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PALAVRAS

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2
Vera Pinto

PALAVRAS

Cruzeiro–SP
2019

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Capa e Projeto Gráfico Paulo Gaia
Produção Editorial Sílvio Ferreira Leite

© 2019 – Vera Lúcia Pinto da Costa


Tachion Editora e Gráfica Digital
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Apresentação

ÀS VEZES OUVIMOS DIZER QUE NÃO EXISTEM COINCIDÊNCIAS. MUITA GENTE AFIRMA
que tudo acontece por uma determinação superior. Por esse ponto de
vista, fica descartada qualquer obra do acaso. Há um planejamento,
digamos assim, que conduz os acontecimentos de forma a proporcionar
um final feliz, provavelmente devido a um merecimento. Quem sabe?
Pode parecer credulidade ingênua aceitar que nada acontece por acaso.
Sendo assim, o que seria o acaso? Uma ocorrência banal? Um fato incerto?
Um evento que por si só não se reveste de importância? Nesses casos, seria
mesmo necessário atrelar ao imprevisível a interferência de uma inteligência,
para que a coincidência deixe de existir e ceda espaço ao grandioso.
Se o grandioso não for invocado, o fenômeno da coincidência passa a
ser visto como manifestação espontânea e pode ser tratado com desdém.
Em todo caso, deixando de lado o que chamamos determinação superior,
podemos ainda pedir socorro a um estudioso notável.
Analisando o fenômeno da coincidência, Carl Jung lhe deu o nome de
sincronismo. Perceba que agora há mais inteligência no ar. E embora Jung
tenha feito apenas a abordagem psíquica, relacionando o que acontece
dentro e fora da pessoa, para determinar bons encontros e grandes
oportunidades, a coincidência ganhou importância científica.
Considerações à parte, o que nos levou a esse devaneio sobre causa e
efeito, eventualidade e destino, foi um fato incomum relacionando duas
mulheres com o mesmo talento: Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas,
conhecida como Cora Coralina, e Vera Lúcia Pinto da Costa ou Vera Pinto.
Excluindo o fato de serem mulheres, elas estão unidas por algumas
coincidências. Ambas nasceram em 20 de agosto. Ambas escrevem poesia
desde garotas. Ambas publicaram suas criações já na idade madura.
O primeiro livro de Cora Coralina foi “Poemas dos Becos de Goiás e
estórias mais”, lançado pela Editora José Olympio em 1965. Ela estava
com 75 anos. O primeiro livro de Vera Pinto é este que está em suas
mãos, uma obra de grande beleza e sensibilidade, que temos o prazer de
colocar na estante das coincidências. Vera acaba de completar 75 anos.
Pelas mãos do sincronismo, nos invade a imensa satisfação de participar
desse evento único, repleto de palavras, de pensamentos, de
sensibilidade, de emoções, de poesia. Com vocês, “Palavras”.

Sílvio Ferreira Leite


Editor

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Não morre
aquele que deixou na Terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.

Cora Coralina

Agradecimentos

Aos meus filhos, pela magia dos momentos vividos.


Com eles aprendi muito.
Aos amigos, que se manifestaram sobre meus escritos.
Encorajaram-me a continuar.
Principalmente sou grata ÀQUELE que criou tudo que me inspirou.

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SOMENTE PALAVRAS

Presas por fio elástico


no céu escuro da boca,
em incessante balançar,
mais parecem móbiles...
Desta vez, finalmente,
escaparão pelos lábios?
São vocábulos incipientes,
sem força de córrego.
Verbos fatigados do não dizer.
Frutos esperando um sopro,
para deixar rastro soletrado
num espaço que foi só carícias.
Mas são palavras encruadas.
Empedradas.
Analfabetas de frases sutis.
Quando parecem cair, cair...
Não caem.
Entre bocejos contaminantes,
num navegar arisco,
retornam à garganta
e se afogam na saliva de um mar,
que não sabe mais o que é amar.
Tão pouco a se dizer...
(Ou seria tanto?)

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SIMPLES ASSIM

Veio para rever coisas já vistas,


inexplicavelmente novas
na casa cheiro de cravo.
(Éter das tranças do pão melado.)
Ancorado na bandeja,
pano fino bordado, visitante
mais doce do que o mel
mais colorido do que a toalha.
− De início, parou.
Depois, circulou pela casa
abençoando o amor no porta-retratos.
Com um olho no gato,
(o animal o teria reconhecido?)
outro no ambiente,
bebeu água temperada
com açúcar mascavo.
E se foi...
Pluma na janela, sinal que voltará.
Como de costume, visita rápida,
sem uma palavra dita.
(Mas que falou, falou. Em todas as línguas!)

8
OUSAR VIVER

Tanto faz se é de mentira.


Num segundo, saio de mim e fantasio.
Noutro mundo, território de abstrações.
Com a pouca palha que tenho,
farei travesseiro, esteira e rede,
pra viver verão particular.
Coisa mais sem graça ter por cobertura
céu cotidianamente chorando neve,
se, com tinta acrílica de ilusão,
posso desenhar no pano celeste
alma e cabelos revoltos de um corpo suando estrela.
Sei que, em minutos, estarei desperta,
convivendo com problemas,
acontecimentos e perigos.
Sei que equações, teoremas complicados,
catetos e hipotenusas,
quando acordar,
acordarão comigo.
Pouco importa, então, se o sonho foi curto.
Ousei viver o calor em momentos de gelo.

9
SIMPLESMENTE AMOR

Amor, amor invasor de almas.


Para vê-lo, predisponha-se
à total e definitiva cegueira
e passe a aceitar como saudável
pratos cheios de não veres
postos à sua frente.
(Tudo que o coração ordena,
a pobre razão embotada,
com naturalidade, acata.)
Somente você, em sua justa inocência,
o verá cercado de verbenas,
quando outros alardearem
que amor é flor − mas de pontas traiçoeiras.
Aceite não ouvir mais nada,
se quiser encantar-se com o som quase inaudível
de sonolento pássaro.
Viva em claro delírio!
Viva pleno de planos.
De suores e arrepios.
Seja outro, não mais quem imaginava ser.
Mas ame!
Ame desmedido.
Ame desmesurado.
Refém das horas do outro, conte com ele
estrela por estrela.
Casos e acasos.
Por amor, finja ter perdido a conta e reconte.
Até quando?
Até quando?
Talvez até o final da tarde.
Talvez até a eternidade.

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INDOLÊNCIAS

Gosto da chuva sem pressa.


