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Copyright © 2023 Priscilla Averati

Todos os direitos reservados

Capa: Thainá Brandão


Revisão: Mariana Acquaro
Diagramação: Priscilla Averati

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma


ou quaisquer meios eletrônicos, mecânico e processo xerográfico, sem
autorização por escrito dos editores.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
SINOPSE

PLAYLIST

NOTA DA AUTORA

GLOSSÁRIO

EPÍGRAFE

DEDICATÓRIA

PRÓLOGO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34

CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37

CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 39

CAPÍTULO 40

EPÍLOGO

AGRADECIMENTOS

ENTRE EM CONTATO

SOBRE A AUTORA

OUTRAS OBRAS
Na pacata Silent Grove, uma cidade envolta em mistérios sombrios e tradições
antigas, Liam Ashbourne é muito mais que o quarterback badboy e herdeiro. Por
trás de sua fachada de jogador popular rebelde, Liam carrega um segredo que pode
mudar o destino da cidade e de seus habitantes.

Com a chegada de Harper M. Lawson, tudo ganha novos rumos, afinal a jovem
forasteira desconhece as regras e suas origens parecem torná-la um alvo de todo
mistério que envolve a cidade.

Os segredos do passado começam a ser revelados. O destino do local e da


desconhecida estão em jogo.

Passado e presente convergem prometendo fortes emoções e, quem sabe, juntos,


eles possam reescrever os rumos da misteriosa cidade.
E de suas vidas.
Ele é o alpha e precisa cumprir seu destino.
Ela, não parece nada disposta a ser a princesa na torre, esperando ser salva pelo
príncipe encantado.
Embora Liam Ashbourne, esteja distante de ser um príncipe. Talvez, nessa
história, ele seja o lobo. Nem tão mal assim.
Para ouvir:
1 | Abra o app do Spotify;
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4 | Aponte para o código abaixo:

Aproveite!
Oiiie, querida leitor(a)!!!

Antes de começar a ler, vamos de aviso? É importante iniciar essa leitura


de mente aberta, já que esse romance tem um bocado de fantasia. Então, esperem
situações inusitadas e desconhecidas. Além disso, nesse universo mágico e
fantasioso, talvez as coisas não sejam como as conhecemos ou lemos
anteriormente.
Se lembrem de que, assim como todos nós, os personagens não são
perfeitos. São jovens na faixa dos vinte anos, com suas marcas do passado, medos
diversos e aptos a algumas presepadas, afinal, quem nunca?
ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para menores de
dezoito anos. Contém palavras de baixo calão, violência, conteúdo sexual, e
conduta inadequada de personagens.
PS: Caso você tenha adquirido essa obra de forma ilegal por qualquer
outro meio que não seja a Amazon/Kindle Unlimited, saiba que esse tipo de
compartilhamento não foi autorizado por mim e é uma violação dos direitos
autorais.
Como sempre, a seguir teremos um pequeno glossário para ajudar em
algumas referências que eu costumo trazer em meus livros.
Espero que se apaixonem por esse casal como eu e mergulhem de cabeça
nessa aventura. Bem-vindos à pequena e pacata Silent Grove.
Ah! E se você puder, avalie o livro, evitando spoilers.
Divirta-se!
Com amor,
Priscilla Averati
Averty: Fictício reino europeu criado pela autora para sediar suas estórias.
Famoso pelos seus alpes e clima ameno, ele é o palco da maioria das estórias do
Averativerso a partir de 2022.
MontZaffir: É a capital de Averty e o local onde a família real reside.
MontBianc: Cidade universitária mais ao interior de Averty.
“ Por amor, tudo é possível.”

Sarah J. Maas
A todos aqueles que sonham.
E às minhas Amoras.
Era apenas mais uma noite — é o pensamento que recorre em minha
mente.
Desesperada, com as mãos trêmulas e ainda sem acreditar que algo assim
esteja realmente acontecendo, eu corro. Corro com todas as minhas forças pela
floresta, tentando me desviar dos galhos baixos que arranham meu rosto e meus
braços, enquanto o lobo de pelos brancos, saído diretamente dos meus pesadelos,
me persegue de perto, rosnando e uivando de tempos em tempos, com os dentes
enormes e ameaçadores cada vez mais próximos de mim.
A lua cheia ilumina parcamente o caminho, enviando fachos cada vez
menores de claridade ao meio da floresta, que parece se fechar cada vez mais ao
meu redor, ou talvez seja só o medo falando mais alto.
O lobo rosna de novo, ainda mais próximo, aumentando meu desespero.
Apavorada, consigo até mesmo antecipar a dor do que acontecerá comigo, se ele
conseguir me alcançar. Suando frio, enquanto os músculos das minhas pernas
queimam e falham como meus pulmões, tropeço em raízes, pedras e em mim
mesma. Um grito escapa da minha garganta quando um uivo terrível atravessa o
lugar, como uma promessa velada de que, não importa o quanto eu fuja, me
encontrar é apenas uma questão de tempo. Ignoro a dor das minhas mãos feridas, o
ardor em meus joelhos e, quando caio mais uma vez, vejo sangue. Não, não!
Sangue, não! Me levanto rapidamente e, quando olho para trás, não vejo mais a
fera que me persegue, mas não paro de correr, não agora, quando não o vejo mais.
Corra, Harper, corra! A angústia me consome e, envolvida em minha
necessidade de escapar, e com o coração a mil, tropeço de novo entre as raízes
altas de uma árvore frondosa, então, quando algo pontiagudo acerta a lateral da
minha cabeça, sinto-a girar por um momento, antes de ouvir os sons de algo se
partindo sob pés, — ou patas, provavelmente — que se aproximam de mim.
É isso: Ele me encontrou. É o meu fim.
Ainda tonta, choramingo, mas não me entrego, agarro com força a primeira
coisa que encontro — uma pedra — e estou em vias de me levantar quando a luz
da lua retorna, me permitindo vê-lo parado ali, à minha frente, com suas roupas
pretas de sempre e o sorriso debochado e irritante em seu rosto, quase perigoso,
mas, ainda assim, lindo, como os monstros dos meus pesadelos.
— Encontrei você.
Se, há um ano, me dissessem que eu estaria me mudando para uma
cidadezinha no interior do país, eu gargalharia com vontade. Impossível! —
Acrescentaria, e depois, provavelmente, faria uma comparação entre situações
igualmente improváveis e ridículas.
Não é esse o caso agora.
— Eu consigo ouvir seu cérebro brilhante daqui, Moonzinha — minha
mãe, a pessoa excêntrica por trás do volante do carro que alugamos no aeroporto
da cidade mais próxima, declara. — Se quiser voltar para casa, é só falar, que viro
esse carro agora mesmo.
Mas essa não é uma opção.
— Já conversamos sobre isso, mãe. — Encaro a paisagem da janela. Pelo
menos, a parte que ainda não está coberta pela neblina do fim da tarde.
Quase oito horas de viagem de carro separam a capital, Montzaffir, da
pequena e sombria Silent Grove, uma cidadezinha ao sul do país, onde o sol não
parece ser bem-vindo e de onde minha mãe saiu muitos anos antes, para onde
estou me mudando neste momento.
Nem preciso dizer que não se trata da realização de um sonho meu, muito
menos dela, mas Marianne Lawson se casou com um homem decente — e podre
de rico — e merece ter tranquilidade em sua nova vida. E isso inclui: poder viajar
com ele sempre que necessário e viver contínuas aventuras em hotéis luxuosos.
No final, a data coincidiu perfeitamente com um aumento absurdo da
mensalidade da minha universidade, então, nada mais justo do que procurar um
lugar bom e não tão absurdamente caro e deixá-la curtir ao máximo a vida, depois
de se dedicar a mim durante anos, não é? Claro que o fato de Silent Grove ter um
dos melhores centros de pesquisa médica e um hospital universitário de ponta
também contou muito nessa decisão. Confesso que antes a ideia me parecia
bastante prática, inteligente e não tão terrível. Antes.
— Meu bebê, sempre tão obstinado! — a mulher, de fios curtos tão escuros
quanto os meus, exclama, tentando apertar a minha bochecha.
— Mãe, eu fiz vinte e um anos, já estou no segundo ano da faculdade de
medicina! — repito meu currículo para que ela entenda que não há bebê aqui.
Nenhum. Mas ela dispensa meu argumento com um estalar de língua, movendo os
braços cheios de pulseiras no volante do carro chique quando fazemos mais uma
curva.
— Sempre será meu bebê. Aceite. — Me lança um sorriso e um beijo,
antes de voltar a focar na estrada tortuosa, cercada por árvores altas dos dois lados,
enquanto a neblina densa cai sobre nós e ela suspira, desanimada. — Falta pouco
agora.
Aponta para as colinas ao longe, onde várias luzes vão se acendendo aos
poucos. De onde estamos, é uma visão charmosa, mas não me iludo, o lugar se
parece mais com um desses cenários de filme de terror do que com uma cidade
turística.
Silent Grove não é nenhuma dessas opções.
Porém, tem uma das melhores faculdades do país — a famosa Emberwood
University. Caríssima, mas que oferece bolsas de estudos de tempos em tempos e,
dessa vez, eu fui contemplada, milagrosamente, para algo que não envolvesse
açúcar em excesso ou passar vergonha em um parque. Embora Enzo Fedori, meu
padrasto, tenha se oferecido para pagar minhas mensalidades, recusei de imediato.
Ele já vai ter que lidar com as loucuras de dona Marianne e seus cristais,
certo?
— Moon — o tom embargado de sua voz me deixa alerta. — Você vai
ficar bem, não é?
Marianne Lawson, uma mulher linda na casa dos cinquenta anos, volta
toda a atenção dos olhos verdes para mim. Vou sentir sua falta de forma miserável,
eu sei, mas alguém precisava cortar o cordão umbilical em algum momento.
— Claro que vou, mãe. — Reviro os olhos, fingindo uma tranquilidade
que se perdeu há alguns quilômetros e que se dissipa cada vez mais, à medida em
que nos aproximamos do pontilhão que separa Silent Grove do resto do mundo. —
Não é como se eu estivesse me mudando para uma república, cheia de
universitárias malucas.
É. Tem isso. Nem tudo são flores na vida de Harper Moon Lawson. Ao
invés da típica insalubridade da vida universitária, nos alojamentos e repúblicas,
terei a tranquilidade e segurança de morar com tia Elinor, enfermeira-chefe do
hospital universitário, também conhecida por ser a irmã gêmea da minha mãe; e
sua filha, Victoria, que eu não vejo desde que ambas tínhamos uns sete anos e nos
despedimos brigadas, chorando por conta da última troca de beliscões e mordidas.
Aquela menina sabia ser selvagem.
Quando cruzamos o famoso pontilhão, observo um vulto rápido na
floresta, pela visão periférica, e um uivo alto e agourento corta o ar, enquanto um
arrepio esquisito percorre o meu corpo. Se minha mãe nota o animal, nada diz.
Seguimos adiante, observando a cidadezinha de arquitetura colonial e as casas
multicoloridas construídas nas encostas das montanhas, cercadas de florestas por
todos os lados. No alto, em pontos extremos, algumas mansões se erguem, como
se vigiassem a cidade, como em um conto de fadas ou num desses thrillers aonde
criaturas bizarras perseguem as pessoas que ousam sair após o anoitecer.
Um pensamento incrível para um início de noite, Moon.
Parabéns, nota zero.

Graças aos inúmeros avisos da minha mãe, não estranho quando paramos
diante do sobrado amarelo, no qual a porta vermelho-berrante chama atenção de
longe. Aparentemente, é uma marca registrada da minha família materna, a qual
tia Lin decidiu manter — a casa charmosa fica no centro da cidade, de frente para
uma espécie de rotatória.
Um pouco mais à frente, uma funcionária da pequena cafeteria recolhe os
bancos de madeira, empilhando-os sobre as mesas de metal por ali, sob o olhar
vigilante de uma idosa sentada em sua varanda, enquanto a moça parece se
preparar para encerrar as atividades antes das oito horas da noite. Fato que,
segundo minha mãe, é muito comum por aqui.
Simpática, como sempre, mamãe desce do carro e cumprimenta a mulher,
que poderia muito bem ser uma boneca de cera pelo modo rígido com que
responde e, como se tivéssemos combinado o horário, a porta se abre e uma versão
mais tradicional da minha mãe abre os braços para recebê-la. Assisto de longe o
momento de reencontro entre as irmãs, só me aproximando quando tia Lin estende
o braço em minha direção e me puxa para um abraço triplo.
— Tenho certeza de que dona Olga está feliz pela riqueza de detalhes dessa
cena emocionante — a voz debochada vem de algum lugar às costas da minha tia
— A cidade falará disso pelos próximos cinco dias, no mínimo.
— Ignorem a Vicky. — Tia Lin aponta para a garota bonita de cabelos
loiros e olhos castanhos que me cumprimenta com um aceno de mão, onde unhas
grandes e pontiagudas brilham em vermelho, mesmo com a neblina densa que
parece prestes a engolir tudo ali do lado de fora.
Nada de brigas com ela. Entendido.
— Vamos entrar! Venham! — Minha tia puxa minha mãe para dentro de
casa, as duas conversando animadas e ao mesmo tempo, nos fazendo rir da
empolgação adolescente das duas.
— Elas ainda vão ficar muito tempo nessa lua de mel, eu acho. — Vicky
aponta para as irmãs paradas diante da janela da cozinha, enquanto ainda estamos
do lado de fora. — Vem, eu te ajudo a pegar suas coisas. — A garota loira, usando
um conjunto colorido de frio, caminha até mim, voltando a olhar em direção às
duas mulheres conversando animadamente. — Elas merecem um tempo juntas.
— Eu não poderia concordar mais. — Sigo-a até o carro e abro a porta
para pegar a chave eletrônica no console, entre os bancos, esquecida ali graças à
cabeça de vento de dona Marianne, e abro o porta-malas.
A mulher de cera, do outro lado da rua, segue nos observando de longe
com a mesma expressão impassível em seu rosto marcado pelas linhas do tempo, e
noto quando ela retorce a boca levemente quando Victoria a cumprimenta com
uma alegria fingida. Se foi uma tentativa de sorriso ou efeito de um acúmulo de
gases, eu não saberia dizer.
Curiosa, observo as casas enfileiradas ao longo da rua e preciso admitir
que o lugar é bem charmoso. Enquanto tiramos todas as minhas caixas e malas de
dentro do porta-malas espaçoso, alguns carros passam por nós, observando tudo
com atenção, quase tão interessados no que fazemos quanto a idosa, que segue nos
acompanhando.
— Vou levando isso lá para dentro — minha prima declara, empilhando
uma caixa menor sobre todas as outras — Já volto.
O ronco alto e potente de uma moto soa em algum lugar perto, mas é
impossível ver qualquer coisa agora, por causa da névoa espessa que cobre o lugar.
Quando pego a última mala, o porta-malas se fecha e eu me desequilibro um
pouco devido ao movimento inesperado que quase se torna um acidente feio, em
que sou atropelada pelo sujeito da moto barulhenta, que xinga alto, antes de
acelerar pela rua e desaparecer na névoa que já invade quase que totalmente o
lugar, conferindo-lhe um ar sombrio, digno de filmes de terror.
— Meu Deus! Que babaca de merda! — reclamo, com o coração quase
saindo pela boca.
— Olhem para ela! Mal chegou e já está fazendo amizade? — Vicky, que
acaba de levar uma remessa grande de caixas, está de volta e puxa uma das malas
de rodinha atrás de si, enquanto tenta ver o idiota que acaba de passar —
Adeusinho, dona Olga! Você deveria entrar!
Olho para a idosa, agora já de pé; seus olhos muito azuis focados em meu
rosto quando a voz baixa, mas afiada, declara, de forma quase agourenta:
— Como eu sabia que aconteceria. Tenha cuidado, garota Lawson. — Olha
na direção em que o idiota mal-educado desapareceu, e então, aponta para a
mariposa feiosa que acabou de pousar em meu ombro, mas voa antes que eu tenha
um chilique. Eca. — Um mau presságio ou apenas mudanças à vista? — pondera,
enquanto o bicho voa ao redor do poste de luz.
— Não ligue para ela — Vicky dá de ombros, também olhando na direção
do inseto — A Sra. Olga Holloway considera ter uma gêmea como mau agouro. É
apenas uma das muitas superstições do povo daqui, você logo se acostuma.
Assim espero.
Olho em volta, assimilando o lugar novo mais uma vez, antes de entrar.
Toda essa neblina deixa tudo um pouco mais assustador. Ainda mais quando tenho
a impressão de avistar uma luz do outro lado da névoa pesada. Credo. Dispenso o
pensamento e sigo minha prima para o interior quente de sua casa. Agora, minha
nova residência pelos próximos anos.
E que Deus me ajude com isso.
Que dia do cão!
Mais uma reunião inútil com o prefeito idiota da cidade e todo o meu bom
humor — se é que posso chamar a ausência da vontade de socar alguém, dessa
forma — vai para o ralo.
Chad Graymane “pai” é um pé no saco, e ocupa oficialmente um espaço
cativo na lista das pessoas a quem eu pensaria duas vezes antes de ajudar, assim
como o meu amado pai que, hoje, um pouco antes desse compromisso dos
infernos, decidiu me pressionar mais um pouco para que eu assuma de vez o
comando do nosso povo. O prefeito parece concordar com ele e, agora, cismou de
ficar no meu pé.
Ainda mais depois dos ataques que começaram a acontecer nos arredores
da cidade nos últimos meses: na última semana, um campista desapareceu em um
trecho de floresta e não encontramos nem sinal do idiota perdido, além da sua
mochila. Dobrei a vigilância nos limites da cidade, mas isso não parecia ser o
suficiente para o homem na faixa dos cinquenta anos que me encarava detrás da
mesa de madeira, onde um porta-retrato repousa com uma foto sua com o Babaca
II, seu adorado filhinho, ao seu lado.
Não bastava apenas uma pedra no meu sapato, é claro.
— Deem um jeito nisso — ordena, baforando a fumaça fedorenta de seu
cigarro. — É o mínimo.
— Temos uma trégua entre nós e o compromisso com a cidade —
relembro ao homem, observando quando seus lábios formam uma linha fina. —
Mas não trabalhamos para vocês.
Quando a reunião finalmente acaba, não fico mais tempo do que o
necessário na grande mansão Graymane. Ainda assim, quando atravesso os
portões metálicos, é como se uma tonelada saísse dos meus ombros. Certeza de
que os fantasmas dos malditos antepassados do prefeito ficam prestes a implodir o
lugar, sempre que sou obrigado a entrar ali.
E já na rua, desfrutando do ar fresco da tarde, consigo relaxar, me sentindo
um pouco mais leve enquanto manobro minha moto pelas vias estreitas e já
desertas do centro da cidade, a caminho de casa, onde os idiotas que moram
comigo decidiram fazer uma festinha para celebrar o início das aulas. Logo, como
o líder que sou, tive que me virar e lidar com as merdas de pessoas adultas e
responsáveis, ao invés de estar bebendo e aliviando a minha tensão em um corpo
macio e quente.
Algo que se torna cada vez mais difícil para mim, infelizmente.
E é justamente nessa hora, em meio ao caos dentro da minha cabeça, que
preciso me desviar rapidamente da garota que se desequilibra ao tirar uma mala
quase de seu tamanho do porta-malas do carro ocupando grande parte da rua
estreita.
Sem noção pra caralho.
Ainda estou perto demais para ouvi-la me xingar de volta e franzir o rosto
em uma carranca raivosa, enquanto minhas mãos estremecem pelo estresse
acumulado após esse dia de merda. Praguejo mentalmente, mais uma vez, a garota
de cabelos escuros, presos em um rabo de cavalo alto, que espalha seu perfume
cítrico inebriante por todo o lugar.
Parado em meio à neblina espessa, respiro fundo, controlando meu
temperamento para não voltar e dar a ela uma aula de educação e bom senso, e
aproveitar um pouco mais do cheiro delicioso que ela exala.
Ser responsável é uma merda, penso, quando acelero a moto e a sinto
vibrar sob mim, me preparando para dar um susto na forasteira, mas não o faço.
Porque vejo o exato momento em que Olga Holloway, aquela bruxa velha, avisa a
ela que deveria tomar cuidado. Seja lá o que aquela velha viu, algo está para
acontecer, e já conheço o suficiente dessa vida para saber que as premonições da
mulher de cabelos acinzentados, escondidos sob o gorro, sempre se tornam
verdadeiras.
Não importa o quanto desejemos lutar. Espero que não seja nada que
envolva seu fim prematuro, seria um desperdício.
A porta vermelha se fecha com um baque seco no clássico sobrado
amarelo e eu acelero a caminho de casa, onde escolherei alguém que me ajude a
espairecer.
Tempo mal utilizado do caralho.
Indócil, e ainda com a imagem do rosto indignado da forasteira na
memória, subo a colina em direção à mansão secular que pertence à minha família.
Atravesso os portões metálicos com o “A” bordado ao centro e ignoro a
dezena de carros estacionada perto dos jardins e as pessoas aglomeradas diante da
porta principal da casa, preferindo me manter incógnito por um tempo.
Paro minha moto na garagem, aos fundos da propriedade — um celeiro
antigo que reformei para esse fim — antes de cruzar o terreno e entrar pelos
fundos na casa, aonde a festa parece estar rolando há algum tempo, se
considerarmos o idiota vomitando na horta de Eli.
— O capitão do time resolveu nos agraciar com sua presença? — Jas, que
por algum motivo está abraçado com uma garota morena de olhos ferozes, se
aproxima de mim, me entregando uma long neck.
— Foi uma noite longa do caralho — tomo um gole da bebida gelada e
logo, Viv, uma das nossas garotas, me agarra por trás, deslizando as unhas longas
pelo meu abdômen.
— O de sempre? — Jasper, com seu cabelo castanho atrapalhado e olhos
amendoados, meu segundo em comando e melhor amigo, questiona, ignorando-a
enquanto seus olhos percorrem a festa, garantindo que as coisas não saiam de
controle. Noto o momento em que franze o nariz, eu também mal consigo tolerar o
fedor daquela fumaça impregnado em mim. — Você tá fedendo, cara.
— Normal. — Me viro para olhar a ruiva que desliza uma das mãos sobre
a frente do meu jeans, enquanto seus lábios tocam os meus em um beijo bruto. —
Viv, sabe que isso não vai mais acontecer.
— Azar o seu. — Faz um beicinho desalentado. — Eu seria a escolha certa
— claro que ela diria isso. — Uma rainha digna.
Mas a conheço o bastante para saber que está longe de ser qualquer coisa
minimamente certa. Intransigente, como sempre, ela pega a garrafa da minha mão
e bebe todo o conteúdo num fôlego só, antes de se afastar, rebolando sua bunda
gostosa para longe de nós. Melhor assim.
— Talvez não aconteça nada, sabe? — Jasper, já vestindo o casaco do
Warrior Wolves, o aclamado time de futebol americano de Emberwood, pondera.
— Não seria a primeira vez que ficaria com ela.
— Ou talvez aconteça. — É uma das muitas merdas de ser quem eu sou, e
com toda essa cobrança sobre mim, não posso arriscar. — Jas, temos gente nova
na cidade.
Meu amigo ergue o rosto e me encara, alerta e curioso. Forasteiros sempre
são um problema, ainda mais quando alguns turistas ainda estão desaparecidos e
outros dois foram encontrados sem vida. Estraçalhados.
— Uma garota. — de repente, cada detalhe visto mais cedo é lembrado à
perfeição. Desde as botas escuras, na altura dos joelhos, o maldito casaco
vermelho, os cabelos escuros e os olhos acinzentados no rosto marcante. — Na
casa das Miller.
— Vicky tem visita? — O babaca vive se arrastando atrás da garota loira.
O que ele pretende com isso? Não sei dizer. As chances de dar certo são mínimas,
para não dizer inexistentes, mas não é como se ele pudesse evitar.
— Quero saber tudo sobre ela e quanto tempo ficará por aqui — corto o
assunto. — Agora, vou procurar um modo de me distrair.
— Divirta-se. — Jasper sorri, porém não demora muito para ele passar
rapidamente por mim, até um dos cantos escuros da sala.
Mack, um dos nossos melhores jogadores, parece estar ultrapassando
alguns limites com uma garota, ao mesmo tempo em que Eli, outro integrante da
linha ofensiva do time, sentado ao seu lado, parece bêbado demais para estar de
acordo com o que acontece ali. As maravilhas do ataque do Warrior Wolves.
— Mack, caralho! Você prometeu se controlar! — Jasper cruza o espaço
amplo e logo está tentando enfiar um pouco de juízo na cabeça de Mack, o
armário humano de pele negra, usando um lenço amarrado na cabeça sob o boné
escuro e que beija de forma muito sensual a garota pequena de cabelos escuros e
curtos, já despida da cintura para cima e sentada no colo de Eli; o idiota de cabelos
claros com cara de anjo, que observa a tudo sem parecer estar realmente “vendo”.
Não consigo evitar a gargalhada ao assistir Mack se defendendo de Jasper, apesar
de ter o dobro de seu tamanho. — Vão procurar a porra de um quarto!
Não fico para ver se atenderam a exigência de Jas, já que decido cumprir
meu plano e saio pelo salão espaçoso onde a festa segue a todo vapor em busca de
alguma distração. Algumas pessoas dançando ao som da música eletrônica que
domina o lugar, enquanto outras bebem e conversam, espalhadas por todo o local.
A maioria delas, bêbada demais para prestar atenção em mim, ou
preocupadas em se dar bem antes que a festa acabe. Ainda vestindo minha jaqueta
preta de sempre, ando pelo lugar à caça de alguém que não ofereça qualquer
perigo à minha condição recente e, na pista de dança, não demora muito para que
uma pessoa se aproxime, e menos tempo ainda para que eu conduza a garota de
longos cabelos castanhos, usando um vestido preto colado em suas curvas, para os
fundos da casa.
— Não deveríamos ficar aqui. — Os olhos esverdeados dela encaram a
floresta com receio. — Já está tarde.
— Acredite, eu sou o único risco nesse momento. — Ela sorri e bate de
leve em meu ombro, ainda encarando a escuridão que engole as árvores, sem saber
que não estou mentindo.
Nem de longe.
Enquanto desço os dentes pelo seu pescoço e enfio a mão dentro da renda
de sua lingerie, me aproveitando das facilidades de seu vestido, ela geme baixinho
contra a parede, mas há algo em minha cabeça que não me permite relaxar. Um
alerta ecoando sem parar. Bem, pelo menos até que ela desça a boca pelo meu
peito e então se ajoelhe à minha frente, abrindo a minha calça jeans.
Seja lá o que for. Pode esperar.
Uma caixa de incensos.
Debaixo do meu travesseiro, está a porcaria de uma caixa de incensos.
Minha mãe realmente precisa ser estudada.
Quando nos despedimos, quatro dias depois de chegarmos aqui, Marianne
me abraçou com força e lágrimas nos olhos, garantindo que, caso eu mude de
ideia, poderia ir morar com eles na capital, sem qualquer problema.
Mas disso, eu já sabia. A novidade ficou por conta das recomendações
estranhas. “Não saia de casa depois do horário e tenha cuidado com a floresta”.
O que só faz a ideia de que acabei vindo parar em um desses filmes dirigidos por
M. Night Shyamalan ganhar força e se tornar cada vez mais plausível. Começo a
pensar se, em algum ponto dessa floresta, existe uma vila cheia de gente esquisita,
mas espanto o pensamento. Não é como se eu precisasse de muito mais coisa para
me deixar cismada.
E, então, a surpresa final:
— Deixei um presente para você debaixo do seu travesseiro — ela disse,
com os olhos verdes brilhando, antes de me abraçar mais uma vez sob o olhar
vigilante da velhinha fofoqueira — Ah, meu bebê! Eu vou sentir tanto a sua falta!
Tem certeza de que não quer mesmo vir comigo?
É, por mais que eu tente, no alto da minha maturidade, não demonstrar,
vou realmente sentir falta dessa maluca que me abraça com força e se despede mil
vezes, antes de entrar no carro e partir rumo à viagem de três horas até o aeroporto
em Montbianc.
Já totalmente instalada em meu novo quarto; o antigo sótão da casa de tia
Lin se transformou rapidamente em meu refúgio seguro e charmoso, com o teto
rebaixado em algumas partes; brinco com o “filtro dos sonhos” que minha mãe
deixou pendurado diante da janela emperrada e sorrio para a caixa de incensos que
promete purificar a energia de qualquer lugar.
Abro um pouco a cortina escura que compramos ontem, em uma loja perto
dali, e logo vejo uma figura vestida de preto, ainda de capacete, parada do outro
lado da rua, diante da minha casa. Ele ergue um pouco a cabeça e, então, quando
percebe que foi flagrado, dá partida na moto, acelerando rumo à névoa que desce
no início de noite, enquanto dona Olga abre um sorrisinho esquisito, antes de focar
os olhos azuis e leitosos em minha janela.
Credo. Velhinha assustadora dos infernos.
— Eu, hein! — Fecho a cortina e abro a caixinha colorida, acendendo um
dos incensos em seguida, espalhando a fragrância adocicada por todo o lugar.
Melhor prevenir do que remediar.

Faltam apenas dois dias para o início das aulas. Dois dias e eu voltarei para
a normalidade dos meus livros e minha vida sossegada, ao invés de ser arrastada
através das incontáveis ruas da cidade, pela garota loira que se autointitulou minha
guia turística. Apesar do nosso histórico envolver muitos beliscões, mordidas,
gritos e ameaças de morte, Vicky tem se mostrado uma amiga animada e gentil,
além de ser a única por perto, já que acabei deixando toda a minha vida e amigos
em Montzaffir.
Não que fossem muitos, já que eu nunca fui uma pessoa super
comunicativa, mas sinto falta de Andy todos os dias, mesmo que aquele salafrário
não tenha respondido nenhuma das minhas mensagens desde que cheguei aqui.
Provavelmente, sua mãe deve ter investido, mais uma vez, na desintoxicação
tecnológica durante as férias familiares. A última tentativa, quase levou o Sr.
Thompson, pai de Andy, ao hospital, fato que, segundo a Sra. Thompson, apenas
serviu para mostrar que era algo absolutamente necessário, já que a tecnologia está
viciando as pessoas e transformando-as em robôs.
O que não deixa de ter um fundo de verdade, no fim das contas.
— Terra para Harper Moon! — Vicky estala os dedos delicados diante do
meu rosto enquanto eu viajava na maionese.
— Pelo amor de Deus, Vicky! — digo à garota animada e saltitante, ao sair
da cafeteria estilosa onde acabamos de comer um lanche reforçado, ao invés de
almoçar — Eu já disse que não vou! É longe e aquela moça disse que...
— Está escurecendo mais cedo esses dias — ela imita a voz anasalada da
moça gentil, com deboche — Eu nunca achei que você fosse medrosa, Harper.
Nem eu.
Provavelmente é a falta de um sono de qualidade, por ter a impressão de
ouvir passos pesados do lado de fora da casa durante a madrugada e, talvez, todas
as superstições das pessoas desse lugar estejam entrando na minha cabeça,
surpreendendo um total de zero pessoas. Eu sou realmente suscetível a acreditar
nas mais diversas teorias da conspiração, e admito já ter passado noites em claro,
temendo um ataque alienígena, sem qualquer outra prova, senão um vídeo mal
editado de alguma rede social.
No início, eu confesso que achei engraçado, e um pouco esquisito, a coisa
dos avisos sempre afixados sobre as portas da maioria dos lugares; sobre não
entrar na floresta ou o fato de os estabelecimentos fecharem bem cedo. Além
disso, ainda tem os olhares enviesados que recebo por onde passo, coisa que
considerei um pouco normal, por ser uma menina nova em uma cidade pequena,
mas já estava ficando irritada com a atenção.
— Bem, não pode me culpar por estar cismada. — Dou de ombros. — Isso
acontece quando um idoso cospe no chão, sempre que passamos por ele — aponto
na direção do homem sentado nos degraus de uma casa antiga, que nos segue com
um olhar bem desconfiado, prestes a cuspir de novo, feito uma lhama.
— O velho Grosby é bem estranho mesmo — ela concorda. —, mas
inofensivo. E são apenas quatro da tarde, chegaremos em casa às seis em ponto.
Eu juro. Falta tão pouco!
Olho ao redor e realmente, o sol ainda brilha, mesmo que fraco por causa
das milhares de árvores que cercam esse lugar, deixando tudo meio úmido e
esverdeado.
“Eu posso mofar a qualquer momento” — garanti à minha mãe, noite
passada, ouvindo-a gargalhar do meu exagero, ainda de biquíni, tomando um drink
no hotel de luxo em que estão hospedados, no Caribe; enquanto faço cosplay
daquela adolescente embolorada vivendo numa cidade com nome de talher, nessa
merda de lugar sombrio.
— Tá fazendo aquela cara de novo — Vicky, que agora me empurra pela
pequena ladeira que estamos subindo, diz, meio ofegante — Para sua sorte,
estamos quase lá.
Quase lá. Perdi a conta de quantas vezes ouvi isso nos últimos dias,
durante nossas “explorações” pela cidade. Talvez, eu devesse ter escolhido nossas
batalhas de beliscões e mordidas de antes e me mantido no conforto do meu
quarto. Eu não incomodaria ninguém, já que tia Lin trabalhava o dia todo no
hospital da cidade — chocante, eu sei, mas Silent Grove tem um sistema
hospitalar incrível e, essa foi uma das coisas que me chamou a atenção, fazendo
com que viesse para cá.
Enquanto subimos o morro, mais olhares pesam sobre mim. Alguns
curiosos, outros muito desconfiados e são esses que me seguem enquanto me
arrasto ao lado da doce e primaveril Victoria, que fala sem parar sobre a tal festa
antes do início das aulas, a qual serei obrigada a comparecer, é claro.
— E essa é a mansão Graymane. — Aponta para os portões de ferro largos
e típicos das mansões que a gente vê na televisão de vez em quando. — Foi
construída por um dos fundadores da cidade, Roger Graymane, um homem
riquíssimo que, segundo contam os registros, era descendente dos oficiais que
participavam das Cruzadas e tudo o mais.
Observo a casa aos fundos, pintada de cores claras e cercada de flores e
jardins bem cuidados. Enquanto presto atenção aos detalhes do lugar, um carro
esportivo se aproxima da entrada, levantando um pouco de poeira e terra quando
acelera. Assim como minha prima, saio do caminho para que o veículo passe,
porém, após os portões se fecharem, ele não se move, parado à nossa frente, como
se esperasse por alguma coisa.
Encaro o meu reflexo ao lado de Vicky na janela espelhada — pensando,
de forma totalmente aleatória, em como somos diferentes; já que, ao contrário do
raiozinho de sol ao meu lado, vestindo um sobretudo off White, estou usando um
casaco preto e gorro da mesma cor — quando a essa se abre, revelando um cara de
vinte e poucos anos com seus fios claros e uma expressão simpática no rosto
bonito.
— Esperando por mim, Vicky? — Apesar de falar com ela, os olhos
curiosos e muito claros estão focados em mim.
— Somente nos seus sonhos, docinho — irônica, ela devolve a
provocação. — Minha prima precisa conhecer a cidade antes das aulas
começarem, não é? — Aponta para mim. — Harper, esse é Chad Graymane, o
capitão do time de polo da Emberwood.
Bem, talvez eu já tenha ouvido falar deles em algum momento. Pouco. As
estrelas da universidade mesmo são do time de futebol americano, e a fama fica
mais concentrada nos jogadores mal-encarados, comandados pelo capitão do time,
que sempre parece prestes a arrancar a cabeça de alguém. Sim, eu pesquisei tudo
sobre a universidade e posso ter visto uma foto ou outra do tal time.
— Seja bem-vinda, Harper — cumprimenta, tirando as poucas imagens do
time de ouro da minha mente — Pretende ficar muito tempo na cidade?
Antes que eu possa pensar em responder, ouvimos o ronco barulhento de
uma moto às nossas costas, e a expressão de Chad se fecha um pouco, os olhos
focados no fim da rua, onde o motoqueiro, que se parece muito com o que quase
me atropelou quando cheguei, está. Um arrepio percorre meu corpo e respiro
fundo, prestes a falar, quando Vicky assume a dianteira, me poupando do
momento constrangedor.
— Muito tempo, já que transferiu seu curso para cá, não é? — comenta,
ignorando totalmente o cavaleiro do Apocalipse sobre rodas, que acelera a moto
mais uma vez. — Quem sabe, ela não volta a estabelecer as raízes das Lawson por
aqui? O hospital sempre precisa de mais médicos.
Victoria fala demais.
— Eu não sabia que havia outra Lawson, fora a sua mãe, Vicky. — Os
olhos muito azuis permanecem focados em mim, com uma curiosidade muito mal
disfarçada — Enfim, espero que goste da cidade, Harper. — O sorriso não chega
aos seus olhos — Preciso ir agora, mas nos vemos por aí, tenho certeza.
— Obrigada — respondo, ignorando o ruído irritante.
Enquanto ele arranca o carro esportivo branco, a moto escura sobe o morro
e cruza à sua frente, fazendo-o travar o maxilar, antes de subir os vidros e seguir
caminho. Estranho; como tudo aqui.
— Jasper — ouço-a ronronar feito um gato para o cara alto e forte que tira
o capacete, revelando o cabelo castanho despenteado. — Gosta mesmo do perigo,
não é?
— Qual seria o sentido da minha vida, senão irritar o doce Chad? — Abre
um sorriso largo, sem deixar de olhar para a garota ao meu lado. — Não vou
ganhar o meu abraço, Victoria?
— Não sei se merece. — Faz um beicinho teimoso. E meu Deus, o modo
como eles se olham carrega uma intensidade quase constrangedora. Estou prestes
a me virar de costas e dar alguma privacidade a eles, quando ela dispara: — É,
pensando bem, eu sei que não. Lamento, Jas, vai ter que ficar longe de mim.
— Sabe que é apenas questão de tempo, até que eu volte a merecê-lo, não
é? — Abre um sorriso convencido, mas triste. — Não vai me apresentar à sua...
amiga?
Ela cruza os braços e recua um passo, enlaçando o braço no meu, me puxa
de volta para o seu lado sob o olhar do cara à nossa frente.
— Harper, esse é Jasper Hill. É mais um dos atletas da faculdade. — Seus
olhos amendoados buscam os meus. — Ele sabe exatamente quem você é, mas
queria ser apresentado, por isso está aqui. — O sujeito forte revira os olhos, mas
não nega. — Ela não é apenas minha amiga, é minha prima. E sugiro que fique
longe dela.
Ele sorri, os olhos de um tom meio dourado me observam atentos, como se
me estudassem.
— Se ela for ficar perto de você, será impossível. — Vicky bufa.
Considerando que ela é sempre gentil com todo mundo, ele realmente fez algo de
errado. Seus olhos focam a rua à nossa frente e, como se visse alguma coisa no
horizonte, algo que seria impossível, por causa da maldita névoa, ele suspira,
estacionando a moto, apoiando o capacete no cotovelo quando desce do veículo.
— É hora de voltar para casa, meninas.
— Não está convidado a se juntar a nós, Jas. Lamento — sua voz sai um
pouco esganiçada, mesmo quando ele começa a andar conosco, nos conduzindo de
volta à rua pela qual viemos. — Além disso, nós ainda vamos...
— Amanhã, Victoria — e sua voz soa como uma ordem. — Agora, eu vou
desfrutar de sua companhia até sua casa, para garantir que cheguem bem.
— Não precisamos disso — me ouço dizer. — Vicky, para onde iríamos
depois daqui? — aponto para a mansão às nossas costas.
— Acredite, vocês estão indo para casa — seu tom não deixa dúvidas.
— Não, acredite em mim — respondo, com as mãos na cintura — Não
faço o tipo obediente, então... — Minha atenção toda em minha prima, que sorri
ao lado do cara que parece estar se divertindo com a minha reação. — Aonde
estávamos indo, Vicky?
Mais uma troca de olhares cheia de significados, e então, minha prima
suspira.
— Harper, nós podemos encerrar amanhã, ok? Realmente demoramos
demais e a neblina já está tomando conta de tudo. Não vai dar para ver nada... —
Dá de ombros, enquanto aponta o fim da rua, já totalmente embaçado.
Hora maravilhosa para isso acontecer. O som de novas motos, se
movendo na parte que não conseguimos enxergar, aciona um alarme em meu
cérebro.
— Você faz parte de um motoclube ou algo assim? Quando não está
disputando a bola sobre um cavalo, claro — questiono, finalmente seguindo minha
prima e ele, enquanto descemos a rua.
O velho faz o sinal da cruz diante do rosto e fecha a janela rapidamente
quando Jasper lança um olhar sério em sua direção, mas não cospe. Ora, ora.
— Algo assim — responde vagamente e então, complementa — Não jogo
no time do Graymane mais novo, gatinha. Eu sou o wide receiver dos Warrior
Wolves.
Ah. Uma das estrelas do famoso time de futebol americano da
Emberwood. Os roncos das motos aumentam e a dona de uma pequena lojinha de
bugigangas fecha a porta com força, assim que nos aproximamos.
Esquisitice, nós vemos por aqui.
— Acho que o que Harper quer saber é se foi você no outro dia. Ela quase
foi atropelada enquanto tirava a mala do carro. — Claro que ela decifraria a minha
intenção, ao contrário do jogador que caminha ao seu lado com uma postura
relaxada.
— Se tivesse sido eu, você saberia. — Abre um sorriso malicioso e me
lança uma piscadela que o faz ser golpeado pela mão pesada da loira ao seu lado.
— Mas fiquei sabendo do que rolou. E tenho quase certeza de que meu amigo
lamenta.
— Jura? — Reviro os olhos e aperto mais o casaco em meu corpo quando
um vento gelado nos atinge com tudo ao virarmos a esquina. — Porque ele não me
pareceu tão preocupado, enquanto me xingava.
O idiota dá uma gargalhada alta e tira sua jaqueta de couro, colocando-a
sobre os ombros encolhidos de Vicky. Em seguida, seus olhos buscam os meus em
um pedido silencioso de desculpas, por não ter me dispendido a mesma gentileza.
Apenas com uma camisa escura de mangas compridas, enquanto me encolho no
casaco pesado, noto que ele sequer estremece; o que é um tanto chocante, em vista
do frio que se agravou de forma inexplicável. Apenas enfia as mãos nos bolsos da
calça jeans e segue caminhando conosco pelas ruas desertas, como se apenas nós
tivéssemos perdido o toque de recolher.
— Quando foi que essa cidade se tornou fantasma? — Observo as casas
coloridas ao redor, com suas portas fechadas.
— É sempre assim quando a temperatura cai rapidamente — o jogador
explica, apontando para meu corpo encolhido, apesar de ele estar vestindo apenas
uma camisa fina. Jasper acompanha o meu olhar e estica o tecido. — É térmica.
— Além disso, é a última noite de lua cheia — Vicky acrescenta, como se
aquilo explicasse tudo. — Os lobos costumam ficar mais agitados, não é?
— É o que dizem. — Ele dá de ombros.
Não demora muito, chegamos ao velho sobrado da nossa família e, sem
esperar, me despeço, na intenção de dar alguma privacidade aos dois teimosos que
trocaram olharam melosos o caminho todo.
— Harper? — ele chama, assim que enfio a chave no buraco da fechadura.
Nem mesmo a velhota fofoqueira está do lado de fora hoje, reparo. — Te vejo na
festa amanhã?
— Não — respondo rapidamente, mas não tanto quanto gostaria, já que
Vicky confirma a minha presença e afirma que iremos juntas.
Deixo minha chave no pequeno aparador de madeira junto à porta, tiro
meu casaco, colocando-o no armário ao lado e passo pela janela, a caminho da
cozinha em busca de água. Fiz mais exercícios hoje do que nos últimos dois
meses.
Do lado de fora, Vicky devolve o casaco para Jasper, que olha para ela com
um ar desesperado e um pouco triste, antes que ela se vire e entre em casa. No seu
rosto, a mesma expressão desolada.
— Juro que não estava espiando, eu só... — tento me justificar, mas ela
apenas dá um sorriso triste, deixando uma lágrima escorrer pelo rosto bonito. —
Vicky? Está tudo bem? Se aquele jogadorzinho tiver feito alguma coisa, eu...
Ela apenas nega, deixa seu casaco em um dos cabides e se junta a mim.
— É complicado... — dá de ombros. — Mas não quero falar sobre isso
agora. — Ela sacode a cabeça, voltando ao mood 220 volts de sempre. — Que tal
escolhermos juntas nossos looks para amanhã? — Faço uma careta imediatamente.
— Precisamos preparar o jantar — aviso, enfiando a cara na geladeira,
dispensando todas as comidas prontas que tia Lin deixou.
— Isso levantaria o meu ânimo, sabe? — E lá está a carinha triste de antes.
— Eu realmente preciso de algo que me distraia e...
Reviro os olhos e jogo o pano atoalhado em minhas mãos na chantagista
de meia tigela.
— Vamos logo com isso, sua terrível! — Ela gargalha e saltita no lugar,
comemorando. — Eu realmente preferia quando a gente brigava.
— Pois eu não trocaria essa nova fase por nada nesse mundo! — declara,
fazendo o meu coração se aquecer de forma instantânea, mesmo que eu tenha que
passar as próximas horas tirando e vestindo roupas, sob as ordens da general do
exército da moda.
Tudo certo por aqui.
Por enquanto.
Isso só pode estar errado.
Ontem, um frio terrível de doer os ossos, e hoje, um sol que não hesita
sequer um segundinho em mostrar a cara. Ele deveria ter vergonha, ainda mais
depois dos uivos e dos sons de passos apressados que me mantiveram acordada
durante quase a madrugada inteira. Custava muito me compensar com uma
chuvinha, daquelas bem chatas, que mantém todo mundo em casa o dia todo?
Um sonho.
Ao invés disso, depois de o corpo fazer download da alma, desci, ainda de
pijama, para tomar o café da manhã, já encontrando tia Lin pronta para mais um
plantão e uma Vicky animada com uma máscara verde e gosmenta no rosto,
falando sem parar sobre os benefícios da máscara de pepino para a pele, ao que eu
respondi apenas roubando uma das rodelas mal partidas sobre o prato e a enfiando
na boca.
Apesar dos protestos da minha prima, tia Lin gargalhou e acabou roubando
uma para si também. Claro que aquela loira maluca sabe bem o que fazer para
acabar com a minha alegria. E é por isso que estou aqui, com a cara totalmente
imersa na meleca verde, enquanto Vicky tenta me convencer a vestir um vestido
seu, que me serviria apenas como uma blusa, para usar na tal festa que começa no
início da tarde.
— Qual é o problema da noite, por aqui? — eu tentei perguntar isso à
minha mãe e à tia Lin, mas as duas deram respostas evasivas e sem muito nexo.
Faltava perguntar à Barbie esteticista à minha frente.
— Fora o frio e a neblina intensa, dessa época do ano? — Eu acho que ela
ergue uma sobrancelha por baixo de toda a meleca, mas posso estar errada. Vicky
parece perceber que não vou deixar passar, então suspira, antes de falar: — Olha,
minha mãe pediu para eu não comentar, mas, lá vai: — Com os cabelos bem
escovados protegidos por uma tiara de tecido, ela se senta em sua cama ao meu
lado, baixando a voz. — Alguns turistas desapareceram na floresta há algumas
semanas. Há lobos na região e a explicação mais plausível é que, como não
conheciam o lugar, eles tenham se perdido na névoa e acabaram...
— Virando a janta de alguma matilha — complemento e ela concorda. —
Eu... Por acaso, ouviu alguma coisa essa noite?
— Credo! Deus me livre! — Ela se benze rapidamente. — Eu durmo feito
uma pedra. Por quê? Você ouviu alguma coisa?
— Não. — Talvez seja só coisa da minha cabeça. Um medo bobo,
motivado pela floresta densa que cerca tudo e todas as crendices sobre sair à noite,
e tudo o mais. Ainda estou me adaptando, certo? — Vicky, essa festa de hoje, eu
acho...
— Que será incrível, é claro! — afirma, sem deixar qualquer margem para
argumentação. Não é à toa que ela é uma das melhores alunas de sua turma de
direito. — É uma oportunidade ótima para fazer novas amizades e já chegar à
universidade quebrando aquele gelo inicial.
Ergo a blusa preta transparente que ela acaba de lançar em minha direção e
pretende me forçar a usar, e faço uma careta.
— Vai dar tudo certo. Acredite.
Eu devia ter ouvido meus instintos, ou até mesmo a fala agourenta e cheia
de bad vibes da idosa que parece nos vigiar o dia todo de sua cadeira de balanço,
diante da janela da sua casa.
“Tome cuidado com suas escolhas. Elas podem alterar o curso de tudo.”
— ela disse para mim, enquanto Vicky trancava a porta do sobrado e vinha
saltitante em minha direção.
— Tenha uma tarde linda, Sra. Holloway! — minha prima desejou, antes
de me arrastar atrás de si, ignorando os resmungos da mulher que ficava para trás.
Porém, nesse momento, enquanto observo a colina íngreme que teremos
que escalar de salto alto, só consigo pensar que eu deveria ter ouvido seu alerta.
Fora de cogitação.
— Infelizmente, não — é o que digo à Vicky, que tenta me convencer, há
pelo menos quinze minutos, de que não é tão ruim quanto parece.
— Nós fomos até a Mansão Graymane! — é seu argumento da vez. —
Essa colina é apenas um... — Ela desvia os olhos para a propriedade ao longe. —
pouco mais distante.
— Victoria! — Aponto com o braço para a porcaria da montanha que ela
pretende escalar. — Não vou correr o risco de cair, quebrar o pescoço e morrer, só
por causa de uma festa idiota, para a qual eu nem queria vir, pra começo de
conversa!
Estou tão focada em meu discurso que demoro um pouco para perceber
que ela já não olha mais para mim e a expressão presunçosa em seu rosto, nesse
momento, é assustadora. A loira, vestindo calça preta justa e um cropped rosa pink
de mangas compridas sob o casaco da mesma cor, é a imagem do próprio
convencimento e isso não é bom para mim. Não mesmo.
— Perdidas? — O ronco do motor do carro, que eu nem tinha notado
antes, se aproxima mais de nós e me faz pular no lugar. Isto parece ter divertido o
espertão atrás do volante. No carona, Jasper faz sinal para que a gente entre no
carro — O que estão esperando? A carruagem chegou, princesas!
Reviro os olhos enquanto ele sorri da minha expressão desalentada e entro
no carro, logo após uma Victoria sorridente, assim como Jasper e o sujeito de
óculos escuros, que parece prestes a rosnar e avançar no pescoço de alguém. A
aura perigosa que ele emana é um pouco atraente e, de repente, me vejo
contabilizando o número de anéis que ele tem nos dedos, enquanto ele nos conduz
morro acima, até a tal festa.
— Mack, a Harper não parece ter gostado de você — o idiota, por quem
minha prima suspira no momento, comenta com o amigo.
Um sorriso rápido curva seu lábio para cima, e logo sinto o peso de seu
olhar através do retrovisor.
— Bom saber — o som grave de sua voz ecoando dentro do espaço do
veículo. Esse cara arrasaria como cantor de música country americana, certeza. —
O que terei que fazer para mudar essa primeira impressão?
Graças aos céus, não tenho tempo de responder, já que o carro passa pelos
portões altos e entra na propriedade. Tento distinguir alguma coisa, enquanto o
homem de ombros largos manobra o carro em meio às pessoas que andam por ali
com seus copos de bebida, deixando a conversa morrer. Antes ela do que eu,
obviamente.
Salto do carro na primeira oportunidade e, ao lado de Vicky, tento me
situar no local. Muita gente conversando, bebendo, caminhando por aqui e logo, o
momento terrível e desconfortável, que eu tanto queria evitar, chega. Tentando
fingir que sou invisível, apenas sigo Jasper, que segura a mão de Vicky e nos
conduz entre a multidão.
— Eles só estão curiosos com a novata — minha prima murmura para
mim, quando seu acompanhante para diante de um freezer e pega algumas garrafas
de cerveja, nos entregando em seguida.
— Eu sei... É só que é constrangedor e... — começo a dizer, mas sou
interrompida pelo grandalhão de antes, que segura a minha mão e me gira, até que
esteja ao seu lado, com uma das mãos grandes pesando em meu ombro.
— Atenção, pessoal! — a voz de Mack troveja pelo lugar aberto, atraindo
toda atenção para nós. — Essa é Harper Lawson e ela vai estudar na Emberwood
por um tempo. Acostumem-se!
Nada de invisibilidade para Harper Lawson.
— Obrigada — digo para o gigante que acabei de conhecer. — Eu acho.
Parecendo um modelo de passarela, com sua pele negra, calça jeans escura
e uma camisa de banda de rock em contraste com os diamantes em suas orelhas,
ele pisca para mim, visivelmente satisfeito consigo mesmo por me fazer passar
vergonha.
— Não há de quê — responde com sinceridade e, quando uma discussão
começa, entre um grupinho mais afastado, ele troca um olhar com Jasper, antes de
estalar a língua e beber todo o conteúdo da garrafa de uma vez só. — Vamos
resolver essa merda. Ash não está com humor hoje.
— E quando é que ele está? — Jasper questiona, e sorrindo para mim,
beija o topo da cabeça de Victoria, antes de seguir o amigo. — Já voltamos,
meninas. Qualquer problema, não deixem de me chamar, ok? Vicky...
— Não prometo nada, Jas. Sou uma garota solteira, não é? — Dá de
ombros, corando até o último fio de cabelo, enquanto o outro segue, visivelmente
contrariado, para o lugar onde seu amigo já está tratando de apartar a briga.
— Então, você e os integrantes da gangue de motoqueiros são... próximos
— comento, tomando um gole da minha cerveja.
— Eles são atletas — Revira os olhos. —, famosos por todo o campus e,
acredite, Mack também te deixou famosa por aqui, depois dessa apresentação.
— Exatamente o que eu queria! — espalmo a mão sobre o peito, teatral,
fazendo-a gargalhar. — O meu desconforto te alegra?
— Um pouco. — Toma mais um gole da bebida. — Oh-oh — Esse é o tipo
de interjeição que não precede nada bom em nenhum contexto. — Você realmente
chamou a atenção de todo mundo, Harper Moon.
Apelido ridículo.
— Vic? — ela ergue o queixo, indicando para que eu olhe e, tentando ser
discreta, me viro devagar, encontrando um cara vestido de preto dos pés à cabeça e
que nos observa com seus olhos muito escuros alguns metros à frente, sentado em
uma das mesas dispostas no canto, cercado de gente, como se ele fosse uma
espécie de rei.
O cabelo liso e escuro caído em sua testa, disfarça a intensidade de seu
olhar, embora eu consiga senti-lo sobre mim. Bem, pelo menos até o garoto que
conhecemos ontem, Chad, sei lá das quantas, se aproximar, obstruindo a visão do
outro, antes que eu consiga questionar Vicky sobre quem ele seria. Ainda bem.
— As garotas Lawson! — Brinda, antes de bater a garrafa de vidro em
suas mãos contra a de Vic e então contra a minha. — Está se enturmando, Harper.
Só… — ele hesita sob o olhar estreito da minha prima. — tome cuidado. Nem
todos são o que parecem por aqui.
Olho ao redor e reparo que os olhares em minha direção diminuíram muito,
depois da apresentação de Mack, o armário humano, que, após separar a briga, tem
as pernas de uma garota envoltas em sua cintura, enquanto pressiona o corpo da
loira contra o muro coberto de plantas e musgo. Tem gente disposta a tudo nessa
vida.

Algum tempo depois, quando estamos na terceira ou quarta cerveja, sinto


meu corpo mais leve e, até mesmo, começo a me balançar ao som da música
eletrônica que começou a tocar no imenso salão de festas da propriedade. Não
preciso de mais do que duas garrafas para estar dançando com Vicky e Chad, sem
me preocupar muito com o que estão pensando a meu respeito.
De olhos fechados, apenas me entrego às batidas da música e me deixo
levar, erguendo os braços, antes de deslizar a mão que não segura a garrafa de
cerveja na lateral do corpo, ao longo da melodia sensual que nos embala.
— Você é boa nisso! — Vicky grita em meu ouvido, para que eu a ouça
sobre a música.
— Quem me dera! — Me viro de costas para ela, segurando sua mão no
alto, enquanto requebramos juntas, no ritmo da batida.
Sinto alguns olhares sobre nós, mas não poderia me importar menos. O
objetivo era nos divertirmos, certo? Juntas, nós gargalhamos e seguimos
dançando, apenas curtindo o momento, quando o DJ, — um cara bem bonito, de
pele dourada e olhos verdes que, por um milagre, não é um jogador — aponta para
nós, como se nos desafiasse.
Chad, que segura minha cintura de tempos em tempos, enquanto dançamos
juntos, avisa que vai pegar mais bebidas e logo desaparece em meio à pequena
multidão no lugar. Quando a música, que tem um uma vibe ainda mais sensual,
começa a tocar, noto pelo olhar determinado da minha prima, que não estamos
dispostas a decepcionar o DJ. Então, seguimos o ritmo das batidas com os quadris,
ignorando os olhares das pessoas que abriram espaço para nos ver dançar.
Bem, pelo menos, até Jasper reaparecer. Com uma expressão feroz no rosto
anguloso, ele agarra a cintura de Vicky, virando-a em seus braços e colando seus
corpos, descaradamente marcando território, algo que parece tê-la alegrado muito,
já que joga os braços em seus ombros e sorri, enquanto ele só parece um tanto
furioso e um pouco triste.
Giro no lugar, ainda dançando, em uma tentativa absurda de dar a eles um
pouco de privacidade. Um esforço inútil, se considerarmos que estamos em uma
pista de dança, cercada por dezenas de outras pessoas. O sorriso involuntário, pela
ideia idiota, perde um pouco da força, quando um arrepio atravessa o meu corpo e
me deixa em alerta.
Não tenho tempo de processar muita coisa, porque logo sinto a mão quente
envolver minha cintura, antes que eu tenha as costas coladas de forma abrupta em
um peito largo, que se move no mesmo ritmo que eu. O perfume amadeirado e
masculino é algo digno de nota, e meu corpo processa a proximidade com
curiosidade e interesse.
— Não pare — a voz ordena em meu ouvido quando perco um pouco do
ritmo.
À minha frente, Jasper abre um sorriso conspirador, enquanto Vicky me
parece um pouco chocada. Tento me virar para ver quem é o dono da essência que
toma conta de tudo ao meu redor, mas as mãos firmes não permitem. A pressão
delas não reduz em tempo algum, nem mesmo quando se fecham em punho no
tecido fino e transparente da minha blusa, assim que Chad se aproxima com um
olhar tenso no rosto e nenhuma cerveja nas mãos.
— Filho da... — o cara que ainda se move comigo começa a dizer — Chad
II. — a voz aveludada cumprimenta, me fazendo arrepiar quando o hálito quente e
mentolado roça minha pele.
— Ashbourne. — A expressão no rosto do jogador de polo não tem nada
de amigável. Ele parece... tenso.
Não tanto quanto o outro, percebo. Já que meu parceiro de dança já não se
move. Me viro para encará-lo e me vejo no reflexo dos olhos muito escuros
focados nos meus — curiosos e atentos — como se esperasse por alguma reação
minha. Que, obviamente, não vem.
Pelo menos, no primeiro momento. Só após alguns segundos, reconheço o
dono do perfume enlouquecedor como o reizinho badboy de cara amarrada e ar
perigoso de antes, e que, neste instante, não parece nada feliz com a interrupção.
Noto o exato momento em que seus olhos se estreitam para a mão que Chad
estende para mim.
— Preciso ir — ele diz, passando a mão pelos fios claros, quando vê que
não atendi ao seu chamado. — Talvez vocês queiram carona. A festa tá no fim.
— Não se preocupem — Jasper, que parece ter se materializado de forma
misteriosa ao meu lado, afirma. — eu levo vocês mais tarde.
Chad é quem não parece nada feliz nesse momento. Que idiotice! Eu só
queria dançar.
— Harper — ele chama, quase uma súplica. — Você ainda é nova na
cidade e...
— Harper — meu nome desliza em sua língua de forma lenta, e eu juro
que parece algo saído desses romances água com açúcar que vivia assistindo com
minha mãe. — Ele tem razão, deve ter cuidado com as más companhias.
— Não se preocupe — Chad afirma, voltando ao jogo, e seguro o riso ao
imaginá-los em uma competição de quem mija mais longe. Homens. — Estarei
sempre por perto para garantir que isso não aconteça.
Olho de um para o outro, sentindo uma vontade muito grande de gargalhar
diante da ceninha esdrúxula. Bem, pelo menos eu esperava conseguir segurar o
riso, mas percebo, tarde demais, que essa não é uma opção viável. Não mais.
A bebida, antes de matar, humilha.
— Moon. — Vicky sai de trás de Jasper e aperta meu braço com força em
uma reprimenda silenciosa, mas não consigo parar de rir.
— Estamos no século passado? — comento, a atenção de todos totalmente
em mim. Chad com uma expressão confusa, enquanto o tal Ash sei-lá-o-que,
parece apenas curioso. — Olha, eu nem te conheço — Dessa vez, o bonitão parece
surpreso. —, é bem claro que não sou daqui e já percebi que vocês são um pouco...
excêntricos com seus toques de recolher e tudo o mais. — Me viro para Chad, em
seguida. — Mas não preciso que ninguém tome conta de mim. Eu me viro bem
sozinha. Agora, se me dão licença, preciso achar um banheiro. Vicky?
— Até mais! — sem graça, ela se despede do grupinho e vem andando
atrás de mim.
Sinto seus olhares chocados às minhas costas, até sair de seu campo de
visão.
Eu só queria dançar.
“Eu nem te conheço” — a petulância nos olhos acinzentados me faz
gargalhar enquanto acendo mais um cigarro. Daqui, um pouco mais longe da festa,
consigo ouvir o rio que corre alguns quilômetros à frente e o som dos carros
manobrando para deixarem a Colina, já que são quase seis da tarde e a neblina,
típica dessa época, já começa a descer pelo vale em que vivemos, empurrando
todo mundo de volta às suas casas.
— Toque de recolher foi do caralho — resmungo comigo mesmo,
relembrando de seu modo desacreditado ao falar das noites por aqui. Deixo a
fumaça mentolada do cigarro invadir os meus sentidos, antes de ouvir os saltos de
suas botas repicando no piso do chalé às minhas costas. — Harper.
Não me viro, mas sei que está parada no lugar, considerando se atende ou
não ao meu chamado. Esperta. O vento bate contra ela e seu cheiro cítrico viaja
até mim, misturando-se com a fumaça do cigarro que eu trago para dentro dos
pulmões. Menta, jasmins, limões e maçã verde — uma combinação única,
harmônica e viciante.
— Por acaso, viu minha prima? — pergunta finalmente.
Dou meia volta e mais uma tragada no cigarro, caminhando em sua
direção. Ao contrário do que imaginei, ela não fica na defensiva. Em uma pose
teimosa, apenas cruza os braços e espera que eu a alcance, batendo o pé no piso de
forma impaciente.
— Deve estar com Jas. — Encerro a questão. — Pronta pra ir?
— Com você? — Estende o indicador em minha direção. — De jeito
nenhum. Eu nem te conheço. — Olha para a floresta além de mim e, só então, se
encolhe. — Vou atrás daqueles dois.
— Dê um tempo a eles — ordeno e ela ergue uma sobrancelha com
teimosia. — Vamos recomeçar. — Quando estendo a mão em sua direção, sua
expressão indiferente não se altera. — Eu sou o Ash.
A garota Lawson olha para o meu rosto e, então, para a mão ainda
estendida, antes de, educadamente, retribuir o cumprimento. Sinto o choque da
mão gelada contra a minha palma e noto seu braço arrepiado devido ao breve
contato. Nada que ela não tenha feito questão de disfarçar muito bem.
— Harper, mas você já sabia. — Ela sorri, bufando e revirando os olhos —
Depois que Mack gritou, quando chegamos, acho que todo mundo sabe.
— Possivelmente. — Observo o modo como os cachos escuros e largos
caem sobre seus ombros e dou mais uma tragada.
— Isso não faz bem. — Aponta para o cigarro entre meus dedos e faz uma
careta quando solto a fumaça em seu rosto, de forma proposital, mas não se afasta.
O que serve apenas para me instigar, é claro. E só por isso, me aproximo
mais, observando-a. Finalmente, recua um passo, quando Jasper e Victoria descem
as escadas do pequeno chalé. E pela expressão triste em ambas as caras, não
consigo deixar de achar que é um erro. Estão apenas adiando o inevitável.
— Qual é a deles? — Harper murmura ao meu lado, enquanto observamos
os dois andando perto demais um do outro, sem nunca se tocarem.
— Um erro — resmungo, me lembrando de toda a dor e tristeza de Jasper,
depois dessas drogas de encontros.
— Temos um romântico aqui? — ironiza, e então enfia as mãos nos bolsos
de trás, evidenciando os seios empinados dentro do top de renda. — Acho que
essa é a minha hora. Até qualquer dia, Ash.
Sem esperar por uma resposta minha, sai andando em direção às duas
almas atormentadas, mas tem seu trajeto alterado quando Wolf entra em seu
caminho. Para todos os efeitos, o rottweiler é um cão de guarda feroz e
aterrorizante, mas a realidade é que é apenas um mimado preguiçoso. Porém,
Harper não sabe disso.
Ele a observa e tenta se aproximar e, pela primeira vez nessa tarde, ela
parece em pânico. Quando o cão tenta alcançá-la, ladrando feliz, Harper recua
alguns passos, o medo exalando de seus poros e contaminando o ar, já denso por
causa do horário, antes que ela corra direto para a floresta, com Wolf seguindo-a
de perto.
Caralho!
— Wolf! — grito e assobio. Obediente, ele para no lugar e espera. — Jas,
tranque-o em casa!
Só então eu corro, alcançando a garota medrosa que, na ânsia de fugir do
pobre cãozinho, acabou entrando na floresta. Rapidamente, consigo chegar a
Harper, antes que acabasse dentro da mata fechada. Trêmula, ela se esconde em
meu peito, agarrando minha camisa com força, buscando segurança em mim,
enquanto seguro-a firmemente em meus braços, mantendo-a no lugar.
— O-o ca-cachorro… — gagueja apavorada, nada parecida com a mulher
obstinada e teimosa que lançou um mega “foda-se” para mim e Chad II mais cedo,
na pista de dança.
— Preso. — Ouço o estalido de galhos ao redor e me afasto dela
rapidamente. — Vamos sair daqui. — Assim que chegamos às primeiras árvores,
paro e me viro para ela, que parece ter se recuperado um pouco do susto e se dá
conta do que fez, corando violentamente. — Nunca mais entre na floresta. Ouviu?
— Tenho medo de cachorro — justifica. — Fui perseguida na infância, por
um desses grandes e...
— Diante de um animal grande de quatro patas, não corra — aconselho,
interrompendo-a. — Só vai ativar nele a vontade de te perseguir. — Ela aquiesce e
eu volto a repetir: — E não volte a entrar na merda da floresta. Não é seguro.
— O que tem de tão perigoso aqui? São os lobos? — Um lampejo de
curiosidade e divertimento atravessam o seu rosto bonito.
— É, algo assim — uma resposta vaga é melhor do que nenhuma. E
depois, ainda dizem que eu sou um idiota. — Sua prima tá te esperando no carro.
— Aponto na direção do veículo, dispensando-a. Mas sem deixar de observá-la.
Seu perfume intenso e diferente pairando ao meu redor.
— Ash? — Os olhos azuis-acinzentados brilhando na luz baixa do fim do
dia, deixando-a ainda mais linda. — Obrigada.
Aceno brevemente.
Medo de cachorro. Rio comigo mesmo. Se ela ao menos soubesse, que
Wolf está longe de ser o maior perigo aqui, não teria se divertido de forma tão
relaxada mais cedo.
Ou ficado tão confiante perto de qualquer um de nós.

