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Cavalos
POEMAS

FELIPE NUNES LIMAS

 
 
 
 
 

 
 
 
  CRESCER
CAVALOS
fluxo
A FUNDAÇÃO DA COLÔNIA
OS FIOS
DANÇA
pegue a minha mão e tome a minha juventude
SENHOR SOTURNO
NÃO TEM NINGUÉM OLHANDO
CELA
JOGO DE AMARELINHA
CIRANDA
ARMÁRIO
fluxo pt. dois
4.500 SUBSTÂNCIAS OU MAIS PT. DOIS
24/7
LIMBO
A CAMA ABRAÇA OS MEUS NERVOS RETESADOS TODA NOITE
PERDI AS CONTAS DE QUANTAS VEZES OLHEI NO ESPELHO E DISSE
NOITE DE ANO NOVO
você, um dia ou sob neblina reduza a velocidade
GUERRA
FRONTEIRA
mala-de-mão
nosso erro
COCEIRA
PRETEXTO
MANHÃ DE DOMINGO
SENHOR ESPANTALHO
camus
ÔNIBUS
JARDIM SECRETO
VERDE
MALDITO
VAI E VEM
estrada
moldura
NOSSA HISTÓRIA CABE EM UMA RUA DE DISTRIBUIDORAS DE BEBIDAS
COM ALVARÁ VENCIDO
VIDA ​ou​ POEMA DE TRANSIÇÃO
SYLVIA PLATH
Dediquei-o primeiro a Patti Smith.
O terminei por ela, PJ Harvey e Sylvia Plath.
E eu não tenho nada para esconder aqui exceto desejo
e eu vou embora, eu vou cair fora daqui
eu vou cair fora daqui, eu vou pegar esse trem
(...)
e eu vou viajar leve.
Oh, olhe para mim agora.

Patti Smith, ​Piss Factory


CRESCER

Mamãe, eu corri para longe.


Papai, eu sorri quando desencravaram a faca,
nosso sobrenome na lâmina ensanguentada.
As gargalhadas foram como o fim iminente de uma era.
Cá estamos, seja polido e faça a mesura.
Você finge bem.
Os olhos cansados de mamãe denunciam você, como o ronco do nosso estômago
naqueles anos.
Mamãe, eu ainda tenho os pulsos marcados
das correntes, da tesoura enferrujada que usei como fuga.
Perseguir o sonho americano é um caminho árduo, não?!
A asfixia faz verter sangue nas minhas narinas. Eu o limpo com o lenço branco
manchado de vermelho da última gaveta.
A asfixia era como o redemoinho. O conheci em setembro. Sete anos. A terra
vermelha era como lava.
Vovó contou mais uma vez a história.
O redemoinho é a presença do Diabo.​ ​Ele nos tenta em diferentes formas​.
Tentei reconhecê-lo. Ele estava em todo lugar.
O Senhor Espantalho se escondeu quando vocês checaram embaixo da cama. Foi o
primeiro. Vê, agora sou hemorragia, estou em um campo de carne e linho. Existe uma ciranda
e dentro
um garoto sozinho.
Eu tenho o rosto de papai, sempre ouvi dizer, mas meu âmago é igual ao de mamãe;
não temos métrica.
Quem dera se eu pudesse me organizar nos papéis da minha mente, como conto ou
poema,
que pena, caminhei pelas folhas secas com medo.
Mamãe, papai, desculpem. Rezei até para Satã. Eu tinha de fazê-lo. Precisava da
segurança. Se aproxime e veja, veja entre as árvores,
a floresta é imponente.
Gritei para qualquer ​ser que pudesse me ouvir. Retornaram ecos, depois as mãos
etéreas.
Tudo é transitório, tudo é efêmero.
Aconteceu. Tão secamente. As mãos arrancaram os elfos, os silfos nas dobras do
vento, as fadas ao redor das fogueiras. Vê, mamãe,
uma grande pedra esconde a praia.
Mergulho mais fundo, iminência da metamorfose, para ser regado.
Meus braços
se aquecem como nas cabanas de cobertas.
As minhas raízes são como retalhos. Acontece, mas ainda há tempo. Eu engulo o
medo, só um pouco.
Mamãe, papai, os laços que eu tinha às árvores
desamarraram.
Preciso atar o cordão do meu tênis sozinho.
CAVALOS

Ganhei um nome nas águas da velha casa,


entre as mãos cristãs.
Sina, os cavalos que correm.
Correm dos homens,
do medo,
do castigo, divino ou terreno,
do espaço tão vasto
que me mantém só correndo,
de agosto para setembro,
com os pés bem no chão.
Cavalos não tem asas,
me ensinaram.
fluxo

a nossa estrela ainda brilha


a ponte seca
quase caímos
não voltou a ver alma viva
ninguém se atreveria
que honra
a nossa vida morreu
quando tombaram
o carvalho
da rua baixa
com nossos nomes gravados
com pedra e perda
fizemos história pra jogar fora
nas rodas e fogueiras
nem nossos amigos
sabem
fomos quarto escuro
e silencioso
que desperdício
você não deve sequer lembrar
do calor da minha boca no
teu cigarro
tudo bem
sequer lembro se aquele calor
existiu de verdade
era verão
que ano
aquele.
A FUNDAÇÃO DA COLÔNIA

