donuts de uma vez? — pergunta, como se essa fosse
uma lógica racional. — Temos que ir ao Federal enquanto estivermos aqui.
— Kenan, você sabe que tomava café da manhã no Federal e almoçava no Geno enquanto
crescia — minha mãe diz, o sorriso mais largo que tenho visto em um longo período. — Ele até pode
comer todo regradinho e vegano agora, Moni, mas, acredite em mim, ele nem sempre foi assim.
Ela está certa. Lucius e eu comíamos e fodíamos por toda a cidade naquela época.
Nenhuma das minhas garotas favoritas precisa saber da trilha de camisinhas que deixamos para trás.
— Mãe, falei que não sou vegano. — Para minha mãe, ou você come sanduíches de carne e
donuts ou você é vegano. Aparentemente, não há meio-termo. — Moni, vamos ao Geno’s hoje e no
Federal amanhã — sugiro. — Que tal?
— Tá bom. — Ela assente com a cabeça e um brilho ansioso surge em seus olhos azuis. —
E talvez fazer umas comprinhas.
Meu intestino se fecha. Engulo em seco.
— Compras? — pergunto, tentando disfarçar minha apreensão.
— Papai, por favor. — Simone une as mãos e faz beicinho. — Só na Forever 21 e na GAP,
e acho que tem uma J.Crew no…
— Ok. — Massageio o súbito nó que se formou na minha têmpora. — Algumas lojas. E
pensei que poderíamos ver filme ao ar livre no Oval.
— Uhuuul! — Joga os braços ao redor do meu pescoço. — Vou trocar de roupa.
Ela praticamente pula para fora da porta da cozinha.
— Erin Simone Ross — minha mãe chama, usando o nome completo da minha filha, sem
nunca erguer o olhar das palavras cruzadas. — Se você não voltar aqui e terminar de guardar essas
compras…
Simone para no meio do caminho e dá meia volta com um sorriso tímido.
— Sim, senhora — diz.
Ela tagarela sobre compras, donuts e aulas de dança pelos próximos minutos, enquanto
guarda as últimas compras. Estou feliz por tê-la trazido para a Filadélfia comigo. Não só porque
precisávamos de tempo sozinhos, fora da sombra da Bridget, mas porque acho que está fazendo bem
para minha mãe vê-la. E Simone parece mais feliz também.
Quão diferentes as coisas teriam sido se eu não viajasse tanto, se não passasse tanto tempo
longe da minha filha? Nunca houve um período, desde que ela nasceu, em que eu não jogasse bola
nove meses por ano.
— Pronto — Simone anuncia, triunfante. — Agora posso me trocar.
— Sim. — Faço nosso gesto amoroso em seu rosto. — Seu tio Lucius vai chegar aqui em
breve, então se apresse.
Ela desaparece em um flash, com alegria nas pernas e um cabelo selvagem.
— Obrigada por trazer a Simone para me ver — minha mãe agradece, uma vez que estamos
sozinhos na cozinha.
— Sinto muito por ter demorado. É difícil escapar. — Junto-me a ela na mesa. — E é
complicado para mim estar aqui às vezes, porque me faz sentir falta do meu pai. Voltou a pensar em
vender?
— Por que eu iria? Sua ida é o que nos faz sentir a falta dele — explica, girando a caneta
nas mãos. — Não importa onde eu durma. O que importa é que ele não está ao meu lado quando eu
acordo.
Os cantos de sua boca caem e ela pisca várias vezes. Odeio ter dito alguma coisa. Já faz
mais de um ano, Kenya e eu continuamos tentando ajudá-la a passar pelo luto, mas às vezes acho que
ela quer isso. Como se pensasse que, se tudo que sobrou do meu pai era o luto, ela aceitaria.
Ela é uma mulher pequena em uma família de gigantes. Meu pai tinha 1,95m. Minha irmã,
1,92m. Eu tenho 2,05m. Minha mãe tem 1,67m, contando com as meias. E ela ainda é uns dois, três
centímetros mais alta que a Lotus.
Pensar nela me desafiando no meio do Rucker Park me faz sorrir. Ela me faz sorrir.
— Como a Bridget está? — O tom da minha mãe fica mais frio notavelmente. Ela não
enxergou a Bridget como meu pai. Abraçou minha ex como uma filha e a amou desde o começo.
Apesar do comportamento do meu pai durante anos, ela ficou chocada e magoada quando notícias de
infidelidade da Bridget saíram.
— A Bridget é a Bridget. — Suspiro, envolvendo a mão ao redor da pequena xícara de chá
que mamãe colocou na minha frente. Ela ama tomar chá, mesmo quando está fazendo 32ºC do lado de
fora. — Esse reality show novo que ela está fazendo… Eu nem mesmo quero falar sobre isso.
— Ela ainda acredita que vocês dois vão ficar juntos?
Eu rio, o som duro e sem humor na cozinha.
— Se acredita, ficará duramente desapontada.
— Ela deveria encontrar alguém que a ame da maneira que procura — opina
decisivamente.
— Você está dizendo que eu não amei?
Mamãe balança a cabeça de uma forma que reconheço em mim mesmo, avaliando e
pesando suas palavras.
— Acho que ela teve uma estrada mais difícil do que pensou que teria ao se casar com
você.
— Uau, obrigado. Quase soa como se você pensasse que ela tinha razão em me trair.
— Não — diz com firmeza. — Nunca.
— Mas você acha que não a amei o suficiente? — questiono, franzindo o rosto.
— Acho que seu pai viu algo que não vi. Você e ele têm muito em comum. — Seus lábios
tremulam em um sorriso amargo. — Tinham muito em comum. Ele era como você antes de nos
conhecermos.
— E como era isso?
— Difícil de conhecer. Não era propenso a se abrir. Homens como vocês têm que ser
impelidos a se abrirem lentamente e a Bridget tentou quebrar você como uma noz. Embora, para a
mulher que você ama, ama de verdade, não seja um trabalho duro. Não tive que quebrar o seu pai.
Não tive que forçá-lo. Ele se derramou para mim. — Dá de ombros e nega com a cabeça. — Não sei
o motivo, de verdade. Não fiz nada de especial.
— Não, mas você foi alguém especial. Não foi algo que você fez. É quem você é.
Eu entendo isso. É o que sinto pela Lotus. É cedo demais para pensar dessa forma, mas é
difícil não fazer a comparação.
— Não é tarde demais para encontrar isso, filho. — Ela estica a mão por cima da mesa e
aperta minha mão. — Você e Kenya, se ela conseguir ficar parada por tempo suficiente.
Sorrio para isso e levo minha xícara para a pia, derramando o chá intocado.
— Ela disse que tem alguém para me apresentar quando vier para Nova Iorque, então nem
tudo está perdido daquele lado.
— Ainda vou conseguir netinhos! — Ela aplaude e dá risada.
— Com licença, a Simone é o quê? Filha de chocadeira?
— Uma neta? — reclama, os olhos arregalados, porém brilhando com uma alegria que não
tenho visto ultimamente. — Preciso de pelo menos um reserva, já que você não tem nenhuma
perspectiva.
— Quem disse que eu não tenho nenhuma perspectiva? — murmuro, sorrindo e
preparando-me para milhares de perguntas.
— Kenan Admiral Ross, o que você está escondendo de mim?
— Não estou escondendo nada… não de verdade. — Inclino-me contra a pia e cruzo os
braços sobre o peito. — É que tem essa… hm, garota com quem eu gosto de conversar.
— Você gosta de falar? — Incredulidade ergue as sobrancelhas da minha mãe. —
Prossiga.
— Ela é tão diferente de mim. É extrovertida, cheia de vida, a alma da festa. — Eu rio e
enfio as mãos dentro dos bolsos. — Mas ela também é atenciosa e sensível. Supersticiosa.
— De onde é o povo dela? — pergunta meio arrogante.
— O povo dela, como você chama, é de Nova Orleans, mas ela foi para a Spelman e
morou em Atlanta antes de se mudar para Nova Iorque.
— Excelente faculdade.
Não me incomodo de dizer que Lotus largou para seguir em moda. Apesar do enorme risco
que assumiu, deu tudo certo e ela caiu de pé. Lotus é uma gata com sete vidas.
— E a Bridget sabe que você está interessado em alguém? — Lança-me um olhar cheio de
significados. — Ela sabe que perdeu algo bom.
— Ela não perdeu tanto. Estou pagando o suficiente a ela todo mês.
— Você sabe que não estou falando sobre isso, mas tome cuidado com ela. Não enxerguei
quem ela era antes, mas agora eu vejo. Ela tem um lado vingativo.
— Talvez eu tenha também.
— Não tem, não. Você consegue fazer uma pessoa sentir que é uma sem noção com um
olhar, mas isso não é ser vingativo. É apenas sua personalidade. Seu pai era igualzinho.
A campainha toca antes que eu possa comentar algo.
— Deve ser o Lucius — digo.
— A barbearia está indo bem?
— Ótima, na verdade. — Indico a porta da frente. — Pelo menos é o que o Lucius me diz.
Preciso ver por conta própria.
Meu amigo está parado na varanda vestindo um grande sorriso e um chapéu kufi[9] branco
bem justo na cabeça.
— Assalamu alaikum — saúda, esticando-se para me abraçar.
— Wa Alaikum Assalam[10] — respondo, recuando para dar uma olhada nele. — Você
secou, mano.
— Cortei toda a carne de porco. — Sorri timidamente, ainda se parecendo o cara com
quem joguei no time júnior de basquete no ensino médio. Isso foi antes de eu ser levado para o time
da faculdade, claro. — E aquele treino que você me passou não foi nada mal.
— Nada mal? — Ele jurou que não precisava das minhas dietas “chiques” e treinamentos
para perder peso. — Ok. Vou deixar essa passar. Venha ver minha mãe antes que a gente saia para ir
à barbearia.
— Sua mãe ainda está bem? — pergunta, com aquele sorriso de adolescente que ela não
resistia. — Sabe que ela sempre teve uma vibe de Clair Huxtable. — Rolo os olhos e guio-o para a
cozinha. — É uma vergonha que a gente não possa mais assistir ao The Cosby Show. A Lisa Bonet
era gata demais — reclama. — Nós perdemos o Cosby e o Kanye.
Começo a rir, lembrando-me da conversa com Lotus.
— É, eu vi no Twitter que o Kanye está se afundando — brinco.
— Twitter? — pergunta, dando-me um olhar bravo. — Você ainda usa Twitter?
Queria que a Lotus estivesse aqui para curtir isso.
[9] Tipo de chapéu usado por diversos países da África e, apesar do cunho religioso, é muito utilizado pelos afro-
americanos dos EUA como marca do orgulho por sua cultura.
[10] Assalamu alaikum é uma saudação islâmica que significa “que Deus lhe conceda proteção e segurança”. Wa Alaikum
Assalam é a resposta para a saudação.
— Feliz aniversário!
Billie assopra todas as vinte e sete velas do enorme bolo de café com chocolate. Com
olhos risonhos e cabelo mais vermelho do que o normal, devido ao brilho das velas, ela se parece
ironicamente mais jovem enquanto comemora outro ano.
— Espero que tenha feito um pedido — Yari diz, apontando o telefone para tirar uma foto
do bolo e da aniversariante.
O sorriso da Billie desliza rapidamente, duvido que a câmera tenha pego, mas eu peguei.
Todos comemoramos e estou contente que as pessoas que mais se importam com ela estão aqui. Paul
não estaria aqui conosco, meros peões.
Isso me deixa doente.
Como uma mulher brilhante, ambiciosa e honesta como Billie pode deixar um homem como
Paul comer seu bolo me surpreende e deprime. Ela acha que Yari e eu não entendemos, que somos
muito duras com ela, mas vi em primeira mão e mais de uma vez quão perigoso é confiar em alguém
que não merece seu coração. É o motivo de tudo que já compartilhei com um homem estar da cintura
para baixo.
Ultimamente, nem isso tenho compartilhado.
Bem na hora, Chase se inclina e sopra em meu ouvido. Era para isso ser sexy?
Dou um tapa nele, como se fosse um mosquito irritante.
— Chase, quando você vai desistir? — Yari nega com a cabeça e passa pratinhos com
fatias de bolo.
— Eu não vou. — Aperta minha coxa debaixo da mesa. — Estamos dando um tempo, mas
ela vai voltar.
— Não, ela não vai. — Forço um sorriso e afasto sua mão. — Você está firmemente na
categoria foda antiga, e lá deve permanecer.
Amanda, que ainda está no meu cantinho da disciplina pessoal por tocar Kenan lá embaixo,
inclina-se para a frente, permitindo-nos um vislumbre do trabalho manual do seu cirurgião plástico
transbordando do decote.
— Espero que você não esteja se segurando para o nosso modelo de relógios — solta, os
olhos brilhando por despeito e pela bebida.
— Acho que era você quem estava tentando segurá-lo da última vez que verifiquei. —
Pisco para ela, destilando inocência e um “não me teste, sua vadia”. — Embora não tenha funcionado
exatamente como você esperava, né?
Seu sorriso vaporiza, a boca cai em uma linha fina e plana.
— De quem vocês estão falando? — Chase questiona, uma carranca entre suas
sobrancelhas loiro-escuras.
— Ninguém — eu digo, enquanto Amanda também fala:
— Kenan Ross.
Chase ri, zombando, e toma um grande gole da sua cerveja.
— Vocês duas estão sem sorte, já que ouvi que ele e sua esposa podem voltar.
Sei que é mentira, e sei que não deveria me importar, mas minhas mãos congelam a
caminho da minha boca, e meu Negroni parece pesado demais. Coloco de volta na mesa, mantendo
meus movimentos sutis e o rosto em branco.
— Ele é livre para fazer o que quiser — digo, e dou de ombros.
— Então não incomoda você se ele voltar para a esposa? — Chase pergunta.
— Nem mesmo um pouquinho — minto.
Quando isso se tornou mentira? Quando abaixei minha guarda por tempo o suficiente para
Kenan Ross se tornar uma possibilidade? Para se tornar uma exceção às regras que governam minha
vida e mantêm meu coração intacto?
Não vou mencionar meu coração na mesma frase que Kenan Ross.
Mesmo assegurando a mim mesma desse fato, lembro-me de assisti-lo no Rucker semana
passada, admirando sua confiança e facilidade com o público. Ele não tenta comandar todo o espaço
em que está. Apenas acontece. Não só por sua altura. Havia outros jogadores lá naquele dia — mais
altos, mais largos, mas ele se destacava. Todos os olhos ficavam presos nele.
Pelo menos os meus estavam.
E eu reprisei mentalmente nossa conversa fascinante e desconcertante no Sylvia’s muitas
vezes. Ele teve a coragem de me perguntar sobre vudu e falei mais abertamente com ele sobre minha
herança e sobre a MiMi do que já tinha feito.
— Que bom que você não está presa ao Ross — Chase fala, arrastando-se, cortando com o
garfo um pedaço enorme de bolo. — Seus sentimentos ficariam feridos ao vê-lo com a esposa
naquela mesa ali.
Chase aponta com a cabeça para o outro lado do cômodo e, antes que eu possa me parar
(droga!), viro-me nessa direção. Meus olhos colidem com os de Kenan e minha respiração morre.
Esse homem é um gato. Não dá para ficar negando isso.
Obviamente, ele voltou da Filadélfia. Tudo bem ele não ter ligado. Venho dizendo a mim
mesma que o melhor é mantermos as coisas nessa pequena caixinha marcada como “amizade”. É só
agora, quando nossos olhos se encontram e se prendem, que admito que estou mentindo para mim
mesma. Senti falta dele e esperava que tivesse me ligado, mesmo tendo dito o contrário a mim
mesma. Meu olhar desliza para a bela mulher loira ao seu lado.
— Ah, uma loira bonita dos olhos azuis com peitão não é seu tipo?
— Costumava ser. Fui casado com uma por muito tempo.
Ele disse “costumava ser”, mas parece que eles ainda são. Volto o olhar para a mesa e
encontro o escrutínio cruel do Chase esperando por mim.
— Como eu disse — Chase diz, com um sorrisinho rígido —, que bom.
— Ouvi que ela está em um novo reality show — Amanda interrompe. — Amor de
Jogador. E que Kenan se mudou para Nova Iorque para ficar mais próximo, já que ela está gravando
aqui.
Não foi assim que Kenan me contou, mas fiz voto de silêncio sobre o assunto Kenan Ross e
certamente não vou quebrá-lo por esses dois idiotas fofoqueiros.
— Abra seus presentes, Bill. — Inclino-me por cima do Chase para falar com a minha
amiga. — Se você não amar o que te dei, vou querer para mim.
Billie não precisa de muita persuasão, e grita e murmura a cada presente. O tempo inteiro,
recuso-me de forma teimosa a olhar para trás na direção do Kenan e sua ex-esposa, mesmo que sinta
seus olhos em mim mais de uma vez.
— Lo! — berra e segura o presente que fiz para ela. — Que lindo. É um dos seus designs?
Sorrio e aceno, inchando com orgulho silencioso quando Billie coloca o pequeno bolero. É
de lantejoulas, e a costura é tão sutil que fica praticamente invisível. O bordado nos cotovelos e a
gola são intrincados e vibrantes.
— Eu amo tanto você. — Seguro-a apertado e sussurro em seu ouvido. — Cuidado com o
que você deseja, Bill.
Ela se afasta e encara meu rosto, os assustados olhos verdes procurando nos meus por algo
que ela não tem certeza de que eu tenho. Nem eu mesma sei, mas tenho esses impulsos. Sugestões.
Fortes sentimentos. Nem sempre sei o que as coisas realmente significam e a maioria delas eu ignoro,
mas, uma vez ou outra, digo o que vejo e vi a Billie desejando algo que não deveria.
— Ok, chega dessa festa do amor — Chase diz. — Ou vocês duas começam a se beijar ou
se separam para você abrir meu presente, Billie.
Billie tropeça antes de sentar, mandando um olhar atordoado para mim antes de voltar à
sua pilha de presentes. Volto para o meu assento, sentindo olhos em mim daquela direção, finalmente
desistindo e encarando em direção à mesa do Kenan. Estou pronta para fazer careta ou mostrar a
língua — qualquer coisa que o coloque para fora do jogo —, mas não é Kenan que está me
encarando.
É ela.
Os olhos de Bridget Ross são de um azul frio e congelante em um vidro fosco. Afasto o
olhar rapidamente, perguntando-me por que ela está me encarando. Senti algo conectando Kenan e eu
desde a primeira vez que nos vimos. Ela é inteligente o suficiente para discernir a linha invisível nos
conectando de lados opostos da sala?
— Você está pronta para pegar o trem? — Yari me pergunta, uma vez que pagamos nossa
conta, guardamos o que sobrou do bolo e nos preparamos para nos separar dos outros. — Garota,
temos que pegar o bonde para o Brooklyn.
— É. — Em um estalo, tiro meus pensamentos de Bridget e Kenan. — Vou usar o banheiro
antes de irmos para casa.
Corro para lá torcendo para que ninguém da mesa me siga. Preciso de um minuto para me
recompor — para recuperar as crenças que eu tinha no começo dessa jornada e manter as coisas
simples. Para sermos apenas amigos. Porque em algum lugar ao longo do caminho as coisas
mudaram, e não tenho certeza se estou pronta para isso. Se há uma coisa que preciso ter é certeza.
Estou andando pelo corredor iluminado, quase no banheiro feminino, quando uma palavra
atrás de mim rouba todas as minhas certezas e me desafia a dar uma chance.
— Botão.
Ela para no meio do caminho, mas não se vira.
Suas costas atraem muita atenção. Enquanto eu estava na Filadélfia, ela recolocou tranças.
Brilhantes e platinadas à meia-luz do corredor, elas estão presas em um coque na cabeça dela por
palitos. Ela parece uma boneca chinesa, delicada e curvilínea. Seu vestido verde-esmeralda de gola
mandarim, estampado com flores de cerejeira rosa, se encaixa perfeitamente nas linhas sinuosas do
seu corpo.
Vira-se lentamente, dando-me tempo suficiente para me preparar para ela, mas ainda não
estou pronto.
Quando me encara, minha mente se confunde um pouco. Procuro algo para dizer, mas minha
língua parece pesada, desajeitada. Ela sempre tem esse efeito em mim. Eu costumava ficar
ressentido, mas agora só confirma que fomos feitos para sermos especiais, não simples. Se Lotus,
com seus problemas de confiança e celibato temporário, não for algo complexo o suficiente, minha
ex-esposa aguardando no salão confirma que as coisas não serão fáceis.
Maquiagem e cílios falsos exageram seu já dramático olhar. Pequenas jades estão
penduradas em suas orelhas. Sua boca é de um tom escarlate, carnuda e, se minha memória funciona
corretamente, doce.
— Achei que tinha dito para não me chamar de Botão — ela diz como forma de
cumprimento.
— Achei que tínhamos concordado que eu faria isso quando estivéssemos sozinhos. — E
estamos sozinhos neste espaço estreito, mas há um elefante na sala a caminho daqui. — Estou aqui
com minha ex-esposa — aviso, inclinando-me contra a parede. — E filha. Tivemos um
aconselhamento familiar hoje. Simone vinha pedindo se poderíamos jantar juntos depois das sessões.
Nossa conselheira achou que fosse uma boa ideia.
— Isso é ótimo — diz, baixando os cílios em vez de olhar para mim. — Eu vi a sua… ex.
— Estávamos sozinhos porque minha filha encontrou uma amiga da escola e saiu da mesa
para dizer oi.
— Você não me deve explicação, Kenan — responde, as sobrancelhas arqueadas. — Não
estamos saindo nem somos um casal nem… nada, apenas amigos.
— Engraçado. — Alcanço seu pulso e gentilmente puxo-a para perto nos poucos
centímetros que nos separam de ficar frente a frente. — Não pensei nos meus outros amigos
diariamente enquanto estava afastado.
Puxo-a para um pouco mais perto até que a seda do seu vestido roça minhas coxas cobertas
pelo jeans. Ela inclina a cabeça para baixo, então tudo que eu vejo é uma coroa de tranças.
— E certamente não fiquei tentado a mandar mensagens para eles todos os dias —
adiciono. — Os meus amigos, é claro.
— Mas não mandou — diz suavemente, erguendo os cílios para me encarar. — Para mim, é
claro.
— Não tinha certeza se devia — pauso. — Não estou certo do que estamos fazendo ou de
que linhas posso cruzar. Nós temos duas regras absolutas. Sem sexo, porque você está “sem pau”.
Ela bufa e ri, como eu esperava que fizesse.
— E sem beijos até que você faça acontecer — continuo —, mas essas são linhas
desenhadas para os nossos corpos, não para os nossos sentimentos.
— E o que você acha que está sentindo, Senhor Ross?
O minúsculo momento de silêncio que segue a questão dela é como uma bifurcação, dois
caminhos diferentes. Um é pavimentado com autopreservação. Digo a ela que não sinto nada —
protejo a mim mesmo das armadilhas de uma mulher que não conheço bem o suficiente para confiar.
A outra estrada é de paralelepípedos, cheia de esperança — irregular, talvez um pouco instável, mas
daria a verdade para ela, torcendo para que devolvesse o favor.
— Estou sentindo… mais — digo, deslizando a mão por seu pulso para entrelaçar meus
dedos aos seus. — Mais do que eu planejava sentir. Mais do que, se eu fosse esperto, me permitiria
sentir.
— Se você fosse esperto? — pergunta, os olhos presos nos nossos dedos entrelaçados.
— É. A última mulher que confiei arruinou a minha vida.
Nunca falei isso dessa forma, mas é verdade. Quando as notícias do caso da Bridget
vazaram, eu estava vivendo um sonho. Acabara de ganhar dois anéis de campeão com um time a
caminho de outra temporada. Tinha uma bela esposa, uma filha que eu adorava, sucesso e saúde. Mas
era apenas isso — um sonho. Uma frágil ilusão destruída por uma escolha e muitas mentiras.
— Não sou ela, Kenan.
— E eu também não sou quem quer que torne difícil que você confie nos outros.
Ela morde o lábio inferior entre os dentes e assente.
— Não estou dizendo isso para apressá-la, Lotus. Estou dizendo que nós dois temos razões
para sermos cautelosos. Falei para você no começo, não preciso de complicações. Minha família é
uma bagunça. Minha ex é um circo completo. Minha filha não tem certeza se me odeia ou me ama de
um dia para o outro. Mais do que em qualquer outro momento da minha vida, preciso de algo
simples. — Ergo seu queixo e, quando ela me encara, olhos cobertos com mistério, respondo sua
pergunta sobre o que estou sentindo: — Eu preciso de algo simples — repito —, mas eu quero você.
Ela fecha os olhos e aperta meus dedos, como se estivesse se apegando a este momento —
fechando-o em suas mãos e gravando em sua memória. Espero que, depois que eu assumi o risco de
confiar nela, ela também vá confiar em mim.
— Papai?
A voz da Simone me assusta. Deve ter assustado Lotus também, porque ela larga minha
mão e dá um passo para trás. Quando olho pelo corredor, Simone está lá com uma expressão de
curiosidade no rosto. Bridget está atrás dela, olhos condenatórios.
Como se ela tivesse algum direito, porra.
— Moni. Oi, amor — digo, estabilizando a voz. — Como estava sua amiga? Camilla, era
esse o nome dela?
Simone fica em silêncio por um momento, encarando Lotus antes de se virar para mim com
uma leve carranca.
— Camille. Ela estava bem. Me convidou para dormir na casa dela semana que vem.
— Teremos que conversar sobre isso — Bridget diz. — Estamos prontas para ir para casa,
Kenan, se não for muito inconveniente.
A linguagem do amor da Bridget é passivo-agressiva.
— Claro que não. Vou pegar o carro. — Viro-me para Lotus. — Quero que conheça alguém
antes. Moni, essa é a Lotus. Lotus, minha filha, Simone.
Simone não se move, mas assiste de uma distância segura, alguns passos afastada. Depois
de uma breve hesitação, Lotus dá um passo à frente e estende a mão.
Minha filha é alta para a idade. Ela não tinha escolha, considerando a altura dos pais. Com
14 anos de idade e 1,70m, ela já é mais alta que a Lotus, que mal alcança seus olhos, mesmo usando
saltos.
— Oi, Simone — cumprimenta, a voz baixa e rouca, porém forte. — Prazer em conhecê-la.
Simone pega, mas rapidamente larga a mão da Lotus.
— E essa é a Bridget — apresento. — A mãe da Simone.
A boca da Bridget se aperta e suas narinas se abrem. Baseado no conselho da Doutora
Packer, eu deveria focar no papel da Bridget como mãe da Simone, não no seu antigo papel como
minha esposa. Ela deveria estar feliz por ter sido apresentada.
— Prazer em conhecê-la — Lotus fala, esticando a mão para Bridget, que a pega apenas
com as pontas dos dedos, como se estivesse com medo de Lotus contaminá-la de alguma maneira.
— Hmmm… — Bridget cumprimenta com uma sílaba rude.
— Lotus é…
— Da JPL Maison — interrompe Lotus, o sorriso impessoal e sereno. — Trabalho para o
Jean Pierre Louis e Kenan é o novo porta-voz dos nossos relógios.
Isso está bom por agora, mas minha torcida era para que, em algum ponto, Lotus e eu
tivéssemos que dar algumas explicações. Pelo menos para a Simone. Quem se importa com o que a
Bridget pensa a respeito da minha vida pessoal?
— O carro, Kenan? — Bridget pergunta bruscamente. — Simone precisa chegar em casa.
Ela tem um ensaio de dança amanhã cedo.
— Bem, foi um prazer conhecê-las — Lotus diz. — Boa noite.
Vira-se de volta para o banheiro e entra lá como se nada a tivesse parado. Como se eu não
a tivesse parado.
Nós três ficamos em silêncio enquanto pago a conta. Pego o carro e levo Simone e Bridget
de volta para o apartamento que minha ex alugou no Upper West Side. Não fiz nada de errado e não
tenho intenção de me desculpar por falar com uma amiga em um corredor. Ainda há um frio no ar por
causa da umidade da noite de julho. Nem Bridget nem Simone expressam seus pensamentos, mas sei
que estão especulando. Se as coisas se desenvolverem com Lotus como espero, haverá um momento
e lugar para orientá-la sobre Simone. Se as coisas pararem — se Lotus decidir que esse é o mais
longe que nós vamos —, não interrompemos nada.
Caminho com elas até o apartamento e volto para onde meu carro está estacionado, quando
o telefone acende com uma mensagem.
Com um sorriso que se espalha pelo rosto, descanso os cotovelos no volante e respondo.
Estou sozinho. Não consegui dizer que você estava linda hoje.
Começo a rir quando percebo que ela está repetindo nossa primeira troca de mensagens,
então sigo o script.
Existe um assunto?
Assunto: SÁBADO
Aquele tal de August serve para alguma coisa. Meu companheiro de equipe no San Diego
Waves, casado com a prima de Lotus, Iris, tem me incomodado desde que pedi o número dela.
— Se você me deu uma orientação errada — murmuro, enquanto cruzo o saguão. — Vou
raspar as drogas dos seus cachos na próxima vez que dormir no avião.
Simone e Bridget já estão sentadas na área de espera. Sei que não estou atrasado.
Geralmente as encontro aqui.
— Ei, Moni. — Deslizo a mão por seu rosto para saudá-la e dou um puxãozinho em seu
rabo de cavalo.
— Não, pai — reclama, bloqueando meu toque com ambas as mãos. — Não toque. Preciso
que esteja arrumado para o meu recital de amanhã.
— Você tem um recital amanhã? — Franzo o rosto, olhando entre elas. — Não está no meu
calendário.
— Bem, acho que o Davis cometeu um erro — Bridget diz, irritada.
Meu assistente, Davis, lá de San Diego, não comete erros com meu calendário ou em
qualquer outro aspecto da minha vida. Eu estaria perdido sem ele.
A porta se abre e a Doutora Packer caminha para fora com um sorriso acolhedor para nós
três.
— Bom vê-los — ela diz, gesticulando para nós entrarmos em seu escritório.
— Espere aqui fora por alguns minutos, Simone — Bridget pede, lançando-me um olhar.
— Precisamos de alguns minutos sozinhos com a Doutora Packer primeiro.
— Precisamos? — pergunto, franzindo o rosto. É a primeira vez que ouço isso.
— Precisamos — confirma, passando por mim em direção ao escritório.
O que é isso agora?
— Algum problema, Bridget? — a doutora pergunta de trás da mesa. — Sei que
conversamos há algumas semanas sem a Simone, mas gosto de limitar reuniões improvisadas como
esta e agendar nosso horário sem ela. Ver algo assim pode fazê-la sentir que estamos falando sobre
ela.
— Bem, nós meio que estamos — começa Bridget —, graças ao comportamento
imprudente do Kenan.
— Meu? — Aponto com o polegar para o meu peito. — Imprudente? Como assim?
— Assim. — Ela empurra o telefone na minha direção.
Quando vejo a foto no Instagram, quero rosnar para Bridget por se meter nas minhas
coisas. Ao mesmo tempo, quero chutar a mim mesmo por não ter sido mais cuidadoso. O garçom do
Sally Roots postou a selfie comigo. Na parte de trás da foto, quase como uma penetra, Lotus está
olhando para o telefone. Sua cabeça está abaixada, mas aquelas tranças platinadas são únicas.
Bridget as viu na noite do restaurante. Pedi ao garçom para não me marcar e ele não o fez, mas usou
#KenanRoss.
— Você é contra eu tirar uma foto com um fã?
Ela terá que dizer as palavras — ser mesquinha o suficiente para arrumar confusão com
algo que não é nada demais.
— O que eu sou contra — cospe — é essa mulher com quem você está rodando por Nova
Iorque.
— Rodando por Nova Iorque? Dificilmente.
— Do que você chama isso então? — Ela me empurra o celular novamente.
Há fotos minhas com Lotus no Jane’s Carousel. Estamos rindo na imagem e quase sorrio
novamente comigo enorme e ridículo no carrossel, apesar da situação estranha em que estou agora. A
legenda do post é: “Não se vê isso todo dia. #KenanRoss”.
Bridget deve ter me perseguido e procurado aquela hashtag do Instagram. Quero tacar o
telefone dela na parede mais próxima.
— Posso ver? — a Doutora Packer pergunta e aceita o telefone. — Qual é o problema?
— Você disse que não deveríamos nos envolver com outras pessoas — retruca Bridget,
irritada.
— Não — a Doutora Packer responde. — Eu disse que deveriam ser cuidadosos com a
forma como iriam apresentar isso para a Simone. Admito que o Instagram não é a melhor forma,
especialmente dado o recente… drama que veio pelas mídias sociais.
Bridget limpa a garganta com a menção de toda a nossa merda que foi jogada no ventilador
por causa das suas palhaçadas.
— Mas essas fotos podem ser interpretadas como mera amizade também — pontua a
Doutora Packer. Ela vira a atenção para mim. — Essa é apenas uma amiga ou é alguém que
precisaremos apresentar para a Simone eventualmente?
Este é o momento da verdade. Eu poderia negar e tirar Bridget da minha cola. Poderia
atrasar as coisas e ver Lotus discretamente — evitar tudo completamente por mais algumas semanas.
Só que eu não quero.
Quero ser mais do que sua amiga.
As palavras roucas e doces da Lotus que estão me perseguindo desde sábado.
Não os afaste.
— Estamos vendo um ao outro. — Minha voz está forte e certeira, assim como meus
sentimentos pela Lotus, e seria o meu fim se eu mentisse sobre isso, sobre ela, para satisfazer a
possessividade fora de lugar e atrasada de Bridget.
— Eu sabia — diz Bridget com veemência, expirando em seguida. — No restaurante. Você
e ela no corredor. Eu vi a forma como olhou para aquela coisinha...
— Você não vai falar merda sobre ela — aviso, com uma ferocidade silenciosa.
Bridget pisca, os olhos azuis saltados. Tudo fica silencioso por um momento, enquanto ela
e eu avaliamos um ao outro, nenhum dos dois recuando.
— Acho que nós devemos dar um passo de cada vez — Doutora Packer diz, quebrando
nosso olhar. — Queremos introduzir… qual é o nome dela?
— Lotus — respondo.
— Temos várias coisas programadas para a sessão de hoje — começa a Doutora Packer,
olhando para suas anotações e depois de volta para nós. — Quer adicionar apresentar a Lotus?
— Simone tem um grande recital — Bridget avisa de forma brusca. — Vamos deixar que
ela passe por isso antes de darmos notícias desagradáveis como essa.
— Não são notícias desagradáveis. Não estou fazendo nada de errado.
— Você está fodendo com ela? — demanda, olhos frios.
O suspiro da Doutora Packer é o único som na sala.
— Isso não é problema seu — respondo controlado, apesar da fúria arranhando minha
barriga. — E não é apropriado que você pergunte sobre isso aqui, ou em qualquer outro lugar, a
propósito.
Fico de pé e direciono-me para a porta.
— Trarei a Simone — aviso. — Já que nós obviamente terminamos aqui.
Simone se junta a nós e começa a falar sobre dança, seus novos amigos e todas as coisas
que parecem estar melhores em sua vida. Isso me deixa mais à vontade. É só quando sinto o olhar
assassino da Bridget em mim a cada poucos minutos que me questiono se talvez não tenhamos
terminado afinal. Talvez o drama com a Bridget esteja apenas começando.
— Temos convidados chegando — JP avisa, seu tom distraído enquanto ele espreme os
olhos para as faixas de cores espalhadas pela longa mesa de vidro, uma concessão anacrônica para a
era moderna em um escritório temperado com móveis franceses antigos.
— Convidados? — Passo pelas amostras de tecido que trouxe para ele analisar. — Quem?
— Acho que algumas daquelas donas de casa. Paul vai coordenar. Estão vindo com a
desculpa de estarem procurando vestidos para um evento. Vivem procurando por lugares bonitos
para terem suas brigas e manterem as coisas interessantes. — Ele tira um par de óculos de aro verde
do bolso da camisa e desliza no rosto. — De onde veio esse?
— Deve ter uma etiqueta. — Inclino-me e viro a amostra. — Lá vamos nós. B&J Fabrics.
— É próximo, mas um pouco amarelo demais, não? — Ele lança o olhar por cima dos
óculos fashion e estremece. — Sabe como me sinto a respeito de verde-limão.
— Claro. — Arranco o tecido ofensivo dos seus dedos. — Quer que eu misture algumas
cores e leve algo para o nosso cara na 37ª? Ele pode ser nossa melhor chance de personalizar.
— Boa ideia. — Ele olha por cima de mim e sorri. — Ah, estava me perguntando quando
você iria descer, Vale.
Sua assistente entra, um estudo da sofisticação islandesa e eficiência fria.
— Estamos atrasados — lembra-nos desnecessariamente. — O show é em menos de dois
meses.
— Mon dieu! — JP pressiona a mão gorducha no peito. — Eu não tinha ideia! Sabia que a
Fashion Week é bem em breve, ma petite?
Devolvo o sorriso irônico, olhos brilhando, que ele manda para mim. Anjos já estão
preparando um lugar na sessão VIP do céu pelo que a Vale atura com o JP.
— Ouvi algo sobre isso. — Recolho as amostras do tecido e beijo a bochecha maquiada
da Vale. — Vou trabalhar nesses prazos de produção para ontem.
— Esse era meu próximo item em pauta. — Sua expressão suaviza e ela indica os tecidos
de cores vibrantes em meus braços. — Verde-limão pode ser a cor que o JP não suporta. Vermelho é
a do Paul. É melhor estarmos de preto depois desse show. Muito trabalho a fazer.
É a minha deixa para correr para o meu próprio cubículo. Cada show é um trampo enorme
e, quanto mais próximos ficamos, menos tempo teremos para qualquer coisa além dessas paredes. A
semana antes do evento é conhecida por acamparmos aqui, dormindo e negligenciando qualquer
coisa pessoal, inclusive a higiene, para deixar tudo pronto.
Duas cabeças surgem na divisória elegante, que proporciona uma frágil aparência de
privacidade para trabalhar.
— O que vocês duas querem, danadinhas? — Olho por cima do meu laptop para ver Yari e
Billie por cima da minha divisória.
— Hm… nós trouxemos presentes — Yari fala, alegria enchendo suas palavras.
Torço para que seja um dos lattes do outro lado da rua, que eu amo.
— Não é nosso — Billie praticamente grita, puxando um buquê de um local escondido
atrás de suas costas. — Mas estamos morrendo para saber quem foi que as enviou!
Ela segura um vaso pequeno com pequenas flores de lótus em tons vivos de rosa, roxo e
azul. Sei quão difícil é encontrá-las por aqui, sendo praticamente impossíveis de replantar. São muito
complicadas de conseguir e duram apenas poucas horas. Observo o pequeno vaso com uma fita
amarrada no pescoço e um envelope lacrado. Minhas amigas estão paradas com as línguas
praticamente penduradas para fora. Obviamente não estão planejando me dar muita… privacidade.
Se é que vão.
Billie segura as flores enquanto pego o envelope e abro o cartão lá dentro. As palavras
quase ilegíveis parecem ter sido jogadas ali.
Botão,
Falei que odeio mandar mensagem.
Infelizmente, flores de lótus não vivem muito depois de serem cortadas do solo onde foram
plantadas. Perde um pouco do impacto ao saber que estarão murchas no momento em que você
vier jantar na minha casa hoje à noite. Ah. Você viria jantar na minha casa hoje à noite? Posso
buscá-la no trabalho. Mande apenas uma mensagem com um sim... ou um não... e em que momento
você gostaria que eu fosse até aí.
“Deixe-me ver seu rosto. Deixe-me ouvir sua voz, pois sua voz é doce e seu rosto é adorável.”
Cântico dos Cânticos 2, 14.
— Kenan
No começo, o dia parecia estar voando e ser curto demais para que eu conseguisse fazer
tudo. Tendo seis em ponto e Kenan como minha linha de chegada, o dia está oficialmente levando a
droga de uma eternidade para terminar. São apenas três da tarde quando verifico o horário no meu
laptop e levanto para me esticar. Arranco uma das flores e pressiono contra o nariz, mergulhando no
perfume doce.
— Algumas pessoas da nossa equipe trabalham aqui. — Ouço JP dizer. — Mas toda a
costura acontece lá embaixo e mantemos as roupas para vocês verem lá também. Sigam-me.
Deve ser o elenco do reality show. Graças a Deus eles não vieram para a minha área.
— Ah, você está aqui.
Olho para cima, chocada de encontrar Bridget Ross parada no meu cubículo.
— Posso ajudar? — É uma pergunta recheada com um “mas que inferno?”.
— Perguntava-me se seu escritório era aqui em cima — diz casualmente, aproximando-se.
Ela encara as flores na minha mesa antes de virar os olhos azuis congelantes para mim.
— Você está aqui com a equipe? — indago. — O Amor de Jogador está de olho na
coleção?
— Sim. Eu queria ver sobre o que era todo o burburinho. — Faz uma parada significativa,
correndo os olhos pelos meus jeans skinny, uma regata canelada e cardigã simples.
Minha paciência está acabando.
Senhor, dai-me sabedoria para não chutar a bunda dela.
Com Deus ao meu lado, talvez a Bridget saia daqui como uma única peça loira e magra.
