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The characters and events portrayed in this book are fictitious. Any similarity to real persons, living or dead, is coincidental and
not intended by the author.
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Garota 2
A menina miúda, com braços cobertos por um casaco largo, permanecia em um estado
perpetuamente isolado, presa no cinza de sua blusa de frio. Contida pelo quente de seu manto,
observava seus amigos enquanto tentava esconder seu desejo de retornar ao seu eu anterior, se
libertar e participar da alegria coletiva assim como um dia fizera.
Garoto 1
Marcado por seus cabelos curtos e enrolados, debatia sem apatia e com intenso fervor
sobre tópicos complexos, mas sempre com sua festividade única e compassiva.
Garoto 2
E por fim, o garoto com a maior estatura chorava de rir; eufórico consigo mesmo. Com
seus olhos a postos, varria o cenário completo em seu coração e sorria, retribuindo o amor que
recebido.
{●}
A conversa cessou assim que me aproximei, como o motor de um carro que luta para se
esfriar, gaguejando ao roncar. Os adolescentes rapidamente levantaram de suas posições e
correram, rindo pelas ruas sujas e escuras da cidade. Seus passos preenchiam o vazio da tarde e
demonstravam o abandono da cidade silenciosa.
Por um tempo, fiquei parado observando com familiaridade a fuga dos jovens, ouvindo
os resquícios de vidas felizes que estavam em um perpétuo ciclo análogo à miséria que viviam
naquele bairro.
Os segui secretamente, tentando não fazer barulho ou convocar atenção.
Ouvi então uma voz idosa, rouca e arranhada que me chamava com esforço. A velha
vestia um pijama rosa de bolinhas pretas, o qual possuía pequenos buracos devido aos anos de
uso, segurando uma caneca escrito:
“Melhor vó do mundo”
— Venha aqui meu jovem! — Me aproximei vagarosamente, tentando identificar quem era a
idosa corcunda com exatidão — Oh! Como pude me confundir, é claro que é a minha querida
Gabriela — disse ao erguer seus braços, insinuando um abraço apertado. — Venha aqui!
— Dona Carla! Boa tarde, como vai? — A dama já estava tão velha e caducante que decidi
ignorar o fato de ter ressuscitado aquele nome.
— Que saudade! — Seus olhos percorreram por todo meu corpo, dos meus pés aos meus longos
cabelos pretos — está precisando de dar uma engordada, né? Um dia desses passa uma brisa e te
leva! Ah, já cansei de falar isso.
— Sim! "Pódecha" — Bufei ao abraçá-la e olhei em seus olhos, enxergando a saudade que sentia
de Carla — eu realmente estou com pressa, corrido. Me desculpa, mas a senhora pode me falar
onde a casa do Samuel fica mesmo? Eu estudei com ele…
— Patrícia? Aquela sua amiguinha tímida? Ah, vi ela passando por aqui nessa tarde ainda... Ou
foi ontem? — Sua feição rapidamente mudou para o tom maternal que subjuga sua própria
existência num cadáver tardio. A senhora gaguejava e tremia ao conversar. — O tempo tem sido
tão engraçado… — Disse ao me olhar fixamente — Ah, não importa!
— Não. SA-MU-EL! — Carla me encarou, esperou um pouco e abriu sua boca.
— Nossa, pois é. Também não o vejo faz um tempo — fui para apertar sua mão, em despedida,
mas a anciã desejava conversar prolongadamente. — Sabe de uma verdade, minha filha? —
Olhei para seus óculos retangulares — faz tempo que não vejo aquela piranha da Marta, aquela
caloteira! — rugia ferozmente — Se por um acaso você passar por ela, entregue isso — colocou
em minha mão uma caixinha preta minúscula; amassada. Ao me dar adeus, ria ao observar o
espanto ilustrado em minhas sobrancelhas.
Balancei minha cabeça em agradecimento e caminhei lento, sem rumo e ocioso pela
estrada, pensando onde Samuel poderia estar; quando eu finalmente teria a oportunidade de
abraçá-lo pela última vez.
Entre pensamentos turvos, ouvi a voz rouca da Velha caducante:
“O Samuel mora na esquina da 9. Boa sorte!"
“Obrigado!”
{●}
A CARTA
Oi Gab!
Ainda lembro do ano passado… Naquele dia em que você me salvou.
Eu não consigo dizer o quão sou grata — passei um tempo olhando para esse papel vazio,
imaginando os inúmeros motivos de dizer isso.
Não quero continuar dizendo sobre o quanto esse mundo consegue ser horrível e/ou como
quero que tudo se exploda… Não, não! Preciso falar sobre os dias magníficos que fiquei em sua
companhia, das vezes que colocaste um sorriso em minha face — estou começando a falar que
nem você hehehe — e quando me defendeu mesmo sabendo que isso te denunciaria… Obrigado
por acreditar em mim, por me ajudar a me entender e aceitar meu eu real.