Quando criança eu deixava que as formigas mordessem


meus pés
até surgir bolhas.
As estourava como a fome,
alimentava a colônia
dentro de mim.
Foi o primeiro alarme.
OS FIOS

Tenho me segurado em coisas


grandes e pequenas.
Não posso ir antes de terminar o livro,
não posso ir porque penso em quem fica.
Eu quero mas não quero.
Não sei se é covardia, esse vai e vem.
Se dependesse só de mim, eu não pensaria tanto
mas tem tanto, que a dúvida paira,
por todos os cantos,
no cerne,
no amianto, que engulo,
da casa que eu como,
na fechadura que eu tranco.
DANÇA

Hoje eu acordei bem,​


sussurro pras águas.
A cortina translúcida estremece
e esvoaça,
a luz atravessa
as frestas da janela.

Coloco os pés no chão.


Coluna ereta, estado da mente,
estado de fronteira,
pé dentro, pé fora,
mãos dormentes na cama.

Os olhos estremecem,
canseira da caminhada,
a prostração flutua no ar rarefeito.
Efemeridade do espelho,
seco ou afluência,
exterior que sangra, é arame farpado,
interior que queima ou peito desafogado.

Levanto da cama, visto a minha melhor roupa,


enrolo cacho por cacho,
um tênis desconfortável,
porque não é primeira vez que eu arrasto
esses móveis pros lados e
deixo o salão montado à tua espera.

Essas tentativas de fim e recomeço,


esse trânsito intenso ou ruelas vazias,
meus pés percorrendo as linhas do asfalto,
minha sombra ao lado,
lobos, homólogos,
piás malfadados.

Madrugadas em que durmo pesado


e meu espírito escapa do corpo
e rodamos unidos, quietude do atrito, dos prédios cativos,
em que eu digo: ​eu te amo, e parece verdade, no espaço de um instante, antes do
alarde.

Manhãs em que acordo desamparado,


me perdi quando abri os olhos,
ou te deixei pelo asfalto,
e mesmo cedo eu desato
a sangrar,
preenchido de nuvens cinzas.

Desenterro meus nervos,


primeiro o rasgo, depois band aid ou esparadrapo,
porque eu só consigo te odiar,
mas ​ódio é uma palavra muito forte,​ correm as águas, não cessa esse ódio, corre o
sangue,
e eu enxugo os olhos.

Juntos somos redemoinho —​ quando isso aconteceu?


Como, com todos os móveis afastados, fizemos essa bagunça? —
e não é culpa das vidas passadas, nossos ancestrais ou da fauna e da flora.
Queria gritar essa culpa: ​olhe bem pra nós dois agora!

Mas ​onde tu foi parar?


Se somos vendaval também somos cura,
ou não?
Eu não entendo porque essa espiral cessa.
No chão do salão, caído às avessas, eu choro os muitos ​eus que perdi, que eu
carreguei nos braços aos rodopios, faces cadavéricas e olhos vazios, e eu não posso carregar
outro peso morto,
e a música pára e meus demônios correm soltos,
e é penumbra, pôr-do-sol e crepúsculo,
é tudo menos uníssono.

Hoje eu acordei bem,​ eu repito, e soa como uma grande mentira.


Cumprimento o limbo,
essa espera pela troca do disco,
essa incerteza eterna de quem não sabe como a próxima música vai soar.

Hoje eu acordei.
pegue a minha mão e tome a minha juventude

jaqueta de couro amarrotada, o jeans rasgado,


capuz eterno, as mangas cobrindo as mãos e os dedos,
tateando teus ombros em segredo, mãos furtivas as tuas
bagunçando meus cabelos.
garoto, seja assim. seja sempre. me pegue
na cabine do banheiro onde colocamos nossos nomes
sem que ninguém percebesse.
me pegue no banheiro quando eu fugir escondendo as lágrimas
de novo. o terceiro ano.
só agora.
eu serei tudo que precisarmos ser no escuro.
vou sorrir mesmo em meio as piadas.
que problemão. que ideia boba.
gosto de quando você segura a minha mão na quadra abandonada atrás da escola.
gosto de lembrar de como rimos e choramos quando você quebrou a perna pulando os
muros onde nos escondíamos pra fumar e sorrir de verdade e fazer planos de cair fora. todos
os motivos.
como pisei no prego por nós dois no terreno baldio.
vamos fotografar o momento, querido,
só com as nossas retinas.
vamos matar e morrer e casar com mulheres que amamos e não amamos e ter filhos e
nos encontrar em motéis distantes e baratos e cometer suicídio quando estivermos velhos.
que ideia boba. que tempo perdido.
tome a minha juventude e inocência, por favor. eu preciso disso. preciso escrever
sobre dor.
as sobras.
querido, seja assim. seja sempre.
podemos ser tudo e nada. matamos uma vida,
ainda restam seis.
pegue outra vez a velha jaqueta de couro. deve estar no fundo do armário.
eu vou pegar as chaves. eu vou pisar no prego de novo.
eu vou matar e vou morrer.
eu vou fingir que não
sangro.
SENHOR SOTURNO