A que despenca miúda
das nuvens salpicadas de ócio.
(Desmente estigma
de que não encharca o solo.)
Gosto do caminhar dos bichos,
passos moles e preguiçosos,
ciosos de não ferir ainda mais
chão comprometido.
(Dos anjos, os preferidos.)
Faz bem degustar a vida aos goles.
Cruzar latitudes com lentidão,
para não pisar em nódoas.
Soletrar flores − sem tique-taque
apressando leitura.
Tedioso é o tsunami da metrópole.
Ondas e ondas de olhares, estrelas
espelhadas em mar de vidros.
(Pérolas mortas por exaustão.)
Não sei quando.
Talvez nunca saiba,
se deixarei de ser enigma.
Peço calma ao mundo lá de fora.
Cá dentro, alma pede pressa
por monções que alaguem o avesso.

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QUEM NÃO?

Realidade consome.
Horas de agora assustam.
Quero escapar − vazia
e sem combustível,
abastecer-me no ilimitado.
Quero cobrir o impossível com pano,
por ser possível tê-lo.
Sob sombras benditas,
parar de batalhar comigo.
Em insólito lugar, sei da felicidade
e para ela cavalgo horas de recreio
sem hoje e amanhã.
Nada se compara ao repouso,
onde alguém, ao bem-me-ver,
gorjeia palavras doces.
Me chama para dançar.
Bem normal meu jejuar do resto do mundo,
o circular por minha veias
− encolhida e suspensa como fruto verdolengo
com medo de cair −
Dias de pão, dias de sonhos.
Em dias de mais fome,
nutro-me da fala do olhar,
do marulho da voz,
do ausente par.
Em dias anormais a vida segue...
Você sabe como é!
Quem não?

12
R

REVIRAVOLTA

Assim...
Sem coragem de viver personagens e profecias.
(Sem voar pelo encerado da vida,
como saber o rosto do destino
a cada quina além soleira?)
Assim − sisudez de entardecer nublado,
olhar de janela sem visão para a dança dos ventos,
barco desalentado sem ilha de mistérios.
Surdez aos adágios de Vivaldi.
Assim − buscando saídas,
porém mais frágil do que manuscritos perdidos
nos bolsos das grutas.
Assim, assim − até ajeitar o nó das ideias urgentes.
Até o amor vesti-lo com capa de herói
e fazê-lo sobrevoar castelos
e campos desmesurados.
Levá-lo a conhecer a incrível voz rouca dos cometas
num infinito impensável.
E no mais extremo dos limites −
a divisória que separa o escuro
do clarão das estrelas matutinas.

13
A
ATRAÇÃO

Não te afastes de mim.


Por vontade própria, por acaso,
(por descuido?).
Com agilidade de menino arteiro,
ousas partir do agora para o futuro
sem memória.
Entre uma pausa e outra,
entre um deslize e outro,
foges como o fio foge da agulha.
Ah, amor...
Por ti, lua andarilha, desiste de partir
e se mantém sólida
nas curvas aéreas do quarto.
Imantada, esquece campos vastos,
vales de certezas,
geografia dos azuis,
para orbitar nossos corpos.
Flor e borboleta.
Girassol e sol.
Pão e trigo.
Amor, papoula de todas as estações.
Amor, flor-delírio!
Não diga que a distância apazigua.
Do que sei, momentos perdidos,
fragmentados como folhas secas,
terminam na teia dos ventos.
Condição de espada.
Punhal da despedida.
"Adeus! É hora de ir... (?)"
Somos ferro e ímã.
Cálice e vinho.
Fogo e magma.
Pássaro e ninho.

14
FUTURO DO PRETÉRITO DO INDICATIVO

Vasculharia a madrugada.
Sondaria suas entranhas.
Circularia em suas veias,
Se pudesse descobrir,
no sangue nobre circulante,
pistas...
Para onde vai?
O que faz?
Com quem fica?
(Mas ela não deixa marcas!)
Quando segue itinerário do silêncio,
para trocar verbos com silhueta do amanhã,
em algum momento vacila, estremece?
Lágrimas lhe caem dos olhos jabuticabas,
ao subir degraus da escadaria?
(Será que busca a luz ou adormece em si?)
Diante do ter de ir sem escolha,
penso se descrê, titubeia, duvida de não voltar.
Esquadrinharia milímetros de sua pele.
Revolveria chãos de terra negra.
Esmiuçaria pensamentos.
Seguiria igual viagem para desconhecido tempo
construído no ar
− entre camadas de mistérios −
não fosse a óbvia certeza de que morreria de saudades,
caso o veludo azul-marinho deixasse de cobrir meus sonhos.
Iria com ela, não fosse a aurora que me chama.

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ENTREMOMENTOS

Deslize mortal...
De repente, ponteiros zonzos
descompreendem as horas.
Fio fugido da agulha para de tecer.
Água da mina, num gole sufocante,
bebe o mar.
(Quem nunca, quem não?)
Súbito − porque raios foscos não devem
desanimar as manhãs,
surgem flautas, despontam luzes
em agradeceres ao amor inserido
− tantas vezes despercebido −
entre casca e fruta,
entre claridade vazada dos verões
pelos galhos do limoeiro.
Súbito − antes que memória embote,
eis reconhecimento por felicidade desvista,
sempre encantada e florida,
a passear por corpo insensível.
(Quem nunca, quem não?)
Entre momentos de mãos esvaziadas
de flores, velas, luas, estrelas,
(Absoluto vazio.)
oferto coleção de nadas.
Poesia sem palavras.
Palavras sem palavras.

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ADIAMENTOS

Talvez a chuva despenque,


o túnel feche,
a ponte quebre,
a oficina do tempo decepcione
por não fazer entrega do amor.
Horário e endereço combinados.
Talvez a lâmpada do abajur se apague.
(...E apaga!)
No escuro, sentimentos
sem diâmetro do ontem − talvez amem.
Mas com intensidade frágil.
Com tempo impetuoso,
humor e uvas azedam,
o desejo esquece de desejar,
o braseiro perde fagulhas.
De repente, por distância infinita,
paralelas que unem dois pontos
se estressam,
perdem o norte da esperança,
dando vez a cenário perfeito
para a vida morrer de inanição.
Então, ame!
Há licor no cálice de ontem.
A felicidade, por desconhecer exílios,
vive à espera de quem a abrace
e cante com ela a chegada
das horas de venturas.
Ainda há fôlego para mergulhos.
Ainda suspiros suspiram
vendo a Lua brincar, agarrada
a fio magnético!
Quando ela for embora (E vai!)
para onde outro hoje dorme,
o agora deixará de ser agora!