Estão sem demorar, lhe relembrarei:
Queimando a bruxa -
Se não me engano foi numa sexta de tarde na escola. O dia estava quase irreal de lindo,
com as nuvens pintadas de rosa celestial; ungida pela brisa calorosa. Lembro que tivemos apenas
duas aulas, já que se tratava do dia em que assistiríamos a palestra do pastor Malakus Pinto.
Nossa, lembro que ele sofria por conta desse nome… Mas ele merecia!
E que palestra CHATA! Minha cabeça latejava em fúria, mas você manteve sua mão
agarrada à minha enquanto eu segurava minhas lágrimas… Nunca achei que haveria uma
palestra sobre mim — acho que devo ser realmente interessante, mas tenho minhas dúvidas —
uma jovem de dezessete anos que transou com "o consagrado; o filho do pastor, homem que
reinava a cidade". Culpa da Larissa — aquela fofoqueira do caralho que contou para todo
mundo sobre a impotência sexual do "muleke".
Chorava e ria contigo no "caminhar" daquela palhaçada, e você? Me defendendo com
unhas e dentes, mesmo sem nem me conhecer direito.
Obrigado ♡
Já então no findar do dia, ele me chamou para conversar atrás da escola. Você tinha
concordado em ficar nos arbustos.
— Preciso falar com você — disse o menino irritado com a luz do sol batendo em seu olho.
— Que foi merda? — Eu estava puta da vida. — Já não basta o que me fizeste passar? — Ele se
atreveu a me olhar com confusão — Ué... Talvez AQUELA VERGONHA QUE SEU PAI
APRONTOU!
— Que porra de palavra é isso, aprendeu com aquela putinha? Quem mandou ser uma vadia? —
Rapidamente bati em seu rosto, o que fez com que ele parasse por alguns segundos em fúria.
Lembro de te ouvir rir baixinho — Porra! Quem você acha que é?
— Talvez a pessoa que foi humilde o suficiente para fazer sexo contigo? Ou quem sabe a mulher
que não conseguiu levantar teu pau? — Ele ficou tão vermelho — Eu, realmente, não queria que
isso tivesse virado atração na escola. Eu contei, acreditei na Larissa.
— Minha irmã nunca faria isso! — Disse batendo com o punho fechado em seu peito como um
menino de cinco anos que foi recém ensinado a ser homem.
— Nunca? Nunca Matheus? Ela que é a piranha aqui. A única que tem malícia o suficiente para
se oferecer para o primeiro que cede!
Ainda sinto a dor da joelhada que recebi, porém imagino que ele deve sentir até hoje a
dor do chute que você deu na cara dele.
Não sei como você conseguiu acertar o rosto dele e quebrar o maxilar do coitado. Foi
épico.
"Um garoto que se arriscou a mexer com a família mais importante da cidade por uma garota
dada como Vadia? Só podia ser você."
Sem você, não teria aguentado um mês sequer nessa cidade decadente. Foi por sua conta
que estou sorrindo agora… Mas nem tudo são rosas e eu não aguento mais viver. Sinto muito por
não conseguir escrever uma carta digna à sua altura. Cuide dos outros. Vou sentir saudades ♡
— Desculpa, falhei com você. Paty
ENFRENTAMENTO
e encontrei no banheiro, chorando em negação. Não queria trazer para a
M realidade a falta de Patrícia e seu carinho eterno que foi talhado em mim;
bombardear meu coração com os fatos enterrados com seu corpo.
Caí ao chão com todo meu ser e existência, chorei em desespero ao lutar pelo direito de
viver. Meu pulmão queimava e meu coração pegava fogo com a lembrança do gosto fervoroso de
minha amiga; de suas pimentas. Olhei para meus braços com cicatrizes conhecidas e acariciei-as,
tampando meu rosto em desonra e desabei.
Patrícia disse que eu a salvei, mas acredito que foi ela a heroína... Em meus anos mais
obscuros foi ela que estendeu sua mão, manteve minha cabeça erguida e me apoiou. É dela a
medalha de honra por ter apagado o fogo quando quase queimei por completo, por ter cantado
quando eu só conseguia ouvir ruídos. Tentei dar o meu máximo para ser seu anjo assim como
fora, mas acredito que falhei.
"Paty não iria querer isso. Você não quer isso"
Me revolta saber que a única pessoa que poderia ter evitado essa tragédia era ela mesma,
que mesmo se pudesse dar minha vida em troca, ainda sim ela seria a dona de seu destino.
Carregarei sua alma eternamente comigo, encantada em meu ombro.
Levantei minha face para o espelho embaçado, encontrando, finalmente, o jovem que
procurava e com isso cheguei ao fim de minha jornada exaustiva.
Samuel estava do outro lado do espelho me encarando com meus olhos pretos cor amora.
Entre minha escuridão, prevalecia sua luz jovial com seu sorriso que brilhava como o sol. Me
pressuponha a liberdade e esperança sobre o futuro. Com o gosto salgado de minhas lágrimas,
sorri em aceitação.
Encontrei conforto com ele após a fuga de minha casa, meu ponto inicial. Juntei meus
pedaços quebrados; retomei minha consciência e razão. Minha jornada não poderia acabar ali.
Não fui criado para ser fraco e desistir, ou puxar a corda do desespero.