No meu quarto, depois de jantar pizza com os caras esfomeados e ignorar a


bagunça na área externa da mansão, encaro a tela e tento não revirar os olhos,
enquanto o sujeito do outro lado; uma versão envelhecida e dopada de mim,
ostentando uma barba grisalha; fala sem parar sobre responsabilidade e
compromisso.
Como se eu já não tivesse ouvido isso a vida toda.
— É o seu legado, filho — a voz profunda decreta, como em todas as
nossas conversas.
— Era o seu, não é? — não consigo segurar a minha língua. — Será que eu
já não perdi o suficiente?
Detesto soar como uma maldita criança mimada, mas a injustiça de toda
essa merda de situação não me deixa ficar calado por mais tempo.
— Eu sinto muito que as coisas tenham chegado a isso, Liam. — E a
tristeza em seus olhos me desarma, como em todas as vezes. Ele também perdeu
muito. — E sei que é injusto, mas é o que temos. Ele fala com você? — a pergunta
me pega de surpresa.
— Ainda não. — É a verdade. — Apesar de, às vezes, sentir vontades que
não parecem minhas.
— Estamos evoluindo, então. — Owen Ashbourne não parece muito feliz,
mas tenta disfarçar. — Logo, ele vai tentar se libertar. Mantenha-o sempre sob
controle, ouviu? Não o deixe governar.
Como se eu fosse permitir que alguém mandasse em mim dessa forma.
— Fiquei sabendo sobre a forasteira. Eu nunca achei que Marianne fosse
retornar à cidade…— Ele coça a barba em tons variados de preto e cinza. — Uma
Lawson, quem diria, não é? O herdeiro Graymane poderá escolher.
— Isso é ridículo, mas uma esperança para Jas — comento em um
impulso, me arrependendo imediatamente.
O olhar assombrado em seu rosto, seguido de um esgar raivoso, me
mantém alerta.
— Os Acordos são claros… — ele começa a recitar o texto que já
conhecemos de cor.
— Já sabemos dessa merda toda. — Reviro os olhos. — Mas são novos
tempos e novas pessoas. — Eu não sou você. É a afirmativa que fica implícita em
minha fala. — Talvez seja a hora de novos Acordos.
— Não seja tolo! — Owen grita, esfregando o rosto nas mãos, tentando
manter o controle. — Qualquer um de nós está suscetível ao que aconteceu antes!
Não se julgue tão superior, Liam. Foi assim que tudo começou.
Sempre a mesma conversa de merda. As cobranças, as proibições e o
sermão constante sobre responsabilidades e reparações. Por algo do qual também
fomos vítimas, no fim das contas. Eu, talvez, a maior delas. Já que, de repente, me
vi órfão de mãe e tive meu pai afastado para sempre do meu convívio. E o pouco
de interação que temos, são essas malditas conversas sobre tudo o que devo ou não
fazer.
— Jasper está tomando o elixir? — questiona preocupado e eu nego —
Droga! Ele precisa tomar! Ouviu, Liam?
Sua respiração fica descompassada e logo, um de seus acompanhantes —
ou carcereiros, como costumo chamá-los — aparece às suas costas, injetando algo
em seu pescoço. Observo o brilho intenso e prateado em seus olhos escuros, como
os meus, ir se dissipando aos poucos, enquanto seu corpo relaxa visivelmente
diante da câmera.
— Faça o que tem que ser feito, filho — a voz, já grogue, me avisa, antes
que a imagem congele e então desapareça na tela do meu computador.
Porra! Chuto a mesa com força, fazendo tudo sobre ela balançar
perigosamente.
Algo dentro de mim se move — raivoso, revoltado — e um arrepio forte
toma todo o meu corpo. Diante do espelho, encaro o meu reflexo e o brilho
levemente prateado em meus olhos me faz inspirar fundo, tentando me acalmar.
Talvez, Owen não esteja errado. E, no fim das contas, eu seja tão parecido
com ele, quanto imagina.
No fim das contas, a festa realmente fez um bom trabalho para eu não me
sentir como um peixe fora d’água em meu primeiro dia de aula. Ou talvez seja o
fato de eu ser uma das poucas alunas de fora a me transferir para cá e ter sido o
alvo de todas as fofocas da cidade nos últimos dias. De toda forma, várias pessoas
já me cumprimentam enquanto sigo Victoria pelas ruas do campus.
Hoje, está animada e falante — totalmente o oposto de ontem, quando
chegamos da festa, e ela se escondeu em seu quarto sob a desculpa de estar
cansada. Pelo inchaço evidente em seus olhos castanhos, nesta manhã, certamente
passou um bom tempo chorando, mas não sou o tipo de pessoa que a forçaria a me
contar o que aconteceu, por isso, apenas me mantenho ao seu lado, apoiando-a em
silêncio, deixando-a me mostrar cada canto da universidade.
Assim que chegamos ao prédio principal, que tem um estilo antigo e meio
gótico, que fica, convenientemente, à frente do prédio do curso de Medicina, o
som das motos se aproximando chama atenção e faz todos olharem para as três
pessoas totalmente vestidas de preto que estacionam as motocicletas de modelos
diferentes, mas igualmente barulhentas, antes de desligá-las.
Tão absurdamente clichê que dói.
— É uma espécie de disputa? — comento com Vicky, que mantém os
olhos fixos em Jasper, o primeiro deles a tirar o capacete, e que nos encontra
rapidamente, lançando um olhar igualmente triste, antes de acenar.
Preciso ter uma conversa com Vicky sobre isso. O que está rolando entre
eles?
Ao seu lado, uma garota de cabelos tingidos de vermelho vivo, assim como
o veículo em que ainda está montada, sacode o cabelo, bem no estilo “Femme
fatale”. Mas não é isso que prende a minha atenção. A raiva sobe pela minha
garganta ao notar que o último deles é justamente o idiota que quase me atropelou
no dia em que cheguei à cidade. Eu tenho certeza disso, por causa dos detalhes da
jaqueta e, principalmente, pelo adesivo de lobo estilizado no capacete, que foi a
única coisa em que prestei atenção enquanto ele desaparecia, ainda me xingando,
através da névoa.
— Você parece prestes a perder seu réu primário. — Vicky me olha de
lado. — Posso saber o que Liam Ashbourne fez contra você? Foi na festa?
Não pode ser. Mas, ao mesmo tempo, poderia. A cena é tão típica daqueles
filmes universitários que só falta o vento batendo contra eles enquanto desmontam
de suas motos em slowmotion e tudo o mais.
O idiota em questão, finalmente tira o capacete e exibe os cabelos escuros
e atrapalhados, antes de olhar em nossa direção com aquele jeito de quem é dono
do mundo. Talvez eu esteja desenvolvendo alguma condição cardíaca, pelo modo
como meu coração se comporta ao reconhecer o sujeito gato com quem dancei
naquela festa estúpida, que acabou em situações nada agradáveis. Afinal, fui
perseguida por um cachorro gigante e vergonhosamente resgatada pelo tal Ash e,
claro, teve toda a coisa de Vicky ter claramente chorado por algo envolvendo
Jasper.
Ainda pior do que o resgate vergonhoso, é eu sequer ter pensado que o tal
badboy fumante era, na verdade, Liam Ashbourne, o famoso capitão do Warriors
Wolves.
Eu sou uma idiota.
— Aconteceu alguma coisa? — Chad, que parece surgir do nada às vezes,
se junta a nós, estreitando os olhos na direção do sujeito em questão. — Ele fez
algo a você?
Eu e minha prima olhamos em sua direção ao mesmo tempo.
— Tirando o fato de quase ter me atropelado, quando cheguei à cidade? —
decido responder, relembrando disso e deixando todos os outros momentos para
outra hora.
— Quem foi que fez uma atrocidade dessas? — Jasper chega a tempo de
me ouvir, tirando uma presilha da mochila e estendendo para Vicky, que parece
sem graça ao pegá-la, sob o olhar incrédulo de Chad. — Encontrei hoje cedo.
— Obrigada, Jas — ela diz, antes de encaixá-la nos fios lisos de qualquer
jeito. — Eu pensei que hoje...
— Não. Ainda aqui — garante, esfregando o peito com força, ao mesmo
tempo em que ela abre um sorriso que certamente ultrapassaria as barreiras das
nuvens pesadas no céu dessa manhã. Apesar disso, a tristeza no olhar dele não
ameniza, é quase como se ele sentisse dor. Estranho.
Chad observa a interação deles com o maxilar travado e uma expressão
meio furiosa, mas os dois estão perdidos em seu próprio mundo e não parecem
perceber. Infelizmente, para mim, o alvo do meu olhar indignado não está nada
distraído e abre um sorriso irônico, antes de apoiar o capacete no guidão da moto.
— Uma foto duraria mais tempo, Lawson. — de repente, todos os olhares
estão sobre mim. Filho da mãe.
Eu, claro, faço o que qualquer mulher de vinte e um anos, indignada,
faria. O que, basicamente, envolve uma expressão despreocupada, enquanto finjo
procurar algo nos bolsos da minha calça, antes de fingir encontrá-la no bolso
traseiro e erguer o dedo de meio; arrancando uma gargalhada de Jasper e Chad,
ainda próximos a nós, e um olhar bastante afiado do alecrim seco, que parece não
ter gostado nada do gesto.
Em minha defesa, ele mereceu.
É oficial: qualquer coisa que aconteça em minha vida, a partir daqui, é
lucro. As minhas aulas de hoje foram absolutamente incríveis! Se as pessoas não
gostaram de mim? Ok. Se os idosos da cidade parecem ter visto um fantasma
quando me veem? Posso lidar com isso. Se um passarinho cagar na minha cabeça?
Qual é o problema? Acontece.
Estou perdidamente apaixonada pelo professor de anatomia. E não me
importo que ele tenha quase cinquenta anos e seja manco, o cara é uma lenda no
meio médico e conversou comigo por quase quinze minutos após a aula.
Atravesso o corredor vazio e frio, quase flutuando em minha aura de
felicidade, que não combina muito com a cara enfezada da garota loira sentada sob
uma árvore em frente ao prédio antigo com um livro grosso de título em latim
fechado sobre o colo.
— Eu pensei que você tivesse sido abduzida! — reclama. — Onde é que se
enfiou?
— Vicky, estou apaixonada por esse lugar! — Aponto para a construção
linda e bem restaurada às minhas costas. — Amo cada gárgula tenebrosa, juro!
Suas sobrancelhas quase alcançam os fios loiros em sua cabeça, mas ela
gargalha da minha empolgação.
— Bom saber. — Faz uma careta para os seres estranhos de pedra, que
arreganham suas bocas cheias de dentes para quem passa por ali. — Eu não iria
tão longe.
— Meu professor de anatomia é o máximo! — replico, enquanto ela se
levanta, limpando o traseiro. — Ficamos conversando e até perdi a hora de sair e...
Não termino de falar, porque o ronco da moto escura, que quase me atinge
com tudo, interrompe meus pensamentos. Com um grito, levo a mão até o peito,
assustada, ainda ouvindo irritada quando o babaca se afasta gargalhando, pelo
sucesso de seu plano maléfico.
— Mas que filho da... — começo a gritar, mas sou interrompida pelo ronco
de outro motor.
— Cuidado com a boca suja! — Mack passa logo atrás, de carro, e buzina
para nós em despedida, seguindo seu líder idiota.
— Seu amigo é um babaca! Eu detesto esse cara! — Ele também ri, é
claro.
— Não parecia odiá-lo enquanto o agarrava nas margens da floresta —
Vicky comenta de forma despretensiosa, ao sairmos dali. — Ou quando dançou
com ele na festa. Vocês pareciam… quentes.
— Só porque eu não sabia de quem se tratava! E eu não agarrei ninguém
naquela hora! Foi totalmente inocente! Eu quase morri quando aquele cachorro
apareceu! — justifico e Chad passa por nós, cumprimentando brevemente e, claro,
parando seu carro, típico de playboy rico, alguns metros à frente, em uma oferta
clara de carona. Que nenhuma de nós pretende negar, é claro.
— Tá vendo? Chad parece um cara legal — comento. — Ele não parece
capaz de fazer esse tipo de gracinha que poderia ferir alguém.
— Harper, me ouça, não tome partidos, ok? Você ainda não os conhece
bem — Seus olhos buscam os meus em uma advertência silenciosa. —, além
disso, nós somos neutras. Sempre.
— Não sei, não... — Ela para com a mão na maçaneta, os olhos castanhos
firmes, enquanto tento furar um buraco nas costas cobertas pela jaqueta preta do
líder da gangue de motoqueiros, reunida a alguns metros dali, em um restaurante
de fachada rústica.
— Neutras — avisa mais uma vez, antes de entrar no carro, sem ver que
Jasper passa por nós, acelerando sua moto um pouco mais no momento em que a
vê entrar ao lado de Chad.
— Não prometo nada — respondo a ninguém em especial, enquanto tomo
meu lugar no banco de trás.
Estreito os olhos ao passamos pelo pequeno grupo reunido diante do
restaurante e sinto os olhos escuros do babaca com capacete de lobo em mim,
enquanto Chad e Vicky conversam alguma coisa sobre a aula que fazem juntos.
De forma estranha, ainda sinto o peso de seu olhar, muito depois de sair do seu
campo de visão.
A aula sobre gestão de estoque ia bem, até eu ser convocado a comparecer
à secretaria para resolver alguma bobagem burocrática. Mais uma desculpa
esfarrapada do diretor, para outra reunião infrutífera junto a Chad Pai e Chad
Filho, é claro.
A cada segundo da conversa enfadonha, com as mesmas cobranças de
sempre, sinto o resfolego entediado dentro de mim, arranhando as barreiras que
nos separam e desejando com força se libertar e fazê-los calar a boca. Mas eu é
quem estou no comando, e apesar de estar irritado com a convocação, apenas finjo
estar ouvindo toda a mesma lenga-lenga de sempre, enquanto ainda penso no
modo como a novata não se acovardou diante da minha provocação de mais cedo.
— Silent Grove precisa que assuma o seu lugar, Ashbourne — Jerry
Nolan, o diretor da universidade e um dos melhores amigos do meu pai, afirma. —
Já passou da hora de você atender ao seu chamado.
Que merda de chamado. — Penso comigo mesmo.
A verdade é que estou cansado de toda essa cobrança infernal sobre a
porcaria de uma herança que não pedi e que não pretendo reivindicar tão cedo.
Não se eu tiver escolha. A questão é essa, não é? Até quando eu conseguirei
impedir que tudo mude?
— Nisso, nós concordamos. — Chad Pai me encara com severidade. É
claro que ele concorda, não é o playboy ao seu lado. — Estamos expostos aqui.
Claramente, seu grupo não está dando conta de proteger a cidade, como consta nos
acordos.
— Não temos ataques há semanas — Nolan nos defende. — Acha que é
apenas coincidência? Que nossos garotos não estão empenhados nisso?
E lá vamos nós. Quase dez minutos de discussão e de acusações trocadas,
sobre um passado catastrófico, depois, estalo a língua e me levanto, encerrando
minha participação nesse circo.
— Não fomos informados sobre a chegada de novos alunos — comento,
como se não fosse nada demais, embora a lembrança da garota de cabelos escuros
surja em minha cabeça imediatamente. — Isso não deve acontecer de novo.
— É uma Lawson — Chad Filho decide participar, é claro. — Uma
herdeira, como nós.
— Ainda assim. — Não desvio os olhos dele, sentindo um prazer insano
quando o covarde desvia os seus. Fracote. — Ela está limpa, claro. Me certifiquei
disso na noite em que as forasteiras chegaram.
Minto, é claro. Encontrei-a por acaso e quase a atropelei naquela noite. A
lembrança de seus xingamentos quase me faz rir.
— É claro que está — Chad II me irrita, apenas por abrir a boca.
— Enfim, isso não muda o fato de que precisará reivindicar seu lugar,
filho. O quanto antes — Nolan retorna ao assunto dos infernos.
— Tenho a lealdade do clã e comando tudo por aqui, não é? — Mantenho
minha atenção no prefeito que, assim como seu filho, não consegue manter-se sob
a minha mira por muito tempo. — Ter a porra de um título ridículo não fará
diferença alguma para vocês, mas mudará a minha vida para sempre, e não estou
nem um pouco interessado nisso, no momento.
— É sobre responsabilidade e destino — Chad Pai afirma. — Todos temos
um papel a desempenhar aqui, Ashbourne.
— E o do seu precioso filho é se casar com uma das Lawson. — Aponto
para o idiota ao meu lado. — Enquanto eu e meus amigos nos arriscamos todos os
dias para mantê-los seguros. Muito justo.
— Experimente ter o seu destino traçado e não poder escolher sequer a
pessoa com quem vai dividir a cama. — Chad II não parece tão feliz agora, e eu
quase me sentiria mal por ele, se suas opções não fossem duas garotas lindas. —
Ainda mais quando, claramente, ela não está interessada em você.
Ele tem um ponto. Mas, para azar dele, não posso ser considerado uma
pessoa empática. Especialmente com ele.
— Foram os termos do acordo! — a voz do diretor decreta, em um tom
profundo, batendo a palma na mesa.
Porra de acordo do caralho. Sempre me fodendo.
— Se eu fosse o líder, como tanto deseja, não falaria assim comigo, Nolan
— advirto ao reitor. — E eu nem estaria aqui, nessa discussão de merda. Talvez,
seja interessante reivindicar o meu lugar, no fim das contas.
Deixo a sala, ignorando os chamados nervosos de Nolan, sabendo que terei
que lidar com as broncas e reclamações de Owen, em algum momento, por causa
da fofoca que, certamente, chegará ao meu pai. Sem humor para gracinhas, sigo
pelo corredor já vazio que leva ao estacionamento e respiro fundo, antes de me
deparar com Harper Lawson conversando animadamente com Vicky, próxima à
guia do meu fio.
Foi apenas mais uma casualidade que a colocou em meu destino agora,
mas com a lembrança da satisfação em seu rosto anguloso e bonito, quando
respondeu à minha provocação mais cedo, de volta à minha memória, meu
destempero alivia um pouco, ao mesmo tempo em que algo gargalha dentro de
mim quando a ideia cruza minha mente.
Não demora muito para que eu esteja sobre a minha moto, assustando-a ao
fazer uma manobra rápida, jogando o veículo em cima dela ao passar ao seu lado,
replicando a primeira vez em que a vi. Nosso primeiro encontro.
Como esperado, Harper Lawson xinga alto, exatamente como naquela
tarde. E faz quase tudo valer a pena.

— Ela não faz ideia de com quem está lidando — Eli comenta, assim que
Chad II passa com as garotas Lawson no carro, como se estivesse exibindo a
porcaria de um troféu. Dois, no caso. Todos nós observamos o olhar raivoso que
ela me lança do banco de trás e, isso, claro, nos faz rir da sua audácia, semelhante
à porcaria de um filhote de gato nervoso, desafiando um tigre.
— Ela é intrépida, eu disse. — Mack se acomoda na cadeira de madeira ao
lado de Jasper, enquanto esperamos a Sra. Greyson trazer nosso almoço.
— Precisamos tirar o dicionário do banheiro. Urgente. — Jasper ainda
encara o local por onde o carro desapareceu, com um olhar ressentido — Cara,
como eu detesto esse babaca seboso!
Somos dois.
Não pelo mesmo motivo, claro.
Obviamente.
O aroma de limão e todas as outras coisas, ainda paira pelo ar e, quando
meu amigo inspira forte, como se farejasse ao redor, algo se revira dentro de mim.
Desagradável e pungente.
Uma bela hora para que essa merda comece a se manifestar.
— Que se dane o almoço, eu preciso de uma bebida forte — aviso, antes
de sair dali, me colocando a caminho de casa, sem maiores explicações.
Eu deveria ter almoçado.
Parado diante da geladeira, tento fazer a porcaria de um lanche, mas tudo o
que encontro ali são restos antigos de algo que já foi um queijo — antes de ser
uma coisa peluda e esverdeada — e pães integrais, igualmente mofados. Jogo tudo
fora e pego uma maçã murcha que encontrei dando sopa sobre o balcão, antes de
sair de casa à procura de algo decente para comer.
Minutos depois, paro num pequeno café/lanchonete no centro da cidade e
ignoro propositalmente a bruxa velha que mantém os olhos claros e leitosos sobre
mim, enquanto devoro parte do banquete que acabei de pedir, deixando meus
olhos vagarem pelo pequeno lugar.
Amarelo é uma cor bastante chamativa para alguém que parece não
gostar de atrair atenção — me pego pensando, ao olhar para o pequeno sobrado
alguns metros à frente, e ainda estou refletindo sobre isso, quando a porta
vermelha — marca registrada da família Lawson — se abre, revelando a garota
usando um coque alto e um blusão largo demais para ela, que atravessa a rua de
forma distraída com uma espécie de tablet nas mãos.
Um carro se aproxima e, claro, ela não nota. Como poderia ver alguma
coisa, com a cara enfiada naquela merda? Estou prestes a me levantar e correr em
sua direção, mas o motorista é mais rápido e a buzina alta irrompe o silêncio do
fim de tarde, fazendo-a saltar no lugar. O pequeno aparelho colado contra o peito,
que sobe e desce com dificuldade por causa do susto. Um tanto atrapalhada,
acompanho enquanto Harper Lawson atravessa a rua e entra no lugar, sem sequer
notar que estou aqui, rindo do que acaba de acontecer. Dissolvendo um pouco da
tensão acumulada em meus ombros, enquanto volto a comer, fingindo não notar a
risada sonora há algumas mesas de distância.
Velha fofoqueira do caralho.
— Ah, que merda! — ouço-a xingar atrás de mim. — Eu vou ali pegar o
dinheiro, ok?
Onde é que essa garota anda com a cabeça?
Me levanto e sigo até o caixa, onde Emilly, uma das calouras do curso de
administração, tenta se esconder ainda mais dentro de seu uniforme ao me ver
aqui.
— Pode colocar o que a doce Srta. Lawson pediu na minha conta. — A
garota apenas assente, nervosa, e faz o que eu disse, lançando rapidamente na
comanda eletrônica, enquanto a outra parece prestes a ferver ao meu lado.
— Doce? — Estreita os olhos. Ela tem razão, é algo mais. A voz em
minha mente ecoa. — Moça, por favor, não anote. Eu moro aqui na frente e estou
indo buscar o dinheiro. Eu nem conheço esse cara!
Espalmo a mão no peito dramaticamente e ela revira os olhos para a
expressão triste que meu rosto possui agora.
— Harper! E eu achando que éramos quase amigos! — Sigo meu teatro,
vendo seu rosto atingir uma coloração avermelhada, quase preocupante. — Ela só
está tímida, Emilly. Nós até dançamos juntos no outro dia… — Estalo a língua. —
É difícil ser nova em uma cidade tão unida quanto a nossa, não é?
— Liam Ashbourne — sua voz sai entredentes. — Para com essa merda.
— Ash — corrijo-a, embora não tenha ficado furioso, como costuma
acontecer quando usam meu nome inteiro. — Venha, vamos nos sentar e bater um
papo, como os bons amigos que somos.
— Ele é louco — afirma para a pobre garota, prestes a desmaiar com nosso
embate. Porém, noto exatamente o momento em que algo muda em seu rosto e,
pela presunção ali, sei que Harper está aprontando alguma. — Quer saber, Emilly?
Já que meu amigo, Liam, está tão disposto a me agradar, acrescente mais dois
muffins de chocolate e outros dois de ricota e alho-poró. E mais um chocolate
quente. Pegue também uma barra de chocolates dessas pra você e um chá para a
Sra. Holloway, tudo, claro, com os cumprimentos do meu amigo aqui.
Harper abre um sorriso largo e ergue o braço, acariciando meu rosto sem
qualquer hesitação. O toque inesperado e quente de sua mão, enviando um sinal
estranho que agita todo o meu interior e me faz engolir em seco. Ao mesmo tempo
em que a pobre moça, do outro lado do balcão, parece prestes a cair dura ali
mesmo. É comum que o povo da cidade tema a mim e se afaste, sempre que chego
em qualquer lugar, mas não a intrépida Lawson, ao que tudo indica.
— Embale tudo para viagem, por favor — pede, enquanto a garota sai do
transe e passa a embalar tudo rapidamente, evitando olhar para nós. — E conte
para suas amigas que o QB do Warrior Wolves não tem nada além de amor no
coração. Ele é um fofo, apesar da aparência de badboy. Obrigada, Liam. Por tudo!
A safada pega a embalagem de papel com seu pedido e assopra um beijo
em minha direção antes de sair, me deixando plantado aqui feito um idiota. Eu
mereci, confesso. Mas vai ter volta, Harper M. Lawson. Ah, vai.
Você não perde por esperar.
Volto para o meu lugar, ruminando sobre a porcaria que acaba de acontecer
e termino rapidamente de comer, para dar logo o fora dali. O maldito de um dia de
cão, esse. Depois de pagar uma conta absurdamente alta, considerando as
estripulias da minha nova amiga, estou a caminho da minha moto quando a velha
Holloway, ainda bebericando o chá pedido por Harper, com os olhos fixos em
mim, comenta:
— O engraçado de se ter vivido muito é ver como algumas coisas se
repetem ao longo do tempo — a voz fraca e agourenta afirma. — Nem tudo
precisa ser igual, porém. Posso esperar mais de você, jovem Ashbourne?
— Não deveria esperar nada, Senhora — respondo, mal-humorado,
virando as costas e seguindo até minha moto, ignorando a sensação de estar sendo
observado por aquela bruxa. Quando ergo os olhos, já pronto para dar o fora dali,
encontro a maldita Lawson brindando a mim com o copo fumegante, de sua janela
no segundo piso da casa.
O sorriso que ergue meus lábios é a promessa de que aceitei o seu desafio.
Ela não faz ideia de com quem está mexendo.
No ar frio da noite, tudo sempre parece menos complicado.
No céu, a lua cheia ilumina parte da floresta, enquanto eu sigo meu
caminho. Finalmente, livre. Minhas patas tocam o chão fofo, coberto das folhas
úmidas por conta do nevoeiro que cobre a cidade, enquanto eu corro, saltando de
tempos em tempos, farejando tudo pelo caminho.
Mais uma noite em vigília, sem encontrar nenhum rastro remanescente
daquele maldito invasor, após sua última tentativa. Em meu olfato, apenas o aroma
cítrico, atraente e delicioso, uma mistura de limão siciliano, jasmins e cedro —
pertencentes à destemida forasteira que tem medo de cachorro, como descobri dias
atrás, à margem da floresta.
O que ela diria ao saber da existência dos lobos correndo por aqui?
O que dirá da existência de seres como eu?
Temeria a mim ou me aceitaria?
Não importa.
Por enquanto.
Perdido dentro da minha cabeça, sentindo o vento bater contra a pelagem
quase preta que cobre a minha forma lupina, noto o exato momento em que uma
essência estranha e perigosa se aproxima. Ergo a cabeça, atento aos sons da
floresta e aos passos do animal, correndo alguns metros adiante, me colocando em
movimento. Corro sem parar, até vê-lo: a pelagem branca como a neve, se
destacando entre as árvores enquanto ele segue a trilha que o levará direto ao
centro da cidade.
Que porra!
O vento bate contra mim, sacudindo minha pelagem e noto o exato
momento em que o outro lobo percebe que está sendo seguido. Com uma
velocidade espantosa, ele corre em direção às árvores na direção contrária,
entrando na área mais densa, onde o resto da alcateia segue monitorando.
Escapando de mim, mais uma vez.
Frustrado, ouço os uivos de comunicação entre os meus e decido terminar
a ronda nos arredores do centro da cidade, me certificando de que o território
esteja totalmente deserto nessa madrugada fria, exatamente como sempre esteve e
deve permanecer.
Tudo normal por aqui, exceto pelo aroma frutado que fica cada vez mais
forte, à medida em que cruzo os limites da cidade e encaro a casa amarela de dois
andares e a tradicional porta vermelha, representando a força das Lawson. O
perfume ali, como eu previa, é ainda mais intenso, e eu me deixo ficar por um
tempo, permitindo que ela siga me acalmando, amansando meu temperamento
feroz, que deseja estripar o verme que ousou pisar no meu território.
Não importa quanto tempo leve, nem mesmo a teimosia determinada e a
sua negação, tudo mudará no instante em que nos tornamos um só — garanto à
metade relutante dentro de mim.
E esse momento está mais próximo do que se possa imaginar.
Eu esperei por uma represália, até mesmo me preparei para humilhação
pública. Porém, surpreendentemente, quase uma semana depois, o temido capitão
do time de futebol americano e famoso quarterback do Warrior Wolves, fez pouco
mais do que apenas me cumprimentar de longe, como se fossemos velhos
conhecidos.
Se eu fosse uma mulher ingênua, acreditaria que ele não se importou com
o que fiz em nosso último encontro, mas não sou. Ele ainda vai tentar se vingar de
mim. Eu vi isso claramente no brilho perigoso de seus olhos naquela tarde.
Foram dois dias sem vê-lo por aqui com seus amigos e suas motos
barulhentas, mas hoje, elas estão estacionadas no lugar de sempre e, pelos gritos e
apitos ao longe, o time voltou a treinar no campo. O que indica que é um ótimo
momento para ir para casa e me safar das consequências de ter enfrentado o
temido badboy da cidade.
Eu não sou ingênua, nem burra. E não vou ficar dando sorte ao azar.
Envio uma mensagem para Vicky, avisando que estou indo para casa e não
espero por resposta, ajeitando a mochila nos ombros, desço a rampa rumo ao
centro da cidade. A vantagem de morar em um lugar assim é que fica fácil se
localizar e, depois do tour que fiz junto à minha prima, sei exatamente onde devo
passar para chegar em casa mais rápido. Inclusive, alguns atalhos.
No segundo deles, algo em que eu não tinha reparado antes, chama minha
atenção. A culpa foi toda do homem mais velho que fez o sinal da cruz e fechou a
janela de madeira onde estava empoleirado, ao me ver passar. Tudo bem, o que é
que esse povo tem contra mim? Eu não nasci aqui, mas toda a minha família, sim.
Minha mãe me advertiu sobre o tradicionalismo do lugar, mas, ainda que sejam
muito conservadores, ser filha de mãe solteira não configura algo que valha uma
cuspida ao me ver passar. Maldito sr. Grosby.
Uma pequena construção antiga se destaca, com suas torres altas enfeitadas
por arabescos, disfarçadas pelas plantas de folhas verde-escuras no barranco atrás
dela. Algo esquecido, parado no tempo. Assim como na universidade, as terríveis
estátuas em formato de lobos — aqui, paradas de frente uma para a outra, como
sentinelas — vigiam o curto caminho que leva à porta larga de madeira, onde uma
inscrição em latim foi entalhada na pedra e que o tempo apagou em alguns
trechos. “Ubi lupus dormit, nemo intrabit." Leio em voz alta e uma brisa leve e
gelada, vinda lá de dentro do lugar acerta o meu rosto, me fazendo espirrar
imediatamente.
A rinite não dá trégua, nem mesmo em momentos tensos como esse. Bom
saber.
Pego meu telefone no bolso e tiro uma foto rapidamente, sem muita
coragem de entrar ali e acabar presa nesse lugar cheio de poeira e, Deus me livre e
guarde, aranhas. Estou prestes a me virar, quando uma moto passa por mim,
desacelerando ao me notar ali, já que para alguns metros à frente, revelando Jasper
e seus fios castanhos bagunçados.
— Perdida, Harper? — Me encara sobre o ombro largo. — Que tal uma
carona pra casa?
Ainda aos espirros, tropeço até ele, aliviada por não ser o seu amigo e,
claro, aceito a carona. O velhote ainda está de olho em nós, e tenho certeza de que
não faltava muito para que ele começasse com a coisa do cuspe.
— Vicky não veio com você? — pergunta, antes que eu suba na moto,
colocando o capacete que ele me oferece, enquanto envolvo e seguro firme em sua
cintura. Eu é que não vou correr o risco de cair, só para não encostar em um cara.
Vicky vai entender, claro.
— Eu saí mais cedo — grito de volta, tentando não espirrar ao sentir o
cheiro de couro de sua jaqueta.
— Ah — é só o que responde enquanto cruzamos algumas ruas.
Não demora muito para que ele pare diante da porta vermelha do sobrado
de tia Lin, que pertenceu aos meus avós e aos avós deles, provavelmente.
— Jasper, obrigada. — Sorrio ao descer, apoiando as mãos em seus
ombros largos. — Você sempre está me salvando.
— Minha missão de vida, Harper. — O sorriso não chega ao restante de
seu rosto.
— Eu pensei que era irritar o Chad — retruco sorrindo.
— Isso também — concorda. — Você não deixa nada passar, não é?
— Eu não sei o que rola, mas há algo entre você e a minha prima. — Seus
olhos castanhos focam nos meus e ele apenas bufa uma confirmação. — Só que...
Não entendo. Se você gosta dela e ela parece se sentir da mesma forma...
— É complicado. — Os dois combinaram essa droga de resposta evasiva?
— E meio que impossível.
Reviro os olhos por causa da sentença dramática.
— Jasper, se vocês se gostam, não há nada que possa... — Ele engole em
seco e solta um riso irônico quando o carro de Chad para um pouco atrás de nós, e
Vicky sai dele, despedindo-se brevemente do outro, que acelera ao mesmo tempo
em que Jasper se despede de mim e arranca com a moto.
Qual é a desses caras?
— Está tudo bem? — ela pergunta, ainda olhando na direção que o idiota
de moto desapareceu.
— Acabei me perdendo no caminho e fui salva pelo seu não-namorado —
provoco-a, mas me arrependo quando suspira desanimada. — Esqueça isso. Que
tal sorvete?
Abraço os ombros de Vicky e entramos juntas em casa. Ela perdida em
seus próprios pensamentos, como parece ser comum, sempre que Jasper aparece, e
eu ansiosa para uma noite de pesquisas sobre o tal templo abandonado.

Vou confessar, e que minha mãe não me ouça, mas a curiosidade me


venceu.
Tudo culpa da cisma que as pessoas mais velhas dessa cidade têm comigo.
Não tenho orgulho do que estou fazendo nesse momento e, mais uma vez, me
sinto a menina esquisita na cidade com nome de talher, procurando algo sobre
criaturas sobrenaturais e místicas do lugar.
É. O fim do poço veio e eu estou admitindo isso, enquanto clico no link
que vai me ajudar a traduzir o que a inscrição naquela construção abandonada
significa. Abro a foto e rabisco as letras do que parece ser latim em uma folha de
papel, antes de digitá-las no teclado do notebook e esperar que a magnífica
internet me ajude a descobrir o que havia lá, fora a poeira e as aranhas, claro.
“Ubi lupus dormit, nemo intrabit."
Não leva meio segundo — a cidade não é uma grande metrópole, mas a
internet funciona muito bem, graças a Deus — e o resultado está na tela. Leio e
releio várias vezes, buscando algum significado oculto, mas não consigo nada
mais do que apenas a frase crua, que me deixa pensativa e um tanto confusa.
“Onde o lobo dorme, nenhum homem entrará.” — diz a inscrição em
latim, associada a algumas lendas sobre lobisomens, segundo o site bastante
esquisito e, aparentemente, idealizado por uma criança de dez anos.
E como a pessoa teimosa que sempre fui, somente isso não sacia em
absolutamente nada a minha curiosidade sobre o lugar. Se eu pretendo construir
uma vida aqui, preciso entender o receio dos cidadãos mais velhos com a minha
chegada. Ou essa é apenas uma desculpa esfarrapada de uma jovem estudante de
medicina que, no alto de seus vinte e um anos, perdeu o sono e está em uma
cruzada para tentar desvendar os segredos de Silent Grove, que podem explicar os
motivos que fazem o amável sr. Grosby cuspir no chão quando passo por ele.
Em menos de um segundo, milhares de imagens pipocam diante dos meus
olhos. Lobos, em sua maioria, alguns gigantescos, mas todos exibindo seus
caninos afiados e, até mesmo, alguns monstrengos peludos em forma humanoide,
prontos para arrancar a cabeça de aldeões assustados que usam tochas para se
defender.
Como é que eu vim parar nisso? E pior: por que não consigo parar de ver e
ler tudo o que encontro a respeito?
Eu só posso estar enlouquecendo.
A coisa só piora quando, horas mais tarde, exausta, depois de tanto ler
sobre os tais lobos e até mesmo comprar uns romances com cenas picantes,
envolvendo os monstrengos mandando ver com suas prometidas humanas, saio do
meu quarto, me arriscando na cozinha, em busca de um lanchinho da madrugada e
um copo de água para depois tentar dormir um pouco.
Do alto da escada, um ponto sobre o batente da porta chama a minha
atenção, assim como a espingarda antiga sobre a cristaleira, que pertenceu à vovó
Lottie. “Nunca abra a porta de madrugada. Não importa o quanto eles chamem”.
É o que diz a placa afixada sobre a porta vermelha, quase coberta pelo gesso das
últimas reformas.
Se eu olhei sobre o ombro para a janela da cozinha? Claro que sim. E logo
que percebo que está devidamente fechada, abro a geladeira e tiro dali o bastante
para fazer um lanchinho rápido. Sem me sentar, começo a preparar meu sanduíche
enquanto tomo um gole do suco e me arrepio da cabeça aos pés quando ouço o
som de passos pesados do lado de fora da porta, seguidos de um uivo alto o
bastante para me fazer saltar no lugar.
Pouco depois, a porta se abre e eu seguro firme a faca que usei para
espalhar maionese no pão, pronta para me defender de seja lá o que estiver vindo.
Ou pelo menos tentar, considerando a ponta arredondada da minha arma. O grito
sai da minha garganta ao mesmo tempo em que a luz da sala é acesa, revelando tia
Lin com suas roupas brancas, parada de olhos arregalados no meio da sala, me
encarando assustada.
— Moon, querida? — chama, seus olhos fixos na faca que eu finjo limpar
no resto do pão amassado em minha mão. — Ainda acordada? Está tudo bem?
Maldita curiosidade.
— Que tal um pouco de chá? Você parece nervosa. — Ela deixa a bolsa
sobre o antigo aparador e o casaco e o cachecol no armário, antes de vir em minha
direção.
— Você ouviu, não foi? — Mordo o sanduíche e espero por sua resposta.
Não é possível que eu tenha imaginado aquele uivo.
— Os lobos? — O modo como sorri é idêntico à minha mãe, e meu peito
se aperta de saudade daquela maluca. — Claro que ouvi. — Tia Lin coloca a
chaleira no fogo e se senta na cadeira à minha frente, seu olhar é bondoso e
paciente, como sempre, e ela acaricia as costas da minha mão, tentando me
tranquilizar. — Deve ser estranho para você. — Sorri, apertando minha mão na
sua. — Mas é algo comum por aqui. Por isso não saímos à noite, se pudermos
evitar. Os lobos são animais selvagens e podem ser muito perigosos para nós.
— E você fica andando por aí? — A chaleira apita e me faz pular na
cadeira. Maldita hora em que eu decidi pesquisar sobre essas merdas.
Claro que ela ri do meu estado sobressaltado, enquanto deposita os
saquinhos de chá na água fervente das xícaras. Ela não estava navegando nas
inúmeras lendas envolvendo animais terríveis e cheios de dentes, como a idiota de
mais de vinte anos que está prestes a ter uma noite insone.
— Moon, o motorista do hospital sempre me acompanha, não se preocupe.
— Sorri por cima da xícara. — Só me prometa não sair à noite sozinha, ok? É
realmente perigoso.
— Certo. — Tomo meu chá quentinho e tento não pensar mais sobre o
assunto.
Pelo menos, por enquanto.

Entre as árvores cobertas de musgo verde, eu corro.


Meu corpo inteiro treme de pavor, com seu “modo sobrevivência” ativado,
enquanto eu fujo sem me importar com as teias de aranha e os ruídos de pequenos
animais ao meu redor. Nem tão ao longe quanto eu gostaria, ouço o uivo terrível
da fera que me persegue, o que arranca um grito da minha garganta e me
impulsiona a correr ainda mais rápido, graças ao vacilo de ter denunciado a
minha localização.
Entre as raízes altas, eu tropeço e corro o quanto posso, ouvindo os
rosnados revoltados da fera de pelo branco como a neve que me persegue de
forma incansável. Descalça, vestindo uma camisola longa e clara de seda, tento
desviar dos galhos baixos das árvores que, de tempos em tempos, batem no meu
rosto e arranham minha pele.
O lobo gigantesco uiva mais uma vez, antes de saltar sobre mim, as patas
pesadas me prendendo contra o chão, enquanto o focinho largo se aproxima
perigosamente do meu rosto, e ouço uma voz masculina desesperada gritar meu
nome, antes de um rosnado bestial.
Acordo gritando feito uma louca em minha cama quente, ainda vestindo o
pijama de mangas longas e calça, estampado com as mais diversas versões de ovos
fritos, enquanto encaro o teto, ainda ofegante e com o coração quase saindo pela
boca.
— Parabéns, Moon — cumprimento a mim mesma, escondendo o rosto em
meu antebraço. — É isso que dá, ficar até tarde pesquisando bizarrices online.
Apesar de que eu já deveria ter entendido que era um pesadelo quando me
vi correndo de camisola sexy de seda. Eu nem tenho algo assim.
Me viro de lado, afundando o travesseiro sobre a minha cabeça, abafando
os pensamentos ridículos e voltando a dormir. São apenas seis e meia da manhã,
está frio e é sábado. Eu mereço um descanso.

Sinto meu corpo afundar e imediatamente me sento na cama, disposta a


lutar pela minha vida. Sem sonhos com lobos gigantes dessa vez, mas não serei
pega de surpresa. Não tão fácil.
— Meu Deus, Harper! — a voz estridente sai da dona do braço que seguro
com força. — Isso vai deixar um hematoma, poxa!
Vicky, totalmente maquiada e vestida para sair, esfrega o braço magrelo,
me encarando com indignação.
— Desculpa. — Caio de costas sobre o travesseiro e esfrego o rosto nas
mãos, tentando acordar. — O que é que pretende fazer tão cedo, em um sábado?
— Você se esqueceu — decreta, com um olhar magoado.
Meu cérebro tenta se lembrar, mas ainda estou um pouco letárgica de sono
e não consigo chegar a nenhuma conclusão, por isso, eu espero. Tenho certeza de
que ela está prestes a dizer que merda eu esqueci dessa vez.
— É quase uma hora da tarde, dorminhoca. — Joga as almofadas que
espalhei no chão antes de me deitar ontem. — E nós temos uma festa para ir.
Ah.
— Outra festa? — choramingo, escondendo a cara no travesseiro. —
Vicky, você vai sem mim.
— Não mesmo! — a loira responde exigente. — Você prometeu que iria
comigo, então, vai tomar um banho e se arrumar, enquanto eu preparo algo para a
gente comer, tudo bem?
Absolutamente, não.
— Ok, senhora. — Finjo uma continência, antes de rolar na cama.
Então, compreendo por que o poderoso Ash não fez nada antes: hoje é o
dia em que me fará pagar pelo nosso encontro na lanchonete. O look do dia será
algo escuro e bem ousado, que combine com a humilhação pública que
provavelmente me tornará uma piada para todos.
A vingança é um prato que se come frio, não é?
E algo me diz que Liam Ashbourne tem total certeza disso.

Dessa vez, a festa não será em uma das colinas que cercam a cidade, mas
na própria universidade, que preparou o local para receber seus alunos para mais
um semestre de aulas. Observo minhas botas de salto alto e tiro um fiapo
imaginário de minha calça justa escura, que compõe meu look básico com a blusa
de tricô clara e um casaco xadrez, predominantemente vermelho, que escolhi usar
ao ser obrigada a sair de casa.
Porém, quando vejo Elias Greyson, o renomado professor de anatomia,
tomando o que parecer ser ponche, enquanto olha ao redor, um tanto deslocado,
começo a pensar que talvez, meu dia tenha melhorado em duzentos por cento, e
que há, no fim das contas, um objetivo divino para eu ter saído da minha cama
quentinha nesse dia frio e feioso.
Me aproximo dele e, pouco tempo depois, estamos conversando
animadamente sobre alguns artigos científicos que li no decorrer da semana, a
respeito de algumas pesquisas para tratamento de doenças degenerativas, quando
os roncos das motocicletas tomam conta do lugar. Não demora muito para que a
gangue do couro apareça e roube toda a atenção, inclusive do professor, que sorri e
cumprimenta todos que passam por ele, como velhos conhecidos.
Me sinto murchar por dentro. Só um pouquinho mais, quando o líder deles,
ainda mais lindo do que de costume, em suas roupas pretas, para diante de nós e é
abraçado por um Greyson empolgado, antes de olhar para mim.
— Vejo que já conheceu minha amiga, Harper — cumprimenta,
estendendo a mão grande em minha direção, porém, não tenho tempo de reagir,
porque de trás dele, Mack surge, abraçando a minha cintura e me erguendo no ar.
Em seguida, Jasper deixa um beijo na lateral do meu rosto, antes de
cumprimentar animadamente o professor, ignorando o olhar irritado no rosto de
Ash, que não desvia sua atenção de mim.
— Então, ainda somos amigos, não é? — abro meu melhor sorriso,
desejando que ele não jogue todo o conteúdo vermelho da tigela enorme sobre a
mesa, em minha cabeça.
— Algo assim. — Abre um sorriso de lado que o deixa ainda mais
charmoso. E eu devo estar ficando louca, ou essa porcaria, cheia de pedaços de
maçã, está mais forte do que imaginei. Me surpreendendo, Ash se aproxima mais,
sem me tocar de forma alguma, ainda assim, muito perto. — Vai dançar comigo
hoje, amiga?
— Não vejo ninguém dançando por aqui, Liam. — Ele estreita os olhos e o
professor se engasga com seu ponche ao nosso lado. — Mas, quem sabe?
— Vou cobrar. — Suas narinas dilatam quando seu rosto se aproxima do
meu e ele deixa um beijo quase em meu pescoço, inspirando ali. — Até daqui a
pouco, Harper Moon.
Ah, pronto. Agora ele sabe meu segundo nome idiota.
A cena icônica daquele filme de terror me vem logo à cabeça e corro os
olhos pelo lugar coberto de grama verde e lotado de gente, pensando em quantos
deles estarão dispostos a me dar um banho de tinta vermelha. Não posso sequer
pensar em sangue de porco nesse momento.

Algum tempo depois, o professor sai mancando até seu carro e Victoria
finalmente se junta a mim. Talvez eu tenha bebido mais do que deveria, já que
estava me balançando sozinha com a música comandada pelo garoto bonitinho
daquela outra festinha, que está realmente mandando bem nas escolhas das
batidas.
Movo os quadris e fecho os olhos, dançando com a minha prima e Kat,
uma colega de curso que gargalha o tempo todo, porque, segundo ela, não
consegue acompanhar o ritmo das batidas como estamos fazendo. Ainda estou
rindo do seu último comentário sobre precisar de uma prótese de quadril em breve,
quando ela arregala os olhos e logo sinto a mão firme sobre o meu ombro, me
girando no lugar e me colocando de costas contra o peito largo, que se move junto
comigo.
Seu cheiro amadeirado domina tudo ao redor. Triste, mas verdade.
— Já é daqui a pouco, amiga. — O risinho debochado que solta em meu
ouvido faz meu corpo arrepiar.
— Você não é meu amigo quando pretende se vingar de mim — comento,
ainda de olhos fechados, enquanto dançamos juntos a batida latina e ele tira o
cabelo do meu ombro, encaixando sua cabeça ali.
— Sempre tão durona... A intrépida Harper Lawson está com medo? —
Abro os olhos e me deparo com o olhar questionador da minha prima e com a
expressão encantada de Kat, que parece estar diante de uma celebridade.
— Ash, você precisa vir. — Jasper se aproxima de nós e o corpo inteiro do
jogador junto a mim fica tenso. — Agora.
— Estamos quites, então. — Sorrio para a expressão furiosa em seu rosto e
volto para perto das minhas amigas. — Boa festa, Liam.
Passamos mais de uma hora dançando, bebendo e rindo feito bobas, antes
que Kat se agarrasse com um dos carinhas fofos da nossa sala, enquanto Vicky e
eu seguimos apenas curtindo a música e nos divertindo sozinhas.
— Harper, você deveria tomar um pouco de água agora. — Estende o copo
com o líquido incolor para mim.
Sua aparência angelical fica ainda mais evidente em suas roupas claras e o
casaco longo rosa pink, deixando-a parecida com uma modelo, quando joga os
fios loiros e pesados para trás. Uma nova movimentação acontece e alguns
jogadores do time, que haviam retornado, depois de saírem atrás de Ash,
desaparecem novamente. Estão aprontando alguma coisa.
— Discordo! — argumento, erguendo o indicador. — Vicky, se vão jogar
sangue de porco em mim, terão que lidar com o cosplay de exorcista que preparei.
— Porco? — Primeiro, ela parece confusa. Porém, em seguida, cai na
gargalhada e avisa: — Vocês estavam dançando beeeem juntinhos antes, não acho
que Ash faria algo assim. — Ela tira o celular do bolso e confere as horas, antes de
voltar a guardá-lo. — Já está tarde, estamos indo embora agora. Eu vou ao
banheiro e depois pedimos um táxi, tá bom?
— Não! Nós vamos andando. — Sinto meu corpo leve, apesar dos saltos, e
a ideia fixa de entrar naquela espécie de templo abandonado retornou com tudo
nos últimos minutos. — Não demora, tem uma coisa que eu quero te mostrar.
Um pouco tonta, corro o olhar pela festa e, claro, me deparo com o meu
“desassossego em pessoa” me olhando de volta. Liam Ashbourne ergue o rosto
para mim, e logo, um sorriso malicioso estica seus lábios e provoca algo estranho
dentro da minha barriga, o que me desestabiliza um pouco e me faz pisar em falso.
Talvez eu humilhe a mim mesma, sem qualquer intervenção externa —
sempre fui autossuficiente — penso, quando não consigo me recuperar sozinha.
Mas logo sou amparada por dois braços fortes, que me envolvem e me pressionam
junto ao peito forte dono de um cheiro diferente do que eu esperava. É claro que é.
Ninguém se deslocaria tão rápido assim, é claro.
— Liam? — o som escapa sem que eu consiga segurá-lo e o estranho se
afasta rápido demais para olhar para mim, visivelmente indignado.
— Você... — Chad puxa o ar com força e, então, faz uma negativa leve
com a cabeça. — Acho que precisa de uma água, Harper.
— Você também não parece tão bem. — Estalo a língua. — Estou de saída,
só esperando Vicky voltar.
Os olhos quase verdes me encaram por alguns segundos, como se estivesse
prestes a tomar uma decisão difícil e complicada, porém, Chad não demora muito
para reagir e se aproxima mais.
— Acho que Vicky estava com Jasper, perto da área dos banheiros — o
desgosto ao falar o nome do meu novo amigo é evidente. — Mas posso te levar
pra casa.
Desvio o olhar por sobre seu ombro largo, mas não vejo o chefe irritante da
gangue em parte alguma. Esse cara tem superpoderes? Como é que alguém
desaparece assim? O pensamento ecoa dentro da minha cabeça que, nesse
momento, parece estar cheia de algodão. Tiro meu telefone da bolsa e mando uma
mensagem para Vicky, avisando-a que pegarei uma carona com o filho do prefeito
e que espero muito que ela e Jasper se resolvam.
— Tudo bem, me leve para casa, príncipe encantado. — Chad sorri e
estende a mão, me conduzindo pela rampa alta que leva ao estacionamento. Meu
telefone vibra e “Ok.” É a única resposta que recebo daquela loira misteriosa.
Não conversamos muito no caminho e eu apenas assinto quando Chad me
pede para esperar diante do prédio da secretária, já fechado à essa hora, enquanto
ele busca o carro. Talvez, eu tenha tropeçado mais de uma vez e isso pode ter
despertado sua atenção, ao que agradeço mentalmente, já que meus dedinhos dos
pés estão amassados dentro da bota que quase alcança meus joelhos.
Enquanto espero, observando o mundo girar ao meu redor, noto um
movimento na lateral do prédio antigo e, ao parar e focar minha atenção, desejo
não o ter feito. Ash, em toda a sua imponência de badboy gostoso, está lambendo
o colo de uma garota de cabelos escuros, que agarra sua nuca como se não tivesse
forças para se manter de pé. Como se soubesse que está sendo observado, o
babaca ergue os olhos escuros em minha direção, ao mesmo tempo em que a moça
engole sua língua em um beijo extremamente sensual.
A satisfação evidente com o meu desconforto morre, quando os faróis do
carro branco anunciam a chegada de Chad e tenho a impressão de que Ash se
afasta da garota, dando um passo em minha direção, mas não olho para ele, até
que o jogador de polo me tire dali.
Dentro do carro, o silêncio impera, logo uma chuva fina começa a cair do
lado de fora e me sinto estremecer. Chad, como o bom garoto que é, liga o
aquecedor, mas sua mão não retorna ao volante, ao invés disso, ele segura a
minha, apoiada sobre a minha bolsa.
— Chad... — Posso estar um pouco alterada pelo álcool, mas ainda estou
consciente o bastante para que certos alarmes funcionem.
— O que rola entre você e Ashbourne? — Ele decide ir direto ao ponto.
— Nada demais. — É a verdade.
— Você não é para ele — avisa, com uma certeza que não permite dúvidas.
— Porra! Aquele babaca sabe disso.
— Eu deveria saber do que está falando? — Será que Ash já roubou uma
das namoradas de Chad?
O garoto, que sempre me pareceu uma pessoa calma e ponderada, está
claramente fora de si.
— Você é uma Lawson, bem como eu sou um Graymane e Vicky é uma
Miller. — o tom cheio de orgulho me pega de surpresa. — Nós não nos
envolvemos com eles. Hill, Mooncrest, Blackmoon, Ashbournes... É a lei.
Ah, meu Deus. Eu sabia que existia uma seita.
Toda a esquisitice da cidade é finalmente explicada.
— Lei. — repito. — Chad, olha, eu cheguei agora à cidade e não pretendo
me envolver com ninguém, ok? — Tiro minha mão da sua. — Mas lei nenhuma
me manteria longe de alguém que eu realmente quisesse.
Surpresa, observo-o acelerar o carro, antes de parar no acostamento e virar
seu corpo todo em minha direção, a fúria em seus olhos, sempre tão gentis, é
assustadora e, somente por isso, me valendo do elemento surpresa, antes que ele
faça qualquer coisa, abro a porta do carro e corro por entre as árvores, enquanto
Chad grita e esbraveja, me mandando voltar para o veículo.
Olho para as árvores altas que quase tocam o céu, através do nevoeiro e,
obviamente perdida, tento encontrar alguma forma de me situar aqui, ao mesmo
tempo em que evito todas as direções de onde vem os mais diversos sons de
pequenos animais, me mantendo na pequena trilha iluminada pela luz fraca do fim
da tarde.
Pelo menos, eu não estou vestindo uma camisola de seda.
Impaciente, tento me manter focado na conversa que se desenrola à minha
frente. Meus companheiros de equipe estão empolgados pelo início dos treinos e
pelas datas já agendadas dos primeiros jogos da liga de futebol americano. Somos
os favoritos a mais um prêmio nacional esse ano, possivelmente, sendo cotados no
draft[1] para times grandes ao redor do país. Um convite ao qual terei que reclinar,
ao que tudo indica.
Nada de novo na minha vida.
Observo as pessoas ao redor e tento não focar em Jasper e Victoria Miller
discutindo perto dos banheiros, em um canto isolado. Me esforço não pensar que
já faz mais de meia hora que aquela garota impossível saiu de carro com Chad
Babaca II; enquanto esses dois seguem gesticulando e tentando achar uma solução
para algo impossível, quando apenas deveriam seguir suas vidas e se esquecerem
de toda essa merda.
Puxo a fumaça do cigarro para dentro do corpo e enquanto a deixo sair
lentamente, a sensação estranha e incômoda se avoluma dentro de mim.
Há algo errado.
— Qual é o problema? — Mack se aproxima, os olhos vigilantes cobrindo
todo o lugar, observando a mudança da minha postura.
— Há algo de errado. — Travo o maxilar ao sentir a essência residual que
aquela garota teimosa deixou em mim depois daquele breve momento juntos.
Curto demais.
— E aposto que tem a ver com o maldito Chad II e suas patas nojentas
sempre ao redor da Intrépida Lawson, não é? — o idiota comenta ao meu lado. —
Você é como um livro aberto, cara.
Porra nenhuma.
— Vá se foder! Eu lá sou um desses idiotas, para ficar sentindo ciúme de
gente que eu mal conheço? — A inquietação aumenta exponencialmente quando o
celular de Eli toca, alguns metros à frente.
Não precisaria de audição sobrenatural para saber que alguma merda
aconteceu. Maldito seja Chad II. Não bastasse um lobo desconhecido ter tentado
invadir nosso território, alguns minutos atrás, atrapalhando o momento em que eu
cobrava a dívida de Harper; agora preciso sair para limpar as merdas daquele
babaca. Não espero que Eli venha até mim para passar o recado, no mesmo minuto
já estou de pé e a caminho do estacionamento.
E que Deus me ajude, se aquele maldito filho da puta tiver aprontado com
Harper Lawson. Se ele tiver colocado um de seus dedos podres nela contra à sua
vontade, ele pode se considerar um cara morto. Com ou sem esse tratado idiota.
— Ele está no quilômetro 42 da autoestrada. — Eli apenas complementa a
informação, deixando de lado da voz chorosa do maldito covarde, que perdeu um
dos seus e se lamenta, como o bundão que é, ao invés de ir atrás dela. Covarde.
— Não é hora de pensar no que ele fez para que Harper saísse do carro —
Jasper, saído de sei lá que buraco, diz às minhas costas. Esse é o problema de ser
criado junto a alguém: acabam te conhecendo bem demais e, apenas com um
olhar, sabem o rumo dos seus pensamentos.
— Mack e Brennam, busquem pela floresta. — Não me viro para
confirmar se já estão à caminho. — Eli, você fica e vigia a festa. Jasper, leve
Vicky para casa e me encontre lá.
— O que aconteceu? — a voz preocupada da loirinha nos braços de Jas me
alcança enquanto monto na moto e dou partida, deixando que ele dê a explicação
que achar mais conveniente.
Não aconteceu nada. Ainda.
Acelero a moto potente pelas ruas, a caminho da estrada, tentando me
manter sob controle, enquanto a névoa do fim da tarde começa a cair e Harper
Moon Lawson está perdida na floresta escura, exposta a todos os perigos dos quais
deveria estar longe.
Vou matá-lo.
Não demora muito para que eu veja o carro de luxo estacionado no
acostamento e o idiota desesperado, sentado atrás do volante com a cabeça entre
as mãos, diante da floresta, sem saber como agir e sem coragem nenhuma de se
arriscar indo atrás da sua preciosa pretendente. Estaciono a moto entre as
primeiras árvores e passo por ele, torcendo o pescoço e respirando fundo para não
perder o foco do que vim fazer aqui.
— Você? — o imbecil ainda tem coragem de questionar e parecer furioso
ao saltar do carro. — Eu avisei Elijah, pensei que ele viria…, mas você não iria
perder a oportunidade, não é? — Quando vê que não tenho qualquer interesse de
falar com ele, bufa. Um risinho cheio de ironia surge em seu rosto. — Você a quer.
— E você, seu covarde de merda, vai sair do meu caminho agora. — Me
viro, caminhando em sua direção, agarrando-o pelo colarinho da camisa e
erguendo-o alguns poucos centímetros do chão. — Ou eu não respondo por mim.
Como se eu tivesse tempo para pensar sobre querer ou não alguém, quando
há uma Lawson perdida em meio às árvores, enquanto seres perigosos estão à
caça; porque esse filho da puta não conseguiu impedi-la de cometer essa loucura.
Prefiro não pensar que ele possa ter feito algo que a fez fugir, justamente para a
mata fechada, ignorando meu aviso de nunca entrar ali.
Em algum lugar, perto das montanhas que cercam a cidade, um uivo alto
— a porra de um chamado — me faz xingar alto e soltá-lo, derrubando-o no chão,
antes de correr para a floresta.
— Pode chamar qualquer um, seu maldito — resmungo para o maldito
lobo, sentindo o tremor característico se espalhar por meu corpo. — Eu vou acabar
com a raça de todos vocês.
Não me importo que haja um civil por perto — eu ainda posso ouvi-lo
choramingar. Esse babaca de merda. Desde os acordos, é nossa obrigação lidar
com todas as consequências das atitudes erradas desses malditos humanos idiotas.
Não que eu não seja um humano. Na maior parte do tempo, enganamos
bem.
Meu corpo treme por inteiro, o calor súbito fervendo minhas entranhas,
enquanto meus olhos buscam por pistas, qualquer coisa que possa me indicar para
onde ela foi, antes que eu deixe o instinto primitivo me guiar.
Alguns metros à frente, uma pulseira — prateada e com algumas pedras
coloridas — está caída no chão e, pela essência que exala dela, encontrei
exatamente o que procurava. Não me importo em guardá-la, já que o fecho está
quebrado e o simples movimento de erguê-la do chão fez as pedras multicor se
espalharem por entre as folhas secas.
Então, apenas foco em tirar as minhas roupas e coloco tudo junto ali, sobre
um tronco mais baixo da árvore, olhando ao redor e marcando o local para vir
buscá-las depois. Não importa que eu seja a porcaria do herdeiro de uma fortuna,
não vou jogar roupas fora, apenas porque precisei me livrar delas em um momento
inesperado. E eu gosto dessa calça para caralho.
Inspiro fundo e permito que o calor se espalhe pelo meu corpo todo. Desde
as plantas dos pés até o topo da cabeça, ardendo de dentro para fora, até explodir
sob a forma de uma criatura feroz e perigosa, que fareja o cheiro delicioso de
limão, maçãs-verdes, jasmins, rosas brancas e cedro — o perfume enlouquecedor
da mulher em perigo, perdida nessa merda de floresta escura. Por enquanto.
Estou a caminho, Harper Moon.
Livre, enfim.
Posso ouvi-los correndo em algum lugar ao norte da floresta escura — seu
odor faz meu sangue arder ao imaginar que possam chegar até à garota antes de
mim.
Claro que não é uma possibilidade. Nunca será.
Estou tão familiarizado com sua essência que poderia encontrá-la
facilmente em meio a milhares de pessoas, sem me distrair. Sinto a tração queimar
os tendões das minhas patas enquanto corro por entre as árvores, tomando cuidado
para não a assustar, me aproximando demais.
Em algum ponto, à minha esquerda, Mack rosna, sentindo a minha
proximidade. Se esse garoto teimoso finalmente permitisse que fôssemos um só,
eu poderia mandá-los caçar os malditos invasores, mas essa ainda é uma questão
delicada para ele, eu sei.
Porém, é algo inevitável.
Ergo a cabeça e farejo, o perfume delicioso da pele macia da garota está
por toda parte e, não demora muito, me deparo com sua figura encolhida contra o
tronco oco de uma árvore, o pavor evidente em seu rosto, enquanto sua respiração
rápida e alta denuncia seu esconderijo.
Ainda assim, tão linda quanto da primeira vez em que a vimos.
O aroma adocicado de seu sangue, tomando todo o espaço aqui, acende um
alerta em mim e, apesar de não querer, preciso ceder à vontade do garoto de tirá-la
daqui o quanto antes. Sorrio para a força que ele faz quando tenta retomar o
controle. Apesar de nunca o ceder completamente.
Eu nunca a machucaria. Como poderia?
Mas ele ainda não entende.
Por sorte, ela está próxima a um dos nossos “pontos de apoio”: um
pequeno chalé abandonado na floresta, onde deixamos algumas peças de roupa e
mantimentos para algum imprevisto, e logo, pego um par de roupas minhas e os
tênis velhos de Eli, me vestindo rapidamente, enquanto mantenho os olhos
focados na floresta, vigilante.
Cada dia fica mais difícil voltar a mim. Sinto-o à espreita, sob a minha
pele, sempre tentando tomar o controle. Ainda não. E, nesse momento, juro que
posso ouvi-lo rir.
Em breve.
O aviso me faz arrepiar dos pés à cabeça e eu teria um ataque de raiva, se
não tivesse que resgatar a mocinha em perigo, encolhida, apenas alguns metros à
frente. E que surtaria ainda mais, caso um lobo preto de quase três metros
aparecesse diante dela nesse momento.
Ainda não. — A promessa paira no ar, enquanto corro, em pernas humanas
dessa vez, até o lugar onde ela tenta se esconder; e teria conseguido, se não fosse o
cheiro de seu medo pairando no ar como a porra de um alerta da sua presença.
Quando paro diante dela, seus olhos claros dobram de tamanho e, para a
minha surpresa, a garota Lawson, sempre tão durona, se joga em meus braços, se
agarrando a mim, desesperada.
— A-Ash? — o pavor em sua voz faz minha pulsação disparar. — Tem
alguma coisa na floresta.
Eu poderia dizer que avisei. Certamente, ainda farei isso em algum
momento, antes de deixá-la em segurança no conforto da sua casa amarela, mas
não agora. Nesse momento, apenas desfruto um pouco da sensação de tê-la tão
perto e de sentir o cheiro delicioso que emana de seus cabelos. Viciante.
— Vamos sair daqui — digo entredentes, tentando me manter sob controle
e não afundar meu rosto em seu pescoço cheiroso.
Mas é claro que Harper não faria nada conforme o esperado, e logo se
afasta, erguendo uma sobrancelha inquisidora.
— O que... — recua mais um passo; o rosto arranhado pelos galhos das
árvores, assim espero, para o bem de certo babaca; se contorcendo em suspeita —
faz aqui? Como me achou?
— Precisamos sair daqui, Harper. — O uivo ecoa mais perto de nós agora,
fazendo-a estremecer. O som de patas pesadas chama nossa atenção em seguida,
provavelmente, Mack indo de encontro aos invasores, o que me dá um pouco mais
de tranquilidade para sairmos dali. O outro bando sempre prefere fugir a entrar em
um embate direto com qualquer um de nós. — Depois podemos falar de qualquer
merda que quiser, mas, agora, nós precisamos ir.
Volto a me aproximar, deslizando as minhas palmas nas laterais de seus
braços frios e deixo um beijo no topo de sua cabeça, na tentativa de tranquilizá-la,
antes de pegar sua mão e conduzi-la pelas trilhas que as árvores formam e que
conheço como a palma da minha mão. Mas Harper não sabe disso, é claro.
Porém, o modo como me segue, sem reclamar ou contestar — algo que
seria típico dela — provoca algo dentro de mim e que não consigo nomear, mas
não pretendo pensar nisso agora.
Pertencimento — a voz idiota declara, me fazendo revirar os olhos.
Uma vez fora da floresta, seu temperamento difícil leva a melhor e Harper
não para de questionar todo tipo de coisa durante nossa caminhada até um celeiro
abandonado em um dos terrenos dos Blackmoon, família de Mack, e que usamos
como garagem. Respiro fundo, tentando controlar o meu próprio humor, para não
começarmos uma guerra antes mesmo de chegarmos até a porcaria do carro.
— Como é que sabia onde eu estava? — Morde continuamente o canto do
dedão, mas os olhos estão firmes e focados na construção antiga alguns metros à
frente.
— Seu amigo pediu ajuda — resmungo, me lembrando da expressão
culpada do idiota. — Por falar nisso, o que aconteceu entre vocês, que te fez entrar
correndo na mata fechada?
O modo como cruza os braços e bufa, me faz parar no lugar. Me viro
rapidamente para ela, nervoso demais ao imaginar que o maldito Chad II tenha
tentado algo contra a garota à minha frente.
Vamos matá-lo — decreta a voz dentro de mim, colérica e revoltada.
— Quer saber? Não me conte — minha voz não sai mais alta do que um
rosnado. — Vamos te levar para casa, e é isso.
— Não foi nada demais, sabe? — Abaixa a cabeça e algo dentro de mim
gosta do modo manso que ela adota. — Ele estava alterado e eu me assustei e
acabei saindo correndo. Nem pensei muito.
— Não pensou nada — retruco. — Eu avisei para que ficasse longe da
floresta, Harper Moon.
— O que é que vou achar ali? — Aponta para as árvores, agora já não tão
assustada quanto antes. — Vampiros? Lobisomens? Os primeiros me parecem até
interessantes, talvez eu deva tentar mais uma vez.
Assim que chegamos à velha porteira, me viro para ela, observando-a
encarar a floresta já tomada pela neblina densa. Sigo ouvindo as batidas aceleradas
e temerosas de seu coração.
— Tem certeza? — Me aproximo mais dela, sem desviar meus olhos de
seu rosto pálido nesse início de noite. — Você me pareceu bem assustada, antes.
— Experimente se perder na mata fechada, depois de ter ouvido mil
histórias sobre os lobos, lido sobre diversas maluquices e, então, ouvi-los uivar ao
longe. — Cruza os braços tentando impedir meu avanço.
— De que tipo de maluquices estamos falando? — Estou genuinamente
curioso.
— Do tipo que envolve presas afiadas e monstros humanoides peludos —
Dá uma olhada desconfiada para a floresta. —, mas não vamos falar sobre isso —
avisa, tomando a dianteira e atravessando a porteira antiga em direção ao celeiro
com seu casaco xadrez e os cabelos presos em um coque improvisado, que fez
enquanto estávamos no caminho, me deixando para trás.
Pelo modo acelerado com que o seu coração bate, percebo que está no
limite, por isso, apenas espero pacientemente, enquanto ela processa tudo o que
aconteceu nessa noite. E, como uma pessoa madura, deixo passar a piadinha sobre
suas pesquisas. Porém, o meu silêncio não parece agradá-la e logo, ela volta a
falar.
— Olha, eu fico muito feliz que tenha aparecido, tá bom? Eu realmente
estava me cagando de medo. Eu sou uma estranha, nessa porcaria de cidade, e tem
alguns idosos que cospem ao me ver e se benzem quando eu passo. Então, sim, eu
fiz um monte de pesquisas malucas. Satisfeito? Podemos ir, agora? — o modo
como sua voz falha no fim, é quase comovente.
Não preciso estar perto dela para saber que está chorando e, por algum
motivo, vê-la assim me causa um desconforto grande e uma sensação de
impotência ainda maior. Harper Moon Lawson consegue me atingir de uma forma
a qual não estou acostumado e que, definitivamente, não deveria acontecer.
Entretanto, não consigo me impedir de andar até ela e envolver seu corpo
pequeno, desejando que nada disso tivesse acontecido. E o pensamento de estripar
aquele maldito moleque do Chad cruza a minha mente mais de uma vez, enquanto
caminhamos juntos e em silêncio até o galpão.
Como esperado, há um carro antigo e empoeirado ali, assim como uma
moto veloz. E apesar de preferir compartilhar com a garota ao meu lado a
liberdade da segunda opção, escolho o carro, sem querer forçar seus limites nessa
noite.
Ainda sem dizer nada, Harper entra no lado do carona enquanto descubro o
capô e pego a chave sob o tampo da mesa — um esconderijo nada seguro, diga-se
de passagem, mas que atendeu bem ao seu propósito até agora — e entro no carro,
sentindo a essência cítrica dominar todo o ambiente, antes de dar a partida e nos
tirar dali.
Depois de trancar o celeiro e assistir, de maneira paciente e tentando
prender o riso, enquanto Harper lutava bravamente contra a porteira de madeira
bruta, nos coloco na estrada, observando-a se abraçar quando um uivo alto
irrompe no silêncio da noite.
— Alguém realmente cuspiu em você? — Sim, esse é o meu modo de
puxar assunto e quebrar o gelo. Não tenho muita experiência nisso, claramente.
— O Sr. Grosby — responde, após um tempo, os olhos claros ainda
focados na estrada. — E o máximo que fiz foi cumprimentá-lo com um sorriso.
— Aquele cara é louco. — Gargalho. — Uma vez, quando eu ainda era
criança, ele apontou para mim, diante de quase toda a cidade, dizendo que eu
incendiaria tudo um dia.
— Meu Deus! — Chocada, ela me encara, antes de soltar uma gargalhada.
— Então, é apenas questão de tempo...
— O que? — Franzo o cenho sem entender o que a maluca de casaco
xadrez está falando. Ou talvez, eu só esteja intoxicado pela intensidade de seu
cheiro no espaço apertado.
— Você não parece exatamente um anjo com as roupas pretas e a fama de
malvadão — explica, e então, seus lábios se fecham, formando um biquinho
enquanto pensa. — E você trocou de roupa depois da festa.
— O que? — repito. Definitivamente, é o perfume. — Você está enganada.
Teimosa, ela emenda:
— Não estou, não. — Aponta para a minha camisa. — Sua blusa tinha
algo escrito em letras brancas e não essa caveira. Tenho certeza!
Para a minha sorte, acabamos de cruzar o pontilhão e estamos perto de sua
casa. Não sou famoso por ser bom em improvisar, muito menos com mentiras e,
talvez tenha ficado ainda pior graças ao efeito do cheiro cítrico confundindo a
minha cabeça.
— A donzela está à salvo e em casa! — anuncio ao parar o carro diante do
sobrado amarelo. — E, sabe de uma coisa? — Os olhos azuis-acinzentados
focados em mim, esperando que eu termine a minha sentença, demonstrando que
ela ainda me conhece tão pouco, que não sabe o que virá a seguir. — Você está a
fim de mim, Harper Moon — concluo, fazendo-a arregalar os olhos, chocada. —
Muito. Já que vive reparando até mesmo nas minhas roupas. Infelizmente, não
pretendo ter nada sério, mas podemos trabalhar em alguma coisa. O que acha?
— Que você deve estar fora de si! Sem a menor chance! Esse estilo não me
convence — diz, apontando para mim com desdém, se ajeitando no banco, antes
de sair do carro. — Nos seus sonhos, Liam. Somente lá, algo assim seria possível.
— E então, seus olhos enternecem, se tornando mais quentes, amáveis. —
Obrigada por estar lá.
— Não entre na floresta — aviso mais uma vez e ela aquiesce, ignorando
meu tom autoritário. — Por favor.
— Vou tentar. — Dá de ombros. — Até porque, os vampiros são mais
civilizados e asseados do que lobisomens. Todo aquele pelo... — Faz uma
expressão de nojo. — Além disso, se houver algum vampirão charmoso
interessado, por aí, ele virá até mim, com certeza.
Gostaria de vê-los tentar. A voz colérica garante.
— Talvez. — Sorrio sem humor, encarando a lua que não é mais que um
fio de luz no céu. — Mas algo me diz que os lobos podem te surpreender. Além de
serem mais... quentes.
— É meio óbvio, não é? — Impetuosa, como sempre. Como alguém pode
ser tão irritante e linda ao mesmo tempo? — Lobisomens não estão mortos. Bem,
esse é um ponto a favor, eu acho.
— Boa noite, Harper Moon — me despeço, ainda sorrindo de seu modo de
pensar e a facilidade de desenvolver qualquer assunto.
— Até mais. E... obrigada, Liam Ashbourne — responde, antes de subir os
degraus e hesitar um pouco, me olhando por sobre o ombro, antes de entrar em
casa.
Só depois que o faz, estaciono o carro algumas casas depois da sua e vou
até a pequena botica da Sra. Holloway, encontrando-a sentada em sua cadeira de
sempre com um sorriso estranho no rosto.
— Tudo exatamente como tem que ser — comenta, em suas mensagens
cifradas de sempre. — Já está em comunhão com seu lobo, criança? — Os cabelos
muito acinzentados são como tufos de algodão saindo da toca vermelha e a pele
enrugada de seu rosto se estica brevemente em um sorriso, diante do meu silêncio.
— Quase. Entendo. — Abre a porta do pequeno armário de madeira e me entrega
o frasco antigo com o líquido esverdeado. — É o último.
— Sra. Holloway, sabe que Jasper não pode... — Ela ergue a mão, me
interrompendo.
— Se tudo correr como deve ser, não será mais necessário. — Sorri e, sem
querer discutir com ela, pego o frasco e lhe entrego o dinheiro, me virando para
dar logo o fora daqui, mas ela volta a falar quando estou na porta: — Ele a
escolheu, não é? — Aponta em direção à casa metros à frente. — Precisa mantê-la
a salvo, Alpha. É a sua missão.
Penso em voltar para questioná-la, mas pelo olhar distante em seu rosto,
ela não me dirá nem mais uma palavra. Antes de ir, encaro a pequena moradia
colorida que se destaca do acinzentado comum da cidade, e a pequena janela
iluminada no topo da casa.
Se, ao menos, as coisas fossem diferentes...
Mas não são.

Mantenho o maxilar travado, enquanto cravo meu olhar nos olhos graves e
sérios do reitor. Por fim, ele engole em seco, e corre os olhos pela sala ampla,
decorada com o mesmo luxo do escritório de um mafioso dos anos cinquenta —
com direito a charutos e cinzeiros pesados de material dourado.
— Ash, não pode esperar que eu simplesmente interfira na vida de outra
aluna, dessa forma.
— Tenho motivos para crer que ela esteja em perigo — retomo o discurso
de alguns minutos atrás. — Faça o que tem que ser feito.
— Tudo bem. — Esfrega a mão no rosto, preocupado. — Vou pensar em
algo, mas o prefeito não vai gostar nada disso. Ela é uma Lawson.
— E eu sou um Ashbourne e estou sendo cortês ao fazer um pedido. — Se
eu sou a porra do Alpha, é bom que eles passem a me ouvir, não é?
O homem mais velho, que sempre esteve presente na minha vida, desde a
infância, apenas concorda em silêncio, se jogando na cadeira de couro marrom-
avermelhado.
— Considere feito. — Seus olhos verdes se estreitam ao ver minha
satisfação, antes de sair dali para evitar mais um sermão sobre minhas
responsabilidades e toda a merda que vem com ela. — Espero que saiba o que está
fazendo, Ash.
Somos dois, então.
As mãos largas tocam o meio das minhas costas, puxando-me mais
contra o corpo quente, como se estivesse me protegendo de algo que ainda
não consigo ver. Um rosnado leve irrompe do peito forte, mas não me
afasto.
— Liam... — chamo e sinto seu aperto aumentar.
Um uivo alto é o bastante para arrepiar os fios da base da minha
nuca, mas ele não se afasta, nem me puxa para sairmos dal,i antes que a
fera que se anuncia chegue até nós. Ao invés disso, o aperto firme de suas
mãos aumenta ainda mais, machucando a carne das minhas costas à
medida em que sinto as garras afiadas penetrarem a minha pele.
— Ash... — Tento me mover, mas não consigo. — Liam, por favor.
Eu me debato em seu abraço férreo e tento me desvencilhar,
chamando seu nome várias vezes, sem sucesso. Porém, quando o lobo
imenso e branco aparece, Liam recua. Sinto o vento frio da noite bater em
meu rosto e, então, de repente, como se o quarterback do Warrior Wolves
tivesse se desintegrado nas sombras da noite, estou sozinha à mercê da
fera, que saliva por mim, apenas a alguns passos de onde estou.