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PEDIDOS

Meio a meio.
Da santidade dos santos.
Da insanidade dos loucos.
O todo de tudo que foi prometido
− céu, mar, terra.
Chegou em miúdos
e não saciou fome e sede.
Preciso hoje da água contínua,
enxurrada de vogais,
enchente de consoantes,
palavras ainda por conhecer.
Mar onde possa mergulhar
em êxtase.
Nele, ilhas de versos e rimas.
Preciso dos ventos bons,
Que envergam bambus.
E da brisa, que leva a neblina
para perto, para longe...
Não importa.
Um lugar onde possam viver comigo
outras aventuras.
Preciso, agora, de um corpo tranquilo,
braços abertos em cama quente,
sonhos em asas diáfanas.
Do fruto proibido.
Do exótico e da flor mais simples,
que nem nome tem.
Do cristalino.
Um gole do diabólico.
(Talvez mais do que um gole...)
É muito!
Pode ser mais do que pardais
voltando ao entardecer.
Preciso da loucura dos santos
e da santidade dos loucos.

18
DE REPENTE

De repente, revoada de folhas alça o azul.


A festa tem fim.
(Nem ela é poupada!)
De repente, dezembro desova outra vez.
A fruta mergulha.
Vozerio cessa.
Apagam o fogo do farol.
Da praia lotada nada resta.
Morre a palavra no céu da boca.
Dormem as estrelas.
Zarpa o amor.
Lá se vão as violetas...
(O de repente é certeiro!)
(Implacável!...)
De repente, folhas voltam para seu lugar
no coração do arvoredo.
O de repente
− efêmero e perpétuo −
é dos embrulhos finos e dos fardos.
Da garoa e da tromba d’água.
Das avencas secas e do verde revigorado.
Alma de rodízios!
Por toda a eternidade,
há de desafiar nosso entendimento
sobre tudo que
− numa passagem de vento −
é halo de fogo e escuridão,
castidade e cio.
Tranquiliza saber da possibilidade do
amor,
da folha que voou...
Aterrissar.
De repente!

19
AVALIANDO

E se nossos sonhos
morrerem de frio por falta do agasalho
de outros corpos?
Por jejum de beijos, fenecerem
Esquálidos?
E, se em dado momento,
voarem além do que suportam?
E se forem ridículos,
a ponto de nos jogarem do alto das nuvens?
E se brigarem entre si,
todos querendo o primeiro lugar,
a primeira fileira do transe?
E se uns amadurecerem,
outros morrerem mangas verdolengas?
E se a vida só nos der sonhos
em preto e branco?
E se forem eróticos...
Comprometem?
Vale sonhar sonhos sem nexo.
Sem significado.
Rasos. (Rasos têm mais luz?)
Absurdos?
Conscientes?
Inconscientes?
Indiferentes?
Vale tudo...
Sem sonhos, sobra a realidade pesada
De sermos corpos com asas trincadas.

20
POETA

Quem se explica.
Quem não pode ser explicado.
Quem é movido a música.
Quem se alimenta de silêncio.
Quem colhe o único fruto.
Quem prefere todo o pomar.
Quem busca poesia na pele.
Quem a procura dentro, lá dentro de si.
Quem guerreia pelo pão do dia
e depois sai a cantarolar cigarras,
há de eternamente poetar.
Quem fica, poetisa o ficar.
Poeta é quem emudece
e quem grita para relampejar ideias.
É o santo habitante das esquinas
e o louco que se desabita.
O que se encontra,
se desencontra,
se constrói,
se desmorona...
Poeta− Quem vive agarrado a um fio!
(Vale a paixão por uma saída.)
Poeta− Quem se embriaga com o viver
e sobrevive às tediosas horas monocromáticas.
Poetas somos todos!
Inteiros versos.
Versos em pedaços.
Rimas grafitadas nos muros
e no avesso de nós mesmos.
(Mesmo sendo poeta de temporadas
alternadas de seca e cio!)

21
REALIDADE FAZ DE CONTA

Dá para ouvir da boca do mar


seu canto para a areia.
Dá para ver silêncio quebrado
(ele mesmo) recolher seus cacos
nas ondas xale odor ferrugem.
Um pingo de luz cair sobre a tarde
a viver dias tensos.
Ávida de ternura, ela o colhe
e sorve, como se derradeiro fosse.
Resolvi que hoje vale tudo.
Posso gerar, na faculdade imaginativa,
fantasias que me levam perto da louca imagem
− louquíssima imagem −
vista deste chalé a sete léguas do litoral.
Deixa-me com meus devaneios...
Possível e real ser hóspede do mar
distante do mar.
Afogar temores do coração
no fluir das vagas... Sem vagas!
Vale até divagar o impossível
em quadrilátero lacrado, sem portas e janelas.

22
FUGA

Voa, voa, andorinha do pensamento triste.


Uma vez escapada do tatame espinhoso,
colchão de paina cinza,
leito insalubre que fere asas,
cor e vida aguardam sua chegada.
Voa corrimão da ventania.
Caminhos aéreos, degraus da escadaria,
levam a canteiro iluminado, onde a tristeza não brota.
Voa, voa...
Cercas de fuligem vedam o Sol,
impedem a claridade de chegar às folhas,
relíquias de vida.
Voa para o campo dos sentidos.
Segue a névoa algodoada
− paredes que nunca se fecham.
Voa para trilhas de venturas!
Pousa nas mãos da praça!
Enche os pulmões de flores!
Nunca é cedo,
nunca é tarde,
para aspirar o girassol
assustador de desesperanças.
(Voou, voou, voou...
Poesia não é gaiola de mágoas!)

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SEMEANDO ILUSÕES

A sós e silente, farta-te


do que traz saliva à boca.
Prazer da carne.
No reservado da tua alma,
o Sol pigmenta os sonhos,
mesmo quando a chuvarada
cai a cântaros.
Colhe diamantes da Antuérpia
(ou seixos dos rios.)
Bebe águas alpinas
(ou do poço dos teus desejos.)
Na ânsia de beber o líquido
dos vinhedos,
sorve os melhores amadeirados
como quem vive em Bordeaux.
Podes dormir numa cabana,
correr, dobrar o passo,
Chegar à Via Láctea ou escolher ficar
no fundo do quintal
semeando pássaros.
Vai e volta de lugar nenhum
qual Quixote
atrás de visões de moinhos.
Tens a chave da ilusão.
Gargalha com comédias
na tela das paredes.
Podes, ou não, ter saudade de quem te perdeu.
Chora, se preferir.
Sê de ninguém.
Sê tua (teu).
Finalmente, divide teus nacos, teus cacos de vivência,
pães, prazeres, posses,
com quem ignora a significância do sonhar.

24
AMBÍGUOS

Um toque sutil.
O mais leve.
Apenas um roçar de cílios
na capa do travesseiro.
E o silêncio vai embora!
Receio que volte em ruídos
de agulhas, fogo, esporas.
Ou com olhar sonolento
− mormaço e preguiça −
roube minhas visões
do verde mar e suas dunas.
Ambiguidade...
Traço comum nos une. Engole.
Não! Não corro riscos!
Acenei bandeira branca.
Jurei viagem sem turbilhões
que nos convulsionam.
Infartam.
Hoje, quero descompreender
nossos desencontros.
Ao silêncio lá de fora
e ao meu silêncio... Trégua!
Seremos duas vozes amigas
falando em uníssono.
Não! Por hoje, não corremos riscos.