— O que posso fazer por você, Bridget? — questiono. — É Bridget, né? Nós nos
conhecemos naquela outra noite no restaurante, acredito.
— Você sabe bem quem eu sou — solta, com uma indiferença ilusória. — Ou deveria
saber, já que está fodendo com meu marido.
Senhor, não me deixe.
— Acho que você deveria ir antes de se fazer parecer ainda mais desesperada — sugiro,
espero que com alguma gentileza e não com o dedo do meio que quero enfiar no nariz dela.
— Tem certeza de que não quer que eu fique por aqui? — Senta na ponta da mesa e
acaricia uma pétala da flor de lótus. — Eu poderia te dar algumas dicas de como o Kenan gosta que
chupe o pau dele. Estivemos juntos por uma década. Pouparia um bom tempo seu.
Ando até que esteja em frente a ela. Cuidadosamente, tiro minhas flores de perto do seu
toque.
— Por que eu iria querer um conselho da mulher que o perdeu? — pergunto, minha voz
sussurrada. Não preciso de uma cena. Tenho certeza de que suas câmeras estão próximas e prontas
para atacar. Darei a ela a menor munição possível.
— Você não vai conseguir ficar com ele — zomba.
— Bem, pelo menos teremos algo em comum e talvez aproveitaremos melhor a companhia
uma da outra, mas, por enquanto, repito: saia.
— Você não faz ideia de com quem está lidando — avisa, o queixo erguido, jogando o
cabelo para trás.
— Ah, não, você não sabe com quem você está lidando — devolvo, meu tom suave com um
perigo que ela não consegue, não pode entender. — Você deveria rezar a Deus para que minha
bondade e paciência não acabem, ou eu vou matar você.
— Lembre-se apenas de que ofereci ajuda para você acertar — diz, rancorosa, ficando de
pé.
— É melhor que você acredite que, quando estou fodendo com o seu ex-marido — digo a
ela —, essa é a última coisa que temos em mente. Agora desapareça da minha frente, do meu
escritório e fique fora do meu caminho.
— Não deixarei você arruinar as coisas para nós — garante, a voz veemente.
— Você já arruinou — afirmo, com pena.
E tenho mesmo pena dela. Eu me odiaria se perdesse um homem como Kenan, perdesse
uma vida com ele. Desespero a toma, e pergunto-me se ela o traiu e depois acordou como se fosse
um sonho, percebendo o que fez. O que perdeu e desperdiçou.
Ela me encara, depois olha as flores uma vez mais. Algo surge em seus olhos e a fachada
desliza. Ela pisca os olhos azuis brilhantes, vira e sai.
Estou encostado no “tanque”, como Lotus chama minha caminhonete, quando ela sai de
dentro do prédio. Todas as tranças finas e individuais estão unidas e presas em duas mais grossas.
Ela parece uma garotinha, exceto por aquela bunda, aqueles peitos, os lábios e todas as outras partes
dela.
Então é só o cabelo mesmo.
Abro o lado do passageiro, mas, quando ela passa por mim para entrar, agarro seu
cotovelo gentilmente e viro-a para que suas costas estejam contra a porta aberta. Apoio os braços no
carro, acima da cabeça dela, inclinando-me para baixo.
— Oi — falo a palavra em tom baixo e inclino-me para beijar a linha de sua mandíbula.
— Oi, você — diz, com um pequeno sorriso. Moldo a mão em sua cintura, o polegar
roçando levemente a parte inferior do seu seio. — Kenan — chama, sem ar. — Não consigo pensar
quando você me toca assim.
Deslizo as mãos para dentro do bolso.
— Olha. — Inclino-me para a frente, pairando sobre seus lábios. — Nada de mãos.
Com o beijo, nossos lábios são o único ponto de contato, nossas bocas ligadas por um
único fio de luxúria. Nossos gemidos se encontram e sincronizam. Centímetros nos separam. Meus
braços não a envolvem, mas a paixão apenas dos nossos lábios e línguas queima o espaço entre nós,
assim eu sinto cada centímetro dela.
— Aqui fora não — diz suavemente, triste, depois de alguns segundos, e se separa.
Ela está certa. Já tenho a Bridget procurando hashtags no Instagram. Não preciso que
alguma foto surja e torne as coisas mais complicadas com a Simone antes do que elas devem ser.
Estou com medo de falar com a Lotus sobre isso, mas ela precisa ser avisada sobre o que aconteceu
na sessão de aconselhamento com a Bridget. Não espero que haja drama, mas nunca dá para saber
com a minha ex.
Pressiono a testa na dela por um breve momento, mas não consigo resistir a roubar outro
selinho rápido em seus lábios. Tenho pensado nisso o dia inteiro. Merda, tenho pensado em beijar a
Lotus de novo desde que nosso último beijo terminou.
Ela devolve o selinho. Nossas bocas não se abrem. Nossas línguas não se enroscam. Mas
essa simples pressão parece incrível, como se houvesse algo que trocamos mesmo em um toque tão
casto.
Fecho a porta do passageiro quando ela entra e subo no assento do motorista.
— Meu chef entregou o jantar lá em casa — aviso a ela, entrando na rua ao lado do ateliê.
— Não iria submetê-la à minha culinária.
Ela inclina a cabeça, mordendo a curva do lábio inferior.
— Kenan, tem uma coisa que preciso dizer.
Endureço e minhas mãos se apertam no volante com o tom sério da sua voz.
— Isso nunca é bom — murmuro. Parando em um sinal, viro-me para estudar seu perfil. —
O que é?
— Bridget veio ao estúdio hoje.
— Bridget? Minha ex? — Choque e fúria se misturam dentro de mim. — Veio ao seu
trabalho? Que inferno?
— Exatamente. Fomos avisados de que um reality show queria vir. Não é incomum.
Produtores estão sempre procurando por cenários legais para os dramas que os elencos precisam.
Felizmente, meu drama com a Bridget ficou só entre nós. Ela não trouxe nenhuma câmera ao meu
cubículo.
Centenas de cenários correm pela minha mente, nenhum deles fazendo sentido. A cada
segundo a chama da minha raiva aumenta, até que eu esteja cozinhando.
— Verde.
— Oi? — Viro os olhos cegos para ela. — O quê?
— O sinal ficou verde.
Uma buzina atrás de mim me tira do meu estupor raivoso.
— Droga. — Avanço, tendo dificuldades para não liberar minha raiva no carro. Quero
afundar o acelerador, canalizar toda a potência que não permito a mim mesmo de liberar em Bridget.
— Sinto muito, Lotus. O que ela falou?
— Ela me acusou de estar fodendo com o marido dela e ofereceu me ensinar como você
gosta que chupem seu pau.
Um rosnado ressoa na minha garganta.
— O que mais? — pergunto, com uma calma que estou longe de sentir. — E o que você
disse?
Lotus abre a boca, fecha novamente e olha pela janela.
— Lotus? O que mais? Preciso saber.
— Ok, droga — fala a contragosto. — Eu disse que, quando eu fodo com o ex-marido dela,
ela é a última coisa na nossa mente.
Suas palavras pousam feito uma mão no meu pau. Como não pousariam? Fico em silêncio,
marinando os pensamentos com as imagens que suas palavras evocam.
— Kenan, você ouviu o que…
— Sim, ouvi. — Lanço um olhar, metade luxúria, metade risada, para ela no assento do
passageiro. — Ouvi alto e claro. Quando fodermos. Entendi.
— Sinto muito se falei a coisa errada.
— Hm, não. — Bato os dedos no volante inquietamente. — Acho que foi… tudo bem. O
que você disse.
— Eu não podia deixar que ela…
— Claro que não.
— Mas deixei que ela pensasse que nós já… você sabe. Fomos ativos.
— Você fez soar como um check-up em uma clínica de saúde — digo, com um sorriso
malicioso. — Então, diga, Senhorita DuPree, você e o Senhor Ross ficaram ativos?
— Bem, eu não quis dizer a ela que não faremos sexo por um bom, bom, bom…
— Sério? — Aperto a ponte do nariz. — Tantos bons assim?
Ela joga a cabeça para trás e dá uma gargalhada.
— Você é maligna. — Rio, negando com a cabeça e entrando no estacionamento do meu
prédio.
— Engraçado. Em seu bilhete hoje parecia que você gostava bastante de mim. — Sua
mãozinha se curva ao redor da minha no console entre nós. — Obrigada pelas flores e pelo bilhete.
Fez meu dia.
— Isso depois que minha ex-esposa o destruiu.
— Ah, não. — Lotus nega com a cabeça. — Ela não tem tanto poder sobre mim.
Ficamos bem quietos uma vez que estamos dentro do prédio e mantenho distância até que
adentramos no elevador privativo que leva para o meu apartamento. Quando as portas se fecham,
puxo-a para mim.
— Oi de novo. — Inclino-me para baixo e abro seus lábios, depois deslizo para dentro
para prová-la. Meu Deus, tão doce. Ela se ergue na ponta dos pés; agarro sua bunda e levanto-a.
— Kenan. — Ela ri em nosso beijo. — Coloque-me para baixo.
— Por quê? Eu levanto mais peso no supino do que o seu, todo dia.
— Exibido — fala, a boca curvada com um sorriso feliz.
— Tenho que encontrar alguma forma de impressionar você.
Ela descansa os cotovelos nos meus ombros e acaricia minha nuca. Ainda está suspensa no
ar.
— Você me impressionou desde o começo — diz.
— Ah, foi? — Coloco-a de volta no chão quando as portas se abrem em meu andar, pego
sua mão e caminho para o meu apartamento. — Foi por isso que você estava sempre ansiosa para
sumir quando víamos um ao outro nos últimos dois anos?
Seu sorriso desliza, depois desaparece.
— Suspeitei que isso poderia acontecer. — Ela indica nós dois com as mãos. — E não
achava que era uma boa ideia.
— Por quê? — Levo-nos para dentro do meu apartamento e imediatamente puxo-a para
perto. Ela se aconchega no meu ombro, como se sentisse minha falta tanto quanto eu, de forma
irracional, sinto a dela. Tudo fora de proporção para o tanto de tempo que nos conhecemos. Além
dos poucos beijos que compartilhamos. — Por que você não achava que era uma boa ideia? —
pergunto novamente.
Ela passa os braços ao redor da minha cintura e apoia a cabeça no meu peito.
— As mulheres da minha família se fazem de bobas com os homens — conta, sua voz é
uma confissão. — Elas deixam homens influenciá-las. Arruiná-las. Não quero isso.
Beijo o topo da sua cabeça e puxo-a para alguns centímetros mais perto.
— Não quero arruiná-la ou fazê-la de boba. Sei como é o sentimento.
— Sei que você sabe. — Lança um olhar para mim, seus olhos tão reservados quanto
vulneráveis. — Esse foi o motivo de eu ter decidido beijá-lo no Brooklyn.
— Qual motivo?
— Você tem tanto a perder quanto eu; vai saltar tão alto para confiar quanto eu. — Ela
encolhe os ombros. — Talvez eu esteja me enganando, porque estou cansada de resistir à atração,
mas foi isso que eu disse a mim mesma antes de beijá-lo.
Assinto, pensando que essa possa ser a única vez que a merda para a qual Bridget me
arrastou funcionou a meu favor. Pego a mão da Lotus, coloco sobre o meu peito e cubro com a minha,
escondendo a dela completamente. Ela é tão pequena, mas não é frágil. Se estou usando uma das
histórias da Bíblia da MiMi que até eu conheço, Lotus é a pedra que Davi jogou para derrotar
Golias. Talvez eu não seja o gladiador, afinal, mas o Golias. Estou caindo? Caindo por uma pedrinha
que me acertou bem no meio dos olhos.
— Vamos comer — sugiro, depois de alguns minutos assim.
Entramos na sala de jantar, onde o chef deixou a comida em aquecedores de alimentos.
— Lugar legal — ela fala, examinando o apartamento de planta aberta e sentando em uma
cadeira.
— Não posso levar muito crédito. Já veio mobiliado. A única coisa que realmente
adicionei foi minha própria banheira de gelo.
— Banheira de gelo?
— Tomo banhos de gelo depois de todos os jogos e treinos mais pesados. Ajuda na
recuperação. Instalei uma para quando eu estiver aqui.
Pressiono alguns botões na parede e uma música, In a Sentimental Mood, soa no cômodo.
Parte da tensão que vinha carregando nos ombros desde que Lotus me falou sobre Bridget se desfaz.
Cada nota do saxofone de John Coltrane encontra um nó no meu pescoço e rola por cima dele
precisamente e com a quantidade certa de pressão.
— Na verdade, eu reconheço essa — Lotus comenta, apoiando o queixo na mão.
— Ah, é? — Sirvo uma porção de frango grelhado e vegetais no prato dela e uma porção
maior no meu. Coloco os dois na mesa e aceno para ela começar. — Vá em frente.
— Sim. É da trilha sonora de Uma loucura chamada amor — diz, e desliza uma garfada
de cogumelos e aspargos na boca.
Quase cuspo minha água no meio de um gole.
— Uma das melhores músicas do último século, do John Coltrane, um gênio, e o que você
tem de contexto para ela é um filme?
Ela ri e encolhe os ombros, provocando-me com o olhar, dando outra mordida.
— Espera — peço. — Você está me zoando?
Ela espreme o olhar e faz um gesto com o polegar e o indicador, deixando pouco espaço.
— Talvez um pouquinho.
Essa é só a pontinha do humor afiado da Lotus.
Ela me mostra muito mais disso pela próxima hora. Falamos tanto durante do jantar que
minha comida fica fria, negligenciada por eu estar absorto na maneira como ela pensa, na forma
como dá opiniões. A noite inteira flui com facilidade de um tópico ao outro. Nossa conversa muda
sem esforço de filmes, passando por música, até política. Não estamos alinhados em todos os pontos,
mas ouvir como ela chega às suas opiniões é tão satisfatório quanto compartilhá-las. Coltrane dá
lugar para Chet Baker e seu Funny Valentine. No momento em que chegamos ao sofá, Miles Davis
assume o centro do palco e caímos em silêncio, eu sentado no canto e ela agarrada a mim, os joelhos
dobrados debaixo do corpo.
— É essa — digo a ela quando It Never Entered My Mind começa.
— Sua música favorita? — sussurra, como se tivesse medo de interferir com seu diálogo
entre o homem e seu instrumento.
Assinto, ouvindo-o não neste cômodo, mas nas paredes cheias de livros do escritório do
meu pai naquela primeira vez; sentado com ele, escutando enquanto ele revisava seu material para os
casos do tribunal e eu fazia meu dever de casa.
— Era a favorita do meu pai também.
Seus olhos se enchem de compaixão por mim.
— Você sente falta dele.
Engulo, surpreso pela queimadura na minha garganta. Deve ser por me lembrar dele com
essa música tocando, rememorando sua natureza contemplativa e a forma como apreciava coisas
bonitas. Como passou ambas as coisas para mim.
— É. Eu sinto — respondo, depois de alguns segundos. — Você acha que está bem, mas
aí…
Ela assente contra meu ombro, mordendo os lábios e apertando o tecido da minha camisa
em seu punho.
— Penso na MiMi quase todo dia — diz. — Nem sempre de forma triste. Coisas boas
também. Algo que ela me disse, me ensinou. Uma receita. Um padrão de costura. Eu costumava lutar
contra as memórias dela porque machucam, mas percebi que era como se ela batesse à minha porta e
eu não a deixasse entrar. — Dá de ombros, o brilho das lágrimas em seus olhos escuros. — Ela
sempre me deixava entrar. Não pensar nela seria como me esquecer de partes existentes de mim. As
melhores partes.
— Nunca pensei dessa forma. — Beijo o topo de sua cabeça e puxo-a para mais perto. —
Quero que conheça minha mãe. Ela não está lidando bem com isso. Acho que vai gostar de você.
Ocorre-me, assim que digo, que pode ser um pouco além. Que ela pode pensar que já
quero que ela conheça minha família e que isso é rápido demais.
Ela sorri, piscando para afastar suas últimas lágrimas.
— Seria legal.
Devolvo seu sorriso, feliz por não sentir que isso é um problema para ela.
— E você vai poder conhecer minha irmã Kenya na próxima semana. Ela mal pode
esperar.
— Você falou sobre mim para ela? — Surpresa colore sua voz e o olhar que ela lança para
mim.
— Só que havia alguém que eu gostava.
— Tentei fazer isso com a Iris, mas agora ela sabe que é você — Lotus fala, sua risada
ressoando no meu peito. — Ela andou me perseguindo.
— Meu Deus, o August é igualzinho.
— Por que eles estão tão obcecados com a gente?
— Não é? Você falou com ela sobre nosso primeiro beijo? — pergunto, esperando
desconcertá-la. Ela pisca algumas vezes, mas, por outro lado, não parece surpresa ou afetada.
— Não — responde, fazendo um pouco de beicinho.
— E sobre o nosso segundo? — insisto, sorrindo mais abertamente. — Falou com ela
sobre o Brooklyn?
— Não, tenho sido meio protetora disso, de tudo isso, e não quero tanta intromissão, acho.
Estou testando meus instintos e limites. Isso soa estranho.
— Não, mas isso me faz questionar. — Mexo-me para poder alcançar seus lábios quando
eu estiver pronto. — Você vai falar para ela sobre este beijo?
— Que beijo? — sussurra, seus olhos correndo para minha boca.
Pressiono a minha na dela, provocando sua língua para brincar com a minha, e seu suspiro,
seu gemido e os sons que ela faz disparam pelo meu sangue. Sento-me, puxando-a para o meu colo
pela coxa fina coberta de jeans; depois a outra cai do outro lado do meu quadril. Ela volta, abrindo
minha boca com a sua, enfiando a língua com agressividade. Deslizo as mãos por baixo da fina regata
e exploro suas costas sedosas. Ela move o quadril por cima de mim e nós dois ofegamos.
— Faça de novo — ordeno com a voz rouca.
Ela obedece, movendo-se contra mim e arrancando um gemido da minha garganta. Envolve
os braços no meu pescoço e despeja beijos pelo meu queixo, maçã do rosto, nariz. São ternos e
doces, mas também quentes pra caralho.
Nem mesmo percebo que minhas mãos se moveram para a bunda dela e que guiaram seu
quadril para um passeio constante que a deixou arfando e o meu pau duro dentro do jeans. Seus
gemidos ficam mais altos, seus gritos harmonizam com as notas que saem dos trompetes de Miles
Davis. Ela está perto. Meu Deus, ela vai gozar. Afasto-me o suficiente para vê-la, preso no jogo de
emoções, na fome, na sua boca aberta, na cabeça caída para trás.
E então ela para.
— Kenan — suspira meu nome, os olhos bem fechados. — Ainda estou sem pau.
Sento-me perfeitamente parado e obrigo meu pênis a encolher até seu tamanho normal.
Forço minha respiração a normalizar.
Ficamos parados como crianças esperando um temporal passar, só que nós somos o
temporal. Esse sentimento entre nós é uma tempestade e não tenho nenhum desejo de procurar abrigo.
Quando ela me beija, eu me esqueço de tudo e fico debaixo da chuva.
— Obviamente, estou atraída por você. — Ela solta uma risada, nega com a cabeça e
abaixa os cílios. — Mas há algumas coisas em que ainda estou trabalhando. — Lança um olhar para
estudar meu rosto. — Está bravo comigo? — pergunta. — Por ter te deixado assim?
Passo o polegar pelos seus lábios inchados de beijos.
— Não sou um adolescente. Se eu não puder parar quando me pede sem ficar bravo com
você, não deveria beijá-la. Você está sem pau até segunda ordem. Esse é o acordo, e eu estou de boa.
Ela deixa a testa cair no meu queixo e acena, mas desliza a mão para minha nuca, passando
os dedos para cima e para baixo, como se estivesse acalmando um animal. Do jeito que minhas
emoções e hormônios estão rugindo, isso não é muito distante da realidade.
— Você sente cócegas? — questiono, precisando de uma distração da maneira como meu
corpo ainda queima e meu sangue ainda corre.
Sua cabeça se ergue e ela abre um sorriso largo.
— Não mesmo.
— Mentirosa.
Apoio suas costas no sofá e faço cócegas em suas laterais. Seus gritos abafam os primeiros
acordes de Sarah Vaughn. Depois de vários minutos de luta livre e cócegas, e de quase ter ficado
excitado novamente, ela para, respirando com dificuldade.
— Tenho que ir. Vou acordar muito cedo e sair muito tarde amanhã — diz. — Temos
provas de roupa e um monte de outras coisas para fazer conforme vamos nos aproximando da
Fashion Week.
Concordo, bem mais desapontado por ela ir embora do que por não transar hoje à noite.
Estou com tesão? Ah, estou sim. Provavelmente darei uso extra para a banheira de gelo em um futuro
próximo, mas honestamente ficaria feliz de apenas tê-la aqui ao meu lado, Miles no repeat, falando e
fazendo cócegas. Odeio que ela tenha que ir.
— Eu poderia pegar o trem para casa, sabe? — diz no elevador, que desce para o saguão.
— Faço isso o tempo inteiro.
Não justifico isso com uma resposta, e mantenho os olhos nos números acesos.
Não conversamos muito no caminho, mas tudo bem. Ela alcança minha mão, brinca com
meus dedos, estica-se para descansar a cabeça no meu ombro. Quando paro em frente ao seu
apartamento, ela insiste que eu não estacione nem saia.
— Isso significa que você terá que me beijar aqui então — digo a ela.
O beijo esquenta rápido, ardente, chiando no banco da frente, até que ela sobe no meu colo.
Seu quadril está girando. Estou me impulsionando para cima. Estamos compartilhando respirações
afiadas e quentes, arranhando as roupas um do outro. Se não pararmos, vou fodê-la no banco de trás
do carro, em frente ao seu prédio.
Afasto a boca, enterrando a cabeça no arco da sua garganta.
— Lotus, temos que parar ou eu… — Seguro sua cabeça nas mãos e viro o rosto para a
linha da sua mandíbula, deixando beijos seguros lá.
— Eu sei. — Ela assente e se esconde no meu pescoço.
Rasteja estranhamente para o lado do passageiro, pega a bolsa e sai, sem esperar que eu
abra a porta. Ela se vira para sair, mas volta, inclinando a cabeça para dentro da janela aberta.
— O que vai fazer sobre a Bridget? — pergunta.
Lotus disse que Bridget será a última coisa na minha mente quando fodermos, mas ela já é.
Não tinha pensado nela a noite inteira, mas sei que terei que lidar com a situação.
— Vou cuidar disso — digo, a voz tranquila, mas minha decisão é firme. Bridget arruinou
as coisas para mim por vezes demais. Ela não irá arruinar isso.
Inclino-me por cima do console e Lotus me encontra na metade do caminho, enfiando a
cabeça dentro do carro para um último beijo doce.
Vou cuidar de você.
— Então, quando vou conhecê-la?
— Conhecer quem? — pergunto para minha irmã distraidamente, parando na calçada para
olhar o espaço comercial para alugar. — Esse lugar é legal, mas o Soho não é o certo para a Faded.
— Não. — Kenya pressiona o rosto na janela, olhando para dentro. — Brooklyn, Queens,
Harlem, tanto faz. Um desses. Mas não evite a pergunta. Perguntei quando vou conhecer a garota que
você não consegue parar de falar.
— Quem? Lotus? — Lanço um olhar de dúvida para ela. — Eu praticamente nem a
mencionei.
— É? — Kenya volta a andar ao meu lado. — Então, como eu sei que ela trabalha para a
JPL Maison, nasceu em Nova Orleans e costura? Ah, e que ela gosta de rap murmurado. Que tem uma
tatuagem da flor de lótus em volta do umbigo e…
— Ok. Talvez eu tenha compartilhado alguns detalhes. — Lanço um sorriso para minha
irmã. — E ela só finge que gosta de rap murmurado para me irritar.
— Bem, estarei na cidade até amanhã, então preciso conhecer essa mulher que te levou
para o mau caminho.
— Ela não me levou para o mau caminho — zombo. — E você a conhecerá no jantar hoje à
noite.
— E como estão as coisas com a Bridget, desde que ela apareceu lá toda armada? —
Kenya dá um sorriso pretensioso. — Aparecer no local de trabalho da garota assim é o básico do
manual da vadia.
— Não estamos exatamente nos melhores termos. — Faço uma careta. — Não foi bonito
quando a confrontei; e ela tentou mentir, dizer que foi uma coincidência. Disse a ela que, se continuar
se metendo na minha vida, haverá consequências.
— Dinheiro?
— É a única vantagem que eu tenho sobre ela agora — digo. — Pago duas vezes o que
nosso acordo estipula, além da pensão. As necessidades da Simone estão mais do que cobertas. Todo
o resto é uma grana fácil, mas uma grana fácil que a Bridget gosta. Veremos se funciona.
— Espero que sim. — Keny olha para baixo, no telefone. — Ei, chegamos.
Atravessamos a rua e entramos na galeria. A Gilded Bean ostenta um espaço arejado, cheio
de pinturas, fotografias e esculturas.
— Legal, né? — Kenya pergunta. — Minha treinadora confia totalmente neste lugar. Ela
conseguiu todas as suas obras de arte aqui. E eles entregam fora do Estado.
— Vamos ver se há algo que você goste.
Amaria comprar algumas coisas para ela, mas minha irmã é tão orgulhosa quanto eu.
Talvez mais. Ela faz uma grana decente, mas eu ganho mais por um jogo do que ela recebe a
temporada inteira. Realmente preciso abordar o aumento salarial das mulheres no próximo encontro
da Associação dos Jogadores aqui em Nova Iorque. Fui eleito para o comitê executivo três anos atrás
e tem sido uma das minhas coisas favoritas aqui na liga. A maioria dos meus heróis, que veio antes
de mim, serviu na mesma função. Foi Oscar Robertson quem negociou o agenciamento gratuito para
os jogadores quando a NBA e a ABA se uniram. Ainda estamos nos beneficiando do seu trabalho.
Eu mesma sou fã de um Big O.
A piadinha da Lotus no nosso dia no Harlem se repete na minha mente, fazendo-me sorrir e
balançar a cabeça. Isso vem acontecendo bastante. Não temos conseguido passar tanto tempo juntos.
Ela teve que acompanhar o JP em Milão inesperadamente, o que é uma droga. Chegou em casa na
noite passada e estamos tentando nos organizar para que conheça a Kenya hoje à noite.
— Sua garota curte hip hop? — pergunta, mandando uma mensagem, sem erguer os olhos
do telefone.
— Sim. Por quê?
— Vai rolar um show. Talvez possamos ir depois do jantar. — Ela olha para mim, mas algo
por cima dos meus ombros prende sua atenção. — Cara, aquilo ficaria bom na minha parede. Merda,
ficaria bom na parede de qualquer um.
Olho por cima do ombro para ver o que é tão bom e paro, o meu sangue congelando,
depois fervendo em minhas veias. Cruzo a galeria com rápidas passadas para me unir a um pequeno
grupo parado na base de uma foto que deve ter sido ampliada para 1,80m de altura, presa a uma
parede.
É uma mulher.
A figura esguia está aninhada no canto de um assento próximo a uma janela. Suas pernas
finas, suaves e bronzeadas como cobre estão ligeiramente abertas. Sua cabeça, envolta por uma
cabeleira caramelo de cachos selvagens e espirais, está jogada para trás, expondo os músculos
elegantes de sua garganta e um pedaço de osso, sua clavícula, tatuado com algumas palavras. Ela está
usando uma camisa masculina branca, desabotoada, aberta, as pontas penduradas em cada lado das
coxas tonificadas. Um seio está parcialmente coberto pela camisa, mas o outro está exposto; aquela
parte do tecido caindo dos seus ombros e correndo pelo braço. Um pequeno piercing dourado de
barra perfura o mamilo rechonchudo cor de cereja, pendurado como uma fruta pesada de uma vinha.
O começo de uma tatuagem que atinge o topo das suas coxas aparece por baixo da barra da camisa.
Sua boceta está nas sombras, mas é óbvio que ela não está de calcinha, e sua barriga
levemente musculosa se eleva por cima do colo, decorada com uma flor aberta ao redor do umbigo.
Sua mão, mole ao seu lado, está adornada por um anel prateado e tatuagens de luas em três dedos.
Meus olhos seguem a linha do seu joelho, passando pela panturrilha, para os ossos bem trabalhados
do seu tornozelo. O esmalte preto nas unhas dos pés está levemente lascado, um detalhe íntimo e
sincero, como todos os outros detalhes íntimos e sinceros que ninguém na porra desta galeria deveria
estar colocando os olhos.
Fecho os olhos com força, de primeira bloqueando a imagem, mas também gravando-a por
trás das pálpebras para mais tarde. Para sempre. Quero arrancar da parede e queimar. Quero levar
para casa e acordar vendo-a todos os dias. Minha mandíbula dói com a força dos dentes cerrados.
Minha mão se abre e se fecha, formando e liberando um punho.
— Belas tetas, né? — Um cara com entradinhas recentes no cabelo me cutuca com o
cotovelo e compartilha um sorriso maroto.
Agarro seu braço e aperto. Ele grita, e Kenya arranca meus dedos do seu cotovelo.
— Que inferno, Kenan! — reclama, dando um olhar de desculpas para o homem que está
esfregando o cotovelo, fúria e medo em seu rosto. — Meu irmão tem, hm… TEPT. Sinto muito.
— Desculpe — murmuro. — Eu não queria…
— Sem problemas — ele diz apressadamente, andando para longe e jogando palavras de
despedida por cima do ombro. — Obrigado por servir.
— Servir? — pergunto, perplexo. — O que ele…
— De nada — Kenya solta. — Melhor ser um veterano problemático do que um jogador da
NBA que ele poderia processar por agressão. Cara, o que há de errado com você?
Olho de volta para a foto.
— Isso? — Ela aponta para a parede. — Esse negócio com nome de Lo?
— Não é um negócio com nome de Lo — solto. — É ela.
— Oi? — Seu rosto se enruga com uma carranca, depois se estica com a percepção. Ela
olha de volta para a parede. — Lo? Essa é a Lotus?
Um cara ao nosso lado tira uma foto da imagem em seu telefone. Antes que eu possa pegar
o aparelho e esmagar, uma mulher de óculos se aproxima para abordá-lo.
— Nada de fotos. — Aponta para uma placa a alguns passos de nós. — Por favor, me
mostre seu telefone. Preciso ver se deletou a foto que tirou.
Assisto com raiva e frustração, segurando minha língua até que ela termine.
— Quanto? — pergunto assim que o cara se afasta.
— Desculpe? — Ela se vira para mim com um sorriso educado, mas seus olhos brilham
com avareza por trás dos óculos sem aro. — Pela Lo, você quer dizer?
— Pelo quadro, sim.
— Só faz dois dias que está na galeria — diz. — E já tivemos muitos pedidos. Vai custar
um bom preço. Está…
— Não está à venda — uma voz masculina, semifamiliar, solta por trás de mim.
Quando me viro e Chase está parado lá, eu quase pulo em seu pescoço. Ele e eu nos
encaramos, desgosto cintilando no ar como ondas de calor subindo do asfalto.
— Quanto é essa aqui? — Aponto para o quadro à esquerda da Lo.
— Seis mil — responde, com um sorriso pretensioso.
— E essa daqui? — Aponto para a foto à direita.
— Essa é uma pechincha, cinco mil e quinhentos — fala.
— E aquela lá? — Indico a parede atrás de mim, nem mesmo olhando para o que está lá.
— Qualquer que seja a que você diga — começa, os olhos brilhando com malícia —, todas
têm uma etiqueta de preço, exceto essa.
— Sete mil — ofereço, nivelando meu tom, controlando minha raiva.
— Não — decreta, a mandíbula formando um ângulo da sua teimosia.
— Dez mil.
— Eu disse não.
— Quinze mil — lanço, a pouca paciência que tive com esse filho da puta sumindo
completamente.
— Kenan — minha irmã sussurra. — Deixa pra lá.
— Vinte mil dólares — ofereço novamente, meus olhos fixos em Chase.
— Já falei, ela é minha. — Seu sorriso me provoca. — Você pode ver por que eu não
abriria mão dela.
— Hum-hum — a atendente da galeria limpa a garganta. — Senhor Montclair, certamente
podemos...
— Não — ele a corta, sem tirar o olhar de mim. — Minha.
Nem mesmo percebo que dei os três passos que nos separavam até que estou bem na cara
dele, pairando acima, e Kenya tem de me puxar para longe pelos ombros.
— Nós entendemos — avisa, com um sorriso tímido. — Meu irmão é um… colecionador.
E tem procurado por algo assim. Adeus.
Ela me arrasta para fora da galeria e eu puxo uma grande quantidade de ar fresco para
encher os pulmões, limpando um pouco da névoa vermelha em minha visão.
— Você perdeu a porra da cabeça? — exige Kenya, uma vez que estamos a alguns passos
da galeria.
— Isso… — Hesito, fúria pulsando em meu sangue. — Ele a colocou lá em cima para todo
mundo ver. Ele não deveria… Ele não tem o direito.
— Ela deve ter dado permissão, Kenan — pontua. — Deve querer que isso seja visto. Não
é tão ruim. Só dá para ver o seio dela.
Minha irmã não entende. Ninguém entende. Odeio que as pessoas a vejam assim. Odeio
que ele a tenha visto assim. Lotus me disse que eles costumavam foder. Entendo isso de forma
racional, mas aquela foto transmite uma intimidade que ele não merecia com uma mulher de quem não
era digno.
— Ken, eu preciso, hm… Eu tenho algo para fazer — digo a ela, deixando um beijo em sua
testa. — Tudo bem?
— Sim — responde, preocupação no rosto. — Mas controle-se antes de falar com ela.
Kenya está certa. Se eu ver a Lotus agora, deste jeito, vou ferrar alguma coisa. Mas vê-la
sendo mostrada daquela maneira, ouvir Chase se gabar a seu respeito, ele ter me negado dessa
forma… como não ir até lá?
— Ah, então você está aqui vivendo o melhor da vida, né?
A pergunta em tom de piada da Yari atrai minha atenção para longe da amostra que estou
verificando com uma das nossas costureiras.
— Me dá um segundo — peço a ela, sorrindo e dando as costas para voltar para a
costureira. — O bordado vai aqui. — Corro a unha pelo cós da saia.
— Mas não ver? — pergunta, o inglês falhando e o rosto confuso.
— Camisa curta. — Desenho uma linha imaginária debaixo dos meus seios. — Vai dar
para ver o bordado na saia, porque a camisa será mais curta.
— Aaah. — Ela oferece um sorriso exultante de compreensão e caminha de volta para a
máquina de costura Juke, que é padrão aqui no estúdio. Prefiro a minha boa e velha Singer lá de casa.
— Do que você está falando, Ri? — pergunto, apoiando a bunda contra uma das mesas de
costura.
— Veio voando de Milão? — Ela acena na minha direção. — Look perfeito. Maquiagem.
— A maquiagem e o vestido eram para o lançamento da CFDA[12] que o JP me pediu para
ir com ele. — Puxo a seda pegajosa para longe do meu corpo e deixo se soltar de novo. — Acredite
em mim, estou prestes a colocar algo mais confortável para conseguir fazer meu trabalho.
— Aaah, amei o vestido — Billie elogia, cruzando a sala em nossa direção. — Primavera
do ano passado?
Assinto. Foi um dos meus favoritos. Seda laranja queimada, sem alças, acinturado, fluindo
pelo meu corpo dos meus seios aos joelhos, alargando-se na bainha. Finalizamos o look com um
salto agulha cravejado de strass dourado, que está me matando.
— O cabelo também — Yari interrompe. — Ainda não tinha visto você usar platinado sem
as tranças.
Toco a nuvem enorme de cachos que, com a umidade, vai ficar ainda maior. Tirei as
tranças, mas mantive a cor.
— Ideia brilhante do JP — digo, seca. — Experimentando, como ele diz.
— Agora que você voltou — começa —, Billie e eu estávamos pensando se podemos ter
um momentinho de BFFs. Que tal uma noite de filmes no nosso apartamento? Estava pensando que já
faz muito tempo que não vemos Pantera Negra.
— De novo? — Billie questiona baixinho.
— Wakanda pra sempre — Yari grita, cruzando os braços sobre o peito na saudação do
Pantera.
Repito o gesto, rindo.
— Mas Wakanda terá que esperar, porque eu tenho planos.
Com o Kenan, cantarolo em minha mente.
Eu não queria sorrir, mas até pensar no nome dele me deixa cheia de sentimentos. Quando
cheguei em casa do aeroporto na noite passada, eu tinha uma entrega. Não havia remetente, mas eu
sabia exatamente quem tinha mandado. Reconheci o praticamente ilegível garrancho e as batidas do
meu coração aumentaram quando abri.
Enfiei o cartão na bolsa que trouxe hoje, e provavelmente já li umas vinte vezes.
— Que planos? — Billie encosta o quadril na mesa de costura. — Esses planos não
calham de serem com Kenan Ross, né?
Meu sorriso desliza e olho de uma amiga para a outra, perguntando-me quanto digo a elas.
Não tenho tentado esconder as coisas de propósito, mas não falei sobre como nosso relacionamento
progrediu. Não falei que beijei Kenan… algumas vezes. Não contei que agora somos mais que
amigos.
Ok. Talvez eu tenha escondido coisas de propósito.
— Se você não quer Kenan Ross — avisa Yari, com um dar de ombros —, vou assumir
que ele está livre e investir. Parece que ele gostaria de uma amante latina.
— Vaca, nem começa — devolvo, com um sorriso mortal.
— Agora estamos chegando a algum lugar. — Yari ri. — Vamos lá. Conta pra gente.
Puxo uma respiração profunda, exalo e olho ao redor para as costureiras, todas de cabeça
baixa, parecendo absorvidas nas tarefas.
— Ok, estamos vendo um ao outro — revelo, baixo o suficiente para apenas nós ouvirmos.
— Isso! — Yari ergue o punho, comemorando. — Bill, você me deve cinco pratas.
— Apostamos quanto tempo levaria — Billie admite, procurando dentro do bolso e
entregando uma nota de cinco para a Yari. — Ela disse antes da Fashion Week. Eu disse depois.
Droga. Achei que você fosse se segurar durante o verão.
Minha boca cai, aberta, e lanço um olhar surpreso entre as duas.
— Vocês dois estão obviamente interessados um no outro — explica Yari, guardando a
nota. — Era apenas uma questão de tempo.
— É, bem, por favor, não falem com ninguém sobre isso, meninas — peço, entrelaçando as
mãos debaixo do queixo. — Não estamos exatamente nos escondendo, mas temos sido bem discretos.
A ex dele está enlouquecendo e dificultando as coisas, especialmente com a filha. Os dois estão
planejando dizer que ele está saindo com alguém no próximo aconselhamento familiar, na segunda.
— Boca fechada — Billie afirma, correndo um zíper imaginário por cima da boca.
— Trancada — confirma Yari. — Mas você vai nos manter atualizadas? Só queremos ter
certeza de que você está feliz, Lo.
— Eu estou. — Mexo com a corrente fina em volta do meu pescoço. — Ele é muito bacana
e lida bem com o fato de eu precisar levar as coisas lentamente.
— Significa que você continua sem pau? — questiona Billie.
— Continuo. — Torço os lábios. — Estou trabalhando em algumas coisas.
— Nós somos loucas — reforça Billie, observando-me atentamente. — Mas você sabe que
estamos por aqui se precisar de nós, certo?
— Eu sei.
Além da MiMi e da Iris, só falei com a Marsha sobre o que aconteceu anos atrás. Talvez
contar para minhas amigas seja o próximo passo.
— Eu, hm, tenho frequentado um grupo de apoio para sobreviventes de abuso sexual
infantil. — Minha voz, embora suave, soa como uma bala em uma sala silenciosa.
— Merda — Billie murmura e segura minha mão. — Lo, sinto tanto.
— Está tudo bem. Eu estou bem, ou pelo menos chegando lá — digo ironicamente. — Até
agora, só ouvi outras mulheres, mas já falei com a líder do grupo. Acho que está ajudando.
— Então toda a coisa da pausa sexual… — Yari franze o rosto e segura minha outra mão.
— É, é complicado. — Solto uma respiração rápida. — Mas estou resolvendo minhas
merdas.
— Quando quiser conversar — começa Billie —, estamos aqui.
— Sei disso. — Assinto, grata por tê-las. — Sejam apenas pacientes comigo. Vou chegar
lá, mas, por enquanto, pelo menos vocês sabem. — Olho para minhas duas melhores amigas, afeto
profundo momentaneamente preenchendo a dor em meu coração. — Amo vocês, garotas.
— Nós também te amamos — Yari diz, passando um braço em volta dos meus ombros. —
Venham aqui, de verdade.
Nós nos agrupamos rapidamente em um apertão a três que me faz segurar as lágrimas.
Meu telefone toca na bolsa atrás de mim, em cima da mesa. Desvencilho-me das minhas
garotas para atender. Quando o nome de Kenan surge na tela, não consigo esconder um sorriso.
— Ei. — Dou as costas para minhas amigas, encarando o saguão e diminuindo o tom de
voz. — Eu ia ligar para confirmar as coisas de hoje à noite.