Depois dos últimos eventos dessa tarde, culminando em uma noite


regada a perigos e surpresas, acordo suada e apavorada, em minha cama.
Mais uma noite acordando assustada por causa de um pesadelo com a
criatura terrível, sempre à espreita em meus sonhos ruins, nos quais, agora,
Liam Ashbourne aparece de vez em quando, me protegendo por um tempo,
até desaparecer misteriosamente, me deixando sozinha, cara a cara com o
lobo gigantesco e branco. Seus olhos, no entanto, são como os meus e
parecem se divertir ao meu ouvir gritar.
Todas as vezes.
Do lado de fora, na rua sempre deserta dessa droga de cidade
pequena, os passos pesados, como os de um cachorro grande, como se
conjurados do pesadelo do qual acabo de acordar, me fazem arrepiar, antes
de me sentar na cama, pegando a coberta cor-de-rosa caída no chão, por
causa da minha movimentação histérica ao tentar fugir enquanto dormia.
— Essa floresta está afetando a porcaria do meu juízo! — Reviro os
olhos, ridicularizando o medo insistente que tenta me dominar, ainda mais
depois desse maldito dia. — Não há nada lá, Harper — garanto a mim
mesma. — Absolutamente nada.
Me apoio sobre a cadeira diante da mesa, onde meu computador
ainda está aberto, depois de uma chamada de vídeo de mais de uma hora
com minha mãe, e de tentar falar com Andy, ainda sem sucesso. E me
preparo para espionar a rua, escondida pela característica neblina que cobre
tudo por aqui ao entardecer.
— Nada aqui. — Respiro aliviada, me sentindo um pouco vitoriosa
por um momento.
Porém, celebrei cedo demais, já que um grunhido animalesco,
próximo dali, chama a minha atenção e, não demora muito para que meus
olhos o encontrem. Parado em meio à neblina, sua pelagem clara brilhando
sob a luz fraca do poste e da lua — quase um fio fino essa noite — o
assustador lobo branco dos meus pesadelos me encara. Os olhos focados em
mim, como se garantindo que é apenas uma questão de tempo, até que meus
piores sonhos se tornem verdade.
— Porra! — Em uma manobra estranha, movida apenas pelo
desespero de sair logo da visão do animal, acabo me desequilibrando na
cadeira e caio no chão feito uma fruta podre, batendo com força o ombro na
armação de madeira da cama e a cabeça no chão. — Vou acender a porcaria
da caixa inteira de incensos.
E talvez, eu deva pedir à minha mãe que mande mais.
Algumas caixas disso, um pouco de água benta e uma espingarda,
provavelmente serão capazes de resolver essa situação. Têm que ser.

Focada na ponta das minhas botas pretas de cano curto, tento não
olhar em direção ao sujeito loiro com cara de cachorro que caiu do
caminhão da mudança, do outro lado do campus. Tento também, não gritar
de ódio e sair chutando as lixeiras no meu caminho, enquanto seguro a
porcaria da folha que acabo de receber da secretária gentil do reitor.
E pensar que até me preocupei quando fui gentilmente convidada a
comparecer na reitoria, alguns minutos mais cedo. O maldito sequer olhou
para a minha cara ao declarar que eu precisaria cumprir alguma atividade
extra para equiparar a grade da Universidade Estadual em que eu cursei os
dois primeiros semestres.
A desventura foi ter que escolher entre as duas opções gratuitas:
Robótica ou fazer parte do squad[2]das líderes de torcida, sob o olhar
ansioso e brilhante de Victoria, que celebrou o fato como se fosse algo
incrível, ao invés de uma oportunidade ótima de acabar quebrando uma
perna ou o pescoço em um daqueles movimentos cheios de firulas.
A cada minuto que passa, a ideia de aprender a programar os
computadores e fazer sabe-se lá o que eles fazem, me parece mais
interessante. Se não bastasse isso, ter que lidar com o olhar triste de Chad,
que tentou falar comigo no início das aulas e foi dispensado por Vicky que,
é claro, ficou do meu lado quando contei a ela sobre o ataque estranho do
bonitão no carro. É mais do que uma garota, que não dormiu mais de quatro
horas durante essa noite, pode aguentar.
Minhas botas pretas e suas fivelas prateadas são muito mais
interessantes e ainda combinam com a minha jaqueta de couro, que me
deixou com cara de problema, segundo Mack fez questão de ressaltar
quando me encontrou no refeitório, mais cedo. Ao contrário de seu amigo
que, após me cumprimentar brevemente, se manteve longe de nós e atento à
tela do seu celular de última geração.
É o que dá, ser um dos herdeiros das riquíssimas famílias
fundadoras do lugar. Os Lawson também fizeram parte dessa seleta lista,
em algum momento, mas é claro que um dos nossos antepassados cabeça
oca acabou gastando toda a fortuna familiar em negócios escusos que só lhe
renderam prejuízos, restando apenas o sobrado amarelo e uma participação
pequena na universidade; o que me garantiu um desconto bastante
interessante, diga-se de passagem.
— Ai, que merda! — Vicky, que conversava com Lia, uma das
minhas novas companheiras de squad. Yeeeei! Fala, irritada. — Ele tá vindo
pra cá.
Ergo o olhar e o vejo caminhando em nossa direção. A mochila
jogada em um dos ombros e a cara arrependida no rosto angelical. Que
saco.
— É melhor lidar com isso agora — digo à minha prima, que parece
prestes a dispensar o garoto de novo. — Ele não parece disposto a desistir.
— Ela tem razão — Lia concorda. — Além disso, ele é bem
gatinho.
Não discordo, mas tenho zero interesse e é bom deixar isso claro o
quanto antes. Deus me livre de começar a ser perseguida por um bando de
universitárias frustradas, por acharem que estou de olho no “presente de
Deus” delas.
— Lia, escolha um número de um a cem — digo à ela, sem me
importar que o filho do prefeito, que hoje veste calça cáqui e um suéter
quase branco, já esteja perto o bastante para ouvir.
— Cinquenta e três. — Nossa, que escolha interessante.
— Nossa, que incrível! Você venceu! Ele é todinho seu! — Abro o
meu sorriso mais brilhante, enquanto Lia e Vicky gargalham.
Pelo menos, até Chad parar à nossa frente e, de forma charmosa,
feito um príncipe encantado, pentear seu topete de fios muito loiros, com os
olhos claros focados em mim.
— Harper? Será que podemos conversar? — Não digo nada, apenas
espero e ele entende que pode continuar. Não me importo que os outros
alunos por perto estejam olhando, apenas aguardo. — Olha, eu fui um
idiota. Tinha bebido um pouco e passei dos limites. — Conserta a mochila
nos ombros e o cabelo. — Não justifica, mas... Eu tive muito medo do que
poderia ter acontecido por minha culpa. Me perdoe, Harper. Espero que
possamos ser amigos.
Eu posso ser durona, mas meu coração é mole, e eu posso provar.
Bem, a verdade é que nós dois estávamos afetados pela bebida e nem
deveríamos estar naquela porcaria de carro, para começo de conversa. E não
é como se eu sequer cogitasse ser mais do que amiga de Chad em algum
momento.
— Nós dois não estávamos bem — digo a ele. — Olha, eu sei que
você e os caras do Warrior Wolves parecem ter uma história mal resolvida,
ou algo assim, mas eu não tenho nada a ver com ela. Que isso fique claro,
Chad. — Ele concorda rapidamente. — Estamos bem, ok? — Sua
expressão se abre, de repente, mais confiante. — Só não faça de novo.
— Eu prometo que vou me comportar — garante. — Me perdoe,
mais uma vez. Não sei o que...
Mas Chad, o príncipe encantado, não termina sua sentença. Ele não
tem tempo de fazê-lo, antes que o sujeito, vestido em suas roupas
totalmente pretas e o cabelo constantemente atrapalhado pelo capacete,
como sempre, se aproxime de nós com uma expressão homicida em seu
rosto bonito. Até que puxa o outro pelo ombro, virando-o para encará-lo e,
ao mesmo tempo, se colocando entre nós.
— Graymane, vou avisar apenas uma vez — ele diz, com seus olhos
escuros focados em Chad. — Você não chega perto de Harper Lawson.
Você não fala com ela, não olha para ela e não respira perto dela, ouviu?
O outro garoto sorri, debochado, ignorando a raiva evidente no tom
imperativo do quarterback e capitão do time de futebol da universidade.
— Você sabe que não pode me impedir, Ashbourne — Chad
provoca, com um risinho que deixa claro que há muito mais entre eles do
que apenas o que aconteceu na outra noite.
— Nem você, nem ninguém, Graymane — Os olhos escuros correm
pela pequena multidão atraída pela ceninha degradante. —, vai tocar em um
fio de cabelo escuro da cabeça dessa garota. Perdeu esse direito quando a
deixou sozinha dentro da porra da mata fechada, porque é um covarde filho
da puta!
— Tudo bem! Vamos parar agora com essa merda toda. Agora! —
digo aos dois, ignorando todos os olhares sobre mim. — Liam...
Os dois olham para mim na mesma hora. Chad, com uma expressão
chocada, e Liam, bem, não consigo decifrar a tempo, porque um dos idiotas
não consegue ficar calado e encerrar essa discussão infantil.
— Liam? — Chad ecoa o que acabo de dizer. — Sempre querendo o
que não podem ter… vocês precisam aprender os seus lugares, seus cães de
merda!
E esse foi o momento em que o filho do prefeito decretou o início da
briga, murmurando para Ash algo que não entendo, mas que parece
inflamar ainda mais o líder do Warrior Wolves, fazendo-o agarrar o outro
pelo colarinho da camisa e acertar um soco em seu rosto. É claro que não
demora muito para que os dois estejam se engalfinhando, feito dois
brutamontes, enquanto eu grito ao redor, tentando contê-los.
Nesse momento, eu juro que poderia me envolver nessa droga de
disputa, apenas para enfiar a mão na cara desses dois idiotas. Que merda!
— Saia do caminho, Harper. — Jasper agarra minha cintura, quase
me tirando do chão enquanto tenta me segurar, mas eu me afasto, retirando
suas mãos de mim. — Você vai se machucar e isso só vai deixar Ash ainda
mais furioso.
— Isso tudo é tão ridículo! — esbravejo, correndo para perto deles,
tentando inutilmente fazê-los parar. — Liam! — Me enfio entre os dois,
quando Chad acerta um golpe na lateral do rosto de Ash, que se
desequilibra por um segundo, antes de armar outro golpe.
Agarro com força os ombros do motoqueiro perigoso e não recuo.
Nem mesmo quando seus olhos, que assumiram um leve brilho
estranhamente prateado e assassino, focam em mim.
— Liam! Para com essa merda! — grito, e após mais um olhar para
mim, assisto enquanto ele deixa os braços caírem ao lado do corpo.
Respirando pelo nariz de forma pesada e intensa, visivelmente machucado
pelo soco do idiota que também luta contra as pessoas que tentam levá-lo
para longe dali.
O burburinho ao nosso redor aumenta, enquanto Chad, que não deve
estar muito melhor do que o garoto à minha frente, é finalmente contido e
arrastado para longe daqui, ameaçando todo o time de futebol. Senhor, dai-
me paciência para lidar com a quinta série que parece ter se mantido
nesses caras. Sobretudo no garoto que tento conter e que, nesse momento,
sangra pelo nariz e pela boca, além do leve arroxeado perto dos olhos, mas
segue parecendo furioso.
Tão irremediavelmente raivoso que, com um grunhido, se
desvencilha das minhas mãos, me empurrando acidentalmente com a lateral
de seu corpo ao passar por mim a caminho de sua moto, mas não tão rápido
para que eu não perceba o quanto treme e está visivelmente descontrolado.
— Ah, mas não vai fazer isso mesmo! — exclamo, já seguindo em
sua direção, antes que ele acabe se estourando todo por causa dessa
confusão idiota, que, por algum motivo, me faz sentir um pouco
responsável, apesar de saber que não tenho nada a ver com essa merda de
rixa entre os dois imbecis.
Confusão? A gente vê por aqui. E, dessa vez, eu pareço estar bem
no centro dela. Maravilha.
Preciso respirar. Foco na expansão do meu diafragma, tentando acalmar a
fera colérica e furiosa em meu interior, que tenta se libertar a todo custo, desde a
maldita hora em que vi aquele covarde mimado dos infernos conversando e
sorrindo para Harper Lawson — outra pedra no meu sapato.
Não feliz de se mostrar constantemente em meu pensamento — e em todos
os meus sonhos, nos últimos tempos —, ela não podia facilitar e mandar aquele
babaca passear. Claro que não. Ela tinha que abrir uma porcaria de sorriso e
perdoá-lo por deixá-la à mercê de seres sobrenaturais que poderiam apagar a luz
daqueles olhos azuis com apenas uma bocada.
Caralho! Que hora de pensar nessa merda!
O calor, que passei a reconhecer tão bem — desde os doze anos, quando
me transformei de forma dolorosa e solitária pela primeira vez —, me faz arrepiar
dos pés à cabeça e o tremor do meu corpo se torna quase incontrolável.
Ninguém vai tocar nela — o lobo garante, de forma solene. — Harper
Moon Lawson é minha.
Só que não. Tento avisá-lo. Convencê-lo de que isso só nos trará decepção,
problemas e um coração partido, nada mais. E não ajuda o perfume dela me
envolver enquanto seus passos determinados se aproximam, rápido demais, de
onde estou.
Preciso sair daqui.
— NÃO SE ATREVA, LIAM! — Que garota irritante do caralho! Estou
fazendo a porra de um favor a nós dois, será que ela não percebe? Com uma
corridinha ridícula, batendo a bota de salto médio contra o asfalto, fazendo-a se
desequilibrar e quase cair, se eu não apoiasse seu corpo contra a lateral da minha
moto, Harper, a causa de uma parte das minhas aflições atuais, está colada à mim e
seu arfar de surpresa, seguido do cheiro delicioso, faz o imbecil dentro de mim
ronronar, como a porra de um gatinho, e o meu coração bater descompassado. —
Que idiotice foi essa, lá atrás? — seus lábios pintados de rosa-claro perguntam,
perto demais de mim. — Meu Deus, olha o seu rosto! Desce da moto, eu não vou
te deixar sair assim.
— Não vai... deixar? — ironizo, fazendo-a elevar a sobrancelha em
desafio, arrancando uma gargalhada minha. — E como pretende me impedir,
Harper Moon?
— A menos que vá passar por cima de mim... — A teimosa se afasta,
colando-se em frente à minha moto e abrindo os braços. O movimento faz a
jaqueta de couro preta se abrir, revelando a blusa branca curta e a pele macia de
sua barriga. Involuntariamente, respiro fundo, tragando seu perfume para dentro
de mim, completamente viciado na essência única. — Por favor, vamos cuidar
desse rosto. — Franze o cenho, como se estivesse preocupada. — Tá horrível.
Mas que merda do cacete.
Desço da moto sob o olhar vitorioso da garota muitos centímetros mais
baixa do que eu e a sigo, sob o olhar chocado das pessoas que ainda ficaram por
ali depois da confusão e dos meus amigos, que também não parecem acreditar no
que estão vendo, antes de começarem a rir feito hienas. Um bando de babacas.
— Há uma enfermaria próxima ao campo — ela comenta por sobre o
ombro, quando me vê parado há alguns passos de distância. Isso vai dar merda.
Mas não consigo evitar. Com o rosto já começando a inchar, pelas
porcarias dos golpes que aquele filho da mãe conseguiu acertar, sigo-a através do
campus, andando lado a lado com a Intrépida Lawson, que parece não se importar
com os olhares que todos lançam quando nos veem juntos a caminho do campo.
Alguns minutos, e muitos passos, depois, chegamos à tal salinha
minúscula, chamada de enfermaria apenas por ter uma caixa de primeiros socorros
em uma prateleira velha e uma maca bastante instável em um canto. E o pânico
começa a me invadir. Seguir a garota até aqui não foi problema algum, mas ficar
em uma sala abafada, com seu cheiro inebriante tomando conta de tudo, é uma
tortura pela qual não estou nem um pouco ansioso. E esse é o motivo que me faz
ficar parado no lugar, feito um idiota, enquanto ela entra e começa a tentar
alcançar a prateleira mais alta.
— Liam? Será que você... — ela arqueja quando me nota às suas costas.
— Só você me chama assim.
Além do meu pai, claro. Comento, sem entender o motivo do comentário,
enquanto pego a caixa com facilidade e entrego a ela.
— Eu sei. Faço apenas para te irritar — confessa com um sorriso largo e
satisfeito. — Você ainda está tremendo. — Observa minhas mãos e então, aponta
para a cadeira antiga a alguns passos de nós. — Sente-se ali e me deixe cuidar de
você.
Agitado e um tanto incerto, me sento e espero, enquanto ela tira algumas
gazes, antissépticos e esparadrapos para cobrir as feridas que, possivelmente, terão
cicatrizado até as primeiras horas da noite, mas não é como se eu pudesse contar a
ela.
“Então, não preciso disso. Eu sou a porra de um lobisomem e, bem, esses
ferimentos nem existirão amanhã.”
Tarde demais para voltar atrás. — E, nesse momento, o aviso é
redundante.
Depois de separar tudo em silêncio — totalmente concentrada — Harper
lava as mãos em uma pia pequena, nos fundos do lugar, e caminha em minha
direção. Em seguida, segura o meu queixo, erguendo meu rosto, analisando-o por
alguns minutos, concentrando-se por tempo demais em minha boca. Como que por
reflexo, seus lábios se entreabrem e ela exala, mas não diz nada, apenas segue em
seu propósito, embebendo um chumaço de gaze em um antisséptico fedido e
começa a limpar os ferimentos.
Primeiro meu supercílio, arranhado pelo punho do fracote de merda; logo,
a lateral que lateja de forma incômoda, e então; o nariz e o canto direito da minha
boca, que arde um pouco por causa do produto. Não sei dizer em qual momento o
clima muda. Mas acontece.
Talvez o modo como se encaixou, de pé entre as minhas pernas, ou ainda o
fato de seu dedão acariciar de leve meu lábio inferior, como se tivesse sido tomada
por uma vontade inadiável. Fecho meus olhos e mantenho a cabeça apoiada no
encosto alto da cadeira, facilitando o caminho das mãos frias que deslizam pelas
laterais do meu rosto, estudando cada reentrância, ferimento e algumas cicatrizes,
apenas para voltar aos meus lábios.
Incapaz de me refrear, beijo e mordisco a ponta de seus dedos, pegando-a
de surpresa, e abro os olhos rapidamente quando ela recua, arquejando. Seu
coração batendo forte dentro do peito, correspondendo a cada batida insana do
meu, consumindo o meu juízo completamente.
Tarde demais para voltar atrás.
Puxo-a de volta, encaixando-a entre as minhas pernas mais uma vez e
mantenho-a aqui, minhas mãos firmes em seus quadris, até deixar uma deslizar
pela lateral do seu braço, acariciando levemente a pele macia do seu pescoço antes
de afundá-la ali e, com um puxão forte, trazer sua boca para a minha.
A sensação do sabor inigualável de sua boca, explodindo em meu paladar,
era algo inimaginável para mim, até esse exato momento. Porra! Suas mãos se
apoiam antes de deslizarem pelos meus ombros, as unhas arranhando de leve meus
braços e então, passeando de volta, até alcançarem a minha nuca, enquanto nossas
línguas se encontram em uma dança sensual para caralho.
Minha.
Incapaz de me manter nessa posição, com ela tão longe, me levanto, sem
deixar sua boca, trazendo-a para ainda mais perto enquanto seguimos nos
devorando em um beijo intenso e desesperador. Uma de suas mãos está alojada em
meu pescoço, enquanto ergo-a em meu colo e suas pernas circundam a minha
cintura à medida em que nossas bocas se movem uma contra a outra sem
descanso.
Minha — a fera ruge dentro de mim, exultante.
Assustador e totalmente impossível. — Relembro a ele. E a mim mesmo.
Sem fôlego, colo minha testa à dela, nós dois respirando ofegantes,
enquanto apoio seu corpo na maca preocupantemente frágil, que range sob o peso
de seu corpo, embora ela ainda esteja agarrada a mim.
Como deve ser.
Não.
Não podemos. É proibido.
Que tentem nos impedir.
— Por favor, Deus, que eles não estejam pelados! — a voz divertida do
lado de fora anuncia que nosso tempo a sós terminou. Jasper avisa. — Vocês têm
cinco minutos, antes que os outros venham. Aproveitem!
Harper sorri e a beijo mais uma vez. Embora não devesse.
— Oi... — Mais um sorriso. Caralho de mulher linda. Mais um beijo,
porém, mais demorado dessa vez. — Por essa, eu não esperava.
Sorrio, me afastando um pouco, ajeitando sua roupa que acabou ficando
toda atrapalhada depois do nosso descontrole. Principalmente, meu.
— Mentirosa — acuso, deslizando o dedão por seu lábio inferior. —
Aposto que esteve sonhando com isso, desde que me viu pela primeira vez. Eu sei
que me acha um gostoso, Harper Moon.
— Que mania chata! — reclama, dando um tapa fraco demais em meu
ombro, por usar seus dois nomes. — Pois eu tenho certeza de que foi o contrário.
Sim, eu sonhei com você. Mas não admitirei de forma alguma. Que bem
isso faria?
— Harper... Isso — Engulo em seco. — não deveria ter acontecido. Eu sou
um cara...
— Malvadão e que não se apega e blá, blá, blá. — Revira os olhos azuis-
acinzentados. — Foi apenas um beijo, Liam. Nós dois vamos ficar bem. — Beija a
lateral do meu rosto e pula para fora da maca. — Se você e o seu amigo não
saírem espalhando isso por aí, ninguém saberá.
— Melhor — concordo, apesar do gosto horrível em minha boca. — Nos
vemos por aí?
— Infelizmente. — Dá de ombros, pegando sua mochila na mesa em que a
caixa de primeiros socorros está. — Até mais, Liam. Se cuida, tá bom? E coloca
algo nesse olho, ele vai inchar mais.
— Obrigado. — A força que faço para manter meus pés no lugar e não
avançar sobre ela, e beijá-la mais uma vez, é tanta, que sinto as falanges dos dedos
doloridas.
— Agora, estamos quites, amigo — provoca e sai da sala.
E não olha para trás nem uma vez.
Me asseguro disso.

Sentados na sala, jogando videogame, sigo ignorando os olhares curiosos


que Jasper lança de tempos em tempos em minha direção. Não tenho o que dizer a
ele, que explique o que aconteceu mais cedo. Eu poderia dizer que foi apenas um
beijo, mas ele saberia, somente de olhar para mim, que estou mentindo.
— Jasper parece prestes a botar a porra de um ovo! — Mack comenta, sem
tirar os olhos do telefone.
Fomos todos criados juntos. Os pais de Jas, também membros de famílias
fundadoras de Silent Grove e integrantes do Conselho de Paz, me adotaram como
segundo filho, na época do Acordo. Foi um tempo difícil para todos nós e, ainda
assim, eles fizeram todo o possível para que eu não me sentisse perdido no mundo,
após me ver órfão e com uma responsabilidade grande a carregar. Emma e Steve
Hill são pessoas incríveis e por quem eu faria qualquer coisa.
Até mesmo, mentir.
Por isso, apenas me mantenho calado, fingindo estar prestando atenção na
merda de jogo chato no qual que estou perdendo de lavada para Eli, que finge não
estar atento às risadas altas de Mack, que troca mensagens com alguém.
— Deixe Jasper em paz — Eli diz, após me dar um baile na porcaria do
jogo. — Vai sair hoje?
Eu até poderia provocá-los, apenas para irritar os dois e desviar toda essa
atenção de mim. Seria muito melhor e eu poderia fazer isso sem dor alguma na
consciência, se não estivesse muito assustado com a intensidade do que rolou.
Assim que Harper sumiu, atrás do prédio da administração, a fera dentro de mim
reagiu colérica e revoltada por eu tê-la deixado ir. E eu, fodidamente frustrado,
pelo mesmo motivo. Que bem faria a qualquer um de nós dois, um envolvimento
totalmente proibido e condenado ao fracasso?
No entanto, bom demais para ser facilmente ignorado ou esquecido.
Eu já deveria estar acostumado, afinal, a minha vida é cheia dessas merdas
de situação, desde sempre. Por que seria diferente agora?
Inutilmente, abaixo a saia minúscula, que cobre um short ainda menor, e
tento acompanhar o resto das meninas empolgadas na coreografia elaborada — e
eu nem estou sendo erguida e/ou lançada no ar, como Vicky — o que, no caso,
resume minha participação em não tropeçar em mim mesma nem atrapalhar uma
das garotas sorridentes que estão cumprindo toda a rotina com sorrisos no rosto e
dificuldade zero.
Certeza de que na Robótica, minha falta de habilidade motora seria
facilmente contornada com sorrisos tímidos, um pouco de charme e uma
assessoria muito bem-vinda de qualquer um dos meus companheiros de sala. Por
que é que eu fui ouvir Victoria?
— Lawson! — a treinadora durona, mas sorridente, chama; o que só pode
indicar que, mais uma vez, me perdi em alguma parte da coreografia. Porém,
quando ouço meu nome, as coisas pioram ainda mais, já que perco o ritmo e acabo
atrasada no passo, quase derrubando Mia, uma das garotas ao meu lado. Isso não
pode ficar pior. — Atenção! Sempre sorrindo! Foca na música! NA MÚSICA!
Merda.
— Na música, Intrépida Lawson! — Mack grita do campo, onde todo o
time de futebol americano assiste à minha desventura e falta de jeito. — A
MÚSICA!
Sorrio amarelo para o gigante, que imita com facilidade nossos
movimentos, antes de acenar com meu dedo do meio para ele, que solta uma
gargalhada sonora e volta a correr pelo campo com um uniforme que o deixa ainda
mais forte e bonito, o que só demonstra que não existe justiça alguma nesse
mundo. Meu cabelo está pregado na testa e tenho quase certeza de que estou
derretendo.
— Vamos, Harper! Você consegue! — Jasper, que também não fica para
trás no quesito beleza no uniforme vermelho e branco dos Warriors Wolves, para
ao meu lado e, claro, também faz a rotina completa como se tivesse treinado a vida
toda. Totalmente injusto. — Não desista! — incentiva, enquanto volto a
envergonhar a mim mesma, tentando replicar seus passos.
Por fim, para coroar a diferença entre nossas performances, Jasper dá um
salto no ar e sai correndo de volta ao seu treino, sob o olhar fulminante do seu
capitão. Humilhante.
— Vamos, Moon! — Vicky se aproxima, tão linda quanto se tivesse
acabado de chegar aqui, enquanto eu me sinto como se estivesse girando na merda
de um micro-ondas gigante, totalmente sem fôlego depois de tentar coordenar as
pernas com os movimentos dos braços, que seguram os pompons ridículos. —
Você está indo muito bem! — Estreito os olhos para ela, que mantém o tom sério
no rosto bonito. Ela realmente acredita que eu tenho salvação. Ai, Robótica,
saudade de tudo o que a gente não viveu juntos. — Eu juro! Vamos mais uma
vez? — para ao meu lado e, claro, ela é ainda melhor do que Jasper. Sem a coisa
do salto, claro. Embora, tenho certeza de que ela se sairia muito bem nisso, se
tentasse.
Assim que terminamos; eu resfolegando, como se tivesse acabado de subir
uma montanha, enquanto ela parece não ter feito mais do que uma caminhada,
cantando e colhendo flores no caminho, como a princesa que é; me jogo no chão e
cubro o rosto com o braço.
— Estou morrendo, Vicky — aviso, quando ouço sua gargalhada melódica
vindo de algum lugar próximo. — Você não deveria estar rindo desse jeito, já que
terá que dar essa notícia triste à minha mãe.
— Para de exagero, Moon — reclama e, pelo tom, tenho certeza de que
está revirando os olhos. — E deveria se levantar daí, agora, se não quiser... — a
urgência de sua voz se torna apenas um sussurro resignado. — Ah, droga, tarde
demais.
Ó, Deus, o que mais pode acontecer?
— Eu, Mack Blackmoon, te batizo: — a voz troveja acima de mim. —
Harper “Intrépida” Lawson, em nome dos Warrior Wolves e do squad mais lindo
e destemido da liga e que sempre arrasa torcendo por nós.
Merda!
Arregalo os olhos e só tenho tempo de prender a respiração, antes que todo
o conteúdo do tambor, cheio de água e gelo, usado para manter a água mineral e os
isotônicos do time resfriados, seja despejado sobre mim. Arfo, enxugando o rosto
sob o som irritante da gargalhada de Mack e dos outros ali, que ecoam ao meu
redor, enquanto me sento, indignada.
Pelo menos, não foi sangue de porco. — Tento enxergar o copo meio
cheio, ao invés de tentar assassinar alguém.
— Se estivesse de pé, não teria corrido o risco de se afogar — a voz de
Vicky diz à minha esquerda.
— Eu pareço um cachorro molhado — choramingo, torcendo o cabelo e
olhando para a minha prima, que tem um sorriso conspirador no rosto bonito. —
Eu vou matar o Mack! E depois, você, priminha querida.
— Primeiro, você precisa se levantar, Harper Moon — o calor da voz
macia me invade de forma bastante inapropriada e esquisita, já que eu deveria
estar tremendo de frio por estar encharcada nessa merda de campo, sob o clima
nublado e ameno de Silent Grove. — Venha.
A mão grande — que já foi usada para me agarrar, de maneira bastante
interessante e inapropriadamente memorável, para algo que deveria ter sido apenas
um beijo — está estendida em minha direção, enquanto o capitão do time, Liam
Ashbourne, abre um de seus raros sorrisos e me ajuda a ficar de pé.
— Bem-vinda ao time — murmura, se aproximando mais de mim e
inspirando fundo próximo ao meu pescoço, antes de deixar um beijo estalado no
meu rosto, surpreendendo não só a mim, percebo pelos arfares ao redor. — Agora,
pode ir buscar sua vingança. Mostre a eles o quanto pode ser má.
— Vou começar por você, Sr. Capitão do time! — Colo meu corpo ao dele,
aproveitando-me do calor, enquanto molho toda a frente de sua camisa e o sinto
arrepiar, ao mesmo tempo que dispara um “muito má” entre dentes. Ignoro isso,
antes de me virar para a loirinha que assiste a tudo, entretida — Agora, você,
priminha.
Vicky dispara, correndo pela lateral do campo, enquanto eu a persigo com
toda a disposição do mundo, deixando Liam e sua gargalhada para trás, embora ela
ainda esteja ecoando em meus ouvidos.

Após jantar com minha prima e tia Lin na cozinha — uma sopa de batatas
com bacon que me fez repetir mais de uma vez, algo que deve impactar
diretamente no meu condicionamento físico deplorável nos treinos de
cheerleading [3]— me despeço delas e vou caminhando em direção ao meu quarto.
Talvez, um relaxante muscular seja necessário para combater a dor nos
meus braços — aquela merda de pompom dos infernos é uma arma de tortura.
Aposto que o sorriso no rosto daquelas meninas é de nervoso. Só de pensar que
temos treino depois de amanhã, com aqueles objetos que fingem ser leves, sinto
vontade de chorar.
Subo a escada charmosa com seus degraus de madeira envelhecida e chego
ao meu novo lugar preferido no mundo todo. Não dou mais do que três passos e já
caio na cama, fechando os olhos e me entregando à preguiça, enquanto espero a
hora de ligar para minha mãe. Já faz três dias desde a última vez que nos falamos e
tenho certeza de que ela vai fazer disso o drama do século.
Me viro de barriga para cima sobre o colchão novo e encaro o teto de
madeira, observando as reentrâncias e os sulcos ali, evitando a todo custo pensar
em certo jogador do Warrior Wolves e no modo como um simples e inocente beijo
no rosto me fez suspirar. Isso é idiotice, Harper.
O telefone, ainda ligado ao carregador na mesa de cabeceira, apita e vibra
sem parar, enquanto suspiro e me preparo para lidar com o drama de dona
Marianne, mas meu coração se alegra imediatamente, quando vejo o rosto
iluminado de Andy que, na foto em questão, usa um chapéu azul cobrindo os fios
loiros.
— Alguém foi, finalmente, liberto de seu cativeiro? — digo, sem me
importar em cumprimentá-lo antes. Somos assim.
— Graças aos céus e ao meu pai, que começou a fazer chantagem usando a
carta do “coração”. — Desde o infarto, o Sr. Parson tem usado esse recurso com
frequência para convencer a esposa a quase tudo o que ele quer. — Mas foram
semanas na caverna. — Faz um beicinho triste. — Senti sua falta.
— Nossa, nem me fale! — Descanso as costas contra à cabeceira de
madeira rústica e encaro o sujeito alto e loiro na tela. — Por que você parece
diferente?
— Mais bonito? — questiona, coçando o queixo. — Não responda. Quero
manter minha autoestima onde está. — Gargalho, porque ele me conhece bem
demais. — Bom, há realmente algo de diferente por aqui.
— Se for uma nova melhor amiga, vou desligar — aviso. Embora não creia
que eu vá mesmo fazer algo assim.
— Uma amiga com benefícios, conta? — o safado pergunta e abre um
sorriso cafajeste. — E um amigo?
— Você é um safado! — Sorrio para o idiota do outro lado, que revira os
olhos.
— Não estou enganando ninguém. — Dá de ombros. — Além disso, não
prometemos exclusividade. E você? — Estreita os olhos. — Já encontrou seu
fazendeiro ricaço e rústico?
— Nem um, nem outro. — Finjo tristeza. — Mas fui perseguida por um
cachorro enorme, tenho uma “amizade” estranha com o famoso capitão dos
Warrior Wolves e com alguns membros do time e, prepare-se para essa revelação
chocante: Sou a mais nova integrante das líderes de torcida.
Quando Andy cospe a água que estava bebendo diante da piscina
incrivelmente azul de sua casa, eu compreendo seu choque. Se fosse eu, contando
a mim mesma do passado, não acreditaria; já que sempre ri das garotas saltitantes
e sorridentes balançando seus pompons coloridos no ar.
Instrumentos de tortura.
— Você tá pegando o gato do Ashbourne? — E o choque do meu amigo
me acerta diretamente no ego.
— Não vamos viajar na maionese, ok? E, de tudo o que eu falei, é isso que
o deixa mais chocado? — Sorrio. Não nego e nem confirmo a informação, mas
também não acho que precisaria. Meu amigo me conhece o bastante para saber
quando estou escondendo algo.
— Não vamos — concorda e aproxima o rosto da câmera, seus olhos muito
claros brilhando de curiosidade. — Ele é tão malvadão quanto parece? — Sorrio
ao me lembrar da noite em que cheguei à cidade, pouco mais de dois meses atrás.
Como o tempo passa rápido, não é? Lembro-me do sujeito insuportável que quase
me atropelou outro dia mesmo, naquela primeira noite. E depois, dançou com o
corpo colado ao meu naquela festa, me salvou do cachorro e teve a noite na
floresta… — Pela carinha de sonhadora com tesão encubado: sim, ele é realmente
tudo de que ouvimos falar.
O idiota tira suas próprias conclusões e não vou perder tempo tentando
convencê-lo do contrário.
— Ele é insuportável, na maioria das vezes. — Sorrio ao me lembrar de
suas provocações baratas, mas então, a imagem dos seus olhos escuros
preocupados e o modo como me abraçou de forma protetora, após me resgatar,
vêm à minha mente, me obrigando a fazer uma retratação. — Mas, sim, ele pode
ser interessante. E também é bem bonito. E tem um cheiro delicioso.
E um beijo que me convenceria fácilmente a qualquer coisa.
Do outro lado da tela, uma discussão acalorada toma conta do áudio e,
aparentemente, como não possui a “carta do Infarto”, Andrew Parson não foi
liberado do detox de tecnologia, como imaginava.
— Às vezes, acho que ela não se lembra de que eu já passei dos vinte anos.
— Estala a língua. — Preciso ir, antes que a Terceira Guerra Mundial aconteça por
causa dessa merda de telefone. Graças a Deus, só mais uma semana até estar de
volta ao meu dormitório. — A voz de sua mãe domina a conversa e ela o xinga
copiosamente, acusando-o de estar manchando e contaminando a energia da casa.
— Nada de sexo virtual para nós, essa noite, linda. Eu te amo e tô com saudade!
— exclama de forma exageradamente triste, antes que sua mãe apareça na tela,
acenando para mim em uma despedida rápida e desligando o telefone.
Mães malucas e filhos igualmente loucos. — Esse sempre foi o nosso lema.
Desde a sexta série, para ser exata, quando salvamos um sapo de ser atingido com
sal por um bando de moleques cruéis e o jogamos na estrada ao lado da escola,
apenas para ser atropelado por um caminhão lotado de cerveja.
O que conta é a intenção, não é?

Mais uma noite na qual acordo com o som irritante das patas pesadas
cruzando a rua em frente à nossa casa. Pressiono a tecla do telefone em minha
mesa de cabeceira e constato que são apenas três da manhã e que as minhas
chances de conseguir voltar a pegar no sono são quase inexistentes. Maravilha.
O animal bufa e faz um som estranho, como se estivesse farejando, bem
abaixo da minha janela — ou, pelo menos, é onde imagino que esteja, já que
parece ainda mais perto agora. Não sei se agradeço pelo que pareceu uma
manifestação de apoio ou se abro a janela e xingo o maldito bicho, ou monstro,
mandando-o me deixar em paz.
— Já não bastam os pesadelos? — resmungo comigo mesma ao ouvi-lo
emitir um gemido grave mais uma vez, quase uma risada. — Ei, não me julgue! —
reclamo e, mais uma vez, como se me entendesse e ouvisse, o animal rosna.
É um novo tipo de pesadelo, só pode. Onde interajo com a criatura enorme
e peluda do lado de fora.
Incapaz de resistir, alguns minutos depois, abro uma pequena fenda na
cortina e, dessa vez, graças aos céus, sem sinal daquele maldito lobo branco com
seus olhos maléficos por ali. Tudo o que consigo ver é um vislumbre breve de um
lobo peludo e escuro feito a meia noite, desaparecendo em meio à neblina.
Me levanto rapidamente e acendo um incenso: Não custa nada prevenir,
não é?
Jogado na cama de barriga para cima, respiro fundo e tento me acalmar.
Preciso estar pronto para mais uma conversa desagradável e cheia das cobranças
de Owen Ashbourne, meu genitor, preso em uma casa de repouso desde que
perdeu o controle de seu lobo; causando toda a merda que resultou nos Acordos
idiotas, que deixou a minha geração escrava de seus erros.
É culpa dele que Jasper tenha que se entupir daquele elixir fedido para
manter seu lobo obediente e distante de Victoria Miller. Possivelmente, eu serei o
próximo a ter que fazer uso da porcaria leitosa e esverdeada, para que eu desista
de acompanhar cada passo de Harper Moon Lawson.
Porra! Seu segundo nome parece a merda de uma provocação.
Até mesmo ele me atrai.
Apenas de estar pensando em seu nome, o que domina a minha mente é a
lembrança do toque macio de sua boca, das mãos delicadas puxando forte o meu
cabelo e o seu cheiro e gosto dominando o meu paladar. Caralho! Sinto meu pau
latejar sob a calça de moletom, assim que a memória do sabor daquela boca
gostosa me atinge com tudo.
“Minha.” — O filho da puta peludo que habita a minha pele determina,
mais uma vez.
Isso é burrice. — aviso a ele, tentando obrigá-lo a se esquecer dessa merda.
É impossível. Errado. E não vai acontecer novamente. Escolha outra — qualquer
uma.
“Não.”
Filho da puta, masoquista!
Indócil, ele traz de volta à memória os gemidos baixos e a sensação
inebriante do corpo quente colado ao meu. Esse filho da mãe está fissurado por
ela, demandando por tê-la novamente em meus braços, desejando ter mais dela.
“Muito mais.”
Eu vou acabar enlouquecendo. Mais lembranças são destravadas e, então,
são seus lábios em meu pescoço e suas mãos apertando com firmeza os meus
ombros, quando deixo a cabeça pender para o lado, abrindo mais espaço para sua
exploração. Ela morde e beija a carne ali, enquanto minhas mãos percorrem a
lateral de seu corpo, acariciando a curva macia dos seios sob a blusa.
De olhos fechados, deslizo a mão pelo meu peito, abdômen e estou prestes
a alcançar meu pau necessitado de atenção dentro da calça, quando meu telefone
toca e um rosnado impaciente ecoa pelo meu quarto — revoltado e frustrado.
Maldita lua cheia!
Soco a porcaria do travesseiro sob a minha cabeça e me levanto, vestindo a
camisa preta que deixei jogada no encosto da cadeira e atendo à merda da
chamada. Nada como uma hora de sermão sobre deveres e responsabilidades para
brochar alguém.
— Em que merda estava pensando, Liam? — Sem nem um “olá, meu filho,
como você está?”
— Sempre objetivo, Owen. — Sarcástico, não consigo deixar para lá. É
por causa da bagunça dele que estamos nessa merda. — Antes que comece com a
merda do monólogo sobre deveres, ouça a minha versão do que aconteceu. — O
homem do outro lado, apesar de não parecer muito feliz no momento, espera. Bem,
pelo menos, ele vai me deixar falar, dessa vez. — Não sei se sabe de toda a
história, mas o babaca do Chad II tentou forçar alguma coisa com a Lawson e ela
fugiu para dentro da floresta. — Ele arregala os olhos imediatamente. — Os
forasteiros estavam à caça dela, mas eu cheguei mais rápido.
A imagem dela, se aconchegando à mim, retorna à minha mente, me
deixando imediatamente duro de novo.
— Porra! — Cerra as mãos em punho e seus lábios se esticam em uma
linha fina.
— Eu a salvei e a levei pra casa. No outro dia, o babaca estava em cima
dela de novo e eu fui defendê-la. — esclareço e, então, aviso: — Não vou estar o
tempo todo disponível para limpar as merdas desse idiota covarde, e foi isso que
eu disse ao reitor Nolan e ao prefeito. E se eles ousarem fazer alguma coisa contra
aquela garota… — apenas nego, incapaz de prosseguir, sentindo a ira tomar meu
corpo.
Ele anui, seus olhos, sempre nublados pelos remédios que o mantém sob
controle, estão mais atentos do que de costume.
— Não faça isso, filho — seu tom embargado me deixa em alerta. — Não
escolha esse sofrimento para si. Ela está além dos limites.
“É tarde demais para voltar atrás.” — sentencia.
— Não farei. — Nunca fui famoso por ser obediente, é bom que o lobo
saiba disso. — Só fiz o meu trabalho.
Owen apenas meneia a cabeça de um lado ao outro, a tristeza em sua
expressão deixando-o mais velho e cansado, apesar dos quarenta e poucos anos.
— Eu espero que sim, Liam. — Ele usa a mão trêmula para tirar uma
mecha do cabelo escuro de seu rosto. — Realmente espero. Seu momento de
assumir o lugar que lhe pertence se aproxima, faça a escolha certa.
E por mais de meia hora, escuto-o falar sobre todo tipo de coisa, enquanto
meu pensamento vagueia por matérias da faculdade de administração, jogadas que
precisamos treinar amanhã e uma garota linda de cabelos escuros que parece ter
prazer em me desafiar, sempre que pode.
“É tarde demais.” — a voz agourenta decreta mais uma vez.

Do vestiário, conseguimos sentir a intensidade das arquibancadas lotadas


para o primeiro jogo da temporada. Os outros integrantes do time ao meu redor
parecem sentir também e, agitados, terminam de se vestir, se preparando para a
partida que deve começar em instantes. Estalo o pescoço, alongando-o, enquanto
me movimento, sem sair do lugar, deixando a inquietação dentro de mim se
dispersar aos poucos.
Há vários olheiros por aqui e a maioria dos jogadores do Warrior tem
grandes chances de ser recrutado por alguns dos grandes times da liga profissional.
Até mesmo eu. Embora seja impensável que eu o faça. Silent Grove precisa de um
Alpha e, infelizmente, esse papel terá que ser meu.
— Cara, que merda... — Jasper se aproxima. — Você parece mais tenso
que o normal.
— É a lua cheia. — É uma justificativa que sempre funciona.
Apesar de todas as lendas, não nos transformamos apenas nas noites de lua
cheia. Claro que ela exerce a sua influência, nos deixando mais agitados, ansiosos
e fortes. Se Jas compra a minha história, não sei dizer, porque, em seguida, o
treinador aparece e, após um discurso bastante incentivador, volta a citar algumas
jogadas que ensaiamos, até que chega a hora de entrarmos em campo.
E nem mesmo nesse momento, o pensamento persistente e incômodo me
abandona, nem mesmo o som ensurdecedor nas arquibancadas ou a adrenalina que
sempre me consome quando coloco meus pés em campo, disfarça a necessidade
que toma o meu corpo. Não demora muito para que eu a veja — a causa da minha
insônia e da gargalhada que irrompe da minha garganta quando a vejo se
desequilibrar em uma parte da coreografia, tomando um olhar raivoso de uma de
suas colegas que teve o pé pisado devido à sua falha.
Os olhos acinzentados se encontram com os meus e, um pouco sem jeito,
ela sacode os pompons, imitando as outras integrantes com um pouco de atraso,
enquanto seus lábios me desejam “Boa sorte” por entre todos os gritos das
arquibancadas.
Não há sorte aqui, Harper Moon — eu poderia dizer a ela. — Prepare-se,
porque hoje vai nos ver fazer o que fazemos de melhor juntos: Vencer.
A adrenalina invade minhas veias à medida que entramos em formação.
Observo o entorno e sorrio quando a vejo sentada no banco, junto às outras,
prestando atenção ao jogo, embora pareça um pouco confusa ao ouvir os berros do
treinador.
Respiro fundo e, quando o juiz apita, jogo todo e qualquer pensamento
para o lado e foco na partida, nas estratégias e nas jogadas treinadas. — Esse é o
meu time, o meu lugar e o meu dever, o qual eu sempre cumpro com maestria.
Pelo cheiro de medo, preocupação e expectativa no ar, o outro time sabe bem o
que o espera, assim como nós.
Só há um resultado possível para os Warrior Wolves essa noite: vitória e
nada mais.
Afinal, não dá para perder em tudo.

De onde estou, observo as pequenas luminárias penduradas pelo jardim


principal da mansão, enquanto mais e mais gente chega para celebrar a primeira
vitória do nosso time. Como sempre, arrasamos e sabemos bem disso.
Até mesmo alguns jogadores do time adversário da Universidade de
Montbianc — uma cidade famosa por revelar alguns jogadores de hóquei bem
famosos no cenário nacional — estão por aí, bebendo e tentando a sorte de
conseguir um par para a linda noite de lua cheia.
— Ash, talvez você devesse subir e sair de cena um pouco — Eli, que
esteve quase a noite toda ao meu lado, nessa merda de festa, declara.
— Não, obrigado. — Finalizo mais uma garrafa de cerveja, ainda
encarando a pista de dança, onde aquela filha da mãe gostosa está se acabando de
dançar com algumas meninas que vestem o mesmo maldito uniforme infame,
destacando cada curva de seus corpos.
A porcaria da blusa curta deixa grande parte da pele macia de sua barriga
de fora, enquanto aquela merda de saia não cumpre a porcaria do trabalho de
cobrir a curva da bunda arrebitada. Fora isso, ainda tem o perfume cítrico que está
me enlouquecendo aos poucos, enquanto bebo, tentando me anestesiar dessa
merda toda e fazer meu corpo entender que está desejando algo impossível.
Alguém totalmente fora dos limites.
Caralho de noite.
— Por que ele tá com essa expressão homicida? — Viv pergunta a Mack,
que também se aproxima com um olhar preocupado em minha direção, obstruindo
minha visão da pista de dança.
— Ash, vamos entrar — Eli troca um olhar com Mack e se levanta,
possivelmente sentindo minha frágil determinação de me manter distante da pista
de dança ceder aos poucos. — Antes que...
— Saiam da minha frente — ordeno, olhando dentro dos olhos de Mack,
que não se move nem um milímetro. — Vai ficar parado feito a porra de uma
parede na minha frente, agora? Que caralho pensa que está fazendo?
Levanto-me rapidamente, desviando de Mack e logo me arrependo.
Alguns metros à frente, sob o olhar preocupado e um tanto furioso de
Jasper, Dave Sei-lá-que-merda, o quarterback do time adversário, dança com o
corpo colado à Harper, que sorri e joga os braços em seu pescoço, enquanto se
balança no ritmo da música.
O idiota parece hipnotizado. Assim como eu. Porém, com uma única
diferença entre nós: eu vou arrancar as mãos desse filho da puta, folgado do
caralho.
E talvez eu tenha falado isso em voz alta, porque tentam me impedir de
sair daqui, mas não ouço ou vejo nada, além daquela garota infernal à minha
frente. Jasper se adianta e toca o ombro de Harper, que ergue os olhos e me vê
chegando, mas não se abala. Ao invés disso, continua dançando, fingindo que não
está prestes a se atracar com esse idiota cheio de dedos, bem na minha frente.
Mas que porra é essa?
— Se manda. — Assim que chego neles, afasto-o dela, segurando seu
ombro com firmeza, enquanto sua companheira cruza os braços, indignada. — Se.
Manda.
A segunda vez, nada mais do que um rosnado furioso. Enquanto o babaca
se afasta, erguendo as palmas para a frente em sinal de rendição, enquanto se
despede dela.
— Você vem comigo, Harper Moon — aviso à ela, ignorando sua
expressão furiosa e teimosa, enquanto saio puxando-a pela mão para dentro da
minha casa.
Finjo não ver os idiotas que tentam me cumprimentar e me chamam ao
longo do caminho — que se fodam todos eles — subo as escadas para o segundo
andar enquanto Harper xinga e tenta se soltar do aperto férreo da minha mão em
seu punho. Só paro quando entramos em meu quarto e fecho a porta atrás de mim,
abaixando a cabeça e respirando fundo, tentando conter o tremor e o calor que se
avoluma dentro de mim.
Caralho de descontrole.
— Mas que merda é essa, Liam? — pergunta, raivosa. — Eu estava
dançando!
Rio, sem humor nenhum.
— Não, não era só isso que estava fazendo, Harper Moon — meu tom sai
baixo e ameaçador. — Estava... aquele cara lá atrás... o que você quer, Harper?
Ergo a cabeça e encontro seus olhos estreitos fixos em mim, a raiva
emanando de cada poro seu, fazendo seu cheiro se tornar mais picante, intenso.
Meu pau pulsa insano dentro da calça. Ira e desejo lutando bravamente dentro de
mim.
— Responda, Harper — ordeno e ela gargalha, se dobrando sobre seu
tronco. — Qual é a graça?
Com a minha pergunta, seu riso morre e, agora, ela não parece achar mais
tanta graça também. Talvez estejamos na mesma página aqui.
— Eu não devo satisfação a você, Liam — responde entre dentes, sem
saber o efeito que tem sobre mim quando me chama pelo nome. — E se eu o
quiser? Que direito você tem de me trazer para cá e me cobrar alguma coisa? Nós
não temos nada e, pelo que eu me lembro, você praticamente surtou com a
porcaria de um beijo!
Seu tom vai subindo mais a cada frase, enquanto seu cheiro parece prestes
a tomar todo o lugar e me fazer tomar mais péssimas decisões nessa noite. Eu
deveria tê-la deixado lá, não deveria ter me intrometido ou me sentido traído,
como se ela fosse minha — ela não é.
Mas aquele cara é alguém com quem ela poderia ficar, ao contrário de
mim. E ainda teria o bônus de matar aquele filho da mãe do Chad II de raiva.
Porém, ao invés disso, eu poderia matá-lo, apenas por encostar em um fio sedoso
de seu cabelo, preso em um rabo de cavalo hoje, expondo seu pescoço e seu colo
macio, finalizando o uniforme completo de cheerleader que me deixou sem ar.
Porra!
— Eu não surtei porra nenhuma. — Me aproximo dela, que não se move.
Como de costume, ela me enfrenta, com seus olhos acinzentados firmes nos meus.
— E nós realmente não temos nada um com o outro.
— Exatamente o meu ponto! — Revira os olhos, ainda de braços cruzados.
— Agora, se me der licença, eu vou voltar para a festa e me divertir. — Ela passa
por mim, tentando inutilmente disfarçar o quanto minha proximidade a afeta. — E
entenda: eu vou ficar com quem eu quiser. Qual é o problema com os caras dessa
cidade? Primeiro Chad, e agora você! Ah, faça-me o favor! — Estala a língua, mas
não tem tempo de chegar à porta, porque seguro-a pelo punho e a trago para junto
do meu corpo.
Eu deveria deixá-la ir.
“Não. Tarde demais.”
— Eu não sou nada como Chad — aviso, me perdendo no brilho furioso de
seus olhos. Mas há algo mais ali, que se parece muito com desejo, e é isso que
rouba o resto do juízo que ainda tenho.
Inspiro fundo o ar e sorrio ao sentir o delicioso aroma de excitação que seu
corpo desprende quando me aproximo ainda mais, encaixando uma mão em seu
pescoço, acariciando levemente sua nuca e sentindo-a relaxar sob o meu toque,
embora seu olhar continue desafiador.
— Você sente, não é? — Inspiro o cheiro de frutas e tantas outras coisas
deliciosas e o trago, como se fosse a porcaria de um cigarro. Roço a ponta do meu
nariz na lateral de seu rosto, antes de morder a carne na linha de seu queixo,
ouvindo-a arfar. — Não é a ele que você quer, Harper Moon.
Desço minhas mãos pelos seus braços, sentindo sua pele se arrepiar sob
meus dedos a cada movimento meu. Deslizo a boca pelo seu queixo, antes de
prender seu lábio inferior com meus dentes e soltá-lo — uma, duas, três vezes.
— Está enganado, Liam — sua voz é um sussurro. A porcaria de um blefe.
— Está mentindo e sabe disso — murmuro em seu ouvido. — Sou eu
quem você quer, maldita Lua. — Lambo o lugar onde sua pulsação corre
acelerada, assim como a minha.
— Liam... — Sua mão se afunda em meu cabelo, puxando os fios com
força quando afundo minha boca na sua.
Um beijo possessivo e desatinado, clamando por cada pedaço seu — ainda
que eu saiba que é apenas um desejo vão e inútil — porém, não posso parar. Não
quero. Ela geme em minha boca, esfregando-se em mim à medida em que nossas
línguas avançam uma sobre a outra em um duelo impossível de se vencer.
— Caralho, Moon — rosno, erguendo seu corpo e pressionando-a contra a
porta, sentindo seu calor úmido tocar meu abdômen, antes de descer mais seu
quadril, roçando minha ereção contra ela. — Eu não sou nada como esses idiotas.
— Desço minha boca para o seu pescoço, enquanto seu corpo busca mais atrito
com o meu, a essência da sua excitação me deixando ainda mais duro contra o seu
centro aberto sobre mim. — Eu sou muito mais do que vê e poderia te devorar. Eu
quero devorá-la.
A fera dentro de mim arranha as barreiras cada vez mais fracas, pedindo
passagem. Ele a quer. Desesperadamente. Harper morde a minha boca,
esfregando-se em mim enquanto agarra meu cabelo com força, me deixando perto
demais de ultrapassar todos os limites e me perder ali. Realmente me perder.
Nos levo para a minha cama, deitando-a sobre os lençóis esticados e
percorro suas curvas com as mãos. A mente, embotada de tesão, me conduz ao
desejo alucinante de possuí-la. Eu poderia fazer isso, fazê-la minha. Mordo seu
ombro quando ela desliza as mãos pelo meu abdômen e roça de leve a mão sobre a
frente da minha calça, sentindo-me totalmente duro contra sua palma.
Dolorido, desfruto da sensação e jogo a cabeça para trás, porém, ao focar
minha imagem no espelho, o brilho prateado em meus olhos me assusta e é o
alerta que eu precisava para encerrar essa insanidade.
— Não... — Harper lamenta, quando me afasto de suas mãos, erguendo
meu corpo, embora minha testa permaneça colada à dela, enquanto respiramos aos
arquejos. — Já estivemos nessa antes. É agora que eu devo ir embora, Liam?
— Porra, eu adoro o modo como fala o meu nome — confesso e beijo sua
boca mais uma vez, deslizando meu corpo pelo meu, enquanto me coloco de pé,
tomando um pouco de distância dela. — Mas não podemos.
Sentada em minha cama, ela cruza os braços, indignada.
— Deixa ver se eu entendi: — Harper está furiosa. — Eu estava me
divertindo com um cara legal na festa, e aí, possuído por algum espírito obsessor,
você me tirou de lá, me trouxe até aqui e me agarrou, como se não conseguisse se
controlar, mas agora, decidiu que não podemos continuar.
Sinto o puxão dentro de mim, a necessidade, a ferocidade que move o meu
interior e que me impele a estar mais perto dela, que a deseja e que nos meteria em
uma situação que só traria dor e sofrimento aos dois. Malditos sejam os Acordos,
maldito seja o meu pai, que estragou tudo, e eu, por toda essa merda.
— Me perdoe, Harper — peço. — Infelizmente, para mim, querer e poder,
quando se trata de nós, são coisas muito diferentes. — Fecho os olhos ao ver os
seus brilhando de decepção e, porra, rejeição. — Não daria certo, acredite.
Me aproximo dela e ergo a mão para tocar seu rosto, pensando em garantir
a ela que não é falta de vontade. Se as coisas fossem diferentes, talvez... Caralho!
As coisas são como são. Desço a mão, desistindo de tocá-la, e ela se afasta, a fúria
ardendo nos olhos, quase tão frios quanto seu tom ao recuar, se colocando a
caminho da porta.
— Nunca mais toque em mim — ordena ao girar a maçaneta da porta e
assim que a abre, sem se virar para trás, completa: — E não ouse se meter na
minha vida.
— Harper...— chamo às suas costas, mas ela não se vira, apenas ergue o
dedo do meio.
— Fique longe de mim, Ash.
E se, a esse ponto, eu não for mais capaz disso? — Esfrego as mãos no
rosto, desalentado, caindo de costas na cama e sentindo seu cheiro delicioso
dominar tudo ao meu redor. Impossível, Ash.
“É tarde demais.”
“Não daria certo.”
Quem esse idiota pensa que é? Quer dizer, eu estava aproveitando a noite,
conhecendo gente nova e aí, ele aparece com aquela aura sexy e perigosa,
mandando e desmandando, feito um general, antes de me levar pela mão através
da sua casa, como se eu fosse uma criança indisciplinada e, então, me agarrar
daquele jeito; apenas para me dispensar em seguida. Mas que merda foi aquela?
Abro mais uma garrafa de cerveja e ignoro sistematicamente o jogador
certinho, com cara de anjo, que está me vigiando de perto, como se eu fosse a
porcaria de uma criança. Ótimo! Mais um para agir como o dono da situação.
— Onde é que aquela safada da Vicky se meteu? — pergunto a ninguém
em especial.
A essa altura, meus pés doem, apesar de ainda estar calçando tênis e, por
causa da temperatura, que caiu alguns minutos atrás, acabei pegando uma jaqueta
de Mack emprestada — quando era ele o incumbido de me vigiar. Ao que tudo
indica, há um rodízio de babás rolando por aqui.
— Isso fica comigo — Elijah, o estraga prazeres com cara de deus grego,
toma a garrafa, ainda cheia, de mim e me pega pela mão, conduzindo-me de volta
para dentro da casa, que agora parece bem mais vazia do que antes.
Pelo menos, dessa vez, eu não estou sendo rebocada por um sujeito indócil
prestes a avançar sobre quem se puser em seu caminho, e sim, por um príncipe
encantado, que me acompanha com cuidado, enquanto nos conduz para o interior
da sala que emana um calor aconchegante.
Observo quando duas meninas, que fazem algumas matérias comigo na
universidade, me olham com malícia ao me verem entrar novamente,
acompanhada por outro jogador — elas já deviam estar aqui quando o idiota do
dono da casa me trouxe, apenas para me dispensar mais uma vez, sem justificativa
alguma.
— Um medroso de merda! — rosno quando chegamos à cozinha e o
deusinho me entrega uma garrafa de água mineral que acabou de tirar da
geladeira.
Eu tomo um gole, olhando o cômodo grande e bem equipado ao meu redor,
notando a decoração moderna, apesar de saber que essas paredes estão erguidas há
séculos.
— Ash gosta de cozinhar — explica, apontando para o que parece ser um
fogão de indução e um forno elétrico, desses bem caros. Seus olhos claros e fios
loiros, combinados com o rosto fino, o deixam com cara de adolescente; mas sei
que ele está dois períodos à minha frente em Medicina e é um aluno destaque da
faculdade. — Não sei o que rolou mais cedo, entre vocês, mas a vida dele é...
complicada.
Tomo mais um longo gole da água, enquanto apoio as costas no balcão e
me viro para encará-lo enquanto conversamos. Ele puxa uma cadeira na mesa
rústica de madeira maciça e estende a mão para o lugar à sua frente.
— Olha, a vida de todo mundo é complicada, Eli. — Estalo a língua. —
Isso não dá ao seu capitão o direito de agir como se... como se... — um som
engasgado deixa a minha garganta e eu começo a rir de mim mesma, porque ficou
parecido com um ruído de algum animalzinho fofo tentando ser durão. — Ele não
pode interferir na minha vida.
— Eu tentei impedi-lo. — Sorri, brincando com os frisos na madeira
distraidamente. — Mas o ciúme falou mais alto.
— Para ter ciúme, ele teria que me querer. — Dou de ombros. — É bem
claro que ele não quer. Ou acha que não deve, se entendi bem.
Elijah ergue uma sobrancelha para mim, genuinamente surpreso, antes de
encaixar uma mecha de cabelo que se desprendeu do meu rabo de cavalo, que se
afrouxou do aperto férreo que Vicky me obrigou a fazer, antes da “apresentação”.
Eu ainda não consigo acreditar no vexame diante de todas aquelas pessoas.
— Você não foi tão mal — garante com um risinho fofo, enquanto eu
bocejo sem classe alguma, um tanto sonolenta de repente. — Vem, vou te
emprestar a minha cama enquanto sua prima não aparece, ok?
Eu posso aceitar a gentileza, já que a cada vez que me aproximo mais do
time de estrelinhas da universidade, percebo que Elijah, o mais calmo e educado
deles, tem um crush absurdo em Mack, que parece lerdo demais para enxergar.
— Tudo bem, eu acho. — Me apoio em seu ombro. — Você também tem
muitos músculos — observo, tocando a carne firme de seu braço, fazendo-o rir. —
Eu deveria ter gostado de você, Eli.
— Você ainda pode gostar, Harper. — Sorri no meu cabelo, antes de deixar
um beijo no topo da minha cabeça. — É sempre bom ter amigos, não é?
Abre a porta do primeiro quarto à direita do corredor, revelando um
cômodo bem limpo e organizado. Ao contrário do cômodo que conheci antes, na
companhia daquele idiota indeciso, que parecia tão selvagem e caótico quanto o
dono.
— Fique à vontade — avisa, me sentando na cama de casal, enquanto
desamarra meus tênis. Ele some através da porta à esquerda e, quando volta, me
encontra deitada de qualquer jeito e, mesmo que meus olhos estejam pesados
demais para que eu consiga abri-los, sinto o peso da coberta cheirosa sobre mim,
antes de ouvir seus passos se afastarem. — Eu volto para chamá-la.
— Promete? — pergunto, já quase pegando no sono.
A falta de sono e a bebida cobrando seu preço.
— Prometo.
E, pela confiança em sua voz, eu acredito.