25
ALTERNÂNCIAS

Tenho dias de incompletude.


Inconformidades.
Posso não sentir rosas no jardim.
Reflexo do ipê no solo.
Não querer receber bilhetes.
Horas de dúvidas.
Ventura. Aventuras.
Serei herdeira?
Tenho dias de ver prepotência no mar e no tempo.
Questionar açoite do vento nas palmeiras
e sorrisos levados para outros amanhãs.
Tenho dias de audácia: saber da brisa
porque pouco balança a rede.
Tenho dias de certezas.
O pouco é muito.
Apesar dos pesares, não sangro.
E lamento planos esquecidos há anos.
Penso que talvez estejam em banho-maria.
À espera.
À espera de que aceite a tempo
a não explicação da vida
sobre amores e humores
do mar,
do vento,
do tempo...

26
TURQUESA

Ecos do mar turquesa,


azul e belo,
nas grades e paredes do apê.
Sal. Suor. Sargaço.
Cheio de notícias da praia,
o vento de todo dia veio
para surrar portas e pele,
fotos e fatos mal ancorados
no horizonte diário.
Veio para matar a fome
lambendo farelos da mesa
− e entre um e outro murmúrio,
brincar com as cortinas,
que reconhecem sempre
a cantoria de gemidos.
Hoje − mais afoito e ligeiro,
quando regressar ao leito
por sinuosos caminhos,
levará mais histórias, papéis,
acertos e erros,
até jangadas ao longe.
Um vaso rachado no chão silencioso
− atônito, avisa:
Passou levando fôlegos!
Esse vento...
Espero não sopre nos ouvidos
da maré vazante
coisas do coração.
Espero não espalhe aos mil e tantos cantos...
Sonhos que andei esculpindo na areia da varanda.

27
VIDA NOVA

Alegrou-se como nunca


ao ver a manhã chuvarada
dando banho nas horas.
Queria mais é se regar
pelas ruas
e sentir a infinitude da vida
transbordando coração.
Sem antigo desânimo
olhou o relógio,
falou alguma coisa pra si,
maquiou-se sem pressa...
O som da serra na madeira
(antes era grito)
e o trânsito na rua
(antes, enlouquecedor)
soavam música.
Desatenta ao noticiário,
dona da própria existência,
jogou beijos à amiga do espelho.
Quando se tem um amor
é domingo a segunda-feira.

28
DUVIDOU

Viveu se virando pelo avesso, correndo...


(Atrás de quê? Não sabia.)
Recomeçar. A todo momento, recomeçar.
Teria valido a pena? Será?
Passou a ouvir mais o mar, o vento.
A se fartar e saciar com fatia de sol
se espremendo pela fresta,
no incansável exercício diário de se esticar,
tirar cochilos e se esbaldar na colcha florida,
sem nenhum questionamento.
Deitou-se junto dela e respirou aliviada.
Dormiu ciente de que tudo e mais um pouco
valera a pena. Sim.
Fora bom o doce em prato raso
e o excesso de sal − impregnado na boca.

29
EXATIDÃO

Não importa o querer


ou não querer.
A pressa, pressa pouca,
pressa e meia e mais um pouco.
O tempo tem tempo certo
para acirrar fogo e paixões,
diluir a neve, derreter a rima.
Tempo para o cacto revelar sua flor,
mamilos de donzela,
para cerejas acenderem o dia,
a luz da vela dar o último suspiro.
Exatidão na contagem dos risos.
Precisão nas medidas e nos desvios.
Do quanto nos dá de maçãs,
violetas e dilúvios.
Do que pousou nos bosques
e não aterrissou nos nossos quintais.
Do que nos faz crer
e nos faz descrentes.
(A ponto de consultarmos os búzios sobre como e quando!)
Nada importa!
Canto e desencanto!
O tempo viverá seu tempo
de poço sem fundo
e as cigarras continuarão cantando seus dezembros.
A magia é tal e tanta,
que nada será na lua nova,
se nasceu para acontecer
no alpendre da lua cheia!

30
QUANDO?

Por onde anda o amor?


A noite dorme.
A quietude inibe respostas
de estrelas de pijamas
− mudas, mudas.
Nada, nada a dizer.
Procuremos por ele no além-mar.
Por terras onde brotam uvas.
Ou saído das pinceladas de Renoir.
Vamos buscá-lo nos braços de Cora,
a Coralina,
jeito especial de guardar amores
em cestos de flores.
Por onde anda o amor?
Talvez próximo de nós,
colado à sombra do meio-fio,
perdido no rebuliço dos edifícios,
premeditando a chegada.
Onde estará neste momento,
enquanto sonhamos com seu
fascínio avassalador?
Quando virá?
Seja logo. Seja breve.
Longos são os espaços
entre esses segundos que impacientam.
De passos retardatários ou
pontualidade britânica,
surja neste agora, neste hoje,
em saltos de saltimbancos,
em pulos de coelho da cartola.

31
ORAÇÃO

Local sem portas.


Sem portões e janelas.
À passarinhada causaria estranheza
gaiola com chaves − e trancas –
em terreno desentendido de grades.
Olhares daqueles que captam
apenas relevos desengaiolados.
E silêncio verde.
Cabe ao zelador colher,
em dias de névoa
ou calor infernal,
milho dourado
de cabelos ao vento.
Meninos sem chapéu
fincando pé descalço em céu aberto.
Cabe-lhe orar por castas operárias,
que mascam folhas torradas
ocultas em mar de sombras.
(Sabem que é dia,
quando pingo de sol derretido
invade porões e galerias.)
Orar, orar, orar
pelo incessante picotar
que fertiliza a terra.
Orar pelas gramíneas coloridas
ao redor das cercas-vivas.
Orar e agradecer pela casa
sem paredes e relógio,
mas com telhado reluzente
que alumia ora-pro-nóbis
que ora, ora, ora
por todos nós.

32
VÉSPER

Conte
por onde perambulas à noite
com asas de gaivotas brancas,
sem hora de partir,
sem horário de voltar.
Diga
até onde arriscas chegar,
até onde atreves subir
sem cordames e andaimes.
Um artista circense.
Um marinheiro.
Um músico.
Um cínico.
Um ser ausente.
Até um fugitivo de si mesmo podes ser,
desde que dividas comigo
o que te surpreende e arrebata.
Eu falo.
Consigo revelar.
Uma escalada noturna me deixa em êxtase.
Leva a tristeza embora,
enche meus olhos de brisa,
me dissolve em encantos,
me contamina de amor.
Não me inveje. Vou onde estás.
Toda noite subo até Vésper,
− a primeira estrela −
para me encontrar contigo.