— Estou aqui fora — fala abruptamente, sem nem notar minhas palavras. — Posso subir?
— Hm, claro. Deve ficar tudo… — eu o vejo saindo do elevador com o celular
pressionado na orelha — bem.
Assim que entra, as cabeças se levantam e ele é o centro das atenções. Olha em volta, as
grossas sobrancelhas franzidas. Ele me vê, mas a carranca não se desfaz enquanto se aproxima.
— Ei — cumprimenta, dividindo um cumprimento breve entre nós três antes de parar o
olhar em mim. — Podemos conversar?
— Hm, claro. Beijo, vacas — despeço-me delas, dando uma piscadinha, esperando
dispersar a vibe assassina que Kenan trouxe. — Podemos conversar ali.
Passamos pelas costureiras curiosas, que inspecionam cada mísero centímetro de Kenan.
Abro a porta para a sala dos fundos, meu refúgio de sempre. Ele me ultrapassa e tranco a porta, caso
alguém fique curioso ou perambule por perto.
— Bem-vinda ao lar, Lotus — digo, segurando a maçaneta atrás de mim, as costas
pressionadas à porta. — Estou feliz por vê-la, Lotus. Como foi Milão? Você…
— Você tem um piercing no mamilo.
Ele fala quase como se me acusasse. Fico perplexa, porque tivemos beijos profundos,
trêmulos e longos sim, mas ele ainda não viu minhas meninas, pelo que me lembro.
— Tenho — concordo em tom baixo, franzindo o rosto. — Como você sabe disso?
— Qualquer um no Soho poderia saber — solta, caminhando em círculos. — É só entrar na
Gilded Bean e bum! Está bem ali.
Algo surge na minha memória. Gilded Bean. Onde foi que eu ouvi…
— Chase — sopro. — Ele tinha algumas fotos sendo expostas lá.
— Bingo. — Solta o corpo enorme em uma mesa desavisada, que não tenho certeza se
pode segurá-lo. Kenan não está exatamente sentado, mas também não está de pé. Estou preocupada
pelos dois.
— Há uma foto minha na coleção ou algo do tipo? — pergunto. — Acha que viu algo
que…
— Eu não acho que vi merda nenhuma, Lotus — retruca. — Eu reconheceria minha
namorada em uma foto tão certo quanto sou um cara alto.
Namorada dele.
É a primeira vez que ele me chama assim e mal posso apreciar o momento por conta do
interrogatório.
— Não, não pode ser. — Nego com a cabeça, incapaz de computar a informação. — Você
viu meu rosto?
— Não precisei.
— Então você pode estar errado.
— A tatuagem na sua clavícula, as luas nos seus dedos, seu anel gris-gris, a flor de lótus
em volta do seu umbigo. Isso soa errado?
— Não faz sentido. Não assinei permissão para nenhuma nudez. Eu vi as fotos que ele
tirou. Lembro-me delas. Não tenho nenhum problema com a nudez na arte, para que fique claro,
porém, pessoalmente, não quero fazer isso.
— Mas posou para ele? — Outra acusação. Uma a qual ele não tem direito e está
começando a me irritar.
— Sim, posei — respondo, dura. — Quando estava terminando na FIT e era praticamente
uma estagiária aqui, fazendo quase nenhuma grana. Chase me pagou para posar para ele. Não é um
segredo e não é da sua conta.
Ele corre a mão pela nuca.
— Eu sei. Você está certa. Eu só… — Sua cabeça cai para trás, os olhos no teto. — Odeio
que as pessoas a vejam assim.
— Não pertenço a você, Kenan — lembro a ele. — Você não pode me criticar por posar
para fotos, mesmo que não devesse ter havido nenhuma nudez. Vou lidar com Chase, acredite nisso,
mas você não tem que vir aqui rosnando como um homem das cavernas e dizer merda sobre coisas
que acontecerem antes que nós fossemos… alguma coisa. Não funciona desse jeito e, se você está
pensando que pode me dizer o que fazer, deixe que eu esclareça. Eu não sou aquela garota.
— Sei que você não pertence a mim, Lotus — rosna. — Por que você acha que estou
agindo feito um cuzão? Fico maluco por você não ser minha. Sendo honesto…
— Sim, por favor, vamos tentar isso.
— Sendo honesto — repete, as duas sobrancelhas erguidas, cheias de significado —, fico
maluco que Chase tenha algo com você que eu ainda não tenho. Ele a conhece de maneiras que eu não
conheço.
— Você diz isso porque nós fodemos? — Cruzo os braços sobre o peito. — Nesse
joguinho que você e Chase estão marcando pontos, te incomoda que você ficou para trás? Podemos
foder agora mesmo e seu problema estaria resolvido, certo? Vocês estariam empatados? Quer me
foder, Kenan?
— Claro que quero, mas não só isso. — Seu rosto se suaviza. Sua voz se suaviza. — Você
sabe que não é só isso, Lotus.
Empurro-me da porta e caminho até estar em frente a ele.
— Então, o que é isso tudo? — questiono, minha voz suavizando também. — Chase e eu
fizemos sexo sim, mas pensei que você queria mais.
— Eu quero. — Ele segura meu quadril com as mãos enormes e me puxa para ficar entre
suas pernas. — Você sabe que quero.
— Então não estrague tudo — sussurro. Pressiono-me mais perto e, com ele sentado e eu
de pé, posso unir minhas mãos por trás da sua nuca com mais facilidade. — Não deixe que ele
estrague isso.
Suas mãos saem da minha cintura para afagar minhas costas por cima da seda.
— Não tive ciúmes dele antes — confessa. — Quer dizer, não gostava de você ter estado
com ele, mas você é uma mulher adulta com uma vida sexual normal, então eu entendo.
— As coisas não têm sido exatamente normais para mim no departamento “sexo”
ultimamente. — Rio secamente. — Mas continue.
— A foto era tão bonita, e ele não queria vender para mim. — Empurra meu cabelo
rebelde para trás, prendendo-o à minha orelha como faz com frequência. — Você estava tão
fantástica nela, tão desinibida. É decadente, mas parecia que você estava…
— Que eu estava o quê?
— Gozando. — A palavra acaricia meus lábios. — Percebi que ele viu seu rosto, como
você fica quando goza, e eu não. Ele sabe coisas sobre o seu corpo que eu não sei. Por exemplo, não
faço ideia do que é a tatuagem no topo das suas coxas. Já vi flashes, mas não sei. Ele sabe. Acho que
o que estou dizendo é que ele te conhece intimamente.
— Não, ele me conhece sexualmente. Desenhei uma linha entre essas duas coisas e
ninguém as ultrapassou. — Ergo-me um pouco mais para beijar sua mandíbula. — Mas você pode —
sussurro. — Acho que você pode atravessar essa linha, Kenan, e isso tem me assustado desde o
momento em que te conheci. — Volto alguns centímetros para ver seu rosto. — Isso que acabei de
dizer a você é intimidade. É confiança que estou colocando em você. Chase nunca teve isso.
Ele assente e desliza os dedos pelo meu cabelo, inclinando minha cabeça para mais perto e
prendendo meu lábio inferior entre os seus. Suas mãos deslizam para baixo em minhas costas,
puxando-me para mais perto, até que nossos peitos se tocam e eu pego fogo apenas pelo esfregar dos
nossos corpos. Por mais que eu tenha dito que ele não tem direito, sua possessividade me excita, e
estou intensificando o beijo, desesperada por tanto dele quanto eu possa ter.
— Senti sua falta — confessa dentro do beijo.
As palavras apertam meu coração em punho. Aceno em concordância, precisando ficar
perto. Querendo mais intimidade. Desejando mais confiança entre nós. Pulo sobre a mesa atrás dele.
Curiosidade está clara em seus olhos. Transforma-se em luxúria quando eu lentamente tiro o vestido
de seda das minhas coxas.
— Renda chantilly — digo, traçando o padrão de tatuagens no topo das minhas coxas. —
Havia algumas dessas estocadas em uma lojinha em Paris. No topo estava a renda mais requintada
que já vi. Ninguém poderia pagar por ela, então tirei uma foto e tatuei aqui. — Observo a máquina
que imita o padrão da renda. As lâminas não são tão grandes. — Eu a fiz bem para cima, porque, se
eu acabasse odiando, ninguém conseguiria ver.
— Ela é linda. — Ele traça o padrão com um dedo. Os nós dos seus dedos encostam na
minha calcinha e perco o ar. Kenan olha para mim, sério. — Sinto muito. — Limpa a garganta. — Eu
deveria ir.
Seguro seus dedos, encarando o contraste da tinta contra minha pele.
— Quer ver? — pergunto, minha voz rouca, baixa.
— Ver o quê? — devolve, as sobrancelhas franzidas em perplexidade.
Vou mesmo dar este passo? Dar um passo para frente e acreditar que posso voar? Tenho fé
no homem que estou começando a conhecer e me importar? Posso confiar nele? Posso acreditar no
que está acontecendo entre nós?
Fé de verdade requer bravura.
Provocada pelas minhas próprias palavras, dou um passo atrás.
— Você quer me ver gozar?
[12] Council of Fashion Designers of America, em português, Conselho de Designers de Moda da América.
A pergunta descarada sai dos seus lábios com o impacto de um deslizamento de terra,
lançando-me uma centena de respostas e perguntas de uma vez. Ela lambe o lábio inferior, olhando
para mim através dos cílios longos e grossos.
— Achei que você não estivesse pronta para…
— Não estou, mas, da última vez que chequei, dá para gozar sem fazer sexo. — Sua risada
é vazia. — Faço isso o tempo inteiro.
Uma respiração profunda expande meu peito. Mesmo o pensamento de Lotus tocando a si
mesma — de vê-la se desfazer desse jeito debaixo das minhas mãos… Estou tomado de luxúria e em
suas garras. Não preciso de nada dela. Quero que ela receba, receba e receba, e nem pense sobre o
que me faz sentir bem. Nunca quis o prazer de alguém dessa forma. Vê-lo. Saboreá-lo. Fazê-lo.
— Tem certeza, Lotus?
— Tenho certeza de que quero tentar — diz suavemente. — A desolação que senti da
última vez que fiz sexo, o vazio e a falta de sentido, não quero nunca associar aquilo a você. — Ela
enquadra meu rosto em suas mãos. Pressiona os lábios nos meus em uma carícia quase imperceptível.
— Toque-me, Kenan.
Abrimos nossas bocas ao mesmo tempo, convidando um ao outro para dentro, movidos
pela harmonia invisível da necessidade. Sou arrastado para dentro do calor e da doçura de sua boca
— para a forma como ela ofega e geme para mim. Lotus se afasta, prende o meu olhar e abaixa a
parte de cima do vestido tomara que caia.
Engulo profundamente na primeira vez que a vejo. Sua foto é linda, mas não se compara a
essa proximidade — ao potencial de tocar e observar seu corpo responder. Sua carne quente e nua
me deixa atordoado, os mamilos dilatados implorando pelo meu toque e meus beijos. Observando
seu rosto, certificando-me de que ela está bem, esfrego os polegares neles. A respiração sai dela
aguda e assustada.
Coloco a palma das mãos contra seus seios, girando em círculos que lentamente crescem,
aceleram, até que os bicos do peito ficam rígidos e redondos. Sua cabeça cai para trás, os cabelos
formam uma gota de cachos platinados ao redor dos ombros. Acaricio suas costas, minhas mãos se
encontrando, sobrepondo-se em sua coluna. Ela parece tão frágil. Não apenas os ossos delicados,
mas os olhos escuros brilhando com confiança enquanto ela espera que eu faça o que estou desejando
fazer. Tomo o mamilo com piercing na boca com ternura. Meu Deus, com reverência.
— Sim. — As mãos da Lotus em minha cabeça me impelem para frente. — Por favor,
Kenan.
Não preciso de mais nenhum encorajamento. Chupo, com suavidade em princípio, mas o
seu gosto e a sensação de tê-la florescendo e se apertando em minha boca sobrecarregam minhas
boas intenções. Empurro seu seio mais para dentro. Quero que ela fique mais perto. Puxo-a para
cima, até que esteja fora da mesa, e a mantenho erguida em minhas mãos enquanto me alimento,
correndo a língua pela barra do piercing em seu mamilo. A textura dela na minha boca — o metal frio
da barra, o bico quente e inchado, a pele sedosa ao redor — é quase demais. Coloco o outro na boca
e gemo. É tão doce quanto. Tão redondo e sensível em meus lábios! Suas lamúrias crescem com mais
urgência — as mãos na minha cabeça se apertam.
Coloco-a de volta na mesa e acaricio sua coxa, minha mão se aventurando para cima, para
a renda tatuada. Ela a pega e entrelaça nossos dedos. Ergo a cabeça, seus olhos queimando. Sem
afastar o olhar, ela coloca nossas mãos unidas dentro da sua calcinha.
— Foda-se — murmuro.
Ela é como seda quente e úmida debaixo dos meus dedos. Debaixo dos nossos dedos.
Exploramos juntos e acariciamos, até que seu quadril se empurra e ela morde os lábios, os olhos
começando a fechar. Ela tira a mão da calcinha e a ergue, correndo os dedos pela minha boca. Lambo
a umidade com que ela me presenteia e gemo com seu sabor, viciado com uma prova. Abaixo a
cabeça até que nossas testas se toquem, meus dedos ainda trabalhando nela, seu quadril ainda se
movendo em um ritmo desesperado.
— Deixe-me provar — gemo em seu ouvido. — Posso provar você?
Seu aceno é rápido. Ela fica quieta, exceto pelo choro baixo e abafado que engole toda vez
que ele ameaça escapar.
Caio de joelhos e pressiono suas pernas abertas. Puxo a seda preta para baixo, depois abro
a boca sobre ela, querendo tudo de uma vez, ganancioso. Ela fica quieta por um segundo e deixa um
grito afiado sair antes de se balançar com força contra mim. Arrasto-a para a borda da mesa e
deslizo o dedo para dentro, ainda sugando o monte de nervos. Ela é tão apertada e meu dedo é tão
largo que ela se contrai ao redor.
— Outro — geme. — Adicione mais um dedo, Kenan.
Não quero machucá-la, mas quero que fique ainda mais apertada ao meu redor, então
deslizo outro dedo e bombeio mais devagar, combinando com a cadência do seu quadril.
— Merda. Sim. Ai, meu Deus, sim, Kenan. Isso. Eu… ah.
Espalma os peitos, apertando e beliscando com força, seu rosto se contorcendo enquanto se
empurra contra mim, a perna se erguendo e pousando nas minhas costas. Seu salto perfurando meu
ombro.
— Vou gozar. — Suspira. — Observe. Se você quer ver, observe.
E eu o faço. Enquanto continuamente acaricio, toco e lambo sua boceta, fixo o olhar no seu
rosto. Sua cabeça está levemente inclinada para o lado e o lábio está preso entre os dentes. Suas
sobrancelhas estão franzidas e os longos cílios beijam os topos de suas bochechas. A boca cai aberta
e ela se alivia, um grito de prazer saindo enquanto o faz. Estou obcecado por seu calor e umidade,
trabalhando os dedos entre suas pernas. Levanto, sem perder o toque, mas precisando ver.
Sua cabeça tomba para trás. Lágrimas descem pelas bochechas em direção ao queixo.
Mergulho para lambê-las. Bebo-as como se fosse o responsável por provar o chá da rainha, tomando
o primeiro gole. Beijo todo o seu rosto e desço pela garganta, para seus seios. Ela se curva em mim,
surfando as ondas finais, as mãos fechadas na minha camisa, os olhos arregalados me mostrando o
desejo, o desespero e, finalmente, a satisfação em seu olhar.
Eu fiz isso. Nós fizemos juntos, ela me mostrando como gosta e eu dando exatamente o que
ela queria. Uma troca de paixão, paciência, desejo e confiança. É ela quem está tremendo,
choramingando, mas meus joelhos estão fracos. Ela diz que nunca conheceu intimidade verdadeira.
Se é assim que será entre nós — essa paixão desconhecida como nada que pensei ser possível —,
tenho que admitir pelo menos para mim mesmo:
Também nunca tive.
Seu corpo se aquieta e se acalma, e eu me movo para sentar sobre a mesa e puxá-la para o
meu corpo.
— Esta mesa não vai aguentar nós dois, Kenan — avisa, as palavras preguiçosas. Ela
enterra a cabeça no meu ombro e se curva em mim como uma bola, como se fosse uma gata em meu
colo.
— O que você realmente está dizendo é que não vai me aguentar. — A punição é um aperto
em seu corpo e um beijo em seus cabelos.
— Sim, isso aí. — Ela ri e desliza a mão debaixo da minha camisa, correndo a palma pelo
meu abdômen. Meus músculos se contraem com o contato. — Isso nem parece de verdade.
— O que não parece de verdade?
Ela deita a cabeça em meus ombros e prende meu olhar.
— Posso ver?
— Ver o quê?
Em resposta, ela corre a mão pelo meu estômago de novo e ergue as duas sobrancelhas.
Uma risada surpresa sai de mim.
— Baby, claro que pode. É só um abdômen. Você já o viu antes.
Ela desliza para fora do meu colo, um sorriso malicioso pintado em seus belos lábios.
Quando ergue minha camisa, sua boca se abre.
— Bem como eu me lembrava deles. — Levanta a camisa um pouco mais e seus olhos se
arregalam. — Você tem o peito mais bonito de todos. Meu Deus, esses mamilos.
Enquanto procuro na minha memória por alguma vez que alguém elogiou meus mamilos e
nada surge, ela se inclina e coloca um na boca.
Ela está completamente absorta, os olhos fechados e as bochechas ficando ocas. Coloca um
dos mamilos entre os dentes, volta o olhar para mim e morde. Com força.
— Merda. — Minha mão bate na mesa. — Lotus, porra.
Sua língua se move para amenizar a mordida, e bem quando estou certo de que vou gozar
nas minhas pernas, ela morde o outro e sorri para mim.
Rio, excitado apesar da dor, ou possivelmente por conta disso.
— Sua bruxinha.
— Não é a primeira vez que alguém me chama assim — diz secamente, e corre as mãos
pelos músculos do meu estômago, rindo quando eles se contraem involuntariamente. — Alguém está
sensível.
— Ou com tesão. — Rio.
O sorriso dela cai e ela toca meu pau.
— Sou tão egoísta — diz, angústia estampada em seu rosto. — Eu nem…
— Não. Essa foi por você. Quero que seja só por você.
Ela abre a boca, tenho certeza de que é para argumentar, mas meu telefone toca. Não
consigo resistir a beijar sua boca ainda aberta, sorrindo contra seus lábios e atendendo.
— Ei, Ken — respondo, sem desviar de Lotus, que não tira o olhar de mim.
— Ainda estamos confirmados para hoje à noite? — Kenya pergunta.
— Deixe-me verificar. — Afasto o telefone e questiono Lotus: — Ainda quer encontrar
minha irmã para jantar?
— Claro. — Ela pisca. — Vou poder perguntar histórias embaraçosas sobre sua infância e
puberdade estranha.
— Eu nunca fui estranho — rebato. — Sim, Ken, estamos dentro. Passa os detalhes.
Finjo escrever e Lotus corre para uma mesa no canto, pegando uma caneta e algum tipo de
papel com o desenho de um vestido. Escrevo os detalhes do jantar seguido do show. Minha letra está
menos legível do que o normal, mas consigo entender a maioria das letras quando leio após
desligarmos.
— Então o jantar é às seis. — Tiro o olhar do meu rabisco. — Depois o show.
— Quem é o artista? — Torce o nariz. — Não quero ficar sentada lá ouvindo alguém que
não gosto por duas horas.
— É. Seria um castigo. Esse é, na verdade, um show surpresa no Central Park — digo,
fingindo uma careta. — Não tenho nem certeza se você já ouviu falar do cara.
— Quem é? — ela pergunta, suspeita e ceticismo se misturando em um olhar.
— Grip? — questiono inocentemente.
Pela forma como a boca dela se escancara e seus olhos se abrem como dois pratos,
suponho que o conhece.
Ainda estou surtando por conseguir ver Grip em um show. Quando ele veio para Nova
Iorque no ano passado, os ingressos esgotaram em questão de horas e eu perdi.
Quase chorei.
Ele é um dos artistas de hip hop mais influentes no momento. Suas letras são conscientes e
provocam pensamentos. Seu flow é ridiculamente bom. Mal posso esperar por hoje à noite, mas,
antes, tenho algo para cuidar.
Quando entro na Gilded Bean, não leva muito tempo para encontrar a mim mesma em uma
parede. Encaro como uma idiota a imagem de tamanho real — não, maior que tamanho real, já que é
pelo menos trinta centímetros mais alta que eu. Sei que nunca vi essa foto, muito menos assinei uma
liberação para isso.
Abaixo a cabeça para que o cabelo caia e cubra meu rosto. Fico parada bem no meio do
grupo e ninguém conecta a garota abandonada na parede com aquela se escondendo com o cabelo.
— Perguntei-me quando você viria — Chase fala ao meu lado. — Bonita, não é?
— Preciso falar com você, sozinha — aviso, sem desviar da minha semelhante na parede.
— Estou bem ocupado, obviamente — diz lentamente. — Esta é a primeira semana da
minha exibição.
Viro-me para encará-lo, cada músculo do meu corpo apertado. Um baita problemão. Quero
pular em cima dele e puxar aquele coque masculino até a sua bunda.
— Ótimo — falo alto o suficiente para todo mundo ao nosso redor ouvir. — Podemos
conversar agora mesmo, bem aqui, sobre como irei processar o seu rabo por usar essa foto sem a
minha permissão. Sobre como meus advogados…
Ele me corta ao puxar meu braço e me arrastar do salão para um pequeno escritório.
— Ficou maluca? — indaga imediatamente. — Falando esse tipo de merda? Você poderia
arruinar minha exibição.
— Eu ainda posso arruinar sua exibição. — Nego com a cabeça, furiosa. — Quando você
tirou aquela foto? Sabe que eu nunca a vi, Chase.
Ele me encara por alguns segundos em silêncio, provavelmente pensando se consegue
escapar com alguma mentira ou se terá que me contar a verdade. Finalmente, solta um suspiro
exasperado e desliza a mão por cima do belo rosto.
— Você caiu no sono em uma das sessões de fotos. — Sua risada é curta e seus olhos são
quase afetuosos. — Tinha um projeto da faculdade, acho. Eu fui buscar uma peça do equipamento e
quando voltei… — Ele gesticula para trás, na direção do salão do outro lado da porta do escritório.
— Quando voltei, você estava daquele jeito — termina, cruzando a sala para parar em frente a mim.
— Eu tive que tirar, Lo. Viu quão bonita é a foto? Quão bonita você está? Como eu poderia ignorar?
— Você violou minha privacidade — respondo. Quieta. Veemente. — Já não tinha o direito
de tirar, e ainda decide exibir? Sem uma liberação minha?
— Mas eu…
— Pare. — Ergo o braço. — Não quero ouvir seu lado, ou como você achou que estava
tudo bem. Não estava. Eu poderia arruinar não apenas a sua exposição, como a sua carreira. Você
sabe disso, né?
— Uau. — Ele nega com a cabeça e um sorriso malicioso contorce seus lábios. — Você
mantém uma opinião bem elevada sobre si mesma, né? Pensar que tem esse tanto de poder. Que
alguém iria dar atenção para uma ninguém no glorioso mundo da moda.
— Eu poderia lembrá-lo que essa “ninguém do mundo da moda” é, para todos os efeitos, o
braço direito de uma das vozes mais poderosas da moda — argumento, controlando muito mal a
minha raiva. — Ou eu poderia lembrar sobre, você sabe, a lei, e como um processo nesse ponto da
sua carreira seria devastador.
Aproximo-me até nossos corpos quase se tocarem. Sua respiração fica pesada e ele engole.
Fico na ponta dos pés para sussurrar:
— Nós dois sabemos do que isso realmente se trata, Chase — falo, certificando-me de que
meus lábios roçam sua orelha. Ele geme. — Boceta. A minha. E o fato de você agir como um
garotinho mimado porque não a tem mais. — Dou uma olhada para baixo e vejo seus dedos se
retorcendo ao seu lado. — Você mal consegue respirar e está se tremendo para me tocar — falo para
ele. — Diga quem é que tem o poder aqui.
— Lo, não consigo parar de pensar em você — ele diz, rouco. — Talvez tenha começado
casual, conveniente, mas em algum ponto se tornou mais.
— Não para mim. — Afasto-me. — Não estou tentando ser cruel ou sem coração, mas
você cruzou uma linha. Isso era para conseguir minha atenção?
— Você não me levava a sério — reclama, mal-humorado, petulante. — Quero você, Lo.
— De onde é que vem a ideia de que homens como você podem ter o que quiserem? Quero
que retire aquela foto, ou isso vai se tornar um problema legal. E também, quero qualquer cópia
digital e a impressa que está pendurada lá. Deixarei instruções para a entrega.
Estou pronta para curtir minha noite. Caminho para a porta, mas Chase me para, sem virar,
segurando ambos os meus braços com tanta força que estremeço.
— É isso? — pergunta atrás de mim, empurrando-se contra minha bunda. — Acha que
pode sair e fingir que nós nunca acontecemos?
Ele se pressiona com força, prendendo-me contra a porta. Meu coração salta nas costelas.
Suor sai pelos meus poros. Um medo familiar, porém há muito perdido, gira na minha barriga.
Respiro fundo.
— Deixe-me ir, Chase — digo com calma, torcendo para que não sinta meu medo. — Ou
vai ficar pior para você.
— Pior para mim? — indaga, com uma risada sem emoção. — Você disse que tinha coisas
para resolver, mas está dando para ele, não está? Está fodendo com aquele jogador.
Forço-me a não me contorcer ou tentar me libertar do seu aperto de aço. Tentar isso ou
falar apenas irá relembrar a ele que estou indefesa. Que ele é mais forte. Que estou vulnerável…
como antes. Como naquele dia. Pontos escuros aparecem em meus olhos e eu pisco, esperando
clareá-los. Voltar a focar.
— Você me perguntou antes sobre o vudu — falo, a voz áspera, torcendo para esconder o
pânico na minha voz. Ele fica rígido atrás de mim. — Sim, agora eu tenho sua atenção, seu pau no cu
— cuspo. — Deixe-me ir, ou prometo que vai doer. Acha que pode me machucar porque é maior e
mais forte? — Solto uma risada sem humor. — Isso não é poder. Posso tornar sua vida miserável por
anos de maneiras que você não consegue imaginar. Um feitiço faria isso. — Viro a cabeça e lanço um
olhar para ele sobre o ombro. — Juro. Teste-me, Chase.
No silêncio, quase posso ouvir seus pensamentos correndo, seu medo crescendo para se
igualar e depois passar por cima do meu, conforme se lembra das ervas, amuletos e pedras em meu
apartamento. Perguntando-se para que servem e do que sou capaz.
— Deixe-me ir — repito, enchendo minha voz com a confiança que vai retornando. — E
darei instruções para você entregar a minha fotografia.
Seus dedos se afrouxam o suficiente para que eu me liberte e vire. Levanto o joelho direto
em suas bolas. Elas não servem para nada, de todo jeito. Ele se curva, as mãos entre as pernas, o
rosto contorcido em agonia. Empurro seus ombros para que caia de costas. Ele gira, a cara toda
vermelha e marcada. Fico de pé sobre ele.
— Quero a minha foto — aviso, a voz dura. — E, para responder a sua pergunta sobre o
jogador, você está certo. — Abaixo-me e encontro seus olhos espremidos. — Ele pode me pegar.
Kenan e eu chegamos ao restaurante alguns minutos antes do que tínhamos combinado com
a irmã dele, Kenya, para conhecer a ela e sua amiga. O dia começa a esfriar, mas ainda está bem
quente. Quente demais para as mangas na altura do cotovelo da minha blusa, mas o aperto forte do
Chase deixou marcas nos meus braços. Não quero ficar respondendo perguntas ou convencer Kenan a
não bater em Chase até virar pó. Tenho coisas melhores para fazer. Tipo ver o show do Grip!
Embora eu acredite que a camisa caia bem. É listrada em preto e branco, apertada ao torso
e cortada acima do umbigo. Combinei com uma saia flare de tule preta meio sedutora e sapatilhas
vermelhas confortáveis, porque… caminharemos.
— Você está tão bonita — Kenan sussurra, seu hálito frio soprando o ar em meu ouvido.
— Você também.
E eu não estou mentindo. Ele é… Magnífico é minha maneira favorita de descrevê-lo e
mesmo assim não transmite de forma adequada o efeito que esse homem tem sobre mim. A altura
enorme e a largura de seu peito e ombros. Os braços lendários, que não são como de fisiculturistas,
mas são marcados por músculos e veias. E, alto do jeito que é, tem as pernas um pouquinho de nada
arqueadas.
Morta estou.
Tipo, é sério, Deus? Tinha que colocar essa cereja no topo?
A pele negra cor de mogno. O rosto marcante com ossos proeminentes, sobrancelhas cor de
ônix e olhos penetrantes, tão escuros que parecem um espelho que mostra o que está fora, mas não
deixa que você veja o que está dentro.
Mas ele me deixa ver por dentro. Essa é provavelmente a coisa mais sexy a seu respeito, o
que já diz algo. Meu homem é dos bons.
Acabei de chamar Kenan de meu homem. Depois de dizer hoje que não pertenço a ele, eu
apenas o reivindiquei na minha cabeça. E acho que cortaria a primeira vadia que tentasse tirá-lo de
mim. Incluindo a ex.
— Baby? — Kenan se inclina em minha direção, franzindo o rosto. — Tudo bem?
Não, eu não estou bem, grito na minha cabeça. Estou me apaixonando por você e isso não
faz parte do plano. Meeerda. Merda dupla.
— Hm, sim. — Abano-me com uma das mãos. — Está um pouco quente.
— Vamos esperar lá dentro. — Ele aponta para o restaurante por cima do ombro.
Dou uma olhada para o toldo mostarda com o nome de Serafina. É um dos meus lugares
favoritos para comida italiana. As garotas e eu viemos algumas vezes depois de visitarmos o
Met[13], mas também fica perto do Central Park.
Assinto, e Kenan pega meu cotovelo para me guiar para dentro. Ele também é, diferente de
Chase e da maioria dos babacas com quem estive, um cavalheiro. Preciso começar uma lista de
motivos para evitar me apaixonar. Não razões para me apaixonar de fato.
Subimos as escadas de pedra até o nível superior, onde há uma varanda. O restaurante
sempre está lotado e não tem tanto espaço, mas a comida é ótima e conseguimos chegar ao parque
bem rápido daqui.
Tínhamos pedido drinques e aperitivos quando sua irmã chega. Ela é alta, o que não
deveria me surpreender, considerando que é irmã do Kenan e joga na liga feminina. Suas feições
também se parecem com Kenan de maneira sutil. Ele fica de pé, o sorriso enorme e natural, e a
abraça.
— Kenya — fala, virando-se para mim. — Essa é a Lotus DuPree. Lotus, minha irmã,
Kenya.
— E aí? — Ela me estuda com cuidado, cautela. Sinto a superproteção por seu irmão e
gosto dela imediatamente. Ele passou por muita coisa e ela deve examinar qualquer um que entre em
sua vida e tenha um acesso tão íntimo a ele.
— Oi. — Fico de pé e estico a mão. — Prazer em conhecê-la.
— É, você também. — Lança um olhar provocativo para Kenan. — Ouvi falar muuuito
sobre você. Tipo, muito mesmo.
— Cala a boca, Ken — Kenan reclama, lançando a ela uma rápida cara fechada, e os dois
ficam parecendo tanto típicos irmãos que me fazem sorrir. — Apresente-me para a sua amiga.
Uma mulher magra entra no campo de visão, saindo de trás de Kenya e segurando sua mão.
Ela é bonita, com uma pele suave, marrom escura. Sem maquiagem que eu possa perceber. Cílios
longos e curvados moldam seus grandes olhos castanhos. Ela usa jeans baggy, Chucks e uma camiseta
branca do Public Enemy. Tranças nagô surgem na borda do seu boné Oakland Raides.
— Essa é a Jade — apresenta Kenya. — Jade, meu irmão Kenan e a sua… — Ela olha
entre nós dois enquanto espera a confirmação de como deve se referir a mim.
— Essa é a minha namorada, Lotus — responde, direto. — Prazer em conhecê-la, Jade.
Não ouvi tanto sobre você. Kenya tem feito segredo.
— É assim mesmo — Jade devolve, rindo. — Ninguém tem falado sobre ela também.
Todos rimos, nos sentamos e começamos uma conversa fácil enquanto bebo meu
Chardonnay, Kenan, sua água e as garotas tomam as duas cervejas que pediram.
— Então, você trabalha com moda? — Kenya pergunta.
Estou no meio da mordida de uma massa orecchiette quando ela fala, então engulo e limpo
a boca em um guardanapo antes de responder.
— Sim. Para Jean-Pierre Louis.
— Nunca ouvi falar dela — Kenya fala, pegando sua fatia de pizza.
— Dele — corrijo, com um sorriso. — Ele é o designer fundador da JPL Maison.
— Chique. — Jade ri. — Se não é Converse, Nike ou Gap, você precisa me ensinar.
— Kenya, seu irmão já me disse que você joga bola. — Devolvo a pergunta para elas. —
E o que você faz, Jade?
— Escrevo músicas — Jade conta e dá de ombros. — Tenho feito isso a vida inteira, mas é
meio novo o fato de ser paga para tal. Até aqui vai bem.
— Falando nisso — Kenya começa, olhando o relógio —, deveríamos seguir para o
parque? O show começa logo, não é, amor?
Jade acena e olha o telefone, que acende com uma mensagem de texto.
— Ah, é o Grip. Deixe-me ver sobre o que ele está falando.
Minha boca fica pendurada. Kenan gentilmente empurra meu queixo para cima e sussurra:
— Você está surpresa ou quer capturar algumas moscas?
— Ela conhece o Grip? — sussurro de volta, esperando estar sendo discreta, mas estou
prestes a surtar.
— Sim. Kenya disse que são primos. Não contei? Temos assentos na primeira fileira.
Iremos ao backstage para conhecê-lo depois.
— Hm, não — nego. — Você pulou bem essa parte.
— Tenho que me comunicar melhor agora que você é minha namorada — comenta. Seu
sorriso se desfaz. — Eu só falei isso e nem perguntei se estava tudo bem ou se…
Nem penso na irmã ou na namorada dela, sentadas bem ali. Apenas me inclino para a
frente, cortando a explicação com um beijo. É rápido, porém suficiente. Ele segura meu rosto e me
beija de novo, mais longo, com tanta ternura que alivia a dor do meu confronto com Chase. Não as
marcas dos meus braços, mas as outras maneiras com as quais Chase me feriu hoje. Violando minha
privacidade. Sua tentativa de me objetificar. Todas as formas que usou para tentar me fazer menor
diminuem com a sombra desse beijo.
— Ah, sério isso? — O tom divertido de Kenya se infiltra. — Vocês vão mandar ver na
mesa?
Os dedos do Kenan se apertam no meu rosto para que eu não me afaste.
— Aham — diz contra meus lábios. — Dá para me culpar?
Quando nos separamos, Jade está mandando mensagem para o primo famoso, presumo, mas
Kenya está olhando para mim e seus olhos brilham tanto de preocupação quanto por humor.
— Vou correr no banheiro antes de irmos embora — avisa Kenan. — Já volto.
Quando ele se vai, olho para Kenya, esperando pelo que quer que venha a seguir.
— O negócio é o seguinte — diz lentamente. — Preciso saber qual é a sua.
Ergo o queixo e bebo o último gole do meu vinho antes de colocar a taça no lugar.
— Qual é a minha? — questiono. — De que maneira? O que você quer dizer?
— Você sabe de todo o drama com a Bridget — explica. — Ouvi que ela brotou no seu
trabalho.
— Que droga — Jade murmura, lançando um olhar para mim antes de voltar ao celular.
— Quando toda aquela merda saiu, se Kenan não tivesse me segurado, eu teria chutado a
bunda da Bridget — conta Kenya, o rosto sério. — E a verdade é essa. Só quero saber se terei que
chutar a sua em algum momento por fazer algo errado com o meu irmão.
Sempre admirei uma abordagem direta.
— Não se engane pelo meu tamanho — começo dizendo a ela. — A minha bunda não gosta
de ser chutada.
— Parece que ela respondeu — Jade murmura, ainda digitando no telefone.
— Parece, né? — Kenya pergunta, um sorriso largo começando em seus lábios.
— Não parece, é. — Bato na haste da taça de vinho. — E não tenho intenção de machucar
o Kenan. Eu me importo muito com ele.
— Ele também se importa muito com você. — Ela ri e nega com a cabeça. — Pensei que
ele fosse ser preso quando viu a foto. Tive que segurá-lo, sendo que ele nunca perde o controle. —
Sua boca lentamente se endireita, deixando o sorriso para formar uma linha, assim como Kenan faz.
— Se eu não estivesse lá, ele teria chutado o cara com certeza.
Esfrego os braços, estremecendo com as dolorosas e persistentes marcas escondidas
debaixo das minhas mangas. Estou ainda mais determinada de que Kenan não as veja.
— Aquela situação foi resolvida — asseguro. — Já lidei com Chase.
— Kenan sabe disso?
— Kenan sabe do quê? — ele pergunta, franzindo o rosto para nós duas.
— Ei — chama Jade, ficando de pé. — Temos que ir. O carro está lá fora para nos levar.
— É a poucos minutos de distância — comento. — Podemos ir andando.
Kenya e Kenan olham um para o outro e falam juntos:
— Nova-iorquinos.
— Vocês querem andar para todo lado. — Kenya ri e segue Jade até a saída. Kenan e eu
estamos bem atrás.
— Do que a Kenya estava falando? — questiona. — Sobre o que eu sei?
Respiro superficialmente e solto rápido.
— Ela me perguntou sobre a foto na galeria.
— Droga. — Kenan faz uma careta. — Sinto muito. Não faço ideia do porquê ela sequer
mencionou isso.
— Eu sei o motivo. Ela o ama e teve medo de que você teria problemas por ir atrás do
Chase.
— Pode ser que ela esteja certa — ele comenta, uma risada áspera saindo dele. — Mas
ficou tudo bem. Se você não concordou com isso ou assinou uma permissão, precisamos descobrir
como vamos lidar.
— É, eu, hm… lidei. Já lidei com isso.
Chegamos à calçada, e Kenya e Jade sobem na SUV preta que está esperando.
— Como você lidou com isso? — Ele para antes de entrarmos.
— Kenan. — Olho em volta e vejo o olhar impaciente no rosto das duas garotas. —
Falamos sobre isso depois. Estão esperando.
— Deixe esperarem.
— Kenan, vamos lá — chama Kenya.
— Você pode esperar um minuto — fala para ela, seco — ou seguir em frente, porra. É
com você, Ken.
Ela rola os olhos e solta um suspiro pesado.
— Bem, se apresse.
— Ok — diz, virando-se para mim. — Agora que você deixou todo mundo esperando...
— Eu deixei todo mundo esperando… — Rio com o pequeno brilho de humor em seus
olhos escuros. — Não dá para acreditar em você, Kenan Ross.
— Fala. O que você fez? Como lidou?
— Fui ver o Chase.
As poucas linhas em seu rosto se apertam.
— E como foi? Ele te deu algum trabalho?
— Nenhum trabalho. Já foi removido da galeria.
É um longo dia de verão e o sol ainda não se pôs completamente. No quase escuro, ele
estuda meu rosto antes de assentir.
— Ok. Você lidou. Bom. — Ele joga um sorriso para a irmã. — Estamos indo. Não
machuca esperar às vezes.
No curto caminho até o Central Park, digo a mim mesma que não menti. Omiti partes da
verdade para protegê-lo e ainda estou tentando entender completamente quão importante isso é para
mim.
[13] Conhecido informalmente como The Met, é o famoso Metropolitan Museum of Art, Museu Metropolitano de Arte,
Deslizo o cartão de volta na bolsa, cuidando para não amassar. Quando chegar em casa,
vou colocar junto com os outros nessa lancheira de metal vintage que usava como kit de costura
quando era adolescente. Aquela velha lancheira tem estado comigo desde que eu estudava economia
doméstica no ensino médio, viajou do bayou para a Spelman e me ajudou a passar pelo meu período
na FIT.
— Vai entrar? — Sherrie pergunta do topo da escadaria da igreja. Seu sorriso é aberto e
amigável. O olhar que me dá é compassivo.
Ela espera enquanto subo os degraus para alcançá-la e entramos, caminhando juntas para o
porão.
Sou a única em nosso pequeno grupo que ainda não compartilhou a própria história. Contei
um pouco sobre o vazio; sobre como chorei na última vez que fiz sexo. Os gatilhos com flashbacks e
os ataques de pânico. Elas sabem que estou namorando uma pessoa incrível, mas que tenho medo de
dar o passo final com ele.
— Boa noite, moças — cumprimenta Marsha, tomando um gole do café e olhando nos
olhos de cada mulher do círculo. — Como a semana está indo?
— Finalmente disse para minha família o que meu primo me fez — conta Chloe, piscando
rapidamente com as lágrimas se formando em seus olhos. — Eles não acreditaram em mim. Nem
mesmo minha própria mãe.