Ao longe, ouço as patas pesadas correndo ao redor da casa. Como sempre,


abro os olhos e espero, mas, dessa vez, o visitante não bufa ou grunhe, só se afasta
em um trote compassado e firme, até desaparecer. Porém, há mais deles agora,
noto. Eles se aproximam e então, correm para longe.
Encaro o teto, ainda sob as cobertas e, ao invés da madeira envernizada,
noto a alvenaria pintada com tinta clara.
Eu não estou no meu quarto! Droga!
Me levanto rapidamente e sinto a cabeça girar, os últimos eventos voltando
à minha mente, até o momento em que Elijah prometeu me chamar. Pego meu
telefone e me assusto mais uma vez — quase seis da tarde. Que droga! E se o
maléfico lobo branco estiver à espreita na floresta, apenas esperando para se
aproveitar da minha idiotice e me pegar?
Um bilhete sobre a mesa de cabeceira me avisa que devo ficar à vontade e
que Eli precisou sair, mas logo estará de volta para me levar para casa.
Puta merda, Victoria, onde foi que você se meteu?
Entro no banheiro organizado e limpo do quarto de Eli e, após aliviar
minha bexiga, uso um pouco de pasta de dentes no indicador, para não matar
alguém com esse bafo horroroso de álcool, e saio do quarto.
Como uma idiota, me pego olhando para a última porta no corredor —
imaginando que Ash certamente saberia me dizer onde aquela loira se meteu. Mas
hoje, já fomos rejeitadas o bastante, não é? Sem necessidade de repetir a dose
amarga e dolorosa, por isso, desço as escadas e encontro a sala praticamente vazia,
com algumas poucas pessoas espalhadas do lado de fora, enquanto a neblina cai
sobre a cidade, como sempre.
Olho ao redor e não vejo nenhum sinal de alguém conhecido, apenas
alguns casaizinhos escondidos em cantos escuros e os indivíduos fumando
enquanto conversam baixo nos arredores da floresta. De repente, a impressão de
estar sendo observada me toma, mas olho ao redor e não vejo ninguém por ali. Por
favor, Deus, que não seja o lobo branco dos meus pesadelos. Fecho mais a jaqueta
de Mack ao redor do corpo e repasso o caminho que eu e Vicky fizemos até aqui,
da outra vez, me recordando de que não era tão longe de casa.
Estarei no sobrado amarelo em menos de quinze minutos e esperarei
ansiosa por aquela loira safada, apenas para acusá-la de ter me deixado para trás
sem nenhum aviso. Decisão tomada, ignoro um casal que está transando ainda de
roupas, encostado no muro coberto por plantas e começo a descer a colina junto
com algumas outras pessoas que também parecem estar a caminho de casa, antes
que a neblina estranha tome conta de tudo.
Aos poucos, todos vão se distanciando, até que sobre apenas eu, a estrada
cercada pela floresta sinistra dos infernos e algumas casas já fechadas por conta do
horário. Apresso o passo e pego uma pedra de tamanho médio próxima à guia do
meio fio, enquanto tento controlar o meu coração, que bate acelerado por conta do
medo começando a ganhar espaço dentro de mim e criar os mais variados
cenários, desde situações ridiculamente bizarras, até verdadeiros enredos dignos
dos filmes de terror.
Em algum momento, a impressão de estar sendo observada retorna e, claro,
apresso ainda mais o passo, tentando manter meu coração sob controle, enquanto
meu corpo inteiro se mantém alerta e prestes a correr ou contra-atacar o maldito
stalker em meio à neblina densa, que já cobre quase tudo.
Uma luz de faróis surge detrás de mim e prospecta a minha longa sombra
solitária à frente, enquanto um carro se aproxima lentamente de mim. Estou pronta
para quebrar a porcaria do para-brisas e sair correndo em disparada, quando a
janela se abre, revelando a expressão furiosa de Liam Ashbourne, que fuma um
cigarro enquanto dirige.
— Entre no carro, Harper — ordena. Ele gosta muito de fazer isso, pelo
visto.
Foco meu olhar na rua diante de mim e apenas sigo andando, fingindo não
o ter ouvido. Aperto ainda mais o casaco de Mack ao meu redor e apresso o passo,
atravessando a rua rapidamente quando o ouço xingar e parar o carro. Atenta,
escuto o segundo xingamento que ele solta, o som metálico da porta se abrindo e,
então, seus passos apressados atrás de mim.
— Porra, Harper! — Ele agarra minha cintura, pressionando minhas costas
contra o seu peito largo em um gesto firme. — Você não poderia facilitar a minha
vida, né? Caralho de tortura! — xinga, enquanto ergue meus pés do chão e me
leva de volta ao carro, parado diante de uma casa antiga, visivelmente
abandonada. — Por favor, por favor, por favor, não faça mais nenhuma besteira,
ok? Me deixe te levar para casa. É perigoso andar sozinha por aqui.
Não digo nada, afinal eu estava realmente um pouco apavorada pelo
cenário típico de filmes de suspense, e só por isso, entro no carro e cruzo os braços
na frente do corpo, enquanto ele dá mais uma tragada no cigarro do lado de fora e
observa a floresta, como se conseguisse enxergar através da névoa densa que
recobre o lugar, antes de entrar no carro e bater a porta atrás de si. Liam olha para
a frente, visivelmente preocupado, e então, deita a cabeça sobre o volante,
respirando de forma pesada algumas vezes, antes de dar partida no veículo e o
carro começar a sacolejar pelas ruas de calçamento irregular, nessa parte mais
antiga da cidade.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, quando ele olha preocupado
pelo retrovisor. — Eli... está bem?
— Sim — responde, com o maxilar travado, como se estivesse fazendo
força para se conter. — Ele precisou sair para resolver algumas coisas, mas me
disse que deixaria um bilhete avisando para você esperá-lo em seu quarto.
O modo como me encara e a ironia de seu tom soam como uma acusação
contundente e eu reviro os olhos, ficando instantaneamente irritada.
— Não sou o tipo de pessoa obediente, eu acho — declaro no silêncio do
carro, sem olhar para ele. — E eu sei o que eu quero, e não me importo com
nenhuma dessas convenções idiotas. Foi isso o que eu disse a Chad no dia em que
acabei perdida nessa droga de floresta. E o idiota perdeu a cabeça, enquanto
discursava sobre sobrenomes de famílias antigas da cidade — esclareço, embora
ele não tenha me perguntado nada sobre isso. Só tenho dificuldade de lidar com o
silêncio opressor presente aqui — Ninguém vai decidir com quem eu me envolvo
ou não. Entendeu? Nem Chad, nem tia Lin, nem você! Eu posso usar o sobrenome
e ter raízes nessa cidade, mas não acredito nessas merdas de que família tal é
amaldiçoada, ou proibida, ou sei lá mais que diabos inventam e... — Não termino
de falar, porque o carro para com um tranco e o quarterback, famoso por ser
inatingível, parece desesperado. Liam ergue a cabeça, encarando o teto do carro
enquanto respira fundo, mantendo as mãos fechadas nas laterais do volante, como
se buscasse por forças. — Liam? — chamo alguns minutos depois, preocupada de
que ele esteja passando mal ou algo assim, mas me arrependo quando ele volta
toda a carga intensa dos olhos escuros ao meu rosto. — Ash, que merda tá
acontecendo? É algo com Vicky?
Ele nega e, quando seu olhar cai dos meus olhos para a minha boca, noto o
exato momento em que engole em seco e parece tomar uma decisão. Ainda em
silêncio, Ash liga o carro e nos conduz até uma rua totalmente imersa na névoa
espessa, até voltar a olhar em minha direção. Desolado.
— As coisas não deveriam ser tão difíceis — seu tom é baixo e intenso. —
Mas, porra, não posso mais... — Seu rosto bonito assume um ar amargurado
quando ele abaixa a cabeça, seu maxilar travado. — Me peça para sair daqui,
Harper. Ordene que eu me afaste.
— Ash, eu... — começo a falar, mas a força dos olhos escuros me silencia
e faz meu interior se agitar de forma quente e inapropriada, me fazendo pressionar
mais as coxas.
— Liam... — pede, curvando-se um pouco em minha direção. — Diga que
precisa ir para casa, Harper. Encerre com essa tortura. — Ele inspira com força, as
narinas se dilatando. — Porra! Que se foda!
Não tenho tempo sequer de esboçar alguma reação, antes que ele se curve
sobre mim, as mãos encaixadas em meu pescoço enquanto sua boca devora a
minha com força, como se ele tivesse sido tomado por um desejo desesperador sob
o qual não tivesse controle algum. E o fato de que meu corpo responde ao seu, no
mesmo grau de necessidade, é um tanto assustador.
Em algum ponto da minha cabeça, sei que deveria me afastar. Não sou o
tipo de pessoa que gosta desses joguinhos de morde e assopra, mas quando sinto
seu gosto mentolado dentro da minha boca, é impossível não ceder ao desejo que
deixa o meu corpo todo formigando.
Aproveitando o momento em que ele afasta a boca da minha, respiro aos
arquejos, enquanto o sinto descendo seus lábios pelo meu pescoço e, incapaz de
me refrear, me ajoelho em meu banco, antes de montar cima dele — um joelho de
cada lado de seu quadril — observando-o fechar os olhos com força, como se
tentasse recobrar a razão. Me afasto, as costas quase tocando o volante, enquanto
mantenho meu olhar firme em seu rosto, esperando que tome alguma atitude. De
repente, cansada demais das suas oscilações de humor.
Estou prestes a voltar ao meu lugar, mas me vejo presa em suas pupilas
dilatadas e no modo como suas mãos firmes envolvem a minha cintura, me
forçando para baixo e me permitindo sentir o quanto está afetado pela nossa
proximidade. Sem desfazer o contato visual, aciona um botão e empurra a poltrona
para trás, nos concedendo mais espaço. As pontas de seus dedos vão deixando
uma trilha de fogo em meu braço, meu ombro, até ter a mão encaixada entre meu
pescoço e o meu rosto, puxando-me para ainda mais perto, enquanto a outra se
mantém firme em meu quadril.
— Não se afaste. — Roça a ponta do nariz no meu com uma súplica. —
Não agora, minha Lua.
Seus dentes mordiscam meu queixo e meu lábio inferior, antes que avance
em minha boca com um beijo lento e sensual. Sua língua explora e desliza pela
minha — provocando, testando meus limites — ao mesmo tempo em que desce a
mão do meu pescoço para o meu colo, traçando uma linha imaginária entre os
meus seios e envolver um deles com força, arrancando um gemido alto da minha
garganta.
— Liam! — chamo quando ergue o quadril, investindo o volume rígido
contra o meu centro, à medida em que seus dentes seguem o mesmo caminho de
sua mão, mordendo e chupando meus mamilos eriçados sob o tecido sintético do
uniforme. — Liam… — Agarro sua nuca e me movo em seu colo, fazendo-o
gemer baixo em meus seios expostos, quando ergue o cropped e o top de ginástica
que uso por baixo.
— Caralho! — Afasta o rosto, totalmente focado na parte exposta. —
Linda demais, Moon, como eu sabia que seria.
Corre as mãos entre eles, tocando minha barriga, antes de fazer o caminho
inverso, tocando-os com as duas mãos, e rebolo sobre o volume evidente em seu
colo sem conseguir me conter. Liam recosta a cabeça em meu peito e respira
fundo, como se tentasse absorver o meu cheiro, antes de levantar a cabeça e olhar
para mim, o sofrimento evidente em seu rosto bonito.
— Isso não pode mais acontecer. — A tristeza no olhar escuro me faz
acreditar no que diz. — Porque, no fim das contas, você é uma Lawson e eu sou
um Ashbourne. Não há justiça alguma nisso, e não espero que entenda. Mas, se eu
pudesse... Caralho, Harper, eu teria mais de você todos os malditos dias e noites.
Guardo a informação para outro momento, já que pareço à beira de algo
muito parecido com uma combustão instantânea e não consigo sequer pensar
direito. Acaricio seus fios escuros, penteando-os para trás, abraçando seu
desalento, antes de segurar firme sob seu queixo e erguer seu rosto para o meu.
— Hoje — murmuro de forma quase inaudível, mas sei que me ouve,
porque os olhos escuros estão nublados pelo mesmo desejo que toma conta de
mim nesse momento. — É só o que temos, então.
Eu não estava preparada para o modo duro com que sua mão se embola em
meu cabelo, levando minha cabeça para trás, deixando meu pescoço livre para sua
boca esfomeada que percorre cada centímetro de pele exposta, até morder o lóbulo
da minha orelha e gemer baixo, quando me sente rebolar mais uma vez em seu
colo, incapaz de ficar quieta.
— Eu vou viver no inferno por isso, Moon — avisa em um tom gutural,
antes de mordiscar a minha boca e, então, mergulhar em um beijo intenso e
desesperado, como se estivesse prestes a me devorar.
Ainda com a mão enrolada em meu cabelo, impulsiona o quadril contra o
meu, arrancando um gemido sofrido de nós dois, à medida em que seus dentes
arranham a pele dos meus seios, fazendo meus olhos se revirarem com a sensação
enlouquecedora.
Quando abandona o controle da minha nuca, suas mãos correm por todo o
meu corpo, incendiando tudo em seu caminho, enquanto arqueio o corpo,
oferecendo-me mais para Liam, que morde e suga meus seios, ao mesmo tempo
em que uma de suas mãos alcança o calor entre as minhas pernas, invadindo o cós
do short curto e mergulha os dedos ali; o toque mínimo, fazendo minha cabeça
girar enquanto agarro com força seus ombros, empurrando meu quadril em sua
direção, buscando o máximo de contato que conseguir.
— Me impeça de cometer essa loucura, Harper — rosna em minha boca,
após mais um beijo nada gentil, enquanto seus dedos tocam meu ponto sensível
sem intervalo. — Goze pra mim. Me mostre como é estar no paraíso, e seguirei
em frente, agradecido pra caralho por esse momento.
Como se eu pudesse parar agora…
Lambo sua boca e desço meus lábios pelo seu pescoço, sentindo a barba
que começa a nascer arranhar meu rosto e sugo abaixo de sua orelha, deixando a
minha marca em seu corpo, ainda que escondida sob as tatuagens no local. Liam
geme baixo, a mão de volta ao meu cabelo, segurando-o com firmeza, enquanto
enfio minha mão através do cós de sua calça, sentindo-o rígido e úmido dentro da
cueca. Me ergo nos joelhos apenas o bastante para abrir o botão de seus jeans,
baixando a cueca e libertando-o, sem desviar meus olhos dos seus.
— Eu vou para o inferno, Harper Moon. — Ergue a cabeça quando seguro
seu pau com força, uma espécie de rosnado irrompendo de seu peito, nos fazendo
vibrar. — Mas não vou reclamar, já que você vem comigo.
E, então, é como se uma chave tivesse se virado dentro dele. O homem
tatuado, com sua cara de poucos amigos, está de volta e me ergue com facilidade,
apenas o suficiente para descer ainda mais a sua calça e a cueca, e alcançar o
preservativo no porta-luvas. Com os dentes, ele rasga a embalagem e o desce pela
extensão rígida, sem nunca deixar de olhar para mim.
— Tire essa merda de casaco, Harper. — Arranca a jaqueta de mim e a
joga de lado, passando o nariz pela minha pele do ombro e pescoço. — Eu poderia
matar Eli e Mack por terem contaminado seu cheiro hoje. — E em um gesto
surpreendentemente leve para o momento intenso, ele leva meu punho até o nariz,
inspirando com força, enquanto, com a outra mão, empurra o short de lycra para o
lado, revelando minha intimidade que à essa altura, escorre, tamanha a excitação
que sinto. Tão molhada que me sento sobre sua ereção sem dificuldade nenhuma,
arrancando um gemido longo da minha boca devido à invasão deliciosa, e um
suspiro de seus lábios entreabertos.
— Porra! — arfa quando me movo lentamente para trás e para frente, me
acostumando com a sensação de preenchimento. — Tão melhor do que qualquer
coisa que eu já tenha imaginado.
— Sonhou comigo, Liam? — Me afasto um pouco, observando a junção
entre nossos corpos, enquanto ele faz o mesmo.
— Muitas e muitas vezes! — Suas mãos seguram firme em minha carne,
antes de me mover para cima e, então, afundar-me novamente em seu
comprimento.
O som úmido tomando conta do espaço reduzido do carro.
— Não houve um só dia, sem pensar... — geme alto quando desço
novamente, engolindo-o por completo. — totalmente dominado. Por. Você.
Caralho! — Jogo a cabeça para trás quando Liam começa a impulsionar o quadril
de encontro a mim.
— Liam! — grito quando sua boca chupa o meu seio e ele desliza uma das
mãos até meu clitóris, fazendo um choque percorrer meu corpo, enquanto nos
movemos de forma enlouquecida, gemendo alto, sem nos importarmos de estar
dentro de um carro na rua, envoltos pela névoa espessa que toma conta de tudo e
nos mantém escondidos. Assim como o quarterback charmoso de cabelos escuros
que domina cada centímetro do meu corpo com o seu.
Não há nada que não seja Liam Ashbourne nesse momento.
Não que eu seja uma pessoa com muita experiência nessa área, mas nunca
foi assim, e as coisas tomam um novo rumo quando, diante do meu olhar curioso,
Liam leva os dedos que me provocavam à boca, provando-me, como se fosse algo
incrivelmente saboroso, e geme baixo, satisfeito, antes de afundar as mãos em meu
cabelo e me beijar.
Forte.
Intenso.
O meu gosto, misturado ao seu hálito mentolado, explode dentro da minha
boca, ao passo que meu corpo parece transcender por conta das sensações intensas
que o atravessam, lutando para manter o ritmo dos quadris, segurando firme em
seus ombros. E tudo se amplifica quando ele se afasta, apenas o bastante para
focar os olhos pretos nos meus, enquanto o prazer gerado pelos nossos
movimentos aumenta cada vez mais, somado à intensidade de seu olhar, fazendo
meu interior tremer e os espasmos tomarem conta de mim.
— Você é tão perfeita, me apertando assim... — Aperta forte a mão em
minha coxa e, quando começo a perder o controle, a voz enrouquecida ordena e,
dessa vez, não consigo sequer pensar em contestá-lo. — Me leve ao paraíso,
Moon.
Apenas me entrego à onda de prazer que varre toda a minha consciência,
gemendo continuamente seu nome, ao me perder em um orgasmo intenso. Suas
mãos seguem conduzindo meus quadris a cavalgá-lo em um ritmo cada vez mais
rápido e intenso, sentindo-o pulsar dentro de mim no momento em que goza forte,
gritando meu nome, na mesma hora que seus braços me agarram e Liam se afunda
em meu peito, respirando aos arquejos, assim como eu. Que me abro inteira,
envolvendo-o, quase como numa necessidade de mantê-lo ali comigo.
Talvez, por saber que não haverá próxima vez.
Fecho os olhos e afundo o rosto em seus cabelos, sentindo seu cheiro
amadeirado nos fios sedosos dos cabelos escuros, enquanto o ouço fazer o mesmo,
encaixado em meu peito.
— Uma última vez e tanto — comento, alisando os fios de seu cabelo,
quando Liam ergue a cabeça minutos mais tarde.
— Inesquecível, Harper Moon. — Sua boca busca a minha e o beijo, dessa
vez, é surpreendentemente doce e carinhoso. As pontas de seus dedos percorrendo
meu rosto, como se quisesse gravá-lo na memória, antes que ele deslize a palma
sobre os meus olhos, nariz e boca. — Marcado para a vida toda.
Em silêncio, nos vestimos e, sem querer deixar o clima mais pesado do que
parece estar, prefiro não dizer nada, apenas foco no pouco que consigo ver da
floresta e das lacunas entre as ruas, até que ele pare o carro diante da porta
vermelha.
— Não precisamos agir como estranhos — comento. — Sexo casual é algo
comum, não é?
Liam sorri, mas seus olhos revelam, mais uma vez, uma tristeza enorme.
— Claro, casual — a voz baixa. — Será como se nada tivesse acontecido.
Boa noite, Harper. — Meu coração falha uma batida quando ele desvia os olhos e
foca à sua frente.
— Boa noite, Ash. — Franze o cenho para o apelido, mas apenas assente e,
assim que abro a porta de casa, acelera o carro, desaparecendo dali.
O que será que tem escondido, Liam?
E o que isso tem a ver comigo?
Quase quinze dias depois daquele momento insano — e quente — no carro
de Ash. As coisas se assentaram na universidade e é como se eu tivesse morado
nessa cidade a minha vida inteira. Nem mesmo o Sr. Grosby tem tentado me
acertar com suas cuspidas, já totalmente acostumado com a minha presença por
aqui.
Com a chegada da primeira semana de provas, os alunos se aquietaram —
pelo menos, a maioria deles — e tenho o maior orgulho de dizer que, finalmente,
pareço ter pegado o jeito da rotina como líder de torcida.
Ou talvez, Jasper e os outros estejam sendo bonzinhos e querem me apoiar,
como os bons amigos que são. Na beira do campo, junto com Vicky e mais
algumas meninas, termino de me alongar, depois de alguns exercícios funcionais
intensos para garantir nosso bom desempenho em dias de jogos e de competições
de cheerleading, quando noto o silêncio que sempre precede a chegada das
estrelas do futebol americano da Emberwood, que estiveram fora por quase uma
semana, participando de alguns jogos em outras cidades, com exceção de Elijah e
Jasper, que acabaram fora das partidas oficiais por terem se machucado nos
treinos.
Depois do que rolou entre nós, Ash cumpriu sua palavra, se mantendo à
distância e, conforme avisou, agindo como se nada tivesse acontecido — assim
como eu. Para todos os efeitos, foi sexo casual e nada mais. Infelizmente, esqueci
de convencer a mim mesma e ao meu corpo traidor desse fato.
Desde aquela noite, meus pesadelos constantes foram substituídos pelas
lembranças dos beijos de Ash e de suas mãos habilidosas em mim, e no modo
como pareceu intenso e diferente de tudo o que eu já havia vivido até ali. Não que
eu vá tocar nesse assunto com ele ou com qualquer outra pessoa em qualquer
momento, é claro. Por isso, apenas engulo os suspiros, assim que me levanto e me
deparo com o sujeito em questão, gritando ordens aos companheiros de time, com
os braços tatuados apontando na direção de alguma coisa próxima ao fim do
campo.
— Admita logo que tem um crush em Ash. — Mia, uma das garotas mais
legais daqui, bate o ombro magrelo no meu.
— E precisa admitir? — Vicky provoca, sorrindo. — Achei que a baba
escorrendo no canto da boca fosse confirmação suficiente.
— Olha, eu achei que o Jasper não viesse e... — Finjo olhar por sob seu
ombro e ela logo se vira para conferir. — Temos um crush, não é?
— Haha — a loira debocha, fingindo olhar as unhas.
— Eu, meio que, achei que você ia vencer as barreiras do Ash — Mia
comenta, quando minha prima sai para guardar suas coisas espalhadas no banco
perto da arquibancada. — Vocês fariam essa escola pegar fogo.
Sinto sua atenção sobre nós e, como um imã, não resisto a olhar na direção
em que o vi correndo pela última vez, e o encontro sério, olhando diretamente para
nós.
— Nos seus sonhos, talvez. — Dou de ombros. — Tenho um jantar com
Chad, amanhã, e vocês sabem disso.
— É… — Revira os olhos. — Ele é legal, mas aquele papo de namorar e
se casar entre certas famílias é uma idiotice.
— Não poderia concordar mais. — Caminhamos até nossas coisas e, assim
que termino de guardar tudo na mochila, me viro de costas, fingindo olhar para
Vicky, já nos esperando alguns passos atrás, apenas para aproveitar a satisfação de
vê-lo ainda prestando atenção a nós. Os olhos estreitos, como se conseguisse nos
ouvir. — Mas uma garota pode se divertir, não é? E Chad fez por merecer, uma
segunda chance.
E não estou mentindo, o capitão do time de polo fez todo o necessário para
se desculpar por aquele dia, e esse jantar foi uma das formas que encontrou de se
redimir e mostrar que não é o idiota que deu a impressão de ser naquela noite.
— Porra, cara! — Mack berra do outro lado do campo, apontando para
cima, e então, para o quarterback que, mesmo de longe, parece furioso, se
considerarmos as mãos cerradas ao lado do corpo. — Não precisava chutar com
tanta força! Quem é que vai buscar aquela merda?
Garotos e seus brinquedos...

Não ser mais alvo dos olhares desconfiados dos cidadãos mais velhos de
Silent Grove me deu mais tranquilidade para explorar sozinha algumas ruas, e até
mesmo, de encontrar minha própria fornecedora de incensos, para manter os
pesadelos com lobos fora da minha mente. Claro que, substituir as feras peludas
pelo jogador tatuado, ajudou muito com a questão do sono, porém, é triste acordar
frustrada e sentindo falta de algo que, desde o início, eu sabia bem que não daria
em lugar algum.
Bem-feito para mim.
Estou a caminho da lojinha de artigos esotéricos, o verdadeiro paraíso dos
amantes dos cristais e amuletos, em busca de mais daqueles incensos lilases,
quando vejo uma estranha movimentação na tal construção abandonada, cuidada
pelas estátuas cobertas de lodo.
Prestes a entrar na lojinha — onde a dona, uma mulher bastante
interessante, me deu um colar prateado com uma espécie de líquido roxo no
centro, um acessório que não combina muito com o meu estilo e que preferi deixar
dentro do meu baú de quinquilharias, no meu quarto — quando vejo o professor
Greyson, descer do carro e entrar rapidamente no lugar, olhando para os lados de
forma um tanto suspeita.
Ou talvez, eu só esteja entediada e um tanto desanimada com o meu
compromisso dessa tarde, e esteja inventando qualquer motivo ou circunstância
que me desobrigue de cumprir a minha palavra. Terrível, eu sei.
Apesar de curiosa, ignoro o fato e entro na lojinha, logo sendo recebida
pela moça excêntrica que começa a me mostrar as novidades do início da semana
e que perfumarão meu quarto em breve.
— Querida, por que não está usando o colar que te dei? — ela questiona
quando está no balcão, passando a minha compra, que consiste em duzentos novos
incensos divididos, em quatro essências diferentes.
Minha mãe ficaria orgulhosa de mim.
— Ele não combinava muito com a minha roupa de hoje. — Aponto para a
minha camisa verde e a mulher estreita os olhos por trás das lentes grossas.
— Não o tire — avisa em um tom severo. — É para te manter segura e
longe das garras dele.
O modo como ela fala, com um olhar genuinamente apavorado, me faz
arrepiar da cabeça aos pés. A visão de mim mesma, vestindo uma bata indiana
clara por cima da calça de linho vermelha, como o manequim da vitrine, não me
parece algo tão improvável assim, nos últimos tempos.
— E quem seria ele? — Tudo bem, já estou aqui mesmo, não é? O que
custa um susto a mais ou a menos?
— O lobo branco que ronda a cidade. — E aqui está o maldito arrepio de
novo. Como é que ela sabe sobre ele?
Um tanto desconcertada e prometendo usar o cordão, saio da loja correndo
e paro na esquina, resfolegando. Diante da espécie de igreja abandonada na qual o
professor entrou, enquanto tento normalizar meus batimentos cardíacos.
Como é que ela sabe do lobo branco?
Um carro escuro passa por mim e para alguns metros adiante, o prefeito
desce do veículo e, parecendo também bastante suspeito, entra no tal local que
deveria estar abandonado. Ou, pelo menos, era isso o que eu pensava. Desisto de
esperar e atravesso a rua, me escondendo entre os galhos secos, antes de virar pela
porta lateral por onde entraram.
E eu devo estar realmente ficando maluca. Será que ter a sensação de
estar sendo caçada por um lobo gigante não é o bastante para tirar o meu sono?
Do lado de dentro, as vozes, potencializadas pelo eco do local vazio, falam
sobre novos ataques e sua preocupação com a população da cidade em perigo. Sei
que não deveria estar aqui, mas não consigo me mover. O delegado, pai de Eli,
entra por outra abertura, e então, eles voltam a falar sobre corpos mutilados,
enquanto passam uma pasta de mão em mão.
— Está atrasado — o prefeito diz ao sujeito de calças escuras que não
consigo ver direito de onde estou.
— Estou na hora certa — a voz, que eu reconheceria em qualquer lugar,
ecoa pelo espaço vazio e acerta direto em meu peito. Ash. — Esse lugar está
caindo aos pedaços e é suspeito para um caralho. Essas reuniões poderiam
acontecer na reitoria.
— Ele tem razão — o reitor Nolan, reconheço a figura larga de costas para
mim, fala. — Mas, já que estamos aqui... Algo tem que ser feito, urgentemente.
— É como se eles estivessem em busca de algo — Ash afirma, andando
pelo lugar. Me enfio mais para dentro do meu esconderijo. Me sentindo exposta
demais, mesmo que eu tenha certeza de que nenhum deles pode me ver.
— Ou de alguém — o prefeito afirma. — Recebi um comunicado de um
escritório de advogados da capital, essa semana — o homem, que se parece muito
com Chad, pontua — As terras dos Redmayne têm um novo dono. Eles vão me
mandar as informações, mas, talvez, tenha relação com isso.
— Vocês investigaram aquela região? — Greyson, o professor, questiona.
— Não podemos entrar lá — é Ash que responde, de forma autoritária. —
Fomos proibidos pelos Acordos. Mas não conseguimos farejar nada suspeito à
distância.
— Vou mandar que façam uma busca — o delegado da cidade, Frank
Crestmoon, dá um passo à frente. — Mas nada disso muda o fato de que
precisamos de um Alpha à frente do clã.
Ah, merda. É uma seita?

— De novo, com essa merda? — o quarterback, vestindo uma camisa


verde musgo dessa vez, ao invés do tradicional preto, interrompe a discussão entre
os homens mais velhos e autoridades da cidade. — Os meus não me respeitam?
As rondas têm sido feitas constantemente, mas algumas baixas ocasionais
acontecem. Esses turistas idiotas estavam vindo de Virgin´s Veil — cita o nome da
cidade pequena, próxima daqui — e não das minhas florestas. A merda de um
Alpha, não faria mais do que eu faço. Temos poucos de nós, infelizmente. Lidem
com isso.
Não consigo vê-lo, mas sinto a raiva, a frustração e a acusação em cada
palavra que ele diz.
— Terá que reivindicar a liderança, mais cedo ou mais tarde, filho — a voz
calma do reitor Nolan avisa.
— E deixar nossas herdeiras em paz — o prefeito, pai de Chad,
complementa. — O garoto Hill segue perseguindo Victoria Miller e isso não vai
acabar bem. Nós todos sabemos disso.
— E eu pensando que nosso amado Chad II estava mais interessado na
Lawson — o deboche marcando suas palavras.
Ainda que não consiga ver mais que a metade inferior de seus corpos,
dentro do lugar, quase posso ver o risinho debochado que cruza seu rosto bonito.
— Eu não acho que ela seja apropriada — o idiota barrigudo afirma. —,
Victoria tem mais... classe.
Ash se adianta, parando à frente do homem, que recua um passo,
aparentemente intimidado pela presença do outro.
— Então, pouco importa se eu a quero ou não, não é? — Não consigo ver
seu rosto, mas sei que está furioso.
— É contra os acordos e pode custar a sua cabeça insolente, Ashbourne —
sua voz soa ameaçadora. — Ela é uma de nós e não vai se envolver com
cachorros.
— Engraçado dizer isso… — Estala a língua. — e ainda ficar se
preocupando com o que farão sem um Alpha — pondera. —, um cachorro, que
defenda as suas frágeis ovelhinhas, sr. Prefeito — seu tom é calmo, mas furioso.
— Baniram meu pai, exterminaram vários outros, e agora, vejam só, dependem de
nós. De mim.
Ouço seus passos ecoando pelo lugar.
— Ashbourne, você não pode estar falando sério — Nolan se adianta. — É
a lei.
— Talvez, seja o tempo de novos acordos — afirma e só consigo ouvir os
sons distorcidos de seus passos deixando o lugar, enquanto os outros discutem
sobre sua insolência ou coragem.
Com o coração acelerado e a boca seca, sigo sem entender bem o que
acaba de acontecer, ao mesmo tempo em que tento compreender a que porcaria de
Alpha eles estavam se referindo, enquanto as imagens monstruosas daquela
maldita pesquisa são bombardeadas, sem parar, em minha mente.
Trêmula, tento descer do pequeno ressalto onde me escondi, na lateral
externa da construção, quando ouço os passos se aproximando e, paralisada no
lugar, sinto a mão quente e pesada em meu ombro direito.
— Há quanto tempo está aqui? — a voz macia pergunta, e o modo como
meu corpo reconhece a presença do seu é vexaminoso.
— Co-como sabia que eu estava aqui? — Ainda de costas para ele, desço o
degrau, arranhando a lateral do meu braço na pedra.
— Cuidado — adverte, observando o local com preocupação. Seu corpo se
aproximando mais do meu, me firmando no chão, até que sua respiração faça os
fios do meu cabelo se balançarem. — Eu reconheceria seu cheiro em qualquer
lugar, Harper Moon.
Me arrepio da cabeça aos pés, quando sinto o leve roçar de seus lábios na
lateral do meu rosto. Quem é você, Liam Ashbourne?
— Mas, estou curioso... — Uma de suas mãos envolvendo firmemente a
minha cintura. — O quanto você ouviu?
Ah, droga.
— O bastante — a voz trêmula e o leve aroma de medo que ela exala, me
deixam ciente de que ela ouviu grande parte de mais uma reunião idiota e sem
resultado algum, além da dor de cabeça de tê-la sabendo mais sobre mim. — O
que... quem é você?
Não bastasse a tortura de todos esses dias longe dela, evitando a todo custo
me aproximar para não cair em tentação ao sentir seu cheiro enlouquecedor,
sonhei com a garota à minha frente todas as malditas noites, gemendo meu nome,
enquanto eu me afundava em seu calor.
Porém, como se trata da minha vida, ao invés disso, me vejo nessa situação
de merda, parado diante dela, após Harper ter ouvido tudo sobre o que não
deveria. E isso é algo que eu não havia sequer cogitado que pudesse acontecer.
Respiro fundo e tento pensar em alguma forma de explicar melhor ou contornar
tudo o que ela possa ter ouvido, mas não vejo como. Recuo um passo quando ela
se adianta, e logo, tenho seus olhos acinzentados e temerosos focados em mim.
Totalmente sem saída.
— Nós precisamos conversar — digo o óbvio em voz alta, mas não
consigo pensar em nada mais que pudesse dizer agora. — Eu vou te acompanhar
até sua casa e então, falamos sobre isso no caminho, ok?
Harper hesita e meu coração se afunda no peito. De todas as vezes em que
a imaginei de volta ao carro estacionado um pouco mais à frente, em nenhuma
delas havia qualquer resquício de temor em seu rosto bonito.
— Já estivemos a sós antes, Harper — argumento, irônico, embora minha
mente repasse, em um quadro bastante claro, o modo como suas mãos se
agarravam aos meus ombros na ocasião. — Não farei nada com você, eu prometo.
De forma automática, concorda com um gesto de cabeça e, em silêncio,
após eu me certificar de que o resto dos idiotas tenha saído dali, caminhamos lado
a lado pela rua estreita. Quando tropeça em uma pedra e a ajudo a recobrar o
equilíbrio, segurando-a pelo braço, noto quando ela se retrai com meu toque e o
cheiro de seu terror se alastra ao nosso redor.
Porra.
Me afasto e destravo o alarme do veículo, esperando que ela entre, para
que, então, eu faça o mesmo. O silêncio dentro do carro é opressor e agarro o
volante com mais força do que o necessário, antes de dar partida e começar a falar.
É melhor jogar a merda no ventilador de uma vez, não é?
— Há alguns séculos, Silent Grove foi povoada por imigrantes muito ricos,
mas que guardavam um segredo sobre si — começo a dizer, observando-a prestar
atenção em mim. — Os fundadores da cidade eram grandes comerciantes, alguns
nobres de países ao redor, como o caso dos Ashbourne, que eram galeses. Outros,
eram irlandeses, escoceses ou ingleses, todos donos de grandes fortunas. A cidade,
cercada por florestas, os ajudaria a manter seu segredo a salvo e, com o
desenvolvimento que proporcionaram ao lugar, os demais habitantes, caçadores,
em sua maioria, não se preocupavam com o que faziam ou com o que eram.
Harper corre os olhos atentos pela rua, ainda movimentada às quatro da
tarde. Noto que ela observa a todos com suspeita e, quando passamos por um
garoto, que anda rápido demais, possivelmente para chegar em casa antes que a
neblina caia, se encolhe e aperta mais o casaco escuro em seu corpo, apesar de não
estar fazendo tanto frio hoje e estarmos seguros dentro do carro.
Nem tão intrépida assim, afinal.
— O tempo foi passando, a confiança entre os grupos aumentou e a
comunidade prosperou, protegida pelas florestas e pelos famosos defensores que
ali viviam, abrigados em sua sombra. — Uma mulher alta de cabelos loiros e
curtos, uma das nossas lobas, atravessa a rua de mãos dadas com seu filho
pequeno e nem mesmo eles escapam do olhar desconfiado da garota silenciosa ao
meu lado.
Algo incômodo se move dentro de mim — rejeição — sempre que ela me
olha desconfiada, como se fosse incapaz de me olhar diretamente, agora que
presume o que eu seja. Empurro esse pensamento para o fundo da minha cabeça e
continuo:
— Com o passar das gerações, todos foram se esquecendo desses
pormenores e tudo acabou se tornando apenas lendas e histórias de terror contadas
à beira de fogueiras. — Encaro a floresta ao meu lado direito. — Embora, a
floresta seguisse intocada e cheia de mistérios, tudo ia bem — Harper olha para as
árvores. —, até que um de nós se apaixonou pela filha de uma família tradicional,
completamente humana e, como era um homem muito rico e bem-visto pela
sociedade, os jovens acharam um exagero quando os mais velhos não quiseram
aceitar a aliança entre as famílias. E, em algum momento, os anciãos acabaram
cedendo.
Paramos no pequeno cruzamento, esperando que os carros passem e alguns
pedestres atravessem a rua e, embora meus olhos busquem os seus, esperando por
algum tipo de reação — nessa altura do campeonato, qualquer uma que seja —
Harper Lawson se mantém calada, ruminando em sua mente sobre a minha
confissão.
— Os… lobos escolhem suas parceiras. Há algo no cheiro, nos olhos — E,
nesse exato momento, ao sentir sua essência única preenchendo cada espaço vazio
entre nós, percebo que realmente é tarde demais para mim. —, enfim, que os
mantém ligados à sua Escolhida. Por isso, quando, tempos depois, sequestraram a
esposa grávida, do antigo Alpha, ele enlouqueceu, promovendo uma carnificina na
cidade. O que resultou em muita dor e no tal Acordo, que ouviu lá atrás.
Harper arfa, tapando a boca, compreendendo minha participação na
história, sem que eu precise dizer.
— Meu Deus, Ash — exala. — Isso tudo é... terrível.
Bom, pelo menos, ela não saiu correndo — penso comigo mesmo,
enquanto chegamos à esquina de sua rua.
— Houve muitas perdas — Sigo olhando para a frente. —, de ambos os
lados, mas uma família inteira dos caçadores foi dizimada e, por isso, nós tivemos
que lidar com as consequências. O líder foi enviado para uma casa de repouso,
incapaz de controlar a fera dentro de si, depois que sua escolhida... partiu. O filho
mais velho do casal, ainda pequeno, seu sucessor, foi criado pelos seus melhores
amigos, e agora, o clã e todos os outros aguardam ansiosos para que ele assuma
seu lugar e siga protegendo a cidade, honrando essa merda de Acordo.
— Ash... — ela começa a dizer, mas para quando nego, sem conseguir
mais tolerar o seu afastamento. As mãos, ainda segurando firme no volante,
embora estejamos parados diante do sobrado amarelo, em uma tentativa hercúlea
de mantê-las longe da garota ao um lado. — Liam. — E, simples assim, apenas
com o meu nome, ela consegue me desarmar. Completamente vulnerável. — É
muito para assimilar e, ao mesmo tempo, era meio óbvio que havia algo aqui, não
é?
— Eu entendo — garanto a ela e, sem conseguir me segurar, uma das
minhas mãos busca seu rosto e respiro aliviado quando ela não se afasta. — Eu
só... tudo o que eu quis foi te manter segura, mesmo quando me afastei — admito
em voz alta, pela primeira vez. — O Acordo tornou isso — toco seu lábio inferior
com os dedos, quase me perdendo na textura macia. — impossível para nós.
— Jasper e Vicky... — A compreensão atingindo seu rosto bonito. —
Eles…
— É um sofrimento muito grande não poder estar com quem seu lobo
escolhe — confesso, observando-a franzir o cenho. — Jas tem lutado com isso
durante mais de um ano, e não sei como ele consegue, nem como fez para explicar
à Victoria por que não podem ficar juntos, quando não é capaz de ficar longe.
— Isso tudo é tão... — lamenta. — Que grande merda!
— É uma boa conclusão. — Dou de ombros. — Silent Grove precisa de
um Alpha e eu sou o mais próximo disso que eles têm. E, apesar de ainda manter
meu lobo controlado e à distância, não sei durante quanto tempo...
Harper envolve suas mãos na minha e deita a cabeça em minha palma,
fechando os olhos brevemente, como se desfrutando do meu toque. Quase consigo
sentir a sua confusão borbulhando sob a superfície pacífica, mas ela se mantém
aqui, à minha frente, permitindo que eu a toque; mesmo que eu ainda consiga
sentir um pouco de medo emanando de seu corpo delicado.
— Eu não conseguiria imaginar ninguém melhor para liderá-los, Liam —
murmura. — E, durante aquela breve reunião, você provou isso.
— Harper, não preciso dizer que nada disso deve sair daqui, não é? — ela
assente.
— Não pretendo ser tachada de forasteira maluca. — Brinca, tentando
deixar o clima mais leve. — Liam, o seu... Lobo. Quer dizer, você... eu... quando
nós...
— Harper Moon. — Meu olhar busca o seu. — Até a porra do seu nome
me atrai, minha Lua. Mas não há muito o que possa ser feito, não é?
— É muita coisa para assimilar. Quer dizer, a minha mãe sempre disse que
a minha curiosidade me deixaria em apuros, mas isso... — Seus olhos marejados
dizem o que sua boca silencia. Harper atingiu o seu limite. — Obrigada por ser
honesto comigo. De verdade. — Acompanho com o olhar enquanto ela estende o
braço e abre a porta. — Até qualquer dia, Liam.
— Esperarei ansioso — respondo, sem saber exatamente pelo que ansiarei.
Entretanto, nesse momento, me encontro lutando contra o instinto de
agarrá-la e sentir seu gosto viciante mais uma vez. Desesperado, agarro os fios da
minha nuca e encosto a cabeça no volante, tentando conter a sensação furiosa que
se abate sobre mim quando penso em todas as merdas que não posso mudar.
— Nem tudo está perdido, criança — a voz de Olga Holloway, sempre de
olho em tudo da sua janela, avisa.
Sempre se metendo em assuntos que não lhe dizem respeito.
Assinto para ela e dou partida no carro, cogitando ligar para um dos idiotas
vir buscar essa merda metálica, enquanto corro através das árvores em uma
tentativa de colocar meus pensamentos em ordem, mas gosto demais dessa camisa,
para deixa-la perdida na floresta e, claro, porque pretendo usufruir do pouco de
perfume que Harper deixou em mim, se eu for bem honesto.
Brega para um caralho, eu sei.
Entretanto, tudo muda de figura quando sinto, através da janela aberta, o
odor dos malditos lobos, que temos monitorado por todos esses últimos meses,
muito presente por ali. Desligo o carro e saio rapidamente, farejando de forma
discreta ao redor, seguindo o fedor até o ponto em que está mais forte, constatando
desesperado, que o foco maior do filho da puta é diante à janela do sobrado
amarelo, destacado pela porta vermelha característica das Lawson.
Não pode ser. Inferno, não.
Furioso.
Colérico.
Desesperado.
Aprisionado.
Eles a querem. Mas não a terão.
Harper Moon Lawson é minha.
— É chegada a hora, Liam — rosno, arranhando as barreiras frágeis que
nos dividem — Me deixe sair.
Após fingir estar doente, para não ter que ir ao tal jantar com Chad e,
também, para ser deixada em paz, trancada no quarto por vários dias e noites
insones, pensando sobre todas as revelações inacreditáveis e bizarras de Liam
naquela tarde. O feriado prolongado, celebrando o aniversário do monarca do país,
vai me dar o tempo que preciso para respirar novos ares e colocar minha cabeça no
lugar.
Assim espero.
Termino de arrumar minha mochila e desço as escadas, pronta para deixar
a cidade e um pouco das minhas preocupações e medos para trás, por alguns dias.
— Já vai, querida? — tia Lin, em um de seus raros dias de folga, veste um
pijama felpudo verde-escuro e deixa sua xícara de chá, ainda fumegando, sobre a
mesa, enquanto se levanta para me abraçar. — Vamos sentir sua falta. Tem certeza
de que está bem para viajar?
— Estou melhor, sim. — Finjo uma tosse, me sentindo absurdamente
estúpida. — E com saudade da minha mãe.
— Eu entendo, claro. — Ela sorri e me abraça. — Mande um beijo a ela. O
motorista chegou há tempos e não aceitou sequer uma xícara de café — comenta
desolada, sobre o carro que meu padrasto mandou me buscar, apenas para me
poupar de tomar um ônibus.
Honestamente, nessa altura do campeonato, não vou recusar a segurança
de um carro fechado e rápido ao passar pela estrada cercada pela floresta densa e
todos os seres que perambulam por ali.
Inclusive, Liam.
Retomo o controle dos meus pensamentos enquanto me despeço de tia Lin
e abraço Vicky, ainda sonolenta, que elogia o colar com a flor lilás que passei a
usar desde aquela tarde em que descobri alguns dos segredos da cidade e comecei
a pesquisar incessantemente sobre tudo relacionado aos lobisomens, ou lobos,
como Liam disse, e, dessa vez, não tive vontade de rir do quanto eu parecia
ridícula.
Eu transei com um lobisomem, pelo amor de Deus!
E foi muito, muito bom. Mais do que isso, eu diria.
— Algum problema? — Vicky investiga o meu rosto. — Está corada.
— Não irá viajar se estiver com febre, Harper. — Tia Lin avisa, colocando
a palma sobre a minha testa por alguns minutos. — Temperatura normal... Está se
sentindo bem, querida?
“Não. Ao mesmo tempo em que estou aterrorizada e um pouco descrente
com tudo o que descobri, sinto saudade e desejo por alguém, claramente, proibido
para mim, por se transformar na porcaria de um lobo gigante e uivar por aí” —,
mas apenas aceno com a cabeça, garantindo-lhes que sim, estou muito bem. E
apoio a mochila no ombro, me despedindo delas mais uma vez.
Assim que saio para o ar frio da manhã, sinto os olhos vigilantes da Sra.
Holloway em mim, como sempre, sentada em sua cadeira de balanço à janela,
observando a tudo com atenção. Aceno brevemente para ela, antes de
cumprimentar o motorista uniformizado, que abre a porta do carro escuro e
luxuoso para mim e se senta atrás do volante para acelerar o carro para longe dali.
Pego meu telefone e destravo a tela, abrindo o aplicativo de conversas para
avisar à minha mãe que estamos a caminho, porém, como sempre, a primeira coisa
que vejo é a porcaria da mensagem recebida na noite em que tudo mudou.

Número Desconhecido: Não sou o único monstro do lado de fora.


Não se arrisque.
Por favor.
L.
Como se eu precisasse de mais motivos para me preocupar, não é?
Vinte minutos depois, estamos cruzando o pontilhão que separa Silent
Grove do resto do mundo, e a sensação de estar sendo observada volta a mim com
tudo, ao mesmo tempo em que uma revoada de pássaros alça voo no céu, como se
estivessem fugindo de algo. Assim como eu.
Um leve vislumbre do animal grande e negro entre as árvores, à margem
da estrada, é tudo o que vejo, antes que um uivo — quase um lamento — ecoe por
toda a floresta, seguido por vários outros em seguida. Ainda com o telefone na
mão, digito rapidamente a resposta, com alguns dias de atraso.

Harper M. Lawson: Volto em breve.

Eu sempre sonhei em fazer uma descoberta científica ligada à algum


tratamento médico ou algo que fizesse diferença para os meus futuros pacientes,
porém, ao invés disso, me vejo descobrindo coisas insanamente bizarras as quais
não poderei dividir com o resto do mundo sem ser caçada por diversos lobos
assassinos, ou me tornar motivo de chacota.
Não que eu pretenda contar a alguém, é claro.
Embora, esteja esticada numa espreguiçadeira diante da piscina, olhando
para minha mãe de minuto em minuto, tentando uma forma melhor de abordar
qualquer assunto que nos leve à sua cidade natal e o tal Acordo ao qual Liam se
referiu.
— Desembucha logo, Moozinha. — Perspicaz, Marianne Lawson, agora,
Fedori, por causa de Enzo, o bilionário maluco por quem se apaixonou
perdidamente alguns meses atrás, e que parece amar as mandalas de cristais tanto
quanto a mulher exuberante, vestindo apenas um vestido leve na espreguiçadeira
ao lado, se senta.
— Como é que sempre sabe quando preciso falar alguma coisa? — Cruzo
os braços, fazendo um bico teimoso. — Eu sou misteriosa, mãe.
— Para os outros, talvez. — Dá um de seus sorrisos abertos. — Mas não
para mim. Aconteceu alguma coisa? Mudou de ideia e quer vir morar conosco? Eu
decorei aquele quarto especialmente para você, sabe disso, não é?
O quarto é um exagero de espaço. Fora as roupas penduradas, ainda com
etiquetas, para que eu não precise sair carregando muitas malas, quando quiser
ficar aqui. Várias horas e algumas centenas de quilômetros nos separam, mas se
parece mais com outra dimensão. E, é certo que levarei algumas blusas e calças
lindas que minha mãe gentilmente comprou para mim, afinal, eu não sou doida.
Muito doida, quero dizer.
— O curso lá é incrível, mãe — conto a verdade. — Temos professores
com artigos premiados e pesquisas maravilhosas, que já resultaram em vários
tratamentos novos que podem mudar a vida de muita gente. — Ela sorri orgulhosa
da minha empolgação.
— Mas... — Ergue a sobrancelha e espera.
— Silent Grove é estranha. — Só porque não vou contar sobre a existência
de homens que viram lobos e tudo o mais, não quer dizer que eu vá mentir sobre
tudo. — É sombria e aquela floresta, me dá arrepios...
Minha mãe joga a cabeça para trás e gargalha.
— É por isso que nunca voltei para lá — afirma, seus olhos esverdeados
nublados, enquanto viaja no tempo. — Depois que conheci outros lugares, percebi
que aquele clima de lá é tóxico para mim. Ou, talvez, sejam as lembranças
amargas.
— Mãe? O que foi que aconteceu lá? — Finalmente, chegamos onde eu
queria.
Marianne se levanta e prende os cabelos escuros com um elástico,
enquanto espera que eu me junte a ela.
— Esse é um assunto que prefiro conversar sem sermos interrompidas.
Será que minha mãe sempre soube da existência de tudo aquilo e não
achou que deveria ter comentado, antes de eu me mudar? Quer dizer, uma coisa é
ser alguém desligado, outra diferente é não contar à filha que a cidade está
infestada de lobisomens e sabe-se lá, o que mais.
Sigo minha mãe até a parte de dentro da casa, atravessamos a sala ampla e
subo as escadas para o segundo andar atrás dela, só parando quando abre a porta
do “meu quarto”, todo decorado em lilás e verde, e fecha a porta, vindo se sentar
ao meu lado na cama romântica de dossel.
— Eu me preparei para esse momento a vida toda, Harper. — Por que é
que ela parece emocionada? Ou seria, triste? — Eu não deixei Silent Grove
porque eu quis. Eu fui expulsa, por assim dizer.
Mas, o que...
— Mãe, como assim... — começo, mas ela segura minha mão, sorrindo
para as minhas unhas cortadas curtas e de forma assimétrica, por causa da minha
falta de paciência.
— Sabe, eu pensei que teríamos essa conversa muito mais cedo, você meio
que não me deu a oportunidade. — Sorri. — Sempre tão independente, nunca
perguntou mais que algumas vezes sobre meu passado. — É o que acontece
quando sua mãe responde que seu pai morreu em um trágico acidente, antes de
você ter nascido, e que quando se mudou não havia nenhuma foto, além de uma
polaroid desfocada na qual eles estão abraçados e sorrindo — apenas metade do
rosto de cada um na imagem. Eu não gostaria de acrescentar mais dor às suas
lembranças, não é? — Talvez, tenha sido melhor — pondera, claramente
enrolando para falar, o que só significa que é algo sério. — Bem, vamos lá, tirar
esse band-aid logo. — Sorri e aperta minha mão com carinho. — Éramos novos e,
na época, o mundo parecia nosso. — Seus olhos verdes se perdem nas memórias
que busca. — Seu pai e eu. Talvez esse tenha sido nosso erro, não é? Eu tinha
vinte e poucos anos, e muito pouco juízo naquela época, e estava prestes a me
formar em fisioterapia, enquanto sua tia se casava com Jack Miller, antes mesmo
de se formar. Ela sempre foi uma pessoa centrada e séria, não é?
— O que aconteceu? — interrompo sua divagação e ela assente.
— Bem, eu e Jax Redmayne nunca fomos muito amigáveis um com o
outro, lamento dizer. — Ela faz uma careta indignada. — Ele era um sujeito
irritante e metido, só porque uma das mansões enormes da cidade pertencia à sua
família. O futuro médico, herdeiro de Geoffrey Redmayne, era o exemplo da
cidade perto dos pais e, longe deles, um terror. A única pessoa que ele temia era
Owen Ashbourne e seus penetrantes olhos escuros.
— É, eu sei como podem ser intimidantes — acabo concordando e,
denunciando a mim mesma, com um suspiro saudoso.
— Temos alguém caidinha por um Ashbourne? — Minha mãe gargalha. —
Não julgo, Luce também não teve a menor chance, o que só deixou Jax furioso e
desejando vingança por ter sido substituído. Talvez, se ele não fosse tão
terrivelmente orgulhoso, as coisas pudessem ter sido diferentes.
— Isso pode ficar para depois. Me fale mais sobre o meu pai — murmuro,
com o coração apertado.
— Vou chegar lá, preciso contar tudo para que entenda. — Dá leves
tapinhas em minha mão. — Depois que Luce e Owen se casaram, Jax pareceu
admitir sua derrota e se tornou alguém mais decente e suportável. Nós saímos
algumas vezes e eu acreditei que talvez pudéssemos ter um futuro juntos.
— Na época daquela foto? — cito a única lembrança que ela havia
guardado, e minha mãe apenas concorda, com o olhar perdido e triste.
— Mas, naquela noite, tudo mudou. Jax parecia agitado nas últimas
semanas, vários problemas com o pai, que era um ditador e decerto, descobrir que
eu estava grávida não tenha ajudado muito, não é? Ele desapareceu por vários
dias, após se envolver em uma briga durante uma festa e, quando retornou, Jax
estava... diferente. Mas me prometeu que iríamos embora dali, construir nossa vida
longe de tudo com a nossa Moon. Ele tinha certeza de que seria uma menina,
afinal, eu sou uma Lawson. E, então, voltaríamos vitoriosos para Silent Grove. —
Sorri e acaricia meu rosto. — Você tem os olhos dele, sabia? Acinzentados, quase
azuis. Talvez, se seu avô tivesse esperado até você nascer, não teria nos expulsado
de casa.
— O que aconteceu com Jax naquela noite? — o temor quase fechando a
minha garganta a esse ponto.
— Algo terrível e inexplicável. — Seus olhos marejam. — Luce foi...
sequestrada com o filho pequeno. Owen enlouqueceu e moveu céus e terra para
encontrá-la, enquanto os lobos na floresta ficaram mais agitados, uivando e
correndo pelas ruas ao entardecer. Um deles tentou entrar em nossa casa naquela
noite. — Ela encara a janela, assombrada com suas próprias lembranças. — Meu
pai atirou em alguém, antes que Lin aparecesse, pálida e com o pequeno garotinho
nos braços.
Presa em suas memórias confusas e aterrorizantes, minha mãe segue
contando o que se lembra daquela noite, a tal noite dos Acordos, como Ash se
referiu, durante a nossa conversa.
— Sua tia encontrou Luce dentro daquela igreja estranha, próxima à
faculdade, agonizando totalmente ensanguentada, protegendo o filho com seu
corpo. Ela estava lá quando Owen apareceu e, desesperado, velou o corpo da
esposa, gritando por Jax, jurando vingança. — Ela engole em seco, trêmula. —
Nenhum Redmayne sobreviveu àquela noite. Owen foi sedado e levado para uma
clínica de repouso, já que não havia provas de que houvesse feito alguma coisa, já
que foram os... — Um soluço apavorado irrompe de sua garganta. — Eles
disseram que foram os lobos que invadiram a mansão e mataram toda a família.
Eu fiquei apavorada e tive medo por você, então, alguns dias depois, na manhã
seguinte ao funeral, eu contei aos meus pais que estava grávida de um Redmayne e
seu avô me mandou embora, sem sequer pensar no que eu faria sozinha.
— Eu sinto muito, mãe. — Lanço meus braços ao seu redor e a abraço com
força. — Você se deu muito bem, no fim das contas. É uma guerreira e uma
mulher muito corajosa. Eu sou muito grata e feliz por ser sua filha, dona Marianne
Fedori.
— Eu te amo muito, minha Moonzinha. — Beija minha testa. — Anos
depois, encontramos uma carta do seu avô, próximo à arma na cristaleira. — Ela
sorri. — Ele só nos mandou embora porque queria nos proteger. E se os lobos
quisessem vingança de todos os Redmayne?
— Entendi. — Minha cabeça gira com as novas informações. — Nossa!
— Nem me fale! — Acaricia meu rosto. — Agora, me conte sobre o tal
Ashbourne. Ele também é um gato?
Na verdade, ele tá mais para um lobo. — Penso comigo mesma, rindo da
minha própria piada ruim.
— Ele é, mãe — confesso, afinal, quais são as chances de que ela e Liam
Ashbourne se esbarrem? — E eu meio que posso estar com uma quedinha, das
grandes, por ele.
— Seja gentil com o pobre garoto! — exclama, ainda abraçada a mim. —
Perdeu tudo de uma hora para a outra, e foi rejeitado pela família da mãe, depois
da tragédia. Ainda não consigo acreditar que aquela bruxa velha não teve a
decência de ficar com o neto.
— Ele foi criado com amor, mãe. — Espero que ele possa me perdoar por
revelar parte do que me contou.
— Ah, sim, os Hill eram realmente boas pessoas e também tinham um
pequeno à caminho, quando deixei a cidade. Mas, isso não muda o fato de que
aquela velha é rancorosa e uma verdadeira bruxa, que agora fica vigiando a vida
dos outros e dando palpites.
Espera aí.
— Mãe, você tá falando da Sra. Holloway? — minha voz sai um pouco
mais alta do que eu pretendia.
— Lucinda Holloway era o nome de Luce, antes que o pai dela fizesse
todo aquele show diante da cidade inteira. Depois de se casar, ficou sendo apenas
Luce Ashbourne. Sabe? Eu não acredito em nada do que disseram sobre Owen tê-
la ferido.
— Eles disseram isso? — Porque me parece bastante suspeito que isso
tenha sido sequer cogitado.
— Disseram que haviam brigado, que ele estava fora de si por não a
encontrar e que, enganado pelo sequestrador, acabou ferindo-a por acidente.
Depois, os boatos diziam que ele se transformou em uma fera e matou os
Redmayne, um a um, por vingança; mas isso apenas significaria que Jax havia
matado Luce naquele lugar abandonado. As pessoas daquela cidade podem ser
horríveis, minha filha — complementa, quando solto um grunhido revoltado.
— Se esse Redmayne tiver realmente feito isso, ele mereceu o fim que
teve. — Não consigo deixar de pensar no modo com Jasper olha para Vicky.
Vulnerável. Dependente.
— Não diga isso — Aponta, dando um piparote em meu nariz. —, você
também é uma Redmayne. Fique longe daquela floresta e use o máximo de
incensos que conseguir. Tem certeza de que vai mesmo voltar para casa, no
domingo? — minha mãe pergunta, ainda com os olhos marejados.
— É bom estar descansada na segunda-feira — respondo, enfiando um
último par de roupas na mala, já me preparando para uma última noite na capital.
— Mas eu volto logo, prometo.
— Eu vou sentir tanta falta do meu bebê! — Seus braços me agarram com
força, antes que ela faça cócegas em mim.
E, então, lá está a Marianne Lawson que eu conheço e amo tanto. Eu a
abraço, tentando silenciar a confusão dentro da minha cabeça, com a constatação
horrível de que eu sou filha do homem que supostamente assassinou a mãe de
Liam.
Talvez, haja muito mais do que apenas o tal Acordo entre nós.
Dois malditos dias e uma mensagem garantindo que retornaria em breve. E
eu achando que ela havia entendido a coisa do lobo e da merda de ter uma
escolhida, e todo o sofrimento dos infernos que isso envolve.
Caralho!
— Cara, você precisa parar de rosnar — Jasper, vestindo apenas uma calça
de moletom cinza, sentado ao meu lado na sala, argumenta.
— Ele tá sentindo falta da Intrépida Lawson — Mack, que nesse momento
está jogando a porcaria de um jogo de futebol contra mim no videogame e, claro,
ganhando por uma vantagem grande o bastante para ser humilhante, afirma.
— Deixem o chefe em paz — Eli, sempre o mais tranquilo dentre nós, se
senta ao meu lado e toma o joystick da minha mão. — Você deveria tomar um
banho e ligar para ela.
— Não deveria merda nenhuma. — Esfrego o rosto nas mãos, avaliando
meu estado deplorável, apenas de cueca boxer preta no sofá, desde que cheguei,
algumas horas atrás. — Não temos nada, e é melhor que ela fique distante de mim.
— Tem mato no seu cabelo. — O idiota do cara que considero um irmão,
aponta para um galho seco preso após a minha última ronda. — Escovar os dentes
também não vai te matar.
— Mas que filho da puta! — Estapeio sua nuca e subo os degraus, rumo ao
meu quarto.
Um banho pode realmente ajudar a organizar a minha cabeça.

Ainda estou com a toalha jogada no ombro, vestindo apenas uma calça de
moletom preta, quando noto que não estou sozinho na porcaria do meu quarto.
— Da próxima vez, vou me lembrar de trancar a porra da porta. — Esfrego
a toalha nos fios encharcados, sem me importar se estou molhando Jasper, que está
sentado na minha cama, zapeando pelos canais da televisão presa na parede.
— Que cheiro ela tem? — ele não olha para mim ao perguntar, apenas
segue mudando de canal. Como não respondo, ele segue: — Vicky é uma mistura
de lírios e patchouli, e eu posso sentir a quilômetros de distância; o que indica que
eu o sinto ao tempo todo, como uma garantia de que a outra metade de mim está
bem. — Seus olhos castanhos finalmente encontram os meus e meus ombros
caem, derrotados. — Que cheiro Harper tem para você?
— Limões sicilianos, jasmins, maçãs verdes, rosas brancas e cedro — O
colchão afunda quando me sento ao seu lado. —, e desde aquele momento na
floresta, eu não consigo mais senti-lo, e isso está me enlouquecendo.
— Você é o Alpha, Liam. — Sua mão pressiona meu ombro. — Peça ajuda
à Sra. Holloway, talvez, ela dê um pouco do elixir a você. Se eu ainda tivesse...
— Porra, cara, que merda — xingo, derrotado e puto com toda essa merda.
— Nós dois, na mesma.
Jasper gargalha, rindo junto comigo da nossa própria desgraça. Os dois
apaixonados por alguém que nunca poderá ser sua. Não enquanto os malditos
Acordos estiverem valendo.
— E por duas Lawson — Jasper completa. — Merda de lobos filhos da
puta. A Viv é uma gostosa e nada proibida, eu poderia viver feliz com filhos
ruivos.
— Você... como consegue? — pergunto, finalmente. — Quero dizer, o
elixir te ajuda a manter o lobo adormecido, mas e quanto a Victoria?
— Ela sabe sobre mim — admite. — Claro que desconfia de vocês, mas
não tem certeza. O elixir me deixa controlado, mas é Vicky quem tem o poder. E
quando ela pede para que eu me afaste... bem, eu não negaria nada a ela. Nada.
Talvez, devesse tentar. Se Harper pedisse...
A ideia paira entre nós e, mesmo quase uma hora depois de Jasper deixar o
meu quarto, para sua ronda na floresta, sigo pensando se seria uma boa ideia. O
pior, ela já sabe. Que mal faria pedir a ela que diminuísse o estado miserável no
qual me encontro nesse momento?
Pego o telefone que deixei carregando na mesa de cabeceira e procuro pelo
número que Jasper me passou, após implorar a Vicky que nos ajudasse. Aquela
loirinha consegue ser dura na queda. Malditas Lawson, teimosas, terríveis e
viciantes.
L. Ashbourne: Tá aí?
Que idiotice, meu Deus!
Harper M. Lawson: Está tudo bem?
Porra.
L. Ashbourne: Ok. Isso vai soar estranho, mas eu preciso de um favor.
Digitando...
Digitando...
Nada.
Digitando...
L. Ashbourne: Me mande uma mensagem, mandando que eu me afaste,
Harper Moon. Não pense demais, só faça.
Gravando um áudio...
Harper M. Lawson: “— Eu estou me arrumando para ir a uma boate
daqui a pouco com um amigo e preciso que me deixe em paz. Liam, eu realmente
preciso que se afaste. Estou na capital e vou me divertir, faça o mesmo. Sei lá,
correndo por aí, atrás de um coelho. Meu Deus! — uma gargalhada sonora e
então, um lamento engasgado, que faz Wolf erguer a cabeça buscando pela origem
do som — Coitadinho! Não faça isso. Seja vegetariano. Couves! Ataque um
canteiro de couves! Apenas… Pare de ficar pensando em mim!”

Uma gargalhada alta irrompe da minha garganta enquanto me jogo de


costas na cama. Ainda mais ferrado do que antes, agora que ouvi a sua voz me
mandando perseguir couves e toda a merda de se divertir com alguém na capital.
Caralho. Agora estou com ciúmes. Perfeito!

Harper M. Lawson: Funcionou?


L. Ashbourne: Divirta-se, Harper. Vou tentar algo com as couves.
Obrigado.
Estou miserável e sinto a sua falta.
Harper M. Lawson: Quando eu voltar para a cidade, precisamos
conversar.

Não respondo nada. Não é como se eu pudesse escapar disso, de qualquer


forma. Então, apenas dou de ombros, decido trocar de roupas e tentar a sorte com
a velha Holloway, implorando pela porcaria feiosa e de aspecto horrendo, mas que
promete tirar Harper M. Lawson da minha cabeça por algumas horas.

De pé, na sala de sua casa, parado em uma postura suplicante diante da


velha teimosa, com seu cheiro de rosas e fumaça e insisto mais uma vez, tentando
fazê-la entender que preciso de sua ajuda.
— Você não entende... — começo o meu discurso mais uma vez, tentando
persuadi-la. — Não me importo com o quanto custe ou com o tempo que vai
durar. Eu só não consigo mais...
Uma de suas mãos toca o meu antebraço, o choque dos dedos enrugados e
frios, em contraste com a minha pele, me silencia e faz o local formigar.
— Entendo mais do que imagina, criança. — Inclina a cabeça e abre um
sorriso meio estranho. — Tenho uma dívida grande com você, Liam Ashbourne. E
a pagarei quando chegar a hora, mas não será com isso. O elixir não irá funcionar
mais do que poucos minutos para um Alpha como você. Aceite seu destino logo e
se poupe de sofrimentos desnecessários. Seu sangue é mais forte do que imagina.
E, com essa merda de discurso motivacional, a mulher idosa — e bastante
forte, diga-se de passagem — me expulsa de sua casa, sob o pretexto de ser o
horário de uma porcaria de novela turca que fez os olhos leitosos brilharem em
expectativa, sem se importar de me colocar para fora.
Sem elixir.
Sem a merda de uma ordem direta da escolhida do lobo idiota, que me
odeia, já que escolheu alguém totalmente proibido para nós. E desesperado por
saber que Harper está a milhares de quilômetros de distância dessa cidade, se
divertindo com alguém que é mais adequado para ela do que eu jamais serei.
Observo a floresta que se estende sobre a cidade, coberta pela neblina e
assombrada por ataques surpresas de um perigo invisível que não consigo
compreender ou antever.
Miserável para um caralho!
Depois da minha ronda na floresta — tudo aparentemente tranquilo nessa
noite fria, para o meu desespero — tomo um banho quente e, assim que saio do
banheiro, noto a tela do celular acesa sobre a cama.
O nome de Harper, piscando ali, faz meu coração disparar de maneira
desconfortável e logo, um medo irracional de que algo tenha acontecido com ela
enquanto está longe, me faz avançar contra o celular, colocando-o rapidamente no
ouvido.
— Harper! — chamo, tentando ouvi-la sob as batidas altas e o som
confuso de vozes e da música. A merda da boate. — Harper?
— Eu não deveria — sua voz afirma do outro lado do aparelho, os sons
confusos abafados de repente. —, mas essa sou eu, ligando para o futuro líder de
uma seita de lobos — sua voz embola um pouco no fim, mostrando que está
bebendo há um tempo. —, para avisar que não quero que ataque um canteiro de
couve. Nem coelhos. Por favor, deixe os coelhinhos em paz. E eu não quero que se
afaste, Liam. — A merda do meu coração salta no peito. — Eu...
— Me dê isso aqui, sua maluca! — uma voz masculina chama, e então,
parece tomar o telefone de sua mão. — Cara, você realmente bebeu essa noite.
Com quem estava falando? Porra, Harper! Você me fez prometer que não te
deixaria ligar. Estamos indo pra casa, agora!
— Alô? Quem é... — Ele desliga a porra do telefone. — Caralho!