33
ATO CONTÍNUO

Empresto-me a mim,
ao primeiro pingo de luz
caído de céu bocejante.
Desembrulho-me aos poucos.
É lento o pousar no tempo.
Lenta a rendição ao sol abrasador.
Lenta é a marcha.
Mas segue o rufar dos tambores
na cidade repleta de nãos
salpicados no asfalto.

À tardinha, faminta de viagens, devolvo-me a mim.


Por norma, sigo as garças na tela em preto e branco.
(Amanhã serão outras.)
Último canto fecha o fecho ecler das costas do entardecer.
Estou perto de recuperar ilusões gastas no sal do dia.
Falta pouco, bem pouco, para, à hora costumeira,
dormir na morada do sim.
Antes que outro sol me tome,
abraço cada segundo de silêncio.
O que nele há,
apenas quem ama
sente.

34
OLHARES

O olhar do fio de alta tensão


− contrário à lógica −
escorre para cima, para os lados,
atrás do riso dos pardais
e gargarejo das andorinhas.
Há fugas traçadas no farol alto
do olhar dos animais aprisionados.
(Visíveis as asas brotando...)
O silêncio ao lado é pálido.
A pressa das ruas queima.
Vejo fogo em certos pensamentos.
Nas corcovas dos desertos
saudade clama
o canto arenoso dos ventos.
Olho para os lados,
para cima e para baixo,
e o óbvio se agiganta:
sou igual às coisas que vejo.
Coisas que me veem
não veem disparate algum
nos apelos sólidos da minha alma.
Apenas veem com morno sentimento
o lento brotar das minhas asas.

35
PERDÃO

Fomos roendo pelas beiradas,


desconstruindo, desfazendo
ângulo por ângulo
nossa casa circular.
O azul tem fatal ferida.
Para o verde inflamado, somos fardo.
Fardo!
Lanças pontiagudas desvirginam os ares.
Materiais sufocantes no banquete dos bichos.
Nada no prato dos que têm fome demais.
Fugiram as rosas.
Ficaram as grades. (Que triste!)
E tem gente com dedo em riste
dizendo-se inocente,
caso o inverno não vista
sobretudo novo.
Verdade nua e crua. Fardo!
Sobretudo, que fique claro
meu desejo de olhar fixo
nos olhos do mundo,
curar cicatrizes,
desenrolar coluna vertebral
e ao beijar sua alma em fuga,
contrita dizer:
Volte, amor,a casa é sua.

36
TUDO COMO DANTES

O que te prometo?
Mãos cheias de estrelas,
sóis e sonhos acesos.
Crianças, florestas, água, vinho.
Auroras e poentes intercalados
por solidão.
Casa e alma cheias de alegria.
Bonança e tempestade.
A flor seca do campo, a bem cuidada,
que será levada na enchente.
Da primeira à última gota do tempo,
te darei a porta certa e a outra,
que não vale a pena ser aberta.
No calendário novo,
pelos homens inventado,
sons afinados de orquestras
e ruídos de terras ácidas.
Nele, um Cristo crucificado agoniza.
Ou...
Eternamente Vivo, regará teu chão
e a grama dos verdes mugidos.
Nas horas novas, cheirando a leite,
escreverei − em amorês legível −
o que supões estar em aramaico.
Em papel alegria,
ou na folha sem cor dos ares,
prometo a ti,
nas primeiras horas do ano chegante,
(de tenra carne e sentimentos puros)
unicamente o possível.

37
EXIGÊNCIAS

Quero mais do que salvar existências:


a casa massacrada de alegria,
acertos, anjos, alvoradas.
Quero veias transportando a chama
que se alastra e incendeia.
Quero-me completamente amando.
Totalmente amada.
Quero no meu peito fugas atrevidas.
Nas mãos um ramo de nuvens.
No coração borbulhas e desatino.
(O excesso me toma. Sou veludo e espinho.)
Hoje, quero constelações.
Amanhã − consciência plena
de que posso ter tudo.
De espasmos respiratórios
de tentações absurdas
a incontidos orgasmos de borboletas.

38
CONVITE

Passe em casa.
A saudade é tanta, tanta,
que emergências se escrevem
nas paredes do tempo insano.
O café esperou, para servir cafeína
aos seus risos floridos.
Para balançar seus balanços,
a rede não trocou de paisagem
e o velho saveiro está aportado
nas frases sem letras do quarto.
A varanda, de costas para equações
irresolúveis,
é a mesma que vê folhas farfalhando
e não desistiu da sua volta.
(Aliás, fez mil planos para se amarrar
aos seus galhos, de setembro a setembros.)
Passe em casa!
O Sol − fome do pão das manhãs perfumadas −
esperou por tantos meses sua volta,
que escorre do telhado, aos gritos!
Passe hoje?
Relógio medroso dos invernos
quer abelhas passeando açúcar
pelos ponteiros solitários.
Passe agora!
A saudade é tanta, tanta...
Ah! Tamanha é a saudade,
que deixei a porta aberta para a histórica visita.
Vou até a esquina buscar mais sonhos.
Me espere. Fique!
Pode ser?

39
SONHO?

Veio para ficar pouco. Pouco...


Quase o tempo do nada
no travesseiro solitário.
Inquieto, demonstrou pressa
de rever belezas lá de fora,
mundo oceano e céu − de mistérios.
(Mesmo assim, deixou o que pôde de encantamento.)
Trouxe rajadas de verbos,
floração de ipê amarelo explodindo em pleno
dezembro
− quente e inadequado − para flores,
que ainda comungam do morno orvalho de agosto.

Com delicadeza de anjo, preencheu alma e cama,


antes inteiramente vazios.
Imensidão.
(Tudo seria pouco para expressar sua grandeza.)
Ao escapar pela fresta dos cílios,
asas de sonâmbulo,
persiana mais entreaberta
para a realidade do que para fantasias,
acenou uma volta.
Ilusão ou não, o que importa?
Ah, houve mais... Mas isso basta!

40
AO LADO

Moro onde ficção estabelecida


cava covas adubadas, planta versos,
rega-os com seiva de linguagem.
Diário regar de palavras
brotadas dos alicerces internos,
amenizam sobriedade das floreiras
invernais− maior enigma da vida −
Moro onde o silêncio me toca.
Eu o toco.Tocando-nos, nos amarramos
um ao outro com fios de absurdos...
Minhas paredes?
Papel em branco cheio de planos,
portões se abrindo na direção da sorte
que desemboca na foz da sintaxe
sem pretensão alguma de ser clara.
(Sim, muito pelo contrário!)
Projeto mudança rápida, em definitivo,
para mim mesma.
Sobrevivente de outras moradas de lírios
e fantasmas!
Talvez, num livro de legendas matreiras,
e finais que nada revelem, eu possa dividir
com vizinho de parede e meia,
sobras de consciência dos sais de nós.
(Trocaremos xícaras de açúcar.)
Do outro lado dos tijolos, morador bêbado,
(de Vida!)
cancioneiro de poemas e suspiros, eu e ele
teremos único olhar para nuvens baixas,
semelhantes a corpos que se abraçam.
Endereço certo para taças de ilusões!