Sr. Soturno, noite passada eu corri


dos teus tentáculos.
Belisquei o braço para acordar
mas eu não estava dormindo.
Sr. Soturno, minha cabeça não cessa,
as piores imagens invadem as frestas
das janelas
como o teu bafo gélido de profeta agourento
e os garranchos intrusivos
do tempo.
Sr. Soturno, não sou otimista,
tenho as pernas trêmulas
e a boca opaca roída,
não me asseguro à esperanças cegas,
sei que não irá embora mas
não há possibilidade de trégua?
Sr. Soturno, não espero a paz eterna
mas espero, na espera,
que o soturno dessa noite eterna
amanheça.
NÃO TEM NINGUÉM OLHANDO

Não tem ninguém olhando​, eu disse,


dois guris na imensidão vazia.
Encostamos os lábios mas não as línguas
quando os olhos agourentos se voltaram para nós.

Nós sempre ajoelhados diante dos pecadores,


pagando falsos pecados.
CELA

Mate essa metade​, eu digo,


mate a aragem que te paralisa,​
mas eu e tu sabemos que não posso.

E o que sobra quando tu é teu próprio carrasco?


O que sobra quando tu é teu maior inimigo?

Macro, micro,
eu não ignoro nenhum lado,
no entanto, as algemas ​deles​ eu vejo à distância.

As tuas mãos me enganam, mãos iguais as minhas


que agarram tudo menos o suplício.

Essa casa virou cela,


esse espelho, suicídio.
Eu olho pras nuvens cinzas,

e despejo o peso do céu


no meu próprio peso.

Celas dentro de celas,


meu próprio peso,
meu próprio enterro.
Não só a casa,
não só o espelho,

esse mundo virou cela,


esse universo, infinito.
Do pó ao pó.
JOGO DE AMARELINHA

Tu não faz ideia do quanto eu queria esquecer aquelas noites,


esquecer que eu engoli a sobriedade e a razão;
tenho tentado superar tudo
e cultivar algum perdão,
nas mãos dos espíritos e qualquer divindade
— qualquer uma que não me limite —,
pra não pular jogo de amarelinha,
pra não me entregar de vez,
quadradinhos em penhascos,
um, dois,

três...
CIRANDA

Eu não aprendi a divorciar


o meu corpo.
Duas metades,
Jekyll e Hyde,
meu irmão bastardo,
Deus e o Diabo,
que eu impeço,
que me impede
o bem-estar,
impede a lâmina da faca na garganta,
o bile, o acre, o ocre,
a pele.
Edward Mordrake,
meu duplo sem rosto,
visconde partido ao meio,
anunciação, canção do melro,
espelho.
Quem me dera,
rasgá-los com as unhas, companheiros.
Imagine só, alcançar o concílio.
Quem me dera
estar de fora desta ciranda de eus incompletos.
Um, dois, caleidoscópio,
parcas,
sociedade de poetas mortos.
Quantos de nós serão suficientes?
Seremos quatro, seremos sete?
Responda de uma vez por todas,
ultimato,
nos separaremos em quantos pedaços?
Arlequim, pivô.
Colombina, Pierrô.
Os pêssegos já não são mais os mesmos.
Os pêssegos de Hopper,
podres,
azedos.
Juventude perdida cedo,
não resta sequer uma lasca inteira
pra refletir o nada,
o lobo, as marcas,
os pés de Lavínia,
a máscara da praga.
Siameses que eu conheço,
esses pontos que escancararam,
como o cinto e as calças, o sangue,
a correria do rato.
Oscar Wilde, com amor,
sou Dorian,
sou retrato.
ARMÁRIO

Pai,
ainda lembro das tuas palavras
e das zombarias transmutadas
em mortalhas.

Nós regredimos,
um brinde aos envolvidos,
saúde!,​
um gole de morte

e todos os seus amigos.


Nós regredimos, bem sei,
medo, tortura,
pau-de-arara e ditadura.

Mãe, ainda lembro da tua confusão,


o estado da mente,
dos medos que se tornam celas
douradas.

Tenho as correntes,
as armadilhas montadas para forasteiros sem botas,
essa estrutura nas estradas
e nas placas,
no mal-estar que é hereditário,
e eu vivi tudo isso.
Morte e violência
e pecado e armário.