O silêncio que se segue deveria ser preenchido de espanto, mas não é. Todas fomos traídas
por alguém próximo a nós — fomos decepcionadas e desacreditadas.
— Minha própria mãe teve a coragem de trazer o “meu passado”, como ela gosta de
chamar — revela Chloe, roendo uma das unhas. — Ela disse que uma garota não pode ser tão
promíscua quanto eu era e esperar que as pessoas acreditem quando ela faz acusações. Eu tinha sete
anos quando aconteceu. Ela me fez sentir uma prostituta. Como se eu fosse uma vagabunda fazendo
teatro.
Lágrimas descem por suas bochechas sem controle.
— Tentei explicar. — Ela funga e olha, impotente, para Marsha. — Usei a linguagem que
você me ensinou. Falei que alguns de nós podem fazer muito sexo ou que alguns podem não querer de
jeito nenhum, mas que estamos todos tentando obter o controle do primeiro abuso. Ela não entendeu,
sabe? E disse que eu estava dando desculpas.
— Diga-me a sua verdade, Chloe — pede Marsha, a voz baixa e suave, porém firme. —
Sua mãe a fez se sentir suja, mas me conte a verdade sobre você. O que você descobriu sobre si
mesma.
— Minha autoestima estava conectada com o sexo — começa, hesitante, lançando olhares
rápidos ao redor do círculo. — Acreditei que tinha que ser sexualmente desejável para ter valor para
qualquer coisa ou qualquer um, mas isso não é verdade.
Kyla saiu para um segundo encontro com um homem que ela conheceu online.
— Ele é tão doce — Kyla diz, seu sorriso surgindo, depois sumindo. — Tentou me beijar e
eu congelei. Não foi tão ruim quanto tinha sido quando eu… fugi, mas, ainda assim, congelei. — Uma
única lágrima escorre por sua bochecha e ela a seca, impaciente. — Eu só quero beijar alguém legal,
alguém bom, sem pensar no que ela fez comigo. — Engole em seco e fecha os olhos. — Tinha
esquecido por tanto tempo. Queria ter deixado enterrado e nunca lembrado.
— Nossas mentes não costumam nos deixar escapar disso para sempre — Marsha fala. —
E mesmo que não nos lembremos, isso vai encontrar uma maneira de se manifestar. Pelo menos,
quando você lembrar, saberemos com o que estamos lidando. Saberemos como lidar com isso.
— Ele foi mesmo um querido — Kyla adiciona, com um sorriso. — Vamos sair outra vez.
— Que ótimo, Kyla — Marsha comemora, afeição real evidente no olhar que ela dá à outra
mulher. — Mantenha-nos atualizadas. — Olha para o relógio e depois ao redor do círculo. — Mais
alguém tem algo para compartilhar antes de terminarmos?
Chloe funga e, com um sorriso, aceita um lenço de Marsha. Elas são tão corajosas, tão
vulneráveis e nunca me pressionaram para compartilhar muita coisa. Toda semana permitem que eu
me sente aqui e absorva. A confiança necessária para dividir tantas coisas difíceis com estranhos —
para confiar neles com nossas dores mais profundas — é notável.
— Quero compartilhar algo — digo, minha voz tão baixa que quase não consigo ouvir a
mim mesma.
— Claro, Lotus — incentiva Marsha, não muito ansiosa e com a quantidade certa de
encorajamento. — Vá em frente.
— Contei a vocês que estou em um… — Como falar isso sem soar ridícula? — Uma pausa
sexual, por falta de palavra melhor. — Trocamos sorrisos ao redor do círculo. — Sexo sempre foi
algo completamente desprovido de intimidade — continuo, encolhendo os ombros. — Eu não era
hipersexual nem tinha medo de ser. Eu simplesmente me desliguei e comecei a me sentir meio merda,
então parei de fazer sexo por um tempo. — Minha risada emerge, áspera e sem humor. — Isso me
levou a conhecer um cara ótimo bem quando jurei ficar sem pau.
As outras mulheres riram e parecemos relaxar coletivamente por um momento.
— Ele tem sido paciente? — Marsha pergunta. — Compreensivo?
— Sim, cem por cento — confirmo. — E nem mesmo contei a ele o que aconteceu, mas
acho que ele suspeita. — Minha garganta queima quando preparo as próximas palavras e engulo
várias vezes, parando e recomeçando antes de conseguir dizer: — Aprendi muito sobre intimidade
com ele, mesmo sem termos feito sexo. — Rio, seca. — Quer dizer, nós demos beijos longos e
pesados, fizemos de tudo e mais um pouco.
A risada delas volta e isso me faz sentir um pouco mais leve, mas tudo some com as
próximas palavras que quero dizer.
— Mas antes eu não tinha chorado no pós-sexo — explico. — E foi um sentimento horrível
e solitário. Tenho medo de que aconteça com ele e que de alguma forma isso signifique que não vou
melhorar, e eu preciso sentir que vou melhorar. As coisas estão tão boas entre nós. Não quero
estragar tudo, pensar que não deveria ter tentado. É tipo: se eu não puder encontrar intimidade e
satisfação com ele, que é um homem tão bom e tudo que eu poderia pedir, talvez não haja esperança
para mim.
— Não coloque tanta pressão nisso — diz Marsha. — Assim, é um grande negócio, claro,
mas, se eu tivesse desistido com meu marido na primeira vez que tive a mesma resposta negativa que
tive em outras situações, nós não estaríamos onde estamos hoje. Inferno, não estaríamos em lugar
nenhum. Eu teria corrido e assumido que nunca iria melhorar. — Ela se estica e aperta minha mão. —
Vai ficar melhor. Pode levar tempo, mas vai ficar.
— Já pensou em contar a ele o que aconteceu? — Sherrie, que esteve meio quieta hoje à
noite, pergunta. — Assim ele estaria preparado para uma resposta negativa. Poderia saber seus
gatilhos ou as coisas que deveria evitar fazer.
— Pensei em dizer a ele — falo, cordas amarradas em minha barriga. — Mas, em toda
oportunidade, não consigo imaginar. Só a minha família sabe o que aconteceu e nem todos eles.
Nunca falei minha história em voz alta. Nem sei como ela soa.
— Você pode testar com a gente — Marsha oferece suavemente. — Ou não. O que você
sentir que deve fazer.
Olho meu relógio. Todas elas precisam ir, tenho certeza; em breve, eu também.
— Sei que estamos quase no final do nosso horário — digo, negando com a cabeça. —
Não quero atrapalhar vocês de nada.
Chloe senta para trás e cruza os braços sobre o peito.
— Jantar congelado é a única coisa me esperando em casa.
— Meu gato vai ficar bem com alguns minutos extras — Kyla murmura.
Olhamos para a Sherrie, que está digitando no celular. Ela olha para cima com um sorriso.
— Avisando minha colega de quarto para desligar a panela elétrica, porque vou me atrasar
um pouco.
— Viu? — Marsha me oferece um sorriso triunfante, que me incentiva a dividir todos os
meus segredos. — Temos todo o tempo do mundo.
— Senta direito, Lo! Estou quase terminando — mamãe diz, impaciência surgindo em suas
palavras. — Segura a orelha.
Eu obedientemente puxo a parte de cima da minha orelha para baixo para não queimar
enquanto ela corre o pente quente pelo meu cabelo. Fumaça sobe do calor e da pressão que achatam
as espirais que tanto a incomodam. Às vezes eu mesma faço isso, mas acabo com ainda mais
queimaduras e leva mais tempo. E já estamos ficando atrasadas.
— Viu? — diz, um sorriso em sua voz, embora esteja atrás de mim e eu não consiga ver
seu rosto. Vejo o brilho vermelho no fogão, onde o pente é aquecido. — Em poucos minutos seu
cabelo vai estar liso como o da Iris.
Dou uma olhada para a minha prima Iris em um canto, lendo uma cópia de O Leão, A
Feiticeira e o Guarda-Roupa. Iris não precisa de pente quente, e o cabelo dela nem é exatamente
liso. É ondulado, mas tão bom quanto o das garotas brancas na escola. Sua pele é quase pálida
também. A cor da pele da sua mãe, minha tia Priscilla, é uma mistura de bege escuro com marrom
claro, assim como a da mamãe. As duas têm cabelos sedosos na altura da cintura.
Sou a única que precisa de pente quente.
— Prontinho — minha mãe declara com satisfação, dividindo meu cabelo em partes para
prender.
— Pode deixar alguns soltos? — pergunto.
Assim ele vai cair nas minhas costas como o da Iris. Como o seu e o da tia Priscilla.
Não digo em voz alta, mas é isso que eu quero.
A mão da minha mãe para, mas então ela parte meu cabelo em uma parte maior atrás e
deixa livre de presilhas, prendendo o restante em dois rabos de cavalo.
— Vou deixar um pouco solto — mamãe diz, um aviso em sua voz. — Mas você não pode
ficar correndo para todo lado e suando. Seu cabelo vai voltar ao normal e não vai ficar lindo mais.
— Terminou? — tia Priscilla questiona, inspecionando meu cabelo. — Veremos quanto
dura. Não sei por que você se incomoda de alisar no meio do verão.
— Vai durar um dia — mamãe comenta, depois desliga o fogão. — Está pronta?
— Peguei a salada de batata e o frango frito — responde tia Priscilla. — Dá uma olhada na
torta de batata doce. Precisamos ir.
— Temos de esperar pelo Ron de todo jeito. — Mamãe abre o forno e olha as duas tortas.
— Bem, é melhor aquele falido vir logo — tia Priscilla murmura, baixo, porém não o
suficiente a ponto de todas nós ficarmos sem ouvir.
— Não fale do meu homem. — Por cima do ombro, mamãe dá um olhar irritado para a tia
Pris.
— Querida, o que você vê naquele homem insignificante eu não sei. Ele não consegue
pagar o aluguel, e nem você. Pelo que posso dizer, eles não valem a pena manter se não podem pagar
pelo menos uma conta ou duas. Essa é a receita de um novo homem, se é que eu já vi um.
— O Ron é diferente — mamãe diz, sua voz mais suave que o normal. Estou acostumada a
ouvir o tom cortante em cada palavra da minha mãe, mas não quando ela fala sobre o Ron. Ela diz
que o Ron é diferente, mas sei que é ela quem está. Nunca vi ninguém agir do jeito que ela age com
ele.
— E ele é tão bom com a Lo.
Não, ele não é. Ele me assusta e me toca em toda oportunidade que tem.
Não é nada incomum. Mamãe e tia Pris continuam trazendo homens estranhos ao meu redor
que ajudam a pagar as contas. Iris e eu ficamos realmente boas em evitarmos as mãos deles, mas Ron
está ficando por mais tempo e parece ter mais mãos do que o resto.
Ele finalmente aparece, trinta minutos mais tarde.
— Você está atrasado — mamãe avisa a ele, uma carranca entre seus olhos escuros.
— Eu diria que estou bem no horário, baby. — Ele abaixa a cabeça para beijá-la, calando-
a.
— É tão desagradável quando ele coloca a língua na boca dela — sussurro para Iris.
— É mesmo. — Iris fecha a expressão. — Mas eles parecem gostar.
Mas, no momento em que Ron tira a língua da boca da mamãe, ela não parece mais irritada.
Ela envolve os braços ao redor do pescoço dele enquanto Ron sussurra no seu ouvido. A tia Pris
entra na sala, parecendo um botão de ouro naquele vestido amarelo. Ela rola os olhos e treme os
lábios vermelhos.
— Como se não estivéssemos atrasados o suficiente — reclama, batendo na cabeça do Ron
enquanto passa. — Vamos lá.
Eu, Iris e tia Priscilla nos esprememos na parte de trás do Cutlass Supreme velho do Ron.
Mamãe ficou com ele na frente.
— Sem ar-condicionado? — reclama tia Pris.
— Você poderia ir andando — Ron devolve, olhando para ela pelo retrovisor.
— E você poderia estar em casa, já que essa não é uma reunião da sua família — dispara
de volta.
Iris e eu rimos, e pego o olhar de Ron pelo espelho também. Não ligo. Gosto quando a tia
Priscilla fala coisas maldosas que eu queria poder dizer.
— Falido — tia Pris murmura novamente, baixinho.
“Falido” é a pior coisa que um homem pode ser para a tia Priscilla. Normalmente para a
mamãe também, mas, desde que Ron começou a “farejar” por aqui, como a tia Pris chama, ela
mudou. Pela primeira vez, mamãe não parece ligar que Ron não possa pagar as contas dela — e que,
às vezes, ela pague as dele. Minha tia nunca esconde a irritação de que a mamãe não se importa de a
carteira do Ron estar vazia desde que a cama dela não esteja. Isso quebra o código de sobrevivência
das duas.
Estico o braço para fora da janela e faço ondas como as do mar.
— Se você não fechar essa janela, Lo... — mamãe ameaça. — O tempo que levei para
alisar esse cabelo e você quer abaixar a janela?
— Desculpa, mamãe — murmuro, rolando a janela para cima, mas deixando uma pequena
e rebelde abertura em cima para que uma brisa entre.
— Espero que eles estejam brincando de jogo da ferradura — Iris fala.
— Não sou boa nesse jogo — relembro.
— Vou te mostrar como é. Lembra quando a gente não conseguia nem pular amarelinha?
Belisco o lado dela de brincadeira e nós duas rimos. Quando éramos mais novas, eu nunca
conseguia pular amarelinha, então a Iris pulava na minha frente e eu a seguia, até que aprendi a fazer
por conta própria. Não sei por que foi tão difícil para mim, mas imitar seus passos foi a única
maneira que eu consegui. “Amarelinha” é o nosso código agora para quando uma de nós precisa da
ajuda da outra. Gritávamos amarelinha no parquinho quando um valentão tentava mexer conosco.
Talvez fosse bobo, mas era coisa nossa. É difícil viver no Nono Distrito, em Nova Orleans, e não
temos muita coisa, mas Iris e eu temos uma a outra.
— Chegamos — mamãe avisa. Ela gira o corpo no assento e estuda o meu cabelo. —
Lembre-se. Não deixe seu cabelo suar.
Olho para fora da janela do carro do Ron em dúvida. Está tão quente que eles já ligaram os
sprinklers no centro comunitário onde a reunião é feita.
— Vão encontrar as crianças — mamãe ordena, as mãos no quadril. — Não precisamos
que vocês fiquem se metendo nos problemas dos adultos hoje.
Nós “encontramos as crianças” e brincamos de jogo da ferradura e kickball, enquanto os
adultos jogam cartas e dominó; a risada deles e todas as coisas que não deveríamos ouvir chegam
aos nossos ouvidos. Na hora de comer, Iris e eu sentamos na mesa das crianças com um pouco de
cada coisa nos nossos pratos.
— Qual é o seu favorito? — questiono Iris.
— Frango frito — fala, com a boca cheia de gordura, apontando para a perna, a coxa e o
peito em seu prato. — Deu para perceber?
— Eu gostei desse étouffée. — Coloco um pouco da sopa e do arroz de um isopor.
— Posso ensinar a fazer — uma senhora que está perto diz.
É minha bisavó MiMi. Não a vemos tanto, já que ela vive no bayou, no meio do nada.
— Ok. — Dou de ombros. — Talvez algum dia.
Ela pega meu queixo entre os dedos e estuda meu rosto.
— Você está crescendo, Lotus — comenta. — Uma menina tão bonita.
Será que a MiMi viu a Iris ao meu lado com a sua pele clara e o cabelo longo, sedoso e
“bom”? Ela é a única pessoa que costuma ser notada, não eu. Nós nos vestimos quase idênticas, as
duas usando top branco e shorts.
— Hm, obrigada. — Afasto o olhar quando MiMi continua me encarando. Ela tem uma
coisa de olhar dentro de você. Minha mãe diz que ela pratica vudu como um monte de mulheres da
nossa família costumava fazer. Ela é meio assustadora e fico feliz quando solta meu queixo e segue
em frente.
Comemos e corremos o resto do dia até escurecer. O sol está prestes a se pôr e estou
brincando de bater na mão com um dos meus primos quando a tia Priscilla se aproxima, franzindo o
rosto e procurando pelo pavilhão.
— Lo, eu não estou achando a Iris em lugar nenhum — diz. — Vá encontrar sua prima para
podermos ir. Não quero andar naquela ameaça mortal do Ron na estrada no meio da noite.
— Sim, senhora. — Corro em direção ao campo onde eu tinha visto a Iris brincando com
um dos cachorros que alguém trouxe.
— Bo! — chamo.
A tia Priscilla é de origem Crioula[14]. O pai da Iris é alemão, então ela é uma mistura e
leva um pouquinho de tudo em si. É por isso que eu a chamo de Gumbo.
Caminho pelo antigo canavial que fica nas bordas do centro comunitário. Parece que
ninguém veio colher na última temporada. Todos os caules estão altos, alguns deles apodrecendo,
fica difícil de enxergar.
— Ela não deve ter vindo tão longe. — Viro, pronta para refazer minhas pegadas e
encontrar o caminho de volta, mas bato em algo sólido. — Ah, Ron — digo, olhando para ele com
cuidado. — Ei.
— Ei, Lo. — Ele dirige as palavras para os pequenos botões no meu peito, em meu top. —
Você está crescendo rápido.
Seu sorriso faz meu estômago se retorcer em nervosismo, mas não tenho ideia do motivo.
Olho em volta e não vejo mais nada, a não ser os caules e o Ron.
— É melhor eu voltar. — Tento passar ao seu lado, mas ele para na minha frente. Quando
dou um passo para o outro lado, ele imita.
Ron ri e toca meu rosto.
— Temos alguns minutos.
— E-eu tenho que ir. A tia Pris me mandou encontrar a Iris. — Minha voz treme um pouco
e meu coração está batendo com tanta força que consigo ouvir. — Ela vai estar me procurando em
breve.
— Não… O novo cara dela acabou de chegar — fala com facilidade. — Ela vai ficar
ocupada com ele por um tempo, tentando convencê-lo a pagar o aluguel do mês que vem. Você e eu
nunca conversamos.
— Quero voltar, Ron.
Ele agarra minha cintura e me puxa para perto.
— Você está andando por aí quase nua o dia inteiro — diz, a voz ficando mais rouca e
profunda. — Toda bonita.
A palavra nua desperta alarmes na minha cabeça. Ele não deveria falar comigo assim. Ou
me olhar assim. Ou me dar pequenos toques toda vez que tem a chance.
— Não, eu não fiz isso. — Tento me afastar, mas seus dedos me apertam. — Deixe-me ir.
— Só um beijo, Lo — sussurra, inclinando-se para frente e pressionando a boca na minha.
— Não! — Afasto-me, mas ele segura minha cabeça no lugar com a mão enorme. Abro a
boca para gritar e ele enfia a língua dentro. É molhada, grosseira e abafa minha voz. Eu engasgo.
Como a mamãe consegue gostar disso? Mordo o lábio dele até sentir gosto de sangue.
— Sua bruxinha — rosna, deixando-me ir e tocando a boca que sangra.
Corro, mas não chego muito longe antes que ele me puxe por trás. Caio, e minha cabeça
bate no chão com força. O mundo escurece, cheio de pontinhos coloridos como o joguinho de pinos
Light Brite que ganhei de doação no verão passado.
Aí tudo fica escuro.
Quando abro os olhos, não consigo me mover. Ron segura meus pulsos com uma das mãos
acima da cabeça. Uma brisa passa pelas minhas pernas e percebo que meus shorts e calcinha
sumiram. Estou presa entre seu quadril e coxas, e algo duro me cutuca.
— Não! — grito, virando a cabeça de um lado para o outro com tanta força que um dos
meus rabos de cavalo se solta. Não consigo ver através da cortina escura e grossa de cabelo alisado.
— Não! Por favor.
— Isso vai ficar só entre nós — Ron sibila em meu ouvido. — Você vai gostar. Prometo.
— Por favor — digo, soluçando, o cheiro do meu cabelo, sua colônia barata e a cana-de-
açúcar podre congestionando minhas narinas. — Ron, não.
Mas ele o faz.
E a dor está em todo canto. Na minha cabeça, da queda. Nos meus pulsos, dos dedos de
aço segurando abaixo das minhas mãos. Entre minhas pernas, onde parece que um cano está pegando
fogo e forçando um caminho para dentro. Ele geme sobre mim como um pinto no lixo, a boca aberta,
os olhos rolando para trás. Pontos nadam na minha frente e aperto os olhos fechados. Lágrimas
descem por minhas bochechas e molham meu cabelo.
Há um grito na minha mente que ninguém ouve, apenas eu. Continuo gritando, mas minha
boca está congelada, o som preso lá dentro. É um choro secreto, tão alto na minha mente que isso é a
única coisa que consigo ouvir, mas ele não sai. Ai, Deus, o som não sai.
Olhe para cima.
É o mais fraco sussurro, quase impossível de ouvir através dos gritos na minha cabeça.
Olhe para cima!
Aquele sussurro volta, impulsionando-me, mais urgente e, através da dor e do barulho, eu
olho para o céu. Duas nuvens agrupadas lentamente vão se separando. Elas se parecem mandíbulas e,
enquanto se abrem para revelar o sol escondido por trás delas, minha boca se abre também,
esticando-se com as nuvens. E, finalmente, minha voz rompe pelo campo apodrecido.
— Amarelinhaaaaaaaaaaa!
— May, você sabe quão rápidas essas meninas são. — Ron fica de pé, com os olhos
astutos e sombrios no sol se pondo, o cinto pendurado e o zíper desfeito. — Lo pode ser nova, mas
ela já tinha experimentado em algum lugar, a maneira como ela estava chegando em mim...
— Você está mentindo! — Iris grita, segurando-me de forma protetora.
Aperto-me mais nela, tremendo com tanta força que dói, meus dentes batendo no calor do
verão. Meu cabelo está metade para baixo, metade para cima e bagunçado. Aquele lugar privado
entre minhas pernas está tão sensível que até a calcinha de algodão queima contra minha carne
rasgada.
Mamãe encara Ron, depois a mim, como se não tivesse certeza de quem ela mais odeia
agora.
— Lotus, eu te falei que você estava crescendo rápido — mamãe fala, mas a voz dela
treme. Ela sabe. Ela tem que saber que ele está mentindo; e eu não estou.
Não consigo me defender. Não disse uma palavra desde que gritei amarelinha e trouxe Iris
correndo. Mamãe e tia Pris não estavam muito longe. Nós cinco estamos parados no meio do campo,
e as mentiras do Ron estão tão podres quanto a cana.
— May — tia Pris começa, os lábios apertados —, não sei se…
— É isso, nós não sabemos — mamãe diz, os olhos espremidos na irmã. — Só preciso de
um minuto para pensar, Pris. Me dê um...
Sua voz se quebra como um prato caindo no chão e ela começa a chorar, as duas mãos
cobrindo o rosto. Ron vai até ela, que bate em seus ombros, rosto e cabeça.
— Você não é bom — grita, sua pele clara ficando vermelha. — Como pôde, Ron?
— Baby, vamos lá — diz, capturando seus braços agitados, prendendo as garras de seus
dedos em uma das mãos e puxando-a contra o seu peito com um braço grosso.
— Não vou a lugar nenhum — grita para ele. — Não desta vez.
— Baby, você me conhece — murmura em seu cabelo, fazendo círculos em suas costas
com as mãos. — Eu amo você. Sabe como é entre nós.
Soluços a sacodem contra ele e ela balança a cabeça de um lado para o outro, negando,
mas para de arranhar e se afastar e começa a se agarrar, enfiando-se em seu pescoço.
— Como você pôde? — sussurra de novo e de novo, soando mais machucada do que
brava. Quebrada, mas não indignada por conta de mim.
— Temos que falar com a polícia! — Iris diz, como se fosse uma adulta.
— Não! — mamãe e eu dizemos em uníssono.
— Não — repito. O rosto borrado da Iris aparece entre minhas lágrimas. — Não quero que
ninguém saiba. — Viro o olhar pedinte para minha mãe. — Por favor, nada de polícia. — Encaro
Ron. — Só o faça ir embora.
Ela congela com minhas palavras, parecendo impotente entre mim e o homem que me feriu,
como se fosse uma escolha difícil a se fazer.
— Faça-o ir embora, mamãe — imploro novamente. — Por favor, não temos de falar com
a polícia. Só o faça ir embora.
— Mas, Lotus, nós… — Lambe os lábios. — Todos precisamos de algum espaço para
entender o que aconteceu.
— Sei o que aconteceu, mamãe — protesto. — Ele me es…
— Lotus! — mamãe me corta, como uma lâmina. — Não diga isso.
— Mas ele fez isso. — Choro no cabelo da Iris. — Ele fez.
— Talvez você deva ficar em outro lugar por um tempo — mamãe fala, evitando meus
olhos. — Até que todos nos sintamos mais confortáveis.
— Eu? — Meu choque salta entre mamãe, tia Pris e Ron, cujos lábios sangrentos se
empurram em um sorriso presunçoso. — Mas, mamãe, eu…
— Apenas por algumas semanas, Lo — garante, um pouco da culpa em seu rosto
transformando-se em impaciência.
— Não — Iris grita, apertando-me com mais força. — Não mande Lotus embora.
— Apenas por algumas semanas — mamãe diz novamente, seu tom mais firme.
— Então eu vou com ela. — Iris coloca os lábios em uma linha fina e determinada.
— Você não vai a lugar nenhum, garota — afirma tia Pris. — O que eu disse sobre não se
meter no assunto dos adultos?
— Mas mamãe — minha prima fala, a voz grossa e vacilante. — Para onde ela vai?
Os caules se movem e se separam, esmagados debaixo dos pés de alguém, alertando a
todos nós. É minha bisavó MiMi. Ela leva seu tempo olhando para cada um de nós, mas finalmente
fixa o olhar furioso em Ron. Ele engole em seco, estremecendo.
— Vou levá-la — MiMi avisa, olhando para mim com os olhos antigos. — Ela pode vir
ficar comigo.
[14] Nome dado ao descendente de colonizadores franceses em regiões dos Estados Unidos como a Louisiana e Nova
Orleans.
Se há um lugar que nunca esperei estar é aqui.
New York Fashion Week. Primeira fila do show da JPL. Mas, ainda assim, cá estou,
ansiosamente esperando o primeiro “look”, como a Lotus chama. Ela me disse que o desfile que o JP
veio desenhando e planejando por meses acabaria em menos de vinte minutos.
Meu tipo de evento.
O público que aguarda está sentado em um terraço com vista para o Lincoln Plaza. Não
consigo aproveitar completamente a cidade à beira de um pôr-do-sol ou o ar eletrizante e excitante,
porque estou pronto para o desfile terminar. Estou feliz pelo JP e seu time, a quem passei a conhecer
e de fato gostar durante o verão. Mas, quanto antes o evento e a after party acabarem, antes poderei
ter a Lotus para mim mesmo. Ela me avisou que sua agenda seria complicada nas últimas semanas
antes do grande dia, mas eu não estava preparado para quão pouco tempo ela teria para qualquer
outra coisa.
Quão pouco tempo teria para mim.
Nunca me envolvi com alguém com uma agenda ou comprometimento ao seu ofício que
rivalizasse com o meu. Em três semanas vou para a pré-temporada e a NBA terá quase todo o meu
tempo pelos próximos nove meses, no mínimo. Dez se chegarmos aos playoffs, o que August e eu
estamos determinados a fazer. Então Lotus será alvo da minha carreira. Não é fácil de conviver com
isso. Eu não sou fácil de conviver. Sou ainda mais obcecado com minha alimentação e rotina de
treinos durante a temporada. Assisto vídeos constantemente. Falo ainda menos, porque estou dentro
da minha cabeça estudando planos, avaliando o ataque dos outros times, mentalmente separando os
defensores antes dos jogos.
Tudo gira em torno do esporte.
Posso não ter começado pensando que seria jogador da NBA, mas sempre fiquei muito
focado em meus esforços. Eu seria assim com o Direito, se tivesse realizado os sonhos do meu pai e
seguido essa carreira. Se eu fosse fazendeiro, seria assim com minhas frutas, vegetais e solo. É a
forma como fui feito e nada quebrou esse padrão em mim. Sei o que a Bridget fez de errado, mas
também reconheço que não sou fácil, especialmente uma vez que a temporada começa.
E a Bridget passou por várias temporadas.
Ela é a última coisa que quero considerar agora. Segui em frente completamente; não me
importo que Lotus trabalhe com moda, algo que nunca dei a mínima, ou que não saiba diferenciar
Oscar Robertson de Oscar Meyer. Que eu seja onze anos mais velho. Ou que eu viva na Costa Oeste
e ela, na Costa Leste. Não importa que ela talvez acredite em vudu. Talvez ela seja uma bruxa. Não
sei. Só tenho certeza de uma coisa.
Estou me apaixonando por ela.
E se estou sendo honesto, pelo menos para mim mesmo, já estou usando o pretérito perfeito
nessa frase. Eu me apaixonei por ela.
Você pensaria que, com todo o drama e o trauma que experimentei com a Bridget, eu não
teria feito isso de novo. Mas já foi. Não há nenhum “de novo” no que estou sentindo. Isso é território
desconhecido. Nunca me senti desse jeito por ninguém. Meu Deus, me dá vergonha pensar nisso, mas
a Bridget e eu nos conhecemos na faculdade. Eu a conheço há dezesseis anos, fui casado com ela na
maior parte disso, e nunca senti por ela o que estou sentindo por Lotus depois de poucos meses.
Sempre mantive com ciúmes meus momentos de solidão, então querer estar com alguém o
tempo inteiro não é apenas algo estranho, mas desconcertante. Leio o Cântico dos Cânticos para
fazer bilhetes para ela. Isso mesmo. Lá da Bíblia. Alguma merda de ladrão de corpos. Não sei quem
tomou como residência a minha mente e corpo, com os quais sempre fui tão disciplinado. Quem
tomou como residência esse coração.
O caminho circular dos meus pensamentos para quando as luzes se abaixam e a música
preenche o terraço. A música é como se a Enya tivesse transado com um DJ e dado luz a alguma
música bastarda da New Age, possuída por uma linha de baixo pesada. Uma mulher alta e magra
caminha com confiança e arrogância pela passarela. Ela para, posa e se vira. Antes que desapareça,
outra assume seu lugar no final da passarela.
Os próximos vinte minutos apresentam um desfile de mulheres cuja beleza apenas rivaliza
com as belas roupas que vestem. Posso não saber muito de moda, mas sei que aquelas roupas são
arte, e sinto orgulho por minha garota ser uma parte tão crucial dessa obra de arte. Celebridades, não
apenas críticos e pessoas do mundo da moda, preenchem cada fila. Vejo Bristol James, esposa do
Grip, a alguns assentos. Acenamos brevemente, mas Bristol retorna a atenção para as roupas
imediatamente.
Tudo acaba em vinte minutos como Lotus prometeu, e JP vem de trás das cortinas junto de
todas as modelos e para no final da passarela, acenando e recebendo a bajulação que a coleção
merece. O público está de pé. Estou de olho na cena por qualquer sinal da Lotus, mas ela
provavelmente ficou no backstage.
Como um porta-voz da marca, eu tenho um passe, que irei utilizar assim que tudo terminar
e as pessoas começarem a se dispersar. Lotus disse que a agenda da Fashion Week é brutal. Shows
consecutivos são agendados em locais por toda a cidade, fazendo a maioria dos críticos, editores,
blogueiros de moda e participantes darem o seu melhor para ir de um local a outro a tempo.
No meio das amazonas, algumas me olham nos olhos usando seus saltos, é difícil encontrar
minha pequena Lotus. Quando a vejo, ela está abraçando JP e usando calça skinny azul meia-noite
que molda cada linha da sua figura esguia. A camisa, se pode ser chamada assim, é de seda cor de
marfim. Não é nada mais que um sutiã com mangas compridas agarradas aos braços e alguns cristais
caindo dos pulsos por cima das mãos. Uma sugestão de mamilos escuros aparece pelas conchas
frágeis envolvendo seus seios, e seu estômago está nu, a flor de lótus sendo a única interrupção à sua
pele suave. Ela se vira para responder alguém e eu engulo em seco. A bunda dela naquela calça
apertada é um crime. Meu Deus, quero lamber aquele zíper na coluna dela. Eu deveria estar
acostumado a isso — partes de mim ficam dolorosamente duras e outras se tornam
inacreditavelmente suaves apenas com a visão dela —, mas não estou. Fico metade esperançoso de
que nunca me acostume.
Talvez ela sinta meus olhos nela. Eu não ficaria surpreso caso sentisse. Há algo diferente e
único a respeito de Lotus. Ela sente coisas, percebe coisas que nem sempre estou em sintonia. Ela
procura até me encontrar.
— Kenan! — grita, e rapidamente encontra seu caminho pela multidão para me alcançar.
Ela está usando mais maquiagem que o normal e um piercing no nariz, uma pequena argola
de ouro em uma das narinas. Assim que está perto o suficiente, dobro os joelhos, envolvo os braços
ao redor dela e, com os cotovelos presos debaixo de sua bunda, puxo-a para mim.
— Estou tão orgulhoso de você, Botão — sussurro na nuvem de cachos platinados.
Ela enrijece em meus braços e afasta-se para olhar no meu rosto. Seu sorriso é ofuscante,
uma fusão de alegria e realização.
— Sabe que a linha não é minha, né? — brinca, descansando um cotovelo em meu ombro,
traçando minhas sobrancelhas e maçãs do rosto com a unha.
— Sei de tudo que você fez — insisto. — E não sei nada sobre moda, mas o show foi
fantástico. — Beijo a linha quente da sua garganta. — Você é fantástica.
Ela abaixa a cabeça até nossos olhos se encontrarem e o sorriso sumir deles e dos seus
lábios. Descansa a testa na minha.
— Quero passar a noite com você, Kenan.
As batidas do meu coração triplicam por trás do meu esterno e engulo minha ansiedade.
Acalme seu pau e diminua as expectativas.
Não fizemos sexo e eu esperaria um ano, dois, quanto tempo fosse necessário para que ela
se sentisse confortável. Ela já passou a noite várias vezes comigo e sempre foi difícil de parar, mas
eu o faço. Por ela, sempre irei até que diga que não preciso mais. Então, quando ela diz que quer
passar a noite, meu pau e eu devemos saber por ora que isso não significa…
— Claro. — Eu a coloco no chão. — Você mencionou uma after party.
— Não vou — ela me corta, seus olhos fixos no meu rosto. — Já falei com o JP.
— Ah, ok. Certo. — Limpo a garganta. — Se você quiser pegar algo para comer…
— Não quero. — Ela pega minha mão e me encara na penumbra dos bastidores. Modelos,
críticos, celebridades, o staff da JPL… estão todos ao nosso redor, mas, para mim, somos as duas
únicas pessoas aqui. — Quero ir para o seu apartamento e quero passar a noite. Kenan, estou pronta.
— Lotus, baby, você não tem que…
— Kenan! — JP grita perto do meu ouvido.
Lotus e eu não quebramos nosso olhar imediatamente, ficando presos um ao outro por
alguns segundos antes de encarar o chefe dela. Ele está praticamente vibrando de triunfo e eu
entendo. Estou feliz por ele, mas agora preciso descobrir o que a Lotus quis dizer. O que ela está
falando — se é o que estou pensando que ela está dizendo. Se é isso, vamos sair daqui o mais breve
possível.
— Aproveitou o show, meu amigo? — ele me pergunta.
— Sim, foi ótimo. — Puxo Lotus para o meu lado, acariciando a pele suave das suas
costas. — Todo mundo pareceu amar.
— Oui! — Sua satisfação fica evidente em seu sorriso para mim. — E Lotus, tem certeza
de que não quer vir comigo para a after party? Todo mundo vai estar lá. Todos os gigantes da
indústria.
Lotus se aperta mais profundamente ao meu lado com uma risada rouca.
— Depois de todas as horas que dediquei a isso no último mês — começa, soando
cansada, porém feliz —, só tem um gigante que eu quero ver.
Meu sorriso fica tão largo que dói. Não consigo nem esconder, pelo que ela quer dizer e
como a quero. Agora que a Simone sabe, não dou a mínima para quem nos verá juntos. As pessoas
geralmente não se interessam pela minha vida, exceto quando a Bridget bagunça tudo.
— Bem, eu gostaria de receber algum crédito por isso — JP fala lentamente, seu sotaque
francês engrossando e os olhos brilhando —, já que foi o meu botão que os uniu.
— Acho que encontraríamos nosso caminho com ou sem o botão. — Inclino-me para beijar
o topo da cabeça da Lotus. — Mas obrigado pela ajuda.
— De rien[15]. — Ele move a cabeça em direção à saída lateral. — Vão em frente e
sumam daqui, pombinhos.
— Tem certeza? — Lotus pergunta, seus dedos se apertando na minha cintura.
— Vamos começar novamente em breve — relembra. — Vá antes que eu lembre que mal
consigo funcionar quando você não está comigo nessas festas horríveis.
Para alguém tão pequena, a Lotus consegue carregar um homem duas vezes o seu tamanho
por uma multidão com aparente pouca dificuldade. Assim que a porta se abre, a luz do sol de
setembro se derrama nos bastidores. Lotus respira fundo antes de pisar lá fora, um pouco à minha
frente.
— Liberdade — diz, soltando um suspiro longo. — Acabou.
Uma risada irônica se solta dela e é rapidamente engolida pelo som das buzinas e a
cacofonia urbana de Nova Iorque. Ela olha para mim com os ombros caídos, o olhar cheio de
cansaço e antecipação.
— Leve-me para casa, Kenan.
[16] O QI de basquete é um termo que se refere a jogadores que, mesmo não sendo inteligentes, possuem excelente leitura
de jogo, posicionamento e movimentações em quadra.
[17] O jogador da franquia é o atleta no time que recebe o status de estrela. É ao redor dele que a equipe desenvolve seu
marketing e estilo de jogo. Exemplo: Kobe Bryant no Los Angeles Lakers.
— Você consegue! — Minha garganta está seca, mas forço as palavras para fora mais uma
vez, rezando para que algo acabe com a agonia da minha prima em breve.
— Não dá — Iris diz, lágrimas escorrendo dos cantos dos olhos. — Não dá, Lo.
— Sim, dá sim. — Seco o suor em sua sobrancelha e entrego a ela uma caneca com
pedaços de gelo. — Você vai conseguir.
— Quero o August.
— Eu sei, querida. — Olho para o relógio na parede. — Ele está chegando.
— Odeio basquete — declara, o lábio inferior tremendo.
— Tenho tentado te dizer isso — brinco. — Precisou do trabalho de parto para você me
ouvir.
Sua boca treme bem pouquinho.
— Ele já está chegando? — questiona de novo, pela centésima vez.
— Está. O time pousou há pouco e ele ligou do aeroporto.
É pré-temporada e os Waves tiveram um jogo em Toronto. Iris não deveria parir por mais
alguns dias.
— A primeira coisa que vou fazer quando esse homenzinho chegar — prometo, dando a ela
um sorriso — é dizer a ele para sincronizar o calendário. Pegou todos nós de surpresa.
Eu não viajaria para San Diego até o fim de semana e planejava passar alguns dias no
Havaí com o JP. Felizmente, recebi a ligação antes de sairmos para o aeroporto e consegui trocar
meu voo.
A parte boa é que conseguirei ver meu namorado antes que o time viaje para a China em
dois dias. Quando Kenan disse que o cronograma era duro, não achei que ele estivesse mentindo, mas
até a pré-temporada é intensa.
— Aaaah! — Iris grita. Rios de suor descem por sua testa, fazendo os cabelos finos de
suas têmporas se enrolarem. — Como está a Sarai? — pergunta ofegante quando a dor passa.
— Bem. Recebi uma atualização da sua amiga há alguns minutos. Ela disse que a Sarai está
brincando com as bonecas.
Iris sorri, seus olhos mudando para algo atrás de mim.
— Doutora Matthews, oi.
— Oi, Senhora West — a obstetra da Iris, Doutora Matthews, chama da porta. Sua voz é
calma, mas carrega uma nota de urgência. — Precisamos conversar. Você está em trabalho de parto
há oito horas e parou em cinco centímetros de dilatação. Gostaria de fazer um teste de escalpe fetal.
Iris tem recebido remédios para dor, embora ela não queira uma epidural. Sei que não tem
dormido muito por semanas. Sombras escuras descansam abaixo dos seus olhos. Entre contrações,
suas pálpebras caem, sonolentas. Ela está exausta. Preciso estar alerta para o seu bem.
— O que é um teste de escalpe fetal? — pergunto.
A médica olha para mim em dúvida, depois para Iris, cuja cabeça tombou para o lado.
— Fiz uma pergunta — insisto com a médica, com uma firmeza suave. — O que o teste
envolve e por que precisamos disso?
— Diga a ela — Iris sussurra. — Ela é minha única família.
Tecnicamente não é verdade. Nós duas temos mães vivas e bem em Nova Orleans.
Nenhuma de nós as viu desde o funeral da MiMi. Não falo com a minha desde que eu tinha doze anos.
— E o Senhor West? — Doutora Matthews pergunta, sobrancelhas erguidas.
— A caminho — respondo, meu olhar inabalável. — O teste?
— Colocamos um cone de plástico na vagina, contra o couro cabeludo do bebê — explica.