41
SOLSTÍCIOS

No outono, quando as folhas secam,


e cansadas,
e em absoluto e claro declínio,
aceitam menor cota de luz,
encontre o amor (ele é peregrino)
adormecido nas tuas reservas de afeto.
Nas tardes de aguaceiro − planícies desertas −
encontre o amor,
lagarta entre lavra e larva, vivendo o dia,
indiferente ao rumor dos ventos.
Encontre-o sem falta, na penumbra dos invernos
− a sós, em pacto de mudez, soletrando solidão,
entre rebanhos de agasalhos.
(Breve, a neve e a névoa.)
Ele é que aquece destinos
em época de tremor dos galhos.
O amor − com ou sem marquise das luas −
é o verbo primeiro no cantar dos anjos.
Ele tarda?
Não vista luto.
Não derrame lágrima.
Ele é o fruto que segue tecendo sua textura
apesar da pouca seiva.
Encontre-o no canto anímico das suas cigarras
desvestidas de dezembros e equinócios.

42
ALVARÁ

Pediu licença
para matar o choro,
adoçar a vida
e fixar estrelas cadentes
meio gastas, meio bambas,
de sonhos que já nem eram tantos.
Estendeu a mão,
apaziguou revoltas,
assoprou machucados −
vagalumes
que voaram acesos
para viagem sem volta.
Licença mais sem sentido!
O amor tem autorização,
mesmo séculos atrasado,
para entrar e ficar.
Tomar posse dos corações
por herança ou usucapião.
Da última hora fará hora primeira.
Da página em branco, um clássico.
Cem Anos de Solidão − de Marques,
cem anos de amores
noites adentro.

43
DESAPRESSADA

Um pouco mais de tempo...


Mar sobre dorso de rochas
ainda lava tristezas de ontem.
A Lua?
Ainda nem desabrochou por inteiro!
(Linda pela metade, perfeita quando pérola.)
Se não aguardá-la, perderei a exatidão do belo.
O acender das luzes logo virá.
Quero ouvir o fragor do cosmos.
− Chão alicerce de Vésper
− Céu a escorrer neon.
Esperarei até decorar seus cânticos
e descobrir a felicidade, assim como
fazem os rouxinóis.
Um pouco mais...
Quando o amor chegar e clarear
a cidade, me tonteando de luz.
Quando ele avançar portas,
se esgueirar pela veneziana
e se eternizar no tempo dos lençóis,
deixarei de transgredir ordens.
Irei depois de dialogar com os astros.
Irei depois de confidenciar com a Lua.
Irei depois da derradeira onda.
(Ah, não antes de me despedir de tudo.)
Ando desapressada de ir.

44
INQUIETAÇÕES

Peixes inquietos no mar dos pensamentos.


Qual a razão?
Por que mastigo letras?
Desentendo falas?
E com língua afiada – navalha −
a mim mesma castigo?
Quando escancaro a porta
e por ela saio a roer muralhas,
ao regressar, quem volta?
A que foi buscar asas de arcanjos
e liberdade − de borboletas −
embolada em novelo?
Ou volta a outra,
a que saiu indignada com...
Deixemos pra lá!
(Sobram sustos e assombrações
no livro denso da vida.)
Sou cidade ainda por visitar.
E se soubesse o que desejo saber,
e tempo houvesse...
Se tempo houvesse para tanto,
certamente não saberia o que fazer.
Se soubesse...

45
PARADEIRO

Do leste de mundos sem norte,


da tagarelice das araras azuis,
da perdição de quem perambula.
Sei um pouco!

Das engrenagens do tempo,


do pão que alimenta a solidão,
aonde ocultam a fada da felicidade,
da sexualidade dos pombos,
das dores desse mundo.
Outro tanto!

Sei a geografia dos triângulos


e a razão do olhar fixo das estrelas.
Com clareza, defino a cor do éter,
a dor dos metais sem carinho,
o mórbido dos agostos sem amor.
− Gosto de gosto de boca seca.

Das mentiras e verdades sei detalhes.


Minúcias de mim!
Agora, me pergunto:
Para quê? Por que desvendar
segredos de alcova
de estátuas e alpinistas?
Saber, inclusive, a hora do florescer
das manhãs das cigarras,
ninfas e gnomos,
se ignoro paradeiro de quem põe
malícia nos meus sonhos?

46
RESPOSTA

Do homem de passos tortos,


bêbado, andar curva de rio,
(pensamentos lúcidos,
mais do que aqueles vestidos
com manto da sapiência)
quis saber a cor das estrelas.
− Prata líquida?
− Não!
Cor de madrugada congelante,
penumbra e saudade.
Cor de rejunte de azulejo velho
e de histórias vividas
ao som dos soluços dos sinos.
Cor de arrepio da pele,
quando a vida teima em parar.
Palavras enclausuradas
entre nossos tijolos
costumam ter brilho destrutível
de aço enferrujado
e prata de dor urbana encolhida.
Estrelas têm coloração impossível.
Misturam sonhos inexplicáveis
a colheradas generosas
de titânio.

47
RELÓGIO DE DALÍ

Bem sei.
Quando clarear o amanhã,
nada será igual ao agora.
Os sonhos já terão ido embora,
quando as horas acordarem
para o abrir de novas flores.
Não mais o mesmo viço
ou a cor deste momento.
Serão outros os azuis
e outros os zumbidos dos besouros.
No afã de viver,
pouco sei dos meus passos.
Terei visto lágrimas enxugadas
em olhos que miravam o nada?
Minha urgência e a do relógio
− idêntica fúria tresloucada −
escorreram pelas paredes,
enquanto apressávamos
a tessitura da teia da vida.
Ah, nosso agir sem calma
registrou poucas minúcias...
Sei bem o que perdi.
Perdi o canto da cigarra,
a florescência do cacto,
o beijo do colibri na flor.
Perdi a flor...

48
ASSIM SERÁ

São seres que não lacrimejam.


Borboletas de asas duras.
Girassóis que desconhecem
o cheiro do mel,
a companhia das rosas
e a luz das manhãs.
Um dia, móbiles empoeirados,
se banharão na luz do luar...
O fino fio que prende a aranha,
em instantâneo estalo
a deixará livre para fiar sua teia.
Voarão no azul os patos-mandarins,
que somente almejaram um lago.
Desidratados,
por entre ásperas paisagens,
tantas vezes dobrados,
origamis humanos, um dia,
por campos de lavanda
e retalhos de sol
− assim como as lagartas −
lagartearão.