Nas primeiras horas do domingo, antes mesmo de o sol nascer, sem


condição alguma de dormir, inquieto demais e dolorosamente impaciente com
qualquer outro ser pensante próximo a mim, com um humor tão terrível que até
mesmo Wolf, o cachorro mais dócil do mundo, tem me evitado nos últimos dias
— encaro os números e letras no painel eletrônico e ajeito a jaqueta de couro
superfaturada que acabei de comprar em uma loja do aeroporto, esperando ansioso
pelo desembarque do voo que acaba de chegar, vindo da capital, Montzaffir.
Inspiro o ar fresco do início da manhã e não demora muito para que eu
consiga distinguir as notas cítricas e deliciosas de seu perfume.
Falta pouco, agora.
E esse era o tipo de situação nonsense[4] e irresponsável que eu tentei evitar
a todo custo, mas com a qual não tive a menor chance de lutar, já que fui
nocauteado na primeira oportunidade, por uma garota sem muita coordenação
motora, que me derrubou sem precisar de nada mais do que apenas um maldito
olhar.
Não demoro a encontrá-la, seu cheiro funcionando como um farol para
mim. Observo-a de longe, mordendo a carne do dedo mindinho ansiosamente,
enquanto espera por sua bagagem diante da esteira. Embora eu esteja quase certo
de que ela não levava mais que a mochila que carrega nas costas quando deixou a
cidade.
Me aproximo rapidamente e quando a mala, do mesmo tom de vermelho
de seu casaco aparece, e ela se prepara para pegá-la, sou mais rápido, colocando o
objeto pesado no chão e sorrindo ao ver seus olhos se arregalarem pela surpresa
em me ver aqui.
— Liam! O... O que faz aqui? — O tom acinzentado pendendo um pouco
mais para o azul, nesse momento. — Aconteceu alguma coisa?
Engulo em seco. Eu deveria ter pensado em algo para dizer, ao invés de
simplesmente aparecer aqui — é bem claro que sou um idiota. Como é que um clã
inteiro confia em minhas decisões?
— Na verdade, aconteceu, sim — vamos com a verdade, então. — Há uma
garota nova na cidade e, por mais clichê que isso seja, totalmente proibida para
mim, por conta de um acordo entre nossas famílias. E, tudo bem, eu poderia lidar
com isso, se eu não fosse diferente. E, se ela não tivesse me ligado, implorando
pela integridade dos coelhos e das couves — Harper sorri, daquele jeito lindo que
a faz fechar os olhos e eu me aproximo mais. — e para que eu não me afastasse
mais.
— É importante que os coelhos estejam bem — murmura, arfando quando
envolvo meu braço em sua cintura, colando seu corpo ao meu, incapaz de me
manter longe dela por mais tempo. — Liam, nós precisamos conversar...
— Nós vamos — garanto a ela, antes de colar minha boca na sua, minha
língua exigindo passagem, desfrutando finalmente de seu sabor único e
inconfundível, que explode em minha boca, enquanto agarro-a ainda mais junto à
mim.
Suas mãos ainda agarram meu cabelo quando mordo seu lábio inferior,
antes de descer alguns beijos pelo seu pescoço, usufruindo do perfume delicioso.
— Caralho de perfume! — Inspiro ali, mordendo a base de seu pescoço, e
então seu queixo, antes de pressionar meus lábios nos seus mais uma vez. —
Precisamos sair daqui.
Ainda um pouco aérea, Harper me solta e olha ao redor, como se tentasse
se localizar e, de forma desajeitada, observo-a soltar o cabelo, preso no alto da
cabeça por um elástico e ajeitá-lo atrás das orelhas, olhando novamente ao redor,
como se procurando por algo.
— Ele não virá — adianto, assim que entendo que busca pelo motorista
contratado pelo seu padrasto. — Eu garanti ao motorista que te levaria em casa.
— E ele simplesmente acreditou? — pergunta ultrajada. — Você poderia
ser alguém interessado em me sequestrar ou um maluco perseguidor que quisesse
me matar!
— Ser o quarterback de um time famoso por aqui, me rendeu alguma
fama. — Sorrio enquanto dou a volta em seu corpo e pego a mala que ela arrasta
com dificuldade, me abaixando um pouco para falar perto de seu ouvido, enquanto
caminhamos até a saída. — Embora eu esteja realmente sequestrando você. —
Mordo a cartilagem de sua orelha. — E tenha muito interesse em te devorar, —
Seguro firme seu casaco vermelho, antes de completar: — Chapeuzinho
Vermelho.
— Você sabe o que dizem... — esperta como sempre, ela acrescenta, dando
de ombros: — Às vezes, o lobo mau é tudo o que a gente precisa.
— Harper Moon... — advirto-a, rindo junto com a gargalhada alta que a
faz sacudir os ombros finos. Totalmente duro e desesperadamente pronto, apenas
por causa dessa brincadeirinha idiota. — Pare de me provocar.
Juntos, dentro do carro, o silêncio pesa e enquanto manobro para fora do
estacionamento do aeroporto, noto que Harper parece perdida em pensamentos,
enquanto olha para a paisagem ensolarada da cidade em que estamos, e suspira
baixinho.
— Não vou mentir, e dizer que não gostei da surpresa — ela diz, depois de
um tempo. —, talvez tenha sido motivado por alguma ideia de que eu estivesse em
perigo e, se esse for o caso, não diga nada para estragar os meus pensamentos
românticos, por favor — murmura de forma quase inaudível a última parte, ainda
sem olhar para mim. — Mas precisamos mesmo conversar, Liam.
— Sim, eu me preocupo com a sua segurança. — Pego a mão que descansa
sobre a mochila e a envolvo com a minha, entrelaçando nossos dedos. — Mas não
foi isso que me trouxe até aqui, Harper. Você chamou por mim.
— Gostaria que não fosse por causa dessa coisa de encantamento de lobos
também — resmunga e solta a minha mão, recolhendo a sua. — Liam, durante
esses dias, acabei conversando com a minha mãe e, se o que ela me disse for
verdade, e você não tiver me escondido nada, talvez você não conheça a história
toda sobre o que aconteceu naquela noite.
Mas que merda... O que mais Owen Ashbourne pode ter feito naquela
maldita noite? E quanto tempo mais pagarei por crimes que não são meus?
— Eu contei tudo o que sei — respondo a ela, desviando do nosso
caminho e entrando em um motel na beira da estrada. — E agora, longe dos
ouvidos curiosos de Silent Grove, você vai me contar sobre o que descobriu.
Tenso, de costas para a cama, observo as montanhas ao longe através das
janelas sujas, enquanto ouço Harper contar a versão de sua mãe sobre o que
aconteceu naquela maldita noite. Aos poucos, sua voz embarga e noto o quanto
está abalada ao falar sobre a tragédia de sua família paterna, sua revolta pelo
abandono dos Lawson, apesar de reconhecer a preocupação deles com sua
segurança e a provável participação dos Redmayne no que aconteceu.
O que ela não sabe é que todas essas suposições já haviam sido cogitadas
ao longo dos anos, exceto por uma: Harper Moon Lawson, talvez, seja a tal
herdeira das terras dos Redmayne — a pessoa a quem o prefeito se referiu naquela
reunião e é possível que, por isso, seja o alvo dos lobos desgarrados que têm
tentado invadir o nosso território, considerando o fedor que senti sob a sua janela.
Mas por qual motivo?
Ainda tem a tal possibilidade de eu ser filho de uma Holloway, me ligando
diretamente àquela velha que afirmou ter uma dívida comigo. E essa é uma
surpresa e tanto, que demandará algumas visitas e conversas nada agradáveis com
todos que passaram anos escondendo isso de mim. Sua dívida seria reflexo de uma
consciência pesada por ter abandonado minha mãe à própria sorte, apenas por ter
se apaixonado por alguém inapropriado?
Tão inapropriado quanto eu sou para a garota ainda falando às minhas
costas. Porra!
“É tarde demais” — a voz em meu interior decreta.
— Você entende? — ouço quando ela engole em seco, a voz ainda mais
embargada, sua essência adquirindo algumas nuances de medo e tensão. — O
meu… genitor pode ter feito algo à sua mãe, Liam. Eu sinto muito — sua voz
abaixa mais um tom, antes que um soluço escape de sua garganta. — Isso tudo é
tão complicado… meu Deus, que bagunça!
— Sim. — Respiro fundo, absorvendo seu aroma ainda delicioso, antes de
olhar para ela, que, nesse momento, esconde seu rosto bonito entre as mãos. Mas
que merda. — Não chore. Não é culpa sua, Harper.
E sobre pagar por crimes e pecados que não são seus, eu entendo. Porra,
como poderia culpá-la, caso seja mesmo verdade? O que isso mudaria na forma
como me sinto com relação à ela? Será que ainda não entendeu o que significa
para mim?
— Como é que vai conseguir olhar para mim, sabendo que, talvez... —
Outro soluço irrompe de seus lábios cheios.
Merda de situação.
— Não — nego. Porra, não. — Como é que eu poderia não olhar para
você? Me diga, Harper. Como seria possível? — Me ajoelho no chão, entre seus
joelhos, erguendo seu rosto para que eu possa ver seus olhos, ainda mais claros
por conta das lágrimas. — Acha que eu não tentei me afastar? — Sorrio sem
humor, enxugando suas lágrimas, enquanto minha voz assume um tom revoltado.
— Que eu não queria? — Caralho, eu faria qualquer coisa para me ver livre dessa
merda de sentimento, dessa necessidade sem sentido que tem me consumido de
forma nada saudável e, ao mesmo tempo, não mudaria nada, apenas por ser ela.
Como fazê-la entender? — Sou um caso perdido, Harper.
— Só por causa da esquisitice de lobo — choraminga, em sua mania de
sempre tentar aliviar o clima quando fica pesado demais ou não consegue lidar
com o que acontece.
— Talvez, mas é fato que ele também não consegue mais ficar longe de
você, minha Lua — admito, sentindo uma força se mover dentro de mim, vibrante
e profunda, como se algo finalmente se encaixasse. Estamos nos fundindo e, à essa
altura, não consigo mais evitar. — É tarde demais para nós.
Harper, ainda vestindo o maldito casaco vermelho, estende uma mão,
fazendo os dedos correrem pelo meu cabelo.
— Nós vamos investigar isso tudo e, se Redmayne tiver sido realmente
culpado, Liam, eu farei uma reparação. De alguma forma... — Colo minha boca na
dela, encerrando essa merda de assunto, jogando para fora desse quarto tudo o que
não seja nós dois. O futuro é assustador e não posso, e nem quero, desperdiçar
nenhum segundo precioso com a garota à minha frente. — Liam...
— Sim — murmuro em sua boca. — Liam e Harper Moon. Aqui —
Deslizo a mão pelo seu rosto, observando quando fecha os olhos, desfrutando do
meu toque. —, nesse momento, seremos só nós dois e ninguém mais. Sem
Ashbourne, Lawson, Redmayne ou Holloway. Sem Acordos e sem proibições. —
Minha voz falha. — Apenas nós: um jogador apaixonado pela líder de torcida
teimosa e dona de uma boca esperta e gostosa, que tem me tirado o sono, depois
daquela tarde no carro.
E muito antes disso.
— Apaixonado, é? — debocha, deslizando a mão pelo meu cabelo.
— Porra, sim. — Ainda ajoelhado ao pé da cama, ergo um pouco o rosto e
beijo sua testa, um olho por vez, a ponta arrebitada de seu nariz e, então, seus
lábios; em um beijo casto que logo se transforma em algo mais. Avanço sobre sua
boca, devorando-a com minha língua, absorvendo seu gosto enquanto sinto suas
mãos puxarem meu couro cabeludo, à medida em que meu corpo pesa sobre o seu,
encaixando-me mais entre as suas pernas, sobre a cama.
— Eu não vou conseguir fingir que nada aconteceu, dessa vez — murmura
contra a minha boca, respirando aos arquejos. — Liam, não podemos. Os Acordos
e...
— Fodam-se os Acordos, Harper Moon. — Beijo-a novamente, deslizando
os dentes pelo seu pescoço, incapaz de pensar em qualquer coisa que não seja estar
dentro dela, agora. — Foda-se todo o resto.
Sob seu olhar nublado pelo desejo e pela apreensão, fico de pé, arrancando
a jaqueta do corpo e jogando-a em um canto qualquer, junto com a camisa preta;
sorrindo quando vejo Harper fazer o mesmo, porém, com muito mais elegância e
de forma muito mais sensual, mantendo-me preso no lugar com seus olhos quase
azuis ao deixar o casaco vermelho cair no chão, arrancando sua camisa pela
cabeça e, então, me observando com atenção enquanto me curvo, descendo o
fecho de suas botas altas, correndo as mãos pelo jeans, antes de alcançar o botão
de sua calça, ajudando-a a se livrar da peça.
À sua frente, inclino a cabeça, observando-a, sorvendo cada detalhe de sua
pele macia, suas curvas e, então, do rosto lindo e corado pela excitação, que seu
cheiro denuncia. Fecho os olhos e ergo o rosto, farejando o ar algumas vezes, em
antecipação, sorrindo quando sinto um tapa leve acertar o meu ombro.
— Esquisitice de lobo — ouço-a resmungar. — Que constrangedor.
— Não posso mais ficar longe de você, minha Moon. — Desabotoo minha
calça e deixo que caia aos meus pés, assim como a cueca boxer, ficando
totalmente nu à sua frente. Me sento arrepiar quando seus olhos percorrem cada
centímetro de pele em meu tronco, antes que ela dê um passo à frente e comece a
trilhar com beijos cada tatuagem minha, começando pelo pescoço.
— Você é tão lindo... — sussurra, antes que o toque de sua língua, sobre
um beija-flor em meu ombro, me faça fechar os olhos e lançar a cabeça para trás,
sentindo sua mão acima da pele sensível do meu pau. — Somos só nós, então.
Sem inferno, dessa vez, Liam. Só o paraíso.
— Tudo o que você quiser. — Mordo o lábio, enquanto sua mão sobe e
desce pela minha extensão dura. — Agora... volte para a cama, Harper.
E ela o faz, os olhos fixos em mim, enquanto sua mão segue me torturando
com os movimentos cadenciados e leves no meu pau, antes de aproximá-lo de seu
rosto e, com a língua gostosa, percorrer todo o comprimento rígido e abocanhá-lo,
arrancando um rosnado alto da minha garganta.
— Selvagem — comenta, espalhando sua saliva com a mão, que segue se
movendo em mim de forma lenta, mas firme.
— Você não faz ideia do quanto — a resposta sai por entre os meus dentes
quando ela me engole mais uma vez. O calor de sua boca me enlouquecendo aos
poucos, enquanto Harper se move sem hesitação. Linda para um caralho. — Mas
vai descobrir, minha Lua.
“Minha escolhida.”
— Suba na cama. — Enrolo seu cabelo em meu punho e puxo sua cabeça
para trás. O som molhado que sua boca faz quando se afasta quase me faz gozar,
mas tenho outros planos para esse momento. Sem hesitar, ela faz o que eu mando,
se afastando da beirada da cama e, totalmente nua, apoiando-se nos cotovelos,
com os olhos claros e desejosos focados em mim, ela espera. — E, agora, ela
obedece! — implico, e ela estala a língua, antes de abrir as pernas para mim,
mostrando a lingerie úmida, como se eu já não pudesse sentir seu cheiro de fêmea
excitada por toda a parte. — Caralho, Harper, você quer me matar…
— O que está fazendo? — Seu rosto assume um cor-de-rosa intenso,
quando ergo a cabeça, puxando o ar de forma ruidosa para dentro de mim.
Tragando-o, absorvendo-o… Minha.
— Farejando o quanto você me quer. — Sorrio ao vê-la sem graça. — Eu
sempre sei o que sente, Harper. Sempre. Medo, dor, raiva, tesão... — Deslizo as
mãos pelas suas coxas, arrastando minhas unhas ali e observando sua pele se
arrepiar. — Você tem um cheiro tão maravilhoso e, nesse momento, não há nada
no mundo que me impediria de provar seu gosto.
Quando ela arfa, abrindo-se mais para mim, oferecendo-se, não consigo
raciocinar. Subo na cama, colando meu corpo ao seu enquanto beijo sua boca com
vontade, deslizando minha língua pela dela ao mesmo tempo em que minhas mãos
encontram seus seios, brincando com os mamilos duros e sentindo seu corpo
ondular sob o meu, buscando atrito contra a minha coxa, encaixada entre suas
pernas.
Desço os dentes pelo seu pescoço, sentindo-a estremecer junto comigo,
quando sua mão delicada desliza pelo meu pau, antes de voltar a massageá-lo
levemente, enquanto mordo e chupo seus mamilos deliciosos de forma alternada,
devorando-os com vontade à medida em que arranco gemidos seus. Sigo
acariciando a pele lisa de sua barriga com a mão antes de, finalmente, metê-la
dentro de sua calcinha, explorando as dobras encharcadas e ouvindo-a gemer meu
nome, chamando por mim continuamente, com suas unhas cravadas em meus
ombros.
Desço mais nossos corpos pela cama, chegando finalmente ao ponto que
eu queria. Deixo-a na beira do colchão e volto a me ajoelhar diante dela. — Minha
escolhida. Meu destino. — E após apreciar a cena por um momento, sentindo-me
mais duro do que nunca, arrasto as mãos por suas coxas macias, abrindo-as ainda
mais para mim, correndo meus dentes na parte interna de suas pernas conforme
alcanço sua boceta encharcada e a lambo de cima a baixo, provando-a finalmente.
Gostosa para um caralho!
— Espero que esteja pronta, minha Lua, porque, agora, eu vou devorar
você. — Um novo rosnado, possessivo dessa vez, ecoa pelo quarto, confirmando
minha promessa.
Mantendo as pernas abertas com uma das mãos, mergulho meu rosto em
sua carne úmida, provando cada centímetro de sua boceta deliciosa, até chegar ao
ponto inchado e chupá-lo diversas vezes, mordendo-o e lambendo ali como a porra
de um filhote; segurando-a no lugar, enquanto Harper se contorce na cama, com
seus dedos embrenhados em meu cabelo ao gritar meu nome, implorando por
alívio.
— Liam! — chama mais uma vez, rebolando contra a minha boca e
puxando forte o meu cabelo.
— Sim, sou eu — respondo, antes de chupá-la mais uma vez,
enlouquecendo-a. — E apenas eu, Harper. Diga que é minha. — Volto a lambê-la
com vontade, penetro dois dedos em seu calor, contínuas vezes, fodendo-a sem
parar, enquanto ela segue rebolando em minha boca e nos meus dedos, agora
curvados dentro dela, que geme cada vez mais alto. — Diga que é minha! —
ordeno mais uma vez. — E só minha!
Arrasto a mão que a mantinha aberta pelo seu tronco, agarrando seu seio
esquerdo, antes de encontrar seu pescoço e encaixá-la ali, pressionando-o com
força, sentindo a vibração de seus gemidos percorrerem meu corpo inteiro,
alimentando a fera faminta dentro de mim.
— Su-Sua. — Atende ao meu pedido, engolindo com dificuldade. — Sua,
Liam. — Acelero o ritmo dos meus dedos, voltando a curvá-los dentro dela,
enquanto chupo seu clitóris sem descanso, sentindo o exato momento em que ela
goza, massacrando-me em seu interior, rebolando na minha boca e chamando o
meu nome.
— Li-am! — Sua mão agarra meu ombro e me puxa para cima, suas pernas
me prendendo em seu calor, fazendo meu pau, desesperado por libertação, roçar
em sua boceta encharcada devido ao orgasmo. Movo o quadril lentamente por sua
extensão, torturando a nós dois, enquanto sigo estimulando seu ponto sensível
com a minha glande. — Ahhhh!
— Gostosa demais, porra! — Harper se move sob mim, aproveitando-se da
fricção entre nossos corpos, mas não aguento mais esperar. — Eu preciso sentir
você.
— Sim — ronrona, como uma gata, enquanto roço sua entrada. Porra de
tentação do caralho!
Me sento nos calcanhares e pego o preservativo no bolso da calça, jogada
de qualquer jeito no chão, abrindo-o rapidamente e, estou prestes a colocá-lo,
quando ela se senta, deslizando a palma sobre minha extensão já úmida com os
seus fluidos, deixando-o ultrassensível ao mínimo toque. Tento desacelerar um
pouco, para não queimar a largada, porém não contava com o ataque da garota
intrépida que se coloca de quatro e engatinha em minha direção, tomando a
camisinha da minha mão, antes de lamber meu pau e engolir parte dele: uma, duas,
três vezes; enquanto seguro seus cabelos, buscando por alguma estabilidade
enquanto ela me chupa sem intervalo, esfomeada, arrancando gemidos meus ao
arremeter em sua boca, perdendo o controle.
— Harper, eu... — chamo por ela, que segue me torturando sem piedade e
que me segura no lugar, impedindo que eu me afaste, até que me perco em um
orgasmo intenso dentro de sua boca, segurando firme nos cabelos escuros,
enquanto ela segue me chupando com gosto, engolindo cada gota do meu prazer.
— Que delícia de boca! Que delícia de mulher.
Seguro com firmeza em seu pescoço, mais uma vez, trazendo sua boca
para a minha, beijando-a com tudo de mim, enquanto avanço sobre seu corpo,
encaixando-me entre suas pernas, totalmente pronto para sentir seu interior me
apertar mais uma vez.
Abro os olhos, alarmado, quando a sinto congelar sob mim, e me apoio nos
cotovelos, ainda encaixado entre suas pernas, encontrando-a com uma sobrancelha
erguida em uma interrogação silenciosa.
Pego o preservativo ao lado do seu corpo e o deslizo sobre meu pau, já
totalmente ereto e babando de necessidade, enquanto subo e desço minha mão por
ele, punhetando-o de leve, sob o olhar atento da mulher, que não parece acreditar
muito no que está vendo.
— Eu tenho vinte e dois anos, e não sou necessariamente um cara comum.
— Dou de ombros, vendo-a revirar os olhos. — Acostume-se, Harper. Porque eu
não pretendo ir a lugar nenhum.
Que os Acordos se danem.
— É uma promessa? — A insegurança do seu tom me fala mais do que
imagina, por isso, beijo sua boca, engolindo seu sorriso enquanto penetro seu calor
e suas unhas arranham meus ombros, se agarrando mais a mim, à medida em que
atinjo o fundo de sua boceta apertada.
— Tão. Gostosa. — Cada palavra, uma estocada dentro de seu corpo
quente. — Tão. Minha.
— Liam! — ela chama, quando acelero os movimentos e os sons úmidos
do encontro entre nossos corpos domina todo o lugar, em uma sinfonia linda e
sexy para caralho.
E, é assim, olhos nos olhos, com a minha mão firme em seu pescoço,
mantendo-a parada conforme estoco forte e firme dentro de seu interior apertado,
que entrego os pontos. No calor do momento, nossas essências se misturam e
formam algo novo, forte — a porra de um vínculo inquebrável, do qual estive
fugindo durante todo esse tempo, mas não consegui escapar ou impedir — e que
vai transformar as vidas dos dois a partir de agora.
Sentindo seu interior se contrair ao meu redor, à medida em que o calor
sobrenatural se espalha por todo o meu corpo e flutua para o dela, fundindo-nos
em um corpo só, buscando desesperadamente por libertação, eu a beijo com
intensidade, selando meu destino, seja lá ele qual for.
— Me leva ao paraíso com você, minha Lua. — Acelero o ritmo das
estocadas e, quando estou perto, desço a mão entre nós e massageio seu clitóris,
ouvindo Harper gemer cada vez mais alto, chamando por mim até que o orgasmo a
faça arquear o corpo e me levar com ela por uma espiral delirante e intensa de
prazer.
Nunca foi assim.
— Não se afaste — pede, quando ergo o corpo, ainda dentro dela e, sem
conseguir resistir, a beijo. De novo e de novo. — Não se afaste, Liam.
Como eu poderia?

Completude.
É fácil imaginar uma vida melhor e cenários mais otimistas, quando tenho
Harper aconchegada a mim, como agora. Assim como foi fácil ignorar todas as
merdas sobrepostas na minha vida quando estava dentro dela; meu paraíso nessa e
em todas as outras vidas, se houver algo assim. Mas, agora, ouvindo-a ressonar
tranquilamente, deitada em meu peito, fico tentando encontrar uma solução para
que possamos ficar juntos, apesar de tudo.
“Não se afaste.” Ela pediu, olhando nos meus olhos, ao mesmo tempo que
nos perdíamos um no outro. Como eu poderia fazê-lo? Ainda mais, agora, quando
cada célula do meu corpo tem sua marca. Mesmo que eu não a tenha marcado
como gostaria; me derramando nela, deixando nossa essência em seu corpo,
decretando a qualquer um que ela é minha e de mais ninguém; eu não consegui
escapar.
Forjar nosso vínculo envolveria muito mais do que aconteceu entre esses
lençóis. Como lidar com todas as regras que nos impedem de ficar juntos e com o
medo terrível de que o que aconteceu com meu pai possa vir a acontecer comigo?
Eu não resistiria. Não poderia, nem mesmo se tentasse. Como conseguiria viver
com o fato de ter destruído a minha escolhida? A minha metade?
— Posso ouvir as engrenagens da sua cabeça, daqui, Liam. — A voz
sonolenta de Harper interrompe a minha divagação e faz meu coração disparar. —
Está pensando em como sair correndo sem ferir muito os meus sentimentos?
“Não vou conseguir fingir que nada aconteceu, dessa vez”. — Sua
confissão ainda fresca em minha memória. Eu jamais poderia pedir algo assim a
ela, quando eu mesmo não consigo me distanciar. Que merda de hipócrita eu seria,
se o fizesse?
— Eu prometi que não iria a lugar algum, não foi? — Estreito meu braço
ao redor de sua cintura, mas desvio meus olhos dos seus, não suportando a
intensidade que vejo ali. Fodido para um caralho. — Só não sei como ficar,
Moon.
— Por favor, não me chame assim — pede, as lágrimas retornando aos
olhos claros. — Minha mãe disse que foi o nome que ele escolheu. E, se ele tiver
algo a ver…
— Jax Redmayne que se foda! — A insegurança em seu tom de voz, quase
me faz rosnar. Puxo seu corpo para cima do meu, trazendo-a mais para perto. —
Você é minha Moon. Minha Lua. Eu sou a porra do seu lobo, e nós vamos resolver
essa merda toda. De uma forma ou de outra — declaro, com uma segurança que
não tenho, e pela expressão em seu rosto, ela sabe bem disso.
Mas precisa haver uma saída.
— Nós vamos dar um jeito, Liam. — Sorri, deslizando a mão delicada
sobre o meu peito. Me acalmando dessa vez. — Tudo que preciso é saber que
estamos juntos nessa.
— Se ainda tem dúvidas sobre isso... — Inspiro fundo, sentindo o cheiro
delicioso de sua pele. — Me permita ser mais claro, Moon.
Inverto nossa posição e a beijo com calma, desfrutando dos últimos
momentos de paz, antes de voltarmos ao olho do furacão.
Após quase um dia inteiro rolando — literalmente — nos lençóis com
Liam Ashbourne, juntamos nossas coisas e tentamos manter o clima leve dentro
do carro, pelo menos pelas próximas horas, até chegarmos à sombria Silent Grove
e, em um acordo mútuo, fingirmos para todos que não passamos de bons amigos
até que encontremos uma solução para a questão dos Acordos que não permitem
que fiquemos juntos.
Uma idiotice.
— Pronta? — Liam segura firme a minha mão, antes de levá-la à boca e
deixar um beijo em minha palma. E então, me puxar para mais perto e me beijar
com a selvageria de sempre. — Não me olhe assim. É difícil me controlar.
— É, eu meio que entendo. — Dou de ombros, enquanto me movo em
meu banco, tentando em vão conter as reações do meu corpo, bem ciente de que
ele pode senti-las, como soube mais cedo.
Totalmente constrangedor. E, de certa forma, ainda mais excitante.
— Eu sei. — O idiota inspira profundamente, antes de fechar os olhos em
apreciação e sorrir de modo breve, enquanto cruzamos o pontilhão de volta à
cidade.
Infelizmente, nossa alegria dura pouco e a primeira missão terá que ser
adiada, já que a Sra. Holloway não está em sua janela espiando a vida alheia,
como de costume. Para nossa desventura, a casa parece vazia. Que droga!
— Que sorte do caralho! — Liam xinga e bate no volante. — E eu tenho
uma merda de reunião daqui a... — olha no celular e faz uma careta — vinte
minutos, com o Conselho.
— Eu avisei que deveríamos ter saído mais cedo. — Encaro a casa
fechada, um tanto preocupada com o que pode ter acontecido com a mulher mais
velha.
— Não vai me ouvir lamentar por conta disso, Harper Moon — o safado
avisa, passando a mão tatuada sobre as marcas de mordida em seu pescoço.
Parecendo quase orgulhoso de tê-las ali, enquanto eu só consigo sentir meu rosto
se esquentar ao ver o estrago que fiz na pele tatuada.
Em algum ponto, as coisas ficaram um tanto mais selvagens e, apesar de
ele não ter retribuído as mordidas, não quer dizer que eu também não esteja
carregando muitas marcas suas em meu corpo, agora. Maravilha! Ótimo momento
para arruinar minha calcinha.
— Não faça isso comigo — reclama, fechando os olhos com uma
expressão de sofrimento no rosto. — Eu posso sentir, lembra?
— Me... desculpa? — Qual seria a etiqueta para esse tipo de situação? —
Você vai para a tal reunião, com isso... — Aponto para seu pescoço. — à mostra?
— Sou um QB muito desejado por aí, Moon — Ele desce o quebra sol e
avalia o estrago na faixa de pele sem tatuagem, mas que ostenta uma marca
arroxeada muito típica, com um risinho satisfeito no rosto. —, as mulheres podem
ser selvagens às vezes.
— Idiota — resmungo e cruzo os braços, na defensiva. Tomara que ele
esteja sentindo o fedor do ciúme, agora. Percebo que está prestes a fazer uma
piadinha, quando um carro passa por nós e o casal dentro dele nos observa com
atenção.
— Curiosos de merda. — Estala a língua e fecha a cara.
— É melhor eu entrar — aviso. — Tia Lin deve saber do paradeiro da Sra.
Holloway. Um passo de cada vez, certo? Até amanhã, Ash. Nos vemos na
faculdade? — Sorrio quando fecha ainda mais a cara, detestando que eu use seu
apelido. Estou prestes a sair do carro, quando sua mão se prende ao meu punho e
ele o leva até o nariz.
— Fique segura, Moon — pede, os olhos escuros fixos nos meus. — Por
favor.

Entro em casa e logo sou recebida pela minha tia, sem seu uniforme branco
habitual, sentada ao lado de Vicky, enquanto assistem a um filme na sala de casa.
Pelo balde grande de pipoca, já pela metade, elas passaram grande parte do dia ali.
— Harper, querida! — Tia Lin pausa o filme e abre os braços para mim. —
Como foi a viagem? Achei que chegaria mais cedo!
— É... — Desvio os olhos de Vicky, que parece saber muito bem onde eu
estava. — Encontrei uma amiga e acabei passando o dia com ela em Montbianc —
minto, sentindo meu rosto corar ao relembrar das coisas que a minha suposta
“amiga” e eu fizemos.
— Humm, que legal! — Vicky enche a boca de pipoca e aponta para o
próprio pescoço. Imediatamente, eu espelho seu movimento, preocupada, só então
me recordando que estou usando a porcaria de uma gola alta, que não lhe permite
ver nenhuma das possíveis marcas. Que filha da mãe!
A safada se engasga numa gargalhada e logo, sua mãe bate em suas costas,
preocupada com a manobra falsa da linguaruda.
— O que aconteceu com a Sra. Holloway? — pergunto, como quem não
quer nada, enquanto tiro minhas botas e me sento com as duas na sala, enchendo a
mão de pipoca. — É a primeira vez que não a vejo na porta de casa.
— Ela viajou durante o feriado, deve retornar na quarta-feira. Acho que foi
visitar a neta.
Tia Lin, como imaginei, sabe exatamente onde a senhorinha fofoqueira
está. Fico instantaneamente aliviada por saber que nada aconteceu a ela, já que há
muito o que conversar com Olga Holloway.
— Neta? — As árvores genealógicas das tais famílias fundadoras são uma
grande confusão. — Eu não sabia que ela tinha família próxima. Ela parece tão
sozinha e...
— Ela tem um filho, Loman, ele é poucos anos mais novo do que eu. Teve
vários problemas de comportamento na adolescência e acabou se mudando para
uma cidade vizinha. Bem, segundo a própria mãe, ele acabou se envolvendo com
uma garota por lá. — Considerando a careta em seu rosto, tia Lin não parece
gostar muito dele. — Me parece que as coisas não deram muito certo e ele sumiu
no mundo, mas, hoje, a garota vive com a mãe em uma cidade perto daqui — tia
Lin conta. — Acho que é um pouco mais nova que vocês.
— Ah, que...legal — digo, enchendo a boca de pipoca, sob o olhar curioso
de Vicky.
Assistimos ao resto do filme e, então, mais uma metade de outro, quando
subo para o meu quarto sob o pretexto de estar cansada do dia todo viajando.
Claro que não consigo fugir da garota loira, que invade meu quarto assim que saio
do banho, vestindo meu pijama estampado com centenas de imagens de doces.
— Com quem você estava? — Vicky se joga na minha cama, vestindo um
pijama americano de frio, com uma estampa sóbria, ao contrário da minha. — E
não minta. Eu vi quando chegou.
Nem todo o tempo em que ficamos naquele motel foi gasto com safadeza.
Nos intervalos — não muito longos, já que aquele cara tem realmente uma
disposição de milhões, Deus o abençoe — nós conversamos e traçamos alguns
planos para nossos próximos passos. Como: manter nosso “relacionamento” em
segredo, até descobrirmos o que fazer e tentar entender qual é a relação entre os
Redmayne e os lobos que estão agindo no território de Silent Grove.
Também falamos sobre Jasper e Vicky, e confesso ter me sentido um pouco
traída ao descobrir que minha prima sabia exatamente onde eu estava me metendo
e não me deu sequer um aviso a respeito.
— Então, já tem a sua resposta, não é? — Minha prima esconde o rosto no
travesseiro e, quando volta a me olhar, sua expressão é preocupada. — E, sim, eu
sei de tudo. E é uma grande merda que você não tenha achado importante dividir
uma informação dessas.
— Me perdoe, Harper. Mas eu fiz uma promessa a Jas e não é algo que
possa ser dividido assim. — Concordo, simplesmente porque, se ela viesse com
uma conversa assim, eu teria rido da cara dela. — Mas, me conta, como é que
pretendem… quer dizer, Ash parece ser diferente, tipo um líder ou algo assim.
Talvez, ele tenha o poder de mudar as coisas, e...
Me sento ao seu lado na minha cama, antes de me jogar de costas no
colchão macio e olhar para a minha prima com seus olhos grandes e esperançosos.
— Assim espero. Mas… quem sabe? — Vicky se deita ao meu lado,
também perdida em seus próprios pensamentos e preocupações.
Não há garantias para nenhum de nós.

Uma semana após o feriado e a casa de Olga Holloway se mantém


fechada, e nem sinal de vida da velhinha fofoqueira. Sete dias e um estoque
infindável de incensos, para mandar o tal lobo do mal afastado, e vários “diálogos”
com o outro lobo, que me vigia como o territorialista que descobri ser, e que bufa
constantemente, reclamando do cheiro adocicado dos tais palitos milagrosos que
queimam durante as madrugadas.
E, claro, muitos amassos escondidos em lugares vazios, com o famoso
jogador sempre vestido de preto com sua cara de mau, enquanto esperamos pelo
retorno da fofoqueira de plantão. Que parece ter estendido sua viagem apenas para
nos torturar. Pelo menos, agora, sabemos que eu sou a real herdeira do mausoléu
pertencente aos Redmayne.
De alguma forma, como se soubesse da confissão da minha mãe, um dos
advogados da cidade — um homem baixinho e bastante emproado — apareceu,
alegando que era o executor do testamento de Geoffrey Redmayne, meu suposto
avô, e que tentou contato conosco por anos, até que soube que eu finalmente havia
chegado à cidade.
Ainda segundo ele e os tais documentos que fez questão de me mostrar —
todos estranhamente assinados de próprio punho. Deixou toda a sua fortuna para
mim, sua neta, filha de Jaxon Phillipe Redmayne, que crescia no ventre de
Marianne Lawson e deveria receber tudo o que me era de direito aos vinte e um
anos, caso ele tivesse partido dessa para uma melhor. Ou pior, já que, segundo
minha mãe, ele não era uma pessoa muito boa.
É, eu sei como isso soa, feito aquelas profecias em filmes de terror, o que
me leva novamente à teoria/medo de que a tal sociedade, parada no tempo, em
meio à floresta, exista de fato. Cercada por lobos altos e ferozes prestes a me
devorar, como a porcaria de um sacrifício. Porém, nem mesmo isso consegue me
convencer a me afastar do jogador de olhos escuros, que rosna à menor menção de
que algo assim possa acontecer.
É definitivo e irrevogável: estou apaixonada por Liam Ashbourne, o
quarterback charmoso e intenso, e futuro Alpha de um clã de lobos que vigia as
misteriosas florestas ao redor dessa cidade sombria.
Devo desculpas reais a todas as personagens de romances sobrenaturais
que julguei mil vezes por não terem dispensado os esquisitões territorialistas.
Como poderiam?
Bem, aqui estou eu — Harper Moon Lawson, usando um casaco preto
sobre o meu uniforme de líder de torcida, sentada ao lado de Tia Lin, que parece
um pouco enjoada no momento — assinando os documentos que me tornarão
dona de muitas terras, algumas joias e vários bens, incluindo a mansão
abandonada e tomada pela floresta, depois da chacina que abalou a cidade, anos
atrás.
Um local do qual pretendo manter distância para sempre.
Da mesma forma que não pretendo voltar a pisar no lugar bizarro em que
estamos, onde as paredes são adornadas pelas cabeças de diversos animais —
nenhum lobo, graças a Deus — e uma infinidade grotesca de bichos empalhados
nas prateleiras de madeira antiga.
— Você está bem, querida? — tia Lin questiona, preocupada, quando
termino de assinar a última folha, aceitando tudo o que, segundo o homem com
cara de rato, é meu por direito. — Está pálida...
— Fome, eu acho — comento, sob o olhar analítico do homem à nossa
frente, como se me desafiasse a falar mal do escritório do terror. — Já acabamos
aqui?
— Sim, claro. — Entretanto, ele estende algumas folhas em minha direção.
— Há um investidor local interessado em suas propriedades. — Seus olhinhos
diminutos assumem um brilho esquisito. — Essa é uma oferta bem generosa, se
pensarmos no tempo em que o lugar está abandonado e tudo o que envolve... bem,
seu passado terrível.
— Vou levar para casa e ler com calma, tudo bem? — Pego o papel, já o
enfiando de qualquer jeito dentro da mochila.
— Claro, claro. — Ele coça o queixo, sempre mantendo os olhos pequenos
em mim. — Espero vê-la em breve, Srta. Redmayne.
— Lawson — corrijo-o, já me colocando de pé ao lado de tia Lin, que
parece tão desesperada para sair dali quanto eu.
— Sim, claro. — Sentindo um calafrio em minha pele, ao apertar a mão
estranhamente quente. — Passar bem, Srta. Lawson.
Vamos as duas, lado a lado, praticamente correndo até a saída do lugar,
respirando aliviadas em conjunto, assim que chegamos à rua.
— Graças aos céus! — comento e observo quando a mulher quase idêntica
à minha mãe sorri. — Aquele lugar me dá arrepios!
— Tem algo de sinistro na quantidade interminável de bichos empalhados
naquela sala — tia Lin comenta, me fazendo lembrar de todos os pobres
bichinhos, congelados para sempre em posições horrorosas e expressões de
sofrimento.
— Ai, credo! — Espalmo minha mão sobre o peito. — Vou ter pesadelos
sobre isso, com certeza! Vai voltar para o hospital, agora?
— Vou. — Tia Lin olha para o relógio e acena para um táxi que estava
passando por nós nesse momento, observamos quando ele para junto à guia do
meio fio. — Quer uma carona para casa?
— Temos jogo, hoje, se lembra? — Aponto para o uniforme sob meu
casaco.
— Ah, claro. — Sorri, porém, parece um pouco preocupada. — Eu a deixo
na escola, então.
— Vou comer alguma coisa por aqui e depois, pego uma carona para lá,
não se preocupe. — Sorrio, ignorando a sensação, quase comum a esse ponto, de
estar sendo vigiada. — Bom trabalho, tia, e obrigada por vir comigo!
— Somos família, Harper. — Segura firme em minha mão, o sorriso
morrendo aos poucos e seu rosto assumindo um tom grave. — Você deveria
vender aquele lugar. — Sua voz é baixa e preciso me inclinar em sua direção para
ouvi-la. — Nada de bom virá para você de lá.
Como se eu não soubesse.
— Vou pensar a respeito — garanto a ela, que apenas anui e entra no carro,
acenando algumas vezes através do vidro traseiro, enquanto se afasta.
Instantaneamente, o papel dentro da minha mochila parece pesar uma
tonelada e a sensação de estar sendo vigiada segue me deixando mais alerta do que
de costume.
Estou ficando louca. É isso.
Só pode ser culpa dos malditos esquilos horrorosos, com seus dedinhos
empalhados e seu olhar de desespero, congelados para sempre naquela sala.
Olho para os lados, me certificando de que não há ninguém perigoso à
espreita e, mal dou alguns passos em direção à cafeteria no fim da rua, quando
sinto as mãos fortes me agarrarem pela cintura, porém, antes que eu grite com o
susto, tenho meu corpo prensado contra a parede, e logo, a boca exigente e
esfomeada contra a minha.
— Senti sua falta, Harper Moon — o famoso quarterback dos Warrior
Wolves, já quase pronto para o jogo de hoje, com seu uniforme, declara momentos
depois, com a testa colada à minha e o coração acelerado sob meus dedos, em uma
estreita viela vazia. — Como foi a reunião?
— Não acho que esse seja o melhor lugar para falarmos sobre isso. —
Olho para o movimento constante na rua ao lado.
— Vem comigo. — Sigo Liam, que anda rápido demais, até as margens da
floresta e, mesmo reticente, adentro alguns metros no lugar proibido, olhando
atenta para todos os cantos, até encontrá-lo sentado relaxadamente sobre a raiz alta
de uma árvore grande.
— Achei que deveria me manter longe da floresta — comento, olhando
desconfiada ao redor e saltando no lugar, quando ouço o bater de asas de algum
pássaro idiota, perto dali.
— Você deve, mas comigo está segura. — Estende a mão e me puxa para o
seu colo, enfiando o rosto no meu cabelo, e então, apoiando o queixo em meu
ombro. — Agora, aproveite que eu sou um excelente cozinheiro e trouxe um
lanche especial para você comer, enquanto me conta o que aquele advogado
esquisito falou.
Sorrio quando abre a mochila e me entrega um sanduíche com carne
desfiada e queijo derretido, enquanto faço um pequeno resumo sobre o que o tal
advogado falou e sobre a oferta de compra de um investidor local. Algo que
chamou sua atenção da mesma forma que fez comigo, embora tia Lin tenha
parecido bastante favorável a me ver livre da tal mansão.
— Mas, qual seria a relação com esses ataques? — Liam pondera em voz
alta, enquanto comemos, afastados dos olhares curiosos.
— Talvez, as vítimas tenham alguma relação — pondero. — Você disse
que turistas frequentam a floresta quase todos os dias, mas apenas alguns foram...
— Mordo o lanche delicioso, evitando pensar no que aconteceu com as pobres
pessoas que encontraram seu fim por aqui. — Se tiver alguma ligação com as
propriedades dos Redmayne...
— Farei isso. — Finaliza seu lanche e limpa as mãos no guardanapo, antes
de correr o nariz na lateral do meu rosto e puxar o ar, me fazendo estremecer. Não
de medo, claro. — Harper, hoje é noite de lua cheia.
— É? — Me viro em seu colo para observá-lo. — Vai me convidar para
vê-lo se transformar em uma fera do tamanho de um cavalo e uivar para a lua?
— Não. Meu Deus, não! — Suspiro aliviada. Não sei se estou preparada
para conhecer esse outro lado de Liam Ashbourne. Uma idiotice, eu sei, mas, nem
por isso deixa de ser verdade. — Não confio em mim, dessa forma, perto de você.
O lobo é puro instinto e eu não sei...
— Ah, meu Deus! Eu corro o risco de você fazer como aqueles cachorros,
que trepam na perna das pessoas? — Eu e a minha boca enorme. Sempre pronta
para passar vergonha, Harper. Sempre.
— Caralho, Moon! Não! — Sua gargalhada faz mais um grupo de pássaros
alçar voo. — Bem, eu espero que não. Vamos esquecer disso por enquanto, ok?
Uma coisa de cada vez, e eu ainda não confio o suficiente nele, para deixá-lo tão
perto de você.
— Não posso dizer que não me sinto aliviada — admito. — Eu meio que
tenho medo de cachorro. — Liam estreita os olhos. — Me desculpa, mas são
parecidos e peludos, com os dentes… você entendeu. — Ele revira os olhos. —
Sempre fala dele como outra pessoa. Vocês são dois? — É sempre estranho ouvi-
lo falar do lobo.
— Ainda somos. Não consigo me fundir a ele, quando sei que talvez tenha
sido isso que tenha condenado a todos nós — confessa, com os olhos fixos no
chão. — Meu pai vive sedado para se manter sob controle, Harper. Eu não quero
isso para mim.
— Ei, você não é ele. — Acaricio seu rosto e ergo-o, para que olhe para
mim, roçando meu nariz no seu, ouvindo-o suspirar.
— Se você pudesse entender… — murmura de olhos fechados — o efeito
que tem sobre mim, Harper… — Engole em seco e abre os olhos escuros, solenes
e, então, graves. — Sobre a lua de hoje: nós ficamos mais agitados e instáveis,
por isso, preciso que vá para casa logo após o jogo, ok? Eu nunca vivi isso —
estreita os braços ao meu redor — antes, e não sei como vou me comportar se
estiver em risco.
— Tudo bem, não é como se eu tivesse uma programação incrível para
essa madrugada. — Faço graça, mas ele não sorri. Ah, merda. Ele vai voltar a falar
sobre a tal festa na casa de Chad, após o jogo.
O chilique foi fenomenal, após o convite alegre de Chad, no fim da aula,
dois dias atrás. Por alguns minutos, temi pela vida do pobre garoto sorridente que
se afastava com as mãos nos bolsos do casaco, sem imaginar que dois sujeitos
com carrancas idênticas, de puro ódio, o vigiavam de longe, com a mesma
expressão assassina. Eu não pretendia ir, antes, mas com essa nova informação
sobre minha herança desconhecida, talvez seja interessante conhecer mais sobre
essas outras famílias.
Infelizmente, a parte ruim de estar saindo com um cara que tem esse
lado…selvagem, é lidar com esse senso de proteção que, às vezes, ultrapassa os
limites do bom-senso.
— Você e Vicky não irão àquela merda de festa do babaca do Chad, me
prometa. — As mãos cerradas em punho, subitamente nervoso. Será que ele
consegue ler a minha mente? — Vamos deixá-las em casa, onde estarão seguras e
longe de qualquer coisa problemática. A casa dos Graymane é zona proibida para
nós, por conta dos Acordos. — Faço uma careta para toda essa droga de acordo e
tudo o que ele envolve. — Não me faça quebrar mais uma regra, Harper. Não
quando a penalidade será nos afastarmos.
Droga de intensidade de lobo. Como não me derreter quando ele pede
algo desse jeito?
Infelizmente, eu sei exatamente como.
— Espera aí, então, vocês vão dar uma festa na Colina, onde as coisas
certamente ficarão selvagens, e suas namoradas não foram convidadas, porque é
uma das “coisas de lobo”. — Faço aspas com os dedos. — Mas não podemos ir à
uma outra festa para tentar descobrir algo que possa nos ajudar a resolver parte
desse mistério. É isso mesmo?
Recebi a notícia dessa outra festa durante o último treino, através de uma
das loirinhas que rodopiava no ar com uma facilidade incrível. Segundo ela,
apenas o time e alguns convidados especiais seriam recebidos na Colina
Ashbourne, para uma celebração do resultado do jogo. Que ainda não aconteceu,
diga-se de passagem. Um bando de convencidos.
— Namoradas? — Arregalo os olhos e sinto meu rosto esquentar. Você
fala demais, Harper. — Ei, não fique assim. — Acaricia a lateral quente do meu
rosto. — Por enquanto, esse título serve. — Desliza o nariz pela linha do meu
queixo, rindo da minha expressão mortificada. — Não vá. Não quando há um
possível alvo em suas costas e eu não posso estar por perto para protegê-la.
— Vai ficar tudo bem. Eu prometo. — Afago seu rosto e puxo seu lábio
inferior com os dentes. — Vamos deixar isso para mais tarde, ok? — Roço minha
boca na sua. — — Agora, seja apenas o quarterback gostoso e com cara de mau,
que vai ganhar o jogo e se encontrar com uma das líderes de torcida na enfermaria
vazia, enquanto as pessoas vão embora.
— Eu vou? — Abre um sorriso de lado, suas mãos percorrendo a pele das
minhas costas, exposta pelo uniforme.
— Bem, ela vai estar lá, à espera de alguém aparecer, então... — Dou de
ombros. — Se não for você, pode ser que haja outro cara com sorte...
— Nunca. — Um rosnado perigo ressoa em seu peito, antes que ele me
agarre com força. — Você é minha, Harper Moon.
E o modo como meu corpo responde à essa declaração não é algo normal.
Nem de perto.

Eu vou confessar: Ser líder de torcida não é tão ruim. Tudo bem, eu
realmente estou gostando cada vez mais de pertencer ao grupo alegre e saltitante,
que comemora cada jogada dos astros do futebol junto com a torcida e dá um
show à parte, com seus movimentos animados e rotina de dança no intervalo —
mesmo que a treinadora ainda não confie em mim para fazer qualquer coisa que
envolva saltos e todos aqueles movimentos mais complexos.
Observo o jogo, já quase no fim, enquanto Ash, com seus cabelos e olhos
escuros, escondidos sob seu capacete, aponta para o centro do campo, gritando
ordens ao resto dos jogadores, que apenas confirmam, antes de o juiz apitar mais
uma vez e a loucura recomeçar. Cada movimento seu é dissecado pela torcida, que
grita seu nome e aplaude a cada jogada finalizada ou ponto marcado. E quando
uma garota mais escandalosa grita da arquibancada, chamando o QB de “um
macho gostoso para cacete” eu preciso concordar, sem rosnar nem nada disso.
É uma simples constatação da verdade.
— Harper! — ouço alguém chamar às minhas costas e encontro Chad
próximo ao alambrado que nos separa da arquibancada. — Harper!
Recuo alguns passos e me aproximo de onde está, para poder ouvi-lo sob
os gritos da torcida. Fora sua explosão, naquela noite, pela qual se desculpou, não
tenho problema algum com ele. Além disso, depois de acabar sucumbindo a um
ataque de curiosidade pós momento intenso na floresta, com Liam, posso ter lido o
tal documento instantes antes de entrar em campo e ter descoberto que o
procurador do tal investidor no contrato é o prefeito, pai de Chad, o que me deu
mais um motivo para não ser inimiga dele agora.
Há algo de muito estranho nisso e no modo como tudo parece interligado
de alguma forma.
— Vocês vão à festa hoje, certo? — Busca confirmação com os olhos
muito claros e esperançosos. — Eu já confirmei com as outras meninas mais cedo,
mas você e a Vicky ainda não tinham chegado. Posso contar com vocês lá?
Não preciso me virar para saber que o quarterback do Warrior Wolves não
está prestando atenção ao jogo, agora, já que sinto seu olhar pesando sobre mim.
— Eu vou confirmar com a Vicky — respondo de forma diplomática — e
nos falamos depois, ok?
Talvez, a ideia de ir não seja tão ruim, ou perigosa, quanto Liam e Jasper
imaginam. Se somos herdeiras das tais famílias fundadoras, isso nos confere
alguma proteção por parte deles, certo?
— Perfeito! — Alheio à minha divagação mental, ele abre um sorriso
amplo e então, olha para o campo, divertindo-se, ao mesmo tempo em que a
plateia lamenta, quando o time perde a chance de fazer mais um ponto,
aumentando a vantagem do time adversário.
Volto para o meu lugar, e logo, Vicky me encara com uma interrogação no
olhar, a qual respondo movendo apenas os lábios, com um simples “depois”.
Minha prima assente, mas, então, ergue o queixo apontando para o campo, onde o
jogador alto está olhando para mim com seus olhos muito sérios, antes de abrir os
braços indignado e enterrar a bola no chão. Fazendo a torcida vibrar
enlouquecidamente, sem desconfiar de que sua expressão furiosa é apenas um
ataque idiota de ciúme.
Com os olhos focados nos meus, ele aponta para o centro de seu peito,
batendo continuamente a palma da mão sobre o local e eu quase consigo ouvir sua
voz rosnando um “Minha.” Reviro os olhos e sigo sacudindo meus pompons,
ignorando-o totalmente, enquanto o jogo segue e o time da casa parece ainda mais
disposto a vencer.

— Você é corajosa, Intrépida Lawson. — Mack bate no topo da minha


cabeça ao passar por mim, me fazendo sentir como se eu tivesse cinco anos.
— Boa sorte. — Jasper olha para o jogador ainda parado no centro do
campo, com as mãos apoiadas nos joelhos, visivelmente furioso, que acena
brevemente para as pessoas na arquibancada e deixa o campo correndo, em
direção aos vestiários, sem voltar a olhar em nossa direção.
— É a lua — Eli explica em um tom baixo, quando se aproxima. — Nos
deixa mais territoriais. — Seus olhos verdes se estreitam, enquanto Mack é
agarrado por duas companheiras da minha equipe.
E depois, as mulheres é que são fofoqueiras. Claro que Liam contaria aos
amigos sobre nós.
— Vamos logo, antes que o QB quebre o vestiário. — Jasper gargalha e
segue os outros até a entrada, alguns metros à frente, enquanto sigo para perto do
resto das líderes de torcida que restam ali.
— Vocês são péssimos com essa coisa de discrição — Vicky afirma ao
meu lado. — Ash parecia prestes a vir aqui e acertar a cara do Chad.
— Um exagero. — Reviro os olhos e, quando uma garota se aproxima de
nós, ainda sacudindo os pompons animadamente, completo: — Ele deve ter se
irritado com algum jogador adversário.
— É sempre assim — outra garota, uma das que salta e se equilibra nas
costas das outras, dispara. — E depois, vão beber juntos. Dizem que vai rolar festa
na Colina Ashbourne essa noite, apenas para convidados.
— Bem, o importante é não ficar em casa, não é? — respondo, como se
meu sangue não estivesse fervilhando dentro de mim. Talvez a lua interfira no
comportamento dos seres humanos também. — Vicky? Eu preciso ir pegar uma
coisa com a Sra. Briggs na enfermaria, te encontro daqui a pouco para irmos para
a casa do Chad, ok?
— Harper? Tem certeza disso? — Ela corre até mim. — Jas disse para
ficarmos em casa hoje.
— Eu sei, o recado chegou até mim também — digo a ela. — Mas, se
queremos descobrir algo que envolve nossas famílias, não seria uma oportunidade
de ouro estarmos no território deles?
— Harper... — ela adverte, mas já estou a caminho da enfermaria,
aproveitando para me misturar com um grupo que também está deixando o campo.
Eu sei me cuidar e, se Liam acha que vou ficar parada, como uma princesa
na torre, esperando para ser salva, ele não me conhece nadinha. Mas vai conhecer.
Em breve.
“Minha.”
A fera remói dentro de mim, furiosa, arranhando meu autocontrole,
enquanto ouço os passos atravessarem o corredor em direção à sala onde a espero,
ansioso feito uma fera enjaulada. Maldita lua cheia dos infernos. Inquieto,
nervoso, irritado; tento respirar fundo, antes que ela abra a porta, mas congelo no
lugar ao sentir a essência deliciosa e hipnotizante de Harper.
Controle-se, seu animal.
Ela abre a porta e, como um louco, não espero. Não conseguiria, nem
mesmo se tentasse. Apenas cedo à ânsia da fera dentro de mim, que deseja marcá-
la, para que aquele maldito folgado não se aproxime dela nunca mais. Minha —
reivindica — enquanto luto contra o instinto insano que devora meus miolos, e a
mantenho prensada contra a parede, a boca macia a poucos centímetros da minha.
— Você é minha, Harper. — Rosno em sua boca, beijando-a em seguida,
derramando nela todo o meu ciúme, frustração e necessidade. — Porra, minha!
Faltou muito pouco para eu não lançar a porra da bola na cara daquele maldito
olho grande.
— Não é com ele que eu estou agora, certo? — Abre um sorrisinho
debochado, acariciando meu rosto e fazendo um biquinho teimoso. — Se tivesse
acertado o pobrezinho, eu estaria tomando conta dele, e não aqui com você.
Travo o maxilar, odiando a memória do sorriso de Chad e tentando, sem
muito sucesso, conter o rosnado raivoso que sai da minha garganta diante de sua
ameaça.
— Porra, Moon! Não me provoca desse jeito. Não, hoje. — Meneio a
cabeça, respirando fundo em seu pescoço, sentindo meu corpo tenso se acalmar,
apenas com a sua presença. — Maldita hora que o clã decidiu fazer essa porra de
festa, mas foi algo que não pude negar a eles nesses tempos tensos. Acredite, eu
não pretendo sair do quarto, minha loba ciumenta.
— Olha só quem fala… — provoca, mas, então, fecha a cara, admitindo.
— Só que, não sou loba coisa nenhuma — responde, mordendo meu lábio inferior
com força, fazendo meu pau, já totalmente duro, se contorcer dentro da calça. — E
isso parece estar me deixando em desvantagem aqui.
Devolvo a mordida, me aproveitando do modo como seu corpo derrete em
meus braços e o perfume hipnotizante de sua excitação toma o lugar.
— Não há nenhuma desvantagem, Harper — garanto a ela. — Nenhuma
mulher, loba ou não, tem o mesmo efeito que você tem sobre mim. Entenda isso.
— Acaricio seu rosto, mantendo-a presa à parede enquanto meus lábios tocam os
seus de forma lenta e intensa, e não demora muito para que ela lance seus braços
em meus ombros e suas mãos encontrem o meu cabelo, se embrenhando entre os
fios, enquanto se entrega, como sempre faz, acalmando meu coração e
incendiando o meu corpo ao mesmo tempo. — Se continuarmos com isso, vou
acabar te fodendo contra essa parede, minha Lua. — Meu tom sofrido arranca uma
gargalhada dela, que morre quando invisto minha ereção contra sua barriga,
arrancando-lhe um gemido baixo. — Não faz ideia do esforço que estou fazendo
nesse momento.
— Liam, eu vou à festa do Graymane, hoje. — Desliza a mão de meu
ombro para o meu peito, antes de descer pelo meu abdômen, roçando os limites da
minha calça, em uma tentativa muito óbvia de me seduzir. — É uma ótima
oportunidade para fazer amizades e descobrir o que aconteceu antes. E porque o
prefeito teria interesse nas terras dos Redmayne, como descobri mais cedo.
— Boa tentativa. — Seguro firme a mão da provocadora, e trago-a até a
minha boca, beijando-a antes de prendê-la na parede, ao lado de sua cabeça.
Harper ainda não entende o que significa para mim. Quantos acordos e normas eu
destruiria para mantê-la segura. — Uma pena que não vá funcionar.
O sorriso em seu rosto aumenta e é assim que eu sei que estou com
problemas, porque não há nada que ela me peça que eu não faria o máximo para
atendê-la. Um maldito cachorro obediente, afinal.

Há algo errado.
O aviso ecoa dentro de mim, me deixando ainda mais inquieto, enquanto
observo a fumaça da grande fogueira que fizeram em uma clareira da floresta,
alguns quilômetros à leste. O som da música chega baixo ao meu quarto, mas
minha mente permanece em alerta.
Fecho as mãos com força, sentindo as garras pronunciadas cortarem as
minhas palmas, enquanto encaro o maldito telefone sobre a cama. Nenhum sinal
de Harper. Aquela filha da mãe teimosa! Respiro fundo e volto a caminhar de um
lado ao outro do cômodo apertado, sentindo as vibrações da música, somada aos
meus passos, enquanto as paredes que me cercam parecem se fechar e ameaçam
me sufocar.
“Me deixe sair.” O lobo exige, se remexendo, tão incomodado quanto eu
pela falta de resposta e pela sensação renitente de que há algo de errado prestes a
acontecer. “Me deixe sair!”
Que porra de loucura! E não tem sido assim, a minha vida, nos últimos
tempos?
Me jogo de costas na cama e, olhando para o teto, eu espero. Harper tem
razão, ela não é a porra de uma princesa na torre, ela é uma rainha. Linda e
teimosa, que vai me fazer infartar antes dos trinta com toda a sua encantadora
impetuosidade. Mas quem seria eu, para proibi-la? Ainda mais quando ela sabe
exatamente o que fazer para que eu a obedeça, como um maldito cão adestrado?
Ouço o som de passos pesados subindo as escadas, cruzando o corredor e,
quando a porta do meu quarto se abre, estou sentado na cama, novamente em
alerta. E os olhos de Jasper revelam o que a minha intuição está berrando dentro
de mim há quase duas horas.
Meus olhos se encontram com os seus, tensos, observando-o segurar com
força o celular ainda aceso em sua mão.
— Há algo de errado — avisa, seus olhos inquietos e injetados de ódio. —
Não posso mais ficar aqui parado, Ash.
Somos dois.
Meu plano era bem simples: entrar na casa, ser simpática com todo mundo
e fazer amizades enquanto vasculho o lugar em busca de algo que pareça...
suspeito ou que possa me levar à uma pista sobre o tal investidor local. Nos
cinemas e nos livros, isso costuma funcionar bem, mas na vida real? Sempre tem
uma alma desaplaudida para irritar a gente e arruinar nossos planos de simpatia
forçada e de se misturar em um ambiente estranho, e um tanto luxuoso demais
para os meus parâmetros.
Eu juro que tem mais garçons do que convidados nessa festa. E foi graças a
um deles, um senhor gentil e bem apessoado, apesar do tique nervoso que o fazia
piscar constantemente um dos olhos, que consegui encontrar esse banheiro que
deve ter o tamanho do nosso antigo apartamento na capital.
Depois de uma última encarada no espelho, apenas para constatar que não
consegui remover toda a mancha vermelha e horrorosa do uniforme
predominantemente branco, provocada por uma garota insuportável do curso de
administração, que derramou “acidentalmente” seu drink na novata que atraiu a
atenção de seu crush: Eu.
— Pelo menos, combina. — Esfrego o corante impregnado nas letras
bordadas do cropped branco, arruinado pela bebida de cheiro enjoativo. — Podia
ser pior. Azul ou verde.
Apago a luz forte e, com uma última encarada incrédula na banheira de
hidromassagem, já resignada pela peça de roupa arruinada, ouço o som de uma
gargalhada digna de filmes de terror, próxima dali.
No fim do corredor, em outro cômodo do segundo andar da mansão
Graymane, a luz amarelada e um pouco de fumaça fedorenta escapam pela porta
entreaberta, assim como as vozes masculinas altas. Começo a prestar atenção à
conversa, prendendo o ar enquanto me aproximo vagarosamente pelo corredor
acarpetado.
— ... não pode estar falando sério. — Não reconheço a voz, mas pelo tom
enrouquecido, deve ser o dono do charuto fedorento. — Está falando de...
— Aniquilação. — A voz maliciosa e fria faz os pelos dos meus braços se
arrepiarem. — Eu mereço reparação, Graymane. Mas não voltei apenas por
vingança, é claro. Quero construir uma cidade melhor e mais evoluída, sem esses
malditos cães com seu pensamento antiquado e ridículo.
E foi assim que, procurando por qualquer migalha de informação,
encontrei ouro. Em silêncio, me encosto à parede, a uma distância segura da porta,
é claro, e sigo prestando atenção à conversa do prefeito Graymane — pai de Chad
— e o suposto vilão terrível da nossa história.
— Sonhei em nos livrar dessas pragas a vida toda — o prefeito, agora eu
sei, afirma. — Mas não acho que outra chacina vá nos tornar melhores.
— Me ajude a tomar aquelas terras e, então, deixe o resto para mim e para
os meus. Eles estão famintos por isso, acredite. — De olhos arregalados e com a
respiração presa na garganta, ouço o exato momento em que, dentro da sala, ele
puxa o ar com força, antes de anunciar, interrompendo Graymane, que ainda tenta
dissuadi-lo. — Não estamos sozinhos... Há um ratinho curioso atrás da porta.
Droga!
Desesperada, corro para longe dali, descendo as escadas da mansão de
novela em um fôlego só, sem nunca olhar para trás e tentando desesperadamente
me misturar aos demais convidados ali. Meus olhos procuram rapidamente por
Vicky, não a encontrando em lugar algum, mas sinto o exato momento em que os
homens terríveis, que conversavam no escritório, param no mezanino, em busca
do tal ratinho fujão. E me aproximo mais de Kat, outra colega de equipe, que
conversa animadamente com Mia
— Vocês viram a Vicky? — Tento manter meu tom de voz normal. — Eu
molhei meu uniforme e preciso ir para casa.
— Nossa, Harper, que merda! Essas bebidas costumam manchar muito —
lamenta. — Sobre a Vicky, eu tenho quase certeza de que ela estava conversando
com Chad e uma das garotas há alguns minutos, perto da varanda.
— Obrigada. — Olho para cima, por sobre o ombro, enquanto me afasto e
me viro imediatamente para frente, ao ver que o homem alto de cabelos claros
com olhos duros e metálicos me observa, entretido, como se soubesse que era eu
lá em cima.
— Por aqui, senhorita. — O garçom de antes se aproxima, materializado
sei lá de onde, indicando um espaço entre a escada e um cômodo iluminado, de
onde o som de pratos e copos se chocando contra as bandejas pode ser ouvido. —
Creio que queira tomar um ar do lado de fora. — Aponta para onde acredito ser a
cozinha. — Você terá privacidade até o portão, se seguir junto à construção.
— Quem é... como... — Olho para ele, que volta a piscar para mim.
— Um aliado. — Ele curva a cabeça e assente brevemente, como se
conseguisse ver além. — Vá. Se mantenha na sombra da casa. Vou encontrar a
garota Miller agora, a carona de vocês está a caminho.
E então, sai andando, como se nada tivesse acontecido.
Sigo seu conselho e entro na cozinha, atravessando-a rapidamente,
fingindo uma naturalidade que, definitivamente, não sinto. Me mantenho sob as
sombras da casa, como sugeriu, mas logo, me deparo com dois homens
conversando diante de um recuo na parede, antes de correrem em direção a uma
espécie de porta lateral, como se tivessem sido convocados. Apresso o passo e
corro até alcançar uma sombra extensa sob a varanda do segundo andar, de onde já
consigo ver a guarita, logo depois dos carros estacionados na pequena estrada
diante da casa.
Falta pouco agora.
— Ela está em algum lugar dessa propriedade — a voz do homem que
dialogava com o prefeito afirma — eu posso sentir seu cheiro daqui. Encontrem e
tragam-na para mim. Viva.
Um rosnado baixo faz meu corpo inteiro tremer e porcarias de holofotes
são ligados, iluminando o caminho até os portões, e até mesmo os jardins bem
cuidados, como se fosse dia.
Maldição!
Com o coração batendo nos ouvidos e prestes a sair pela boca, corro para o
único lugar que pode me oferecer algum esconderijo nesse momento. Embora seja
tão, ou mais, perigoso do que cair nas mãos do vilão misterioso que,
aparentemente, pretende dizimar os lobos da cidade.
É assim que, tremendo dos pés à cabeça, ainda vestida apenas com o
uniforme manchado e curto de líder de torcida, deixo minhas coisas para trás e
corro para dentro da floresta. Me embrenhando em meio às árvores altas e
fugindo, como se minha vida dependesse disso.
Estou correndo há, pelo menos, uns dez minutos, quando ouço os
primeiros uivos terríveis. Olho para mim mesma, rindo da situação de merda em
que me encontro, antes de pegar o telefone — que tem um sinal péssimo no meio
das árvores — e discar o número da única pessoa que pode me ajudar e que, no
final das contas, tinha razão quando me mandou ficar em casa.
— Liam? Eu estou em perigo. — Mais um uivo alto em meio à floresta
escura, muito mais perto de mim agora, me faz acelerar o passo, cogitando escalar
uma árvore, enquanto Liam, que parece ter ouvido, xinga desesperado do outro
lado da linha e pergunta repetidamente onde estou, apesar das falhas na ligação. —
Na floresta. E não estou sozinha. Eles estão vindo atrás de mim. Liam, me perdoa,
eu…
Maravilha! Reviro os olhos para o aparelho totalmente inútil nesse
momento, graças à falta de sinal, e o enfio dentro da blusa, antes de correr para
longe dos animais uivantes. E dos homens armados que, à essa altura, também
devem estar vasculhando o lugar à minha procura.
Qual seria o protocolo de fuga, quando se tem lobos famintos e capangas
perigosos correndo na merda da floresta, dispostos a capturar você?

Era apenas mais uma noite — é o pensamento recorrente em minha mente.


Desesperada, com as mãos trêmulas e ainda sem acreditar que algo assim
esteja realmente acontecendo na vida real, eu corro. Corro com todas as minhas
forças através da floresta, tentando me desviar dos galhos baixos que arranham
meu rosto e meus braços, enquanto o lobo de pelos brancos, saído diretamente dos
meus pesadelos, me persegue de perto, rosnando e uivando de tempos em tempos,
com os dentes enormes e ameaçadores cada vez mais próximos de mim.
A lua cheia ilumina parcamente o caminho, fachos cada vez menores de
claridade no meio da floresta, que parece se fechar cada vez mais ao meu redor, ou
talvez, seja só o medo falando mais alto.
O lobo rosna de novo, ainda mais perto, aumentando meu desespero.
Apavorada, consigo até mesmo antecipar a dor do que acontecerá comigo se ele
conseguir me alcançar. Suando frio, enquanto os músculos das minhas pernas
queimam e falham, como meus pulmões, tropeço em raízes, pedras e em mim
mesma. Um grito escapa da minha garganta quando um uivo terrível atravessa o
lugar, como uma promessa velada de que, não importa o quanto eu fuja, me
encontrar é apenas uma questão de tempo.
Ignoro a dor das minhas mãos feridas, o ardor em meus joelhos e, quando
caio mais uma vez, vejo sangue. Não, não! Sangue, não! Me levanto rapidamente
e, assim que olho para trás, não vejo mais a fera que me persegue, mas não paro de
correr, não agora, quando não sei mais onde está.
Corra, Harper, corra! A angústia me consome e, envolvida em minha
necessidade de escapar, com o coração a mil, tropeço de novo entre as raízes altas
de uma árvore frondosa. Quando algo pontiagudo acerta a lateral da minha cabeça,
sinto-a girar por um momento, antes de ouvir os sons de algo se partindo sob pés,
— ou patas, provavelmente — que se aproxima de mim.
É isso: Ele me encontrou. É o meu fim.
Ainda tonta, choramingo, mas não me entrego, agarro com força na
primeira coisa que encontro — uma pedra — e estou prestes a me levantar,
quando a luz da lua retorna, me permitindo vê-lo parado ali, à minha frente, com
suas roupas pretas de sempre e o sorriso debochado e irritante em seu rosto, quase
perigoso, mas, ainda assim, lindo, como os monstros dos meus pesadelos.
— Encontrei você. — Os olhos de Liam me encaram, totalmente escuros
dessa vez, inumanos.
Ele para, as narinas se dilatando enquanto ele fareja o ar ao redor, rosnando
feito uma fera ao sentir algo mais por ali, e então, em um gesto tipicamente seu,
me puxar para os seus braços, afundando o rosto em meu cabelo, antes de começar
a me puxar pela mão, notando as garras escuras que se projetam de seus dedos.
— Precisamos sair daqui. — Apesar da voz ser a mesma de sempre, o tom
inflexível e estranho o faz soar como outra pessoa. — Agora.
— Vo-você é ele — murmuro baixo, compreendendo.
O homem alto que me puxa pela mão, tão semelhante e, ao mesmo tempo,
diferente do quarterback que passei a conhecer bem, para no lugar; voltando os
olhos totalmente negros para mim. Lindo e terrível, mas não consigo sentir medo
nesse momento, apenas… confiança.
— Sim, Escolhida — a voz concorda, quente e intensa, antes de inspirar o
ar ao nosso redor mais uma vez — o Alpha.
Alguns minutos antes...

Perdi a porra da cabeça.


Estava a caminho da porcaria da mansão Graymane quando tive que parar
a moto para atender ao telefone. A voz apavorada de Harper, seguida do uivo
maldito de um lobo, foi a gota d’água para que eu me perdesse. Não levou mais do
que dois minutos para que eu entrasse de moto e tudo pela floresta, pilotando feito
um louco, enquanto farejava o cheiro único que pertence a ela.
O único problema é que eu nunca estou sozinho. E, agora, no comando das
minhas ações e do meu corpo, com as garras pronunciadas e as presas
pressionando meus lábios, está o Alpha, que se valeu do meu descontrole e
assumiu minhas ações. Estranhamente, sem ousar me subjugar ou se transformar
totalmente.
“Ela não entenderia. Não ainda.”
Rosna dentro da minha mente.
E eu permito. Pela primeira vez, deixo que ele tome conta enquanto
vasculhamos cada centímetro da floresta, seguindo o rastro de seu cheiro. A
pulsação intensa e desesperadora em algum lugar próximo, nos fazendo correr
ainda mais rápido — meio homem, meio bicho — em busca da razão de nossa
existência.
Quando a mata se torna fechada, abandonamos a moto e seguimos a pé,
disparando enquanto os indícios de sua presença se tornam cada vez mais claros e
ouvimos o uivo de Mack, há alguns quilômetros daqui, sendo respondido por Eli
logo em seguida, um pouco mais perto de nós.
“Ela está perto...” A voz rascante avisa, enquanto erguemos a cabeça,
puxando o ar com força. Seu perfume cítrico invadindo nosso corpo. “O maldito
também.”
Um uivo forte e ameaçador irrompe da minha garganta, uma ordem direta
para que avancem e cacem os malditos invasores, sendo imediatamente
respondido pelo resto da minha alcateia, embora eu não esteja em minha forma de
lobo, algo que nunca havia acontecido antes.
“Somos capazes de muitas coisas juntos. Quando formos um só, eles não
terão chance. Aceite, Liam.”
Não.
A gargalhada fantasmagórica ainda ecoa em minha cabeça quando a vejo,
ferida e amedrontada, agarrando uma pedra pontiaguda, pronta para se defender —
observamos com orgulho. Implacável e linda. Mesmo que o fedor do medo e da
incerteza dominem o ar, o perfume cítrico feminino, tão marcante quanto sua
dona, ainda predomina ao seu redor.
— Encontrei você.

Me deixe sair! — imploro ao maldito Alpha, sentindo-o ceder quando nota


o medo nos olhos claros que parecem conter constelações, de tão brilhantes e
intensos, fixados em nós. Por ela.
“Em breve, seremos um” — promete.
Sacudo a cabeça, voltando ao controle novamente e logo, a trago para o
meu peito, inspirando seu perfume, sentindo o alívio me invadir instantaneamente.
Harper se afasta devagar, seus olhos me sondam preocupados, antes de tocar meu
rosto.
— Liam? É mesmo você? — a voz fraca questiona.
— Sou eu, Moon — garanto a ela. — Antes também era, mas uma outra
versão, eu acho. Me perdoe por assustar você, eu nunca... — ela cola a boca na
minha, encerrando meu discurso idiota. — Porra, Harper, eu avisei para ficar
longe da floresta, não foi? — o tom de crítica e a fúria marcando minhas palavras,
enquanto a ajudo a se erguer, observando enquanto ela estremece por conta do
vento frio da noite. Teimosa para um caralho. — Mas é claro que não me ouviu.
Quem fez isso com você? Chad...
— Eu... — ela nega com um gesto e então, começa a explicar, seu rosto
genuinamente apavorado. — Eram lobos. Vários. Eu estava fugindo da mansão e,
Liam, eu estava ouvindo atrás de uma porta... o prefeito… ele está envolvido. Mas
fui flagrada, e então, eu corri. Havia um homem lá, ele mandou me prenderem
viva. Sem outro caminho, corri para a floresta, mas os lobos apareceram e eles...
— Estremece, as lágrimas escorrendo pelo rosto bonito. — O modo como me
olhavam parecia...
Porra. Vou matá-los. Todos eles.
— Como era a pelagem deles? Brancos? — ela concorda. Merda! —
Talvez, agora, você me ouça. Eu quase enlouqueci, Harper. Se algo acontecesse a
você… — Ela revira os olhos, mas não diz nada, seu corpo oscilando pela
descarga de adrenalina de antes. — Vamos sair daqui e conversar em outro lugar.
E, dessa vez, ela não tem uma de suas respostas espirituosas que me faria
rosnar de raiva. Não. Dessa vez, ela aceita a minha jaqueta de couro em volta dos
seus ombros enquanto a pego no colo, observando orgulhoso quando se aconchega
a mim, de olhos fechados, as mãos agarrando firmemente o tecido da minha
camisa, em busca de segurança, ao passo que a carrego para longe dali, fazendo a
fera dentro de mim suspirar, tão satisfeita quanto a porra de um filhotinho.
Você não faz ideia do quanto significa para mim, Harper Lawson.
Enquanto caminho para fora da maldita floresta, alerta a tudo ao redor,
catalogo os cabelos escuros caídos em seu rosto, escondendo um arranhão em sua
testa. Algo que a maldita roupa curta não faz, para disfarçar os ferimentos leves
em suas pernas pálidas. Interrompo a minha conferência, apenas para olhar por
sobre o ombro, e ver o grande lobo amarronzado que se aproxima devagar,
fazendo questão de encostar os pelos grossos em mim, pedindo permissão, antes
de farejar a mulher inconsciente em meu colo, se certificando de que não foi ferida
de forma mais grave.
Entendo sua preocupação. Vicky ainda segue lá fora, em algum lugar.
— Harper? Não abra os olhos agora, mas Jasper precisa saber sobre Vicky
— digo à garota, que se remexe em meu colo, mas obedece, mantendo os olhos
fechados. Já foi muito para uma noite, eu acho.
— Havia esse homem, um garçom, eu acho — responde a voz fraca — ele
me levou ao segundo andar, e então, me ajudou a escapar. Disse que era um
aliado. Antes que eu saísse, falou sobre procurar Vicky, mas eu não sei... — ela
chora, preocupada. — Eu procurei por ela antes, mas não a encontrei, Jas. Me...
me perdoe.
— Está tudo bem, amor — garanto a ela. — Nós vamos encontrar Vicky
logo.
Quando os olhos castanho-claros buscam os meus, aquiesço, confirmando.
Vamos ficar bem. Jasper, então, lambe o rosto de Harper de fora a fora, tentando
consolar a amiga, que grunhe ao sentir o toque áspero e úmido; ao mesmo tempo
em que um rosnado tão inumano quanto se viesse dele, deixa a minha garganta.
Uma reação exagerada e totalmente desproporcional.
— Leve Eli com você, e Mack — o lobo de proporções gigantes confirma.
— Não entrem no território deles, mas fiquem à espreita. Mande Brennan até o
centro, assim que anoitecer totalmente e peça que vigie o perímetro. Nós vamos
encontrá-la, Jas. Estou logo atrás de vocês.
Meu amigo confirma mais uma vez, farejando ao redor, e então move a
cabeça, garantindo que estamos bem, antes de sair correndo, disparando em
direção à área próxima à mansão Graymane para buscar por Victoria. Seus uivos
fazem Harper estremecer em meu colo.
Descontrolado, trêmulo e inquieto, carrego-a em meu colo, tentando me
manter sob controle até tê-la a salvo.
— Nós vamos encontrá-la — garanto a ela. — Eu prometo.