— Tiramos uma pequena amostra de sangue, que será analisada e dirá em dez minutos se ele está
recebendo oxigênio suficiente.
— Tudo bem para você, Bo? — pergunto. — Ouviu a médica?
Iris acena fracamente e lambe as marcas de dentes em seus lábios.
— Ok — afirma. — Faça.
Eles colocam Iris nos estribos e rapidamente conduzem o teste.
— Estou preocupada com isso — a Doutora Matthews diz quando volta minutos depois. —
Precisamos tirar esse bebê. Devemos começar a discutir outras opções. Possivelmente uma cesárea.
— Não, eu não quero… — Lágrimas correm pelas bochechas da Iris. — Queremos fazer
de forma natural. — Ela olha para mim, angústia e pânico enchendo seus olhos. — Onde ele está,
Lo?
Meu telefone toca e é August. Graças a Deus.
— É ele! — Rio e seguro o telefone antes de atender. — Cara, quão perto você está?
— Estou na esquina — August diz, frustração em sua voz. — Mas há um acidente. Espero
que limpe em breve. Como ela está?
— Ótimo — digo, sorrindo para tranquilizar minha prima. — Ela está indo bem. Elas estão
um pouco preocupadas de que o bebê não esteja recebendo oxigênio suficiente e falando sobre uma
cesariana.
— Não, ela não quer — avisa.
Ando um pouco para longe da cama e viro as costas para a Iris.
— Ela pode precisar, August — explico, baixando o tom de voz. — Ela precisa de você.
Não ligo se vai ter que descer do carro e vir correndo, traga sua bunda para cá. — Olho por cima do
ombro e dou outro sorriso a ela. — Quer falar com ele?
— Sim. — Ela assente, o cabelo escuro espalhado em uma bagunça no travesseiro. — Por
favor. — Não consigo entender as palavras do August, mas ela puxa o ar profunda e tranquilamente,
depois solta. — Eu sei — diz, a voz vacilante. — Eu lembro. Só quero você aqui. Vou fazer a
cesárea se precisar, August. Não quero fazer isso sem você. — Sua voz se quebra e novas lágrimas
rolam por cima de suas bochechas coradas. — Quero você. Por favor, não perca o nascimento do
nosso filho.
Quando desligam, pego meu telefone de volta e sento ao lado da cama da Iris. Assim que
estou prestes a encontrar algo para distraí-la enquanto a médica vai fazer ajustes, outro grito rasga
por ela.
— Droga! — grita, franzindo o rosto em uma máscara de dor. — Essa merda dói. Não tinha
doído assim antes.
Com Sarai, Iris teve uma gravidez difícil, mas o parto em si foi relativamente fácil. Desta
vez, a gravidez da Iris foi como uma brisa, mas o parto está sendo uma vadiazinha.
— Não consigo fazer isso, Lo — sussurra. — Meu Deus, estou tão cansada.
— Sim, você consegue. — Agarro a mão dela e perco a linha do que estava prestes a dizer
quando Iris aperta minha mão com tanta força que tenho medo de quebrar. Droga, isso dói.
Iris range os dentes e senta para empurrar enquanto a Doutora Matthews entra com a equipe
para se preparar para a cesárea.
— O que… — Ela checa entre as pernas da Iris e nos olha de volta, radiante. — É isso que
eu gosto de ver. Não tenho certeza do que você fez, Senhora West, mas está com oito centímetros.
— Estou? — Iris pergunta, um sorriso partindo seu belo rosto como o sol. — Como? Eu
não fiz nada.
— Acho que seu corpo só precisava de mais alguns minutos para se recuperar e seguir com
as coisas — diz, com uma piscadela. — Você teve uma onda de poder. Agora, vamos empurrar.
Iris está empurrando com força pela segunda vez e o grito é horripilante. Não tenho certeza
de quanto mais consigo aguentar. Pelo tanto que consigo me lembrar, sua dor tem sido minha dor e a
minha dor tem sido a dela. Lágrimas brilham em meus olhos, mas não solto sua mão, mesmo quando
meus dedos ficam dormentes com a pressão. Ela solta outro grito quando August surge pela porta.
— Estou aqui, baby — diz, correndo para o seu lado.
Começo a me mexer para que August possa assumir meu lugar, mas Iris não me deixa ir.
Ela nega com cabeça para que eu não saia.
— Amarelinha — sussurra, chorando muito. — Não me deixe, prima.
Sempre estivemos uma pela outra, fizemos o que foi preciso, e essa palavra tem sido
padrão durante as coisas mais difíceis e sombrias que a vida reservou para nós. Emoções enchem
minha garganta, mas eu consigo assentir, determinada a suportar os ossos sendo esmagados pelo
tempo que demorar, pelo tempo que ela precisar. Ela fará isso por mim um dia.
Nossos olhares se travam e nossos anéis gris-gris se travam como se nossas vidas, nossos
destinos, tivessem permanecido entrelaçados. Pode ser minha imaginação, mas, enquanto ela se
abaixa e aperta minha mão para empurrar uma última vez de forma agonizante, sinto a onda de poder
que a médica mencionou. O poder em nossas veias passando entre duas garotas do Nono Distrito.
Nós nos agarramos a isso em um campo de cana-de-açúcar podre, mesmo quando fomos separadas.
Fluiu entre nós através dos anos, das dores no coração e do amor incondicional. O poder da linhagem
contínua.
Nós somos a mágica.
Isso é mesmo só a pré-temporada?
Afundo na banheira de gelo que mantenho na arena dos Waves. Mesmo que tenha sido
apenas um jogo de exibição, dei meu tudo.
Há, definitivamente, momentos em que temos que facilitar e jogar conservadoramente.
Hoje não foi um desses. Cliff, que um dia foi meu amigo e colega de equipe, pulou de um lado para o
outro na NBA como uma bola de borracha sendo chutada no parquinho depois que saí do Houston.
Este é provavelmente o último ano dele e, apesar de ganhar um anel conosco, ele não se preparou
para a aposentadoria tão bem como eu. Não teve a carreira que eu tive ou o sucesso. Ele não tem o
dinheiro.
Mas teve a minha esposa bem debaixo do meu nariz por semanas e jogamos contra o time
dele essa noite. De jeito nenhum que eu ia perder para aquele filho da puta. Nem era por causa da
Bridget. Não tem sido por ela há muito tempo.
Na primeira vez que encarei Cliff depois que tudo apareceu, as pessoas achavam que eu
brigaria com ele em quadra ou explodiria com violência. Fiz o oposto. Eu dei um gelo nele. Dei um
gelo em todos eles, envolvendo a mim e meu jogo em uma parede congelada. Muitos no meu lugar
teriam pago a multa por não estarem disponíveis para a imprensa naquela noite. Não eu. Toda vez
que um repórter fazia uma pergunta sobre Cliff, Bridget, o caso deles, eu o encarava em um silêncio
invernal até que se sentasse e a próxima pergunta surgisse.
Agora os repórteres sabem que é melhor não perguntar sobre minha vida pessoal. Eles não
têm feito isso nos últimos dois anos. Dependendo de quanta roupa suja Bridget decidir lavar em seu
reality show, isso pode mudar.
A porta se abre e olho por cima do ombro para ver o presidente de operações do basquete,
MacKenzie Decker, entrar. Ele fez quarenta anos recentemente. Uma lesão o forçou a se aposentar
poucos anos atrás, mais cedo do que gostaria, mas duvido que sinta falta das últimas temporadas que
poderia ter. Ele será o primeiro eleito para o Hall da Fama e, depois de poucos anos fora da liga, já
é um executivo de linha de frente preparado para ser um dos proprietários dos Waves. Nada mal.
— E aí, Deck? — pergunto, afundando mais na água gelada.
— Vim te perguntar isso — diz, assumindo um assento perto da banheira. Seu bronzeado
natural da Califórnia, olhos da cor de Bourbon e cabelo loiro grosso e escuro o tornam uma
armadilha para as mulheres. Ele é devoto de uma única mulher, embora: sua namorada, Avery
Hughes, uma âncora de esportes que fica em Nova Iorque.
— Como vai sua garota? — Inclino-me para frente para ajustar as configurações da
banheira.
— Ainda é minha — responde, com um sorriso de espadachim.
— Vai torná-la uma mulher direita em breve?
— Ah, ela já é direita — Deck devolve. — Mas, se você está perguntando se vou casar
com ela… — Ele deixa as palavras penduradas no ar, fazendo-me perguntar o quanto a mídia sabe
sobre o relacionamento. Deck e Avery têm sido bem reservados sobre isso até recentemente. —
Então, cá entre nós — revela, o humor sumindo de seus olhos e algo mais sóbrio entrando no lugar
—, bem em breve. Não posso continuar com isso. Preciso dela comigo.
Avery é uma das âncoras mais populares da SportsCo, um canal esportivo enorme, atrás
apenas da ESPN.
— O contrato dela entra em renegociação este ano — Deck confidencia, inclinando-se na
cadeira. — Ela vai pedir para o programa ser gravado em LA em vez de Nova Iorque.
— Mano, isso seria fantástico.
— É. Essa merda de longa distância perde a graça rápido.
Nem me fala. Foram apenas algumas semanas e já estou de saco cheio.
— Como foi jogar contra o Cliff hoje? — pergunta, cortando a baboseira e entrando bem
no x da questão. É uma das minhas coisas favoritas no Decker.
— Mais um dia como outro qualquer. — Sorrio e inclino a cabeça. — Mas foi bom acabar
com aquele merda. Nós arrasamos.
— Isso vocês fizeram — Decker concorda, rindo sombriamente. — Estou feliz por você
ter superado isso. — Ele hesita, lançando um olhar observador sobre mim. — Mas sei que está
lidando com as repercussões. Com o programa da Bridget começando em breve e a Simone vivendo
na Costa Leste agora. Você sabe que passei por isso. Minha ex deu muito trabalho quando nos
divorciamos. Ela se mudou para longe de mim também.
— Para cá, não foi?
— Isso, veio para LA quando eu estava vivendo e trabalhando em Connecticut. — Ele faz
um som de desdém e nega com a cabeça. — Cara, fiquei furioso com ela. Eu não queria que nossa
filha nos visse brigando e fosse arrastada para todo canto.
— Você acertou em cheio nessa — murmuro, passando a mão pela água frígida, esperando
que possa esfriar meu temperamento crescente ao pensar em todas as armadilhas feitas por Bridget
que definitivamente feriram nossa filha mais do que a mim.
— Sei que vocês estavam fazendo aconselhamento e que morou lá no verão — comenta. —
Isso é bom. Colocar sua filha em primeiro lugar, cara. Mesmo quando a Bridget escolher o caminho
errado, que todos nós vimos ser o seu padrão, escolha o correto. Mostre para sua filha várias e
várias vezes, de todas as maneiras que puder, que ela é sua prioridade. Elas estão em uma posição
tão estranha nessa idade.
— Nem me fale. Catorze é o pesadelo.
— Tudo que você está fazendo agora, embora pareça difícil e talvez até mesmo como se
não funcionasse, valerá a pena quando seu relacionamento com a Simone permanecer intacto.
— É exatamente disso que eu precisava ser lembrado. Valeu, Deck.
Ele fica de pé e me cumprimenta com a mão, rindo e apontando para a água.
— Você e as banheiras com gelo. É uma maravilha que seu pau não congele.
— Ah, ele funciona bem — garanto a ele.
Ainda ouço sua risada mesmo quando a porta se fecha por trás dele. Abaixo a cabeça na
borda da banheira. Meu pau definitivamente funciona. Com esse relacionamento à distância, seria útil
se ele me deixasse na mão. Tenho certeza de que há uma piada sobre masturbação aí em algum lugar,
mas estou muito cansado e excitado para fazer funcionar. Pelo menos devo encontrar a Lotus por
algumas horas quando ela terminar no hospital. Falando nisso… onde está a droga do meu telefone?
— No meu armário — lembro a mim mesmo. Ela pode estar tentando me ligar agora com
uma atualização do bebê. — Vou pegar quando terminar.
Ainda tenho cinco minutos de recuperação aqui antes de poder ir.
A porta se abre atrás de mim novamente.
— Esqueceu algo, Deck? — pergunto, os olhos ainda fechados, absorvendo os efeitos
curativos da água glacial mesmo quando ela belisca minha pele.
Quando não há resposta, olho por cima do ombro para a porta da sala de treinamento.
Lotus.
— Oi — diz, sua voz intensa, bem-vinda, rouca. Exatamente como me lembro, exceto que
da última vez estava assim de tanto gritar, depois da maratona de sexo no meu último dia em Nova
Iorque.
Não estive na Califórnia por muito tempo, mas parecia meses desde a última vez que a vi.
Desejo, necessidade… foda-se. Vou dizer a mim mesmo, embora não tenhamos dito explicitamente
um para o outro ainda… amor intensifica a saudade e estica o tempo.
Encontrei quem a minha alma ama.
Meu amado é meu e eu sou dele. Kenan, eu sou sua.
Repeti esses momentos e os sentimentos que pegamos emprestados do Rei Salomão
centenas de vezes na minha mente. Virando-os, analisando-os para ver se existia alguma maneira de
ela não estar dizendo que me ama.
— Ei, você — finalmente respondo, incapaz e indisposto a segurar meu sorriso de merda
por mais tempo. — Como você chegou aqui?
— Ah — diz, inclinando-se contra a porta da sala de treino. — August me devia um favor.
— Ah, é? — pergunto, absorvendo-a.
O cabelo platinado está castanho-dourado novamente. Não consigo acompanhar os estilos
e cores dos seus cabelos. Usa um vestido de verão azul-real preso em um ombro só, deixando o outro
exposto, seguindo as curvas do seu corpo fielmente dos seios aos tornozelos.
— É — continua, inclinando a cabeça para o lado. — Eu praticamente pari o filho dele.
Uma risada rápida sai dos meus lábios.
— Puta merda! Então é mesmo um garoto?
— Uhum, segredo revelado — ela diz, alegria tirando um pouco da fadiga em seus olhos.
— Michael Spencer West.
— Legal. Tenho um palito guardado para o novato.
— Um palito? — Uma sobrancelha se ergue e ela gira a fechadura, o som ecoando no
cômodo outrora silencioso. Mesmo na água congelada, meu pau fica duro. — Você está falando de
picolé?
— Normalmente sim. — Não renuncio ao seu olhar aquecido. — Mas um palito pode
significar várias coisas agora que pensei a respeito.
— Hmmm… — Ela fecha o rosto e dá alguns passos que a levam até mim, ao lado da
banheira. — O que mais um palito pode ser?
— Bem, poderia ser...
As palavras derretem na minha boca quando Lotus desfaz o nó em seu ombro e o vestido
cai no chão. Ela está completamente nua e, comigo sentado na banheira, meus olhos ficam na altura
do mamilo duro e perfurado.
— Do que você estava falando? — pergunta, as sobrancelhas arqueadas como se não
conseguisse imaginar por que parei de falar. — Algo sobre usar um palito?
Com sua adaptação, solto uma risada estrangulada. Ela apoia os cotovelos na banheira,
servindo dois mamilos escuros aos quais não consigo resistir por mais um minuto. Foda-se o flerte.
Inclino-me para frente, pegando o perfurado em minha boca e observando seu rosto. Seus olhos se
fecham e um arrepio percorre seu corpo. Ela agarra minha cabeça, pressionando-me com mais força
em suas curvas maduras.
— Senti sua falta, Botão — murmuro contra a pele sedosa entre seus seios antes de trocar a
boca para o outro mamilo.
— Estou percebendo isso — ela diz, a respiração ofegante. Lotus se afasta e usa a escada
na banheira para subir.
— Lotus, baby, não. Está congelando aqui — aviso.
— Com medo de não conseguir levantar no frio? — pergunta, parada na escada e olhando
para baixo, em minha direção, pela primeira vez.
— Ah, já está levantado. — Afasto as pernas para que ela veja a ereção em meu calção
pela água. — Mas é sério, baby. Você não pode simplesmente pular aqui dentro. Leva um tempo para
se acostu...
Perco a linha de raciocínio quando ela testa a água com um pezinho antes de terminar de
escalar e sentar do lado oposto, encarando-me com os seios pulando na superfície da água.
— Ai, está tããão frio. — Ela finge um arrepio. — Não sei como vocês, meninos grandes,
conseguem.
— Você não é humana. — Rio. — Talvez você seja uma bruxa. — Estendo os braços em
direção a ela, que dá dois passos na água para me alcançar. — Minha bruxa.
Eu a beijo, e a primeira prova da minha doce garota faz algo comigo. Claro, meu pau fica
ainda mais duro, apesar da água congelante, mas todo o resto derrete. Existe uma parede que eu ergo
quando a temporada começa — uma proteção que meio que me isola do escrutínio constante, da
pressão que nunca me deixa e todo o drama que não tem nada a ver com a bola. É o que me permite
focar tão completamente, quase excluindo todo o resto.
Contra a Lotus, essa parede não tem nenhuma chance.
Está caída e ela está atacando os portões, dentro, invadindo, saqueando minhas defesas.
Minha atenção, meus pensamentos são seus, cativos de forma voluntária.
— Meu Deus, baby. — Não consigo ficar satisfeito, abrindo ainda mais a boca dela,
enfiando as duas mãos em seus cabelos para manter sua cabeça parada e para que eu possa comer
minha porção. — O que você faz comigo?
Sua fome cresce e iguala à minha, as pequenas mãos segurando minha cabeça e sua língua
ansiosa mergulhando agressivamente, devorando-me também. Ela espalha as coxas sobre as minhas,
esfregando os seios em meu peito, choramingando como uma gatinha no cio, escaldando-me em águas
congeladas. Ela puxa o cordão do meu calção. Com as mãos trêmulas, ela o afasta pela minha cintura.
Droga, está frio.
— Não tenho camisinha — murmuro no calor úmido e abrasador do nosso beijo.
— Que bom — diz, virando as costas para mim, capturando meu olhar sobre os ombros,
posicionando-se sobre mim. — Você não vai precisar.
Em um movimento rápido, ela me coloca dentro do seu corpo, oferecendo-me um santuário,
e compartilhamos um suspiro. O contraste entre a água congelada e o calor úmido de sua boceta me
apertando, os músculos contraídos para me manter, rouba meu ar e parte da minha sanidade.
— Você está bem? — pergunto, na seda úmida de seu pescoço.
— Você me diz — responde, rindo enquanto começa a se mover.
Porra. Puta que pariu. Caralho.
Ela aperta seus músculos internos e eles se arrastam sobre mim toda vez que se impulsiona
para cima e para baixo. E a vista...
A porra da vista daqui é de tirar o fôlego.
Ela tira o cabelo do pescoço. Será que ela tem alguma ideia de como se parece? Um
punhado de estrelas tatuadas desce por sua nuca. O zíper de flores acompanha o comprimento de sua
coluna e ondula a cada impulso nosso.
E sua bunda...
Os dois globos redondos e rechonchudos cavalgando no meu pau. Ela coloca a mão para
trás para espalhar as nádegas, colocando-me ainda mais profundo. Levo uma mão até seu seio e
deslizo a outra para baixo, para acariciar seu clitóris, espalhando a mão inteira sobre ele, esfregando
a palma por cima dela até que o cerne esteja duro e apertado.
— Ai, meu Deus, Kenan.
Criamos um ritmo de suspiros compartilhados, respirações unidas, uma coreografia sexual.
O ritmo se torna furioso, o vigor dos nossos corpos transformando a água gelada em uma correnteza.
Fluímos e refluímos como uma onda, águas turbulentas subindo, erguendo-se. Mesmo submersos no
frio, suor cobre minha testa e seu pescoço. Ficamos selvagens e quentes debaixo da água congelada.
Apoio a mão espalmada em seu coração, que ruge no peito como uma besta presa em uma caverna.
As batidas do meu coração respondem, clamando para sair. Para encontrar a outra metade que bate
presa dentro dela.
Meu amado é meu e eu sou dele.
Ela vira a cabeça e inclino-me para tomar sua boca, deslizo a mão pelo plano tensionado
de sua barriga e encontro seu clitóris; belisco, torço e esfrego até que seus lábios se libertem dos
meus com um choramingo, depois eles gemem, gritam, arrancando de mim um choro em retorno —
um chamado, uma resposta. Nossas vozes e nossos corpos se torcem, unindo-se até que nós dois
estejamos roucos e exaustos.
E, finalmente, caímos em silêncio.
— Então, acho que temos que limpar essa banheira — brinco, minutos depois de a
tempestade ter morrido.
A porta está trancada, mas as demandas de nossas carreiras aguardam do outro lado. O
avião que ele irá pegar para a China em dois dias. Aquele que pegarei de volta para Nova Iorque.
Mas, agora, somos só nós dois nesse silêncio, rompido pelo som da sua risada.
— É de autolimpeza, na verdade — responde, beijando minha têmpora. — Baixa
manutenção. Sorte a nossa.
A cowgirl reversa se virou e eu estou sentada de lado no colo do Kenan, na água gelada.
— Isso nunca fica quente? — pergunto. Agora que a onda inicial de paixão morreu, o frio
está me atingindo, mas não quero me mover. Não até que Kenan o faça. Não quero que ele aguente
mais que eu.
— Nunca. — Ele ergue minha mão com as pontas dos dedos enrugadas, mesmo que eu não
tenha estado aqui por muito tempo. — Pronta para sair? O frio está demais para você?
— Não — respondo imediatamente, cerrando os dentes. — Parece ótimo aqui dentro. Eu
amei.
— Concordo. — Sua cabeça cai para trás e ele estende os braços por cima da borda da
banheira, como se tivesse a noite toda. — Já caí no sono aqui algumas vezes.
Inferno, de jeito nenhum.
Fico de pé abruptamente, interrompendo a superfície tranquila da água. Estou subindo a
escada quando sua risada zombeteira me faz girar.
— Eu ganhei — fala, o sorriso branco provocativo naquela droga de rosto bonito.
— Nem tudo é uma competição, Kenan — devolvo, fingindo exasperação.
— Ah, é sim. — Um braço musculoso passa ao redor da minha cintura e seus lábios
marcam a minha bunda, um beijo em cada nádega. — E eu ganhei. Eu ganhei você.
Quando olho por cima do ombro, ele ainda está sentado na água e o olhar em seu rosto é
quase reverente. Será que o Rei Salomão olhava para sua amada dessa forma? Será que a resistência
dela desmoronou como a minha? Será que sua amada o sentiu se envolver ao redor de seu coração
como uma videira? Será que eles tiveram a vaga ideia de que, séculos depois, duas pessoas usariam
as palavras que eles trocavam um com o outro, destinados a serem canonizados, a sério? Que
levaríamos a sua paixão e as suas palavras um para o outro a sério?
Mas quem sou eu para me esconder por trás das fortes declarações de amor deles? Para
não desnudar minha alma, meu coração, a um homem que, finalmente, merece?
Viro-me, sentando na borda da banheira, segurando o rosto do Kenan nas mãos. Eu quero,
preciso dizer a ele as minhas próprias palavras. Da minha própria maneira.
— Amo você, Lotus.
Há um silêncio estranho que segue sua afirmação para mim antes que eu possa dizer algo a
ele; o tipo de silêncio que segue um milagre; o tipo que persegue algo sobrenatural, que procura
motivos. É o que isso é — a sincronização das nossas palavras, batidas compartilhadas e um baque.
O milagre que é termos encontrado um ao outro.
— Eu queria ter dito primeiro — digo a ele, lágrimas pinicando por trás das minhas
pálpebras. — Você chegou antes.
— Falei que eu sempre ganho — ele fala, com um sorriso gentil, apesar de levemente
arrogante. Aquele sorriso que começa em seus olhos e se espalha em seu rosto lentamente, porém
certeiro, até que ilumina todas as passagens escuras que ninguém mais se aventurou. Ele é um castelo
com túneis secretos, masmorras abandonadas e pesadas portas trancadas.
E eu sou sua chave mestra.
Mergulho para beijá-lo novamente, querendo prová-lo tanto quanto eu puder.
— Você vai ficar, né? — pergunta, suas mãos trabalhando nos músculos das minhas costas
nuas. — Até que eu viaje para a China em alguns dias, você vai ficar?
— Por que não? — Dou de ombros. — Não tenho nada melhor para fazer.
— Sua coisinha… — Ele envolve os braços ao redor da minha cintura e me puxa de volta
para a água congelada.
Merda!
O choque frio força o ar em meus pulmões.
— Kenan! — Bato na água com a mão, assim ela voa em seu rosto.
Ele ri, puxando-me para o seu colo e apertando-me contra o peito largo com a mão,
fazendo cócegas na minha lateral com a outra.
— Não! — grito. — Para!
Mal consigo respirar. Nós dois estamos ofegando de rir, lutando para recuperar o fôlego.
Quando ele finalmente cede, fico mole contra seu peito arfante, respirando tão pesado quanto ele.
— Amo você, Botão.
É ainda mais doce na segunda vez e não consigo conter as lágrimas. Elas rolam por conta
própria pelas bochechas doloridas da risada.
— Amo você também.
Seus braços se apertam ao meu redor e inclino-me para beijá-lo novamente, mas meu
telefone toca, interrompendo o momento.
— Deixa pra lá — murmura contra os meus lábios. — Não vai.
— Em primeiro lugar, está congelando aqui. — Deixo um último beijo rápido em seus
lábios antes de deslizar pelo lado para pegar o telefone no bolso do meu vestido. — Em segundo, é o
toque da Iris.
— Bela vista — Kenan diz por trás de mim.
— Chega de cowgirl reversa para você — aviso, lançando um olhar por cima do ombro e
balançando minha bunda nua.
— Ah, não. Qualquer coisa, menos isso. — Seu sorriso cai. — Não, é sério. Qualquer
coisa, menos isso.
Dou-lhe um sorriso pretensioso e atendo o telefone.
— Ei, Bo. O que foi?
— Lotus, onde você está? — O tom solene em sua voz me deixa séria na hora.
— O que aconteceu? — Pego uma toalha pendurada em um gancho próximo. — É o
Michael? Ele está bem? Você está…
— Estamos bem — ela se apressa em me assegurar. — Sinto muito. Não queria… Estamos
bem. — Há uma hesitação, uma pausa antes que ela continue: — Minha mãe ligou — revela.
— Tia Priscilla? — Uma carranca enruga minhas sobrancelhas. — O que ela queria?
— Ela não tinha seu número.
— Nenhuma delas tem. Por que teriam?
— Ela ligou para avisar que sua mãe está no hospital, Lo — explica. — Mamãe disse que
você precisa ir para casa.
Casa não é Nova Orleans.
E casa certamente não é em nenhum lugar perto de May DuPree, a mulher que me
abandonou há treze anos por um pedaço de merda chamado Ron Clemmons.
Não liguei de volta para a tia Priscilla. Nem sei se irei. O relacionamento da Iris com a
mãe dela não é tão ruim quanto o meu, mas não é tão melhor. Foi uma coincidência a tia Pris ligar no
dia que seu novo neto nasceu. Iris não compartilhou nenhum detalhe da gravidez com ela. As duas
têm seus próprios dramas.
Escolhi não ter contato com minha mãe e não vejo nenhum motivo para mudar isso. Iris
acha que, se é tão sério quanto a tia Pris diz ser, eu posso querer tentar encontrar algum tipo de paz
antes que seja tarde demais.
Levei anos para ficar tão saudável quanto estou agora. E se ver minha mãe, revisitar aquele
local e tempo, me levar de volta? E se tudo que conquistei esse verão for perdido na busca de alguma
paz idealizada que ver uma mulher morrendo não me dará de verdade?
Minha mãe me deu à luz. Viva! Gatos e cachorros dão à luz a ninhadas inteiras. Não há
nenhum milagre ao parir, pelo que eu sei. O milagre é o que vem a seguir. O milagre do altruísmo. O
fenômeno de nutrir a autoestima e de se sacrificar por uma criança — alimentar não apenas seu
corpo, mas sua alma. Ah, sei o que é uma mãe, e não é May DuPree. Tive uma mãe. Quando estive
morta por dentro, uma ferida aberta, catatônica e ambulante, que se recusava até mesmo a falar, MiMi
me deu vida.
Essa é uma mãe, e a minha já está morta.
— Você tem que fazer o que é certo para você — Marsha me diz por telefone.
— É, mas o que eu deveria fazer? — pergunto. — Como devo saber o que é certo para
mim?
— Eu acho…
— Sim — corto-a. — Por favor, diga-me o que você acha. Não preciso da sua distância
profissional, Marsha.
— Sou sua amiga e uma profissional — ela me lembra. — Acho que, se você for, precisa
saber por que está indo e gerenciar suas expectativas. O que você quer dela? Para ela?
— Não quero nada para ela — cuspo, mudando as pernas e colocando debaixo de mim no
sofá do Kenan. — Ela está basicamente morta para mim, de todo jeito. Não conversamos desde o dia
em que me entregou.
— Ok, justo. Então, o que você quer dela? Para você?
Penso nisso por um momento e pergunto-me honestamente o que quero dela se estivermos
no mesmo lugar.
— Quero as palavras, quero que ela me diga — respondo, em uma onda de indignação e
raiva há muito contida. — Por que ela me entregou? Por que o escolheu em vez de mim?
Meu peito sobe e desce com respirações pesadas, como se eu estivesse correndo.
— Mas o que ela poderia dizer para melhorar as coisas, Lotus? — Marsha pergunta. — O
que ela poderia dizer que não iria soar como uma desculpa lamentável?
Nada. Não há nada que ela poderia dizer para corrigir as coisas, e qualquer coisa que
inventasse seria um insulto.
— Então, para que ir? — pergunto, dando de ombros, sentindo-me impotente e furiosa,
como se algo estivesse fervendo em meu estômago com uma tampa apertada. Como se eu pudesse
explodir a qualquer momento.
— E se as palavras de que você precisa não sejam dela — Marsha começa —, mas
direcionadas a ela?
— Você quer que eu a perdoe? — indago, chocada com a ideia.
— Não necessariamente. Se você puder, ótimo, mas, se não puder, não perdoar alguém não
significa que você não possa se curar. Não concordo quando as pessoas dizem que um sobrevivente
não consegue realmente seguir em frente até perdoar a pessoa que o magoou. A chave, da minha
perspectiva, é liberar a dor. Seguir em frente na sua vida sem a dor te segurando. Talvez não sejam
palavras que você precise ouvir dela, mas que precise dizer que irão ajudá-la nessa situação. Se
você achar que esse pode ser o caso, então é por isso que você vai. Não espere nada que ela possa
dizer para fazer você se sentir melhor sobre essa coisa indesculpável que ela fez.
Suas palavras pousam como um baque verdadeiro em meu estômago, onde MiMi
costumava dizer que o “conhecedor” dela vivia. O seu instinto.
Por bastante tempo depois de Marsha e eu termos desligado, fico sentada no sofá do Kenan
e pergunto-me o que direi a ela. Marsha sugeriu que eu escrevesse, mas não tenho certeza de por
onde começar.
Kenan chega do treino e larga a bolsa de ginástica no chão, observando-me com uma
carranca preocupada. Ele anda em minha direção, se joga no sofá e me puxa para o seu colo. Enfio o
rosto no cheiro limpo do seu pescoço.
— Ah, cara. Você tomou banho — digo, fingindo desapontamento. — Eu esperava lamber o
suor do seu corpo.
— Posso voltar e suar de novo — oferece, esperançoso.
— Talvez da próxima vez. — Beijo sua mandíbula e entrelaço nossos dedos, aproveitando-
o, aproveitando seu silêncio por alguns momentos. — Eu vou para Nova Orleans.
Ele endurece debaixo de mim, afastando-se para olhar meu rosto.
— Você vai? — pergunta. — Tem certeza?
— Sim.
— Droga, o timing… — resmunga. — Se eu não tivesse que ir para a China para esse jogo
exibição, eu iria com você.
— Vou ficar bem.
— E com o bebê novo, Iris não pode ir — continua, como se estivesse revirando tudo na
cabeça, procurando uma solução. — Talvez a Billie ou a Yari possam.
— Vou ficar bem sozinha. Sério.
— Me liga. — Ele pressiona os lábios no meu cabelo. — Quero estar lá para você do jeito
que eu puder.
Assinto contra o seu peito e envolvo os braços ao redor do torso largo.
— Posso perguntar uma coisa? — questiono, depois de um momento nosso envolvidos um
no outro.
— Qualquer coisa.
— Bem, você tem essa reputação de ser meio ranzinza.
Ele ri.
— Como você sabe disso? Eu lembro que nem seguia basquete.
— Não precisa pesquisar muito. E eu nem joguei você no Google. Minhas amigas foram
rápidas em me dizer quão intimidante você é. Como não é de falar muito com a imprensa. Como todo
mundo acha que você é todo durão e enigmático.
— Ok, qual o seu ponto?
— Você nunca foi assim comigo, Kenan. — Olho para ele. — Desde o começo, foi aberto e
curioso a meu respeito, e me contou coisas e…
— Eu queria você — interrompe. — Nunca quis nada ou ninguém do jeito que a queria
quase que desde o começo. Eu a vi naquele hospital e pronto. Não estou dizendo que me apaixonei
naquele dia, mas você não me deixava em paz. — Ele fica quieto por um segundo, depois olha para
mim, um lampejo de uma incerteza estranha em seus traços fortes. — Você não sentiu nada no dia que
nos conhecemos? — pergunta. — Ou naquela premiação? Na festa de Natal do ano passado? Em
nenhuma das vezes que nos encontramos? — Ele balança a cabeça rapidamente. — Não importa.
Você sente agora.
Seguro o queixo dele entre os dedos e direciono seus olhos para os meus.
— Você está me perguntado se em todas as vezes que fugi da sala o mais rápido possível,
todas as vezes que fingi que você não estava lá ou que fui uma espertinha para escapar, eu estava
sentindo algo?
Ele abaixa o rosto até nossos narizes se tocarem.
— Eu já te disse que você me assustou de verdade — confesso, lambendo os lábios. —
Ainda deveria estar assustada. O amor é difícil. A confiança é difícil.
— Bem, agora não tenho mais escolha — comenta, beijando uma das minhas bochechas,
depois a outra. — Você tem algo meu que não tenho certeza se quero de volta.
— Ah, é? — pergunto, rouca. — O que eu tenho que é seu, Senhor Ross?
Ele me diz da maneira que sabe que me derrete em uma poça — com um cântico.
— Você roubou meu coração com um único olhar seu.
No quarto de hospital, procuro pela minha mãe no emaranhado de fios e tubos. Ela está
inconsciente, dando-me tempo para estudá-la sem a estranheza do que devo dizer. Do que ela poderia
possivelmente dizer para mim.
— Você veio.
A voz da tia Priscilla é um mix de chá doce e Sazerac, o coquetel de French Quarter; uma
antiga receita familiar haitiana com bitters, conhaque, absinto e casca de limão. Essa é a pontinha
amarga que a voz da tia Pris carrega de se arrastar em sua vida no Nono Distrito. Com minha tia,
você tem que pegar o amargo junto com o doce.
Não sei o que ela faz, mas nunca envelhece. Ela se parece uma irmã um pouquinho mais
velha da Iris, não a mãe dela. Com um tom mais escuro que a Iris e alguns mais claros do que eu, ela
é mais bonita do que nós duas. Seu cabelo é uma onda fluida até sua cintura e seus olhos, ainda sem
rugas, podem fazer um homem se jogar de um penhasco para chegar até ela. Já vi isso acontecer, pelo
menos figurativamente. Homens que deixaram suas esposas e filhos, que perderam o emprego para
provar tia Priscilla. Ela, embora, foi mais inteligente que minha mãe e nunca desenvolveu um gosto
por eles. Nunca foi pega por um homem em particular — nunca se entregou tão completamente a um
amante a ponto de perdoar seus erros contra sua própria carne. Que a faria virar as costas para a
filha sem arrependimento. Não, ela cometeu pecados diferentes, e esses são problemas que ela e Iris
precisam resolver. Estou aqui para lidar com meus próprios demônios.
— É, eu vim — respondo.
— Obrigada.
Sua voz realmente treme e, quando olho para a beleza eterna, vejo vulnerabilidade real,
medo real. Ver algo sincero em seu rosto é uma coisa nova para mim. Ela e minha mãe sabiam tudo
sobre armadura — sobre fazerem fachadas brilhantes para atrair um homem perto o suficiente para
que ele pague as coisas, mas mantê-lo distante o suficiente para que ele não inflija dor.
Aparentemente, elas se importavam menos em manter as filhas em segurança.
— Ela está mal, Lo — tia Pris diz, ansiosamente, juntando as mãos na sua frente. —
Disseram que é um derrame.
— Um derrame? — pergunto. Minha mãe me teve aos dezessete anos e mal completou
quarenta e dois.
— Não é nada inédito — explica. — A menos… Você não tem nada a ver com isso, tem?
— Com o quê? — Por um momento, estou completamente perdida. Sem ideia. — Eu? O
que você está dizendo?
Tia Pris lambe os lábios e me estuda com cautela.
— Bem, sei que a MiMi te ensinou coisas — revela, depois corre para esclarecer. — Não
que eu esteja te acusando de fazer isso. Só me perguntei se, considerando quão jovem ela é, isso
pode ser magia das trevas. Se pode ser alguma raiz, feitiço, alguma coisa que você possa quebrar.
Meu Deus, eu sou tão idiota.
Aqui estava eu pensando que a tia Pris queria que eu viesse para tentar fazer as pazes —
ver a mamãe antes que ela morresse —, mas ela queria que eu a salvasse.
Engulo a raiva e o ressentimento e decido seguir em frente.
— Não tenho certeza do que posso fazer — digo, com a solenidade apropriada. — Preciso
ver com o que estamos lidando aqui.
Os olhos da minha tia brilham e ela assente, ansiosa.
— Sim. Veja com o que estamos lidando. Pode ser qualquer um por trás do feitiço. Você
sabe que ela tem uma… uma lista de esposas que a odeiam, maridos também, verdade seja dita. Há
alguma coisa que eu possa fazer para ajudar? Algo de que você precise?
— Sim. — Franzo o rosto, fingindo pensar por um tempo e com força. — Vá para casa.
— Uhum — diz, assentindo.
— E traga para mim…
— Sim, do que você precisa? — pergunta, ofegando de esperança.
— Uma joia dela — finalizo, encontrando seu olhar por um segundo, depois olhando para
longe.
— Uma joia? — Suas sobrancelhas se unem. — Qualquer joia?
— Algo que ela ame, de preferência, e queira levar com ela em sua… sua jornada.
— Para a pós-vida? — sussurra, piscando para conter as lágrimas.
Sinto-me mal por um momento, mas logo passa. Se quero ter algum tipo de tempo a sós
com minha mãe, a tia Pris precisa ir.
— Se chegar a isso, sim — aviso apressadamente, antes que minha culpa me pare. — Mas
vou precisar usar antes disso.
— Não vou demorar. — Ela se encaminha para a porta, pausa e olha de volta para mim. —
Obrigada por vir. Não achei que você viria.
— Nem eu — murmuro. — É melhor você ir para voltar logo com a joia.
Não tinha me permitido olhar para minha mãe deitada de bruços na maca de hospital, não
de verdade. Uma vez que a tia Pris sai, eu o faço.
Eu a vi duas vezes em treze anos, ambas quando a morte estava próxima. Uma no túmulo do
Ron e a outra no da MiMi. E a última palavra que ela me disse foi adeus. Agora, quando sinto como
se a única coisa que vai resolver é a sua palavra, ela não consegue falar. O bipe das máquinas, o
único som no quarto, pode ser o toque do sino. A morte pode estar conosco novamente.
Se a tia Pris parece uma irmã da Iris, minha mãe parece ser tia de Priscilla. E mesmo
assim, mamãe é a mais nova. A vida foi dura com ela, ou talvez ela nunca tenha descoberto como se
livrar dos anos como a irmã. Somos mais parecidas do que percebi. Peguei a inclinação dos meus
olhos dela, o formato da minha boca. As pessoas costumavam dizer que eu parecia com ela, que
inclinava a cabeça, estudando-me como se eu fosse uma estranha, e dizia:
— Sério? Não consigo enxergar.
— Como você acha que isso me fazia sentir, mãe? — pergunto para a mulher silenciosa. —
Você não queria se parecer comigo. Não queria ver a semelhança, mas há uma.
Um toque amargo mascarado de sorriso surge em minha boca.
— Trabalho com moda agora e visto belas roupas, e às vezes as pessoas realmente querem
tirar fotos de mim para pendurar em suas galerias porque acham que eu sou bonita. Embora você
nunca tenha visto isso, né? — pergunto a ela. — Foi por isso que você fez aquilo? Escolheu-o no
meu lugar? Eu não era clara o suficiente. Bonita o suficiente. Você sempre desejou poder me
devolver e, na primeira chance que teve, foi lá e fez?
Lágrimas enchem minha garganta, levando a pergunta inevitável para minha língua:
— Por que você o deixou me ferir, mãe? — Fungo, impaciente com minhas próprias
lágrimas. — Por que o escolheu, sabendo que ele era podre? Sabendo que tinha machucado sua
garotinha? Por que você nunca veio atrás de mim? — A pergunta é dura e crua no estéril quarto de
hospital. — Você nunca sentiu minha falta? Você sequer voltou àquele dia e reconsiderou me
entregar?