Somos um povo com sede


de justiça.
Não esqueço daquela passagem bíblica,
do quanto chorei baixinho por noites a fio,

quando crucificaram meu corpo,


me puseram uma guirlanda de espinhos
e pregaram a lança do destino
no meu peito, outros peitos,

mundo branco e preto invadido pela cólera das tulipas.


Ainda lembro daquelas mãos sujas com sangue de bicha
e daquele evangelho
seletivo.
fluxo pt. dois

teu rosto é
como as praias
em que eu estive
ainda criança
mal lembro
um ano de idade
você confabula a
maresia
no meu ouvido
todas as noites em que
não consigo dormir
as areias brancas imaginárias
e as ondas
espumantes
como a baba
de um país
distante
me dizem como
a concha vazia de
um caramujo
tudo o que preciso
saber.
4.500 SUBSTÂNCIAS OU MAIS PT. DOIS

Por favor, não fume na cama,


você sabe o que isso significa.
Você vê, ela tem a aliança,
ela quer a nicotina
queimando os pulmões
mas não quer a substância que os liga.
Se o fizer, não divida o cigarro,
você sabe, ela quer o câncer, o hospedeiro,
quer tudo, menos a libido.
Ela tem as mãos vazias, não as preencha,
não dê a ela as rimas, o toque, o arrepio,
ela quer ser pura. Deixei-a.
Ela quer a cumplicidade mas não quer ser
cúmplice. Você sabe, isso os levará à ruína.
Não sopre o prato quente,
ele tem tudo para tornar-se
frio. A comida os dá cãibra. Não coma.
Por favor, não fume na cama,
o velho anel de casamento é
fotografia.
24/7

Ai, ai, tenho que parar de te odiar,


de te pôr em martírio,
de te tirar competências,
de te apontar a arma e puxar o gatilho,
o gatilho do tempo e dos cortes, na cabeça e nos pulsos,
o gatilho do abuso, de tudo mais.
Tenho que acabar com isso porque, ai, ai,
te olho no espelho, meus olhos, teus olhos,
e engulo uma lágrima que teima em sair,
porque, ai, ai, de novo eu prometo parar,
mesmo sabendo que estaremos diante um do outro,
bem assim, dia após dia, noite após noite,
soprando baixinho:
“ai, ai”.
LIMBO

Como tudo que transita, tenho dias


bons e ruins.

Os dias ruins brincam comigo como dedos despetalando uma flor,


bem me quer, mal me quer​,

os dias bons me abrem como um botão desabrochando,


como gole demorado, a inocência dos olhos, as lembranças que já se,

mas tu tem que ver os dias de limbo,


esses são os piores.

Acho que prefiro os excessos, fogo ou gelo, vitória ou derrota,


porque

ai, ai,
o limbo me dá a primavera e a leva embora com as folhas mortas do inverno.
A CAMA ABRAÇA OS MEUS NERVOS RETESADOS TODA NOITE

O travesseiro conhece as verdades que eu tento esconder.


Meu ouvido toda noite. Minha boca amassada de dia seguinte.
Os sonhos. Os gatilhos. O oeste e a fronteira. Você.
Queria que soubesse. Queria que se percebesse.
Você não tem a posse da arma mas ela permanece na gaveta.
Na tua mão. Minha cabeça. Meus olhos.
Cegueira.
PERDI AS CONTAS DE QUANTAS VEZES OLHEI NO ESPELHO E DISSE

eu não aguento mais.


NOITE DE ANO NOVO

São trezentos e sessenta e cinco dias no ano,


tempo de sobra para repensar minha vida inteira.
você, um dia ​ou​ sob neblina reduza a velocidade

um dia é preciso sustentar a casa, a fome, o peso do mundo, não você. um dia você
esquece de você. no espaço de uma vida você sobrevive, não vive. algumas vezes você
comemora quando sobra algum dinheiro na conta. o dinheiro vai embora rápido. um dia
acaba o gás. em outro você precisa comprar remédios. depois você precisa comprar mais
remédios porque os remédios de antes te adoeceram ainda mais. algumas vezes você bebe. e
um dia beber se torna uma das tuas poucas alegrias. um dia se torna todos. um dia você
percebe que os esforços não valem nada, que as engrenagens do capital giram e giram e giram
e você é só mais uma roda dentada. constantemente você percebe que não pode mudar nada
sozinho. falta energia. as pessoas estão tão cansadas e doentes quanto você. um dia você
coloca seus amigos, o amor, a sanidade alguns degraus abaixo. você precisa trabalhar até o
limite. na fronteira de uma vida você se desdobra para que todos tenham uma parte sua. um
dia alguém sai perdendo. um dia este alguém é você. um dia você percebe, depois de tantos
remédios, tanto aperto no peito, tanto cansaço, que a existência não tem sentido. tantos os
dias aquele em que você rebobina a fita, a juventude e a inocência perdidas, o vazio e o ódio.
um dia você se questiona se existe saída. um dia você deixa de questionar. um dia você deixa
de importar. um dia a esperança começa a rarear, antes de tudo, antes de ti. um dia morrer se
torna só um fim inevitável.
GUERRA

Por favor, não seja um idiota,​ eu digo.