Apesar da dor, desilusões e amargor, sei que possuo pessoas que me amam; sei que
não há a possibilidade de trazê-los para a luz divina, nem desfazer minhas atitudes. Afinal
todos estamos fadados à solidão cruel, numa fraqueza da mente humana. E no fim, o que me
resta é chorar sozinho?
Saudade, apenas ela é quem sobra.
Entretanto, me lembro diariamente que não posso cair nesse poço sem fundo, nem
nadar nesse “preto-universo” sem fim.
"No fim, escapei em prol da minha segurança e sanidade. Abandonei tudo e todos que amei
por conta da lâmina envenenada que me esfaqueava intensamente e me fazia jorrar sangue
púrpura… Não vou mais ceder e nem negar quem sou."
Enxuguei meu rosto molhando enquanto ria.
Não sabia para onde eu iria, apenas queria sentir o frio da noite em meu nariz; sentir o
calor de meus pulmões e sofrer com a dor nas minhas articulações.
SAMUEL
aí lentamente de minha antiga casa, ainda choramingando ao tentar manter-me
S quieto. O vidro da porta principal se encontrava restaurado, repleto de brilho e metal
à sua volta, mas não me importei com isso.
Sentei no degrau da entrada e fiquei observando o céu estrelado — o frio congelava
minhas mãos e eu tentava mantê-las quentinhas enfiando-as em meu bolso. O vento uivava em
meus ouvidos; as corujas fofocavam e voavam em curiosidade, rastejando pelos cantos mal
iluminados.
O álgido divino da noite é mal entendido; rejeitado por sua brutalidade e quietude, mas é a
partir de sua benção que posso colocar minha mente em seu funcionamento ideal, ignorando as
tormentas que me assolavam.
Com meu olhar fixado para a lua, ouvi o som de alguém sentando ao meu lado, mas
não o olhei e preferi me manter no estado ocioso entre a seca e o derramar de lágrimas
interminável. Minhas lágrimas escorriam com fluidez ao sentir o casaco me cobrir seguido de um
abraço forte. Naquele calor repentino, agradecia em silêncio e retribuía com meu olhar.
— M-marcos, o que faz aqui? — Disse soluçando — me desculpa, eu vou parar… Prometo.
— Vish, você está bem? — Com seu rosto preocupado, enxugou meu rosto e procedeu a me
abraçar — O que aconteceu?
— A Patrícia, lembra dela? — Ele balançou sua cabeça em afirmação e segurou minha mão —
Eu sinto tanta saudade dela. Queria não ter sido tão ignorante com seus sentimentos; queria não
ter a ignorado.
Com a fuga de meu oxigênio, comecei a chorar mais forte, rasgando minha garganta.
Marcos me abraçou ainda mais forte. Retribuía a gentileza com o amarrar de meus braços ao seu
corpo, desejando viver naquele momento para sempre… A culpa pesava meu pescoço e fincava
sua lança prateada em meu coração, perfurando-me e me prendendo ao chão.
— Ela pediu minha ajuda; chorou no meu ombro tantas vezes… — O olhei sério — Podia ter
contado para algum adulto, ter tentado algo realmente significativo — minha boca se curvava em
amargor. — Não acredito que ela se foi; não quero acreditar... Me recuso a crer que ninguém se
lembra do motivo do nome daquele lago maldito! — Minha garganta doía com a força que
colocava para espremer aquelas palavras entaladas — E eu esqueci dela! Como pude ter
esquecido o sorriso dela? E-eu não aguento mais carregar esse fardo; essa culpa.
— Você não precisa carregar isso sozinho, não tem. Divide isso comigo.
— M-me desculpa por ter te abandonado! — Exclamei batendo em minha cabeça — Eu te
deixei; me deixei aqui, esqueci de minha essência, do meu propósito e minhas paixões! Fugi
como um covarde sem nem olhar para trás… Eu quero voltar para cá… Voltar para você!
— Ei! — Marcos gritou. Levantei minha face rapidamente para olhá-lo. — Você é o homem
mais carinhoso e atencioso que conheço! Eu também morro de saudades dela… Assim como
também a esqueci — disse rindo. — Mas tu não tem culpa, ninguém tem! — Ele parou, respirou
e encarou no fundo dos meus olhos — não sei o que exatamente houve, mas estou aqui para
você… E sempre vou estar. Te amo — Marcos me abraçou com seu casaco quente e me beijou.
Nada mais importava. O peso que me esfaqueava se acalmou, deixando apenas a cicatriz
de uma batalha árdua na carapaça de um besouro.
— Quer que eu te leve para sua casa?
— Você é minha casa.
"Obrigado, Pat. Eu te deixo ir"
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BOOKS BY THIS AUTHOR
O Sequestro De Ana
Ana, uma garota brasileira de 17 anos, foi sequestrada após realizar um ritual à lua de sangue.
Confusa, terá que entender o motivo de sua permanência para sair de sua prisão especial
enquanto supera seus medos e traumas.
A acompanhe nessa jornada surreal, vazia e onde não existe teto ou chão.