A floresta sombria à nossa volta parece mais silenciosa do que de costume,


como se esperasse ansiosa por algo mais que pudesse acontecer ali, enquanto
seguimos a caminho da minha moto. Com Harper ainda em meus braços, tento
conter o medo e a inquietação que ameaça me dominar a cada passo. Minhas mãos
tremem levemente e consigo sentir seu coração acelerado, como se ela também
entendesse que há algo de errado.
— Vai ficar tudo bem — garanto a ela, mesmo quando ouço o som das
patas correndo através das árvores, claramente em nossa direção. — Vou te
proteger. Eu juro.
Olho ao redor, em meio às árvores altas e cobertas pelo musgo, o cheiro da
terra molhada enchendo minhas narinas, enquanto a lua cheia lança sua luz sobre
nós através das copas das árvores. As sombras ao nosso redor vão criando imagens
inquietantes e terríveis.
A aproximação dos passos me faz aumentar a velocidade das minhas
passadas, tentando evitar um possível embate na presença de Harper. Eu preciso
mantê-la segura, mas, para isso, não posso permitir que me transforme na frente
dela. Como ela reagiria ao me ver dessa outra forma?
Meus instintos, cada vez mais afiados e alertas, reagindo ao perigo
iminente. Logo, alguns rosnados soam próximos e, dessa vez, sei que não
pertencem aos meus.
Caralho de noite!
Quando finalmente alcançamos a clareira na qual deixei minha moto, sinto
meu coração afundar. Ao longe, eu os vejo. Cercando o veículo, apenas esperando
pela nossa chegada.
Caí na porra de uma armadilha!
Harper arregala os olhos, agarrando minha camisa com mais força
enquanto a coloco cuidadosamente no chão, observando-a balançar a cabeça de
um lado ao outro em uma negativa.
— “Não, Liam”. — Seus lábios suplicam, sem emitir nenhum som.
— Não posso me transformar com você aqui. — Seguro seu rosto,
murmurando em seu ouvido, o mais baixo que consigo, embora tenha a certeza de
que eles já sabem que estamos aqui. — Eu vou ficar bem, mas preciso que corra
para longe, Harper. — Meus olhos buscam os seus quando aponto para uma trilha
entre as árvores, à oeste. — Nessa direção, você vai chegar à Colina, vá até o meu
quarto e me espere lá. — Seus olhos, úmidos pelas lágrimas, tentam ver além de
mim. — Eu vou estar logo atrás de você, mas precisa ir. Agora.
— Tudo bem. — Olha para mim com determinação, mas também com
medo em seus olhos brilhantes. — Mas você me fez uma promessa.
— Vá, Harper Moon. — Toco minha testa com a sua, desejando que essa
não seja a última vez. — Por favor.
E, por ser Harper, ela sempre surpreende. Dessa vez, segurando firme em
meus braços e colando mais seu corpo ao meu, erguendo-se nas pontas dos pés.
— Alpha, — Arregalo os olhos, surpreso ao ouvi-la sussurrar em meu
ouvido. — Eu sei que está aí. Extermine todos eles e o traga de volta. Traga vocês
dois de volta para mim.
Como se evocado por uma porcaria de encanto, sinto-o fluir por mim, seu
poder correr dolorosamente pelas minhas veias e o calor característico, que sempre
precede as transformações, arder em todo o meu corpo. Mais forte e intenso dessa
vez.
— Saia daqui, Harper. Agora! — a última palavra, nada mais do que um
rosnado animalesco, enquanto assisto à garota linda correr e desaparecer por entre
as árvores. Obedecendo, para variar. Não demora muito para que os outros lobos a
ouçam, e menos tempo ainda para que me encontrem — mas, agora, totalmente
transformado no seu pior pesadelo.
Aos poucos, os dois menores se aproximam, medindo minha força,
enquanto mantenho os olhos fixos no maior deles — claramente, seu líder, pela
postura e tamanho mais avantajado do que os primeiros.
“Que eles venham.” O Alpha chama, agitado, afundando as patas no chão,
exigindo liberdade e controle.
Um deles se aproxima, rosnando e mostrando suas presas afiadas, tentando
me distrair enquanto o outro certamente pretende se aproveitar e tentar alcançar
Harper, que corre rápido como o vento na direção que indiquei antes. Com um
uivo, os dois lobos brancos menores atacam — o primeiro deles, sedento e
precipitado, buscando minha jugular e sendo abatido rapidamente, com uma ferida
aberta na altura do pescoço. Enquanto empurro o outro para longe com minhas
patas traseiras.
Caído, ele ainda choraminga, mas pelo sangue que escorre da ferida aberta,
não sobreviverá muito mais tempo sem socorro. O segundo deles, furioso, corre
até mim. Dessa vez, de forma mais cuidadosa e, enquanto nos enfrentamos,
mantenho os olhos fixos no último, mais branco e imponente, que avalia tudo com
seus grandes olhos dourados.
Seu comparsa investe contra mim e consegue acertar meu abdômen,
rasgando-o, mas não consegue aguentar muito mais tempo depois que mordo forte
a sua garganta, arremessando-o longe, mais uma vez. Não vou até ele para conferir
o estrago, porque percebo que, durante a luta, perdi o maldito maioral de vista; e
só noto que está correndo na direção de Harper quando farejo o ar à sua procura.
Disparo pela floresta, nossos uivos de desafio ecoando pelo lugar conforme
corremos por entre as árvores, em uma espécie de dança mortal, desviando dos
golpes afiados um do outro, caindo e nos levantando, sempre que um de nós
consegue atingir o adversário. Meus sentidos seguem aguçados, e quando paro,
sentindo o ardor em meu flanco direito — provavelmente, sinal de algumas
costelas quebradas — noto, pela primeira vez, que ele manca levemente, talvez um
ferimento de alguma batalha anterior.
Com essa vantagem em mente, espero o momento certo e, quando ele volta
a se aproximar, tentando alcançar meu pescoço, me ergo em um movimento
rápido, acertando uma mordida em sua perna ferida.
Uivando de dor, ele se afasta, cambaleando e deixando um rastro de sangue
no caminho, buscando por uma oportunidade de fugir, entretanto, eu o mantenho
sob minha mira, em alerta para qualquer movimento repentino, rosnando a cada
tentativa sua de se livrar de mim.
Me preparo para encerrar essa porcaria de luta, mas uma pontada aguda de
dor em meu abdômen, revelando a ferida aberta ali, que sangra profusamente,
começa a cobrar seu preço. O maldito invasor que parecia ter aceitado seu destino,
se aproveita da minha hesitação e avança sobre mim, me derrubando no chão,
enfiando suas garras no corte profundo e abrindo-o, antes de correr para longe
daqui, deixando apenas o rastro de sangue fresco por onde passa.
Harper está a salvo — repito a mim mesmo, sentindo o sangue se alastrar
sob meu corpo, volto à minha forma normal. Totalmente nu, agora, seguro firme a
ferida aberta em meu tronco e tento conter o sangramento. E, apesar da dor intensa
em toda parte, me forço a ficar de pé, mancando um pouco, enquanto sigo
determinado a chegar até ela, cumprindo a minha promessa. Nem mesmo a dor
sufocante me impediria de fazê-lo. Mas caio alguns passos à frente, incapaz de
conseguir seguir em frente.
Não sei quanto tempo se passa, mas sinto o toque quente de suas mãos e as
lágrimas salgadas em minha boca, o que me deixa alerta o bastante para abrir os
olhos, encontrando-a ali. Seus olhos arregalados de preocupação percorrem meu
corpo, antes que ela volte a tocar meu rosto com as suas mãos.
— Meu Deus, Liam! — Chora assustada. — O que fizeram com você?
— Estou bem — murmuro, ofegante. — Você precisa ir. Por favor. Eu
posso cuidar de mim mesmo.
— Sério, mesmo? — Estreita os olhos. — Não vou te deixar sozinho. Vem,
vou te ajudar a se levantar — sua voz determinada me diz que não aceitará uma
negativa e, nesse ponto, não sei se poderia negar. — Coloca a sua jaqueta, tá muito
frio aqui.
— Minha — resfolego de dor ao tentar rir — nudez te incomoda, Srta.
Lawson?
— Muito cedo para brincadeirinhas, Liam — responde, olhando por sobre
o ombro, quando um novo uivo, forte e furioso explode em algum lugar da
floresta.
Infelizmente, não tão longe de nós.
— Harper, minha Lua, você não deveria ter voltado. — Me apoio em uma
árvore, parando. — Eu vou atrasá-los, vá embora. Por favor.
— Eu não vou te deixar sozinho! — Cruza os braços. — Você fica, eu fico.
— Porra! Harper… — Afrouxo o aperto da minha mão na ferida e uma
golfada de sangue cai no chão, para terror da garota ao meu lado.
— Meu Deus! — Ela volta para perto, colocando meu braço sobre seu
ombro. — Tem uma cabana de caçadores abandonada, um pouco mais à frente.
Vamos nos esconder lá, ok?
Porra, se eu ainda não fosse perdidamente apaixonado por ela, nesse
momento, teria acontecido. Corajosa, incrível e minha. Sentindo meu peito se
apertar em uma onda de gratidão por tê-la encontrado, mesmo que tenha mudado
tudo e que isso possa significar muita dor e tristeza em algum momento. Tenho
certeza de que qualquer tempo ao seu lado vai fazer tudo valer a pena.
Liam não parece nada bem.
Deitado sobre uma espécie de pele de algum bicho — que eu espero muito
que não tenha sido um lobo, ele está com um corte muito profundo um pouco
acima da linha do umbigo, e o sangramento ali é bem preocupante, apesar de ele
não admitir que está sentindo dor, se fazendo de machão forte, enquanto tento
encontrar alguma coisa aqui para estancar o ferimento.
— Vem aqui. — Estende a mão, fazendo uma careta, porque certamente
seu braço esticado também está ferido. — Harper Moon, venha aqui.
Seguro sua mão gelada e minha preocupação dobra. Não bastasse estarmos
cercados pelas feras saídas do inferno, uivando do lado de fora, ainda não tive
tempo de procurar direito por nada que possamos usar para fazer algo sobre a
situação terrível do jogador deitado sobre a pele empoeirada.
— Estamos bem. — Engole em seco e sorri. Poxa vida, ele realmente tinha
que ser tão bonito, até mesmo estropiado? — Logo, os outros virão, ok?
— Sim, mas precisamos estancar esse sangramento, Liam. E preciso
limpar você.
— Eu só preciso de você comigo. — Exala baixinho, fechando os olhos.
— Viu? Muito mais simples. — Engole em seco mais uma vez. — Ou não.
Considerando tudo.
— Por favor, me deixa cuidar de você — peço, acariciando seu rosto,
notando como inclina a cabeça, buscando meu toque. — Eu vou procurar alguma
coisa que possamos usar para te limpar e já volto.
Beijo sua testa e me afasto, encontrando uma lamparina antiga e
empoeirada, mas que ainda tem um pouco de combustível.
— Temos luz! — comemoro e, deitado na cama, no centro do cômodo, ele
ergue um braço em celebração. — Agora, vamos tentar encontrar alguma coisa
limpa e... Uma mina de ouro! — Abro uma gaveta cheia de panos de prato muito
branquinhos e limpos. Pelo menos, espero.
E sobre a geladeira, um kit de primeiros socorros bastante completo, porém
antigo e com todos os medicamentos fora da data de validade há pelos menos
cinco anos. Vamos trabalhar com o que temos, não é?
— Você parece estar corando sob essa luz — Liam, com metade do corpo
coberto apenas por sua jaqueta de couro, comenta. — Eu amo te ver assim.
— É, eu já notei. — Sorrio, enquanto começo a embeber alguns panos
branquíssimos em whisky, uma das únicas coisas que temos em abundância por
aqui. — Quer um gole? Nas séries de época, as pessoas usam quando precisam
fazer cirurgias sem anestesia e essas coisas.
— Pretende me operar, Harper? — O modo como sorri me assusta. Ele
está enfraquecendo rápido demais por causa da perda de sangue. Preciso fazer
alguma coisa, rápido. Penso, enquanto pego o kit de sutura, agradecendo a Deus
pelo caçador precavido, e deixo dois envelopes com os fios de Nylon separados.
— Talvez... — brinco e deslizo o pano embebido em álcool, a considerar o
cheiro forte que exala da garrafa, pelos seus braços e pescoço, observando os
cortes pequenos, antes de deslizá-lo pelo seu peito tatuado e ouvi-lo trincar o
maxilar. — Mas, aí, teremos um problema, porque não sou veterinária.
Dessa vez, nós dois rimos da minha tentativa de fazer piada. Puxo o ar em
seguida, exalando de forma entrecortada.
— Isso vai sarar logo, não se preocupe — ele diz isso, porque não vê o
sangue escorrendo pela lateral da cama. — Nós, lobos, cicatrizamos mais rápido.
— Não se estiverem mortos por causa da perda de sangue — resmungo,
pegando o frasco de antisséptico vencido, dentro da caixa meio enferrujada. —
Deixe-me fazer isso, por favor. — Fecho os olhos quando ele segura firme a
minha mão. — Me perdoe, Liam, é tudo culpa minha. Eu faço tudo errado... se eu
não fosse tão teimosa ...
— Não. — Ergue a mão e a encaixa no meu queixo. — Estamos juntos
nessa, certo? Eu faria qualquer coisa para te proteger. Além disso, precisa me
contar sobre o que descobriu na casa do Babaca II — O quarterback corajoso faz
uma careta para o instrumento que tem um formato parecido com um anzol. —,
enquanto me costura.
Observo as extremidades de pele repicada do corte profundo, com
aproximadamente vinte e cinco centímetros, em sua barriga, de onde o sangue
vermelho e grosso flui, apesar dos meus esforços para estancar o sangramento.
Você consegue, Harper. Firmo a mão e pego o frasco do antisséptico.
— Isso pode arder um pouco — aviso, antes de desenroscar a tampa e
derramar o líquido amarelado em toda a extensão do corte para limpá-lo, antes de
usar um chumaço de gaze para enxugar mais o corte e deixá-lo mais à mostra.
— Puta merda! Ardendo para um caralho! — grita, chiando. — Vamos
logo com isso, Harper.
— Me desculpa! — Pego o fio de Nylon no kit e respiro fundo, antes de
pinçar uma das extremidades da pele, enquanto Liam segura firme nas laterais da
cama e eu sigo suturando seu corte, pensando nas vezes em que precisei ajudar
minha mãe com as cortinas.
Uma péssima comparação, eu sei.
— Acabei lendo o contrato, antes do jogo, e descobri que o prefeito é o
procurador do tal investidor local, e isso acendeu uma dúvida grande na minha
cabeça. — Liam mantém a mandíbula travada conforme sigo fechando o corte da
melhor maneira possível, enquanto ouvimos garras arranhando o telhado de
madeira e o uivo impaciente da fera do lado de fora.
Ainda bem, a casa parece bastante sólida e me certifiquei de cercar cada
entrada e saída com o máximo de coisas que eu consegui arrumar por aqui. Não
sei o que faria a esse ponto, se um deles encontrasse uma forma de invadir a
cabana.
— Então, fui à festa, e havia esse garçom, ele acabou me levando ao
segundo andar para limpar a bagunça que uma colega sua, de sala, fez na minha
blusa.
Ele ergue uma sobrancelha, mas continua segurando firme na madeira da
cabeceira. Quando termino minha obra de arte e volto a borrifar o antisséptico,
notando que o sangue já não sai mais naquela quantidade absurda, ele arqueja de
dor, travando o maxilar e mantendo os olhos firmes nos meus, como se buscasse
por forças em mim.
— Puta que pariu! — reclama entredentes. — Eu vou matar aquele lobo
maldito.
Ele tenta manter o clima leve, mas a respiração descompassada denuncia a
dor que sente, embora ele tente esconder de todo modo. Tudo para manter sua
pose de malvadão.
— O prefeito Graymane estava falando com alguém naquela sala, Liam.
Alguém perverso. Eles têm uma espécie de plano para aniquilar vocês. — Ergue
uma sobrancelha, pensativo. — Os lobos. Ele falou algo como “uma nova cidade
sem os cães”.
— Aquele maldito prefeito, traidor do caralho! — rosna quando termino de
limpar a ferida já suturada, sacudindo o estrado da cama, que range sob seu corpo.
— Mas que filho da puta! Ele e aquele playboy fura-olho de merda!
Ergo os olhos, repreendendo-o silenciosamente, e pressiono a compressa
que fiz com as gazes que encontrei — tecido não tem vencimento, certo? — sobre
o ferimento feio.
— Não me olhe assim — pede. — Acha mesmo que Chad II não sabe
desses planos?
— Olha, eu acho que não. — Embora pareça um pouco difícil que ele não
estivesse ciente dos esquemas do pai, considero. — Não teria nos convidado, se
houvesse possibilidade de descobrirmos algo assim, não é? E Chad, bem... ele não
faz o estilo vilão.
— Ah! — Vira o rosto para o outro lado, visivelmente magoado. — Esse
seria eu. Chad é um príncipe encantado.
— Eu nunca disse isso — respondo mal-humorada. — Será que o QB
consegue ficar de pé, para que eu faça o curativo direitinho? — peço a ele, que se
levanta sozinho, sem aceitar a minha ajuda. Visivelmente furioso. — Liam, o que
foi? — pergunto a ele, quando termino de apertar a atadura que encontrei na caixa
em seu tronco, pressionando o corte. — Eu só não acho que ele seja culpado,
apenas porque o pai dele é! — falo, um pouco mais alto. — Se descobrirmos que
meu pai esteve mesmo envolvido em tudo o que aconteceu, serei culpada também?
É isso, então?
Me viro de costas, imediatamente me sentindo mais cansada. Na verdade,
estou no limite depois de todas essas descobertas e tudo o que está acontecendo.
Lobisomens, herança e gente da pior espécie, tudo em uma espiral de loucura que
não consigo organizar em pensamentos coerentes.
— Ei, ei! — Sobe a mão, já limpa, pelo meu braço e a desce, entrelaçando
nossos dedos, admirando o enlace por um instante. — Minha Harper, minha Lua.
Eu jamais te culparia. — Seu tom também sai exausto. Estamos no limite. — Não
há ninguém como você, para mim. — Engole em seco e me puxa para mais perto.
— Não há. Entende isso?
A intensidade de seus olhos escuros me deixando subitamente tonta — a
verdade neles me fazendo engolir em seco por não conseguir pensar no que dizer.
Me declarar apaixonada parece pequeno, e algo tão sem graça, que não o faço.
Apenas roço minha boca na sua, em um beijo lento e cheio de significados, que
nos faz suspirar baixinho.
— Não há ninguém, para mim, também — admito, ainda com os lábios
colados aos dele.
Como se lembrasse de algo, Liam se afasta um pouco, seus olhos buscando
os meus.
— Você o chamou, hoje. — Seu rosto assume um ar grave quando
menciona o Alpha. — E ele fez seu caminho para fora, atendendo ao seu chamado,
Harper. Não faça isso de novo. É perigoso — pede, acariciando meu rosto. —
Prometa.
— Não vou chamá-lo de novo — prometo solenemente, em voz alta.
A menos que seja necessário.

À medida que a noite passa, o frio aumenta e as paredes do chalé


abandonado parecem se fechar ao nosso redor, mas não de uma forma
reconfortante. A bateria do meu telefone acabou há algumas horas e não faria
muita diferença se esse não fosse o caso, já que não há nenhum sinal por aqui. Os
lobos inimigos seguem acampados ao redor da construção, enquanto esperamos
que alguém apareça.
Tensão e medo duelando dentro de mim enquanto assisto Liam deitado
entre as peles, ainda ferido e, agora, com uma febre alta. Sigo ao seu lado, incapaz
de pegar no sono, segurando sua mão e tentando me acalmar. Embora eu não
esteja obtendo muito sucesso com isso.
— Harper — sua voz fraca e rouca entre os calafrios que sacodem o corpo
tatuado. — Não vá. Não posso permitir que te machuquem — implora. — Seria o
meu fim.
— Estou aqui, Liam. — Aperto sua mão e deixo um beijo ali. — Alguém
vai nos encontrar. Tenho certeza de que já acharam Vicky e todos nós vamos ficar
bem.
Completamente isolados nessa cabana, é só o que nós podemos fazer:
esperar. Pelo menos, meu curativo funcionou e a ferida em seu tronco não sangra
mais.

Desesperada, observo Liam delirar de febre ao longo das horas, e sorrio


quando ele me encara mais uma vez e aponta para mim, com a testa suada e os
olhos perdidos, como se estivesse bêbado.
— Você é linda, Harper Moon. — Sorri, piscando lentamente. O cabelo
escuro ensopado de suor por conta da febre que começa a baixar, graças às
compressas frias que comecei a fazer meia hora atrás. — Tão, tão linda.
Sorrio para ele, achando graça de seu tom maravilhado.
— Você também é bem bonito, Liam, mesmo todo machucado. Faz sentido
a garota da Administração ter me dado um banho de bebida vermelha. — Aponto
para o uniforme manchado.
— É o que dizem. — Gargalha, mas sua risada logo se transforma em um
gemido de dor. — Porra, Moon, você não faz ideia do quanto eu te quero… desde
a primeira vez em que eu te vi, eu soube que era meu fim.
Meu coração salta no peito.
— Você soube… — Tento entender, mas sua cabeça está confusa devido à
febre e ele não continua. Apenas fecha os olhos e se rende ao sono agitado de
antes.

E conforme o tempo vai passando e as compressas fazendo seu trabalho,


Liam vai melhorando, aos poucos. E meus olhos encontram os seus, fixos em
mim, cheios de intensidade e desejo, enquanto conversamos sobre o que faremos
após os últimos eventos.
— O que faremos? — Perdida, encosto a cabeça em seu ombro, sentindo
sua temperatura, sobrenaturalmente mais quente, sob meu rosto. — Eu não quero
que se arrisque tanto por mim, Liam. Não quero que nada te aconteça e, talvez,
seja melhor nos afastarmos por um tempo e…
Ele ergue um pouco o corpo no colchão velho, um pouco mais agitado
agora.
— Não importa o que aconteça a partir de agora — Seus olhos escuros
buscam os meus. —, eu não vou me afastar. Como poderia, se eu sou seu, Harper
Moon? Seu Liam. Seu Alpha. E foda-se todo o resto.
Suas mãos puxam meu rosto para o seu, roçando os lábios nos meus
delicadamente, antes de aprofundar o beijo. Tento me afastar, mas Liam não
permite, me mantendo no lugar. Sem pensar muito e cansada demais para me
conter, atendo ao seu chamado, me perdendo com desespero aos seus lábios
molhados, sentindo sua língua sugar a minha, enquanto meu corpo todo estremece
com seu toque quente e cheio de urgência. Mas, antes que as coisas se esquentem
demais, me afasto, rindo da situação absurda.
— Se comporte, sr. Lobo. — Nós dois caímos na gargalhada. — Olha, eu,
honestamente, ainda acho difícil de acreditar nisso tudo.
— Pois, acredite. — Os olhos inteligentes buscando-me. — Seu namorado
é um lobo. Protetor, ciumento e que costuma ser afetado pela lua cheia. Ah, e que
é apaixonado por você. Só para lembrar, mesmo.
— Como se eu pudesse me esquecer! — Um momento de leveza em meio
à situação perigosa na qual nos metemos. — Eu meio que posso estar apaixonada
por você, também.
— E eu não sei disso? — Sorri, me beijando mais uma vez. — Você me
ama, Harper Moon.
E, nesse momento, como poderia negar? Rodeados de inimigos e sem
saber ao certo o que faremos após essa noite, ou quantos perigos mais nos
aguardam, deitada ao lado de Liam Ashbourne, o futuro Alpha de Silent Grove, eu
fecho os olhos e, finalmente, consigo dormir.
Abro os olhos e encaro o teto de madeira rústica. Não sei quanto tempo se
passou, mas já não ouço mais o som das patas do lado de fora. Apesar de nunca ter
tido uma vida normal, esses últimos tempos têm sido dignos de nota, em se
tratando de perigos. Se eu escrevesse uma biografia, certamente teria o capítulo de
início intitulado: “Quando tudo começou a dar errado para caralho”.
Não tudo, obviamente.
Observo a garota aconchegada à mim, seus lábios macios ligeiramente
abertos enquanto dorme relaxada sobre meu ombro. De forma lenta, movo meu
braço livre — e não tão dormente, nesse momento — e noto que já não sinto dor.
Eu avisei sobre a coisa da cicatrização, mas minha namorada não me deu ouvidos.
Ela poderia me ouvir, para variar.
Mulher teimosa e gostosa dos infernos.
Minha namorada.
“Nossa.”
O babaca dentro de mim ecoa meus pensamentos. O cheiro delicioso de
Harper, ocupando todo o lugar, não me permite pensar com tanta clareza. Então,
apenas aproveito o breve momento de calmaria, em meio ao caos que se tornou
nossas vidas, com Harper Moon dormindo em meus braços. Gravando cada traço
seu na memória, quando tudo parece tão grave e urgente. E precioso.
“Não tocarão nela” — garante. — “Nunca.”
Minha para proteger.
“Sim. É chegada a hora, Liam. Me deixe sair.”
— Minha mãe teve um gatinho, uma vez — a voz sonolenta interrompe
meus pensamentos conflituosos —, ele fazia exatamente esse som. Prrr. Prrr —
imita, sorrindo. — Lobos ronronam, Liam?
— E rosnam também. — Rio do modo como se esconde de mim. — Olhe
para mim, Harper Moon.
— De jeito nenhum! Eu tô com bafo! — geme baixo, ainda escondida em
meu braço. — E com essa coisa de farejar, você já deve ter sentido. Que merda —
lamenta.
— Estamos em uma cabana no meio do nada, cercados por um clã
desconhecido de feras que passaram a noite querendo nos matar, e ela se
preocupando com mau-hálito. Prioridades. — Provoco-a, e logo, como esperado,
ela ergue seus olhos estreitos para mim.
Linda demais.
“Me deixe sair. Como vamos protegê-la?”
— Você tem razão. — Pula para fora da cama, se espreguiçando. O
movimento mostra sua barriga e outra parte de mim desperta, atraindo seu olhar
imediatamente. — Não é hora disso.
— Sempre é hora disso, Harper. Ainda mais em noite de lua cheia. —
Sento-me na cama, enquanto ela corre até mim, protestando pelo movimento
brusco. Mas para, quando, encaixada entre as minhas pernas, percebe que não tive
dificuldade alguma para me levantar.
— Mas... — ergue a camisa xadrez horrível, que encontramos mais cedo, e
tira a faixa apertada ao redor da ferida, constatando chocada que, onde havia o
corte feioso ontem à noite, agora está apenas uma lesão superficial e os pontos
foram praticamente todos absorvidos. — Como...?
— Cicatrização de lobo, eu avisei. — Olho para minha barriga, notando o
pequeno X na extremidade já cicatrizada. — Você, literalmente, deixou sua marca
em mim. — Deslizo orgulhoso o indicador pela marca pequena e preciosa.
— Ai, meu Deus! Me desculpa! — Esconde o rosto entre as mãos. — Eu
deveria tê-lo ouvido, mas você estava perdendo muito sangue e eu fiquei
desesperada...
Cubro sua boca com a minha, beijando-a lentamente e explorando o calor
de seu corpo com as mãos, enquanto deslizo minha língua na sua em um beijo
sensual e exigente, sendo correspondido da mesma forma. Depois de resistir um
pouco, Harper se entrega e não demora muito para que o cheiro de sua excitação
me alcance.
— Eu preciso de um banho... — lamenta, mas sem se afastar. Sua
necessidade inflamando ainda mais meu corpo, enquanto ela move o quadril em
direção ao meu.
Minha.
— Não me importo em te dar um banho de língua — rosno em seu
pescoço, descendo meus dentes ali, fazendo-a gemer baixinho. — Não mesmo.
Suas mãos se afundam no meu cabelo e, dessa vez, é ela quem me devora.
Sua língua acariciando a minha, despertando a fera que habita dentro de mim,
chamando por ela, desejando-a com fervor, enquanto tenta tomar o controle sobre
mim.
Minha.
— Harper? — chamo, sentindo minhas mãos trêmulas. — Se nós formos
em frente, não vou conseguir... — Seus lábios lambem e mordem meu pescoço,
enquanto minhas mãos seguram firmes sua bunda, pressionando-a contra minha
ereção. — Harper, ele...
Ela me ouve, eu sei que sim, mas sua boca não deixa a minha pele. Seus
dentes deslizam pelo meu pescoço, traçando a linha do queixo e, então, ela morde
meu lábio inferior e recua um passo.
— Deixe que ele venha. — Seus olhos, apenas dois aros metálicos
envolvendo a pupila escura. — Se vamos entrar nessa guerra, precisamos de um
líder forte. Vocês são um só, Liam.
Sinto o meu interior se aquecer ainda mais, enquanto ela roça uma vez
mais o seu quadril contra o meu, e engulo o rosnado que se forma na minha
garganta.
“Somos um.”
Estou exausto de lutar. Ao mesmo tempo, tanto depende de mim… como
negar os meus deveres, no fim das contas?
— Não confio... não tão perto de você. — Travo o maxilar, sentindo a
revolta arder dentro de mim.
— Você e ele são partes de um todo. — Engole em seco, sua voz, um
chamado ao Alpha, que concorda com cada palavra sua. Confirmo, enquanto sua
mão desliza sobre o volume evidente no moletom emprestado. — Então, pare de
lutar. Temos um inimigo à nossa espreita e não posso me arriscar a perdê-lo.
— Eu... — Sua mão entra pelo cós elástico da calça e não consigo evitar o
som selvagem que deixa meus lábios. Fecho meus olhos quando sinto a pressão de
seus dedos me envolvendo e ela sobe e desce a mão, devagar. — Não sei como...
— Temeroso, com o maxilar travado, respiro fundo, enquanto toco sua testa com a
minha. Tirando sua mão da minha calça e entrelaçando nossos dedos.
— Liam — murmura meu nome, como a porra de uma sereia. —, eu não
quis te pressionar. É só que...
— Você tem razão — interrompo seu discurso, beijando sua boca e,
esticando o corpo na cama, pego uma faca longa que estava sobre o móvel. — Eu
não sei como fazer isso sozinho. Mas vai ter que me prometer que, se as coisas
saírem de controle, vai cravar essa faca em mim e se esconder.
— Não! — nega imediatamente, enquanto fecho seus dedos no cabo da
arma enferrujada. — Você ficou louco?
— Prometa! — rosno. Ela aquiesce, pesando a arma na mão delicada, antes
de empunhá-la. — Chame-o.
— Você tem certeza? — É sua vez de hesitar. — Não quero que se sinta
pressionado, nem nada assim… e tenho medo de que, talvez, tudo mude quando
vocês se fundirem.
— Ele é uma versão de mim. — Assim fui ensinado. — E a ama tanto
quanto essa. Você tem razão. Uma guerra se aproxima e preciso estar forte, se
pretendo lutar. Faça como fez antes. Chame-o.
Observo-a inclinar o rosto, acariciando meu cabelo e, então, descendo os
dedos finos pela minha fronte, traçando a linha do meu queixo, se aproximando
ainda mais de mim.
— Meu Liam — murmura, antes de beijar a minha boca, roçando os lábios
pelo meu queixo, mordiscando a minha orelha, fazendo um arrepio quente
percorrer meu corpo. — Meu amor... — desce mais uma vez seus dentes pela
minha mandíbula, antes de sugar meu lábio inferior, beijando minha boca em
seguida, até que puxa meu cabelo para trás, os olhos claros fixos nos meus: —
Meu Alpha.
Por um momento, nada acontece. Porém, um formigamento estranho desde
a planta dos pés ao topo da cabeça, toma meu corpo, enquanto um fogo intenso
arde dentro de mim a partir dos lábios da mulher, que me beija com paixão. Até
que ergo a cabeça, meus olhos, de repente, cegos pela sensação incandescente que
se esparrama me ocupando por inteiro.
Algo em meu interior se move feito lava, queimando, fluindo e, ao mesmo
tempo, conectando as partes separadas, expandindo minha consciência, minhas
percepções, acelerando as sinapses do meu cérebro e reconectando cada parte de
mim em um processo insano e doloroso, quase como naquela primeira
transformação, quando me tornei um lobo pela primeira vez.
Exceto que, dessa vez, não estou sozinho. Sinto o calor de seu toque
cuidadoso sobre o meu corpo, enquanto o medo e a preocupação duelam com a
curiosidade por espaço, e algo muito maior e mais poderoso, que molda toda essa
nova forma, esse novo ser que renasce único e forte dentro de mim. Arrancando
um grito alto e desesperado da minha garganta, ao passo que altera cada célula do
meu corpo, me transformando em algo mais poderoso, alerta e letal. E, então,
assim como surgiram, a dor e o ardor cessam. Restando apenas os sons ao meu
redor, amplificados mil vezes, enquanto todos os cheiros se encaixam ao meu
olfato, coisa que nunca havia acontecido em minha forma humana.
Sorrio, desfrutando da sensação de liberdade e poder, antes de, finalmente,
abrir os olhos e vê-la: O centro do meu mundo.
Minha Lua.
Minha Escolhida.
— Liam? — A incerteza em seu tom de voz me faz gargalhar.
— Sou eu, Harper Moon. — Envolvo sua mão e puxo seu corpo para o
meu, encaixando-a em mim. — Ainda sou eu.
Sem esperar muito, encaixo minha boca na sua, provando-a mais uma vez.
O beijo, que começou doce e gentil, logo se transmuta em algo mais sensual e
intenso, nos levando a outro nível de intimidade e tensão sexual. Não demora
muito para que Harper esteja agarrando meu pescoço e roçando o corpo no meu,
clamando por mais.
Algo que não pretendo negar, de forma alguma.
Agarro com força a sua bunda gostosa, erguendo-a para que se encaixe em
meu quadril, não esperando muito para mergulhar o rosto em seu pescoço,
mordendo, beijando, chupando e ouvindo seus gemidos baixos, enquanto se move
sobre mim. Subo sua blusa, apertando os seios deliciosos, sentindo sua
lubrificação umedecendo o tecido da calça, que desço rapidamente com uma das
mãos, liberando meu pau, ansioso para sentir seu calor mais uma vez.
— Eu poderia tirar essa roupa e adorar cada parte do seu corpo — o tom
gutural em minha voz faz seu corpo se arrepiar. —, mas não posso esperar. Não
mais.
Seguro com força o short de seu uniforme e afasto-o para o lado, sentindo
sua entrada encharcada com a ponta dos dedos, enquanto minha boca está
ocupada, chupando e mordendo os mamilos perfeitos, fazendo-a gemer alto e
chamar o meu nome.
Sem aviso prévio, nos viro na cama, que range sob nosso peso, me
encaixando entre suas pernas; tiro seu short e a maldita lingerie minúscula,
deslizando meus dedos pelas dobras úmidas, roçando meu pau em seu ponto
sensível algumas vezes, antes de preenchê-la até o fim, ouvindo-a gritar e me
apertar em seu interior, se acostumando com a invasão repentina.
— Liam! — chama, suas mãos tocando o meu rosto. — Seus olhos... —
Me retiro de seu corpo, mas volto a estocar novamente, arrancando-lhe um novo
gemido. — Tão lindos... É como ver o céu de perto.
Não preciso olhar para o reflexo no espelho envelhecido e manchado na
parede oposta, para saber dos olhos totalmente pretos, salpicados de manchas
prateadas. Mas ainda sou eu.
— Minha Harper. — Arremeto mais uma vez, e outra vez mais. — Minha
Escolhida. — Mais uma estocada.
Seguro seus joelhos e abro bem suas pernas para mim, estocando sem parar
em seu interior apertado, enquanto deslizo as mãos para o seu quadril, apertando-a
ali, socando cada vez mais rápido conforme Harper geme mais alto a qualquer
movimento, agarrando a colcha de pele sob seu corpo com força, se debatendo e
estremecendo quando grita meu nome, abraçando-se a mim, desesperadamente.
E é assim, me perdendo em seus olhos claros, que eu me retiro de seu
corpo, urrando ao me despejar em sua barriga, espalhando meu prazer entre suas
coxas, sua boceta inchada e os seios arrebitados, marcando-a como minha.
Finalmente.
Observo de forma estúpida e orgulhosa a minha obra de arte, ante de usar
um dos muitos pedaços de tecido espalhados por aqui para limpá-la. Sem perder
tempo, ela se ergue e me beija, me puxando em seguida, para que me deite ao seu
lado, recebendo meu corpo sobre o seu, enquanto nos acalmamos aos poucos e
nossa respiração volta ao normal. Harper ri em algum momento, depois, e eu me
viro para encará-la, apoiando a cabeça em seu tórax.
— Qual é a graça, Harper Moon?
— Você gosta muito de dizer que sou sua. — Acaricia meu cabelo. — Seus
olhos… eles voltaram ao normal.
— Sim. — Beijo sua pele, ainda sentindo meu cheiro por todo o seu corpo,
mascarando um pouco de sua essência, e sorrio satisfeito. — Você é minha há um
tempo, Moon. Mas, com uma diferença agora. — Quando ela ergue uma
sobrancelha inquisidora, eu levanto o corpo, me aproximando mais de seu rosto,
olhando-a nos olhos, sabendo, pelo olhar maravilhado, exatamente o que vê: a
imensidão escura. — Todos saberão.

— Feche a porta — aviso mais uma vez.


Desde que estabelecemos — ou meu olfato estabeleceu, que não há nada,
há pelo menos dois quilômetros daqui, além de alguns animais pequenos e talvez
uns dois turistas perdidos, decidimos que precisávamos sair da nossa bolha
precária de paz e enfrentar a dura realidade que nos aguarda.
Estamos preocupados com Vicky e com os outros e, por mais que seja
tentador me perder nessa garota pela vida inteira, não podemos esperar que nossos
inimigos retornem com reforços.
— É uma idiotice se esconder de mim, depois de tudo o que já aconteceu
— ouço-a resmungar, no interior do chalé.
— Não sou eu quem tem medo de cachorro! — respondo, ouvindo-a bufar.
Decidimos não correr riscos desnecessários, o que basicamente, se refere a
me manter em minha forma mais “perigosa”, caso nosso inimigo tenha preparado
algum ataque surpresa. Embora eu não tivesse a pretensão de me transformar perto
de Harper tão cedo, creio que seja um teste para nós dois, após o que aconteceu
alguns minutos atrás.
Fecho os olhos e, como das outras vezes, me preparo para sentir o calor
cruzar meu corpo antes de me transformar, mas, dessa vez, ao mínimo pensamento
a respeito, já estou em minha forma lupina. Uivo do lado de fora e logo a vejo
abrir a porta, vestindo outra das camisas xadrez que encontramos, com os olhos
claros focados em mim.
Me aproximo, hesitante, sentindo seus batimentos cardíacos se
normalizarem à medida em que se acostuma comigo nessa forma.
— Não estou com medo. — Estende a mão, tocando minha pelagem densa
e muito escura, atrás da minha orelha. — É fofo. E cheiroso, como o outro você.
Aproveito que está distraída, avaliando minha nova forma e lambo seu
rosto do queixo à cabeça, fazendo-a se afastar, limpando o rosto.
— Eca. Nada disso, sr. Lobo — avisa, caminhando à minha frente, de volta
à floresta. — Limites, Liam. Limites.
Apesar de disfarçar bem, noto quando seu coração salta e o odor do medo
exala de seu corpo, sobrepujando seu cheiro gostoso de sempre. Me coloco ao seu
lado e caminhamos juntos pela floresta, pegando alguns atalhos até chegarmos à
Colina, encontrando meus amigos montando um esquema de guerra para nos
encontrar.
Mack é o primeiro a notar minha aproximação. Diante da porta da casa,
estreita os olhos e assobia para o resto deles, que se amontoam para nos ver
chegar. Andando lado a lado com minha Escolhida, caminho sobre minhas patas,
assumindo, finalmente, meu lugar nesse clã. Disposto a tudo para protegê-los e
guiá-los através do que virá a seguir.
Um a um, eles se curvam à minha presença, reverenciando a minha
chegada. Encaro meus companheiros de vida e alguns integrantes do meu clã, que
estavam por ali, com respeito, recebendo seus votos de fidelidade. Mas meu
coração dispara quando percebo a intenção de Harper em fazer o mesmo, me
forçando a bater o focinho contra a lateral de seu corpo e rosnar baixinho.
Eu sou a porra do Alpha e a minha rainha não se curvará diante de
ninguém. Graças a ela, somos um, afinal.
Se fosse alguns poucos anos atrás, eu ficaria de castigo por ter passado a
noite fora sem avisar. Mas essas são as vantagens de se ter vinte e um anos e
dividir a casa com uma pessoa da sua idade, que chegou na hora e tem um ar
angelical, para acobertar sua escapada noturna.
— É bom vê-la em casa, Harper — tia Lin declara quando desce as
escadas, alertada pela minha conversa com Vicky. — Mas, quando for ficar na
casa de uma amiga ou de um namorado, é bom avisar, tudo bem?
Poderia ser apenas uma jovem que perdeu a hora na casa do namorado? Eu
amaria. Ao invés disso, fugi de gente estranha e lobos famintos através de uma
floresta assombrada e acabei tendo que costurar a barriga do meu namorado, que,
após um momento intenso e um pouco assustador, acabou se unindo à sua parte
sobrenatural, que é uma espécie de rei entre os dele e, bem, acabei transando sem
preservativo pela primeira vez na vida, com alguém que vira lobo.
Para onde foi o meu juízo?
Provavelmente, perdido nos olhos, escuros como a meia-noite, do
quarterback do Warrior Wolves. Olhos que brilharam feito uma supernova
enquanto nós fazíamos amor dentro de uma cabana abandonada, após uma
situação de perigo. Ainda perdida em meus pensamentos, me despeço da minha tia
e me deparo com os olhos curiosos de Victoria sobre mim.
— Eu sei, nós precisamos conversar. — Bocejo. — Mas, por enquanto,
posso só respirar aliviada ao te ver bem e aqui? — No sofá de casa, abraço minha
prima, deixando o conforto de tê-la aqui, sã e salva, me invadir; conforme o
cansaço da noite insone leva a melhor sobre mim.

Estou terminando de calçar minhas botas de cano curto — e nenhum salto,


apenas para o caso de precisar fugir por aí — quando Vicky entra no meu quarto,
sentando-se ao meu lado na cama.
— Todo mundo estava procurando por vocês. — Seus olhos cor-de-mel me
encaram. — Que merda aconteceu na mansão dos Graymane naquela noite?
— Vicky, você precisa prometer não contar nada a ninguém, sobre o que
vou te falar. — Ela revira os olhos para a seriedade do meu tom. — É sério.
— Eu prometo, é claro! — garante. — O mais perto que eu tenho de um
relacionamento sério é com um lobisomem, ou algo assim, Harper. E você não me
vê comentando sobre isso por aí.
E, então, cansada de tantos segredos, eu conto a ela. TUDO. Até mesmo
sobre o que fizemos naquela cabana abandonada — sem muitos detalhes, claro.
— Os Graymane... — Bate a unha pintada de rosa pink do indicador sobre
o lábio, igualmente rosa. — Será que Chad sabe? Precisamos ter certeza disso, não
gosto de acusar as pessoas injustamente.
— Somos duas. — Coloco mais um livro em minha bolsa. — Mas, Li...
Ash! — ela gargalha da minha correção. — Tem certeza de que Chad sabe de
tudo.
— Moon, eles se detestam desde sempre — Vicky comenta. — E a coisa
de sermos as “noivas em potencial” para Chad, por causa dos tais Acordos, não
deve ter ajudado no desenvolvimento de uma simpatia mútua, convenhamos.
— Fato. Mas precisamos ter certeza de tudo e tentar ajudar nossos
respectivos namorados a resolver essa porcaria de mistério.
— E sermos felizes para sempre — cantarola de forma sonhadora, com
suas roupas em tons alegres, enquanto eu só pareço uma gótica em processo de
desintoxicação do preto em frente ao espelho.
Avalio mais uma vez o meu look, predominantemente cinza, em
comparação aos tons claros de Vicky, enquanto a acompanho para fora do quarto.
O que será que esse dia tem preparado para as garotas Lawson?

Mergulho uma das batatas na piscina de ketchup no canto do prato, sob o


olhar vigilante de Vicky, que mastiga pacientemente a maçã que compunha seu
prato ridiculamente balanceado de salada e carne, enquanto eu detonava um
hambúrguer.
— Não me olhe assim. — Aponto uma batata com a ponta vermelha em
sua direção. — Eu quase morri. Fiz por merecer.
— Eu não disse nada — responde, mirando mais uma vez o meu prato
gorduroso com desdém. — Olha só quem está ali... — cantarola, enquanto o
aclamado time de futebol americano da faculdade acaba de entrar no refeitório.
Porém, ao invés de irem para sua mesa de sempre, junto com os outros,
Jasper, Mack e Eli estão vindo em nossa direção, sob o olhar de todos os
presentes, que parecem tão chocados quanto nós duas e o resto das garotas
sentadas por perto, com a mudança de acomodação.
— O que eles pensam que estão fazendo? — pergunto à Vicky, que
mantém os olhos brilhantes fixos em Jas.
Eu não olho assim para Liam. Não mesmo.
— Olá, garotas! — Mack, como sempre, é o primeiro a se sentar,
cumprimentando-nos enquanto rouba uma das minhas batatas.
— O que temos para hoje? — Eli se senta à minha frente, enquanto Jasper
se acomoda ao lado de Vicky, que parece prestes a explodir, de tão vermelha.
— Jas, o que pensa que tá fazendo? — ela pergunta baixinho.
— Ah, meu anjo, estamos promovendo uma revolução por aqui. — Sorri
para mim.
— Eles formam um casal lindo, não é? — Mack faz um coração com as
mãos. Ou tenta.
Algumas meninas suspiram olhando para o jogador estiloso, usando a
jaqueta vermelha do time e seus brincos de brilhantes, ao lado do deus grego que
suspira um pouco desalentado.
— É, eles formam sim. — Sorrio, mas noto que o clima parece mudar de
repente, e não preciso de um olfato superdesenvolvido para saber quem acaba de
chegar.
Como se o reconhecesse de longe, meu corpo se agita, sentindo a presença
de Liam às minhas costas, antes mesmo que ele se sente ao meu lado, puxando-me
para o seu colo em seguida. O gesto atrai todos os olhares dos alunos no local e
abaixo a cabeça, as batatas em meu estômago muito tentadas a voltar por onde
vieram.
— Eles são lindos. E quanto a nós? — Liam, vestido em suas roupas
escuras de sempre, com exceção da jaqueta do time, tira meu cabelo do ombro e
apoia a cabeça ali, deixando um beijo em meu pescoço.
— Quente — Mack afirma — e prestes a incendiar tudo a qualquer
momento.
Estou prestes a dar uma resposta espirituosa ao seu comentário
engraçadinho, quando sinto meu namorado ficar tenso, e logo vejo Chad, vindo
em nossa direção.
E ele não parece muito feliz. Infelizmente, isso é algo com o que ele vai
precisar se acostumar. Se tudo der certo, claro.
— Ah, então, é disso que se trata — murmuro, observando quando Jasper
puxa Victoria para si, de forma protetora.
— Não só disso, claro. Eu senti sua falta. — Roça a ponta do nariz na
lateral do meu rosto. — Mas estamos fazendo história, hoje, Harper Moon.
— O que tá rolando aqui? — Chad pergunta. Seus olhos fixos em mim. —
Vicky?
Minha prima hesita e, ansiosa, ela me encara, esperando por socorro. Estou
prestes a falar, mas é a voz rouca e macia do quarterback que responde.
— É um refeitório, Chad II. — Aponta para nada em específico ao redor e,
então, rouba uma batata do meu prato. — O que acha que estamos fazendo?
— Não funciona assim, Ash. — Tira o celular do bolso. — As regras são
outras...
— Concordo. — Estreita os braços ao redor da minha cintura e deixa um
beijo em minha boca, antes de se levantar. — Um Acordo consiste em obrigações
para ambas as partes e, se uma não cumpre com o que foi tratado... — Chad
parece chocado com as palavras de Liam, mas não muda a postura defensiva. —
ele perde a validade, não é?
— Está admitindo que não estão fazendo a sua parte? — a voz de Chad
fica um pouco mais alta e Mack se levanta, assim como Eli. Os dois com posturas
defensivas idênticas. — A vida de todas aquelas pessoas… isso é algo negociável,
para vocês?
— Não — Jasper é quem responde, se levantando também, embora
mantenha a mão de Vicky entre as suas. —, mas, aparentemente, é para vocês.
— De que merda estão falando? — Chad questiona.
— Esse não é o lugar para isso — Ash decreta, estendendo a mão em
minha direção, em um convite silencioso. — Se quiser saber de verdade sobre o
que tá rolando, nos encontre na Colina, após as aulas.
Jasper puxa Vicky pela mão e então, coloca o braço sobre seus ombros.
Mack e Eli se juntam a eles, nos esperando para deixar o refeitório, sob o olhar
indignado e meio confuso de Chad.
— Eu realmente espero que você venha, Chad — digo a ele, antes de me
encontrar com Liam, que entrelaça nossos dedos e acaricia minha mão fazendo
movimentos circulares com o polegar.
Ainda que quem esteja tremendo de raiva não seja eu.

— Ele não vem — Liam declara, cheio de si, enquanto aponta para o
relógio antigo na sala enorme da mansão Ashbourne. — Já passa de uma da tarde.
Eu sinto dizer que avisei, minha Lua, o príncipe encantado faz parte disso.
Sinto meu rosto esquentar ao ouvir o apelido íntimo sendo dito diante de
todo mundo, mas Liam não parece se importar. Ele apenas toma um gole de sua
bebida, mantendo os olhos em mim, enquanto sua expressão se fecha, e o olhar
assume um tom tempestuoso.
— Talvez, ele seja realmente a porcaria de um príncipe, Ash. — Jasper
chuta um banco de madeira, fazendo Wolf, o cachorro da casa, que dormia sob as
cortinas, reclamar.
— E vocês irão se comportar, enquanto conversamos — digo a todos eles,
parando meus olhos em Liam, que rosna, antes de assentir. — Precisamos de
aliados, não de mais inimigos.
— Isso mesmo, Moon! Coloca moral nesses nervosinhos! — Vicky afirma
sorrindo, apoiando as mãos na cintura de Jas, que envolve as mãos nas dela, como
se não pudesse acreditar que está ali.
Uma fofura só!
— Do que está falando? — Mack pergunta, ofendido. — Eu sigo pleno e
calmo, assim como Eli, o verdadeiro príncipe daqui. Cuidado, Ash, ela segue
sendo a Intrépida Lawson — declara, fazendo todos rirem. Bem, quase todos.
— Vamos receber a nossa visita. Aliados, não inimigos. Por enquanto —
Ash avisa, se levantando antes de esvaziar seu copo e estender a mão para mim. —
Espero que tenha razão nisso.
— Eu também. — Encaro o sujeito loiro que caminha hesitante e
ressabiado até a porta de entrada da casa, ainda vestindo o uniforme do time de
polo.

— Há um turista desaparecido há dois dias — Chad argumenta, após mais


uma discussão repleta de acusações e insinuações embasadas em anos e anos de
rivalidade entre ele e o capitão do Warrior Wolves. — O que foi feito para
encontrá-lo?
Ash sorri, sentado em uma poltrona única, observando o outro com o olhar
transbordando ironia.
— Enquanto o príncipe dormia em sua cama confortável, nós estávamos
nos arriscando na floresta. — Chad bufa, menosprezando o feito e noto a paciência
do meu namorado/Alpha se esvaindo de forma bastante perigosa. — Eu já disse
que há outro clã de lobos em nosso território. Eles são hostis e perigosos.
— E eu e o resto do Conselho, achamos que estão protegendo um dos seus
que acabou se descontrolando. — Mais uma acusação que faz Ash puxar o ar com
força e fechar os olhos.
— Eu os vi — resolvo interferir. No sofá de dois lugares, Mack esfrega as
mãos e sorri discretamente. — Duas noites atrás, eu fui atacada por lobos enormes
e brancos. Se Liam não tivesse aparecido, eu seria mais uma estatística desses
ataques.
Meu namorado rosna diante da possibilidade, atraindo a atenção de Chad,
que nos olha bastante confuso.
— Você estava na minha casa — Chad pondera e eu confirmo. — Mas,
então, desapareceu. Eu e Vicky te procuramos por toda parte, antes que um dos
garçons avisasse que havia alguém aguardando por ela no portão. — Vicky se
encolhe nos braços do namorado.
— Eu senti que havia algo errado. — Jas resolve sair do silêncio. — Ash
também não estava diferente. Quando estávamos à caminho para sua casa, Harper
ligou pedindo socorro. Nos separamos e enquanto Ash ficou na floresta, eu...
— Foi atrás da sua Escolhida — Chad conclui, dessa vez, ele se senta no
sofá e olha para mim com atenção e interesse. — O que te fez sair da minha casa
sem dizer nada?
— Uma das admiradoras do bonitão aqui, me molhou com aquela bebida
vermelha, lembra-se? Eu estava procurando por um banheiro e, não xeretando,
claro, mas então, depois de limpar minha blusa e os ouvi conversando em uma
sala, no fim do corredor.
— O escritório do meu pai — Chad explica. — Porra, Harper. O que
aconteceu?
Durante alguns minutos, conto tudo o que se passou, e enquanto conto tudo
o que ouvi na reunião entre seu pai e seu parceiro criminoso e sobre as atrocidades
que diziam naquela sala, Chad se encolhe cada vez mais no sofá.
— Então, eles vieram atrás de mim. — Meu coração disparando ao me
lembrar de tudo. — Eles querem a destruição de várias famílias. Tão antigas
quanto as nossas. Aniquilação, eles disseram. Seu pai até tentou dissuadi-lo das
mortes, mas acabou cedendo.
— Porra! Não pode ser... — Sua voz sai baixa por entre os dedos que ele
mantém cobrindo a boca. — Caralho, pai! Que merda! — Esfrega as têmporas. —
Eu notei que havia algo de errado nos últimos meses. Desde que um certo amigo
reapareceu, meu pai se tornou outra pessoa. — Seu olhar perdido vaga pela janela.
— Quem é esse amigo? — questiono a ele, também buscando alguma
informação que nos ajude a entender o que está rolando aqui. — Sabe onde ele
pode estar hospedado?
— Não sabemos. Minha mãe e eu não fazemos ideia de quem seja. —
Estala a língua, seus olhos brilhando, determinados. — Ainda. Mas vou descobrir.
Você disse que meu pai é o procurador do tal investidor misterioso, não é?
Confirmo com um gesto de cabeça e um ar de determinação toma o rosto
de Chad.
— Tem que haver algo naquele escritório. Vou tentar descobrir do que se
trata. — Ele se levanta, decidido.
Essa reunião está saindo melhor do que eu imaginava.
— Tenha cuidado, esse sujeito, ele pode farejar você — o resto da sala
parece prender a respiração por um instante, quando comento. — Fico imaginando
se ele, e os lobos brancos do outro dia, não fazem parte do mesmo grupo.
— Meu cheiro está em todo lugar daquela casa, não se preocupe. Talvez,
seja hora de Novos Acordos. — Seu rosto volta a ficar sério quando se vira na
direção de Ash.
— Agora, deem as mãos, firmando essa nova fase de amizade — Mack
dispara, do sofá.
— Aliados, não amigos. — Ash estende a mão diante do corpo e Chad o
cumprimenta de forma rápida e firme.
Do lado de fora, ouço os passos de alguém que sobe os degraus da varanda
correndo, deixando todos ali em estado de alerta.
— Ashbourne! — Um homem alto e calvo surge diante da porta,
congelando no lugar ao ver Chad ali.
— Fale, Nevil. O que aconteceu? — O Alpha totalmente no comando.
— Encontraram o corpo de Bill Northman às margens do rio. — Seus
olhos se arregalam, apavorados. — Foram balas de prata, Ashbourne.
Liam anda de um lado ao outro, furioso e preocupado. Enquanto sigo
sentada na cama, tentando processar os últimos acontecimentos. Além dos
malditos lobos brancos, aparentemente, há também um grupo de caçadores
disposto a dizimar os lobos da alcateia de Silent Grove.
— Estão nos caçando como animais! — Liam aumenta a voz enquanto
discute ao telefone com seu pai, que não parece estar obtendo muito resultado ao
tentar acalmar o filho, considerando as respostas nervosas do jogador sem camisa,
que se move como um bicho enjaulado.
A única lembrança do que aconteceu naquela noite, poucos dias atrás, é o
pequeno X dos pontos tortos que dei para estancar o sangramento do machucado
profundo. Ainda suado do treino de hoje, ele segue tentando encontrar o rastro de
quem fez isso com o pobre pai de família, que deixou dois filhos pequenos.
O relato partiu meu coração naquela tarde e ajudar nos ritos de sua
despedida não me pareceu ser suficiente. Ainda não parece. Meu telefone toca em
minha mochila e, assim que vejo o nome de Chad na tela, atendo rapidamente. Os
olhos de Liam focam em mim, enquanto ouve o homem que fala do outro lado da
linha.
— Chad. — Atendo, e o tom de voz baixo me faz levantar da cama e
caminhar até a janela, buscando ouvi-lo melhor.
— No campo em dez minutos — murmura e desliga rapidamente, como se
não pudesse falar mais.
Estranho.

Encontramos Chad nas arquibancadas, sete minutos depois, e ele parece


mais pálido do que o normal e, considerando o modo nervoso com que torce as
mãos, algo aconteceu e não foi nada bom.
— Chad, o que aconteceu? — Me aproximo devagar, sentindo seu corpo
todo tremer quando toco seu ombro de leve. — Você está ferido?
— Harper. — Ele me abraça com força, enquanto seu corpo sacode pelo
choro. Meu Deus, o que aconteceu? — Foi ele. Caralho! Foi o meu pai que fez
isso!
— Chad? — Liam toca a minha cintura de forma possessiva, como se não
conseguisse evitar, mas sua expressão é preocupada.
— Se vingue. — O jogador loiro dá um passo à frente. — Vamos lá, olho
por olho, ele matou um dos seus.
— Não somos animais — meu namorado responde friamente. — Pare com
isso e conte-nos logo o que descobriu. Os crimes dos nossos pais, não são nossos,
Chad. Que merda aconteceu? — Seus olhos se encontram com os meus.
— Eu consegui invadir o escritório do meu pai e, puta merda! Ele está
envolvido em tudo isso. Eles têm planos de tomar as suas terras, Ash. E todas as
outras. As suas são só o começo dessa merda de plano megalomaníaco, Harper.
— Mentirosos dos infernos! — Revoltado, Ash, se afasta. — Anos e anos
dessa baboseira de que eu deveria assumir o meu lugar, apenas para me tornar um
alvo fácil.
— O reitor também está envolvido. — Baixa a voz. — Eles saíram para
caçar na noite passada. Estavam se gabando disso essa tarde, enquanto
programavam uma nova reunião do Conselho. — Envergonhado, ele ergue os
olhos. — Ash, eles pretendem começar por você, pelo que entendi, prendendo-o
para usá-lo de exemplo aos outros e atrair o seu pai.
Meu Deus!
— Infelizmente, ainda tem mais — Esfrega o rosto nas mãos. —, os tais
lobos brancos estão nas ruínas da mansão Redmayne — revela, entregando-me
alguns papéis. — Exceto que, não há mais apenas uma casa destruída pelo fogo.
Olhem as imagens. — Abro a pasta de arquivo que ele me estende e sou
surpreendida por fotos do que parece ser um dormitório novo e bem equipado.
— O alojamento de um exército — Liam declara, com a pasta em mãos. —
Eles não vão dar falta disso, Chad?
— Não, um amigo hacker me ajudou a encontrar tudo invadindo o
computador dele e instalei uma câmera lá. — Sua voz soa determinada, enquanto
aponta para a última foto, mostrando o prefeito e o reitor conversando com o
homem misterioso. — Nosso próximo passo é descobrir quem é esse homem
poderoso por trás disso tudo, e a quem meu pai serve.
As imagens estão distorcidas, mas o homem, que parece desfigurado,
vestindo um terno elegante, me parece ligeiramente familiar. O pressentimento
que toma o meu peito não é nada bom, assim como o brilho nos olhos do homem,
que parece olhar diretamente para a câmera.
A merda foi para o ventilador cedo demais.
Ou talvez, tenha sido na hora exata, só para foder mais um pouco com a
minha vida. Ao invés de me preocupar com a proximidade dos jogos que vão nos
levar ao campeonato nacional ou com meu relacionamento com a garota que me
fez cadelar feito um maldito golden retriever, sem muito esforço, diga-se de
passagem; me pego preocupado em manter meu clã, minha Escolhida e toda uma
cidade à salvo dos planos maléficos de um bando de velhos filhos da puta,
sedentos por poder.
Termino de vestir a jaqueta do time na sala de estar da minha casa, agora
vazia, exceto por Wolf, que cochila sobre o sofá e por um dos novatos, que acaba
de voltar de sua vigília e está tomando banho no segundo andar. E me pego
pensando na porcaria de timing desse bando de merda. Uma reunião às onze da
noite, naquela igreja abandonada que tem os fundos ligados a uma parte densa da
floresta.
É inacreditável o quanto nos subestimam. Todo o plano grita
“Armadilha!”, mas só porque eles não sabem que temos um informante e se
sentem seguros em me arrastar para a droga de uma emboscada. Filhos da puta!
Seria uma estratégia interessante, confesso, se não tivéssemos sido criados
aqui e conhecêssemos a floresta como as palmas das nossas mãos, então, se
pretendem nos surpreender com um ataque ali, não serão bem-sucedidos. Porém,
ainda assim, para não levantar suspeitas, preciso levar meu precioso pescoço para
criar a ilusão de que eles podem nos pegar.
Iludidos do caralho.
Enquanto sigo para a garagem, onde minha moto está estacionada, envio
uma mensagem avisando à Harper e, então, à Chad, que estou a caminho do lugar
e relembro à ela que se mantenha longe de confusão. Harper ainda não entende o
que aconteceu naquela cabana e espero, de coração, que não venha a descobrir tão
cedo. Talvez, se eu contasse todas as implicações do vínculo estabelecido entre
nós, ela não seria tão fodidamente teimosa, mas, então, não seria a garota por
quem me apaixonei.
Antes que eu coloque o capacete, meu celular apita e claro que é uma
mensagem do príncipe encantado dos infernos, garantindo que irá protegê-la.
Ainda vou ter que agradecer àquele raiozinho de sol irritante por isso, já que
conheço bem a habilidade de Harper M. Lawson de foder com todas as regras e
com a minha cabeça.
E comigo.
Pensamento maravilhoso para cortar a noite de moto, a caminho de uma
armadilha.
Timing de merda, eu disse.

Encontrar o lugar vazio me surpreendeu, confesso. Eu não imaginava que


aquele bando de velhos seria tão covarde. Mas são.
Os lobos escondidos do lado de dentro do lugar, nem tanto.
Mack, que estava monitorando a floresta ao fundo da igreja, não demorou
a chegar e me ajudar a dar cabo da dupla maldita de lobos brancos que, pelos
movimentos mal calculados e instintivos demais, eram recém-transformados e não
teriam chance alguma contra nós. Assim que encerramos com eles, ali dentro, já
em nossa forma lupina, ouvimos os uivos do lado de fora: a porra de um chamado.
— Eles têm reforço. — Observo o lobo acinzentado ao meu lado arregalar
os olhos ao meu ouvir.
— Caralho! — atesta. — Que venham! Nós temos a porra do Alpha.
Ainda estamos rindo da novidade, quando chegamos à parte de mata densa
e o cheiro forte, denunciando os invasores, invade nosso olfato. Muitos deles. A
porcaria de um exército de lobos brancos que, aos poucos, vai aparecendo diante
de nós. Um a um, mostrando seus dentes afiados e sua sede por destruição.
— Não precisamos brigar, Ash — a voz de Mack reverbera em minha
cabeça. — Tem diversão para todos nós. Pronto? Eu vou primeiro!
O lobo acinzentado se lança no espaço entre nós e abocanha o pescoço do
primeiro lobo branco à sua frente. E foi aí que a merda toda começou. Enquanto
lutamos com o pequeno exército de novatos, um bipe fraco, ao longe, não
conseguiu nos alertar para o que aconteceria em seguida.
Devo admitir que subestimei nosso inimigo e sua capacidade de
destruição. Implodir a porra da igrejinha foi um truque de mestre, nos mandar
tontos e surdos, por alguns momentos, para a floresta cheia de lobos à espera,
também foi algo bem inteligente de se fazer.
Não fossem os nossos espiões infiltrados, com suas armas — Harper
inclusa, manejando uma porcaria de espingarda antiga com uma habilidade
preocupante, teria sido o ponto alto da noite. Se ela não tivesse acertado uma bala
certeira em um dos lobos de pelagem branca que estava prestes a pular sobre Eli,
que apareceu com um novo grupo dos nossos alguns minutos depois de toda a
confusão com a igreja.
Onde é que essa mulher aprendeu a atirar?
Não sei quanto tempo se passa, até conseguirmos controlar a situação, mas
depois de conseguir subjugar os adversários, observando alguns poucos fugirem
dali, levamos nossos feridos de volta à Colina, reagrupando nosso bando,
enquanto pensamos no que fazer a partir daqui.
Já na forma humana, sentado com os outros na sala da minha casa, que se
tornou uma espécie de quartel general, aguardo, com o coração apertado, a ligação
de Harper. Ela insistiu em manter o plano e esperar por Vicky em casa, se
despedindo de mim ainda na floresta, com um maldito carinho atrás da orelha sob
o olhar divertido do Príncipe Chad.
Jasper, que estava com a namorada em outra frente, defendendo nossas
terras — um segundo alvo de ataque — mais um ponto para a astúcia do inimigo
— ainda não havia dado notícias e isso estava me deixando ainda mais nervoso.
Nem mesmo a chegada da notícia de que conseguimos capturar um deles,
conseguiu me trazer alguma alegria. Não até o telefone tocar e eu ver o número na
tela.
— Minha Lua — declaro, assim que atendo, mas o silêncio do outro lado
me deixa em alerta. — Harper?
— Liam. — Sua voz é baixa no aparelho. — Jasper e Vicky estão com
vocês? Ela ainda não apareceu e tia Lin estará aqui a qualquer momento. Eu…
Liam, eu tô preocupada de que algo tenha dado errado e…
Porra!
— Mack, Brennam e Eli! — chamo do pé das escadas e logo ouço sua
movimentação no andar de cima. — Estou a caminho, Harper. Feche as portas e
não saia de casa. Ouviu? — Olho para os três, já prontos para a ação à minha
frente. — Eli e Mack, vocês vão atrás de Jasper, eles estavam na área norte e ainda
não voltaram. Brennam, peça para prepararem nosso convidado.
Olho para os outros ali na sala, enquanto traçam mais planos de defesa
para as próximas horas, já que não sabemos o que mais pode acontecer. Clico no
número que jamais imaginei ter na discagem rápida e espero até que atenda, o som
de um carro em movimento me diz que Chad não deve voltar para casa essa noite.
— Preciso que vá até a casa de Harper e fique lá com elas. A tia deve
chegar a qualquer momento e Vicky ainda não retornou. — Ouço seu suspiro do
outro lado da linha. — Não deixe que ela saia de casa, Chad. — Ele apenas
confirma e desliga o telefone.
Vou mesmo ter que agradecer a esse cara.
Há um dos nossos de guarda, mas duvido muito que ele consiga impedir
Harper Moon de sair, se ela quiser fazê-lo. Pelo menos, Chad tem mais chances de
argumentar e é com isso que estou contando no momento.
— Organizem tudo conforme conversamos, enquanto tento descobrir mais
a respeito desses merdas — falo, a ninguém em especial, e saio dali em direção ao
maldito forasteiro que conseguiram aprisionar.
De volta ao celeiro, pego minha moto e sigo até a pequena construção, um
antigo armazém onde meus antepassados guardavam grãos, para me encontrar
com o lobo capturado. Agora, já em sua forma humana, é claro.
— É um homem na faixa dos seus trinta e cinco anos, de fora do estado —
um dos homens de McGraff reporta, assim que chego às portas do lugar. — Ele
não gostou muito de ser capturado e não quis contar nada a nenhum de nós.
Do lado de dentro do lugar escuro devido à falta de luz elétrica, Mcgraff, o
homem mais velho, bronzeado de sol, segue nervoso, tentando fazê-lo falar, mas o
outro permanece calado com uma expressão debochada em seu rosto.
— Deixe-o, Tim. — Paro ao seu lado e coloco a mão sobre seu ombro,
tentando acalmá-lo. — Agora, é comigo.
— Boa sorte, Ash, esse babaca consegue ser irritante — Tim McGraff
avisa, antes de sair, enquanto nosso prisioneiro sorri de forma irônica.
— Mandaram um moleque, agora? — Ele cospe vermelho no chão, ainda
zombando, mesmo ferido. — Red tem razão, são um bando de amadores e não vão
demorar a cair.
Ora, ora, talvez só faltasse um moleque para fazê-lo cantar feito um
passarinho.
— Conte-me mais sobre esse tal “Red” — peço à ele, acendendo um
cigarro e me sentando em um dos bancos de madeira dispostos por ali. Sopro a
fumaça, observando-a subir até as janelas altas do lugar.
— Vá brincar nas saias da sua mãe, garoto. — Gargalha, antes de ter uma
crise de tosse. O cheiro que exala revela ferimentos antigos, além dos que sofreu
essa noite. — Ele vai destroçar vocês. Somos muitos.
— Eu duvido. — Sorrio, me aproximando, jogando o cigarro no chão e
pisando sobre ele enquanto paro à sua frente, analisando-o mais de perto.
Farejo ao seu redor e sinto ainda o cheiro da ferida antiga. Provavelmente,
a última lua cheia, dias atrás, tenha sido a sua primeira transformação. Está se
deteriorando rápido, considerando o odor purulento que exala.
— Vai me beijar? — provoca, me fazendo rir. Ignorando-o, volto ao lugar
de antes, me afastando do fedor do homem.
Um cadáver que ainda fala.
— Esse tal… Red. — Me viro para olhar o idiota preso a correntes de
prata, que o impedem de se transformar. — O que ele pretende?
— Uma nova espécie. — Sorri, com as gengivas pintadas de vermelho.
Falta pouco para que seu corpo colapse. — Mais forte e preparada do que os
demais. E ricos, é claro.
— Creio que tenha sido ele quem o mordeu. — Volto para perto dele, sua
tosse piorando, fazendo-o resfolegar. — E que iludiu todos vocês direitinho. —
Estalo a língua.
— Ele nos advertiu sobre as mentiras que contaria. Poupe seu fôlego,
moleque. — Mais uma crise de tosse.
— Então, sabe o que acontece com os transformados por lobos que não
sejam um Alpha, não é? — Noto que agora ele presta atenção em mim, sem a
certeza e o deboche de antes. — Red, que sabe tanto sobre nós, parece ter se
esquecido de contar sobre esse detalhe.
— Em breve, ele se tornará um Alpha poderoso e nós não teremos
problemas — recita, como se houvesse repetido a mesma coisa inúmeras vezes
antes.
— Impossível. — Sorrio. — Somente determinadas linhagens e
pouquíssimas circunstâncias criam um Alpha. Não creio que seja o caso do seu
amigo. — Aponto para ele. — A tosse e o sangue na gengiva são sintomas. A
infecção que o tornou um lobo está se espalhando rapidamente, mas você não tem
o sangue Alpha em seu organismo, por isso, está apodrecendo de dentro para fora.
Para demonstrar, exponho uma garra e corto seu punho, permitindo que o
odor podre se espalhe pelo ambiente.
— Pode levar muitos anos, ou poucos dias, como é o seu caso. Mas todos
morrem de forma dolorosa e triste. Por isso, as lendas chamam de maldição.
— Não faz ideia do que está falando! Ele disse que, quando for o mais
poderoso, será um Alpha e então, nós seremos invencíveis.
— Seu amigo mentiu. — Sorrio ao ver seu olhar assustado. — Me conte
onde está Vicky Miller e qual é o nome do seu criador e, talvez, eu possa salvá-lo.
— A loirinha e o idiota de moto devem estar a caminho do alojamento
agora — o idiota conta. — Talvez, até mesmo em uma sala, sendo interrogados
como eu. — Resfolega e acaba cuspindo um dente, voltando a me olhar,
desesperado dessa vez. — Foi Red. O rosto dele foi desfigurado pelo Alpha que o
transformou, anos atrás, e agora, ele voltou por vingança. — Inclino meu pescoço,
ouvindo seu coração. Ele está realmente falando a verdade. Ou o que ele acredita
ser verdade. — Agora, traga seu Alpha até aqui e cumpra com sua promessa; se
estiver certo, ele pode me salvar.
Não pode. Já é tarde demais para você.
— Qual será o próximo passo de Red? — Seus olhos encontram os meus e
noto quando a fúria cresce dentro dele.
— O Alpha, garoto — exige, com seus dentes muito amarelos. Noto a
cicatriz recente em seu pescoço e sorrio mais uma vez, me lembrando do
confronto com o lobo na floresta.
— Acho que já nos vimos antes. — Ele segue parecendo confuso. — Qual
será o próximo passo?
— Ele quer a herdeira — rosna. — Agora, cumpra com a sua palavra,
moleque!
Ele não colocará as patas em Harper, porra nenhuma!
— Claro. Eu prometi um Alpha, não foi? — Recuo alguns passos e encaro
seus olhos, deixando que veja o exato momento em que meus olhos se escurecem.
Terríveis e implacáveis, como as garras que crescem em meus dedos ou como os
caninos que se expandem em minha boca no mesmo momento.
Lindos. — Nas palavras de Harper.
Só não sei se o sujeito, que grita desesperado enquanto tenta se soltar à
minha frente, concordaria.