Querido, não me deixe chorando sobre esses moletons molhados e embaixo do teu
lábio duro e altivo.
Não me cale e deixe exausto e deprimido
dessas tentativas, de aturar absurdos.
Venha cá,​ ​me desculpe por tudo,​ tuas mãos preparam o curativo​.
Deve valer algo.
Eu não entendo como passamos por tais percalços
mas o corpo paga, tu sabe, querido.
Essas marcas deu pra ver de longe por muito tempo,
nossos sorrisos em fotografias coloridas, a sina da aliança, como nos destruímos com
bombas onde hoje pregamos bandeiras brancas.
Nós dançamos e era primavera e queimamos os dedos quando tua mão ficou gélida
e eu lembro que as bolsas embaixo dos nossos olhos denunciavam todas as noites
mal-dormidas
e lembro dos vizinhos que tudo ouviam e seus olhos de cólera reprimida
(nós teríamos acordado a rua inteira, querido, não fosse o barulho da rodovia).
Éramos só guerra antes da revolução,
depois refugiados em busca de um teto,
depois nosso teto firmado de pele e osso.
Idiota, hipócrita, monstro​,
brincávamos muito com as palavras, não brincávamos?!
Agora usamos a boca de outros modos,
sopro de música ou mordida lasciva do lábio,
então, venha, acenda meu fogo, como Jim Morrison.
O fogo
que da destruição faz acender o céu,
aurora boreal,
sufoca o azul, entrega o transitar outonal,
prega na terra as nossas bandeiras.
Amor, de países opostos, assentamos a poeira.
Território primaveril, para onde ambos migramos.
Ainda que machucados,
ganhamos.
FRONTEIRA

Estado de fronteira, estado da mente,


vocês tem andado tão próximos dos meus pés
que o tropeço é iminente.
Somos matéria, tudo bem. Como as vozes que,
a energia está em todo lugar.
Põe essas garrafas na frente, ninguém vai notar,
traga bem forte,
põe um colírio nos olhos,
me abraça enquanto eu choro por todos esses e​ us​ que perdi.
Nos seguramos em trópicos desfigurados. Nossa bebida favorita era consumida em
segundos. Suspiramos com as notícias na tv. Amaldiçoamos políticos.
Provamos o néctar da juventude.
Vamos embora, tem uma vida lá fora,
vamos antes que nos tornemos ranzinzas calados,​
mas ir embora é um estado da mente, e eu não estava pronto.
Veja só, me tornei apenas um rascunho
do que eu era
porque éramos um só.
Os fantasmas me seguram como quimera,
olhos molhados, as vozes do tempo:
não há mais nada para desbravar no mundo. Veja só, vocês fizeram de tudo.
Foram azul e cinza da cabeça aos pés.
A energia se manifesta em ondas como lembranças,
os balões voam como os sonhos,
Eu pego o canivete que ele me dera,
— mantenha longe dos pulsos​ —
e corto a cortina do tempo.
Queimamos todos os manifestos. Fomos bruxas de sangue quente. Ninguém
conseguiria nos queimar. Vivemos a efervescência.
Olhem agora.
Estado de fronteira, a distância. Deformação, fissura.
Fecho uma fenda, abro outra.
mala-de-mão

folhas de relva
a lápide
as estradas
espuma dos dias
destruição
moletons azuis
dentes-de-leão
você deixou coisa
demais
não deu tempo
de embalar
tudo.
nosso erro

nós poderíamos ter iluminado o céu inteiro desde o começo


porém nos machucamos tanto que passamos um ano fodendo
no escuro.
COCEIRA

Tenho medo da cabeça


que coça,
do meu poder de criação e destruição.
Medo da coceira que enterra a fisiologia,
coça minhas paranoias,
paranoia dispersa à ontologia.
Medo da coceira que sangra,
a coceira que pensa,
fala, me chama pra baixo.
A coceira do sono, me manda pra longe,
me põe na realidade,
mostra o pior,
mostra o que é igual.
Medo das feridas, acordando e apalpando a pele,
contando com a própria sorte,
com medo que a coceira me mate por fora porque, por dentro,
já tem me levado a morte.
Tenho medo da iminência do bote
venenoso dos dias,
que as unhas arranquem tudo de mim.
O medo aferrolhou todos os fins,
conteve o que restou;
pacto hipocondríaco
com o sangue que a coceira
roubou.
PRETEXTO

Talvez tu não soubesse que


aquele buraco não queria ser preenchido
e fazê-lo era estupro
mas eu duvido.
MANHÃ DE DOMINGO

Olhos de sono nas manhãs de domingo.


Você abre a janela e deixa a luz salvadora
invadir tudo.
Olhos de crianção retornam à cama. A boca entreabre.
Vamos fazer luz, amor.
SENHOR ESPANTALHO

O Senhor Espantalho não espantou os corvos.