49
INSIGHT EGOÍSTA

Deixarei tudo lá fora.


Nesse tempo inconstante,
de esperanças amarfanhadas,
quando a chuva bem sabe
porque some, e os bichos –
pressentindo notícias cruas,
se recolhem.
Nessas horas em que o mar
ondeia tragédias,
quero dormir.
Dormir sem culpa,
embora até as pedras andem insones.
Dormir apesar dos fatos,
apesar de os homens rasgarem laços,
apesar das mãos que destecem
e tornam impossível
o possível.
Tudo ficará lá fora.
Folhas, à mercê das reviravoltas do mundo,
param.
E sobre a relva verdejante
dormem.
A realidade não me privará
dos mergulhos na rede noturna.
Esquecida das farpas e escarpas,
esta noite
(e que não seja só por esta noite)
o mundo
ficará

fora.

50
INDEFINIÇÃO

Nem isso... Nem aquilo...


A ambiguidade me define.
Ora na visão certeira − e precisa −
de pássaro determinado,
ora no olhar decepcionado
(mea culpa!) por traçar tão mal
as linhas do horizonte.
Alguém enregelado,
mesmo com sol saltitante no telhado.
Alguém, aridez de deserto,
em dia pós-enchente.
Nem pedra insolúvel sob líquido ácido,
nem açúcar em água morna diluindo-se
len-ta-men-te...
Combino riso de turista
com aluna se dando mal
nas aulas de sobrevivência.
Talvez me defina
um coração insatisfeito,
a pulsar aceleradamente
por conta de inquietações.
Faço o quê com este mundo
devora-sonhos,
devora-rios,
devora-matas e bichos,
me devora,
devora-as-gentes
e regurgita dúvidas?

51
ESCOLHAS

Agora sei. Tempestades


foram para fortalecer raízes.
Horas escorreram e o relógio
amarelo incandescente,
inconsequente triângulo sem ponteiros,
acelerou e retardou o tempo como quis.
O gosto da bala?
De acordo com o pensamento:
da acidez do limão ao caramelo melado.
(Como quis...)
E ele − costurado à bainha das emoções − colado comigo.
Em certo momento,
foi arrasador o dilúvio desvestindo o coração.
Sim... Chegou a deixá-lo nu em pelo.
Mas foi na maré alta
− ao entregar estrela criança
à praia encantada dos meus seios −
que entendi quem eras.
Invisível visível AMOR...
Estavas na pedra de sal e no orvalho.
Oculto entre sorrisos e espinhos.
Para entender teus silêncios,
por que não te vi antes,
− muito antes −
quando voavas incógnito
besouro?

52
MISTURA PERFEITA

Nunca como antes,


a vida sem gosto – areia−
carecera tanto de carinhos,
temperos,
providencial açúcar dos abraços.
Alta gastronomia do amor
− misturando essências −
flambou, na noite insípida,
infrutíferas esperas.
E nas vidas que seguiam em paralelas, fez surgir
− enquanto o bom da sobremesa não se fazia anunciar −
louco desejo de beber o amor gota a gota.
Levitando pelo ar,
cravo, canela e vinho...
Entre pitadas de palavras doces,
adeus às horas insossas.
Nunca taças refletiram tanto
o braseiro da lareira
e tantos beijos reluziram na prataria.
Nunca, no silêncio profundo,
fez-se ouvir tão forte
o soprar das velas.
Nunca!

53
TURISTA

Eu e eu. Relação delicada.


Tento explicar revisitando-me
na tela do cinema ou na imagem da TV.
Feliz... Infeliz... Atriz?
Sei e desconheço a estrangeira que sou.
Já me vi mercadoria em estoque,
agitando-me dentro de vidros rotulados,
armazenados e expostos em prateleiras.
Vários eus enfileirados,
questionando-me sobre prazo de validade.
(Ilegível, aliás!)
Serei produto adulterado,
falsificado,
contaminado?
Outro dia me deixei na sala de espera da vida,
sem passaporte,
sem permissão para entrar ou sair.
E queria apenas um diagnóstico!
Temerário saber ou não saber quem sou?
E se soubesse, deixaria de me reconhecer?
Ultimamente ando sonegando informações
sobre meu paradeiro.
A que horas saio, aonde vou...
Com quem fujo a cirandar − alma e mãos dadas −
por um mundo real e acessível,
porém, que mal conheço.

54
DIA DE SOBREVIVER

O mormaço − em câmara lenta −


desliza dos cabelos
até os dedos dos pés.
Escorre pela cama do meu corpo
e, pelo caminho, esgueira-se.
Lânguido, repousa como submisso sol,
aconchegado aos entardeceres.
Calor calmo se ajustando,
até chegar aos meus espaços internos,
entorpece!
É acolhedor o edredom entre dobras
e entredobras dos pedaços de mim.
Meu teto agora tem luz.
Mentalmente rasgo o pano da saudade,
para a alegria entrar com seus sorrisos.
O Tempo envelheceu.
Eu? Estou menina bocejando esperança.

Feriado no meu sobrado.

À noite, estrelas que abafei


e esqueci acuadas num canto,
dançarão comigo por salões inventados.
A porta deixarei aberta.
Cortinas translúcidas, entreabertas.
Dormirei agradecida.
Todo santo dia é dia santo!
Dia de sobreviver.

55
INFINITO?

Preocupação com o quê?


Pode ser frágil por décadas.
Eterno.
Essencial ser vero
na bonança e nos invernos.
Amor. Amor!
Estarás, da primeira
à derradeira viagem,
por caminhos de estrelas
ou pisando em pedras,
quando na reconstrução de castelos.
Sonhos importam.
O resto é nada!
Não... Não será imortal,
posto que viverá semente.
− centenária, talvez.
Se bem plantada e adubada,
resistirá,
assim como as sequoias,
as oliveiras,
os baobás.

56
PERGUNTAS DEMAIS

Foi aos poucos


− ou de repente −
que ele surgiu à sua frente
com promessas de resistir
ao vento dos canaviais?
Chegou trovão de verão,
chuvisco de abril?
Vestiu pele de ternura,
para se misturar à sua
em jogos de arrepios,
ou foi toque frio de água passageira?
Enfeitou-se com capa de luar −
vestimenta de pedras,
banhada em perfume angelical,
ou foram camadas de gelo
bordadas com miçanga irreal?
Dentro dele, segredos?
Fora, certezas poucas?
Foi plantação de risos
com o tempo certo do desabrochar
ou semente na terra
encostada à pedra a esperar
o dia, a hora, o ano?
Como foi?
Como é o amor realmente?