Uma fila de perguntas fúteis se forma ao meu redor, indo a lugar nenhum, batendo nas
paredes. Tia Pris voltará em breve com qualquer joia que ela pensa que eu posso usar em um feitiço
para salvar minha mãe.
Não vim aqui para salvar May DuPree.
Vim para salvar a mim mesma.
Talvez não “de uma vez por todas”, porque o trauma não funciona dessa forma. Pode nunca
haver um “por todas” para a minha cura. Pode ser que o cheiro de cabelo alisado sempre me
incomode. Pode ser que sempre haja dias aqui e ali em que eu não consiga espantar a tristeza, a
incerteza que vem de ter sido abandonada e traída. Posso ter vestígios disso na minha vida para
sempre, como uma mancha de sangue no chão que fica rosa clara, mas nunca mais desaparece.
Ah, o sangue de Jesus que nos lavou, nos deixou brancas como a neve.
A frase de um dos hinos que a MiMi costumava cantar aos domingos quando nenhuma
igreja nos recebia ressurge para encontrar minha dor. Ela ressurge para encontrar minha dor, como
sempre fez. De cabeça erguida. Sem medo. Com sabedoria. Compaixão. Amor incondicional. Coisas
que ela me ensinou e que me trouxeram tão longe. Ela foi a primeira a colocar curativos em minhas
feridas. Hoje estou fechando todas elas.
— Pensei que precisava das suas palavras, mãe — digo, minha voz sussurrada. — Mas
minha amiga disse que as palavras que mais me ajudarão podem ser aquelas que eu direi a você,
então aqui vai.
Alcanço o caderno em minha bolsa, o qual costumo usar para escrever a narrativa do
trauma pela qual Marsha tem me guiado. A última página que viro é onde começo.
— Você teve sua chance — leio a primeira frase com uma voz forte que não treme. — Você
teve sua chance de me amar incondicionalmente, mas escolheu me mudar. Teve a chance de me
proteger como uma mãe deveria, mas escolheu me trair pelo homem que me partiu em duas. Eu era
uma garotinha antes de Ron me estuprar e, depois daquele dia, soube de coisas que não deveria
saber. Tive perguntas que não era o momento de eu fazer. Ele roubou minha inocência.
O choque da dor preenche o quarto como uma enchente, subindo ao meu redor e acima da
minha cabeça. Prendo a respiração. Ofego por ar. O pânico me atinge em ondas, mas puxo oxigênio
para os meus pulmões em pequenas porções até conseguir respirar fundo. Como tantas vezes antes,
essa dor tenta me esgotar.
Mas não consegue. Eu não vou deixar.
— Ele roubou minha inocência — continuo de onde parei, minha voz tremendo e fraca, mas
ainda alta o suficiente para eu ouvir; para ela ouvir se puder. — E, em vez de puni-lo, em vez de
buscar justiça para mim, você o escolheu. E tenho perguntado por que todos os dias desde então. Ah,
posso não ter dito em voz alta, mas toda vez que duvidei de mim mesma, pensando que não era bonita
o suficiente, clara o suficiente, que precisava ser diferente, ser mais, eu me perguntava por que você
fez aquilo. Tentava descobrir o que havia de tão errado comigo.
Minha coluna se endireita e empurro contra o peso da dor antiga e dos pesadelos que
desaparecem. Endireito os ombros, encontrando força para jogá-los para fora como se fossem uma
capa.
— Mas, quer saber? — pergunto retoricamente, porque já sei a resposta. — Não há uma
única coisa errada comigo. O problema era você. O erro foi dele e a vergonha, a culpa, a sujeira que
carreguei por anos eram dele também. Eram seus, e eu me recuso a manter.
Nego com a cabeça, lágrimas descendo por minhas bochechas, para dentro dos cantos da
minha boca, sendo coletadas na base da minha garganta.
— A única coisa boa que você já fez por mim foi me entregar — digo, esfregando meu anel
gris-gris. — Não vim aqui para ver minha mãe antes de ela morrer, porque minha mãe já se foi.
MiMi foi a melhor mãe que eu poderia pedir. Tudo de bom que há em mim encontra seu caminho nela
e tudo que não é bom, ela me ensinou a aceitar ou mudar.
Dobro a carta, porque memorizei a última linha. É a verdade que entrei neste quarto
sabendo e deixarei tendo dito minha parte.
— Não vim aqui culpá-la por ter me dado a ela — aviso para May DuPree —, mas para
agradecer por isso.
A porta do quarto se abre e tia Pris corre com uma caixinha de joias.
— Eu trouxe a coisa toda — avisa, entregando-me. — Para o caso de você sentir uma…
uma vibe em uma peça em vez de outra.
— Vibe? — pergunto, erguendo uma sobrancelha.
— Sei lá. — Ela estreita os ombros elegantes. — O que quer que você e MiMi façam,
apenas vá. Apenas salve-a.
— Não posso. — Balanço a cabeça e devolvo a caixa. — Não sei como salvar ninguém.
— Não, você pode. — Ela segura minhas mãos entre as suas, desespero tornando seu
aperto doloroso. — Você tem que fazer. MiMi disse que você era a mais forte.
— O quê? Quando?
— Sempre — tia Pris diz, impaciente. — Mesmo quando era uma garotinha, cinco, seis
anos de idade, ela dizia que você era a mais forte de nós. Disse que todo o poder que nós não
quisemos passou para você.
— O quê? Eu… — Eu vacilo e processo aquilo. — Bem, não posso salvar uma mulher
morrendo.
— Você tem que fazer — tia Pris diz, lágrimas deixando seus olhos escuros ainda mais
luminosos. — Disseram que ela pode não ter muito tempo.
E como se suas palavras fossem um convite, a morte vem. Não é uma figura encapuzada
que eu vejo segurando uma foice. Não é um anjo sombrio ou uma criatura com chifres e cauda. É o
frio repentino e os arrepios que surgem em meus braços.
MiMi dizia que perdemos a maior parte do que está acontecendo no mundo porque não
podemos ver — que perdemos as coisas importantes contando apenas com o que temos de evidência
em nossos olhos.
Como quando a morte entra na sala.
— Eu não posso salvá-la — aviso para tia Pris. — Mas há uma coisa que posso fazer por
ela.
— O quê? — O medo torce seu rosto sempre bonito. — Qualquer coisa. O que você pode
fazer?
Pego a mão de tia Pris, segurando-a com força, e olho para minha mãe morrendo bem na
minha frente.
— Você sabe quem eu sou — eu digo, minha voz, apesar das palavras ousadas, trêmula. —
Estou aqui para tornar meu julgamento conhecido.
— O que você está fazendo? — Tia Pris puxa a mão dela, mas eu não a solto. — Não
quero fazer parte de nenhum feitiço. O que é isso?
— É o poder de uma linha contínua — explico, mantendo minha voz calma, já que seu
medo é evidente. — Duas mulheres de nossa linhagem têm mais poder do que uma.
Ela para de puxar a mão.
— E nós podemos salvá-la?
— Não, mas acho que podemos ajudá-la ao longo do caminho.
— Não. — Lágrimas escorrem pelas bochechas macias. — Ela não pode... Você tem que...
Balanço a cabeça lentamente, agarro sua mão com mais firmeza e volto-me para a cama.
— Você sabe quem eu sou — digo novamente. — Estou aqui para tornar meu julgamento
conhecido. A alma desta mulher está em jogo.
Repasso todas as coisas que li para mamãe, todas as coisas que ela nunca me disse, todas
as perguntas para as quais nunca terei respostas. Mesmo se ela pudesse me responder, não seria o
suficiente.
Lembro-me de toda a dor que suas ações me causaram. Ainda vivo com o legado delas.
Sinceramente, não sei se tenho alguma influência sobre a pós-vida dessa mulher. Ela é
praticamente uma estranha para mim. Então, talvez este seja apenas um show para minha tia aliviar
sua dor que está por vir. Talvez, na morte, eu esteja dando para May DuPree algo que ela nunca teve
em vida. Ou talvez seja um ato egoísta, e as palavras que sussurro não são para ela na vida após a
morte, mas para mim nesta.
— Eu coloco uma pedra do lado da... — Hesito na palavra final, como se realmente fosse
reverberar na eternidade, e então a deixo cair como uma pedra na água, cujas ondulações são
infinitas. — Paz.
Realmente quero chegar ao meu destino antes de o sol se pôr. Essas estradas secundárias e
pântanos são assustadores pra caralho. A qualquer minuto agora, eu espero totalmente que o Google
Maps vire e diga: sério, cara?
Se falhar, também tenho as direções que a Iris me enviou. Ela disse que os últimos
quilômetros poderiam ser complicados.
— Complicados? — pergunto em voz alta, mesmo que eu seja o único dentro do carro
alugado. — Parece mais a Terra Média do que a Louisiana.
O mais próximo que chego da casa da MiMi, acho que agora pertence à Iris e à Lotus, mais
incerto me sinto. Não é o matagal, os jacarés ou as árvores que parecem vivas com braços que se
estendem para mim enquanto dirijo. Estou incerto porque não sei em que estado encontrarei a Lotus.
Ninguém ouviu falar dela. Da última vez que conversamos, ela estava indo para Nova Orleans visitar
a mãe no hospital. Eu estava na China, desejando loucamente que estivesse de volta aos Estados
Unidos e pudesse ir com ela. Isso foi há uma semana. O time ainda está em Xangai, mas o jogo
passou. São tarefas de caridade e aparições, então disse que tinha uma emergência familiar e
precisava retornar mais cedo. Ainda é pré-temporada, sendo assim, as coisas estão mais soltas.
Realmente parece uma emergência. Iris não falou com a Lotus em três dias, não desde que
ela ficou sabendo que May DuPree faleceu. Lotus disse para Iris que iria para casa e não ouvimos
falar dela desde então. Toda vez vai para a caixa de mensagem e estou perdendo a cabeça. Esta pode
ser uma missão impossível, eu ter vindo até aqui no meio do nada. E se ela nem estiver aqui?
É uma chance que vou agarrar. Se ela estiver ferida, quero estar com ela. Eu iria querer
que ela estivesse comigo.
A pequena casa é apertadinha, com uma trilha de pedras que leva para uma varanda e uma
porta azul. Não dá para dizer se o jardim cresceu muito ou se sempre foi assim — como uma
extensão do pântano, mas sem água. Com sorte, não haverá jacarés.
Estaciono, deixando minha bagagem no carro para o caso de eu não ficar por ela não estar
aqui. Eu bato e espero, mas não há resposta. Quando tento a maçaneta, ela não gira. Não há carro
aqui, exceto o que estou dirigindo, então não tenho certeza de como ela chegou aqui ou como planeja
chegar em casa. Mais e mais, parece que desperdicei meu tempo.
Ela falou tanto sobre este lugar. Não sei o que esperar, mas tive problemas para imaginar
minha garota bonita e vibrante crescendo aqui, tão isolada e afastada de tudo. Mas ela falou daqui
com amor, até com saudades. Talvez tenha sido a mulher que viveu aqui que a fez amar o lugar — o
mundo que MiMi criou para a Lotus que ela amava. Um mundo onde nuvens rosa afastam o azul e
árvores mágicas te fazem sentir segurança. Para ela, não é um pântano, mas uma espécie de País das
Maravilhas, exatamente o que precisava depois do inferno que passou.
Pessoas que não possuem nada para se prender, a não ser sua fé, seja lá a forma que
assumem. Foi parte de como elas sobreviveram.
Lotus disse aquilo para mim no Sylvia’s quando discutimos religião e vudu. Foi aquilo que
ela encontrou aqui com a MiMi, seus gris-gris, poções e feitiços? Talvez tenha encontrado a fé, seja a
forma que ela assumiu, então pôde sobreviver também.
Eu costumava amar ver o pôr-do-sol de uma árvore no quintal da MiMi.
Suas palavras naquele dia no Brooklyn voltam para mim e olho para um caminho usado de
grama levando para os fundos da casa.
Vale a tentativa.
Sigo o caminho sem muita esperança de encontrar muita coisa, mas há um mundo inteiro
que eu não saberia que existe. Uma copa de árvores faz sombra em direção à água. Flores nascem em
todo lugar, não sendo bem cuidadas, mas selvagens, bonitas. E depois vejo o que deve ser a árvore
da Lotus. É enorme e posso imaginar uma garotinha pensando que poderia ver o mundo inteiro dali.
Procuro na linha de galhos e ramos até visualizar algo brilhante, algo dourado.
Há um farfalhar de folhas e um movimento de ramos. Dou alguns passos para a esquerda e
tenho uma clara visão de Lotus em um galho, talvez a seis metros do chão.
— Lotus! — grito para ela.
Ela vira a cabeça, impassível, e olha bem no meu rosto, mas não há resposta. Seus olhos,
mesmo daqui, parecem vazios, distantes, como se a garota que eu conheço, aquela que eu amo e que
me ama, tivesse desaparecido em algum lugar.
— Baby, venha aqui — tento novamente. — Está muito alto. Não gosto de você aí.
Sem resposta, mas uma carranca une suas sobrancelhas. Ela nega com a cabeça.
— Droga, Lotus — murmuro baixinho, caminhando para a árvore, dando um olhar para o
meu tênis. — Acho que veremos se gladiadores foram feitos para escalada.
Não posso dizer que já subi numa árvore. Cresci na Filadélfia. Sou um garoto da cidade
por inteiro e nunca vi valor em subir na droga da árvore de ninguém, mas, se consigo ganhar de
August subindo na corda, posso escalar uma árvore.
Não há muitos galhos entre ela e eu, mas há muito espaço entre cada um e não tenho certeza
de como chegou aqui quando estou tendo dificuldades. Estou um galho abaixo dela, perto o suficiente
para olhar em seus olhos, quando ela fala.
— Por que você está aqui? — sussurra.
Não tenho certeza de como responder a isso. Obviamente estou aqui por ela, mas o luto tem
uma forma de deixar as coisas menos óbvias, de fazerem menos sentido.
— Eu vim por você — digo simplesmente. — Fiquei preocupado com você. Tenho te
ligado, Lotus. Tenho… — perdido a cabeça, finalizo em silêncio, apertando os dedos nos galhos.
— Sinto muito — pede, engolindo em seco, piscando rapidamente. — Eu deveria ter
ligado. Meu telefone morreu e não me incomodei.
— Tudo bem.
E é isso. Cara a cara com sua dor, não interessa que eu tenha voado até aqui e dirigido para
alguma pequena comunidade no bayou na mera esperança de que ela estaria aqui. Só estou feliz por
ela estar.
— Vou até você. — Alcanço o último galho que me leva até ela.
— Não tenho certeza de que irá nos aguentar — avisa.
Paro, minha mão no galho, meus olhos nela.
— Então você poderia descer — sugiro.
Ela olha para mim por muito tempo antes de negar com a cabeça.
— Não estou pronta para descer ainda.
— Então eu vou até você. Torça para que esta árvore aguente nós dois.
Sem esperar permissão, agarro o último galho, feliz de encontrá-lo robusto e estável
mesmo quando o puxo e ergo-me até lá, onde ela está sentada. Cuidadosamente, deslizo por trás dela,
deixo minhas pernas caírem uma de cada lado, assim como as dela, e peço a Deus para não morrer
caindo desta árvore.
Lentamente empurro minhas costas até a casca, encontro meu centro de estabilidade e então
coloco meus braços ao seu redor. Ela endurece primeiro, resistindo, mas aperto as mãos em sua
cintura. Deixo-a me sentir, esperando parecer tão certo para ela como se parece para mim.
Aos poucos, seus ombros relaxam e ela se afunda em mim, até que seu peso leve e
completo pertence a mim, apoia-se em mim. Puxo-a para perto, então seus cachos fazem cócegas em
meu nariz e acariciam meus lábios.
— Meu Deus, eu senti a sua falta, Botão.
Ela vira a cabeça para me encarar e, pela primeira vez, sorri.
— Senti sua falta também.
Essas são as últimas palavras que dissemos por alguns minutos, mas consegui minha garota
de novo. Ela está segura e vai ficar bem. Qualquer que seja o inferno que ver a mãe dela a deixou,
ela voltará para mim.
E se ela não voltar, eu vou buscá-la.
— Sempre me senti segura aqui — diz, finalmente. — MiMi chamava esta de “a minha
árvore mágica”. Quando eu estava triste, subia aqui e, de alguma forma, ficava melhor.
— Então foi bom você ter vindo. — Entrelaço nossas mãos em sua cintura e enfio o queixo
na curva entre seu ombro e pescoço.
— Minha mãe nunca acordou — Lotus fala, negando com a cabeça. — Sempre pensei que
seria eu fazendo perguntas, obtendo respostas que fariam a dor ir embora, mas não foi.
— A dor não vai embora? — Está me matando ouvir isso, porque me mata vê-la ferida;
saber que não posso fazer isso parar.
— Não. Tudo de uma vez, não — ela diz suavemente, mas se vira para sorrir para mim, seu
rosto radiante apesar da dor, das lágrimas se acumulando em seus olhos. — Mas vou chegar lá.
— E eu estarei bem aqui, baby — sussurro.
Seus dedos se apertam nos meus e ela concorda.
— Amo você, Kenan.
Minha garganta pega fogo. Não tenho ideia do que tem neste lugar, nesta mulher que me
vira de ponta cabeça, que expõe meu estado natural, mas, quando ela me fala isso, eu posso chorar.
Eu, o Gladiador. Conhecido como um dos caras mais durões da NBA, quebrado por uma pequena
mulher que diz que me ama.
— Amo você, Lotus.
— E você sempre estará comigo, não é? — pergunta, um sorriso na voz.
— Sim — prometo. — Sempre.
— Sempre estarei com você também, Kenan — diz, depois aponta para o céu. — Olha.
Sigo o dedo dela e quase quero agradecer ao céu pelo seu timing perfeito.
— Nuvens de algodão-doce — sussurra. — Mandando o azul embora.
Asas de anjo.
Lençóis brancos estão pendurados no varal, voando com o vento. MiMi costumava chamar
de asas de anjo. Olho em volta no jardim, abrindo a porta para todas as memórias que nós duas
fizemos aqui.
Suas palavras, todas as coisas que ela me falou naquele jardim, sussurraram entre as
árvores de carvalho. Sua sabedoria se agitava pelos lençóis brancos pendurados na corda e explodia
no ar.
Asas de anjo.
Lavei os lençóis para que Kenan e eu tivéssemos algo para dormir à noite. Ontem,
comemos os sanduíches e lanches que comprei para mim. Conversamos e rimos.
Eu chorei.
Disse a ele sobre o hospital e minha mãe, chorei, e ele me segurou até que caímos no sono
no sofá. Vamos embora amanhã, mas temos mais uma noite a sós aqui e estou determinada a
dormirmos em uma cama com lençóis limpos. Estou puxando o último do varal e colocando dentro
do cesto de roupas quando braços fortes me envolvem por trás e me giram ao redor.
— Kenan! — guincho e rio. — Coloque-me no chão agora.
Ele mantém um braço em minha cintura e usa o outro para pegar um lençol do cesto,
jogando-o no chão.
— Eu acabei de lavar — protesto, franzindo o rosto para ele por cima do ombro.
— Que bom. — Ele me deita no algodão macio, olhando para mim. — Eu gosto de lençóis
limpos.
Estico-me para tocar os traços fortes de seu rosto, a curva sensual de sua boca, os cílios
grossos contra as bochechas firmes.
— Você é magnífico — sussurro. — Acho que em outra vida você comandou um país. Você
foi o rei da sua própria galáxia.
— E nessa outra vida — começa, o riso sumindo de seus olhos —, você era minha rainha?
Neste lugar onde aprendi sobre todas as coisas que nossos olhos ignoram, as dimensões
cheias de vida além das evidências do que vemos, eu poderia conjurar nossa existência juntos antes
ou no que virá, se isso for real. Às vezes, não tenho certeza do que é verdade.
— Serei sua rainha nesta.
Encaramos um ao outro através de séculos, através de continentes, tempo e espaço, e
realmente acredito que teria o encontrado em qualquer lugar. Não há lugar ou ponto no contínuo
espaço-tempo que poderia esconder esse homem de mim.
Ele sorri, tirando um pouco do peso do momento, e puxa a barra do meu vestido, passando
pelos meus joelhos e por cima das minhas coxas.
— O que você está fazendo? — pergunto, minha respiração prendendo quando seus dedos
acariciam a parte interna da minha coxa.
— Fodendo minha rainha a céu aberto. — Ele suspira no meu ouvido. — Com quanta
frequência vou poder fazer isso?
Coisas sujas nas asas dos anjos.
Eu deveria resistir, mas a quem eu quero enganar? Ele pressiona o vale entre minhas coxas
e nossas respirações se misturam. Mesmo através da minha calcinha e da sua calça de moletom, ele
está quente e duro. Eu estou molhada. Pronta. Ele abaixa a cabeça, o queixo empurrando para o lado
o decote do meu vestido para adorar meu mamilo com seus lábios. Desliza dedos certeiros dentro da
minha calcinha e estico o pescoço em prazer absoluto. Gozo em segundos. Meus olhos se fecham e
mordo meu lábio, mas meus gemidos escapam no ar. Encho o quintal com os sons do meu êxtase.
Quando os abro, ele está me observando.
— Nunca me canso de te ver assim.
Seus beijos começam gentis, suaves como nuvens em minhas bochechas, chuviscando como
gotas de chuva por cima da ponte do meu nariz. Mas aí nossas bocas, nossos corpos colidem como
dois raios no céu.
Você é a tempestade.
Kenan empurra meu vestido para cima da minha cintura e deslizo suas calças para baixo de
sua bunda. Ele enfia o quadril entre minhas coxas e desliza minha calcinha para o lado, entrando em
mim com uma poderosa investida.
— Casa — murmura.
Ele é grande. Não há como negar isso. E espalhei minhas pernas bem abertas para
acomodar seu corpo. Seu pau é grosso e duro, e mesmo molhada e esticada, esse primeiro impulso
tira o ar de dentro de mim. Depois ele se acalma, indo mais fundo, até atingir o ponto que apenas ele
parece ter encontrado dentro de mim, e eu gemo. Balanço-me contra ele, respondendo os movimentos
ásperos e rápidos com um mover do meu quadril, com um aperto das minhas coxas. Minhas partes
mais íntimas colocam uma demanda nele.
Mais fundo. Mais duro. Mais rápido. Mais.
Mais fundo. Mais duro. Mais rápido. Mais.
Mais fundo. Mais duro. Mais rápido. Mais.
É um ritmo imperativo. Na sombra da árvore que sempre achei que era mágica, fazemos a
nossa própria. O feitiço que é unicamente nosso. Na sombra do lugar que achei ser seguro, percebo
que não é uma árvore, uma cidade ou um lugar em particular onde me encontro desse jeito. É nos
braços do Kenan, no porto do seu amor. Esse é o lugar mais seguro que conheço.
Acordo com um sobressalto. Não sei o que me arrancou do sono, mas levanto como se
alguém tivesse derrubado um balde de água em minha cabeça. Meu coração clama por trás das
minhas costelas e uma fina camada de suor cobre minha pele. A lua ilumina uma faixa da cama,
mostrando-me Kenan adormecido — em paz, tranquilo. Ele é grande demais para a cama, mas não há
nenhuma nesta casa que seja grande o suficiente para ele. Seu pé está pendurado na borda e seus
ombros enormes e o peito deixam apenas um pedaço de colchão para mim. Não ligo. Deitei por cima
dele e caí no sono. Foi o melhor descanso que tive em semanas, até agora.
Mesmo que seja quase outubro, ainda está quente no bayou e dormimos com apenas uma
coberta sobre nós. Um arrepio violento me lembra da minha nudez. Há uma colcha que eu costumava
amar no antigo quarto da MiMi, então caminho pelo corredor e abro seu armário para procurar por
ela, enquanto o ar quente da noite acaricia minha pele.
O ar quente da noite.
Verifico a cozinha, a sala, o banheiro — tudo quente.
Só está frio onde dormimos.
Meus pensamentos estão uma confusão, um pânico irracional que me manda de volta pelo
corredor com pressa e entro tropeçando no quarto. Está tão abruptamente frio que a diferença
marcante da temperatura me para no limiar. Um calafrio não natural espalha arrepios pelos meus
braços e ombros, atingindo a pele sensível ao redor dos meus seios. Chego na cama lentamente, com
medo de ver se Kenan ainda está respirando.
Suas respirações são longas, até mesmo puxões de ar que levantam e abaixam seu peito nu
em intervalos regulares.
Mas eu sei o que senti. Sei o que é isso. Já tinha sentido antes.
Uma dúzia de coisas que a MiMi me contou, todas as que ela já me ensinou, enche minha
mente. Mentalmente, eu peneiro as informações, descartando as inúteis, segurando as que preciso
com mãos desesperadas. Corro pela casa coletando os itens necessários. Sal. Velas. Procuro em
caixas, buscando até ter tudo de que preciso.
Observo Kenan por horas, acho. Não tenho certeza. Sentada nua ao pé da cama, eu o
observo, disposta a pedir todo favor cósmico, invocar qualquer santo, proferir qualquer prece.
Implorarei a Deus para não levá-lo e farei o que for preciso.
Meus ombros estão rígidos e meus pés estão dormentes quando ele acorda. Ainda está
escuro no quarto, mas não tenho certeza da hora. Ele procura por mim, deslizando a mão pelos
lençóis de algodão, buscando cegamente.
Estou bem aqui.
Não digo nada. Medo trava minha mandíbula e amarra minha língua em um nó.
— Lotus — murmura, apertando os olhos e empurrando-se para sentar, os ombros quase
tão largos quanto a cabeceira da cama estreita que eu dormia quando era uma menina. Ele é um rei,
um faraó, aquele que governa o meu coração. E vou lutar contra qualquer coisa, qualquer um que
tentar tirá-lo de mim.
Vou lutar contra a própria morte.
— Lotus, que merda está acontecendo? — Ele varre o quarto com um olhar confuso, vendo
as quatro velas estrategicamente colocadas ao redor da cama nos pontos norte, sul, leste e oeste. No
sal em forma de círculo. — O que é tudo isso? — Ele olha para mim, nua e completamente parada,
sentada de pernas cruzadas com as mãos pressionadas entre os seios. — O que você está dizendo?
— Salmo 35 — resmungo, a voz rouca de repetir por tanto tempo o Salmo que é o feitiço
de proteção requerido.
— Por quê? — Ele caminha de joelhos em minha direção, nu, magnífico. Meu.
Lágrimas escorrem pelos meus cílios e respirações irregulares encontram seu caminho
para fora dos meus pulmões.
— Ok — Kenan diz, sua voz endurecendo. — Diga agora mesmo que porra é essa que está
acontecendo. Por que você está chorando? O que…
— É a morte — corto seu discurso crescente. — Está aqui. Neste quarto. Não posso te
perder.
Confusão dá lugar à frustração quando ele percebe o que estou dizendo.
— Lotus, essa merda não é real — ele diz, as palavras acaloradas. — Odeio ver você
chateada por uma superstição e baboseira mágica que as pessoas usam para controlar as outras, para
tirar dinheiro delas.
— Não. — Nego com a cabeça com firmeza. — Sim, tem gente que faz isso. Sei o que quer
dizer, mas não é o caso, Kenan. Eu sei o que sinto. Senti quando a MiMi morreu. Senti quando minha
mãe morreu. Sei como é a sensação da morte e ela está aqui. — Fecho os olhos porque sei que ele
não vai acreditar no que direi a seguir e preciso que acredite em mim. — Está aqui por você.
Ele senta nos calcanhares e corre a mão pelo rosto, jogando a cabeça para trás e
contemplando o céu antes de devolver o olhar para mim. A lua revela a forte beleza masculina em
seus traços. Revela sua descrença.
— Vou apagar essas velas antes que você queime a droga da casa.
Ele pula da cama e corre o pé pelo chão, interrompendo, destruindo o círculo. Todas as
quatro velas se apagam de uma vez.
Medo começa a se enrolar em meu peito e floresce em cada membro.
— Mas que…? — Ele olha das velas apagadas para o meu rosto e volta. — Essas velas
para truques não me enganam, então…
— Não são velas para truques, Kenan — digo solenemente. — Sei que você não acredita
em mim, mas…
— Claro que não acredito, Lotus. — Ele suspira. — Baby, o que você espera que eu pense
quando acordo no meio da noite cercado por velas, sal e você está entoando um cântico? Eu… É
demais. Diga-me que você sabe que isso não é real.
Observamos um ao outro com teimosia mútua, o silêncio feito um impasse pairando como
se houvesse uma ponte quebrada entre nós. Não vou dizer que não é real. Não sei de tudo. Não sei
sempre o que é verdade e às vezes não consigo interpretar o que sinto, mas sei que há mais além dos
limites das três dimensões que nós vemos — que as paredes entre uma dimensão e outra não são tão
complicadas quanto podemos acreditar. Além desta vida está a eternidade, o infinito, e o tempo não é
medido em minutos, horas, dias ou anos.
— Não posso perder você — finalmente sussurro. Minhas mãos tremem ao redor do Santo
Expedido, a pequena estátua que encontrei no fundo do cofre da MiMi. — Se alguma coisa acontecer
a você, eu…
As linhas rígidas de seus ombros e a expressão impenetrável se suavizam. Um braço forte
me puxa do fim da cama para os seus braços, para o seu colo. Ele me balança como um bebê e beija
meu cabelo.
— Nada vai acontecer comigo — diz, no que tenho certeza que deve ser uma voz
reconfortante. — Nós vamos voar amanhã. Vamos dormir um pouco.
Enterro o rosto em seu pescoço e engulo minhas lágrimas, deixando-o pensar que está me
confortando, mas, logo depois que ele pega no sono, as batidas de seu coração fortes sob meu
ouvido, fico acordada. Nesta casa, aprendi a retirar a venda dos meus olhos — a discernir além do
que está bem à minha frente. Posso não ser capaz de ver a ameaça, mas a ameaça me vê. Mostro a ela
meu coração com raiva, perambulando em um círculo de sal ardente, meus dentes à mostra. Vigilante.
O Salmo em meus lábios e o santinho que guarda a sepultura apertado em minha mão.
Lotus e eu estamos saindo do aeroporto, em direção ao carro que meu assistente, Davis,
conseguiu para nós, quando o primeiro repórter nos aborda.
— Kenan — chama, o telefone apontado para mim para gravar um áudio ou vídeo, não
tenho certeza. — Como você se sente a respeito do episódio de hoje?
Com a minha viagem rápida da China, indo para Louisiana, e nosso período no bayou,
esqueci que o primeiro episódio de Amor de Jogador foi ao ar nessa noite.
Droga.
— Sem comentários — murmuro, abaixando a cabeça e puxando Lotus para mais perto.
— Lotus, é verdade o que a Bridget disse? — outro joga. — Sobre você e Chase
Montclair?
A cabeça da Lotus se vira na direção da pergunta que o repórter lançou para ela.
— Do que eles estão falando? — questiona, olhando para mim com olhos enormes e
bravos.
— Ignore, baby.
— Sim, mas…
— Não dê nada a eles. — Vejo o serviço de automóveis logo à frente. — Banner está
lotando meu telefone. Vou ligar para ela em um segundo. Vamos dar o fora daqui.
Coloco Lotus no banco traseiro e entrego nossas malas ao motorista para poder escapar
das câmeras o mais cedo possível. Não é o caos que segue um escândalo, com centenas de câmeras e
perguntas sendo lançadas na minha cabeça toda vez que piso do lado de fora, mas, se não
controlarmos essa merda agora, poderia ser.
Ligo de volta para a Banner assim que damos partida.
— B, que merda está acontecendo?
— Onde você está? — Banner pergunta com a calma forçada que aprendi a perceber
através dos anos.
— Acabei de pousar em Nova Iorque, mas volto para a Califórnia depois de amanhã. —
Faço uma carranca e inclino-me para frente. — Diga o que há de errado.
— Nada está errado por si só.
— Inferno, Banner. Você não me liga quatro vezes por alguma merda de “por si só”. E
repórteres me abordaram assim que pisei do lado de fora do aeroporto. O que está rolando?
— Você olhou alguma TV ou rede social? Esse tipo de coisa?
Endureço.
— Não — digo, arrastando a palavra para fora. — Por quê?
— Vou te mandar um link. Não perca a cabeça. Não é nada, mas quero que esteja
preparado — Banner hesita. — Lotus está com você?
Contei para Banner sobre a Lotus logo que nos tornamos oficialmente “mais que amigos”.
Ela me representa melhor quando sabe o que está acontecendo em minha vida e o que é importante
para mim, então definitivamente precisava saber sobre a minha garota.
— Sim, está. Eles tinham perguntas para ela também.
Lotus me encara, algo que aparenta cautela, mas não exatamente preocupação, em sua
expressão. Estamos os dois exaustos. Acordar no meio da noite com alguma merda de Coração
Satânico não exatamente me faz ter uma boa noite de sono. Não discutimos mais, graças a Deus. As
coisas têm estado relativamente normais o dia inteiro. Até que esse não normal nos atingiu.
— Assista ao vídeo — Banner diz. — E me diga se precisar de algo.
— Tchau. — Desligo e clico no link da sua mensagem.
A prévia do vídeo já me deixa rangendo os dentes antes mesmo de eu pressionar o play. É
a logo de Amor de Jogador e uma imagem da Bridget no almoço com outros dois integrantes do
elenco na sequência.
— Tentei fazer funcionar. — Ela balança a cabeça, tristeza aparente e arrependimento em
seu rosto. — Sei que não foi certo o que fiz, mas Kenan me abandonou em nosso casamento. Eu
estava sozinha pra PIII e ele não ligava para nada além do basquete.
Uma camada de gelo se forma por cima da minha raiva. Quero parar o vídeo e não ouvir os
dois minutos e quarenta e um segundos restantes, mas preciso ouvir o que mais ela tem a dizer.
Banner não teria perguntado sobre a Lotus se ela não estivesse envolvida nessa loucura de alguma
forma.
— E agora ele está namorando uma criança. — Bridget rola os olhos, tocando a mão de
um dos membros do elenco, que murmura algo para lamentar. — Ela parece que acabou de sair da
faculdade. Não é muito mais velha do que a nossa filha. Dá para acreditar nisso?
— Garota, é isso que eles fazem — diz uma mulher que reconheço como namorada de um
dos caras da liga, mas não consigo lembrar quem. — Ele se casou com você depois da faculdade.
Você criou a filha dele, manteve a casa, ficou ao lado dele enquanto construía a carreira... e agora ele
quer um lanchinho novo.
— É por isso que precisamos manter nossa vagina jovem, querida — outra integrante do
elenco diz. — Mantê-la apertada, ou eles se dispersam.
Dispersam? Eu me dispersei? Em que realidade alternativa a Bridget existe onde eu sou o
vilão na nossa história?
— E ele ficou tão bravo que eu tive uma pequena indiscrição — reclama. — Mas eu ouvi
que ela está saindo escondida dele com um fotógrafo que ela estava PIII antes de ele tê-la
encontrado.
Pressiono a tela para parar o vídeo. Não posso ouvir mais nada agora. Minhas têmporas
literalmente pulsam de raiva suprimida.
— Por que você parou? — Lotus pergunta.
Olho para ela com uma carranca.
— Baby, ela é…
— Uma puta — Lotus diz bruscamente, encarando a tela na pouca iluminação provida
pelas luzes da cidade fora do carro. — Mas não pode nos machucar. — Ela joga o telefone no banco
ao meu lado e segura meu rosto entre as mãos. — Nós sabemos a verdade. — Seus olhos se prendem
aos meus. — Você sabe que eu nunca o trairia com o Chase ou com mais ninguém.
— Claro — respondo imediatamente. — Confio em você completamente.
— E sabemos que não tenho quase a idade da sua filha — provoca, rindo. — Embora haja
onze anos entre Simone e eu. Devo chamar você de papai?
— Você está rindo? — pergunto, incrédulo.
— O que você quer que eu faça? Chore? Faça beicinho? Birra? Haverá pessoas que irão
assistir, sentir pena dela, acreditar em suas mentiras. Não podemos controlar isso. Tudo que podemos
é viver nossas vidas e nos recusar a deixar isso ficar entre nós.
Inclino a cabeça para beijá-la, acariciando sua mandíbula com meu polegar.
— Obrigado por ficar tão de boa com todo esse circo. — Solto um suspiro de frustração.
— Eu não fico. Odeio ter minha privacidade invadida e mentiras contadas sobre nós, sobre você. Ela
nem pensou quão difícil isso vai ser para a Simone? Nos arrastar de volta para os tabloides dessa
forma?
O pensamento de ter minha filha regredindo depois dos pequenos passos à frente que ela
deu me enfurece. Apesar do seu progresso, sei que ainda está emocionalmente frágil, e tantas
transições, pressão e atenção? Tudo está prestes a atingi-la.
— Porra! — solto a palavra duramente e bato no console entre nós. — Se isso ferir a
Simone… Meu Deus, por que a Bridget não pode apenas…
— Vai ficar tudo bem. O que vier, vamos lidar com isso.
— Essa é a última coisa que eu quero pensar quando só tenho um dia antes de ter que voar
de volta.
— Então não pense. — Lotus se inclina para me beijar, deslizando a mão entre minhas
pernas para apertar meu pau.
— Droga, baby — resmungo no beijo.
— Eu tinha que distraí-lo de alguma forma. — Ela ri contra meus lábios.
— Distração ou não, você acordou a fera. Agora terá que lidar com isso quando chegarmos
lá em cima.
Peço ao motorista para nos deixar dentro da garagem privada, para o caso de haver
qualquer outro repórter à espreita. Dou gorjeta a ele, pego nossas malas e vou meio que mancando o
mais rápido que posso com uma ereção para o elevador. Assim que as portas se fecham, Lotus se
estica para beijar minha mandíbula e sugar o lóbulo da minha orelha. Beijo-a tão profundamente que
nós dois ficamos sem ar no momento em que as portas se abrem no meu andar.
Largamos as bagagens assim que entramos e Lotus envolve os braços em meu pescoço e as
pernas na minha cintura. Caminho para o quarto, minhas mãos cheias com sua bunda. Ela espalha
beijos pelo meu rosto.
No quarto, a luz já está acesa. Estranho, já que não venho aqui há semanas. Estou abismado
com a paixão, o amor nos olhos da Lotus enquanto ela desliza as pernas para o chão. Ela se vira em
direção à cama.
— Ai, meu Deus! — ofega.
Tiro o olhar dela e meu coração para, depois dispara no meu peito. Simone está dormindo
na minha cama. Ela parece tão pacífica que de primeira eu não entendo. A garrafa aberta e vazia na
mão. A quietude sobrenatural da minha filha.
— Moni? — Corro para a cama e sacudo-a. — Simone, baby, acorde.
Ela não se mexe. Está tão fria. Medo aperta meu coração até eu ter certeza de que está
sangrando.
— Vou ligar para a emergência — Lotus diz por trás de mim, pânico horrorizado em sua
voz.
Não sinto pânico, embora saiba que isso é sério, apenas uma calma misteriosa que recai
sobre mim enquanto respondo as perguntas do atendente. Sim, ela está respirando. Ela tomou uma
garrafa de remédios da mãe, mas não sei quantos. Uma equipe de emergência chega rapidamente,
coloca Simone em uma maca e leva para fora do apartamento. Na ambulância, ela para de respirar e
eles a entubam. Observo-os forçarem um tubo pela garganta da minha filha e minha parede de gelo se
quebra; o terror, o pânico e a raiva, tudo vem em um maremoto. Luzes brilhantes e uma sirene
barulhenta, silenciadas pelo meu choque, inundam meus sentidos.
Meu Deus, minha garotinha. Simone.
— Moni — murmuro, paralisado por estar desamparado.
Lotus aperta minha mão, mas não para seu sussurro persistente. Salmo 35, aquele que ela
repetia na noite passada. Lágrimas descem por suas bochechas e ela balança a cabeça.
— Não era você — diz, a voz fina e esganiçada. — Não era você. Era…
Ela não finaliza o pensamento. Ela não precisa, mas volta ao sussurro urgente. Não tenho
nem ideia do que dizer ou acreditar. No que pensar. A Lotus poderia estar certa? A noite passada, sua
premonição ou o que quer que fosse, poderia ser sobre a Simone?
Assim que chegamos ao hospital, eles tiram Simone de nossas vistas. Ela ainda está
respirando, mas não recobrou a consciência. Eles terão que limpar seu estômago.
Um tubo em sua garganta, uma lavagem no estômago. Estou preso em meu pior pesadelo e
não consigo acordar. Não consigo nem me mexer, mas observo inutilmente como algum espectador
preso atrás de uma divisória de vidro que separa o que é realidade e o que é ficção.
— Bridget! — Lotus diz, os olhos cheios de lágrimas arregalados. — Você tem que ligar
para ela.
— Merda. — Passo a mão trêmula pelo rosto. Tenho medo de ter que falar isso para
Bridget, mas também estou tendo dificuldades de manter meu temperamento sob controle. As
mentiras que ela contou, o escrutínio ao qual expôs nossa família novamente para seu próprio
benefício… está tudo fresco em minha mente. E os remédios. Seu nome na garrafa de remédios que a
Simone tomou.