Eles me mataram. Pereci ensanguentado. Sem pernas, busto vazio, mãos cheias,
alimentando
os abutres de beira de estrada.
Morto desde outubro de noventa e sete,
faz tempo desde
que costuraram botões nos meus olhos.
O Senhor Espantalho parece pronto para deixar o posto,
finalmente,
foice e rosto em talhos.
Deixe-me fazer isso por você, Senhor Espantalho. Não me importo se me tomarem os
órgãos
por trapos. Já sou
vazio.
Esperei ansioso, aramos terreno. Ele se sacia fácil. Comemos a primavera. Eu sempre
tenho fome
por eras e eras e eras.
O Senhor Espantalho pôs os pregos. Amarrou minhas pernas. Me ajudou a vestir a
sacola de feno.
O Senhor Espantalho está usando uma roupa nova,
parece muito com a minha velha camisa
remendada
azul.
camus

mamãe repara no tom de voz. o outro lado da linha. finja.


você precisa precisa precisa.
tem uma guerra no quarto ao lado. oitenta anos nos separam do fim. não sinta, minta.
estou bem estou estou bem.
a serotonina entra forçada. venda os pulmões para a indústria. você sempre teve uma
queda por últimas palavras. talvez a morte seja produto da efervescência.
o fim o fim o fim.
sua terapeuta tenta entender. o tempo o fodeu algemado e jogou aos trapos. tudo bem.
acenda um cigarro e vire outro copo.
de novo de novo de novo.
alien subterrâneo. saudosista do caralho. digite os códigos. pegue a dopamina. pegue
os remédios.
coma coma coma.
sinto muito, belos amigos. sinto muito, amor. meu sexo é crime impune. estamos à
mercê. doa a quem doer
o corpo o corpo o corpo.
como ousam. falta dinheiro aqui. lá fora é câncer. legado dos anos, elegemos um
porco.
parabéns parabéns parabéns.
camus, morrer ou preparar o melhor soco. as mãos são frias. sonhe em silêncio. não
existe saída.
utopia utopia utopia.
acabou o estoque de soma. somos defeito. somos perfeitos. tudo bem. quando tudo
isso queimar nós deitaremos quietos nas chamas.
sossegados sossegados sossegados. sem sem sem.
sem dor. sem medo. sem nenhuma lágrima remanescente pra
secar.
ÔNIBUS

Meus pobres pêssegos vararam ao relento


e foram engolidos pela terra,
Deusa-mãe,
alento,
esse perecer consueto, como devia ser.
Sem mais dúvidas,
tudo em concílio,
as lufadas de ar caminham
na cortina leve,
o orvalho se prende
nos cachos,
a carícia do tecido cede aos pequenos toques de atrito,
como os elementais,
os deuses,
o regozijo.
Sorrir num mundo imperfeito,
desigual,
em meio ao ar rarefeito,
simplesmente não consigo evitar;
a memória do beijo, este momento
e como eu perdi o chão no melhor dos sentidos,
como nos tropeços do ônibus,
a janela de imagens que eu guardo
sem trancas.
Mundo imperfeito,​
ecoa,
mas não hoje, nem daqui um tempo.
Eu tenho você,
versa-vice,
eu me tenho.
JARDIM SECRETO

A garota se perdeu antes do alvorecer.


O garoto foi sequestrado pelo
bicho-papão.
Arranhão do tempo, os nomes nas estradas.
Onde foi parar é o mistério.
Ganhamos silêncio,
os anos setenta se foram
rápido.
Queria derrubar as placas nas estradas,
elas confudem andarilhos,
e colocá-la na direção certa como peça
completa de um quebra-cabeça.
Sharon Olds, o estrago foi feito,
por favor, me ensine
como.
Choro escondido, e meus olhos são preenchidos pelas flores
que confabulo
mas os vermes não tem escrúpulos.
O jardim seca e deixamos de nos importar.
O mundo tem pressa.
Não me percebo, ser palpável,
como antes,
o mesmo ocorreu contigo. Mãe, as janelas mostram tudo. Sou muro.
Casulo, é escuro
aqui dentro. Da escuridão se faz a luz,
as estruturas matam de diferentes formas,
somos escória
para eles.
Mãe, agora entendo teu âmago que só deságua nas tormentas, os gritos nos
travesseiros e nas tempestades de areia,
a cada aniversário e feriado,
quando corro em círculos atrás daquele garoto,
quando ele vira só um borrão no horizonte
e me percebo,
diante do espelho, soluço na minha garganta arranhada,
e percebo a estrada, sem norte,
a bússola quebrada.
VERDE