Vestindo uma roupa emprestada de McGraff, depois de me lavar na água


gelada do tanque aos fundos do galpão, sigo para casa e noto a movimentação
intensa, antes mesmo de alcançar a porta. Do lado de dentro, os gritos e gemidos
de dor de Jasper me fazem subir os degraus correndo e o encontro cercado por
Mack e Brennam, e sendo avaliado por Dr. Smith, o médico do clã.
— Jasper, o que... — Observo o ângulo estranho de seu braço esquerdo e a
pele dilacerada de sua perna, entre outros ferimentos espalhados pelo seu corpo,
mas não é isso que me preocupa nesse momento.
É o seu desespero, o modo como se debate e parece cego aos demais,
enquanto chama o nome de sua escolhida sem parar. Porra!
— Precisa ficar quieto, filho. — Dr. Smith tenta acalmá-lo, mas ele não o
deixa se aproximar. Ele olha preocupado para a mulher mais velha que o
acompanha e aponta para sua maleta, aberta em um dos sofás ao lado. — Vamos
ter que aumentar a dose do calmante, sra. Griff.
— Não. — Me aproximo deles, encarando os olhos totalmente escuros,
tomados por dor e desespero. — Ele está cego para nós. Jasper — seguro seu
braço “bom” e olho em seus olhos, imprimindo ali toda a força que consigo, para
buscá-lo e trazê-lo de volta à realidade. —, nós vamos encontrá-la, eu prometo.
Descanse.
Mack assovia impressionado, assim como eu, quando meu amigo aos
poucos para de lutar e fecha os olhos — seu corpo, que antes se debatia, pendendo
inerte no sofá. Ao me virar, encontro o médico e sua enfermeira curvados, e
dispenso o gesto rapidamente, um pouco tonto pelo que acaba de acontecer.
— Preciso ir até Harper — aviso a ninguém em particular. — Mantenham
os limites da floresta sob vigilância e me avisem assim que Jas acordar, tudo bem?
— Ash, cara, o que pretende fazer? — Mack se aproxima de mim enquanto
sigo em direção à minha moto.
— Ainda não tenho certeza. — Coloco o capacete. — Até o fim da noite,
teremos um plano.
E um confronto iminente, com toda certeza, mas prefiro guardar isso para
mim, embora tenha quase certeza de que ele sabe o que nos aguarda.
— Esperarei — garante, com a mão em meu ombro — ansioso.
Tento manter minha mente limpa enquanto atravesso a cidade, guiado
apenas pela necessidade de ver a garota de cabelos escuros, pensando em como
farei para contar a ela sobre o desaparecimento de Vicky, e ignorando todo o resto
da situação de merda, que tem um potencial enorme de se tornar um banho de
sangue a qualquer momento.
Paro minha moto junto ao meio fio e mal dou dois passos, quando a vejo.
Desaparecida há vários dias, Sra. Holloway está parada diante da lanchonete
fechada, como uma maldita assombração. Porém, os olhos claros e determinados
que estão fixos em mim, nada têm de mortos e, ignorando o lobo que rosna às
minhas costas, em um aviso claro para que se afaste, a mulher atravessa a rua
caminhando com firmeza em minha direção.
— Ela está bem, por enquanto — sua voz baixa, mas autoritária, declara,
enquanto estendo a mão às minhas costas, avisando ao lobo para que não ataque.
— Acalme o seu coração, Alpha, nós precisamos conversar.
Quantas surpresas mais eu terei nessa noite?
— Sra. Holloway, há muito acontecendo agora e, embora a gente
realmente precise conversar, não sei... — começo a dizer, mas a mulher segura
forte o meu antebraço, fincando as unhas ali.
— Para não perecer no futuro, precisa conhecer o passado, criança. E a
verdadeira história por trás dos Acordos — a voz agourenta decreta, se
antecipando à mim e batendo à porta vermelha, antes de rir da confusão evidente
em meu rosto. — Não sou a única que guarda segredos, Liam Ashbourne. —
Quando a porta se abre, revelando o rosto esperançoso e inchado da enfermeira, a
idosa abre um sorriso amável. — Olá, Elinor, ao que tudo indica, o passado veio
cobrar seu preço essa noite.
Sobre o ombro das duas, consigo ver Harper ansiosa, sentada ao lado de
Chad no sofá, enquanto conversam baixo, sem se interromper com a chegada
inesperada da idosa. Não tenho tempo de sentir ciúmes, no entanto, já que ela se
levanta e corre em minha direção, se lançando em meus braços sem se importar
com o resto das pessoas ali.
Apenas pressiono meus lábios nos seus, reprimindo a vontade que sinto de
aprofundar o momento, em respeito à plateia que nos assiste, e viro minha
namorada em meu abraço, encarando sua tia, que assiste a tudo com uma
expressão chocada em seu rosto bonito, enquanto Chad parece muito interessado
em seu telefone e Olga Holloway sorri minimamente, antes de quebrar o silêncio
de forma irreverente:
— Ah, pare com isso, Elinor! Você e sua irmã teriam feito qualquer coisa
para ter uma chance com Owen Ashbourne, naquela época. — Estala a língua para
o olhar escandalizado da enfermeira chefe do Hospital Emberwood. — Mas minha
filha foi alvo dele, desde o início, não é?
Então, é verdade. Olga Holloway é minha avó materna.
— Vocês não parecem surpresos — pondera, abrindo mais um sorriso,
tímido dessa vez. — Marianne, creio eu.
— Minha mãe falou um pouco sobre o passado. — Harper se adianta e me
puxa com ela para o sofá. — Os relatos foram um pouco confusos, mas ela contou
sobre o meu pai e sobre suas suspeitas, na época.
— E, claro, você contou tudo ao seu amado — atalha, enquanto Harper
confirma com um aceno. — Bom, bom... Isso nos poupa um pouco de tempo,
coisa que está se esgotando para a garota Miller.
Elinor Miller solta um suspiro triste, enquanto leva as mãos para o peito,
preocupada, é claro, pela filha. E a julgar pelo modo nervoso com que olha nossas
mãos entrelaçadas sobre o joelho de Harper, não está muito feliz com a novidade.
Minha namorada parece notar o rumo dos pensamentos da tia e aumenta o aperto
dos seus dedos nos meus.
— Harper, sua mãe deveria tê-la alertado sobre isso. — A mulher foca
nossas mãos com uma expressão temerosa. — É errado. Proibido. Nada daquilo
teria acontecido, se não fosse por conta de Luce e Owen. E minha filha...
A idosa, sentada ao seu lado, inclina a cabeça como se desafiasse Elinor a
seguir falando, mas, com o rosto vermelho e o coração acelerado, a mulher de
branco se cala.
— Nós duas sabemos que eles foram apenas vítimas nessa história toda,
Elinor. Poupe seu fôlego. — O tom raivoso da mulher nos mantém em silêncio. —
Um Graymane aqui... interessante. Talvez vocês sejam pessoas melhores do que a
geração anterior. E a que veio antes dessa, é claro.
— Não temos tempo, Sra. Holloway — decido interferir. — Precisamos ir
atrás de Vicky e...
— O pai dela não deixará que a machuquem. — A velha estala a língua,
rejeitando meu comentário. — E não ficarei magoada porque não me chamou de
avó, Liam Octavio Ashbourne. Que direito eu teria, depois de ter virado as costas
para minha filha, não é? Mas, vamos às informações que vão nos ajudar a lidar
com esses eventos desastrosos, no presente. Conte a eles, Elinor.
— E-eu... Sra. Holloway! Certas coisas não...
— Subestimei o quanto está disposta a fazer pelo bem de Victoria? — a
velha dispara e Elinor respira fundo no lugar, os ombros caindo em derrota.
— Ele voltou há alguns meses... — a tia de Harper começa a dizer, com a
voz baixa e os olhos voltados para o chão. — Ameaçou Vicky e eu não podia... ela
é a minha única filha. — As lágrimas rolam pelo rosto da mulher e de Harper. —
Ele precisava trazê-la para perto e me prometeu que não machucaria você, Harper.
Jax jurou. É o seu pai! Eu…
Puta que pariu.
— Então, fui atraída para cá. Sabe, eu sou a filha única da minha mãe,
também. — O tom de Harper é frio, porém intenso, quando ri sem nenhum humor.
— Não existe bolsa de estudos, não é?
— Desculpe, querida. Ele é quem está financiando tudo. — A enfermeira
tenta tocar a mão da sobrinha, mas ela se afasta.
— Minha... — Coça a garganta. — Minha mãe sabe sobre isso?
— Não. Ela não permitiria — a tia se apressa em dizer. — Ela não sabe
que Jax está vivo. Nem mesmo eu sabia, antes de ele aparecer no hospital.
— E ainda tem coragem de me julgar e dizer que é errado estar com o
homem que eu amo — acusa baixinho. — Me entregando de bandeja a um
indivíduo que se fingiu de morto por anos…
— Harper, Jax me garantiu que não a machucaria. — A tia parece
realmente arrependida, mas ainda tenta se defender.
— Jax Redmayne? — Chad arregala os olhos. — O melhor amigo do meu
pai, que foi assassinado junto à família, por lobos?
— Não tão morto assim, não é? — comento, sarcástico. — Meu pai falhou
nisso também, ao que tudo indica. Red, o maldito chefe da alcateia de lobos
brancos. Filho da puta! Tudo claro como o dia, bem na nossa cara.
— Não diga isso. — A mulher de branco se senta na beirada do sofá, sob o
olhar incentivador da idosa. — Seu pai não fez nada do que dizem. Aquela noite
foi o ápice de tudo, mas não começou ali. O ódio, a inveja... tudo teve início
quando Luce e Owen se apaixonaram.
— Minha mãe disse algo assim... — Harper complementa. — Redmayne
era apaixonado por Luce e não superou quando ela se envolveu com o Ashbourne.
Que era fora do comum, como se eles fossem um só e…
Como nós.
— Como vocês, querida. — A minha “avó” aponta. — Jaxon era um
garoto mimado e obstinado, e não entenderia algo tão profundo. A mãe,
deprimida, mal saia da cama, e o pai era terrível com eles. — Seus olhos parecem
viajar através do tempo. — Pobre mulher... amarga e triste, ela mal podia amar a si
mesma. E aquele homem era um monstro, de fato. Ele ameaçou tomar nossa
propriedade quando Lucinda e Owen começaram a namorar. Meu marido era um
homem bom, até se ver pressionado pelos outros e pelo seu próprio preconceito.
Naquela época, ele não acreditava muito no que diziam sobre os animais na
floresta, nenhum de nós acreditava.
— Mas por que ele voltaria para se vingar do meu pai, se a vida dele
desmoronou após aquela noite? Não vivem dizendo, por aí, que ele enlouqueceu e
matou a própria esposa? — Não faz sentido nenhum toda essa merda.
— É mentira, boatos apenas — Elinor volta a falar. — Eu cheguei àquela
igreja e a vi lá. — Fecha os olhos, deixando as lágrimas caírem. — Luce estava de
bruços, agonizando, enquanto cobria o filho pequeno, protegendo-o com o próprio
corpo. Quando me viu, abriu espaço para que eu o pegasse. Havia uma ferida em
sua barriga e outra perto do ombro, de onde saía muito sangue, e você chorava,
assustado.
Puta merda.
A idosa ao seu lado tem os lábios crispados em uma linha fina, enquanto
segura uma das mãos da tia de Harper, em um gesto de apoio, ao mesmo tempo
em que a minha namorada desenha padrões alternados com a mão em minhas
costas, sentindo-me tremer.
— Eu ainda estava lá, tentando fazer alguma coisa, quando Owen
Ashbourne entrou pela porta, transtornado. Ele correu até nós, chamando por ela,
desesperado. Quando caiu no chão ao nosso lado, ele a tomou nos braços,
clamando a ela para que não o deixasse, mas não havia muito o que pudéssemos
fazer.
“Foi quando a ouvi sussurrar o nome de Jax, mas nem assim ele se afastou.
Não naquele momento. Foi quando Luce realmente se foi, que as coisas saíram de
controle. Steven Hill e Michael Blackmoon chegaram, logo depois que Owen
começou a uivar, meio bicho e meio gente, perdido em sua própria dor naquele
momento.
Ele a deitou no altar, penteando os cabelos escuros com os dedos trêmulos,
ajeitando sua roupa e suas mãos sobre o peito, antes de beijar seus lábios e olhar
para o garotinho em meus braços. Provavelmente, foi isso que me manteve viva,
não saberia dizer, já que seus olhos eram escuros como a noite e não havia vida
ali, só dor, desespero e morte. Foi quando ele deixou o lugar e, antes que os
amigos o seguissem, garanti a Steven que levaria a criança para casa comigo, e foi
o que fiz. Ainda impactada com tudo, segurei o garotinho de cabelos escuros com
força, enquanto corria de volta para cá.
Olga não estava na cidade, mas John Holloway, sim. Logo que me viu com
o pequeno no colo, ele se aproximou, tentando me fazer soltá-lo, dizendo coisas
terríveis sobre ele e seus pais. Foi quando eu gritei que haviam matado Luce e que
aquele era seu neto, um pequeno escândalo que o fez mostrar os dentes
pontiagudos e as garras terríveis, enquanto rosnava de forma estranha. Mas, antes
que avançasse sobre mim, meu pai abriu a porta e atirou nele. John Holloway caiu
e não se levantou mais. Assim como fez com o lobo branco e feroz que tentou
entrar nessa casa um pouco mais de um ano depois, um tempo após Jack, meu
marido, ter nos abandonado. Porém, dessa vez, ele não conseguiu matá-lo, embora
tenha acertado a pata traseira do animal e ele jamais tenha voltado a aparecer.”
— Até agora — Harper completa. — Eu o vi desde o primeiro dia em que
chegamos, sempre à espreita da casa e fui perseguida na floresta, mais de uma vez,
tia Lin. Será que esse lobo é o meu... Redmayne?
— Duvido muito. Ele é um covarde, Harper. — Seguro firme a sua mão,
incapaz de soltá-la, impactado demais com tudo o que acabamos de ouvir. — Está
mandando seus lacaios. Possivelmente, é um dos seus que anda rondando a casa.
Elinor estremece no lugar e me sinto um pouco mal pela falta de tato ao
falar minhas suposições em voz alta. Enquanto isso, minha mente gira,
compreendendo um pouco melhor Owen e seu modo de agir. Não consigo
imaginar o quanto ele sofreu e tem sofrido por todos esses anos sem a razão da sua
existência, algo que não seria possível para mim.
— Liam, você está bem? — Harper se vira no lugar e pergunta baixinho.
Minto com um aceno breve, mas me volto para a enfermeira, que enxuga o rosto
no guardanapo de papel que o príncipe encantado acaba de entregar-lhe. É claro
que ele saberia exatamente o que fazer.
— O que aconteceu com seu marido, antes de ele desaparecer, Sra. Miller?
— pergunto a ela, me recordando do lobo que mancava, na floresta. — Ele era um
dos amigos de Jax Redmayne, não era?
— Infelizmente. — Enxuga o rosto e dobra o papel. — Jack se tornou
violento e estranho após alguns meses da tragédia. Achei que fosse pela gravidez e
o casamento às pressas, mas ele parecia alguém diferente. Uma noite, avisou que
iria embora e nunca mais voltou. Bem, pelo menos, não em forma humana.
Maldito Miller.
— Então, estamos lidando com fantasmas do passado. — Me levanto,
andando pela sala, incapaz de ficar parado.
Noto que Chad e Elinor se retiram para a cozinha, sob o pretexto de
preparar um chá e me deixam a sós com Harper e a mulher que abandonou minha
mãe por ter se casado com um Ashbourne, e que me rejeitou pelo mesmo motivo,
aparentemente.
— Eu não estava aqui quando John a rejeitou — ouço a voz da velha bruxa
às minhas costas. — Loman, meu filho mais novo, era um adolescente
problemático e estava em uma clínica para dependentes químicos, na época. Mas
eu não a abandonei. Nos falamos durante toda a gestação e eu a visitava, sempre
que podia. Não pude ficar com você, Liam, por causa de Loman, que era instável
demais, e eu não poderia fazê-lo correr mais riscos. — Me viro para olhar para a
mulher que chora, de pé, a alguns passos de distância de mim, noto que Harper
também entra na cozinha, após pressionar os dedos nos meus, nos deixando a sós.
— Não se eu pudesse evitá-los. Mas eu peço perdão por não cuidar de você, por
não estar lá quando precisou, porém, foi para sua segurança. Aquele monstro virou
a cabeça de Loman e pôs um alvo em todos os Holloway, exceto em mim. Embora
os Hill tenham sido bons para você, eu sei. — Confirmo, sentindo meus olhos se
embaçarem, pelas lágrimas não derramadas. — E eu vou pagar a minha dívida,
essa noite, eu prometo.
— Não me deve nada. — É muito para lidar nesse momento. — Mas, se
quer fazer algo por mim, proteja Harper. Ela é a minha vida.
— Você foi até o fim — conclui e sorri. — Sua mãe estaria encantada,
tenho certeza. Seu pai teve que lidar com muita coisa, pobre homem — lamenta.
— Eu não viverei um dia sem ela. — Olho em direção à única pessoa que
conseguiu me fazer sentir completo, mesmo da cozinha, ela se mantém atenta a
mim. Me tornou completo.
— Eu o farei — garante. — Você tem o sorriso dela, deveria mostrá-lo
mais vezes.
— Não sei muito sobre minha mãe — admito, dando de ombros.
— Estarei aqui para contar tudo o que quiser saber sobre Luce — garante.
— Mas hoje, há algo mais importante que precisa saber. Sobre os lobos brancos…
Esse dia é o mais estranho da minha vida.
— Eles estão doentes — digo à ela, que assente, como se soubesse
exatamente do que estou falando. — Talvez, isso tudo acabe, antes do que
imaginamos.
— Ou não. Há um mito sobre uma velha magia, de que o sangue de um
Alpha poderoso poderia estabilizar os recém-criados e é nisso que Redmayne está
se apoiando. Ele é um homem inteligente, mas está concentrado no revanchismo e
na vingança contra o único que se colocou em seu caminho.
— Meu pai. — Tento me lembrar de quando falei com ele pela última vez,
e só então, percebo que já faz um tempo. Imediatamente, tento falar com ele, mas
não consigo, o telefone chama até cair na merda da caixa postal. Ligo para um de
seus carcereiros e, assustado, ele constata que meu pai não está mais em seu
quarto e um de seus colegas está desaparecido. — Porra! Esse filho da puta vai me
pagar caro por isso.
— Mas pegaram o Ashbourne errado, não é? — Os olhos leitosos fixos nos
meus. — Você finalmente aceitou o seu destino, Liam, e, para infelicidade dos
seus inimigos, você é mais forte do que imagina.
— Cuide dela — peço, enquanto o som da voz de Harper se expande pela
sala, assim que ela se aproxima de nós.
— Liam, tá tudo bem? — Segura meu rosto entre as mãos, acariciando as
laterais com os polegares e não sei o que vê ali, mas se afasta e me puxa pela mão.
— Vem comigo.
Estou pouco me fodendo para quem está ao nosso redor nesse momento,
quando tudo o que me importa está aqui, agora, ao alcance das minhas mãos. E é
com esse pensamento que subo as escadas de mãos dadas com Harper e a sigo
pelo corredor curto, decorado com muitas fotos das irmãs Lawson e de uma
garotinha loira em diversas poses, assim como algumas fotos antigas de um casal
que deve ter sido seus avós. Nada da opulência das grandes mansões, como as
outras famílias fundadoras.
Os Lawson sempre foram mais apegados aos investimentos no hospital, o
que manteve a família em uma situação confortável, até que um deles perdeu tudo
no jogo. Assim contam as histórias. — O que me faz duvidar um pouco de sua
veracidade, já que, nesse dia estranho, tantas mentiras parecem ter vindo à tona.
Observo-a subir alguns degraus de madeira que levam ao que seria um
sótão, e sorrio, já que é muito a cara dela não dormir em um dos quartos do
segundo andar. Sigo-a para dentro do cômodo amplo e acabo batendo a cabeça no
teto baixo, enquanto meus olhos correm pelo ambiente desorganizado e feminino.
O cheiro delicioso da mulher à minha frente dominando cada centímetro, junto ao
aroma doce de incensos.
— Cuidado. — Se ergue nas pontas dos pés e acaricia a lateral da minha
cabeça, já que acabo de batê-la de novo ao dar um passo em sua direção. — O teto
é baixo — sua voz soa tímida. — Mas eu precisava de um pouco de privacidade.
Como você está?
É impossível não sorrir. O mundo desabando à nossa volta e a pequena e
corajosa mulher está preocupada em saber como eu estou.
— Vem aqui. — Puxo-a pela mão e colo seu corpo ao meu. —
Honestamente? Não sei. É muito para absorver, Harper, e não temos tempo para
isso. Preciso resgatar Vicky, enfrentar essa merda de maluco que decidiu se vingar
e, ao mesmo tempo, não consigo pensar em nada que não seja você.
— É um resumo muito bem assertivo dos meus pensamentos — ela diz, se
erguendo na ponta dos pés para tentar alcançar a minha boca. — Nós temos muito
o que fazer agora. Preparado?
Droga.
Caminho até sua cama e me sento ali, trazendo-a para o meu colo,
enquanto o colchão macio afunda sob o nosso peso. Inalo o perfume de seus
cabelos e fecho os olhos, desejando em silêncio que eu possa repetir isso em
breve.
— Você não virá comigo, Harper Moon. — Não olho para ela, mas sinto
seu corpo tensionar sobre o meu. — É o meu coração fora do peito.
— Isso é uma idiotice! — Claro que ela não iria aceitar facilmente. —
Porque me sinto da mesma forma, e não posso deixá-lo ir sem mim! — Seguro seu
rosto e a forço a olhar para mim, embora ela esteja furiosa nesse momento,
mantém o foco, me enfrentando em silêncio. — Por que é que eu não posso ir? O
culpado por toda essa merda é o meu pai! Além disso, como é que eu vou
conseguir me despedir de você, sabendo que... Liam, eu não...
Pressiono meus lábios nos seus com delicadeza, deslizando meus dedos
calejados, devido ao esporte e à rotina pesada de treinos, pelo seu rosto,
encaixando-os em sua nuca, quando aprofundo o beijo. Minha língua pedindo
passagem em sua boca, enquanto me entrego ali, em uma despedida silenciosa, até
que nos separamos em busca de ar.
— Você precisa ficar, porque é o meu ponto fraco — murmuro, roçando
minha boca na sua por conta da proximidade. — Você ouviu o que sua tia falou
sobre o meu pai, não foi? Eu faria pior, Moon, se algo acontecesse a você. Entende
isso?
— Mas... — ela tenta argumentar, porém, entendeu bem o que aconteceu
naquela noite. — Maldita esquisitice de lobos.
— Sim. — Sorrio, beijando-a mais uma vez. — Vou trazer sua prima de
volta.
— E os meus amigos, e você — emenda, beijando-me mais uma vez. —
Por favor, volte para mim. Prometa.
Não respondo. Jamais faria uma promessa que não sei se poderei cumprir.
Mas posso garantir a ela que morrerei tentando, e é isso o que farei. O beijo se
torna algo mais, bruto e urgente, mas logo acaba.
— Preciso ir. — Beijo sua boca mais uma vez e, sem querer, esbarro na
mesa de cabeceira, derrubando todo o conteúdo de uma caixinha no chão. Me
ajoelho e vou recolhendo tudo junto a ela. Erguendo uma sobrancelha quando ela
guarda um pacote de papel cheio de incensos sob o travesseiro.
— São para proteção — revira os olhos. — Não custa garantir. Meu
namorado é um lobo, o poder sobrenatural dos incensos também pode ser
verdadeiro.
Uma ardência estranha me faz jogar na cama o colar que possui uma
espécie de pingente lilás.
— É um colar que ganhei da moça da lojinha de esotéricos, para minha
proteção. — Dá de ombros. — Nunca usei.
— É prata — afirmo, esfregando o dedo queimado na camisa. — Coloque-
o e não o tire, ok?
— Mas, se isso fere você... — começa a dizer, apontando a queimadura,
com o colar na mão.
— Vai feri-los e te dar tempo para fugir, caso tentem algo contra você. —
Meu se coração acelera diante da mera possibilidade de isso acontecer. — Não
saia de casa hoje, Harper. Não até algum de nós voltar.
— Até você voltar — promete.
— Preciso ir, minha Lua. — Afago seu rosto, antes de beijá-la mais uma
vez. — Já perdemos tempo demais.
Me levanto e sigo para fora do quarto, ouvindo seus batimentos acelerados
combinados com os meus. Na sala, todos os olhos se voltam para nós, e Elinor é a
primeira a se adiantar, se levantando e caminhando até mim, nervosa.
— Me perdoe por tudo... — Os olhos vermelhos suplicam. Como se eu não
tivesse uma dívida com ela, por ter cuidado de mim naquela noite. — Por favor,
traga minha filha de volta. Ela não tem culpa de nada...
— Farei todo o possível, sra. Miller — garanto a ela. — Vicky é uma de
nós e tenho um compromisso com meu irmão, de tirá-la de lá em segurança.
— Tenha cuidado, criança — Olga Holloway, minha avó, para ao lado da
enfermeira. — E lembre-se de que é mais forte do que imagina. Tem a seu favor
algo que Jax Redmayne jamais terá e que não pode comprar de forma alguma. Ele
desconhece a lealdade. Lembre-se disso. O Alpha ordena e, quando o faz, não há
como ser negado.
Claro que ela não poderia dizer algo diretamente, ao invés de mensagens
cifradas, nas quais não tenho tempo para pensar.
— Cuide dela — peço mais uma vez, apertando mais as mãos de Harper
entre as minhas.
Seguro seu queixo e ergo seu rosto para mim, roçando a lateral do meu no
seu, fechando os olhos e me permitindo alguns últimos momentos de calmaria,
antes que tudo se torne uma loucura.
— Nos vemos em breve, Harper Moon. — Meus lábios tocam os seus de
leve.
— Liam, não... — Harper resiste, como sabia que faria, enquanto Chad
está na porta, visivelmente esperando por mim.
— Por favor, fique segura. — Olho para ela e, então, para a idosa,
cobrando silenciosamente a promessa que me fez. — Não faça nada estúpido, por
favor.
Quando saio porta afora, me sinto oco. Respiro o ar frio da noite e espero,
enquanto Chad fecha a porta.
— Eles têm um pequeno exército, você tem certeza? — pergunto conforme
descemos os degraus juntos.
— Todos eles têm uma justificativa para estar nisso. — Sua voz assume
um tom furioso e decepcionado. — Vingança, raiva, inveja... O meu pai só tem
ambição e falta de escrúpulos. Eu vou, Ash, e que se fodam todos eles.
Eu espero que sim.
Pela janela, observo enquanto a moto se afasta, deixando-me com a
sensação dolorida de vazio dentro do peito.
— É incrível o quanto o Vínculo os torna frágeis e, ao mesmo tempo, tão
mais fortes. — A voz da vizinha fofoqueira de plantão, também conhecida como
avó do meu namorado, soa ao meu lado na janela. — Meu neto sabe sobre a busca
de Redmayne pelo poder do Alpha, mas não entendeu ainda o principal: algo que o
garoto mimado, de anos atrás, não saberia reconhecer e que nem mesmo Liam
consegue perceber ainda, já que nasceu para isso.
— Sra. Holloway, por favor, vamos parar com as palavras bonitas e os
enigmas que parecem ter saído de um livro de aventura. Fale logo o que quer dizer
— imploro.
Do lado de fora, algo se move, sorrateiramente. Passos pesados correndo
no espaço abaixo da janela e ao redor da casa, até que um uivo agonizante
preenche o lugar, fazendo tremer os vidros das janelas, antes que tudo fique
silencioso de forma aterrorizante. Como a falta da brisa que antecede uma
tempestade, tudo silencia.
E a porta vermelha se abre com um estrondo, dando passagem a um
homem alto, magro, de cabelos escuros e desgrenhados, na altura dos ombros,
totalmente nu, que observa tudo ao redor, antes de focar os olhos claros em nós.
— Olá, mamãe — a voz fria cumprimenta a mulher ao meu lado. — É uma
surpresa agradável vê-la aqui. Facilita muito o meu trabalho, obrigado. Elinor, os
anos não te fizeram bem algum — comenta debochado ao olhar para minha tia,
ainda sentada no sofá com uma expressão assustada, como se visse um fantasma.
— O dia está propício para reencontros familiares.
— Loman. — A Sra. Holloway dá um passo à frente, mas ele estala a
língua em uma negativa e ela para no lugar. — Não precisa fazer isso, meu filho.
Nós já perdemos tanto...
— Eu quero fazer, mãe. — Sua voz raivosa sai em um rosnado baixo. — É
isso o que você nunca entendeu. Agora, eu preciso cumprir a minha missão. —
Sem parecer incomodado com sua nudez, ele anda até tia Lin e a levanta pelo
braço, sem qualquer cuidado. — Vocês serão boazinhas e vão fazer tudo o que eu
mandar, não é?
Meus olhos miram a arma antiga do vovô Lawson — que usei noite
passada, me saindo até bem, considerando que minha experiência com armas se
resume a jogos de videogame esporádicos na casa de Andy — sobre a cristaleira,
em um ato impensado, e ele, claro, percebe, indo até lá e jogando a arma longe.
Parabéns, Harper!
— Seu pai a quer viva, cadela — rosna. — Mas não disse nada sobre estar
inteira. Por favor, não me faça agir como um selvagem em frente à minha própria
mãe. Todas para fora, nós temos que comparecer a um evento essa noite e não
queremos chegar atrasados e perder toda a diversão.
Se ele não tivesse se transformado, segundos depois, em uma fera branca
diante dos nossos olhos, eu até poderia acreditar em sua preocupação sobre a coisa
toda da selvageria. Agarro mais forte o casaco vermelho que tia Lin estendeu para
mim antes de sairmos de casa, enquanto tento pensar em uma alternativa para essa
merda de situação.
Em silêncio, seguimos um lobo de quase dois metros de altura, através das
ruas vazias, cobertas pela névoa dos infernos, até chegar a um túnel escondido nas
margens da floresta. É nesse lugar escuro e úmido, com o piso feito por pedras
antigas, que estamos caminhando há quase uma hora, enquanto a fera fareja o ar,
se antecipando a cada movimento nosso.
Como uma viúva, de aproximadamente sessenta anos, faz o trajeto sem
qualquer problema, ainda é um mistério para mim e, apesar de pular no lugar de
tempos em tempos, ou ter um chilique em silêncio por causa de algum roedor
curioso, estamos nos saindo bem.
— Chegamos às suas terras, Harper — Olga, como pediu que nós a
chamássemos, murmura. — Esse lugar já foi um dos mais bonitos de Silent Grove.
Infelizmente, após aquela fatídica noite, nada mais foi o mesmo por aqui.
— Acredita mesmo que Owen tenha matado toda a família Redmayne e os
empregados? — murmuro, observando tia Lin empalidecer diante da minha
pergunta.
O lobo não se vira para nos olhar, mas sei que está ouvindo com atenção a
cada uma de nossas palavras.
— Ele estava fora de si quando deixou aquele lugar — minha tia garante.
— Mas não sei se ele faria algo assim. Apesar de ter aquele ar grave e sério, e de
estar visivelmente abalado, Owen nunca foi violento ou cruel.
Loman lobo rosna, discordando.
— Ele poderia tê-lo feito, eu não duvidaria. Naquele instante, não era ele
mesmo — Olga retruca e o lobo não volta a olhar para trás, mas ela aponta para a
luz alguns metros à frente, no que deve ser o fim do percurso. — Mas creio que
descobriremos mais a respeito disso, em breve.
À nossa frente, a luz perolada da lua, refletida no mato alto, nos recebe no
que parece ter sido a conexão de um jardim com a floresta, a apenas alguns metros
do casarão abandonado. Ao longe, passos pesados, uivos e o estampido alto das
armas, anunciando a batalha que acontece em meio ao terreno acidentado que, de
alguma forma, me pertence. E, enquanto andamos em meio ao mato, protegidas da
vista de todos pelas sombras do telhado do que já foi um lar para várias gerações
que vieram antes de mim, um arrepio intenso percorre meu corpo.
Quase uma premonição: Estamos perto do fim, agora.

E eu que pensei, por um momento — mesmo que mínimo, ao chegar aqui


— que essa maldita cidade fosse pacata e que eu sentiria falta do agito da capital.
Que ilusão!
Ao invés de estudos e toda a minha rotina tranquila, acabei encontrando
um novo esporte, um namorado gostoso, perigos diversos e lobos ameaçadores,
como o que caminha ao meu lado, enquanto nos conduz por uma espécie de átrio
no meio dos escombros, onde ao centro devia haver uma fonte em seus tempos de
glória.
A mulher idosa olha para tudo com consternação, noto quando toca uma
das manchas escuras na parede de pedra e suspira. Estou tão distraída com seu
olhar triste que não vejo o momento em que Loman deixou de ser um lobo e se
coloca entre nós e tia Lin.
— Red agradece a ajuda e permitirá que leve sua filha embora. — Sorri
satisfeito por expor a mulher à sua frente. — Aquele corredor, à direita, te levará
às escadas para os quartos. Sua única dificuldade será enfrentar o seu marido, que
espera por esse reencontro há anos. Boa sorte, Elinor.
— Po-posso me despedir delas? — tia Lin pede e, sem qualquer resposta,
corre para nós. Enquanto nos abraça, Olga desliza algo em seu bolso,
discretamente.
— Sopre no rosto dele, e então, corra para longe daqui — murmura
rapidamente, logo sendo afastada pelo filho, que a empurra.
— Vá! — ele ordena à minha tia, que se afasta hesitante, ainda olhando
para nós.
Observo enquanto ela se afasta, andando devagar até desaparecer do nosso
campo de visão. Olga olha para mim e acena, um pouco mais à frente do corredor,
cercados pelas paredes de pedra cobertas por musgo e manchas escuras de
fuligem, remanescentes do incêndio que destruiu tudo, há uma movimentação.
— A penúltima convidada da noite acaba de chegar — a voz ríspida e
maléfica que ouvi no escritório do prefeito, na outra noite, me alcança, e logo eu o
vejo se aproximar. A mulher mais velha, um pouco mais à frente, arregala os
olhos, aterrorizada, enquanto ele se aproxima de nós.
Ao mesmo tempo, sinto a presença quente às minhas costas e uma lâmina
afiada contra o meu pescoço, forçando meu corpo a recuar um passo, colando-me
ao seu.
— Loman, seu idiota, não tratamos nosso convidados de honra assim. — O
idiota, ás minhas costas, se afasta, mas mantém a adaga afiada me tocando.
Quando a luz da lua alcança seu rosto, entendo o assombro da mulher mais velha.
Cicatrizes fundas e rosadas desfiguram todo o lado direito do seu rosto e de sua
cabeça, exceto pelos olhos, que me encaram afiados, me analisando enquanto suas
narinas se expandem. — É um prazer, finalmente conhecê-la, Moon. Não foi fácil
trazê-la até aqui, mas vai valer muito a pena.
Bom, pelo menos, ele não fez uma cena, estilo o cara do capacete preto em
Star Wars.
— Por favor, deixe a Sra. Holloway ir — peço, engolindo em seco quando
ele se aproxima ainda mais de mim, farejando mais uma vez, antes de franzir o
nariz e um grunhido de nojo irromper em sua garganta.
— Todos temos contas a acertar, minha querida. — Seu tom calmo não
esconde a fera por detrás do brilho prateado em seu olhar. — Não é diferente para
ela. O fedor daquele vira-lata te cobre inteira. — Quase um rosnado. — Se tivesse
vindo até mim naquele dia, ainda criança, você não estaria manchada por isso.
O cão enorme da minha infância.
— Sua mãe é uma maluca precavida — elogia. — Se não fosse Lucinda,
talvez... ela fosse um par melhor para mim.
Ao longe, um rosnado fraco contesta, o que só o faz rir.
— Logo, logo, vai conhecer o seu sogro. — E, então, seus olhos se
estreitam e ele alisa o lado deformado. — Ele não é famoso pelo controle, lamento
dizer.
Redmayne estende a mão e me segura pelo braço. Seu toque é gélido e seu
corpo desprende um cheiro estranho, de algo envelhecido, mas nada se compara à
dureza dos olhos de cor acinzentada, exatamente iguais aos meus, exceto pela
maldade presente ali. Seus lábios se esticam em um sorriso terrível quando
começamos a ouvir os gritos de pavor em meio aos rosnados no segundo andar, e
não consigo deixar de me virar em direção ao som.
— Tia Lin — murmuro baixinho e isso só faz o sorriso se ampliar no rosto
digno de filmes de terror.
— Hoje, é o dia do expurgo. — O aperto de sua mão não diminui,
enquanto ele praticamente me arrasta até uma espécie de varanda alta, de onde
podemos ver parte da propriedade na qual lobos e alguns humanos duelam no
campo aberto, em meio ao mato que cresceu alto e descontrolado ao longo dos
anos.
Não demora muito até que eu o veja, se destacando com sua pelagem
escura — sua postura imponente e perigosa — enquanto arremessa outro animal a
alguns metros de distância, floresta adentro, antes de voltar a correr em direção
aos demais que seguem na batalha.
Então, o chão vibra levemente e uma brisa empoeirada corre pelo grande
átrio às nossas costas, antes de remexer meu cabelo e seguir adiante, dobrando as
ervas daninhas e as plantas no campo, como em uma espécie de dominó, fazendo
com que o grande lobo, escuro como a meia-noite, pare no lugar. Alheio à toda a
confusão ao seu redor, ele ergue a cabeça larga e seu peito se expande, enquanto o
homem ao meu lado — meu pai — gargalha.
Como em uma espécie de filme, ele se ergue nas patas traseiras e uiva um
alerta alto e claro, que faz até mesmo as plantas se dobrarem. Uma manifestação
pura de seu poder, até que que ele comece a correr em nossa direção.
— Venha buscá-la, Cachorro — provoca, antes de me arrastar de volta
para o espaço vazio, onde não podemos mais ouvir a tia Lin ou Vicky.
— Não venha, Liam! — grito o mais alto que posso. — É uma armadilha!
A mão pesada acerta meu rosto e o golpe inesperado me leva ao chão, para
deleite de Loman, que assiste a tudo enquanto limpa as unhas sujas com a ponta da
adaga, vigiando sua mãe de perto, sentada em um canto.
— Leve-as até o grande salão — Redmayne ordena. —, não vai demorar,
agora.
Somos empurradas pelo capanga do meu querido genitor, até um lugar
amplo e um pouco mais conservado do que os demais, embora as cortinas, escuras
por conta da fuligem, e os móveis nos contem um pouco do incêndio e da história
triste do lugar. Uma mesa de madeira ao centro parece ter escapado quase ilesa às
labaredas e é em uma das cadeiras estofadas com um tecido meio rubro que um
homem está sendo mantido preso por grossas correntes prateadas, enquanto tem
seu sangue drenado do corpo por uma aparelhagem hospitalar relativamente nova.
— É Owen Ashbourne — a voz baixa da idosa que me acompanha explica.
— Meu Deus! Ele está...
— Servindo ao propósito? Sim — o tal Loman, com seu jeito de maluco,
atalha. — Pelo menos, uma coisa útil nessa vida de merda, não é mesmo?
Ao ouvir nossa aproximação, ele ergue os olhos, nos encarando por um
instante, antes de abaixar a cabeça — provavelmente, fraco demais pela perda de
sangue.
— Vocês vão matá-lo! — Me aproximo dele bruscamente, ouvindo um
rugido baixo deixar seu peito. — Por favor, se acalme — peço, observando como
os fios revoltos lembram os do filho. — Eu sou... amiga do Liam.
Assim que me ouve seus olhos se arregalam e buscam a mulher às minhas
costas, que parece confirmar a informação.
— Ela está mentindo — o idiota se senta diretamente na mesa, brandindo a
adaga de um lado ao outro, como se estivesse lutando com um inimigo imaginário.
— É a cadela dele. Uma traidora de seu próprio sangue, como aquela imunda da
minha irmã.
Como se possuído por uma força estranha, Owen se debate entre as
correntes e rosna de forma alta e ameaçadora para o homem à sua frente.
— Me conte, Owen, qual é a sensação de estar preso — ele baixa o tom de
voz. —, sem ter feito nada. Nem para vingá-la você serviu — graceja, limpando
mais uma vez os cantos das unhas com a ponta da adaga. — Luce escolheu um
homem fraco e um Alpha ainda mais.
— Para alguém que odeia tanto o que eu sou — a voz fraca declara, com
ironia. —, o esforço para ser como nós é algo absurdo.
— Não como vocês. — Loman se aproxima perigosamente de Owen. —
Melhor. Fomos forçados a isso. Quando tudo acabar, não haverá mais nenhum de
vocês e teremos de volta o que nos pertence.
— E o que seria isso? — Owen questiona, mas Redmayne entra no
cômodo, se aproximando rapidamente de onde estamos.
— Cale a boca, Holloway! — Empurra o ombro do outro para trás. —
Mande um dos novatos dispensáveis e avise que não há conversa com lobos.
Quero o filhote Ashbourne para uma conversa entre homens, já que ele ousou
colocar as patas imundas na minha filha.
Merda.
— Tem medo dele, papai? — questiono, irônica, atraindo a atenção de
todos aqui. — Deve ser assustadora a possibilidade de que ele o vença em um
embate justo, não é?
Provoco-o, observando a ira ganhar seus olhos, enquanto Olga Holloway
se aproxima lentamente de nós e da adaga que Loman havia deixado sobre a mesa.
Como esperado, Redmayne me estapeia mais uma vez, e me aproveito do
movimento para virar o corpo e pausar a máquina, enquanto a mulher grita, me
envolvendo em um abraço, tirando-me do campo de visão deles, e esconde a arma
no cós da minha calça, sob a jaqueta.
— Ainda não é tarde para você, Harper. — Redmayne se aproxima,
colocando um bloco de papéis à minha frente. — Assine-os. Estou ansioso para
voltar a ter direito ao que é meu. Seja boazinha e, talvez, eu as deixe vivas.
— Eu nunca quis nada disso. — Pego a caneta e começo a assinar as
folhas. Mal consigo entender minha letra por causa do tremor que acomete minhas
mãos devido ao olhar injetado dos homens sobre mim, mas jogo a caneta sobre os
contratos assim que termino. — Espero que cumpra com a sua palavra.
— Minha querida, você já devia saber, palavras são folhas ao vento. —
Sorri maleficamente, pegando os papéis e se afastando da mesa. — Pense nisso,
enquanto coloca o papo em dia com o pai covarde de seu namoradinho.
Se percebe que seu comparsa está um tanto infeliz com o acordo proposto,
não diz nada. Mas a frustração do homem é evidente para qualquer um que
estivesse prestando atenção, e me pego pensando se não podemos usar isso a
nosso favor, quando ele dá a ordem.
— Amarre-as. — Estreita o olhar em minha direção. — Uma de cada lado
do último Alpha, fraco e ultrapassado. — E então, ele aproxima o lado grotesco de
seu rosto do meu. — Espero que ele não perca o controle e ataque você. — Sinto o
toque quente dos seus dedos na lateral inchada do meu rosto. — Seria uma pena
ter esse rostinho lindo destroçado pelas garras descontroladas desse ser decadente,
não é?
Loman, que já havia amarrado a mãe com um daqueles lacres plásticos, faz
o mesmo comigo, sorrindo quando reclamo ao sentir o material cortar minha pele,
embora a insatisfação ainda esteja presente em sua expressão. Mantenho meus
olhos em Olga, que abre um sorriso mínimo, prevendo o que farei a seguir, mas os
idiotas não se dão conta do que acontece, porque estão discutindo e se afastando
aos poucos, até fecharem a porta atrás de si.
Ergo a jaqueta, forçando as mãos ao máximo até a lateral da fita, enquanto
fricciono o centro do lacre contra a lâmina encaixada no cós da minha calça.
Assim que consigo me libertar, tiro a adaga de seu esconderijo, ignorando a
mancha de sangue que ela acabou causando nas minhas costas e corto os fios que
já não tiram mais o sangue do homem ao meu lado, e então, liberto a senhorinha
que passa a me ajudar a desatar as correntes. Sob os protestos de Owen, que se
debate e ordena que o deixemos ali, não demora muito para rompermos o cadeado
e a corrente se afrouxe ao redor de seu peito, permitindo-o se expandir.
— É perigoso! — rosna, os olhos assumindo a coloração totalmente preta.
— Não me soltem.
— Não vai nos ferir, Sr. Ashbourne — garanto a ele. — Liam precisa de
nós e...
O som de passos ecoa próximo dali e voltamos à nossa posição, fingindo
ainda estarmos presas. Ignoro a ardência em minhas costas quando volto a adaga
para o cós da calça, voltando a arranhar o mesmo local. O homem ao meu lado
parecendo aliviado pela nossa falta de tempo em libertá-lo. Qual é o problema
com esses homens Ashbourne?
— O idiota do seu filho está a caminho, Owen — Loman avisa. — E eu
ficarei mais do que feliz em finalmente exterminar a linhagem vergonhosa daquela
cadela maldita que... — a idosa arfa, um soluço escapando de seu peito quando
ouve a confissão do filho. — Ah, mamãe, você achava que tinha sido Redmayne?
Ele tentou convencê-la a abandonar o filhote bastardo e reconstruir a vida de
forma decente, mas ela não quis, e ainda contou, orgulhosa, que estava prenha de
novo desse... — Aponta para Owen, que estreita os olhos com ódio renovado. As
pupilas ainda mais escuras. — Sim... fui eu, Owen. Eu atirei nela e naquele
maldito projeto de lobo que ela carregava, enquanto Lucinda implorava. E não
teve nada que o grande Alpha pudesse fazer naquele momento; e nem mesmo
agora, não é? Nem tão poderoso assim, afinal...
Um uivo do lado de fora e o estrondo próximo dali nos deixa em alerta.
Loman se posiciona ao lado de Owen, ao mesmo tempo em que Redmayne
aparece, o sorriso cruel em seu rosto revela que não pretende nada de bom nessa
noite.
— Para o bem ou para o mal, o encerramento desse ciclo está próximo e a
peça que faltava acaba de chegar — conclui de pé, diante das grandes portas de
madeira, escurecidas pelas chamas no passado, enquanto novos homens e lobos se
esgueiram rente às paredes, ocupando todo o lugar.
Liam...
Momentos antes...

Preciso de cada força do meu ser para não avançar em direção a ela. O
sujeito maldito ao seu lado parece ler o desejo em mim e segura seu braço com
mais força, enquanto a leva para longe, tirando-a da minha visão.
— Não venha, Liam! — a voz de Harper, aflita, parece algo vindo
diretamente do meu pior pesadelo e avisa: — É uma armadilha!
Porra! Ela não deveria estar aqui.
Meu coração pesa, acelerado, inquieto. Lamentando pelo que possa ter
acontecido aos dois dos meus que deixei vigiando o lugar, e desesperado por ter
Harper diretamente na linha de frente dessa merda de batalha.
Minhas garras penetram a terra fofa e eu uivo — desesperado, angustiado,
revoltado e, acima de tudo, furioso. Assisto-o arrastá-la de volta e o som alto que
estala em seguida, enquanto seu perfume invade minhas narinas mais uma vez,
afeta a minha capacidade de pensar.
Vou matá-lo.
— “Não vá agora.” — a voz de Mack avisa, parando ao meu lado. — “Ela
tem razão.”
— “Ash, espere por nós.” — Eli endossa o pensamento de Mack, lutando
contra um dos malditos lobos brancos, alguns metros à frente.
Jasper se recuperou bem e nenhum de nós conseguiu mantê-lo em casa
após descobrir que Vicky estava em poder deles. Assim que a batalha caminhou
para cá, ele sentiu o cheiro dela e desapareceu, sem nos dar ouvidos, levando
Brennan com ele.
Não posso culpá-lo. Eu mesmo preciso de toda a minha força de vontade
para não correr até lá e dar a ele exatamente o que quer.
Olho ao redor e percebo que, embora eles estejam em maior número, estão
enfraquecidos pela maldição, ou descuidados demais, sem conhecimento real do
que os seus corpos podem fazer; o que tem facilitado muito a vida de todos nós.
Mack rosna ao meu lado, derrubando mais um dos lobos brancos que tentou atacar
Eli pelas costas, ao mesmo tempo em que ouvimos os gritos na construção que
deveria estar abandonada há anos, onde, agora, está a minha garota. A razão da
minha existência.
Sinto a terra tremer sob as minhas patas, antes que mais uma explosão —
grande, dessa vez — aconteça do lado direito do terreno, confirmando que Chad e
os outros conseguiram explodir as instalações onde o exército deles tem vivido há
tempos, debaixo de nossos narizes. Ou focinhos. Que seja. Ecos da celebração do
grupo chegam até mim e eu os parabenizo mentalmente, antes que um maldito
covarde tente me atacar pelas costas e tenha o que merece.
Mais deles chegam e se colocam em nosso caminho, enquanto tentamos,
com muito afinco, chegar às ruínas para acabar com toda essa merda. Se
Redmayne queria guerra, ele conseguiu: eu a trouxe até os seus portões. Mas ao
trazer Harper até aqui, o maldito terá de mim muito mais do que imagina. Por ela,
para vê-la a salvo, eu incendiaria o mundo inteiro e reduziria tudo a cinzas, nada
mais importa, desde que ela esteja comigo.
E nesse momento, tenho certeza de que isso é o que meu pai tanto temia.
Esse pensamento, somado ao perfume enlouquecedor no ar, rouba a minha
sanidade e, em breve, não haverá dever ou senso de responsabilidade que me
manterá nessa merda de campina, porque tudo o que eu quero e preciso
desesperadamente é encontrá-la.
Estou indo, Harper Moon.

Minha força de vontade não dura muito, após termos subjugado a maioria
deles ali, mas temos ciência de que a verdadeira batalha, que decidirá o destino de
todos nós, acontecerá dentro das paredes frágeis e quebradas da antiga mansão
Redmayne.
Com Mack e Eli, e um grupo relativamente grande dos nossos, ordeno que
a maioria deles guarde o perímetro e espere por ordens minhas. Não vou cometer o
erro de subestimar nossos inimigos novamente e sermos pegos desprevenidos por
alguns de seus esquemas sujos e covardes.
Puxo o ar para dentro dos pulmões, expandindo meu peito, absorvendo
tudo o que consigo através dos meus instintos. Alguns passos, murmúrios, armas e
patas. Várias delas. Uma essência familiar que não consigo identificar e limões e
maçãs — Harper.
— “Se algo me acontecer, Mack, eu preciso...” — Eli, em sua forma
lupina, começa a dizer às minhas costas, enquanto sigo mapeando o interior do
lugar. — “É, eu meio que posso estar apaixonado. Há um tempo. Só não queria
morrer, sem que soubesse.”
— “Porra, cara” — Mack responde com uma risada. — “Sério mesmo?
Agora, você decidiu se declarar? Quando estamos prestes a morrer? Timing de
merda, esse.”
Eu sabia que teria um lado ruim nessa coisa de comunicação não verbal.
Harper tem razão, as esquisitices de lobo nem sempre são tão boas assim.
— “Ninguém vai morrer, porra nenhuma” — me intrometo. — “se
concentrem. E, se as coisas começarem a dar errado, saiam daqui e levem Harper
com vocês, ouviram?”
Olho para os dois lobos gigantes e acinzentados — Eli com uma pelagem
um pouco mais clara do que nós dois — que assentem brevemente.
— “Mais tarde, Elijah.” — Mack garante. — “Eu meio que posso ter algo
a dizer também. Agora, vamos exterminar esses vermes e voltar para casa,
certo?”
— “Se preparem. E estejam a postos.” — Ainda em minha forma lupina,
olho para os meus companheiros, antes de correr até a lateral da casa e vestir a
porcaria de um uniforme fedido que Mack conseguiu arranjar por ali.
Alguns minutos antes, Red pareceu, cansado de esperar, e um merda foi
utilizado como porta-voz para entregar a mensagem de seu chefe; para que eu me
apresentasse em minha forma humana, ou Harper sofreria as consequências. Eu,
claro, não ousaria descumprir as regras para “um Novo Acordo” segundo o
maldito, mas isso não quer dizer que não possamos fazer uma entrada triunfal.
— Se algo acontecer comigo — aviso mais uma vez aos dois lobos diante
dos degraus da escada — tirem Harper e os outros daqui.
Os dois confirmam com um aceno de cabeça, mas apenas um deles bate a
pata atrás do meu joelho, antes de se posicionar, grunhindo levemente. Mack.
— Vamos logo com isso. — Estalo o pescoço e me preparo.
A porta principal do lugar se mantém de pé, apesar de envelhecida e
enfraquecida por causa do fogo, a madeira maciça não cedeu. Pelo menos, não até
agora. Dois lobos imensos são o bastante para que ela finalmente entregue os
pontos e são eles que me seguem, lado a lado, rosnando para os outros ali,
enquanto entro em uma espécie de salão, sob o olhar entretido de Red, parado de
pé à cabeceira da mesa, ao lado do homem com os olhos escuros e atentos, ao
invés de anuviados pela medicação forte.
Agora...

Desvio meus olhos do inimigo e procuro por ela. Como se soubesse da


necessidade que sinto em vê-la, ou como se sentisse da mesma forma, me deparo
com a intensidade dos olhos acinzentados fixos em mim. Seu rosto inchado faz
meu sangue ferver, mas, pelo seu bem, não me movo. Nem permito que qualquer
expressão em meu rosto denuncie o que sinto diante do homem deformado que me
observa em silêncio.
Owen Ashbourne tenta erguer a mão, porém, parece envolvido demais
pelas correntes de prata para fazer qualquer coisa. Além de fraco, devido à perda
de sangue, se levarmos em conta os aparelhos médicos ligados a ele, enchendo
uma espécie de bolsa, quase na metade, afixada na porcaria metálica.
— Bem-vindo, filhote Ashbourne — a voz fria ecoa pelo lugar
abandonado. — Estava preocupado de que não chegasse a tempo.
Agarra com uma das mãos o cabelo de Owen e força sua cabeça pesada
para trás, fazendo com que as correntes tilintem pelo movimento. Correntes de
prata. Filho da puta.
— Veja, seu filho verá o seu fim e, então, eu o exterminarei, encerrando
esse ciclo decadente. — Seus olhos se encontram com os meus. — Vocês vieram
para cá, cresceram e se multiplicaram, tomando nosso espaço, nosso lugar, a troco
de nada. Roubaram nossas terras, nossa comida e nossas mulheres.
Meu pai rosna baixo quando o outro parece apertá-lo mais forte.
— Luce nunca foi sua, para que eu precisasse roubá-la. — O tom de voz de
Owen é baixo, mas firme.
— Foi você quem fez isso, Owen. O único culpado é você. E apenas você.
— Sua voz aumentando de volume. — Tragam os nossos outros convidados. Eu
quero que todos assistam ao fim dessa linhagem podre. — Sorrio. — Sempre tão
cheios de si...
Mack e Eli, ao meu lado, rosnam alertas quando um dos capangas empurra
Harper com força e ela tomba, caindo aos pés do filho da mãe, que lança um olhar
de desgosto para a garota ao chão, seu casaco vermelho caído ao seu redor — um
ponto de cor em meio a um ambiente sem graça. Preciso de uma força hercúlea
para não correr até ela e tomá-la em meus braços.
Ainda não.
— É assim que trata a sua filha? — questiono, estreitando os olhos ao vê-
la trocar algumas palavras com o homem debilitado, agora de cabeça baixa, que
assente um par de vezes, antes de me dirigir os olhos escuros, sem pupila alguma.
Porra! Ele vai perder a porra do controle. Agora, não, pai.
Se afaste, Harper.
Mas ela não parece notar o perigo. Apenas fala mais alguma coisa e parece
estar insistindo em algo com o cabeça dura do meu pai. Porém, quando ergue a
cabeça, seus olhos claros e lindos, brilham conspiradores. O que tá aprontando,
minha Lua?
— Filha? — rosna. — Uma perda de tempo — aponta. — Uma
experiência que deu errado, obviamente. — Estala a língua, puxando-a pelo cabelo
escuro para que fique de pé e se aproxima dele, farejando ao seu redor. — Não há
nada de lobo nela, além do fedor do seu filho, OWEN! — Bate a cabeça do
homem ao seu lado contra o tampo da mesa de madeira, fazendo-a ranger,
disfarçando um rosnado alto de Owen, que parece apenas estar fingindo
obediência. — Mais uma vez, vocês tentam macular nossa linhagem com sua
podridão. E eu achando que tinham aprendido a lição...
Um homem de cabelos compridos e olhos lunáticos sorri em concordância
para Redmayne, enquanto o líder maluco despeja o líquido grosso e rubro dentro
de uma espécie de taça cerimonial. Sangue. Dramático para um caralho. Tudo sob
o olhar atento da Sra. Holloway, encolhida ao lado do meu pai, e quando seus
olhos claros encontram os meus e ela move os lábios sem emitir som, sua
mensagem faz meu corpo tremer.
“Confie em sua força.”
— Mas isso não tem nenhuma importância agora. — Red, como se intitula,
volta a olhar para mim. — Tudo ficará no passado e será esquecido, porque eu
serei o Alpha. O líder de lobos mais fortes e melhores do que jamais foram.
Totalmente insano.
— E como espera fazer isso? — Harper pergunta, se aproximando do pai,
olhando curiosa para a taça dourada que me lembro de ter visto naquele templo
antigo, antes que ele desabasse. — E por quê?
Ele a ignora, toda a sua atenção voltada para o meu pai, e não vê o
momento em que Harper despeja algo na taça.
— Toda a linhagem Ashbourne chegará ao fim e a culpa é toda sua. —
Seus olhos brilham, insanos, deixando sua aparência ainda mais terrível. — Você
roubou Luce de mim e, então, me transformou nisso! Um animal! — Puxa os
cabelos ralos na lateral da cabeça, descontrolado. — Mas, então, eu pensei que,
talvez, eu tivesse uma chance, já que ela parecia gostar desse tipo de selvagem.
Meneia a cabeça, bufando furioso.
— Mas, não... nem pela vida da maldita abominação, ela cedeu a mim. —
Seus olhos encontram os meus, mas ele não parece estar realmente enxergando.
Eli percebe o mesmo que eu e começa a se esgueirar para a lateral, enquanto eu
sigo distraindo o maluco, cercando-o. — Eu poderia tê-la matado naquela noite.
Mas não o fiz, eu só mandei que a deixassem lá, como o lixo que havia se tornado.
Meus olhos recaem acusadores sobre a figura do meu pai, que parece um
pouco mais furioso agora, considerando o brilho perigoso em seus olhos.
— O que? Acha que foi ele? — Gargalha de forma lunática, jogando a
cabeça para trás. — Seu pai é um fraco, filhote. Eu fui o único que ele atacou.
Dias antes, quando eu tentei me aproximar de Luce em uma festa, na casa do
Graymane. O filho da puta me mordeu e depois perdi o controle. Alguns
funcionários desapareceram, deixando o grande e temido Lorde Redmayne
enfurecido.
O homem estala a língua e olha para Harper de forma doentia.
— Nós herdamos os malditos olhos dele. — Aponta para o rosto da minha
namorada, antes de empurrá-la. — Na lua cheia, foi ainda pior, não consegui me
controlar. Durante mais um jantar de merda, ele falava demais e minha mãe, de
menos. — Seus olhos assumem um brilho febril e meio eufórico ao falar de seus
pais. — Rasgar sua garganta gorda foi incrível e tão, mas tão gratificante... —
Uma risada gutural escapa dele. — Para ser justo, minha mãe gritou quando o
sangue dele a atingiu. E, como sempre, não fez nada além disso. Nem mesmo
quando foi a vez dela.
— Meu Deus! — Harper arfa e então acusa: — Foi... você. Foi tudo...
você!
— Me pergunto, Harper Moon Redmayne, se vai gritar quando for a sua
hora. — Vários rosnados baixos ecoam pelo local destruído, o mais alto deles,
porém, vem de Owen, o que atrai a atenção de seu antigo rival para ele.
— Quando eu beber o seu sangue, essa cidade terá o Alpha que sempre
mereceu, Ashbourne. — Então, vários uivos em apoio ressoam dentro das paredes,
e até mesmo do lado de fora, celebrando.
E nos avisando que estamos cercados. Porra!
— Está enganado, Jax Redmayne — minha avó diz, atraindo a atenção
dele.
— Loman trouxe os manuscritos até mim — ele sorri. — As bruxas não
erram em seus encantos, Sra. Holloway, e sabe disso muito bem. Seu fim também
se aproxima, é claro.
— É, eu sei. — Seus olhos claros buscam os meus. — E estou pronta para
ele, mas antes, eu o verei cair.
— É uma ameaça? — Ele acha graça. — Acha mesmo que está em posição
disso, velha?
O filho mais novo se aproxima dela pelas costas e ela olha em sua direção,
triste e desapontada, mas isso não o faz se afastar, visivelmente procurando por
algo que não encontra. Seus olhos se arregalam, mas antes que ele diga alguma
coisa, sua mãe continua.
— É um fato. Vá em frente, beba. Prove que estou errada. — Aponta para
o cálice dourado próximo à Harper, que já não está usando o cordão de prata.
E, então, tudo acontece rápido demais.
Jax Redmayne entrega a taça à Loman e ordena que ele beba. O capanga o
obedece cegamente, sorrindo para a mãe, que observa a tudo com os olhos
estreitos, repletos de tristeza.
Antes que Redmayne tome um gole da taça que lhe foi entregue, Loman
Holloway, arregala os olhos claros e começa a tossir, e então, se debate no lugar,
se afastando até que seu corpo colida contra a mesa, suas unhas arranham a
garganta em busca de ar, os olhos escuros sangrando, ao mesmo tempo em que seu
corpo se contorce em posições horríveis e não-naturais.
— O que foi que vocês fizeram, suas malditas? — O homem rosna ao
jogar o cálice no chão, o sangue grosso se espalhando pelo piso de pedra,
emanando um brilho lilás onde a claridade da lua toca. Wolfsbane[5]. O veneno
que, na dose certa, mataria um lobisomem.
Perspicaz, constato orgulhoso.
No chão, o corpo de Loman já inerte, entre o lobo branco que foi e o
homem medíocre que era, encara o vazio. Porém, o reflexo em suas pupilas
vítreas, é o que chama minha atenção. Que logo é roubada pelo som da corrente
prateada e pesada atingindo o chão, bem ao lado da garota intrépida, que agora
segura uma adaga nas mãos, enquanto o homem alto de figura imponente se
levanta.
— Só há um Alpha em Silent Grove. — A voz de Owen Ashbourne soa
firme e régia. — E ele é um Ashbourne.
Meu coração dispara no peito quando meu pai se curva brevemente para
mim, sob o olhar chocado e furioso de Redmayne, e em um segundo, tudo se torna
muito claro e eu sei exatamente o que preciso fazer.
Que Harper me perdoe por isso.
E minha resolução se torna ainda mais viável quando, em um gesto rápido,
Red agarra o cabelo dela e a puxa em sua direção, fazendo-a soltar a adaga, ao
mesmo tempo em que Eli pula sobre o lobo branco que se preparava para atacar
Owen pelas costas, como os covardes que são.
— Harper, NÃO! — eu grito, enquanto ela se debate nos braços de
Redmayne, selando nossos destinos.
Isso se encerra aqui. Hoje.
Todas as vezes em que imaginei a minha morte — sim, sou uma pessoa
ansiosa e crio cenários fantasiosos e terríveis a todo momento — ela nunca
envolvia um homem parecido com o fantasma da ópera sem máscara, agarrando
meu cabelo com força, enquanto meu namorado, que é um lobo, diga-se de
passagem, grita meu nome, fazendo-o ecoar pelas ruínas da casa que pertenceu à
minha família paterna.
— Liam! — grito para ele, me desesperando quando um lobo acinzentado,
possivelmente Eli, cai no chão alguns metros atrás de nós, choramingando, antes
de se levantar, mancando com uma das patas dianteiras ferida e voltar à posição de
ataque, apenas para ver seu oponente caído e imóvel do outro lado.
Olga corre para ele e arranca o xale cinza, improvisando uma espécie de
torniquete na mordida ensanguentada de uma de suas patas, ao mesmo tempo em
que Owen luta contra um idiota armado e meu genitor me arrasta para mais perto
de Liam, fazendo meu corpo acertar algo no chão. A adaga prateada que caiu das
minha mão no meio de toda a confusão. Porém, tudo parece diminuir de
velocidade quando um rosnado alto surge do nada e desencadeia uma nova
reviravolta. E, então, os gritos cortam o ar frio ali, antes que uma porta mais ao
fundo se abra sob o peso do corpo do lobo branco que atravessa o corredor
mancando e para diante da mesa de madeira.
O sangue vermelho manchando o pelo muito claro de seu pescoço,
enquanto ele se levanta, rosnando para o lobo de pelagem amarronzada que o
segue de perto e aparece logo depois, pronto para atacar, mostrando os dentes e
protegendo com o corpo as duas mulheres que tem os olhos vermelhos, inchados
de tanto chorar e aumentados pelo susto.
Vicky.
O lobo à frente de Liam, provavelmente Mack, dá um passo à frente,
convocando-o, mas o lobo de pelo amarronzado não se move ou se afasta delas,
apenas segue olhando ao redor, alerta, antes de focar no lobo branco, que um dia
foi o pai de Vicky.
Jasper.
Porém, não tenho muito tempo para pensar a respeito disso, porque o lobo
branco se ergue e, após um breve olhar de confirmação de seu chefe, avança sobre
Jas, fazendo os dois rolarem pelo chão, desestabilizando os reforços de Redmayne
quando empurram todos para fora de seu caminho de destruição. Ao nosso lado,
Owen segue lutando com outro sujeito que, após um soco forte, cai sobre a mesa,
desacordado.
— E então, Ashbourne, você vai ser como seu pai? — o homem que me
segura provoca. — Um covarde? Ou virá tentar salvar sua namoradinha?
Liam dá um passo à frente, enquanto vejo tia Lin se encolher contra a
parede, e Vicky pega a arma que um dos guardas deixou cair no chão ao ser
acertado pelos lobos e, com as mãos trêmulas, se aproxima do lugar onde os dois
seres ferozes se atacam.
— Miller! — ele grita, avisando ao seu outro comparsa sobre as intenções
de Vicky, a filha do lobo que tem uma cicatriz feia em uma das pernas. — Miller,
acabe logo com essa merda!
Porém, antes que ela atire, Chad aparece pela porta principal, acertando
uma bala direta na cabeça do lobo branco e em mais dois que tentam pegá-lo,
como um desses heróis de filme de ação. Jasper, ferido, luta para se desvencilhar
do peso do corpo do outro lobo que caiu sobre ele, enquanto o garoto loiro ampara
minha prima, que se desmancha em lágrimas em um abraço agradecido, antes de
correr em direção ao namorado e se agarrar à fera peluda que mantém os olhos
gratos no filho do prefeito.
— Um traidor do nosso próprio sangue... você é uma vergonha, Graymane!
— grita em meu ouvido, nos virando no lugar para olhar o garoto loiro que apenas
sorri.
— Pelo menos, não serei um covarde, como o meu pai — segue sorrindo e
então, comenta: — Eu o vi correndo até a estrada. Provavelmente, nem teve
coragem de se tornar um de vocês, não é?
Pela bufada quente de ar na lateral do meu rosto, Chad não está errado.
— Não importa. — Aumenta o aperto do braço que envolve meu pescoço,
restringindo ainda mais o meu ar. — Não preciso de nenhum deles. Não mais.
Ainda posso acabar com vocês. Eles eram apenas alguns e nós somos muitos.
Um som estranho e animalesco faz seu peito estremecer e deixa meus
ouvidos zumbindo, enquanto o ressoar de muitas patas correndo, do lado de fora, e
até mesmo dentro das ruínas, vai se misturando aos rosnados e uivos das dezenas
de lobos brancos que parecem ter saído diretamente dos portões do inferno.
Meu Deus.
Liam olha ao redor, as mãos trêmulas fechadas em punho ao lado do corpo,
enquanto os poucos membros de sua alcateia se unem a ele, presos em um cerco
fechado pelos malditos lobos brancos, que parecem estar em vantagem.
— Só há um Alpha em Silent Grove — recito as palavras, seus olhos
escuros buscando os meus. Ele entendeu. — E infelizmente, para você, ele é um
Ashbourne.
Consigo sorrir, mesmo com a dor pungente na garganta sendo esmagada
pelo braço de Redmayne, que me manda calar a boca.
— Sinto decepcionar, querida — a voz caçoa. — Os Ashbourne são tão
covardes quanto os Graymane. — Ele olha para Liam. — Não vejo seu pai em
lugar algum... Deve estar se escondendo por aí...
— Deixe-os ir. — Liam dá um passo à frente, fazendo meu coração
acelerar. Não faça isso. — É do meu sangue que precisa. Deixe-os ir e eu ficarei.
— Liam, não! — volto a me debater contra o aperto férreo de Jax
Redmayne, tentando impedir meu namorado idiota de continuar com isso.
— Vai se ferir mais, minha Lua — Sua voz profunda e carregada de
preocupação, garante. Não faça isso, Liam. — Nós temos um acordo, Redmayne?
— Sua lua? — meu captor ironiza, se afastando um pouco para me olhar.
— Sempre se rendendo à uma boceta humana que não deveriam sequer desejar.
Temos um acordo, Ashbourne. — E então, rosna em meu ouvido. — Se tentarem
alguma gracinha, matarei todos vocês.
— Tem a minha palavra — Liam assente e estende os braços, me atraindo
para si quando o aperto firme dos braços do meu captor cessa. Me afundo em seu
peito, sentindo seu perfume já tão familiar, enquanto as lágrimas revoltadas
descem pelo meu rosto. — Não chore, Harper Moon. — Se afasta, enxugando meu
rosto com os dedos longos, sem se importar com toda a plateia ao nosso redor. —
Se esse foi o tempo que me foi dado para viver ao seu lado, não me arrependo.
Valeu a pena cada segundo com você. Entende? Nada disso é culpa sua, já era algo
em movimento, desde antes de nascermos, e esse ciclo se encerra agora.
Assinto, mas não consigo parar de chorar, agarrada à ele.
— Não... não posso. Não assim. — consigo dizer entre os soluços. — Por
favor, não desse jeito.
Noto uma movimentação às minhas costas e o som das correntes prateadas
ecoam pelos escombros, me fazendo agarrar sua cintura com ainda mais força.
— Eu amo você, minha Lua — murmura em meu ouvido, antes que erga
sua cabeça, falando com alguém às minhas costas. — Você prometeu cuidar dela,
por favor.
Sinto o toque firme, mas gentil, da mão enrugada sobre o meu ombro e
luto para me desvencilhar dela, não querendo me afastar de Liam. Quando me
distancio e encontro seu olhar — encontro apenas a escuridão estrelada e linda me
encarando. Meu Alpha. E com um impulso, me solto das mãos macias da Sra.
Holloway e colo meus lábios nos seus, sentindo o aperto quente e firme uma
última vez.
Não. Não pela última vez.
— Volte para mim! — ordeno, como fiz naquela maldita floresta e com
ainda mais ímpeto e vontade — Apenas... faça o que for preciso e volte para mim,
meu Alpha. Eu te amo, Liam.
— Minha rainha. — Sua resposta sai em um tom gutural, antes que uma
lufada de vento sopre um cheiro adocicado, ao invés do amadeirado familiar, em
meu rosto. E não me espanto quando sinto minhas pernas fraquejarem sob o peso
do meu corpo, logo sendo amparada pelos braços firmes de Chad, percebo, sem
nunca desviar meu olhar dos olhos lindos e brilhantes à minha frente.
Volte para mim!
A vibração dos uivos revoltados e tristes de seu clã, atinge todo o lugar e
faz até mesmo o chão tremer enquanto nos afastamos. Um espetáculo lindo e
assustador ao mesmo tempo. Owen não está em nenhum lugar à vista e, talvez, seu
lobo tenha tomado o controle e ele tenha corrido para a liberdade, após tantos anos
se culpando por algo que nunca foi sua culpa, enquanto tia Lin — já um pouco
mais calma — caminha junto a nós, entre Vicky e a Sra. Holloway, com Jasper, Eli
e Mack à nossa frente, preparados para nos defender.
Ouço, antes de ver, o som de algo metálico, e então, um grito de dor e
desespero consumindo todo o lugar e até mesmo o ar dos meus pulmões. Liam.
Me debato nos braços que me envolvem e me pressionam mais em seu corpo, em
uma tentativa vã de me acalmar.
Talvez, tenha se passado um minuto. Ou apenas alguns segundos. Eu não
saberia dizer. Ali, de olhos fechados, ouço as correntes, a gargalhada triunfante e
maléfica de Redmayne e o grito furioso e doloroso de Liam Ashbourne.
— Harper? — a voz da idosa chama, e então, novamente o cheiro
adocicado e diferente toma conta de todo o meu olfato, me deixando ainda mais
bamba, se é que isso seria possível. — Vai ficar tudo bem.
— Não, não vai... — tento dizer, mas até mesmo meus lábios tremem,
enquanto minha cabeça parece girar de forma intensa.
A última coisa que vejo são as silhuetas brancas se movendo rapidamente,
antes de perderem a forma, sendo engolidas pela escuridão que toma conta da
minha mente. Sinto os passos que me carregam para longe e, talvez, eu esteja
chorando enquanto me agarro com força ao tecido grosso da camisa que cobre o
peito rígido, que não tem o cheiro ou o toque certo.
— Fica calma, Harper. Estamos te levando para casa, ok? — a voz de Chad
é tão gentil quanto o toque macio dos pelos grossos e avermelhados sob meus
dedos, que balançam no ar, seguindo o ritmo dos passos. E esse é o meu último
pensamento, antes de finalmente apagar.
Com tristeza, eu assisto enquanto Chad a leva chorando para longe. A
razão da minha existência se afasta, nos braços do Graymane, e a ironia disso não
me escapa, é claro. E o sorriso irônico em meu rosto só morre quando sinto o
toque gélido da prata que me queima a pele, fazendo a dor correr solta por minhas
veias.
Um urro sofrido escapa pela minha garganta, mas nada se compara à dor e
desespero que sinto ouvindo-a ainda chorar ao longe. Volte para mim. — Ordenou,
antes que seus lábios cobrissem os meus. Em minha defesa, eu não menti quando
disse que me sinto grato pelo nosso tempo juntos. Porra, como poderia ser
diferente? Mas não foi o suficiente. Nem de longe. Mil anos com Harper Moon
não bastariam e isso é algo que pretendo contar a ela.
Em breve.
Mas, por enquanto, assumo a postura resignada de um homem que acaba
de se sacrificar pelo seu clã e pela mulher que ama, deixando que Redmayne
celebre a ilusão da vitória por um instante. Que ele saiba como é, antes que seu
fim chegue. E ele vem, é claro. Furioso e paciente, à espreita na escuridão, entre as
paredes velhas desse lugar que presenciaram o início de tudo e testemunharão o
final, inspiro o ar, sentindo seu cheiro mais perto, e sorrio, apesar das correntes
que me aprisionam.
— Do que acha tanta graça? — Red, como seu exército o chama, se
aproxima de mim. — Em breve, todo o seu querido clã estará morto e a sua Lua
também. Não acreditou mesmo que eu os pouparia por muito tempo, após me
tornar o Alpha, não é?
Esse filho da puta gosta mesmo da própria voz. Impressionante.
— Eu não espero nada de você, Redmayne. — Minha voz falha no fim da
frase, quando seus capangas apertam ainda mais as correntes ao sentirem meu
corpo tremer. — Sabe, talvez, você devesse ter pesquisado melhor sobre o poder
que tanto almeja.
— Não pode se transformar, lobinho. — Estala a língua em descrédito. —
Não use ameaças vãs, agora. Eu até elogiaria sua coragem, quando me encontrar
com sua amada.
Seguro o rosnado diante de sua ameaça e volto a concentrar toda a minha
força dentro de mim, encontrando os olhos brilhantes e escuros em meio às
sombras, alguns metros atrás do homem que pensa que já ganhou.
— Uma pessoa sábia me disse, um tempo atrás — algumas poucas horas,
mas ele não precisa saber disso — que você tenta comprar com dinheiro e poder,
algo que eu tenho apenas por ter nascido. Algo que é natural para mim.
— Mas isso mudará agora, Ashbourne. — Ele ergue a adaga e a pressiona
contra a lateral do meu rosto, cortando a carne. E, enquanto travo os dentes frente
ao ardor na pele, sinto o sangue escorrer pelo meu pescoço e ombro. — Essa noite,
após tomar o seu sangue, eu serei o dono do meu destino e do de toda essa cidade.
O maior Alpha que essas terras já viram.
— Eu discordo. — Sorrio e abaixo a cabeça. Um sinal de confirmação para
o lobo gigantesco, de pelagem escura, que esperava nas sombras pelo seu
momento. E agora se aproxima de Redmayne, ameaçadoramente, rosnando a cada
movimento seu.
— Sempre uma pedra em meu caminho, Owen — resmunga, seu corpo
vibrando em busca da transformação que não vem.
Seus olhos se arregalam, enquanto ele tenta mais uma vez. E outra. E,
então, outra vez. Toda a minha força, concentrada em meu interior, para impedi-lo
de conseguir fazê-lo. Visivelmente desesperado, ele saca uma arma prateada e
aponta para mim e para o meu pai, em uma tentativa patética de conseguir se livrar
de nossa justiça.
O jogo virou, não é mesmo?
— Me soltem — a voz gutural, sobreposta à minha de forma sobrenatural,
ordena aos dois cabeças ocas, que resistem por um tempo, antes de soltarem as
correntes sob os olhos apavorados do homem sob a mira do grande lobo preto,
sedento por sua vingança.
Os rosnados furiosos tomam todo o lugar e, antes de me transformar, faço
questão de olhar fundo em seus olhos e explicar a ele o que sua mente ambiciosa e
doentia não foi capaz de entender.
— O Alpha comanda, Redmayne. — Sorrio ao me voltar para o lobo
branco que se aproxima de mim com os dentes à mostra. — Quer os lobos
queiram, quer não.
Me transformo rapidamente, sentindo o poder fluir pelas minhas veias,
enquanto ordeno ao exército de lobos ali que se rendam. Claro que eu deveria
esperar por um ataque covarde, mas não paro o que estou fazendo, observando os
mais resistentes se debaterem no chão, enquanto meus uivos os mantêm presos ao
lugar.
Ouço o disparo e me preparo para a dor do tiro, mas ela não vem. Ao invés
disso, o rugido do lobo de pelagem escura, que se lançou na mira da bala de prata,
corta o ar e observo quando seu corpo bate na parede de pedra e então acerta o
chão com um baque seco. Red gargalha por um instante, mas logo, seu sorriso
desaparece, ao ver Owen se erguer novamente sobre as patas e, mesmo com a pata
ferida, deixando um rastro de sangue no caminho, ele não para de andar em sua
direção e rosnar.
“Ele é meu. Vá embora, filho. E seja feliz.” A voz que me acostumei a
ouvir nos intermináveis sermões, avisa, com os olhos fixos no homem que agora
fede a medo, enquanto dispara mais duas vezes contra o lobo que segue trilhando
seu caminho.
“Não. Nós vamos sair daqui, pai. Juntos.”
Um dos lobos maiores e mais resistentes ao meu controle, se aproveita da
minha distração e me ataca pelos flancos, me fazendo reagir, enfrentando-o, ao
mesmo tempo em que o de pelagem quase tão escura quanto a minha, avança
sobre Redmayne e abocanha seu braço, sacudindo o corpo inteiro do homem, até
que solte a porcaria da arma enquanto grita de dor, amaldiçoando a todos os que
fogem covardemente, assim que conseguem se erguer nas patas.
Desviando dos demais que acabaram se transformando de volta em
humanos e caíram desmaiados pelo caminho. Em meio aos seus pedidos inúteis
por socorro, Red, encurralado pelo lobo escuro contra a parede, começa a se
transformar.
— “Parece que seu controle não é tão bom quanto pensa, garoto” —
zomba o grande lobo branco, apesar das feridas evidentes em suas patas dianteiras.
— “Não somos covardes, ao contrário de você.” — a voz do meu pai
declara.
— “Eu cairei lutando, mas com a certeza de que o levarei ao inferno
comigo, Ashbourne. A prata já começa a fazer efeito no seu organismo, não é?”
Porra.
Infelizmente, para ele — que abre a bocarra cheia de dentes afiados de
forma ameaçadora — não ficamos impressionados com a sua tentativa de mostrar
sua força e, quando partimos para o ataque, ele se mostra o covarde que sempre
foi. Tentando fugir a todo custo e nos provocando com palavras terríveis a respeito
de Harper, da minha mãe ou de algum fato idiota do passado.
Isso pode ter afetado ao meu pai, que manca um pouco mais e demonstra
um cansaço preocupante, devido à prata em seu corpo, mas não a mim. E, juntos,
desempenhamos nosso papel na cena brutal, ainda que meu cérebro se recuse a
processar exatamente o que está acontecendo aqui, enquanto lutamos sem
descanso.
Em determinado momento, exausto e ferido, permito que meu lobo assuma
o controle e me deixo levar pelo instinto selvagem de proteção que pretende
manter a cidade, meu clã e, principalmente, Harper em segurança. E é isso que me
move, enquanto ataco sem parar, uivando ao fim de tudo, quando finalmente os
olhos vítreos e sem vida do lobo branco encaram o vazio para sempre.
Observo o meu entorno, contemplando todo o caos e todas as coisas
terríveis que nos trouxeram a esse momento, porém, tudo o que consigo sentir, é
alívio. Apesar de tudo.
Porém, a sensação logo passa, transformando-se rapidamente em pânico e
preocupação ao ver o lobo escuro inconsciente em um dos cantos, respirando com
dificuldade.
— “Agora, vamos dar um jeito nesses ferimentos e partir para uma vida
nova.” — garanto a ele. — “Para nós dois.”