Minha conversa com a Bridget é breve, concisa e quase estoica, apesar de sua histeria.
Tem que ser. Se eu permitir que uma emoção, compaixão, passe pela parede de gelo, todas vão
assumir — ultrapassar minha intenção de guardar as recriminações para depois. Para depois de a
Simone estar fora de perigo.
Estou sentado na sala de espera, agarrando a mão de Lotus como se fosse uma corda
jogada por cima de um precipício, quando Bridget chega.
— Kenan, meu Deus do céu. — Ela está vestida com um simples jeans. Sem maquiagem.
Tênis. Nenhum glamour feito para as câmeras que me acostumei desde que ela começou a gravar
Amor de Jogador. Seu rosto está coberto de lágrimas.
Fico de pé para cumprimentá-la, que se joga em meus braços. Meus dentes se apertam e
mordo de volta todas as perguntas e acusações, dando batidinhas estranhas em suas costas.
— Onde ela está? — pergunta, afastando-se para estudar meu rosto.
— Estão trabalhando nela agora. Fazendo uma lavagem em seu estômago. — Eu paro. —
Os remédios que ela tomou… era uma garrafa sua. Você percebeu que tinha sumido?
Seus olhos se transformam de arregalados e chorosos para enfurecidos e em formato de
fendas.
— Você não pode estar me julgando — ela solta. — Se é culpa de alguém, é sua. — Olha
para Lotus, ainda sentada na cadeira da sala de espera. — E dela. — Aponta um longo dedo para
Lotus, sua voz subindo. — Isso foi um grito de ajuda da Simone, grito de atenção. Quando ela mais
precisou do pai, você veio e arruinou tudo.
— Já chega — devolvo. — Se você vai apontar o dedo para alguém, deveria ser para si
mesma, Bridget. Acha que é coincidência a Simone tentar isso na noite que aquele trem
desgovernado que é o seu programa foi ao ar? Na mesma noite que você trouxe toda aquela merda
que nos colocou no aconselhamento em primeiro lugar à tona? Considerou isso?
— Não, não considerei, porque não fui eu quem falhou em ação quando ela mais precisou
de mim. Onde estava você quando ela precisava? Com ela. — Ela joga a cabeça na direção da Lotus.
— Então desça do seu cavalo, Kenan. Talvez nós dois tenhamos errado com ela ultimamente, mas
pelo menos ela não precisava se perguntar se era prioridade para mim.
— Meu Deus, isso é tão injusto — digo. — Estamos separados por quase três anos entre o
término e o divórcio e essa é a primeira vez que eu saí com alguém.
— Mas a Simone quer que fiquemos juntos de novo — Bridget aponta. — Talvez agora
você acredite nela.
— Não podemos fazer isso. Não podemos adaptar o mundo para ela dessa forma e você
sabe disso, mas podemos mantê-la lidando com a realidade. E você atrapalhou cada passo disso,
encorajando essa fantasia de que podemos reatar.
— Eu queria que vocês dois calassem a droga da boca — Lotus diz, sem emoção, de sua
cadeira.
Bridget e eu a encaramos, nossas bocas se arregalando.
— Desculpa? — As mãos da Bridget vão para o quadril e indignação surge em suas
sobrancelhas.
— Sei o que é achar que os adultos são todos loucos — explica Lotus, negando com a
cabeça. — Sentir que ninguém está considerando o que é melhor para você. Ela não precisa de vocês
dois brigando um com o outro. Precisa que ambos estejam ao lado dela. — Lotus pega minha mão,
segurando meu olhar. — Isso não é sobre você, Kenan. Não pode ser. Tem que ser sobre a Simone.
— Seus olhos esfriam, mais duros que pedra vulcânica quando se mudam para a Bridget. — Não é
sobre quem está certo ou errado, porque, se fosse, acredite em mim, Bridget, você estaria errada.
— Quem você pensa que é? — Minha ex dá um passo para mais perto dela. Antes que eu
possa entrar no meio delas, Lotus se ergue e, mesmo vários centímetros mais baixa, consegue olhar
Bridget nos olhos.
— Vou te dar uma folga porque eles estão enfiando tubos na garganta da sua filha — Lotus
fala, seu tom sombrio. — Mas você tem mais uma chance de colocar o dedo na minha cara e andar na
minha direção.
Bridget respira fundo, mas dá um passo para trás, sabiamente recuando.
— Olha — Lotus diz, seu olhar se movendo entre nós. — Isso também não é sobre mim.
Nós todos temos que nos sacrificar até a Simone melhorar. Eu farei a minha parte.
O que ela está dizendo? Sacrificar o quê?
Estou prestes a perguntar quando o médico se aproxima pelo corredor e diz que podemos
finalmente ver a Simone. Sigo o médico, com pressa de ver minha filha e começar a cura que ela
precisa. No último minuto, viro-me para a sala de espera, querendo pedir que Lotus espere por mim.
Mas ela já se foi.
A primeira visão de Simone me coloca de joelhos. Há uma máquina monitorando seus
sinais vitais e um IV preso em seu braço. A palidez em sua pele, normalmente dourada, está um cinza
doente.
O coração dela está partido em seus olhos.
Como eu perdi isso, inferno? Aquela tristeza insondável nos olhos azuis lacrimejantes da
minha garotinha — tem sido sempre assim? E se tivéssemos nos atrasado vindo do aeroporto? E se
tivéssemos ido para o apartamento da Lotus em vez do meu? E se tivéssemos ficado presos no
trânsito comum de Nova Iorque? Milhares de cenários voam pela minha mente como morcegos, as
asas escuras fazendo sombras em um dia que poderia ter acabado comigo de pé em um necrotério em
vez deste quarto de hospital.
— Sinto muito — Simone murmura, lágrimas rolando por suas bochechas. — Eu só… —
Um soluço a sacode e ela vira a cabeça para o travesseiro, os olhos se apertando.
— Moni, está tudo bem. — Minha voz sai estrangulada e levo um momento para me
recompor. — Vamos resolver amanhã.
— Sim, descanse — pede Bridget, afastando o cabelo da Simone de seu rosto. — Podemos
falar sobre tudo mais tarde.
— Sei que não deveria ter feito isso. — Soluça. — Só queria que tudo parasse. As brigas,
os tweets, os posts no Facebook… Algumas pessoas da escola estavam me marcando. Começou tudo
de novo.
Raiva ferve por baixo do meu rosto sem expressão enquanto ouço como minha filha foi
torturada pelas nossas escolhas e por pessoas insensíveis que não pararam para pensar em como um
tweet descuidado pode levar uma garota emocionalmente frágil ao limite.
O soluço da Bridget me arranca de meus pensamentos. Ela aperta a grade da cama com
tanta força que os nós de seus dedos parecem brancos através da pele. Cubro sua mão. A mesma
impotência que me tortura nada em seus olhos lacrimosos. Pela primeira vez estamos na mesma
página, embora seja uma terrível na nossa história — manchada com nosso arrependimento, marcada
por nossa dor. Para nós dois, a Simone é tudo. É o terreno neutro que perdemos de vista durante a
nossa batalha. Nenhum de nós fala, mas, ao lado de nossa filha, negociamos uma trégua silenciosa.
A porta se abre por trás de nós e a Doutora Packer entra. Todas as vezes que ela nos disse
para sermos cuidadosos, que a Simone não estava indo bem e que isso não era em relação a nós
voltam em minha memória. Quando encaro os olhos da terapeuta, não encontro julgamento ou
censura, apenas bondade e preocupação, mas não preciso dela para me condenar.
Posso fazer isso eu mesmo.
— Kenan chegou — Yari avisa da porta do meu quarto. — Tem certeza disso?
Encaro sem ver as anotações para a entrevista do podcast gLO Up da próxima semana.
Não tenho certeza se estou pronta para o que precisa ser feito. Posso não ser forte o suficiente.
— Sim. — Fico de pé e passo por ela. — É a coisa certa a se fazer.
— Talvez não. Talvez você possa…
— Sei o que estou fazendo, Ri.
— Ok, bem, vou encontrar o Pedro para jantar — avisa. — Mas, se precisar que eu
fique…
— Não, vá. Estou bem. — Forço um sorriso e caminho para a sala.
Ela sai e preparo-me para a conversa à frente.
Assim que o vejo, quero voltar para o meu quarto e me esconder debaixo das cobertas.
Não posso fazer isso. A quem quero enganar? Ele é magnífico. Não apenas o rosto de rei, de ossos
marcados, ou a beleza brutal de seu grande corpo. A sexualidade atrativa. É a forma como as linhas
austeras se suavizam por mim. Apenas por mim. O amor que chama em seus olhos. Apenas por mim.
— Ei. — Ele fica de pé em frente ao sofá e segura minha cintura nas mãos. Abaixo a
cabeça, evitando o beijo. Ele enrijece e olha para mim, esfregando as mãos nos meus braços. — O
que há de errado? — Segura meu rosto, traçando minha boca com o dedão.
— Hm, Kenan — começo, depois vacilo. Minha resolução, tão dura e definida antes de ele
chegar, oscila, derretendo com sua proximidade. Ele queima minha decisão sem nem mesmo tentar.
Só fica parado aqui, sendo ele, me amando. Como afasto o homem que amo mais do que qualquer
coisa no mundo? — Como está a Simone? — pergunto, colocando alguns centímetros de distância
entre nós para eu poder pensar.
Sua expressão se fecha, mas não antes de eu detectar a dor e a culpa lá.
— Ela está se recuperando bem, fisicamente.
Tudo está apertado. A forte inclinação de seus ombros. Os cantos de sua boca. As mãos em
punhos ao seu lado.
— Há uma espera de três dias em… — ele limpa a garganta antes de soltar as próximas
palavras: — tentativa de suicídio — complementa, suas sobrancelhas transformadas em uma
carranca. — Há uma avaliação psicológica e depois… veremos. Ela, hm, aparentemente disse para a
Doutora Packer que gostaria de se mudar para a Califórnia e viver comigo. Como ela só voltou às
aulas há um mês, não deve ser difícil colocá-la na escola antiga. Devolvê-la à antiga rotina.
Fico parada, procurando em seu rosto por alguma dica.
— E a Bridget?
— Ela vai ficar em Nova Iorque para finalizar o Amor de Jogador — explica, um toque
sarcástico nos lábios — e aí vai voltar para San Diego. Como ficarei na estrada por muito tempo esta
temporada, perguntei para minha mãe se ela estaria disposta a se mudar conosco para dar alguma
estabilidade à Simone.
Cada uma das suas palavras apenas solidifica que meus instintos estavam corretos. E que,
em algum nível, ele irá concordar comigo, mas não de primeira. Ainda não. Terei que convencê-lo.
— Kenan — digo, forçando a mim mesma a erguer o rosto e encontrar seus olhos. — Acho
que precisamos de algum tempo separados. Uma pausa.
Ele não pisca nem parece respirar por alguns segundos. Espero uma explosão assim que
minhas palavras afundam, mas, em vez disso, ele encontra minhas palavras com uma calma
implacável.
— Não.
Uma palavra pousa com força bruta na sala, mas há um aperto súbito onde ele me toca, no
meu braço, no meu rosto, como se ele estivesse pronto para me segurar se eu tentar me afastar.
Mas eu tenho que me afastar.
— Sim, Kenan, eu…
— Eu disse não — ele corta. Sua boca está parada em uma linha dura. Seu rosto é uma
parede de pedra. Seus olhos, diamantes pretos, são afiados o suficiente para cortar vidro. — Não
para uma pausa. Não para um tempo separados.
— Você nem me ouviu.
— Que porra você poderia possivelmente me dizer para me fazer acreditar que eu não
deveria estar com você? — demanda, sua voz finalmente ganhando calor, volume.
— Simone não só precisa de você, Kenan, ela precisa que você esteja separado de mim.
— Afasto-me de suas mãos e viro minhas costas para ele. — Especialmente se irá viver com você.
Não tem que ser para sempre. Pode ser…
— Não tem que ser para sempre? — grita por trás de mim. — É um “não” geral. Isso é
ridículo, Lotus.
Giro para encará-lo. Eu posso falar alto também. Posso ficar brava. Raiva é mais fácil de
lidar do que a dor que até mesmo pensar em me afastar dele traz.
— Sua filha tentou matar a si mesma, Kenan. — Bato no meu peito. — Pelo menos em
parte por minha causa. Por nossa causa. Como você acha que isso me faz sentir?
— Lo…
— Eu — corto, nossas palavras se chocando como espadas. — A garota cuja mãe escolheu
outro homem, um homem horrível, no lugar dela.
— Se você…
— Eu, que nunca me senti prioridade para minha mãe, que sempre me perguntei por que ela
não me amava mais do que o amava. Não posso fazer isso com outra garotinha.
— Isso é completamente diferente da sua situação — dispara. — Acha que não estou
preocupado? Acha que não estou quebrado? Simone quase… — Sua voz murcha e ele exala uma
respiração rápida. Quase consigo ver as emoções turvas dentro dele, batendo contra seu interior,
perto de derramar. — Se ela tivesse morrido, parte de mim teria também — diz, a voz abaixando,
desaparecendo. — E temos muito para corrigir, mas nós nos separarmos não vai consertar as coisas,
e o que você passou não é o que ela está passando. Você não abusou de ninguém. Não feriu ninguém.
O que você fez de errado? Me amou? Me quis?
— Não estou dizendo que é exatamente a mesma coisa. Estou dizendo que sei como ela se
sente. — Pisco, com lágrimas me queimando. — Você tem alguma ideia de quantas vezes eu quis
fazer o que ela fez? Acabar com a minha vida se isso fizesse a dor parar?
— Sinto muito, Lotus — geme, colocando as mãos na cabeça e olhando para o teto. — Mas
você tem que ver que não é a mesma coisa.
— Não estou falando sobre a realidade do que fizemos, da nossa situação. Estou falando
sobre como ela vê isso. Como ela sente isso, que é o que importa agora.
A sonda laser do seu olhar volta para o meu rosto.
— E você acha que nós terminarmos fará as coisas se resolverem?
— Acho que nos darmos um tempo — enfatizo — enquanto ela consegue a ajuda que
precisa pode fazer com que ela sinta que é prioridade para você, que é o que ela precisa de você e
da Bridget. Sentir que é número um. Como se você fizesse qualquer coisa por ela, até mesmo parar
de ver alguém.
— Não concordo e não vou desistir de você. — Ele segura o meu braço. — Por que me
deixaria agora quando preciso tanto de você?
Há tanto desânimo na pergunta, tanta dor em sua voz. Perfura meu coração como uma
agulha, passando pelo músculo pulsante e encontrando minha alma. Eu o amo com tudo. Meu
coração, minha alma, meu corpo, minha mente. Não há parte de mim que ele não tenha sitiado. Sou
uma cidade ocupada. Completamente dele.
E, ainda assim, fico me perguntando se minha mãe se sentia tão consumida por um homem,
mesmo um homem do mal, que ela não conseguiu fazer a coisa certa. Não conseguiu fazer a coisa que
precisava ser feita. Não conseguiu deixá-lo quando ela precisava, quando tinha que deixar, mas
escolheu seus próprios desejos, certos ou errados, no lugar da sua filha.
— Somos os adultos — forço-me a dizer, mesmo que minha voz trema, minha resolução
trema. — Não estou dizendo que é para sempre. — Encontro descrença e indignação, a recusa em seu
olhar. — Não posso ficar longe de você para sempre — digo suavemente. — Você já sabe disso,
Kenan, mas estou dizendo que, por hora, por ela, vamos dar um passo atrás nisso. Pelo menos pela
temporada. Como se o basquete não fosse distração suficiente enquanto você está negociando isso,
você não precisa de mim também.
— É aí que você se engana — ele diz. — Preciso muito de você.
Ele me puxa em sua direção pela cintura e o seu cheiro, seu calor me seduz. Fecho os olhos
e saboreio a pressão leve dos nossos corpos unidos. Imagino a movimentação, como me sinto quando
ele está enterrado em mim. Quando vou ter isso de novo?
— Quero isso também — ele sussurra em meu ouvido, a mão escorregando para minha
bunda. — O que você está pensando agora mesmo. O que está relembrando. Quero foder você
também.
— Kenan, não. — É um protesto patético ofuscado pela maneira como meu corpo lateja
com ele tão próximo.
— Amo você — diz, sua voz é como um sopro e uma respiração por cima dos meus lábios
antes que ele os capture com os seus.
Sua língua caça a minha, procurando, confiscando. Minha convicção desaparece e eu o
beijo de volta. Ele geme, suas mãos tateando entre nós e por baixo do meu vestido. Seus dedos
infalíveis me encontram pela minha calcinha.
— Meu Deus. — Suspira, pressionando a têmpora na minha. — Você está encharcada.
— Kenan, não podemos — peço, mas meu quadril se move na urgência de sua mão. Meu
clitóris floresce sob seus dedos.
— Por que não podemos? — Ele beija meu pescoço, chupa a curva com força e nos
encaminha para trás até que minhas costas toquem a parede. — Você é minha. — Abre o jeans e me
ergue pelas coxas, pressionando-me contra a parede. — Esqueceu? — pergunta, a voz rouca,
desorientada. — Você disse que pertencia a mim. Você é mentirosa?
— Não. Você sabe que sou sua, mas precisamos fazer isso por ela. Não consegue ver isso?
— É isto que eu vejo. O que eu sei. — Ele afasta minha calcinha para o lado e mergulha
em mim como um guerreiro indo para a batalha.
— Ai, meu Deus. — Não consigo resistir ao clamor dos nossos corpos fundidos e balanço-
me nele, desatenta em minhas intenções, arruinando meus planos. Minha boceta se apertando ao redor
dele, possessiva, demandando.
— É isso. Me fode, Lotus. — Suspira no espaço insignificante deixado entre nós enquanto
nossas estocadas agressivas batem minhas costas na parede. — Diga-me de quem você é, de quem eu
sou.
Cravo minhas unhas contra sua cabeça, afundo os dedos em seu pescoço com um desejo
feroz nascido do desespero. Quando isso acabar, eu o farei ir, e não tenho certeza de quando o terei
de novo.
— Meu amado é meu — cito, minha cabeça jogada para trás, lágrimas descendo dos meus
olhos fechados. — E eu sou dele.
— De novo. — Suas mãos se apertam em minhas coxas e ele afunda em mim, a agitação de
nossos corpos furiosa, frenética. — Diga-me novamente.
— Meu amado é meu e eu sou dele. — As palavras saem mais altas, mais duras, enquanto
meu clímax cresce.
— De novo! Diga.
— Meu amado é meu e eu sou dele — grito tão alto que as palavras arranham minha
garganta e ricocheteiam nas paredes.
— Como você se atreve a pensar que pode tirar isso de nós? — resmunga em meu
pescoço. — A porra de uma pausa? Não vai haver pausa. Nem separação. Diga de novo.
— Ai, Deus. Sou sua, Kenan. — Eu me agito contra ele com meus soluços, com o orgasmo
trovejando pelo meu corpo mesmo enquanto choro. — Você sabe que sou sua.
— E eu encontrei aquela que minha alma ama — cita de volta para mim, sua voz colidindo
na curva do meu pescoço. Ele goza, um rugido estrangulado em sua garganta. Um grunhido que morre
em seus lábios enquanto ele perde o ar com a força de sua liberação.
Ficamos dessa forma por longos minutos, eu presa à parede, minhas pernas envolvidas
nele, suas mãos segurando minhas coxas. Saboreio a evidência molhada do nosso amor, da nossa
paixão. Odeio que isso já esteja deslizando do meu corpo. Perdido em minhas coxas. Quero segurá-
lo dentro de mim para sempre.
— Não me deixe, Lotus. Meu Deus, não consigo aguentar. — Ele pressiona a testa na
minha. — Agora não. Nunca, mas agora não.
— Mas tem que ser agora — sussurro. — Sinto muito, baby, mas tem que ser agora.
Solto as pernas, mas ele não se move, mantendo-me presa na parede. Cutuco seu peito,
porém, minha força é insignificante ao lado da dele, e Kenan não se move. Olho em sua direção pelos
meus cílios e endureço minha vontade.
— Mexa-se — digo firmemente. — Vá.
— Não.
— Você não pode ficar aqui para sempre — digo, racional. — Em algum ponto, você vai
ter que ir. Está apenas atrasando o inevitável. Quanto mais cedo você focar na Simone, mais cedo
podemos…
— Mais cedo podemos voltar a ficar juntos? — Ele afasta meu cabelo e traça a concha do
meu ouvido. — Não vamos terminar.
— Kenan. — Solto um suspiro fechado. — Nós vamos. Por enquanto, nós vamos. Não é
para sempre, mas precisa acontecer. Ela falhou dessa vez. Duvido que quisesse ter sucesso. Ela fez
no seu apartamento, na sua cama, sabendo que você voltaria para casa. Mas, e se ela ainda sentir que
não conseguiu sua atenção? E se fizer de novo?
— Ela nunca vai fazer aquilo de novo. — Um tique aparece na linha da sua mandíbula.
— O ponto de tentar se matar — começo, mantendo minha voz dura, sendo implacável,
porque preciso — é que você fica melhor cada vez que tenta.
Ele respira fundo, o que tensiona os músculos do seu peito na camisa.
— Mostre a ela agora, Kenan — insisto, agarrando sua mão. — Mostre que ela é a coisa
mais importante para você. Foque nela e, quando for a hora certa, quando ela estiver melhor, a
Doutora Packer vai guiá-la em me aceitar como parte da sua vida. — Inspiro uma risadinha. —
Talvez, um dia, em me aceitar como parte da vida dela também.
— Eu quero isso — diz, o olhar em seus olhos se intensificando. — Quero você na vida
dela. Quero que sejamos uma família. Lotus, quero que você seja minha…
— Pare. — Se ele disser, de jeito nenhum que posso mandá-lo embora. O anseio cresce tão
grande dentro de mim que acho que vou explodir. — Não. Ainda não.
— Quando? — demanda, levantando meu queixo. — Quando posso dizer?
— Depois. Quando ela estiver melhor, você pode dizer.
— Prometa para mim. Prometa que posso dizer isso quando ela estiver melhor e darei a
sua pausa.
— Não é minha pausa, Kenan — explico, bufando um suspiro exasperado. — É por ela,
não por nós. Esse é o ponto.
Encaramos um ao outro, e é uma lembrança de todas aquelas vezes que entrei em uma sala
e me forcei a encarar os olhos do homem mais bonito que já vi e me afastar. Tive medo do que
aconteceria se eu cedesse à força entre nós. Na época, apenas suspeitei que, se eu me envolvesse
com ele, não seria capaz de deixá-lo. Agora, sei quem está por trás daquele exterior rude. Conheço
sua ternura, seu amor, sua paixão, e isso excedeu cada expectativa minha. Ele é muito mais do que
imaginei que seria, e está me partindo ao meio deixá-lo ir, mesmo que por um tempo.
— Tudo que você me falou parece enfatizar meu ponto de vista — digo cuidadosamente.
— Simone quer ficar com você. Com ela vivendo na sua casa, é a oportunidade perfeita de mostrar
quem é sua prioridade.
Ele não me solta da parede. Sou uma borboleta presa dentro de um vidro. Ele me estuda,
mas ainda não se move.
— Vou levar a Doutora Packer uma vez por semana para que a Simone não tenha que
começar com uma nova terapeuta — diz finalmente. — Quando ela determinar que a Simone está
melhor e que o momento é o correto, você vai, hm… — Ele limpa a garganta, os cílios baixos
escondendo o que quer que esteja em seus olhos. — Quando o momento for correto, você vai voltar
para mim?
Meu guerreiro desprotegido. Nunca o vi mais vulnerável, mais exposto do que está agora.
Estico-me para tocar seu rosto, encontrando seus olhos com a força da minha paixão, da minha
devoção.
— Quando o momento for correto — prometo, minha voz rouca das lágrimas que mantenho
presas em minha garganta —, irei correndo até você, Senhor Ross.
Ele se inclina e prende os cotovelos debaixo da minha bunda, levantando-me e prendendo
a testa na minha.
— Ninguém toca em você — diz suavemente, mas com força.
— Ninguém — concordo.
— Nada de encontros.
— Nenhum.
— Nada de flerte nem nenhuma merda dessa.
— Nenhuma merda dessa.
Ele para, cerrando os olhos.
— Estou falando sério, Lotus. Não estamos dando um tempo. Não estamos vendo outras
pessoas. Você não está solteira.
— E você pode dizer para aquelas groupies que ficam em volta do túnel depois dos jogos
que, se elas gostam de ter dentes na boca — digo firmemente —, é melhor manterem as patas e as
bocetinhas desagradáveis longe do meu homem. Fui clara, Kenan?
Ele sorri, um flash agridoce contra a pele de mogno, que faz meu coração perder batidas e
dar estrelinhas mesmo ao se partir.
— Transparente.
— Paris ano que vem, Lo — JP diz, decidido. — Quero o show em Paris no ano que vem
ao invés de Nova Iorque.
Assinto, focada no vestido em que venho trabalhando.
— Soa bem.
— Os pedidos da nova coleção já passaram muito das nossas projeções.
— Isso é maravilhoso — respondo, borrando a linha do ombro com o dedão.
— E acho que usarei aquela nova modelo de Marte.
— Amei. — Faço uma careta para o comprimento da manga, virando o lápis para apagar
meio centímetro.
— E abriremos o evento de outono com uma orgia.
— Ótima ideia. — Inclino a cabeça e foco o olhar na bainha. — Orgias estão com tudo
ultimamen… — Levanto a cabeça e encaro-o de olhos arregalados. — Espera. O quê?
— Estava me perguntando quão longe eu teria que ir até você realmente começar a ouvir
— diz, o sorriso provocador.
— Muito engraçado. Eu estava ouvindo.
— Ah, então você vai procurar em Marte a minha nova modelo?
— Va te faire foutre[18] — murmuro, lutando contra um sorriso.
— Acho que o problema é esse. — Ele complementa com um movimento sugestivo das
sobrancelhas e um sorriso diabólico. — Você não está sendo fodida.
Meu sorriso desaparece e pego o bloco de desenhos, o telefone e o computador.
— E com essa — digo, ficando de pé —, acho que vou trabalhar de verdade.
— Você sente a falta dele, Lotus — JP comenta. — É óbvio o quão miserável está sem ele.
— Não estou miserável. Estou bem, e é temporário.
— Nós só temos alguns poucos dias nesta terra, ma petite. Por que desperdiçar até mesmo
um deles quando você encontrou o amor da sua vida?
— O que o faz pensar que ele é o amor da minha vida? — pergunto, encaminhando-me para
a porta, querendo sair do escritório.
— Você é uma dessas criaturas que só amam uma vez e com grandeza, eu acho. Então o
mousieur Ross, ele é o cara. Ai-je tort[19]?
Paro na porta, mão na maçaneta.
Uma vez e com grandeza. Nunca me apaixonei antes, nem mesmo perto disso, e espero
nunca mais amar ninguém. Apenas Kenan.
— Estou errado? — JP repete, dessa vez em inglês.
— Não. — Por cima do ombro, dou um sorriso a ele, suavizando quando encontro seus
olhos preocupados. — Provavelmente não.
Fecho a porta por trás de mim e vou direto para a sala dos fundos no piso inferior. Não
apenas preciso de privacidade para trabalhar, mas também de um pouco de tempo sozinha.
Os últimos dois meses foram mais difíceis do que antecipei, mas acho que fizemos a coisa
certa. Kenan e eu conversamos algumas vezes. Sua agenda tem sido agitada, tendo jogos dia sim, dia
não, às vezes em dias consecutivos, viagens constantes. Eu provavelmente não o estaria vendo muito,
de todo jeito.
Mesmo sabendo que foi a coisa certa, foi também a mais difícil. Sinto a falta de Kenan, não
apenas de estar em Nova Iorque, mas na minha vida, profundamente. Cada parte de mim sente a sua
falta. Meu corpo anseia o seu toque — a maneira como ele tira meu cabelo do rosto e acaricia meus
dedos enquanto conversamos, ou traça minha coluna depois de fazermos amor. Minha alma dói
querendo a peça de quebra-cabeça que falta. Meu coração está pressionado ao peito com um copo na
orelha, esforçando-se para ouvir o eco das batidas do coração dele, mas elas estão longe demais.
Coloco as coisas na mesa, pronta para começar.
— Onde eu coloquei o lápis? — murmuro, olhando em volta. Bato nos bolsos enormes do
vestido sem mangas que desenhei para mim mesma e sinto um pequeno cartão quadrado lá dentro.
Fico parada por um segundo, depois puxo para fora.
“Você povoa os meus sonhos. Eles estão ricos da sua essência. Seu coração está em meu
travesseiro e sinto seu sabor no meu sonho.”
— Essa fui eu que escrevi.
Meu sorriso vacila. Uma vez por semana recebo um bilhete pelo correio. Esses tesouros
semanais são os pontos altos em minha vida, aquelas palavras quase ilegíveis que ele escreve para
mim. É outro cartão para a minha lancheira/kit de costura.
— Aí está você — diz Yari, parada na porta. — Estava te procurando.
Fungo e viro-me para secar debaixo dos olhos.
— Aqui estou — forço-me a responder alegremente, sentando-me com meu laptop. — Veio
me distrair do meu trabalho de novo?
— Não desta vez. — Yari se aproxima, sua expressão séria. — Billie se demitiu.
— O quê? — Fecho o computador e fico de pé. — Como assim, se demitiu?
— Ela se demitiu no estilo “pega o seu emprego e enfia naquele lugar”.
— Mas por quê?
— Eu tive que fazer — Billie diz da porta aberta, o rosto coberto de lágrimas e manchado.
— Acabou com o Paul.
Yari e eu a encontramos na metade do caminho e ela está dentro dos nossos braços antes
que o primeiro forte soluço se derrame de dentro dela. Meu Deus, odeio o som de um coração
partido. Eu o escutei vezes demais das mulheres na minha família que trocavam seus corpos pela
esperança de um futuro melhor, apenas para se desapontarem uma e outra vez. De amigas que
confiaram nos homens errados — que deram a eles tudo que quiseram, pensando que os fariam ficar,
apenas para observá-los partirem. Coração partido é um hábito para algumas mulheres, um que
prometi a mim mesma que nunca iria desenvolver.
— Conta. — Caminho com ela para nos sentarmos em uma mesa de costura e deslizo o
braço em seus ombros. — O que rolou?
— Cheguei hoje de manhã e ele disse que tínhamos que terminar. — Billie limpa o nariz
com a mão trêmula.
— Aqui, querida — Yari diz, pegando um pouco de lenço de papel em uma gaveta
próxima.
— Obrigada. — Billie assua o nariz e morde o lábio. — Ele disse que a esposa descobriu
sobre nós.
— Ai, meu Deus. — Cubro a boca com uma das mãos e com a outra, o coração. — Como?
— Não sei. — Dá de ombros e fecha os olhos, apertando-os. — Mas ele disse que, quando
ela o confrontou a respeito, ele confessou tudo e falou que foi… um casinho. Nada. Ele disse a ela
que eu não era nada. — Outro soluço sacode seu peito e enruga seu rosto. Ela fala as próximas
palavras entre soluços: — Falou que eu era um deslize, um erro que só aconteceu uma vez. — Sua
risada está vazia de humor e cheia de dor. — Ficamos juntos por mais de um ano. Ele me levou para
Aspen no nosso aniversário. Como ele pôde mentir assim?
— Ele é um mentiroso — Yari fala, sua voz frágil. — Mentiu para a esposa e mentiu para
você. É o que ele faz. Sei que está ferida, mas é melhor assim, Bill. Você consegue algo melhor do
que isso. Melhor do que ele.
— Ela está certa, Bill — concordo, um pouco mais gentil, mas não menos direta.
Billie assente, seu geralmente bem arrumado cabelo vermelho está uma bagunça, caindo
por seus ombros, como se ela tivesse corrido as mãos nele.
— Quase sinto que sabia que isso teria que acontecer. Como se tivesse trazido isso para
mim mesma.
— Como você sabe? — Yari questiona.
Billie repousa os olhos verdes e curiosos em mim por vários segundos.
— O quê? — pergunto. — Por que está me olhando assim?
— No meu aniversário — começa —, você disse: cuidado com o que você deseja. Por que
diria isso?
Pisco para ela, procurando alguma explicação que faça sentido lógico.
— Nenhuma razão. — Corro a mão pela nuca. — Por quê? O que você desejou?
— Um bebê. Desejei um bebê para forçá-lo, para fazê-lo escolher — sussurra. Seus olhos
se enchem de lágrimas. — Sei que é o truque mais antigo de todos, mas parei de tomar o remédio.
— Bill, não. — O olhar horrorizado de Yari se arregala, mudando entre nossa amiga e eu.
— Você está grávida?
— Não. — Ela olha para mim novamente. — A esposa dele está.
Meu coração cai aos meus pés. Não sei o que me fez dizer aquilo. Eu nem sempre sei os
detalhes, mas, às vezes, tenho impressões ou sentimentos fortes. Qualquer que seja o dom que herdei
da MiMi, não é perfeito nem preciso, como na noite que senti a morte próxima e assumi que era o
Kenan, mas estava me alertando, na verdade, sobre a Simone.
— Pedi um bebê para fazê-lo escolher — Billie diz amargamente. — Acho que eu deveria
ter especificado que era um bebê para mim, para que ele me escolhesse. Você estava certa, Lo. Eu
deveria ter tido cuidado com o que estava pedindo.
Não posso responder as perguntas em seus olhos de jeito nenhum, então redireciono a
conversa:
— Então você pediu demissão.
Billie me observa por mais alguns segundos antes de assentir.
— Não posso mais trabalhar para ele. Não depois disso. Vou começar a buscar nas ruas, eu
acho.
— Você tem um diploma de administração da NYU — digo ironicamente. — E quatro anos
trabalhando em uma das casas mais badaladas da moda. Vai encontrar alguma coisa.
— E se não for encontrar alguma coisa — Yari começa, seus olhos brilhantes se mudando
entre nós —, mas criar alguma coisa?
— O que você está dizendo? — Billie franze as sobrancelhas. — Eu? Criar alguma coisa?
Você sabe que não consigo costurar, desenhar nem mesmo fazer ponto cruz. A única coisa que eu
tenho para trabalhar na moda é a mente de negócios.
— Certo. — Yari corre na direção da mesa onde minhas coisas estão e pega meu bloco de
desenhos. — Mas acontece que tenho uma amiga que é muito boa em fazer coisas.
— Eu? — Aponto para o meu peito. — Não, não estou pronta para seguir por conta
própria. Ainda tenho muito a aprender com o JP. Talvez em um ano ou mais.
— Acho que você se subestima — Billie comenta, pegando um pouco da empolgação da
Yari. — Poderíamos fazer isso, Lo. Poderíamos começar nossa própria marca.
— E seu podcast se tornou popular — Yari complementa. — Poderíamos aproveitar
totalmente a influência que você está construindo com ele.
Estou prestes a falar que isso é uma ideia horrível de verdade quando Paul entra.
Homem corajoso e idiota.
— Billie, posso falar com você por um minuto? — pergunta, fixando os olhos nela e
deliberadamente ignorando os olhares que Yari e eu lançamos em sua direção.
— Não, Paul. — Billie olha para ele, e odeio a fraqueza se arrastando para os olhos dela
quando os dois se encaram. — Não há mais nada a dizer.
— Discordo — ele replica, ajustando os óculos e limpando a garganta. — Hm, moças,
talvez vocês possam nos dar alguns minutos.
— Hm, Paul — Yari devolve, ficando na frente da Billie para escondê-la da visão dele —,
talvez você possa se foder por alguns minutos.
— Olha, ainda sou o CEO desta companhia, droga — responde asperamente. — E vocês
não podem falar comigo assim. Não irei tolerar insubordinação.
— Insubordinação? — pergunto, uma risada sombria saindo da minha boca. — Você tem
cinco minutos para levar essa bunda de volta lá para cima ou sua esposa vai receber uma ligação
minha esta noite com a verdade, não essa merda que você disse a ela para se acobertar.
— Billie, se você pudesse...
— Um — digo, dando um passo para ficar ao lado da Yari e esconder completamente a
Billie da visão dele.
O vermelho mancha sua pele branca e pálida e ele franze o rosto.
— Olha, eu posso explicar.
— Dois — Yari continua, os braços dobrados sobre o peito, o quadril empinado.
— Você quer uma recomendação, não quer, Billie? — pergunta, uma luz cruel em seus
olhos azuis. — Quão longe você acha que vai chegar nessa indústria se as pessoas souberem que
você tentou dormir com todo mundo para se promover?
Ando até ele até estar perto o suficiente para sentir o cheiro do que comeu no almoço.
— Ah, você está cheio das ameaças agora, Paul? — pergunto em um tom perigosamente
suave. — Você não quer ameaçá-la, porque, quando faz ameaças a ela, faz a mim. E quando faz
ameaças a mim, eu ataco.
— Você não pode me machucar — zomba, mas uma veia de nervosismo aparece em seu
tom.
— Tem certeza? — pergunto, usando uma doçura artificial em meu sorriso. — Você sabe
por que nós não usamos mais o Chase, né? Ele traiu minha confiança e só precisou de uma conversa
com o JP para me certificar de que ele não iria voltar. Talvez seja a hora do JP saber que você andou
fodendo as funcionárias dele.
— Você é maluca — ele diz, medo escurecendo seus olhos.
— Sim, motivo pelo qual, se eu fosse você, correria. Sou maluca o suficiente para ter um
grande prazer em destruir sua carreira, aquela farsa do seu casamento e qualquer coisa promissora
em seu futuro. — Inclino a cabeça em direção à Yari. — Em que número estamos, Ri?
— Três — cospe.
— Ah, sim. — Franzo a testa para ele. — Três. Quatro. Se você ainda estiver parado aqui
no cinco, começarei a destruir as coisas.
Com um rosnado que poderia muito bem ser um gemido, ele se vira em seus calcanhares e
sai pela porta.
Viro para minhas amigas e sorrio largamente.
— Medroso de merda — digo, com uma gargalhada. Bato a mão com a Yari e vou fazer o
mesmo com a Billie, mas as lágrimas em seus olhos me param. — Ah, querida. Ele não merece suas
lágrimas. Você consegue algo melhor. Você vai encontrar alguém melhor.
— Sei disso. — Ela funga e nos dá um sorriso trêmulo. — Mas meu coração tem que se
atualizar com o que é a coisa certa.
Esfrego o pequeno quadrado escondido em meu bolso, suas palavras presas em uma
prateleira na minha alma. Fazer o que é certo às vezes quebra meu coração. Saber que é certo não faz
isso machucar menos.
Sei disso em primeira mão.
— Pegou tudo? — pergunto mais uma vez antes de deixar a Simone na luxuosa praia onde
o acampamento de dança irá acontecer.
— Sim. — Ela mexe na bolsa de ginástica no ombro. — A vovó olhou duas vezes a lista
que nos deram para se certificar de que eu não estava me esquecendo de nada.
— Boa. Vou ligar da estrada. Nosso primeiro jogo é em Toronto, depois em Chicago e San
Antonio; por último, o Lakers. Volto no sábado.
Quando olho para minha filha, uma onda de gratidão me sobrecarrega. Os “e se” têm me
torturado desde a noite em que a encontrei inconsciente na minha cama. Meus pesadelos são feitos de
fins alternativos sombrios e já acordei mais de uma vez correndo pelo corredor para me certificar de
que ela é real, não uma alucinação induzida pelo luto.
Ela é linda e está crescendo rápido. Fará quinze anos em breve e não pensará mais no seu
velho. Já perdi o suficiente. Basquete levou muito de mim, mas valeu a pena pelo dinheiro.
— Amo você mais do que tudo, Moni. — Beijo a testa dela e pressiono sua cabeça em meu
peito. — Sabe disso, né?
Ela olha para mim, suas sobrancelhas unidas acima dos olhos azuis, depois assente.
— O quê? — Franzo o rosto para ela. — O que foi?
— O que aconteceu com a Lotus?
Queria que a Doutora Packer estivesse aqui agora. Não tenho certeza de como lidar com
isso. Simone sabe que não estou mais vendo a Lotus e não falamos sobre ela, então não tenho certeza
do que trouxe a pergunta.
— Hm, ela ainda mora em Nova Iorque. Por que a pergunta, querida?
— Você parecia, sei lá. — Simone encolhe os ombros estreitos. — Você parecia mais feliz
quando ela estava por perto.
Droga, eu sinto a falta dela.
O isolamento me atinge com uma força esmagadora. Minha vida é muito mais brilhante com
a Lotus nela. Não falo. Ainda estou formulando a melhor resposta — uma que não desfaça tudo que
trabalhamos tão duro para ajustar.
— Está tudo bem se você a amar também — Simone diz baixinho.
Afasto-me e olho para o seu rosto. Seus olhos, quando encontram os meus, estão sérios.
Eles já viram muito, sabem muito.
— Está? — pergunto, testando.
— Quero que você seja feliz. — Ela engole em seco e olha para o chão. — Quero que a
mamãe seja feliz também, mas sei que vocês não fazem mais um ao outro feliz.
— Mas sempre amaremos você — digo, segurando seu rosto — e sempre a colocaremos
em primeiro lugar, ok?