Queria ser tela em branco,


sem nádegas, rosto,
escolher minhas próprias cores,
as que ​eles​ sufocaram,
porque meninos não choram
— derramam —,
para ultrapassar o cosmo
de outros modos,
não a aniquilação do que restou.
Queria ver meus próprios dedos
— só tenho tocos —
percorrendo o branco,
como cavalos,
definitivo,
as pinceladas firmes de uma aquarela
em mãos pequeninas,
mostrando as certezas como em cartas de amor
e procissões aos mortos.
Queria voltar no tempo,
para nenhuma outra mão voltasse a pincelar azul
onde só devia haver amarelo.
MALDITO

Plath morreu aos 30 e Bukowski aos 73,


cada um com seu fardo.
Eu posso morrer a qualquer momento,
sou quem sou, isso não passa.
Me dizem para afrouxar a adaga no peito mas
de que adianta,
sangue de bicha é tinta de pena para um contrato com a
morte.
A dicotomia me toma pelos braços,
posso ser morto na luz do fim de maio
ou agonizar por detrás das paredes.
Não me entenda mal,
eu corro até a autodestruição, eu sangro, eu morro porque
nos matam e não temos sequer o direito de
morrer.
VAI E VEM

Pensei em fechar as janelas mas não as fecho;


deixo o vento e os sons da vida urbana entrarem.

A tempestade grunhe lá fora, gritos e mudanças iminentes.


Deixo despencar meu estômago e a minha voz

em ácido feito pra oxidar, cordas vocais queimando.


Sinto tudo isso entrando.

Mastigo aos poucos a casa e as redomas,


ainda que hajam mais coisas.

Esse tempo presente logo mais há de passar,


ou não,

caminhos de reflexos e ecos,


mas deixo entrar, deixo entrar,

porque se entra, há de sair.


Deixar ir, deixar ir.
estrada

estômago ferido,
estou em uma fase ruim mas tenho vivido assim desde os
sete. não espero que entendam. as coisas costumam
se ajeitar sozinhas na maioria das vezes.
estômago oco. me acostumei a olhar para o futuro
e caminhar nas botas de um homem louco,
a deixar o salão vazio para dançar com siameses mortos.
os sonhos de bruxa velha e riponga parecem tão
distantes agora,
restam os desvios quando a vida foi gasta fugindo dos garotos
para as cabines dos banheiros sujos da escola. acontece.
a comida que cai no estômago não sacia. isso mata,
a vida era mais fácil, antes. existe
tanta cor nas memórias. não são sépia,
mentiram. eu acreditei, as pessoas costumavam acreditar.
a fome custa a passar. estou cada dia mais próximo de me encontrar
e cada dia mais mais perdido. lá vem, lá vem, lá vem
de novo. três curtas batidas na porta.
é o futuro que vem chegando.
moldura

cheiro de café da manhã


as janelas abertas fazendo levitar
a camiseta desbotada que eu te dei
teus olhos de sono
de sempre
meus olhos emolduram a cena
teu corpo nada menos que pluma cansada
os cabelos descabelados
pés descalços
tudo no lugar
queria que tu soubesse como fica lindo
bem assim
tão teu.
NOSSA HISTÓRIA CABE EM UMA
RUA DE DISTRIBUIDORAS DE BEBIDAS
COM ALVARÁ VENCIDO

Vagalumes nos inços iluminaram o terreno baldio,


os dois corpos desgraçados,
mãos dadas,
abraçados, como descalços,
torpor de juventude
perdida.

Fingi não desejar um amor louco, contudo, no fundo, tu me conhecia


— conseguia ler meu corpo como livro aberto, poesia ​beat​ —,
mesmo no fundo — do poço, da sina — me conhecia,
tuas mãos dentro d’água, dedos e algas marinhas,
me cederam aquelas noites boreais e selvagens.
Profusão da violência, como pude não pressentir que as nossas danças nasceram para
ser
efêmeras?

tu sabe, nós nascemos para a cólera,


o vício,
e eu tentei avisar, não suportaríamos muito tempo,
mais um mata-bicho, a erva,
os gritos, trepando altos, os corpos na superfície,
vomitando pulmão, rim, juventude.
Essas lembranças ainda machucam, como coceira, mas ainda retorno
à cidade, ainda beijo a bochecha da minha mãe,
e nas janelas obscenas dos ônibus decadentes eu reconheço nossos passos marcados
nas calçadas
e nossos escritos nos muros, nas paredes das casas,
e quando caminho sozinho nas ruas tortas
me encontro, desencontrado, piá de dezesseis anos,

pegando tua mão na madrugada, depois do teto do quarto,


do tesão reprimido
na cueca,
depois do celular vibrando, as mesmas mensagens curtas
​ ,
— ​tô aqui fora —
e como caminhamos vidas em trilhos
— quaisquer que fossem, sempre me levavam ao teu encontro —,
bebendo uísque roubado, o mais saboroso,
a cachaça bagaceira, ardendo durante a semana.
Éramos os melhores.