Novos acordos, novas regras, e a chance de uma nova vida.


O clã rival, constituído em sua maioria por malucos e alguns fora-da-lei,
foi vencido e, aqueles que não demonstraram interesse em permanecer sob a nossa
lei, foram enxotados dos limites da cidade, após tomarem um soro preparado pela
Sra. Holloway com o meu sangue, neutralizando as feras dentro de seus corpos.
Embora a velha senhora tenha me garantido que eles não voltariam a se
transformar, por causa da morte de quem os transformou, ainda me incomoda o
fato de estarem perambulando por aí sem qualquer vigilância. Mas deixo esse
pensamento para uma outra hora, enquanto me jogo na cama, ainda de toalha, em
plena madrugada, exausto demais para qualquer coisa que não seja dormir e me
recuperar dos ferimentos da noite passada.
Na suíte maior, uma enfermeira cuida de Owen, que precisou amputar uma
das pernas na altura do joelho, a fim de interromper o fluxo da prata pelo seu
organismo. A merda da bala ficou presa no osso, e essa acabou sendo a solução
mais viável, já que a infecção ameaçava sua vida. Apesar de tudo, usando a
correria das resoluções durante o dia movimentado, ainda não tive coragem — ou
tempo — para ir vê-lo.
Há muito tempo ainda para nos acostumarmos com a presença um do outro
em nossas vidas, ao que tudo indica.
O prefeito foi preso e exonerado, assim como o reitor da universidade. No
fim das contas, ambos eram malditos corruptos, além de covardes, e o primeiro
acabou tentando fugir do lugar, sendo preso pela polícia a algumas cidades de
distância, por conta de uma denúncia anônima que, possivelmente, partiu dos
telefones de sua própria casa, considerando a satisfação de Chad ao vê-lo chegar à
delegacia da cidade algemado.
O Principe Encantado irritante do caralho, no fim das contas, não é
assim, tão ruim. Ainda mais, quando os Acordos antigos estão sendo finalmente
revogados, tirando minha garota do alcance de suas mãos pegajosas.
Com a paz restaurada, os Novos Acordos sendo traçados em bases muito
mais aceitáveis e pautadas em colaboração e coexistência respeitosa, ao invés do
pagamento de uma dívida que não possuímos. A única coisa que me falta é Harper
Moon. Embora eu tenha ido ao sobrado amarelo tão logo os médicos liberaram a
mim e ao meu pai, Harper seguia desacordada, sob o efeito de um sedativo forte,
usado para que pudessem levá-la. Talvez tenha sido melhor assim, a ferida na
lateral do meu rosto ainda está muito evidente e tenho medo de que isso a faça
relembrar do maníaco que tentou acabar com nossas vidas. O pai dela. A quem eu
matei em uma batalha, há menos de um dia.
Volte para mim. — Ela ordenou, antes de ser arrastada para fora dos
escombros que foram dizimados por mais um incêndio. Dessa vez, eficiente em
exterminar todos os indícios daquela maldita noite, afinal, é importante manter
nosso segredo distante dos olhos curiosos do mundo.
Visto um short encarando a lua nova no céu, através da janela, talvez
indicando a chegada de novos tempos. Volto à minha cama, me enfiando debaixo
das cobertas com cuidado para não estragar os curativos recém-feitos. Mais uma
dose do romantismo enjoativo entre Eli e Mack, e eu juro que não me importarei
de jogar nas semifinais estaduais com parte dos meus intestinos de fora.
Passo a pomada fedida que Olga Holloway fez especialmente para a ferida
do rosto e, já com a cabeça apoiada no travesseiro, repasso rapidamente meu
caminho até aqui. Eu cumpri minha palavra e assumi meu lugar junto ao clã,
limpando a bagunça de Jax Redmayne e seus comparsas, reestruturando as regras
e criando novas diretrizes: tudo o que eu queria, finalmente ao alcance das minhas
mãos — e garras — mas nada disso tem importância, se ela não estiver comigo.
Volte para mim, minha Lua — convoco.
Envio uma mensagem no aplicativo de conversas, embora, pelo seu
silêncio, eu saiba que Harper ainda não acordou. Caso contrário, ela certamente
teria me mandado alguma coisa. Ou ligado. A quem eu quero enganar? Se ela já
tivesse despertado, estaria aqui, gritando comigo por ter me entregado, mesmo que
tivesse um plano.
L. Ashbourne: Sinto a sua falta.
L. Ashbourne: O tempo todo.
Envio a ela, antes de me render, exausto, ao sono pesado.
LIAM!
Volte para mim...
Não!
— Ela está acordando... — ouço a voz de Vicky ao longe. — Viu, tia
Anne? Eu avisei que estava tudo bem!
Não abro os olhos. Todas as lembranças da noite voltando à mim com
tudo. Muitos flashes confusos e a lembrança das feras nos cercando e do olhar
maldoso e cruel do homem que queria matar a todos nós. E Liam ficando para trás.
Seu olhar preocupado enquanto me assistia deixa o lugar. Meu Liam.
Sinto vontade de gritar e chorar ao mesmo tempo. Como é que ele espera
que eu viva comigo mesma, depois disso tudo, se algo acontecer a ele?
— Olá, Moonzinha! — a voz da minha mãe me cumprimenta, ao mesmo
tempo que o seu perfume, misturado ao cheiro característico de incenso. Espero
que meus olhos se acostumem com a claridade, e logo, estou vendo o rosto
preocupado da bela Sra. Fedori.
E, como todo adulto que se preze, após uma situação terrivelmente
perigosa e amedrontadora, me agarro a ela e caio no choro. Um choro intenso e
descontrolado, enquanto seus braços me envolvem e ela garante que está tudo bem
agora.
E ali, dentro do seu abraço, percebo que não sabia que precisava disso, até
tê-la aqui.
— Eu não fazia ideia do perigo, filha — ela garante, após muitos “tudo
bem” e “estou aqui, meu bebê”. É vergonhoso, mas não me importo com isso
agora. — Aquele maldito prefeito vai pagar caro pelo que fez! E o reitor da
Emberwood? Que absurdo!
Prefeito?
E só então, começo a prestar atenção ao meu redor. O teto pintado de
branco, nada tem a ver com o teto de madeira do meu quarto, no sobrado amarelo
em Silent Grove, ao mesmo tempo em que esse lugar também não se parece com
um hospital.
— Onde... onde é que eu estou? — Um clássico da falta de memória.
— Se acalme, querida, nós estamos hospedadas em um hotel em
Montbianc. A trouxemos para cá, assim que cheguei à cidade, Enzo está
preocupadíssimo com você, sabia? Se ele não tivesse uma reunião essa tarde,
ainda estaria aqui.
— Ah — é só o que eu digo, tentando processar as informações dentro da
minha cabeça confusa.
No pequeno pufe à frente da cama, Vicky acena para mim, seu rosto um
pouco inchado onde estão os arranhões, na lateral esquerda, antes de fazer um
sinal de cadeado no canto da boca, às costas da minha mãe, quando nota o pânico
em meu olhar.
— O prefeito Graymane foi... tudo foi... — tia Lin finalmente se aproxima,
seus olhos temerosos, fixos nos meus. — Eu deveria ter notado antes, que ele
estava fora de si, Harper. Me perdoe.
— Tudo bem, tia Lin. — Dou de ombros, sentindo meu corpo todo doer.
— Todos nós tivemos uma noite de merda. — Só então, algo me ocorre e eu
questiono a minha mãe, que hoje, veste uma túnica verde-água sob o suéter cor de
areia. — Como foi que chegou tão rápido?
— Querida, você ficou desacordada por dois dias inteiros. — Minha mãe
se alarma quando me sento na cama, assustada. E absolutamente zonza. — Se
acalme, Moon. Devagar e sempre, lembra-se?
Dois dias. Dois malditos dias.
— Liam! Meu Deus! Ele deve estar... — Todos os olhares focados em
mim. Isso não deve ser bom. Meu coração dispara dentro do peito. — Ele... ele
escapou, não é?
— Ele está bem. — Vicky se senta ao meu lado na cama. — O pai dele
também, mas se feriram um bocado na explosão, e então, foram hospitalizados em
outra cidade. Mas aquelas flores chegaram para você, ontem. — Observo os
grandes botões fechados com uma careta, tentando sentir o perfume delas através
das pétalas finas. Eu realmente devo ter dormido muito, elas murcharam. — Elas
só abrem a noite, Moon.
O apelido poderia me incomodar, mas não estou disposta a deixar que
Redmayne tenha qualquer controle sobre a minha vida. E antes mesmo que
entrasse nela, eu já era Moon para a minha mãe e meus amigos.
Minha mãe dispara a falar sobre toda a questão do prefeito e do reitor,
envolvidos em um esquema de lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, e que,
quando foram descobertos, surtaram e colocaram fogo no ginásio da Universidade
para receber o dinheiro do seguro e fugir com ele. Foi apenas uma coincidência
que estivéssemos todos lá naquele horário, sobretudo, porque o próprio filho
estava conosco.
Que porcaria de história maluca é essa?
— Vou fazer um chá para você, ok? — Ela beija o topo da minha cabeça,
antes de seguir tia Lin, avisando quais ervas eram boas para ajudar a realinhar
nossos chacras.
Assim que elas se afastam, encaro minha prima, incrédula.
— Alguém acreditou nessa lorota? — Aponto para a porta, enquanto
encaro meu reflexo no espelho à frente. Os hematomas grandes em meu pescoço,
as manchas arroxeadas em meu rosto e, me lembrando da porcaria da adaga, levo
a mão à parte de trás do meu corpo, sentindo os arranhões doloridos em alto relevo
na pele das costas.
— Com toda certeza! — Vicky se aproxima mais para falar. — Acha que
falar que o seu pai voltou dos mortos, após vinte e um anos, e se tornou um
lobisomem vingativo que, junto ao meu pai e outros malucos, tentou matar a todos
nós, seria algo mais plausível?
— Falando assim... — Não dou de ombros, dói. Uma vez foi o bastante. —
Liam...
— Ele está bem. — Sorri. — E, segundo Jasper, um pouco mais
insuportável a cada hora que passa sem notícias suas. Mas há coisas a serem
resolvidas na cidade e ele é... bem, o mandachuva, agora. Você sabe, a coisa toda
do Alpha e tudo o mais.
Nós duas rimos. Qual seria a possibilidade de uma conversa dessas?
— Como você está? — O sorriso aos poucos morrendo no rosto bonito. —
Depois de tudo com o Miller e...
Me lembro do lobo branco, sempre à espreita em nossa casa, e um arrepio
de medo e raiva percorrem meu corpo.
— Estamos bem. — Brinca com o fiapo imaginário de sua calça branca. —
Minha mãe ficou baqueada, é claro. Nunca cheguei a conhecê-lo, na verdade. Era
muito pequena, mas foi duro ouvi-lo nos acusar de termos roubado sua vida. E
ainda pior, quando o vi tentando matar as pessoas a quem eu mais amo no mundo.
O dedo podre das gêmeas Lawson deveria ser digno de nota, talvez seja a
esse tipo de má-sorte que a Sra. Holloway se referia. Só acho.
— Eu fui acusada de ser uma experiência que deu errado, Victoria. —
Sorrio, sem realmente achar graça. — Meu pai era o louco orquestrando toda a
merda, por anos. Entendo perfeitamente.
Vicky me abraça e ficamos quietas por um momento, apenas confortando
uma à outra após tudo o que aconteceu. Pelo menos, até que ela se afaste e me dê
um piparote no nariz, me fazendo sorrir.
— Chega desse papo triste. Acabou, não é? Vir para cá fez bem à minha
mãe, mas estamos voltando para casa hoje. — Ela corre até a mochila cor de
caramelo e tira um retângulo de papel de lá. — Isso veio com as flores, mas
preferi guardar, para não deixar tia Anne xeretar.
— Obrigada. — Ela acaricia meu rosto, e então, ajeita a mochila no ombro,
antes de caminhar até a porta. — Vicky? Agora não há mais nada que impeça o
relacionamento entre você e Jasper, não é?
— Não. Não mais. — Um sorriso lindo colorindo seu rosto. — É nisso que
o seu namorado esteve trabalhando, priminha. — Pisca para mim. — E treinando.
Teremos jogo na próxima semana e precisamos estar em forma para torcer pelos
nossos respectivos namorados, não é?
Porcaria de cicatrização de lobos.
— Por infelicidade, eu, provavelmente, terei um atestado depois de tanto
tempo desacordada, e estou fora da cidade... — começo a dizer, mas ela fecha a
porta e me ignora completamente.
Com as mãos trêmulas, abro o pequeno retângulo de papel claro e sorrio
para a letra rabiscada ali.

Minha Lua,
Elas são conhecidas como “Damas da noite” e eu não consegui encontrar
outras flores que combinassem melhor.
Elas só desabrocham sob a luz da lua.
Eu até poderia dizer que são como eu, mas seria cafona e isso não
combina comigo.
Obrigado. Por tudo.
Seu,
Liam.
Sorrio para o papel e envio uma mensagem, que não é respondida. Nem
durante a próxima meia hora. Ou duas horas depois. Nem mesmo na manhã
seguinte. Talvez, nem tudo esteja totalmente resolvido.
Ou, talvez, ser uma Redmayne acabou pesando, no final das contas.

Na madrugada, após um dia cheio com os advogados que pedi à minha


mãe para que arranjasse, a fim de que eu pudesse resolver toda a situação das
minhas propriedades, que estranhamente foram vandalizadas nos últimos dias.
Estou deitada na cama, ainda no hotel, virando de um lado ao outro, tentando
pegar no sono, mas não consigo. Os pesadelos seguem frenéticos e, quando meu
celular apita na mesa de cabeceira, meu coração dispara ao ver o nome na barra de
notificações.

L. Ashbourne: Sinto sua falta.

Releio a mensagem algumas vezes e sinto a pressão do meu peito aliviar.

Harper M. Lawson: Eu sinto mais.

L. Ashbourne: Impossível, Moon. Quando você volta?

Harper M. Lawson: Logo. Eu prometo.

L. Ashbourne: Não demore, por favor.


Assim espero. Minha mãe, que nunca foi uma pessoa muito preocupada,
parece ter sentido que algo mais aconteceu e não tem me perdido de vista.
Infelizmente, mesmo após uma briga fenomenal, durante aquela tarde em que eu
insisti, com muita veemência, que poderia voltar com tia Lin e Victoria para Silent
Grove, Marianne Fedori bateu o pé e não permitiu.
Sendo assim, minha missão nos próximos dias é não surtar de vez,
enquanto faço todo tipo de exame para que minha mãe fique tranquila e me
permita voltar para a cidade — e para certo jogador, cada vez mais impaciente.
Assim como eu.

Cinco dias, dois exames de imagem do corpo todo, incontáveis exames de


sangue e alguns testes físicos, e fui finalmente liberada pelos médicos,
conseguindo meu alvará de soltura. À essa altura, as mensagens de Liam
Ashbourne, o Alpha de Silent Grove e o quarterback mais famoso do momento, se
tornam cada vez mais impacientes e até um pouco engraçadas. Em uma delas, ele
ameaçava todos os coelhos da cidade, caso eu não voltasse imediatamente para
casa.
Bem, pelo menos, as últimas mensagens que consegui ler foram assim.
Antes que, em um ataque de loucura, minha mãe confiscasse meu telefone, se
valendo dos mesmos argumentos sobre os riscos da tecnologia que a mãe de Andy,
meu amigo, usou ao descobrir sobre a coisa toda do “desmaio misterioso”, em
uma de nossas conversas, o que resultou no sequestro do meu telefone.

Após assinarmos os papéis de doação de toda aquela área ao Hospital


Universitário de Emberwood, com a única exigência de a ala nova tenha o nome
de Luce Ashbourne, senti o coração mais leve e a sensação de ter feito justiça ao
nome da mulher que teve a vida destruída por conta do egoísmo doente de um
irresponsável. Emocionada com o meu gesto, Marianne Fedori partiu essa manhã
e, claro, como a boa filha que sou, a acompanhei até o aeroporto da cidade, sem
pensar muito na viagem de pouco mais de três horas até Silent Grove. Entretanto,
já no estacionamento, as lembranças de Liam e eu, no que parece ter sido anos
atrás, faz meu coração se apertar.
Como é que tudo pode ter acontecido tão rápido?
Após mais uma despedida chorosa e vários convites para que eu
reconsiderasse e voltasse com ela para a capital, minha mãe entrou na área de
embarque e eu segui até o carro no estacionamento, onde o motorista me esperava
pacientemente.
Para minha total decepção — Nada de surpresa ou de Liam Ashbourne.
Agora, dentro do carro, sendo observada de perto pelo homem mais velho,
contratado para me levar ao jogo que definirá as semifinais do campeonato
estadual de futebol americano, encaro o aparelho descarregado em minhas mãos,
devolvido momentos antes da partida da minha mãe. Sentindo o conflito dentro de
mim aumentar à medida em que o carro acelera pela estrada, que nesse momento,
gira entre três escolhas óbvias: jogá-lo pela janela, gritar e espernear feito uma
garota de cinco anos, por não conseguir entrar em contato com ninguém, ou chorar
de apreensão, por não saber o que esperar ao chegar na cidade.
Talvez, eu faça as três coisas, antes que cheguemos à cidade.

Assim que atravessamos o pontilhão, o frio em minha barriga aumenta


exponencialmente e me pego pensando em todas as mudanças que vieram
acontecendo por aqui nos últimos dias, enquanto estive fora. Liam se recusou a
fazer videochamadas comigo e isso me deixou desconfiada de que estivesse
escondendo algo de mim. Entretanto, Vicky me garantiu de que já o havia visto
treinando e que ele não tinha mais do que algumas cicatrizes por conta do que
aconteceu.
Logo que entramos na rua do centrinho charmoso, vislumbro a velha
senhora na janela e ela acena, abrindo um sorriso largo, assim que me reconhece,
diferentemente do dia em que cheguei aqui pela primeira vez. Ela parece muito
mais leve hoje, do que antes, apesar de tudo.
Segundo Vicky, com a derrota do clã rival — poucos lobos brancos
sobreviventes foram integrados à alcateia da cidade e responderão por seus crimes,
é claro — e a prisão do prefeito Graymane e do reitor Nolan, por conta de sua
participação covarde nos eventos dramáticos da semana passada; os ataques de
animais selvagens na floresta cessaram.
Embora, Silent Grove ainda não seja um lugar muito convidativo e o
“Toque de recolher” siga, como manda a tradição da cidade, o lugar não parece
mais tão assustador. Ainda mais quando mantenho em minha discagem rápida o
contato de alguns lobos da região. Meus amigos. Que hoje, vão definir se o
Warrior Wolves vai para a final e, então, disputar o campeonato nacional, sob o
comando do destemido líder.
— Vejo que comprou um casaco novo. — Sra. Holloway caminha até
mim, enquanto o motorista tira minhas malas do carro. — É lindo, filha. — Sorri.
— E vermelho, como o outro.
— O que seria do lobo-mau, sem a Chapeuzinho Vermelho? — Suspendo
o capuz, cobrindo minha cabeça, fazendo-a sorrir junto comigo. — Está tudo bem
por aqui?
— Ele sente sua falta. — Mas ela confirma com a cabeça. — Novos
acordos e novos rumos para nós, Harper. Estou feliz em revê-la, bem-vinda de
volta. — Ela sorri para a borboleta colorida que pousa em meu ombro. — Mas o
jogo é na cidade vizinha, sabe disso, não é?
— É, eu sei. Mas não levaram meu uniforme para Montbianc e, sabe como
é, eu não posso chegar até o jogo sem os meus pompons, para torcer pelo meu
namorado, não é? — Eu a abraço e deixo um beijo em seu rosto, antes de correr
para dentro de casa, deixando minhas malas ao lado da porta conforme subo as
escadas correndo até o meu quarto.
A meta é surpreender Liam e os outros, e deixar claro que Harper Moon
Lawson veio para ficar.
Estou chegando, Liam.
Novos Acordos.
Nova vida.
Inúmeras oportunidades.
E uma saudade filha da puta, que tem amargado todos os meus malditos
dias longe daquela garota teimosa de cabelos escuros, olhos de um cinza quase
metálico, que virou meu mundo de cabeça para baixo, reinando soberana na minha
cabeça e no meu coração.
Brega para caralho. E desesperado de saudade.
Quase dez dias sem vê-la. A última vez, me despedindo dela naquela
merda de situação, na qual havia a possibilidade de nunca mais tornar a vê-la para,
então, tê-la longe de mim, a distância me torturando dia após dia, enquanto meu
rosto sarava e apenas uma linha — leve e quase imperceptível, se eu me mantiver
com a barba baixa — ficasse de lembrança.
— É a mesma cara de bunda de sempre — Mack dispara, já pronto,
parando ao meu lado no espelho. — Alguma notícia da nossa Lawson?
Mas que filho da mãe...
— Minha. Lawson. — Enfatizo. — E, não. Desde que Vicky avisou sobre
o confisco do telefone, não consegui mais falar com ela.
Tento não rosnar, ou puxar os cabelos. Ou as duas coisas.
— Porra, cara, que merda. — Jasper para ao meu lado, a mão pesando
sobre o meu ombro — Ela logo estará de volta, tenho certeza.
— Ou pode pensar melhor e decidir ir embora de uma vez. — Meu coração
bate descompassado. Um medo trazido à tona, antes da porcaria de um jogo.
Porra! Termino de me arrumar e fecho a porta do armário metálico, batendo-a
com mais força que o necessário, fazendo-o balançar no lugar.
Ao mesmo tempo, Jasper e Eli erguem os rostos quase que juntos, como se
farejassem algo no ar e trocam um olhar cúmplice. Estou prestes a perguntar o que
as duas comadres estão fofocando, quando a porta do vestiário se abre com um
estrondo, fazendo meu coração se acelerar instantaneamente, pensando que talvez
seja certa garota baixinha, mas determinada, que certamente teria coragem de
invadir um vestiário cheio de jogadores, sem problema algum.
— Certo, pessoal! — O treinador aparece, me fazendo murchar no lugar e
meus amigos rirem da minha cara, é claro. — Esse jogo será decisivo! Temos
olheiros aqui e....
Durante uma boa meia hora, ouvimos tudo o que ele espera de nós e mais
um monte de baboseiras motivacionais, antes que nos libere para nosso círculo de
concentração e, pouco tempo depois, deixo o vestiário, liderando meus guerreiros
para a batalha que, dessa vez, será em campo.
Ainda dentro do espaço fechado, enquanto aguardamos os locutores que
fazem a apresentação dos times, o som da torcida nos ensurdece como em todas as
vezes, fazendo a descarga de energia e adrenalina correr solta pelos nossos corpos.
Salto no lugar várias vezes, me aquecendo, e a decisão é tomada assim que meus
pés se aproximam do túnel que leva ao campo.
— Vamos vencer a porra desse jogo e eu vou buscar a minha garota!
Chega de espera. — Vários jogadores vibram comigo, enquanto Jasper passa
correndo por todos e se vira, correndo de costas para olhar para mim.
— Acho que pode se surpreender, Ash. — Sorri. — Quem sabe, ela não
venha buscar você?
Porra, seria a realização de um sonho.
— Seria a Intrépida Lawson que a gente conhece e sente falta — Mack
completa, correndo em direção ao campo.
— Boa sorte, Ash! — Eli sorri e passa por mim, como os outros.
Espero e cumprimento os últimos jogadores que se posicionam, e atravesso
até o início da fila, liderando-os para o campo, como sempre fizemos antes dos
jogos dos Warrior Wolves, porém, há algo diferente no ar. Uma espécie de
antecipação que não consigo compreender. Estou correndo para o centro do
campo, visando a minha posição para iniciarmos o jogo, quando eu olho ao redor,
sentindo a essência na brisa. Fraca, mas, ainda assim, presente.
Porra, sim.
Notas de jasmim, limões, maçãs-verdes, rosas brancas e cedro.
Harper.
Olho ao redor, primeiro para a lateral do campo, onde as líderes de torcida
se aglomeram em volta de uma integrante, mas quando se afastam, não são os
cabelos escuros presos em um rabo de cavalo que eu vejo. É só mais uma das
garotas que acena para os outros jogadores, antes de notar minha atenção e corar
violentamente.
Onde está você, Harper? Eu ainda estou aqui. Esperando.
Mack nota minha decepção e aperta meu ombro em um gesto de apoio,
antes de correr a mão pela cintura do namorado e tomar sua posição. Jasper,
aquele filho da mãe, está beijando Victoria na beira do campo, sob os gritos
eufóricos da torcida, antes de vir correndo para perto de nós, enquanto sigo
relembrando o cheiro da minha garota, correndo os olhos esperançosos pela
torcida, buscando por ela, antes de encontrar meu pai sentado na arquibancada ao
lado de Chad.
Noto o exato momento em que, apoiado na bengala de material leve e
escuro, ele me lança um sorriso emocionado. Já se passou tempo demais. A
resolução volta com força total. Antes, eu não podia ir até ela, resolvendo todas as
questões dos Acordos e tudo o mais, mas, agora, não haverá nada que me impeça
de ir buscá-la. Torço o pescoço enquanto os juízes se preparam para o início da
partida. Como se eu já não tivesse todos os motivos para ganhar esse jogo...
Estou a caminho, Harper Moon.
Espere por mim.

O Montbianc Eagles nos deu um puta trabalho.


Os caras são realmente bons, mas não eram páreos para um time como o
nosso — foi o que eu gritei para cada um dos jogadores durante a merda do
intervalo.
“Nossa vantagem é pequena, mas poderemos aumentá-la se jogarmos com
a estratégia certa, e disso, nós entendemos muito bem”.
De volta ao jogo, observo frustrado a vibração da torcida junto a cada
jogada e a lembrança de sua essência deliciosa e convidativa, fazendo meu peito
se apertar de saudade e varrendo totalmente a porcaria da minha concentração.
Controle-se, lobo maldito. Imploro, mas ele não me ouve. Nós precisamos dela.
Me sentindo cada vez mais impaciente enquanto os ponteiros parecem trabalhar
contra mim — nenhuma novidade, sejamos honestos. Mas é a vontade de vencer
essa merda de jogo e correr ao seu encontro, que finalmente anula todas as outras
distrações e me impulsiona nesse momento.
Necessidade e instinto.
Em uma oportunidade única, tomo a bola do adversário, atravessando o
campo correndo, desviando de tudo e de todos, com o meu time agindo ao redor,
marco um touchdown, enterrando a porcaria de couro no chão e aumento ainda
mais a nossa vantagem nos últimos minutos de jogo. Quando o árbitro ergue as
mãos confirmando, e então decreta o fim do jogo, sou cercado pelo resto do time,
que me envolve em um abraço coletivo, celebrando a nossa vitória que garantiu a
participação no campeonato nacional.
Mas meu foco é outro e Jas é o primeiro a notar, quando começo a me
afastar dos outros, abrindo um sorriso em minha direção.
— Você já vai? — conclui. — Boa sorte, Ash.
Apenas confirmo com um gesto rápido de cabeça e deixo o campo sob os
aplausos da torcida. Dentro do vestiário, a impaciência aumenta e, em pouco
tempo, não ouço mais a torcida, meus companheiros de time, ou o treinador
fazendo um resumo sobre o resultado do jogo. Assim que termino de me vestir,
deixo o lugar e me deparo com o sujeito, que poderia ser uma versão mais velha
de mim, vestindo um tricô cinza ao invés do preto frequente em minhas roupas, e
sorri ao notar o tremor das minhas mãos.
— Ah, eu me lembro… — Ele aponta para mim. — A necessidade insana,
o peito apertado... — Um sorriso triste curva seus lábios. Mas ele sacode a cabeça
em uma negativa e tira uma caixinha preta e aveludada do bolso. — Algo me diz
que vai precisar disso em breve, filho.
— Você sabe que, se eu mostrar isso a Harper, ela pode sair correndo,
certo? — Pego a caixinha assim mesmo, observando o anel delicado e lindo
encaixado no material claro, antes de guardá-lo na mochila que trago comigo. Já
imaginando-a revirar os olhos e colocar a culpa no que ela chama de “esquisitice
de lobo.”
Porra! Que saudade do caralho.
— Eu sugiro paciência, então — ele diz, se balançando na prótese que está
usando. Sua reabilitação está sendo um sucesso e, cada dia mais, Owen Ashbourne
se torna alguém menos ranzinza. — Ou talvez, deva se arriscar. Um pouco de
coragem não faz mal e você tem muito disso dentro de si, filho. Não percam
tempo à toa. Cada segundo é precioso. Aproveitem.
Talvez...
— Obrigado, pai. — Sorrio e me despeço, indo em direção ao meu destino,
o corpo inteiro tremendo de antecipação, já pronto para pegar a estrada.
Mas, antes, uma pequena parada em casa para pegar algumas coisas e
guardar a joia da família para o momento ideal.
Em breve, claro.

Acelero a moto pela rodovia cercada pela floresta e começo a cogitar


deixá-la em casa e atravessar pela floresta o resto do caminho, pouco me
importando se terei ou não uma a porcaria de peça de roupa quando chegar à
Montbianc, quando a brisa fria do fim de tarde me atinge com tudo e faz meu
olfato explodir.
Harper.
Não demora muito, cruzo os portões metálicos e me deparo com um carro
de luxo, branco de vidros escuros, deixando a minha propriedade. A essência
deliciosa presente em cada canto do lugar, deixando meus pensamentos ainda mais
frenéticos e fazendo todo o meu corpo entrar em curto.
Deixo a moto de qualquer jeito no recuo próximo ao portão e corro o resto
do caminho, ansioso e desesperado, até encontrar a cena inimaginável: sentada nos
degraus, a líder de torcida desajeitada, tenta interagir com o rottweiler preguiçoso,
deitado aos seus pés.
— Wolf! — chamo à distância e noto quando ela ergue os olhos, e então se
levanta, limpando o traseiro gostoso, sem tirar os olhos de mim. — Casa!
Obediente, como sempre, o cachorro olha na direção da garota de cabelos
escuros, vestindo a porra de um casaco vermelho — como aquele que me
assombrou em todas as noites em que estivemos afastados — antes de sair. Talvez,
tão hipnotizado por sua presença quanto eu.
— Pensei que tivesse medo de cachorros. — Minha tentativa de soar leve e
provocativo, soa como uma acusação no tom baixo e rouco.
— Totalmente superado. — Dá de ombros e então, franze o nariz. —
Quase. Mas achei que seria hipócrita da minha parte, continuar com isso, já que
meu namorado é um lobo.
Ah, sim, ele é. O modo como meu coração dispara dentro do meu peito não
é algo natural.
— Caralho, Harper. — Tento respirar fundo, me manter composto para não
avançar sobre ela, mas toda a minha força de vontade se esvai quando ela decide
reduzir a distância, correndo até mim, me levando a fazer o mesmo.
E, nesse momento, não há como manter controle algum. Tudo o que vejo é
a líder de torcida vindo em minha direção, sem desviar seus olhos claros dos
meus. Jogo meu capacete no chão, pouco me importando com isso agora, apenas
sigo em frente, abreviando a distância entre nós, até que meu corpo colida contra o
seu, meu braço direito agarrando-a pela cintura e erguendo seu corpo o suficiente
para que prenda suas pernas em mim, sentindo meu corpo e a minha vida inteira
voltar ao lugar quando minha boca alcança a sua.
Finalmente.
Aos suspiros, seus dedos se embrenham no meu cabelo e Harper move os
lábios contra os meus com o mesmo desespero e necessidade. Nossas línguas se
encontrando enquanto devoro sua boca, apertando firme a lateral de sua coxa,
indiferente ao fato de haver alguém por perto ou não, quando ela geme baixinho,
arranhando minha nuca, mantendo-me preso ali, sem permitir que eu me afaste.
Ao nosso redor, os caras começam a chegar, ainda celebrando a vitória do
jogo, algo que me parece tão pequeno e estúpido agora, quando a tenho de volta
em meus braços. Tento me conter para não rosnar, mas ninguém se aproxima de
nós, como se estivéssemos em uma bolha. O nosso próprio mundo de felicidade.
Ainda sem deixar de beijá-la, seu rosto, sua boca, seu pescoço,
pressionando seu corpo na parede ao lado da porta, antes de nos conduzir aos
tropeções, com ela ainda em meu colo, trêmula e tão necessitada desse contato
quanto eu, atravesso a sala e subo as escadas para o segundo andar. Rumo ao meu
quarto, de onde não pretendo deixá-la sair tão cedo.
Prenso-a na porta, fechando-a, antes de ouvi-la gemer mais alto quando
comprimo meu corpo contra o seu centro quente e úmido, sentindo-a agarrar com
força os meus ombros, fincando suas unhas ali, arrancando um suspiro alto da
minha boca.
— Por que demorou tanto, minha Lua? — Colo minha testa na sua,
apertando firme meu corpo contra o seu, incapaz de me afastar mais do que isso,
enquanto respiramos aos arquejos.
— Me perdoa. — Ela me beija, antes de afundar o rosto em meu pescoço e
inspirar ali. — Meu Deus! — Desliza as mãos pelos meus ombros, e então, se
afasta um pouco para me olhar. — Eu estava naquele lugar, os lobos, e então...
acordei em outra cidade e a minha mãe enlouqueceu e, Liam, eu senti tanto a sua
falta... — Suas mãos correm pelos meus ombros, até que seus olhos se arregalam e
seu corpo enrijece, tenso, de repente, como se lembrasse de algo. — Por que você
não foi até mim?
— Talvez, esse lobo temesse a sua reação às suas novas cicatrizes. —
Seguro seu rosto quando ela me empurra, deslizando as pernas e se colocando de
pé. Subitamente nervosa. — E a tudo o que aconteceu. E ele tinha muito a resolver
por aqui...
— Ele seria um idiota por pensar que algo assim seria um problema para
mim. — Um sorrisinho erguendo o canto de sua boca. Enquanto observa mais uma
vez as minhas roupas pretas, como sempre. — Mesmo que tenha me deixado
muito brava por ter me mandado embora naquela noite e ter desaparecido por dias.
— Os lobos podem ser bem idiotas, às vezes, você sabe... — Dou de
ombros, fazendo uma careta no processo.
— Eu teria vindo, se tivesse acordado antes — garante. — Eu... eu pensei
que, talvez, você não quisesse me ver, depois de tudo... — admite e, puxando o ar
de forma ruidosa, ao me ver negar, cai em um choro sentido, cobrindo o rosto
antes que meus braços a envolvam e ela enxugue o rosto, se recompondo. — Nós
precisamos conversar, certo? Talvez, ser quem sou seja uma questão e... depois de
tudo, eu entenderia se…
Ah, droga.
— Nós podemos conversar. — Me aproximo mais dela, enlaçando sua
cintura com os braços, pressionando meu corpo ao seu mais uma vez. — Podemos
fazer o que quiser, Harper, mas não se afaste de mim. — Seguro seu queixo e a
forço a me olhar. — Ouviu? Já ficamos tempo demais longe um do outro, e eu não
pretendo perder mais nenhum maldito segundo. Entende isso?
— Mas, Liam... o meu pai... — O som sai quebrado e ela esconde o rosto
em meu peito.
— Não — nego e dou alguns passos, fazendo-a recuar até seu corpo tocar a
mesa, cheia de documentos e cadernos. A porra da vida de um Alpha não é um
mar de rosas. Ergo minha mão até o seu rosto e mantenho-a olhando para mim. —
Minha Lua, agora, eu preciso de você. — Puxo o ar ao lado de seu pescoço,
observando-a estremecer, enquanto sinto o cheiro embriagante de sua excitação.
— Assim como sei que precisa de mim. Liam e Harper. E ninguém mais.
— Liam... — murmura, antes de fechar os olhos, se rendendo ao meu
toque.
Não perco tempo e volto a colar nossas bocas, beijando-a com tudo de
mim, enquanto seus dedos agarram o tecido da minha camisa, puxando-o para
cima. Me afasto apenas para que o passe pela minha cabeça e arranco o maldito
cropped e o top de ginástica, deixando-a nua da cintura para cima. Paro um
segundo para admirar a vista maravilhosa de seus seios, antes de enganchar os
dedos no elástico do short e rasgar a porcaria do tecido, sem paciência alguma
para nada entre nós nesse momento.
Faço o mesmo com o moletom escuro que vesti após o jogo e chuto o
amontoado de tecido para o lado, sem nunca desviar os olhos de Harper e de seu
corpo lindo à minha frente. Desço os olhos para os pés delicados, enquanto ela
descalça as meias, subindo-os pelo caminho até suas pernas longas, inclinando
minha cabeça ao notar a umidade evidente no alto de suas coxas.
Incapaz de me manter longe, corro as pontas dos dedos no vale entre seus
seios, antes de traçar o desenho dos mamilos rosados e eriçados pelo toque, mas
não fico ali, apesar de estar salivando de vontade de prová-los. Sigo caminho da
pele macia de sua barriga, e então, me deixo cair de joelhos, sem conseguir me
conter.
— Minha rainha. — Deslizo os dentes e, então, distribuo beijos molhados
no interior de suas coxas, enquanto ela se remexe, impaciente. — Porra, quanta
saudade eu senti de você.
Observo seu corpo macio se abrir aos poucos para mim, enquanto meu pau
pulsa dolorosamente sob o toque da minha mão, que sobe e desce em uma punheta
lenta, sem conseguir me controlar.
— Eu... eu também! — As mãos firmes nos fios no alto da minha cabeça.
— Liam, por favor...
— Tudo o que você quiser, minha Lua. — Sorrio e assopro sobre o ponto
inchado, ouvindo-a gemer, tamanha a excitação que sente agora.
E, só então, eu a devoro. Mergulho a língua entre suas dobras encharcadas,
me concentrando em seu clitóris, abrindo ainda mais uma de suas pernas ao apoiá-
la em meu ombro, enquanto deslizo dois dedos para dentro de seu calor, curvando-
os até atingir um ponto dentro dela que a faz gemer mais alto e rebolar
continuamente na minha boca, fazendo meu pau latejar em resposta.
— Você vai gozar na minha boca? — Continuo metendo os dedos dentro
dela, enquanto a observo assentir, mordendo o lábio inferior com força. — Agora?
Aumento o ritmo dos dedos e dos chupões, sentindo-a estremecer inteira,
apoiando firmemente as mãos sobre a mesa, jogando a cabeça para trás, ainda com
os dedos puxando forte o meu cabelo, enquanto goza gemendo meu nome, como
um mantra.
— Tão gostosa... — Me levanto, apreciando a cena, mas sem muita
paciência para esperar muito para estar dentro dela. Pego-a no colo, suas pernas
me envolvendo, enquanto abro a gaveta, mas não encontro a porra do preservativo.
Por mil infernos!
Um rosnado frustrado irrompe da minha garganta, enquanto Harper me
puxa para mais um beijo, sensual e intenso, roçando sua entrada úmida no meu
pau, enquanto nos conduzo até a minha cama.
— Harper, minha vida, a camisinha... — começo a dizer, mas ela volta a
me beijar e só para quando a deito de costas entre os lençóis azuis da minha cama.
— Eu amo você — avisa, em uma voz baixa e sedutora, me puxando para
que suba em cima dela, mas eu resisto. — E, para evitar lobinhos, saiba que eu já
tomo remédio há anos.
Sem acreditar, me encaixo entre suas pernas, sentindo-a me aprisionar ali,
enquanto apoio meu corpo nos cotovelos, sobre o seu. Minha glande roçando toda
a sua boceta encharcada, fazendo-a gemer baixinho e se mover contra mim. A
lembrança de nós dois, naquele chalé, invadindo minha mente.
Eu só posso estar sonhando.
— Então... — Delicadamente me encaixo em sua entrada, antes de colar
nossos lábios em um beijo intenso, no mesmo momento em que empurro meu pau
para seu interior apertado.
Me perco na sensação inebriante de senti-la quente ao meu redor, fazendo-
a gemer alto quando atinjo o fundo, me retirando totalmente, para entrar com tudo
de novo. E, assim eu faço, de novo e de novo, nos levando ao limite, sem nunca
desviar nossos olhos, observando suas expressões mudarem à medida em que o
prazer se acumula dentro dela. E de mim.
— Mais! — ela pede, e em um impulso, me pega desprevenido e inverte
nossas posições, ficando por cima de mim, as mãos apoiadas em meu peito,
quando começa a me cavalgar. — Liam!
Seu ritmo se intensifica mais a cada descida e logo, a vejo perdida em seu
próprio prazer, enquanto monta meu pau, gemendo meu nome cada vez mais alto
assim que começo a estocar em sua boceta, segurando-a pela cintura, sentindo
suas paredes me esmagarem à medida em que seu orgasmo se aproxima.
— Você é minha, Harper Moon! — Estoco até o fundo, arrancando um
gemido longo, enquanto ela estremece sobre mim, seu corpo caindo para frente
enquanto goza, derramando-se sobre mim, com os dentes cravados em meu
ombro, marcando-me, arrancando um rosnado feroz de mim. — Caralho! Sim,
amor, eu sou todo seu. Para sempre.
O gesto me leva rapidamente ao ápice, gemendo e rosnando como o animal
que sou, enquanto me derramo em seu interior, sentindo finalmente o cheiro de
nosso vínculo se espalhar pelo ar.
Minha Moon. Minha Lua.

Ainda totalmente nus, perdidos em nosso mundo, acaricio as costas de


Harper, traçando as manchas esverdeadas, remanescentes daquela noite, e
estremeço apenas de pensar no que poderia ter dado errado.
— É a hora da conversa? — murmura, apoiando o rosto bonito sobre as
mãos em meu peito.
— Eu senti tanto a sua falta. — Melhor começar confessando as partes
simples, certo? Acaricio de leve seu pescoço e seu ombro. — Mas confesso que
temi sua fúria por ter me entregado. — Harper fecha a cara, se lembrando do
momento, certamente. — Tive medo de que a cicatriz em meu rosto te assustasse,
e mais ainda de que você não conseguisse lidar com o que aconteceu. — Engulo
em seco, incapaz de imaginá-la mais tempo longe de mim.
— Eu tive tanto medo de te perder — confessa, erguendo seu rosto para o
meu, acariciando a lateral, agora marcada por uma fina linha e rosada, com as
pontas dos dedos, enquanto fecho os olhos, travando o maxilar, ansioso pela sua
reação. — Você é lindo. E um pouco idiota. Tudo o que me importava, naquele
momento, por mais egoísta que possa soar, era te ver de novo.
Porra, que alívio.
— Você ordenou que eu voltasse, e o seu Alpha não desobedeceria a uma
ordem sua, não é? — brinco, me lembrando de sua proeza na floresta.
— Não, ele não faria isso. — Ela sorri, mordendo o lábio inferior. —
Liam, eu amo você.
— Não tanto quanto eu te amo, minha Lua. Meu destino. Minha vida. São
todos seus. — Me ergo na cama e puxo a mochila para perto, tirando a caixinha de
veludo dali. Não haveria momento melhor do que esse, certo?
Harper arregala os olhos para a peça e então, volta toda a força do metal
líquido de seus olhos para os meus.
— Não precisa ser hoje, ou amanhã — falo devagar, sentindo minha voz
tremer pela ansiedade do momento. — Talvez, demore mil anos, e eu esperarei
ansioso pelo momento. Mas preciso que saiba que é a escolhida do meu coração e
não há ninguém mais nesse mundo, para mim. Harper Moon, minha Lua, seja
minha! — Paro de falar quando esconde o rosto no meu peito e espero que meu
coração acelerado faça um trabalho muito bom em convencê-la.
— Eu não sou uma loba, Liam. — Seu tom de voz é triste, como se só
houvesse pensado a respeito disso agora. — Não terei mil anos para fazê-lo
esperar.
Ah, meu amor…
— Talvez você devesse voltar às suas pesquisas, Harper. — Sorrio, me
sentando na cama, trazendo-a comigo. — Eu não sou a porra de um vampiro. Nós,
lobos, cicatrizamos bem, mas não somos imortais. Nós somos humanos comuns,
com alguns itens mais elaborados de fábrica.
— Então, se eu disser sim, não corro o risco de estar parecendo uma uva
passa enquanto meu marido continua na flor da idade? — E o fato de ela perguntar
isso, com uma expressão séria, me faz cair na gargalhada.
E, claro, tomar um tapa ardido no ombro e um beliscão nas costelas.
— Não. Embora, eu tenha certeza de que serei um coroa bem gostoso. —
Dou de ombros. — Diga sim.
— Será que eu tive escolha, em algum momento? —Abre um sorriso,
oferecendo-me sua mão enquanto deslizo o anel dourado pelo seu anelar, agora,
enfeitado por um diamante largo rodeado de pequenas pedras acinzentadas. —
Não há mais ninguém para mim, Liam.
— Tão romântica. — Observo-a revirar os olhos. — Eu amo você, Harper
Moon. Que sorte a minha, ter te encontrado.
Roço a ponta do meu nariz no seu, antes de beijar sua boca.
— Quase me atropelado, você quer dizer — implica, sorrindo, admirando
o anel que deslizei em seu dedo, sonhando com o dia em que ela me dirá um
sonoro “sim” diante de todo o clã e dos fofoqueiros da cidade. — Eu também amo
você, com todo o meu coração.
— E isso basta. — Roço meu nariz no seu mais uma vez. — Para sempre.
— Pressiono mais uma vez minha boca na sua e, assim, deslizo minha língua pelo
seu lábio inferior, pedindo passagem, e nos perdemos mais uma vez um no outro.
Em uma confusão de mãos, pernas e braços, sem nos importarmos por estarmos
fechados dentro do quarto, enquanto algumas dezenas de pessoas estão ao redor da
casa festejando o resultado do jogo.
Com Harper ao meu lado, nada mais importa.
Estou completo.
Dois anos depois...

Apesar dos tempos pacíficos em que vivemos nos últimos anos, os lobos
seguem suas rondas e parecem, por esses dias, revezar suas visitas sob a janela do
meu quarto. Todos, exceto um. Que vem a ser exatamente aquele que eu realmente
gostaria de encontrar. Nada contra os outros, é claro. Eu realmente os amo de todo
o coração. Essa noite, em especial, até deixei um pote de água e outro de ração
para os meus pets preferidos.
EusouoMack: Você foi cruel, Intrépida Lawson. Muito cruel.
Assim que a mensagem chegou, eu quase pude ouvir sua risada sonora, um
pouco antes de dormir. O gigante, que se tornou um homem sério, comprometido e
com mais chances de se casar antes de mim, segundo ele; tem passado bastante
tempo conosco na universidade, e até mesmo a implicância de Jasper com Chad
diminuiu bastante, após tudo o que aconteceu, anos antes.
— O fato de ele não ficar de olho na minha garota ajudou muito — Jas
disse outro dia no refeitório, fazendo todos nós rirmos.
— Você parece preocupada. — Eli, que parece mais feliz do que o
habitual, após o seu noivado, se senta ao meu lado, enquanto brinco com as fatias
de maçã na minha bandeja. Tudo culpa da mania saudável de Vicky.
— Ele está bem? — Meus olhos vagam pela porta do refeitório em busca
do mal-encarado, vestido sempre de preto, que não deu as caras por aqui nos
últimos dias.
— Exausto, seria a palavra certa — justifica. — Entre as demandas do clã,
as provas do final do curso e a questão do Draft, Liam tem saído cedo e voltado
muito tarde.
Já no fim do curso, Liam Ashbourne precisa tomar algumas decisões
difíceis. É um dos mais cotados para o Draft — uma espécie de seleção dos
melhores jogadores dos times universitários para a liga profissional — desse ano,
e não sabe bem como fará para conciliar todas as suas obrigações.
— Eu entendo. É só que... — começo a dizer e sinto sua mão cobrir a
minha, solidário.
— Sente falta dele — atalha. — E está preocupada com o bebê.
É, sobretudo, isso. Desde que o bebê lobo foi encontrado na floresta, ainda
recém-nascido, algo que parece ser relativamente comum entre povos nômades,
Liam tem se empenhado muito em descobrir de onde ele veio e o que fazer com
relação a ele. Como estou no último ano de faculdade e já dou alguns plantões,
acabei convencendo o médico responsável a internar o pequeno para alguns
exames e, após constatarmos uma infecção leve no pulmão e o início de icterícia,
tenho passado quase todas as noites, e boa parte do meu tempo livre, com ele, lá.
A forma firme com que as mãozinhas miúdas envolvem meu indicador e
os seus olhinhos verdes parecem me buscar, sempre que estou por perto, criou
uma espécie de vínculo entre nós e, nos últimos dias, temo constantemente que
seja levado para longe.
— Vai ficar dando mole para o meu noivo, agora, Intrépida Lawson? —
Mack reclama, abraçando os ombros de Eli, que ainda acaricia a minha mão. —
Porra, cara, não tem como competir com ela. Você viu o que ela fez com o Ash.
— Sem competição — Eli garante, com os olhos brilhantes em direção ao
outro. — Ash não me perdoaria.
— Mas que safado, filho da mãe! — reclama, antes de roubar uma fatia de
maçã da minha bandeja. — Não reclame. Você tá de mão dada com ele. É um
tributo.
— Caralho! Ele demorou, mas chegou na letra T. — Jasper faz todo mundo
gargalhar. — Eli, tira aquela merda de dicionário do banheiro!
É fácil esquecer dos problemas quando estamos assim. Mas minha cabeça
viaja o tempo todo em direção à certa pessoa, que sumiu do mapa e, cada vez
mais, parece estar me evitando, apenas para não ter que dar a notícia que vai partir
o meu coração.

Com o pequeno nos braços, cantarolo uma musiquinha infantil, sentindo-o


apertar com força meu indicador, enquanto suga leite da mamadeira. Os fios loiros
no topo de sua cabeça estão arrepiados, mas seus olhos muito grandes e verdes,
que combinam com o macacão de material acolchoado que veste, me encaram
com atenção.
— Vamos lá, Cameron — murmuro, quando ele larga mais uma vez o bico
da mamadeira e resmunga, incomodado. — Você precisa comer! Não quer voltar
para o hospital, não é?
— Cam é de Cameron, então? — A voz macia, que sempre me causa
arrepios, me faz girar no lugar e logo, estou olhando para o sujeito alto com suas
roupas pretas, que nos observa com atenção. — Esse é o nome dele?
— É como eu o tenho chamado. — Me viro de costas para ele novamente,
colocando o pequeno no moisés, que uma das famílias do clã emprestou, assim
que ele recebeu alta do hospital, alguns dias atrás.
Um dos quartos de hóspedes da mansão Ashbourne havia se transformado
no quarto temporário do pequeno encrenqueiro, que tem se recusado a mamar com
outra pessoa, que não eu. O que faz com que eu tenha que vir até aqui muito mais
do que já vinha antes, e que não desagradou muito ao líder do clã, que vem a ser o
meu noivo.
— Entendo... — Liam coça a barba por fazer e se aproxima mais de nós.
Os olhos verdes do bebê vigiando-o atentamente do berço improvisado, enquanto
as mãos do meu noivo se fecham em minha cintura e ele inspira várias vezes o
meu cabelo, antes de beijar o topo da minha cabeça.
O indicativo de que ele tem algo importante a dizer, mas que eu não devo
gostar. Droga.
— Fale logo, Liam. — Deixo minhas costas se encontrarem com seu peito,
fechando os olhos quando sinto o beijo na lateral do meu pescoço. — Achamos
uma família para ele, não é?
Diante de seu silêncio, me viro para olhar para ele. É madrugada de uma
quarta-feira e estamos os dois parados no meio de um quarto grande, cheio de
roupas minúsculas e um bebê acordado, que faz alguns barulhinhos engraçados
com a boquinha pequena dentro do berço; quando deveríamos estar dormindo e
nos preparando para os últimos dias de aulas, antes do encerramento do semestre.
O homem alto coça a nuca e volta a olhar para o bebê, que ergue os
pezinhos para o alto, debatendo-os.
— Liam? — Me aproximo, mas ele recua e suspira profundamente, antes
de voltar a olhar para mim.
— Eu me formo em alguns dias — ele começa a dizer, mas para. —
Comecei errado. — Ergue o indicador e se vira de costas para mim. — Não quero
esperar mil anos para que seja minha esposa, Harper. — Para à minha frente e
encaixa suas mãos em meu pescoço. — Eu sou péssimo com essa merda. E estou
exausto de buscar uma solução, quanto tudo está tão claro para mim. Então, a
resposta para a sua pergunta é: não. Eu não achei uma família para o Cam. —
Olha por sobre o meu ombro, para o bebê. O alívio que me invade me faz soltar o
ar que eu nem notei que prendia, e isso o faz rir e pressionar a boca contra a
minha. — Ele encontrou uma família — Liam murmura. — Não se passaram mil
anos ainda, minha Lua, e talvez seja pedir muito, já que você ainda nem se
formou, mas nada acontece com a gente na ordem prevista, não é?
— Mas, e quanto ao Draft? A sua carreira no futebol e... — Ele nega.
— Eles precisam de mim aqui — garante. — A minha responsabilidade é o
meu clã, sempre foi. O meu sonho não é o futebol, Harper Moon. O único desejo
do meu coração é você. Será que não entendeu ainda? Eu sei que é muito para
processar, e talvez, não seja ainda o momento, mas...
Não permito que ele fale mais uma única palavra, ao invés disso, silencio-o
com um beijo, avançando sobre ele, fazendo-o dar alguns passos para trás ao
tentar se equilibrar enquanto me beija com a mesma voracidade de sempre. Claro
que, no processo, assustamos o bebê, que começa a chorar, interrompendo nosso
momento romântico.
— Isso foi um sim, minha Lua? — Mesmo com o choro ao fundo, Liam
me puxa para ele, colando a testa na minha, exigindo também por uma resposta.
— Não me lembro de ter ouvido pergunta alguma. — Me desvencilho de
seus braços e caminho até o berço, no canto da parede, pegando o pequeno
exigente, que para de chorar imediatamente. Totalmente mimado. — Você ouviu
algo, Cam?
O sorriso lupino no rosto do homem que caminha até nós, me faz suspirar
e acelera meus batimentos, fazendo meu corpo se acender. Ele pega o pequeno de
forma desajeitada no colo, e se ajoelha à minha frente.
— Você, Harper Moon Lawson, aceita ser nossa para sempre?
E o modo como os dois me encaram, nesse momento, é algo que guardarei
para sempre na minha memória e no meu coração.
Dois meses depois, termino de me arrumar no antigo quarto de Liam, onde
passei boa parte do dia me arrumando sob os cuidados de Vicky, tia Lin e a minha
mãe, que dividiram a atenção entre mim e Cam — um pequeno lorde com sua
roupinha engomada de pajem — um pouco antes do horário em que a neblina
toma conta da velha e pacata Silent Grove.
As batidas na porta fazem meu coração palpitar, mas logo, a silhueta de
Olga Holloway aparece sorridente, trazendo uma caixa pequena nas mãos.
— Cheguei a tempo! Graças aos céus! — Sorri, colocando a caixinha na
penteadeira em que estou sendo arrumada, diante do espelho, e tira de lá um lindo
arranjo de pérolas para o cabelo. — Para dar sorte, algo velho.
— Ah, meu Deus! Obrigada, Sra. Holloway! É lindo! — Seguro suas
mãos, enquanto Vicky coloca o arranjo em meu cabelo.
— Bem, sendo assim, tenho algo novo para você. — Minha prima sorri e
me entrega um pequeno par de brincos brilhantes, nos padrões da renda do meu
vestido.
— Vicky, são lindos! — Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Não ouse estragar a maquiagem! Eu fiz um trabalho incrível! — Avisa,
limpando os cantos úmidos dos meus olhos.
— Algo emprestado. — Tia Lin se aproxima, trazendo um antigo camafeu
que pertenceu à minha avó.
Seria algo que eu não aceitaria antes, mas quando os segredos foram
revelados, anos atrás, descobrimos que meus avós mandaram minha mãe embora
da cidade para mantê-la segura, por causa de sua ligação com os Redmayne.
Então, apenas permito, com gratidão, que eles participem do dia mais feliz da
minha vida.
— E, por fim, algo azul. — É minha mãe quem anuncia, trazendo um lindo
colar prateado, com uma pedra incrível e muito brilhante. — Seja feliz, Moozinha.
Ah, eu serei. Com toda certeza.
Desço as escadas, erguendo a barra do tradicional vestido branco de renda,
para não cair de cara no chão, gerando uma comoção desnecessária, e ajeito uma
mecha de cabelo atrás da orelha, torcendo para que não atrapalhe o penteado de
Vicky.
— Você está linda, Harper — a voz profunda de Owen Ashbourne me
alcança, assim que chego ao fim da escada, e ele me oferece o braço para me levar
ao altar, erguido no grande salão de festas onde dancei com Liam a primeira vez.
— Meu filho é um homem de sorte.
— E não somos todos? — Juntos, deixamos a sala e descemos os poucos
degraus da varanda a caminho do salão, cruzando o tapete incrivelmente bonito,
feito de folhas e pétalas de rosa, vestindo o tradicional branco, sem conseguir
desviar os olhos do homem lindo que me espera no altar com seus olhos muito
escuros ligeiramente emocionados.
Na primeira lua cheia de dezembro, diante do nosso filho, dos nossos
amigos, familiares e todos os curiosos da pequena cidade que decidiram vir ao
casamento, eu disse sim a Liam Octavio Ashbourne.
Sem nenhum tropeção. Ou inimigos à espreita. Ou situação constrangedora
por causa da minha falta de coordenação motora.
Nem mesmo quando ele deitou meu corpo e me beijou sob os aplausos de
todos ali, como sempre acontece naqueles romances clichês que a minha mãe vive
assistindo. E no qual eu pareço estar vivendo agora.
Alguns anos depois...

Trinta e quatro anos de vida. Inacreditável pensar em tudo o que passei


para chegar até aqui. Aos poucos, com os novos acordos, fomos nos permitindo
mais e não demorou muito para que vários de nós seguíssemos caminho ao redor
do mundo, sempre retornando ao nosso berço, mantendo-o seguro e protegido,
cumprindo nossa parte.
A cidade continua a mesma de sempre — exceto que vovó Olga não fica
mais em sua janela. Já que resolveu se mudar para morar com a neta, filha de
Loman, após muita teimosia de sua parte, é claro. Chad e Marisol Graymane
vivem na cidade vizinha, depois de terem vendido as terras para os Blackmoon.
Eli e Mack visitam a casa de vez em quando, já que conseguiram vagas muito
boas em times profissionais após o draft, mas sempre preferem ficar na minha
casa, para “curtir” seus momentos de nostalgia.
Acelero o carro pelo velho centro, buzinando para as duas pequenas
garotinhas, tão loiras quanto a mãe, e aceno brevemente para Jasper que as vigia
com seus olhos atentos. Ele não espera que eu pare agora, meu irmão já me
conhece o bastante para entender o que move meu mundo — talvez, porque sofra
da mesma condição que a minha. Paixonite aguda.
Manobro pelas ruas apertadas, relembrando de velhos amigos que já
partiram e novos, que chegam todos os dias, tudo monitorado e bem cuidado, para
que nada fuja do controle e nenhuma situação terrível, como aquela, volte a
acontecer. Sob a neblina que já cobre a parte alta da cidade, eu vislumbro a Colina.
Os portões metálicos se abrem e me recebem, acolhedores e familiares, mas não é
isso que faz meu coração acelerar.
Sou a porra do orgulhoso Alpha de um clã de lobos e administrador do
Hospital Universitário Emberwood, que agora, conta com novas unidades e, até
mesmo, um hospital veterinário, funcionando nas antigas propriedades da família
Redmayne — uma doação generosa da herdeira daquelas terras. A minha doce e
linda esposa.
O que faz meu coração dar um salto no peito é a visão que tenho a partir da
janela da sala da casa grande e reformada recentemente. O lugar, que antes
funcionava como uma espécie de fraternidade, agora abriga um lar e, dentro dele,
estão as quatro pessoas mais importantes no mundo para mim.
Antes que eu consiga chegar à porta da frente, um garotinho passa
correndo por ela, vestindo uma camisa de super-herói e uma calça de moletom
escura, seus braços curtos e magrelos abertos, antes que ele agarre as minhas
pernas.
— Papai! — ele grita, enquanto o puxo para o meu colo, posicionando-o
sobre meus ombros. Seus cabelos claros contrastam com os meus fios escuros e o
garotinho ainda possui os olhos muito verdes, que nos conquistaram quando o
vimos pela primeira vez.
Cameron Lawson-Ashbourne chegou na hora certa para nos tornar uma
família e ser a alegria da casa, papel que cumpriu durante anos e continua
exercendo com maestria, não mais sozinho, é claro.
Ergo a cabeça e sinto seu cheiro dominar o ar — como sempre foi e
sempre será. Assim como a lua cheia, ela me atrai. A menininha em seus braços,
Luna, usando um macacão cor-de-rosa com pequenas orelhas de coelho no topo da
cabeça — uma miniatura sua, com os mesmos olhos acinzentados espertos —
acena feliz para o irmão, que me solta e corre em direção à mulher mais linda do
mundo, vestida numa camisa de botões vermelha, e os envolve em um abraço
repleto de amor, enquanto sorri para mim.
O centro do meu mundo — minha Lua. Minha escolhida. Minha Moon.
Carregando em seus braços toda a nossa maior riqueza: nossa família.
Emocionado para um caralho.
— Bem-vindo de volta, Sr. Ashbourne. — Ela me entrega a mocinha
exigente que tenta agarrar meu pescoço, enquanto pressiona os lábios nos meus.
— Achei que tivesse perdido o caminho de casa.
— Jamais, minha Lua — respondo, beijando a baixinha, antes de colocá-la
no chão, observando-a em seus passinhos trôpegos correndo atrás do irmão, para o
colo do avô que nos observa da sala. Cumprimento-o de longe, antes de envolver
minha mulher em um abraço apertado. — Senti sua falta a cada segundo de cada
dia, Dra. Lawson-Ashbourne.
— Eu amo você, sabia? — declara, jogando os braços sobre meus ombros.
— Não tanto quanto eu te amo. — Quando nos beijamos, como sempre,
deixo-me perder ali, agarrando-a contra mim, sem me importar com mais nada.
Mas minha esposa, claro, pensa diferente.
— Você sabe que o seu pai tá vendo tudo, certo? — avisa quando me
afasto, abrindo caminho para respirarmos. Seu comentário me faz subir
rapidamente a mão que havia ultrapassado os limites da sua cintura.
— Ele vai ter que superar. — Abro meu melhor sorriso. — Instintos e tudo
o mais. E dessa vez, foram dois dias inteiros longe. Ele vai me entender.
— Vai usar as esquisitices de lobo a seu favor, sempre que puder, não é? —
Estreito os olhos em sua direção.
— Sempre. — Começo a subir os degraus para entrarmos em casa, mas ela
me puxa de volta.
— É impressionante a sua cara de pau em admitir. — Joga seus braços
sobre meus ombros e fica nas pontas dos pés para me beijar. — Eu amo você,
Liam.
— Não mais do que eu, Harper Moon. — Me beija mais uma vez. — Para
sempre.
Killian
De todas as loucuras que já cometi ao longo da minha vida, essa, com
certeza, vai entrar para a história. E o pior de tudo é que não estou brincando;
basta olhar para o camarote repleto de figurões do esporte e da realeza. Agora
mesmo, penso ter visto o príncipe acenar em minha direção em um apoio
silencioso.
À frente de uma multidão que espera ansiosamente pela entrada dos times
no rinque, puxo o ar gelado para dentro dos pulmões e torço as mãos, tentando me
convencer de que essa é a única forma de fazê-la me ouvir.
No gelo, eu sei quem sou. Repito mentalmente sem parar.
Observo quando o homem mais velho com seus olhos duros se aproxima e
toca meu ombro em um gesto de incentivo, antes de sinalizar que o momento
chegou. Um pequeno grupo se forma ao meu redor no gelo, seus olhos intrigados
me observam e duas mãozinhas se estendem em minha direção com expectativa
— me chamando. É agora.
Sem saída, alongo o pescoço e aceito toda a ajuda que puder. Assim que a
lâmina desliza pela superfície gelada, uma sucessão de imagens flutua diante de
mim: passado, presente e ela. A razão de eu estar aqui, diante de todos de uma
forma um tanto diferente. E, por ela, vai valer a pena. Eu sei.
No gelo, eu sei quem sou.
Com ela, eu sou melhor.
E por ela eu faria qualquer coisa.

Conheça mais sobre essa história aqui: https://amz.run/6x8R


Oiiiiieee!! Você chegou até aqui e eu espero muito (muito mesmo) que
tenha gostado! Não se esqueça de avaliar, vou amar saber o que tem a dizer sobre
mais essa aventura! Obrigada a vocês por todo o apoio e carinho!
À Deus, agradeço por me guiar e proteger sempre. À minha família, que
tolerou todas as minhas maluquices para finalizar esse livro: Amo vocês!
Filipe, meu parceiro de todas as horas e meu escolhido: Te amo mais do
que eu posso explicar! Aos meus filhos queridos: João Gabriel e Maria Clara, que
tem me dividido com os personagens ao longo dessa jornada. Vocês são tudo pra
mim! Mamãe ama muito vocês!
Isabella Silveira, minha metade literária e parceira de todas as horas:
Obrigada por estar sempre comigo. É uma honra. Você é para sempre! Amo você!
#Prisa
Danielle Camponello, que leu, surtou e se arrepiou em todos os capítulos
do Alpha: Você mora no meu coração! E, claro, um agradecimento especial ao
Vini, o marido dela, que tem uma mente fértil e me deu ideias incríveis. Já quero o
quadro: “Palpites do Vini”.
Vanessa, minha assessora, amiga, Soberana de Averty e que abraçou a
ideia do Lobo, mesmo que eu não estivesse tão certa sobre ela: Obrigada!! Eu
amei cada segundo dessa história e é uma honra trabalhar ao seu lado. Esse enredo
não teria se concretizado se não fosse por você, então o Liam é todo seu e deixo
aqui documentado.
Thataaaa!!! A dona do meu feed e que se empolgou comigo e fez os vídeos
mais lindos do mundo, além de me ajudar com o livro: Você é foda!
Minhas betas queridas: Dani, Thata, Mariza e Amarilis Vocês são sempre
essenciais! Meu indicador se a história está atingindo seu objetivo. Obrigada por
todo apoio e carinho sempre!!! Mayra, maravilhosa, que não betou, mas me
ajudou muito com seus conhecimentos sobre suturas: Obrigada! Obrigada!
Ao meu time de parceiras que se empenhou e tem me ajudado a espalhar o
Averativerso por aí: Obrigada por tudo!!! Vocês são incríveis!!
Minhas amoras queridas do meu grupo de leitoras: Como sempre, obrigada
por todo o apoio sempre e incentivo diários. E por estarem ao meu lado! E é claro
que esse livro é para vocês!
Nos vemos em breve!
Pri Averati
Oiiiie!!!!! Eu vou adorar te conhecer melhor!!

Parece inalcançável a relação autor/leitor, mas eu estou sempre à disposição, tanto


nas minhas redes sociais quanto no meu grupo de leitoras.
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Priscilla Averati é uma autora de romances mineira. Nascida no dia 29 de
fevereiro em algum momento nos anos 80, adora o cheiro que os livros possuem e
passou a amar também o Kindim (que é como chama seu Kindle de
estimação).Tem certa predileção pelo romance e por finais felizes.
Quando não está grudada nos livros ou no Kindim, está se divertindo com
a família vendo séries e filmes e traçando os mais variados roteiros para novas
aventuras.
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LUNY
Leo: Ainda Estou Aqui
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Perdição: Um contrato com o CEO
A ruína do Cafajeste
Redenção: Uma segunda chance para o viúvo
Atração: Armadilhas do Destino
Rendição: A Queda do Último Cretino
[1]
O Draft é o recrutamento de novos talentos pelos times profissionais, sendo a principal
porta de entrada para a NFL.
[2]
Pelotão, grupo de pessoas que pratica o mesmo esporte.
[3]
Líder de torcida.
[4]
Sem sentido.
[5]
Acônito: planta conhecida por suas flores azuis.

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