Ela assente e me oferece um pequeno sorriso. É uma boa garota. Apesar de toda merda
pela qual passou. A única coisa boa que veio do meu casamento.
— Simone — uma mulher alta e elegante chama. Lembro-me de encontrá-la em um dos
recitais da Moni. — As outras garotas estão todas lá dentro. Diga adeus e junte-se a nós por favor.
— Estou indo, Madame Petrov — responde antes de dar as costas para mim. — Tenho que
ir.
— Ok. Amo você, Moni. — Deslizo a mão pelo seu rosto, nossa expressão familiar de
amor.
Ela sorri, parece feliz. Meu Deus, que isso seja real. Saber que sua filha está machucada
de uma forma que você não consegue parar ou melhorar é o sentimento mais impotente do mundo.
Você procura por qualquer sinal de angústia e se esforça para pegar qualquer sinal de progresso ou
indício de alegria, segurando a respiração. Com esperança perdida.
— Amo você, papai.
Nós vamos ficar bem.
É um refrão que fica se repetindo na minha cabeça enquanto dirijo de volta para San
Diego. Amei falar com a Simone no caminho, ouvir sobre quão bem as coisas estão na escola e na
dança. Dar espaço para que ela me dissesse como os medicamentos a fazem se sentir melhor.
Permitir que me contasse sobre os dias em que eles não funcionam. Cada palavra que compartilhou,
mesmo as que eram difíceis de ouvir, me tranquilizou, porque ela estava dividindo. Ela não estava
me escondendo ou guardando para si mesma. Ela é muito parecida comigo de várias formas,
naturalmente enterrando suas emoções e acumulando seus pensamentos.
Mas, tanto quanto aproveitei nossa conversa dirigindo para Laguna Beach, deleito-me com
o silêncio ao dirigir para casa. É difícil descrever para alguém que não precisa disso quão
revigorante ficar sozinho pode ser — não solitário no geral, mas sozinho. No trecho panorâmico da
rodovia tenho uma vista de tirar o fôlego do oceano só para mim. A lua cintila na água azul escura
enquanto passo pelas curvas da Pacific Coast Highway. Coloco minha música favorita, It Never
Entered My Mind. As notas iniciais do piano se misturam perfeitamente com o trompete de Davis.
Ele afinou cada nota até chegar à perfeição em um tom doce e suave.
Mesmo quando aproveito minha solidão, Lotus não me deixa.
— Qual é a sua música favorita para ouvir quando quer relaxar?
— It never entered my mind.
— Bem, deixe passar pela sua cabeça.
Minha risada com a memória quebra o silêncio no carro e desejo que ela estivesse aqui
comigo, enrolada no banco do passageiro, falando sobre tudo e nada. Eu me acostumaria com seu
silêncio, sua voz, sua essência. Aceitaria qualquer coisa dela que pudesse.
Faz com que eu corra para casa — para passar por essa viagem e encontrar uma maneira
de vê-la. Falarei com a Doutora Packer para conseguir um modo de falarmos com a Simone, o que
dizer. É o momento de trazer a Lotus de volta para a minha vida, para a nossa vida.
Fico preso não tão paciente atrás de um caminhão lento que carrega canos enormes, até que
meus faróis iluminam uma corrente segurando os canos enquanto ela se solta. O tubo desliza do
caminhão na minha direção, vindo para o meu para-brisa.
— Merda!
Desvio, evitando o cano que pousa na estrada onde meu carro estava a meros segundos.
Outro cano desliza da carroceria do caminhão, quicando em uma trajetória que não previ. A
sequência inteira leva segundos, mas tudo retarda, arrastando-se lenta e terrivelmente. Dentro de
mim, embora, o acelerador acaba com tudo — as batidas rápidas e fortes do meu coração, o sangue
correndo em minhas veias como corredeiras e a respiração ágil e rasa cortando meu peito enquanto
meu corpo derrama adrenalina em cada órgão vital.
O volante escorrega em minhas mãos enquanto a caminhonete avança em direção ao
guarda-corpo. Na minha mente vejo Lotus segurando seu santinho, o rosto contorcido de medo e
amor, iluminado pelas luzes das velas, olhos fixos em mim sem se desviar. Tudo que escuto é ela
recitando urgentemente o Salmo que cai de seus lábios com a persistência determinada de gotas de
chuva pingando em um telhado de zinco.
É a última coisa que ouço antes do gemido, do estrondo e do amassar do metal colidindo
levarem tudo embora.
— Pronta para pegar a linha J? — Yari pergunta.
— Em um minuto. — Tiro o olhar do vestido que estou apertando para o JP. — Não é
lindo?
— Garota, sim. — Yari caminha mais para dentro do provador, onde as modelos
normalmente trocam de roupa. Embora eu esteja trabalhando em um manequim. — Para que é?
— Certa atriz de Hollywood quer usar isso quando receber o Oscar — murmuro, com
alfinetes na boca. — Temos bastante tempo, já que ela ainda não foi nomeada. — Compartilhamos
uma risada rápida. Levanto e estico-me, por causa do longo tempo de joelhos. — Vou pegar minhas
coisas.
Meu telefone toca no bolso enquanto estou andando para o meu cubículo. É o toque da Iris.
— Ei, Bo. Beleza? — pergunto, sinalizando para Yari que podemos continuar caminhando.
— Ligando para reclamar sobre quão faminto meu sobrinho é? Te avisei que a fórmula…
— Lo… — Ela suspira. — Não, eu, hm… Não é por isso que estou ligando.
O tom sério pesa em sua voz e me impede de entrar no elevador. Yari para também,
olhando-me com curiosidade.
— Ah — digo. — Você soa engraçada, Bo. O que está rolando? Tudo certo com as
crianças?
— As crianças estão bem. — Sua voz falha. — É, hm, é o Kenan, querida.
Todas as funções do meu corpo param. Ou, pelo menos, é o que sinto. O prédio inteiro, a
cidade inteira, o mundo inteiro parece parar por um segundo. Quero ficar nessa pequena janela de
tempo antes de eu saber quão ruim isso é, antes de ela me dizer algo que irá destruir meu coração e
arruinar minha vida.
— O que… — Limpo a garganta, mas o medo não se move. Um pavor intransponível me
pega e embrulha meu estômago. — O que tem ele? Ele está bem, certo? Iris, ele está bem?
O silêncio que se segue ressoa em meu ouvido. Afasto o telefone e pressiono contra o
peito, fechando os olhos e forçando-me a ouvir novamente.
— Lotus? — Iris chama. — Você está aí?
— Sim. Só me diz.
— Ele esteve em um acidente de carro.
— Mas ele está bem. Está vivo. Eu saberia se não estivesse.
O ceticismo da Iris me alcança do outro lado da linha — o mesmo ceticismo que recebo de
Kenan. Ela acha que eu invento isso — que peguei emprestado um pouco das coisas sem sentido da
MiMi idosa. Ela não entende. Nunca entendeu.
Minha alma saberia. Eu teria arrepios. A droga do céu se abriria e choveria fogo. De
alguma maneira, seja como for, eu saberia se Kenan Ross tivesse deixado esta terra.
— Ele está vivo sim. Está em cirurgia agora — Iris diz. — Mas é sério. Você precisa vir.
August está fretando um voo para te trazer aqui o mais rápido possível.
— Ok. — Meu corpo está uma confusão. Meu coração se estilhaçou em um milhão de
pedaços, mas minha mente está incrivelmente focada, como se eu estivesse vendo tudo de uma torre
de observação. Não está acontecendo comigo. Não pode estar acontecendo com ele.
Yari liga para a Billie, que nos encontra no aeroporto. Passo pelo meu apartamento e pego
minhas coisas. Alguns itens de vestuário, minha lancheira, sal, velas e o Santo Expedito. Estou
completamente preparada para me fazer de idiota. Estou pronta para o ceticismo e as acusações de
loucura, mas recuso-me a me importar.
Minhas amigas nunca viram esse meu lado. Elas me observam cuidadosamente enquanto
vou para o meu assento, segurando a pequena imagem em mãos e recitando o Salmo 35 até minha
boca ficar seca e áspera. Prossigo com a ladainha em minha cabeça, mal piscando ou respirando.
Organizo freneticamente tudo que MiMi me disse sobre vida, morte e cura. A vida após a morte. As
paredes translúcidas que separam o tempo da eternidade — como elas caem sem percebermos e
aqueles que amamos podem deslizar tão facilmente desta vida para a próxima.
— Ajude-me, MiMi — sussurro, a cabeça pressionada na janela fria enquanto
sobrevoamos as nuvens. Não há sinal de rosa. Nenhuma nuvem de algodão-doce no céu. — Você
disse que tenho seu coração. Verdadeiramente acredito que isso é tudo de que preciso. Não me deixe
perder as coisas que nossos olhos não podem ver. Preciso de você.
Lágrimas salgadas correm quentes e rápidas para minha boca e rezo ao redor delas. Abro
minha pequena lancheira/kit de costura e pego os bilhetes que Kenan me enviou. Há um que eu
necessito. Um a que eu me agarro.
“Coloque-me como um selo em seu coração, como um selo em seu braço; pois o amor é tão forte
quanto a morte, seu ciúme é tão obstinado quanto o túmulo.
Queima como fogo ardente, como uma chama poderosa.”
Cântico dos Cânticos 8, 6.
— O amor é tão forte quanto a morte — murmuro, os olhos arregalados, sem ver o oceano
abaixo. — O amor é tão forte quanto a morte. O amor é tão forte quanto a morte.
Esqueço-me das minhas amigas e só percebo que ainda estão aqui quando pousamos.
Preocupação une suas sobrancelhas e fecha suas expressões. Elas acham que estou enlouquecendo.
— Vamos lá — digo, sem mais explicações. — Temos que ir.
A corrida para o hospital é um borrão. Não olho pela janela, puxo conversa ou finjo que
não estou preocupada. Não tenho tempo para acalmar as preocupações das pessoas, suas dúvidas. No
Uber, pressiono a testa no encosto de cabeça do assento do passageiro e fecho os olhos, bloqueando
os sons da cidade e erguendo uma parede impenetrável ao redor da minha fé, minhas crenças, minhas
noções ferozes de vida, morte e o que for possível. Estou preparada para qualquer coisa. Mergulho
tão profundamente em mim mesma, buscando pelo coração que MiMi deixou para mim, que é como
se ela estivesse no carro comigo, não minhas amigas. Seu coração é minha herança. Meu direito de
nascença. Tomo posse certeira e silenciosa disso.
— Hm, chegamos — Billie avisa.
Abro os olhos e aceno. Uma chuva leve cai enquanto o carro para na entrada da
emergência do hospital. Nós três descemos, levando nossas malas conosco. Ao chegarmos à sala de
espera, August e uma mulher mais velha que não reconheço são as primeiras pessoas que vejo. Mack
Decker, presidente de operações que conheci em alguns eventos com August, está sentado em um
canto com o telefone pressionado no ouvido. Iris fica de pé da cadeira quadrada na sala de espera.
Com a visão da minha prima, o frágil controle que eu tinha sobre minha compostura desliza e um
soluço sai livremente da prisão em meu peito.
— Bo — falo, choramingando, quebrada.
Iris cruza a sala imediatamente e seus braços se fecham ao meu redor, o conforto que
esperamos e passamos uma para a outra desde que éramos crianças fluindo entre nós como um
bálsamo. Minhas lágrimas encharcam seu cabelo e permito-me amolecer. Compartilho o pesado
fardo em meu coração, extraindo forças dela que nem ela sabia que tinha.
Depois de alguns segundos, o padrão que MiMi trançou em meu cabelo há tanto tempo
formiga, os olhos na parte de trás decifrando o peso do escrutínio de alguém.
Viro-me do abraço da Iris para encarar a Bridget. Suas bochechas estão molhadas e
manchadas, mas ressentimento ainda queima da chama azul-gelo em seu olhar. Ela não me quer aqui,
mas terá que me arrastar deste hospital para se livrar de mim; e, se ela quiser me ouvir, aconselho a
nem tentar.
Um movimento por trás dela me distrai da nossa encarada. Na última vez que vi Simone,
ela não estava respondendo e um paramédico estava enfiando um tubo em sua garganta, entubando-a
para salvar sua vida. Seu rosto está marcado com preocupação e ela não parece muito melhor agora.
Ela desliza uma mão fina entre a da mãe, no que suponho ser um ato de solidariedade contra mim, a
inimiga jurada. Não consigo ter raiva dela — não posso culpá-la ou odiá-la. Ela é a coisa mais
preciosa no mundo do Kenan. Queria abraçá-la. O sangue dele corre em suas veias. Ela tem sua
boca, maçãs do rosto, DNA. Ela é a coisa mais próxima do homem que eu amo nesta sala e, se me
permitisse, eu daria a ela um abraço de quebrar os ossos e a encheria de beijos.
— Oi, Simone — cumprimento em vez disso. Estou pronta para a rejeição, mas aceitarei a
indiferença.
Antes que ela possa dizer qualquer coisa, um homem de jaleco branco segurando uma
prancheta se aproxima da área de espera. Ele olha para o pequeno grupo e fala, soando cansado:
— Parente próximo de Kenan Ross? — chama, as sobrancelhas inquisidoras levantadas.
— Aqui — a mulher mais velha que não conheço diz, ficando de pé e dando um passo à
frente. — Sou a mãe dele.
Outra pessoa que compartilha seu sangue — uma mulher que Kenan queria que eu
conhecesse. Nunca imaginei que seria sob essas circunstâncias. Nem nos meus sonhos mais loucos ou
nos pesadelos mais tortuosos.
— E eu sou a esposa dele… ex-esposa — Bridget emenda, tirando o cabelo do rosto,
fazendo a aliança que insiste em usar brilhar sob a forte luz florescente. — Essa é a filha dele. O que
pode nos dizer?
Aproximo-me para ouvir o que ele diz, porque elas podem se foder se acham que vão me
excluir.
— Ele passou bem pela cirurgia — o Doutor Madison, de acordo com o nome no jaleco,
informa. — Aquele ali é forte. Ele desviou para evitar os canos e milagrosamente sofreu poucos
ferimentos quando o carro bateu no guarda-corpo. Embora a lesão em seu torso tenha causado
sangramento interno extenso. Conseguimos controlar, mas é complicado e tem que ser monitorado de
perto. Se não parar, pode causar danos ao cérebro, parada cardíaca e uma série de disfunções nos
órgãos.
— Mas está sob controle? — pergunto, ignorando os três pares de olhos das mulheres Ross
que se viram para mim com a pergunta. — Ele vai ficar bem?
Posso vê-lo fazer os cálculos. Se a mulher mais velha é a mãe do Kenan, Bridget e Simone
são sua “esposa” e filha, então, quem eu sou?
Bridget me lança um olhar duro.
— Realmente não acho…
— Lotus é a namorada do papai — Simone diz, observando-me sem piscar. — Ela precisa
saber também.
A boca da Bridget se abre, mas a mãe do Kenan passa a mão pelo cabelo da Simone em
uma carícia e olha para mim.
— Ele falou muito de você — conta a Senhora Ross.
Ela quer mais netos.
Mordo o lábio, segurando o medo de nunca ser capaz de dá-los a ela. Aceno com a cabeça,
incapaz de formar palavras, e olho de volta para o médico, silenciosamente insistindo para ele
continuar.
— Então, sim — ele se dirige a mim e à minha pergunta. — Mas ainda não está fora de
perigo.
— Quando nós poderemos vê-lo? — pergunto.
Quando eu poderei vê-lo?
Preciso colocar meus olhos nele, ver aquele peitoral enorme subindo e descendo em
intervalos regulares e tranquilizadores.
— Ele acabou de sair da cirurgia — explica o médico. — Vai demorar um pouco. —
Lança um olhar preocupado para Simone, que parece estar sumindo, os olhos pesados. — Vocês
estão aqui há horas. Este é o momento perfeito para ir para casa, tomar um banho e dormir um pouco.
Quando vocês voltarem, poderão vê-lo.
Simone nega com a cabeça, o queixo em um ângulo de teimosia.
— Não, eu quero…
— O Doutor Madison está certo — a Senhora Ross interrompe com gentileza e firmeza. —
Vamos para casa tomar banho e descansar por uma hora, depois voltaremos.
— Mas vovó…
— Escute sua avó. — Bridget passa o braço por cima do ombro da filha. — Será por
pouco tempo.
Os ombros da Simone caem e ela demonstra seu desapontamento em cada linha do corpo.
— Conversaremos quando eu voltar — a Senhora Ross diz, com um sorriso cansado. —
Temos muito para aprender uma sobre a outra.
— Eu gostaria disso — respondo. Meus olhos vão até a Simone, desconcertada de
encontrá-la me encarando.
— Você o ama — diz; uma afirmação, não uma pergunta. Há uma seriedade nela que me
lembra muito do pai, meu coração se estende para o dela, como mãos em direção ao fogo,
procurando o calor.
Talvez não seja sensato, talvez desfaça tudo que trabalhamos para acertar com ela nas
últimas semanas, mas Kenan disse que ela estava melhor e que estávamos próximos, então vou
aceitar as palavras dele.
— Eu o amo muito — afirmo, lutando para manter minha voz equilibrada.
— Ele te ama também — Simone sussurra. Lágrimas se acumulam em seus olhos azuis, um
oceano de medo.
— Ele vai ficar bem — afirmo a ela, segurando seu olhar e torcendo para que sinta minha
fé. — Ele vai.
Encara-me de volta por alguns segundos antes de repousar a cabeça no ombro da avó.
— Vamos lá, Moni — pede a Senhora Ross. — Quanto antes formos, antes voltaremos.
Simone acena e segue a avó em direção à saída.
Bridget não as segue, mas para em frente a mim. Encaramos uma a outra, nenhuma das duas
fraquejando ou voltando atrás.
— Quando ele sair dessa — começa, a voz dura —, seja melhor para ele do que eu fui.
Choque me mantém completamente imóvel por um momento, depois eu suspiro. Não falo
nada, porque qualquer coisa que eu disser para a mulher que perdeu o melhor homem que eu conheço
seria errada, inadequada. Não há prêmio de consolação na Terra que poderia me satisfazer se eu
perdesse o Kenan. Não sei se ela ainda o ama ou se apenas se arrepende de alguém assumir o lugar
na vida dele que ela perdeu. De todo jeito, isso é obviamente difícil, então eu assinto,
silenciosamente garantindo a ela que ele terá o meu melhor. Sem outro olhar, ela segue o caminho que
a Simone e a Senhora Ross pegaram.
— Nós voltaremos — avisa por cima do ombro, virando no corredor e desaparecendo.
— Vá para casa, August — pede Iris. — Com Michael e Sarai. Libere a babá. Eu aviso
quando ele acordar.
Esqueci que August estava aqui — esqueci Yari e Billie, enroladas nas cadeiras duras,
lutando para não dormir. August me dá um aperto tranquilizador rápido, depois vai embora.
— Oi, Lotus — cumprimenta Decker. — Não tenho certeza se lembra de mim.
— Sim, eu lembro — afirmo, conseguindo sorrir e aceitando a mão que ele oferece. — E
Kenan falou bastante sobre você, Deck.
— Digo o mesmo. — Decker aperta minha mão. — Preciso reportar à equipe, mas queria
pelo menos dizer oi. — Ele se inclina perto o suficiente para sussurrar: — Ele é uma ótima pessoa.
Fará você feliz.
Lágrimas surgem em meus olhos e meu sorriso se abre.
— Eu o farei feliz também.
Decker sorri para mim.
— Ele merece.
E depois ele se vai. A sala fica rapidamente vazia, todos aceitando o conselho do Doutor
Madison, mas não consigo sair. Não vou.
— Você está bem? — questiona Iris, estudando-me de perto.
— Sim. — A exaustão que ignorei desde que pousamos em San Diego cai sobre mim como
uma pilha de pedras, mas não quero dormir. — Acho que vou tomar um pouco de ar para espairecer a
mente.
— Eu poderia pegar um ar também — Billie diz, ficando de pé.
— Vou junto — Yari avisa.
— Vou ligar para a babá. — Iris pega o telefone do bolso do jeans. — Sei que August está
indo para casa, mas preciso falar com ela.
— Voltamos já — anuncio.
Uma vez do lado de fora, o “ar” que Billie precisava é uma pausa para fumar. Yari e eu
paramos a uma respirável distância de suas baforadas nocivas. É mais tarde do que percebi. Ou
melhor, mais cedo. Está amanhecendo. Chegamos no meio da noite e o sol já começou a subir,
iluminando outro dia. Um torno marcado por ansiedade e medo ainda me segura pela garganta, mas, a
cada minuto que passa, eu respiro com mais facilidade. Ele ainda não está fora de perigo, mas ficará.
Evitando complicações, irá se recuperar. Agarro-me a isso e tento limpar a mente dos cenários que
me torturavam enquanto tentava chegar a ele.
— Que bom que a chuva parou — Yari comenta, inclinando-se contra a parede de tijolos a
poucos passos da ponta acesa de cigarro da Billie.
— Eu sei. — Billie dá um longo trago. — Era para nunca chover no sul da Califórnia.
Estou prestes a concordar quando escuto. O fraco sussurro que aprendi a confiar.
Olhe para cima.
E vejo o que só tinha visto uma vez antes. A coisa que a maioria nunca presencia na vida,
eu vi duas vezes. As cores começam a queimar, um presságio cruzando as nuvens. Um arco-íris de
fogo.
— Não. — A palavra se ejeta do meu corpo. Uma negação. Uma réplica à profecia do céu.
— Não.
— O quê? — Billie questiona. — Não o quê?
Nem respondo. Não posso. Corro de volta para a entrada do hospital e pelo corredor,
minhas pernas e braços bombeando, meu coração explodindo. Viro em uma curva para a sala de
espera. Iris está sentada lá sozinha, ainda conversando com a babá, presumo.
— Iris — digo, em uma respiração rápida e aterrorizada. — Algo está errado. Tenho que ir
até ele agora.
Seus olhos se arregalam, ela diz um adeus apressado e encerra a ligação.
— Mas o médico disse…
— Não ligo para o que a droga do médico disse — grito, começando a ir pelo corredor
que vi o Doutor Madison pegar, arrastando Iris comigo.
— Espera! — Iris resiste, afunda o salto no chão e para. — Você ouviu o Doutor Madison.
Não podemos vê-lo ainda. Apesar de não ter complicações…
— Preciso que venha comigo, Iris. Por favor, cale a porra da boca e me ajude a encontrá-
lo.
Yari se apressa, o peito arfando.
— Lo, o que há de errado?
— Se você puder se acalmar — Iris pede suavemente — e me dizer o que…
— Não vou me acalmar — grito, ignorando os olhos arregalados delas e as bocas abertas.
— Há algo de errado. Eu sei disso!
Billie vira no corredor, freneticamente estudando nossos rostos.
— O que eu perdi? O que está errado?
— Lotus quer ver o Kenan agora — explica Iris. — Mas, querida, não podemos vê-lo
ainda. Nós…
— Venha comigo — imploro, minha voz quebrando em um suspiro. — Preciso de você,
Bo.
Seus olhos travam nos meus e algo, não ligo para o quê — meu desespero, nosso vínculo
de vida, o desejo de me acalmar —, a persuade e ela acena.
— Não entendo. — O suspiro da Iris é resignado. — Mas vou com você.
— Obrigada — sussurro, puxando-a pelo corredor comigo. — Muito obrigada.
Passo correndo pela mesa da recepção, ignorando a mulher gritando para eu parar. Checo
cada sala, espiando pelas janelas e empurrando portas.
— Lotus, você não pode fazer isso — Iris sussurra um aviso por trás de mim. — Consegui
que a recepcionista esperasse para ligar para a segurança, mas você vai fazer nós duas sermos
chutadas daqui.
Ignoro-a e continuo caminhando, até que arrepios se espalham pelos meus braços. Meus
passos vacilam e minha respiração fica rasa enquanto um frio percorre minha pele.
— É esse aqui — falo baixinho.
Abro a porta, assustando a equipe médica com um desfibrilador posicionado no peito do
Kenan. Meu homem magnífico, uma estrutura massiva mal contida pela cama do hospital. O espectro
daquela noite, daquela premonição na casa da MiMi, não se compara à realidade de ver meu amado
parado e sem vida. Por um momento, não tenho palavras e posso apenas fazer o som de um animal
capturado. Estou presa e indefesa.
Mas apenas por um momento.
— Faça isso — peço, apontando para o desfibrilador.
— Senhorita, não pode ficar aqui — diz o Doutor Madison gentilmente, nem se importando
em questionar por que eu invadi o caos da sala. — Já fizemos isso diversas vezes.
Ela dizia que você era a mais forte de nós. Disse que todo o poder que nós não quisemos
passou para você.
As palavras da tia Pris voltam para mim, estimulando-me, aumentando minha confiança.
— Não fizeram comigo aqui — declaro bruscamente. — Faça de novo. Só faça, por favor.
Faça de novo. Faça de novo.
As palavras se tornaram um cântico, um encantamento saindo dos lábios de uma mulher
louca.
— Quebraremos as costelas dele se continuarmos as compressões — uma enfermeira avisa
ao Doutor Madison.
— Se ele estiver morto — solto —, vai importar se as costelas estiverem quebradas? Faça
alguma coisa. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor.
— Ok. — O médico tira o olhar do equipamento para a técnica. — Prepare-se para fazer
novamente.
Agarro a mão da Iris e olho em seus olhos.
— Preciso que você acredite.
— Acreditar no quê?
— Que ele vai conseguir — digo, mal conseguindo vê-la pelas lágrimas borrando minha
visão. — Quando você estava no hospital e Michael não nascia, nós demos as mãos. A médica disse
que seu corpo teve uma onda de poder.
— Sim — concorda. — Mas foi…
— Fomos nós. — Aperto a mão dela. — Preciso de uma onda de poder, Iris. O poder de
uma linhagem contínua.
— O poder de quê? — Iris murmura, consternação em seu belo rosto.
— Afastem! — a técnica grita, usando o desfibrilador e fazendo o torso do Kenan saltar.
Nada acontece.
Agarro os dedos da Iris com uma das mãos e o Santo Expedito na outra.
“Coloque-me como um selo em seu coração, como um selo em seu braço; pois o amor é
tão forte quanto a morte”.
— Afastem!
E você sempre estará comigo, não é?
Sim. Sempre.
Sempre estarei com você também, Kenan.
— Afastem!
— Lotus, não está funcionando — fala Iris, contorcendo os dedos em meu forte aperto.
— Não, deixe para lá. — Viro-me para ela, desespero fazendo minha voz ficar mais afiada
e aguda. — Por favor, não solte. Olhe para mim.
Ela o faz, e o medo e o desânimo em seus olhos eu combato com a fé, com a confiança a
qual posso não ter direito, mas tomo como minha. Por ele. Eu preciso.
— Sinta minhas palavras em sua boca — peço a ela, esperando, rezando, implorando que o
canal em nosso sangue o salve. — Sinta meu poder em suas veias. É o poder da linhagem contínua.
Duas mulheres da mesma linhagem juntas. Há poder nisso.
— Estou tentando, Lo — garante. — Acreditar.
— Tente mais forte! — demando, minha voz se erguendo acima do bipe das máquinas e do
pânico contido da equipe médica.
— Sem mudança — Doutor Madison murmura com gravidade.
Meu sangue, meu corpo, meus pensamentos — frenéticos.
— Esta é a maior amarelinha da minha vida, Iris. Preciso que você acredite.
Essa palavra, amarelinha, é sagrada para nós, nossa aliança. O medo some dos olhos da
Iris. E se não for a fé que assume, é pelo menos uma determinação. Posso trabalhar com isso.
— Você sabe quem eu sou — sussurro, com as lágrimas descendo dos meus olhos, riachos
de desespero. Meu rosto se contrai e meus ombros tremem. Minha cabeça pende, mas minha fé se
mantém forte. — A alma desse homem está em jogo. Estou aqui para tornar meu julgamento
conhecido. Estou aqui para colocar uma pedra no lado da…
— Afastem!
— Vida!
— Afastem!
— O amor é tão forte quanto a morte — sussurro. — O amor é tão forte quanto a morte. O
amor é tão forte quanto a morte.
— Afastem!
— O amor é tão forte quanto a morte.
— Botão.
Essa palavra resmungada é tudo que posso soltar da minha garganta, tão seca e queimando
como o Saara.
— Senhor Ross, está acordado. — Uma enfermeira de cabelo grisalho sorri e põe um copo
em meus lábios. — Beba um pouco. Lentamente.
Estou conectado a pelo menos duas máquinas, pelo que posso dizer. Tudo está nebuloso,
como se uma camada de gelatina tivesse sido colocada por cima do quarto. Minhas palavras, meus
movimentos — tudo está mais lento e cada respiração me custa. Sinto-me deslizando de novo, mas
luto para me manter consciente.
— Botão — falo de novo, mas não sei por quê. Não consigo entender nada. Não consigo
colocar nada disso no lugar. — Quanto tempo? — pergunto para a enfermeira. — Dormindo?
— Três dias. — Ela verifica o tubo em que corre um líquido para o meu braço. —
Tivemos que sedá-lo.
— Três dias? — pergunto, incrédulo. — Isso não é possível.
— Às vezes, você descansa melhor e se cura mais rápido quando está dormindo.
Tento sentar, mas uma dor afiada cruza o meu peito.
— Merda — murmuro fracamente, tocando meu peito.
— Você tem umas poucas costelas quebradas — a enfermeira avisa.
— Foi uma jogada suja? — questiono, minha voz rouca. — Alguém me bateu na quadra?
— Não, Senhor Ross. — Suas sobrancelhas franzem com concentração enquanto ela
verifica as máquinas e os tubos conectados a mim. — Você não estava jogando basquete. Esteve em
um acidente de carro. Seu corpo passou por muita coisa. Vai levar algum tempo para todas as suas
memórias voltarem para o lugar, mas acontecerá.
— Ok — murmuro, afundando mais na cama.
— O médico vai querer examiná-lo. Eu já volto — diz, saindo do quarto.
— Você quebrou a regra. — A voz rouca vindo do canto sombreado penetra minha névoa,
assustando-me. — Você só deveria me chamar de Botão quando estivermos sozinhos.
— Lotus? — Tento sentar, mas aquela pontada de dor no meu peito me deita de volta,
imobilizando-me nos travesseiros.
— Ei, calma. — Ela vem para o meu lado e pressiona meus ombros de volta para a cama.
— Você passou por… — Sua voz se quebra e olho para cima, para encontrar seus olhos brilhando
com lágrimas. — Você passou por muita coisa — finaliza, os lábios tremendo em um sorriso.
— Pelo que eu passei? Não sei nem como cheguei aqui. Eu estava dirigindo, né? Lembro-
me disso agora.
— Você não… — Ela fecha os olhos e respira profundamente antes de olhar de volta para
mim. — Você estava dirigindo de Laguna Beach.
— Laguna Beach? Por que diabos eu… — Memórias invadem minha confusão. Uma
cascata mortal de canos de cimento do caminhão na minha frente. Uma batida. Vidro quebrando. O
ruído do metal amassando. — Simone.
Forço-me em uma posição sentada e um dos tubos em meu braço repuxa com o movimento.
Merda! Isso dói.
— Pare. — Lotus me empurra de volta para a cama. — Simone está bem.
— Mas eu a estava levando para… algo. Não consigo lembrar.
— Um acampamento de dança — responde, mordendo o lábio inferior.
Minha cabeça dói. Faço careta, tentando com força me lembrar de qualquer um dos eventos
que me levaram ao acidente, mas está tudo uma mistura de imagens e flashes que não consigo
organizar em uma linha do tempo.
— É um milagre os seus ferimentos não serem piores — explica. — Você sofreu um
sangramento interno significativo.
— Sofreu mesmo — um médico diz da porta, seguido de perto pela enfermeira. — Você
tem muita sorte de estar vivo, Senhor Ross.
O doutor me examina e avisa que ficarei aqui por pelo menos outra semana, se não mais.
— Doutor, quando poderei voltar para as quadras?
Os três pares de olhos me encaram.
— Hm… — O médico limpa a garganta. — Seu time me contatou perguntando a mesma
coisa. Tenho conversado com o médico dos Waves e, na verdade, vou dar uma coletiva de imprensa
hoje para reportar o seu caso.
Esse é o padrão quando alguém como eu está hospitalizado — alguém que tem um monte de
apólices de seguro garantindo ao meu time que eles não perderão dinheiro em seu investimento: meu
corpo.
— Não temos certeza de quando você estará pronto para jogar — o médico fala
vagamente. — Como eu disse…
— Sim, o sangramento interno. Eu ouvi você, mas não estou sangrando agora, né? —
pergunto. — Então, quando? Este é o nosso ano de chegar aos playoffs e isso não vai acontecer se eu
estiver fora por muito tempo.
— Isso é tudo, doutor? — Lotus pergunta, seu tom afiado como um bisturi. — Quer dizer,
tem mais alguma coisa que precise dele?
— Não desta vez.
— Pode nos dar um minuto então? — Ela coloca um sorriso rígido naquela boca bonita.
— É claro. — Ele acena para a enfermeira e os dois deixam o quarto.
— Escute aqui, Kenan Ross — Lotus começa, os olhos apertados e os lábios em uma linha
fina. — Você quase morreu. Está me ouvindo? Morreu.
— Entendi — respondo, estremecendo com a dor no resto do meu corpo do impacto
absorvido. — Mas não morri, então preciso voltar à minha vida. Ao meu trabalho, baby. Não posso
desapontar meu time.
— O que você precisa fazer é descansar e se curar, e você não vai retornar à quadra nem
sequer um minuto antes de o médico se sentir absolutamente confiante de que você está pronto. Quem
você não vai desapontar é a sua filha, que quase o perdeu. — Sua voz se quebra e ela cobre os olhos
com a mão trêmula. — E sua namorada, que quase o perdeu e não pode — fala, lágrimas saturando
suas palavras —, sob nenhuma circunstância, passar por aquilo novamente.
Fraco como estou, consigo puxá-la para perto. Apesar dos fios e tubos, ela enterra a
cabeça no meu pescoço e encharca meu pijama de hospital com suas lágrimas.
— Você está certa — afirmo em seus cabelos, afastando-os do seu rosto. — Vou dar o meu
tempo, ok? Serei cuidadoso.
— Não posso te perder. — A cabeça dela sacode. Suas palavras sacodem. — Tentei te
dizer.
Olho além dela, para o chão, onde algo atrai e prende minha atenção.
— É por isso que há um círculo de sal ao redor da minha cama de hospital? — questiono,
metade sorrindo, metade surtando.
— Eles não me deixaram usar as velas. — Ela funga, com uma risada fraca. — Código de
incêndio.
— Meu Deus, eles vão internar você, baby.
— Não. Eles, na verdade, acham que eu consigo trazer as pessoas de volta à vida.
— Por que eles pensariam isso?
Ela dá de ombros, o olhar de cordeirinho.
— Baby, não faço ideia.
“Olhe para ela agora.
Ela se levanta de seu deserto de dificuldades, apegando-se ao seu amado.”
Cântico dos Cânticos 8, 5
Jantar. Hoje à noite.
Pressiono o cartão com as palavras quase ilegíveis de Kenan em meus lábios. É apenas
papel e tinta, mas provo a doçura do homem por trás disso. Sua sinceridade e amor me envolvem.
Mesmo quando estamos a milhares de quilômetros de distância, sinto a proteção de seus braços.
Embora seja bom não estar a 6,5km dele hoje. Além de negociarmos um relacionamento à
distância, temos tentado acostumar Simone ao fato de nós dois sermos um casal e manter as carreiras
exigentes dos dois. Os últimos sete meses têm sido agitados, felizes e, às vezes, bem difíceis. E ainda
há muita transição pela frente. É bom estar aqui em San Diego, mesmo que não possa ficar por muito
tempo.
O que me lembra que…
Yari: Lo, você PRECISA perguntar ao investidor em sua cama se ele quer
entrar em suas calças… Aquelas que você desenha, é claro. Okurrrr!
O que foi que eu disse sobre dar uma de Cardi B? Hahaha! E NÃO! Não
vou pedir ao Kenan para investir na gLo. Esqueça isso. Podemos ter
certeza de que nossa merda está resolvida para que eu não tenha que pedir
ao meu namorado para nos salvar? Vlw.
Sim. Estão na casa do Kenan. Vou levá-las para LA na semana que vem.
Vocês vão procurar um apartamento enquanto estiverem lá?
Billie: Afirmativo!
Yari: Fui!
Billie: Tchaaau.
[20] Jogo de mímica em que cada time precisa descobrir a palavra nas cartas.
No Top 30 dos mais vendidos da Amazon, Kennedy Ryan escreve para mulheres em todas
as etapas da vida, empoderando e colocando-as firmemente no centro de cada história, como
responsáveis de seus próprios destinos. Seus heróis respeitam, cuidam e perdem a cabeça pelas
mulheres que capturam seus corações.
Ela é esposa do seu marido de longa data e mãe de um filho extraordinário. Sempre se
aproveitou de sua experiência no jornalismo para escrever para caridades e organizações sem fins
lucrativos, mas gosta mais de escrever para aumentar a consciência sobre o autismo. Colaboradora
da revista Modern Mom, a escrita de Kennedy já apareceu no Chicken Soup for the Soul, USA Today
e vários outros. Como fundadora e diretora executiva de uma fundação que atende famílias de Atlanta
que convivem com o autismo, ela apareceu no Headline News, Montel Williams, NPR e outras
vitrines midiáticas como defensora de famílias que convivem com o autismo.
Obrigada sempre parece insuficiente para esta parte da caminhada.
O fim.
O longo caminho para chegar ao fim de cada história é pavimentado pela generosidade e
pelo apoio de muitos. Primeiro, tenho que agradecer aos sobreviventes que compartilharam suas
histórias comigo enquanto eu buscava entender a dor da Lotus e sua cura.
Vocês sabem quem são e tenho uma dívida de gratidão com todos.
E para Ceedee Gaddis, especialista em saúde mental, obrigada por entrar no coração e na
mente da Lotus para se certificar de que documentamos sua jornada de cura com sensibilidade e
compaixão.
Há muitos autores, blogueiros e leitores para nomear por terem me ajudado. Esquecerei
alguns, com certeza, então obrigada a todos. Estou especialmente grata à Brittany, Vanessa, Joanna e
Shannon, que lideram minha equipe de divulgação tão bem e com tanta graciosidade.
Para minha equipe de divulgação (Kennedy’s Krew, BlockStars, Pinkballerz e Kennedy’s
Crusaders) e leitoras betas, obrigada por investirem ao longo do trajeto no que essa história se
tornou.
Para a Jen, do Social Butterfly PR, e a Tia, do Honey Magnolia PR, vocês duas estiveram
lá quando precisei. Significa muito e foi muito encorajador para mim. Sua ética de trabalho e sua
dedicação são sem iguais e me provocaram a me pressionar, mesmo quando eu não queria. Obrigada!
Para Brooklyn Mavens (IG: @bklynmavens), obrigada por amar o Brooklyn tão
profundamente e dividir esse amor comigo!
E, como sempre, obrigada aos meus garotos. Meu marido e filho, que me emprestam para
os meus sonhos todos os dias. Amo vocês mais do que posso dizer. Mais do que a mim mesma.
E, finalmente, queria mencionar que essa história foi concluída meses antes que o
documentário Leaving Neverland fosse ao ar. A referência à música do Michael Jackson não era
para ser insensível de jeito nenhum.
Obrigada por lerem! Beijos!
A The Gift Box é uma editora brasileira, com publicações de autores nacionais e
estrangeiros, que surgiu no mercado em janeiro de 2018. Nossos livros estão sempre entre os mais
vendidos da Amazon e já receberam diversos destaques em blogs literários e na própria Amazon.
Somos uma empresa jovem, cheia de energia e paixão pela literatura de romance e
queremos incentivar cada vez mais a leitura e o crescimento de nossos autores e parceiros.
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Sumário
1. Início
2. Nota da autora
3. Prólogo
4. Capítulo 1
5. Capítulo 2
6. Capítulo 3
7. Capítulo 4
8. Capítulo 5
9. Capítulo 6
10. Capítulo 7
11. Capítulo 8
12. Capítulo 9
13. Capítulo 10
14. Capítulo 11
15. Capítulo 12
16. Capítulo 13
17. Capítulo 14
18. Capítulo 15
19. Capítulo 16
20. Capítulo 17
21. Capítulo 18
22. Capítulo 19
23. Capítulo 20
24. Capítulo 21
25. Capítulo 22
26. Capítulo 23
27. Capítulo 24
28. Capítulo 25
29. Capítulo 26
30. Capítulo 27
31. Capítulo 28
32. Capítulo 29
33. Capítulo 30
34. Capítulo 31
35. Capítulo 32
36. Capítulo 33
37. Capítulo 34
38. Capítulo 35
39. Capítulo 36
40. Capítulo 37
41. Capítulo 38
42. Capítulo 39
43. Capítulo 40
44. Capítulo 41
45. Capítulo 42
46. Capítulo 43
47. Capítulo 44
48. Capítulo 45
49. Capítulo 46
50. Epílogo
51. Sobre a autora
52. Agradecimentos