Nossas mãos gélidas


batendo nas portas fechadas dos bares, os rostos já conhecidos,
quase caindo, as luzes cegas,
comprando o vinho mais podre.
Talvez tu não lembre,
tudo bem,
a nossa história cabia nessa rua de distribuidoras de bebidas com alvará vencido,
esta rua que percorremos, exilados, estrangeiros aos olhos,
a necessidade dos lábios
no escuro,
repetindo um pro outro
a maior das mentiras, entregando os ensejos, como papagaios bêbados: ​nós dois.​ ..
jamais vai funcionar.​
Nunca a completude, fomos o quase, garoto.
Isso devia ter sido amor louco
mas não éramos verdade, éramos terapia,
armas apontadas, crianças sonhadoras, suicidas.
Eu fui a decadência suave da era do jazz, tu foi os gritos de Stonewall.
Nos seguramos em trópicos desfigurados e os chamamos de amor — não era —,
porque,
cá entre nós,
saciávamos a fome em todos os lugares errados.
Matamos o calor,
morremos encarangados.

Sim, talvez tu não lembre


— eu tento não me afetar —
de quando plantamos nossas covas no jardim, onde vivemos,
como tu me ensinou a escrever sobre esse amor
— o único que conhecíamos,
eu nunca tive a pretensão —,
a escrever sobre as nossas danças suadas nas noites de verão — ainda que fôssemos
só inverno, azul sem trégua,
como quebramos
as pernas,
do cigarro dividido, os vícios, o prensado mofado, fomos quatro mil e quinhentas
substâncias
e mais.

E todas se foram, são só lembranças,


mas tu e a cidade permanecem como mancha
nas minhas mãos vazias
e álcool algum é capaz de limpar teu cheiro, o gosto da tua saliva,
efêmero, perpétuo, nicotina.
Esta era perdida, impressa nas minhas retinas,
mesmo que teu cabelo esteja mais longo, hoje,
e teu rosto tão mais magro.
Acontece, não me desapercebi como quem não sabe algumas verdades.
Vê, eu perdi a minha inocência cedo
e esperança é um conceito complicado.

As noites são mais curtas agora,


as ruas da cidade mudaram, não existem mais as mesmas saídas,
os alvarás vencidos determinaram as extinção das nossas distribuidoras de bebidas,
dos bares,
a decadência parece proibida
e os vagalumes nos inços não brilham mais.
Agora, só existe o escuro.
Nunca fui tão careta, nunca fui tão impuro.
VIDA ​ou​ POEMA DE TRANSIÇÃO

Gritei com a boca dos dedos


para criar vida,
não egocentrista — maniqueísta —,
uma necessidade oriunda da retaliação dos meus eus
ancestrais.
Sina dentro de sina, me desprendi da minha própria sombra,
gritei por fora
a criação das vidas natimortas,
a necessidade do fim dos ciclos,
as luas novas,
em meio às molduras onde a fumaça e as linhas de produção das fábricas de mijo
correm como lâminas prontas pra enjaular corpos em jazigos
e as salsichas quentes são consumidas com a mesma fúria que a febre
e a areia é escaldante no ar rarefeito
e o tambor da cura e dos xamãs tentam tentam tentam
e nossas mães morrem, galhos queimados e penumbra dos escapamentos,
e as minhas mãos deixam escorrer inutilmente
o tempo o tempo o tempo,
o definitivo.
Sina,
criar vida natimorta enquanto os tambores batem como ponteiros,
de bolso, corpulentos.
Relógio-monstro,
sombra estrangeira, glacial, redoma que cobre tudo,
tentáculos, sinos, olhos de gato
ecoam como tremor,
tic-tac tic-tac tic-tac,​
não mais para Licáon.
Este é o fim, belo amigo,
o fim.
Eu pego minha sombra e amarro seus pés disformes nos meus pés,
ignorando seus protestos, atando-a a mim como abraços ancestrais,
o grasnar do corvo,
nunca mais nunca mais nunca mais​,

talvez.
SYLVIA PLATH

No sonho, balões voavam como a vertigem, ou a primavera.


A encontrei no sol do fim de outubro,
guirlanda de hera, colhendo um pedaço de céu cor-de-rosa
e afável;
o mordeu, como favo,
sem asfixia, sem a eletricidade.
Como cauda jade puxada por anzol, como fio mágico,
epiglote que estalava como datilografia — própria —,
cordas-vocais cursivas,
sem a melancolia, sem o sangue, só poesia,
a boca traçou,
como carvão em brasa:
eu sou, eu sou, eu sou​.
Sorriso quase profano,
sem a fome, sem o vazio, só ardor,
o grito irrevogável:
eu sou, eu sou, eu sou!
Ariel,
mar quebrando nas costas — não dos olhos.
Lady Lazarus,
carvão nas palavras, renascendo das nuvens — as cinzas.
Sylvia Plath, finalmente.
Tulipas vermelhas não eram bem-vindas.
AGRADECIMENTOS
a escrever.
Eu marco este dia com uma pedra branca.
25 de novembro de 2019.

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