57
ATÉ QUANDO?

Por ignorar o que são sístoles,


(diástoles, o que são?)
basta-me um coração que pulsa.
Pulsa acelerado,
quando alguém revira a vida
como coisas de um balaio,
e depois parte sem direção
se desfazendo em nuvens.
Acelerado, pulsa
se a vida caminha lenta,
se corremos perigo,
se inventamos paixões,
encenamos prosa,
recitamos versos sem nexo,
inventamos sonhos e verbos.
E para brindar o tempo
entre risos, bebemos.
Sorvemos goles
da liquidez dos momentos
como se derradeiros fossem.
Afinal, quando me deito,
e dele ouço:
Carpe noctem!
Pergunto-me:
Até quando?

58
EXISTE

Removo montanhas.
Afasto espelhos e altares.
Eu sei... O que busco, existe!
E não virá numa estrela azul
ou no vento sul,
que passou zunindo
e nenhuma pista deixou
sobre o branco papel dos muros.
Tanta esperança...
Por vezes, parece vazar
e inundar a alma.
Noutras, transmite a calma
das planícies que aguardam
a bênção das chuvas.
Não posso me render
e deixar a desesperança incendiar
projetos e planos otimistas.
Eles não são palha seca de celeiro.
O que sonho, existe!
Talvez esteja escondido
no deslizar das horas,
na quietude das paredes,
naquilo que olho e não vejo
por trás das venezianas...
Existe!
O Criador não falha.

59
SEI... NÃO SEI

Sou alguém de perto,


de muito distante.
A inércia e a repetição.
Posso ficar horas perdida
nos terminais do quarto
vendo que a luz que bate-primeiro
assusta o silêncio,
depois, ricocheteia na cama.
Sou chão, árvore, trilha, ponte.
Margem.
Me sustento.
Me des-pen-co.
Exatamente da ponte citada
de muitos arcos e transeuntes.
Sou drone.
Vigio meus passos, sombra,
a saúde mental do rio da minha vida,
da nascente à foz ignorada.
Vigio a vida da minha vida
para saber se anda esférica.
Quadrada.
Me acompanho nas ruas.
Também desapareço para ver:
choro, rio, sorrio?
(O duelo com meus pensamentos
é mesclado mais de flores
ou de noites sem Lua.)

60
Sou peixe de aquário.
Sufoco com zero oxigênio de liberdade.
(Ah, o bem que faz a aragem
açoitando asas.)
Sou antiquada e futurista.
A que envelhece a cada dia
e a cada dia se renova.
O esperançar alimenta a alma
indignada com pó e ferragens
machucando o mundo.
Sei e não sei quem sou.
Creio ser normal ninguém saber
quem foi, quem é, se será...
Portanto, nem estranhe se
ordinariamente me ausento,
me desconecto,
me desinstalo de mim.

61
FLORES PERPÉTUAS

Por onde anda o amor


palha, álcool e chama?
Aquele amor afogueado
diluía brumas, pinçava
e resgatava estrelas.
Coração em terna folia
não batia... Cantava!
− Aquele amor analógico
tinha hora para acabar.
Sonhou sonhos breves,
dunas em fuga,
reis a galope, sem flor e cantiga.
Explodir do branco ao alaranjado,
após barreiras e tempo instável,
exige coragem de sempre-vivas.
Amor sem atrevimento
e sem arrojo de flor guerreira,
não enfrenta seara onde vicejam espinhos.
Não arranca espartilho
para preencher corpo e alma
com ares do novo amor invocado.
(Sem querer me indispor com os deuses...)
E se amores fossem
perenes flores do campo?
Amores-sempre-vivos
ad perpetuam
entrelaçados aos nossos corpos
sem debandada e adeuses?

62
SE SOUBER

Hoje, estou para aventuras.


Delírios... Insanidade...
...Embriaguez?
Conto, nas lutas, com o ombro amigo
− e o realismo −
de um homem de bem e bom senso:
Sancho Pança,
companheiro ideal nas batalhas e devaneios.
Enfrento sombras se movendo ao meu redor...
Certamente são inimigas do meu imaginário,
mas me intimidam e assombram.
(Ou eu as assombro, talvez.)
Meus moinhos de vento...
Nesse confronto entre passado e presente,
real o que é real.
Ideal o que é...
Nenhum Miguel aparece.
Nenhum Cervantes me diz.
Ninguém para tirar desse cavaleiro andante,
dos ombros, o peso da lança...
Por medo de enlouquecer
e não saber voltar,
rostos perdi.
De mim me perdi.
Quem vai me dizer se ainda há tempo
de lutar contra meus gigantes?
Hoje, estou D. Quixote. Decepcionado.
Quero recomeçar.
Fiel e lendário Rocinante,
pequeno cavalo magro, me diga, se souber...
Posso, pelo menos, sonhar?

63
LÁGRIMAS

É mais do que simples diálogo,


mais do que trivial conversa
o incansável pula-pula das gotas
no chafariz elétrico da calha.
Há mais do que beija-mão
no minueto rodopiado
dos paresmolhados,
deixando-se escorrer por tempo
− e chão − de insinuantes curvas.
Há bem mais...
Sobressaltadas lágrimas
giram por espirais circuitos,
buscando saciar a sede da areia
em frenético sapateado.
Tantas vezes morrerão de prazer
no verde colchão da grama.
Gota a gota.
Pingo a pingo.
Assim como as águas geladas
formam a banheira das águias,
chuviscos lavarão a canseira
do abandonado leito de um rio.

64
QUASE PÁSSARO

Por sobrevivência,
− acomodada nas torres de intermináveis fios −
ando a caçar nuvens.
Tenho dias de ir.
O silêncio traça as rotas.
Ora arrisco viagens longas,
ora sobrevoo terras minhas
de línguas desconhecidas.
Tenho dias de me esconder.
Por ares infindos,
sigo sem deixar rastros,
ocultando-me nos vazios.
Em meio a sonhos e planos
− planos e sonhos −
amo quem quero e...
sequer respiro!
Tenho dias de devanear.
A intervalos de vertigens,
tenho tempo de segurar o sereno nas garras,
bicar os insetos das paixões,
ouvir o zum-zum dos desejos junto às minhas penas.
Dias de ver do alto. Ver do alto...
Linhas do amanhã. Linhas de Nazca.
Linhas que se enrolam sem fim
no carretel dos anseios.
Deuses!
A liberdade confunde ideias.
Traz névoa aos mapas migratórios
e granizo aos sentimentos.
Tenho dias de não saber.
Fico (e me engano!) neste insólito céu inventado
ou despenco serena e lúcida
para a realidade dos naufrágios?

65
PASÁRGADA PARTICULAR

Então, que seja assim:


rápido e leve.
Sem orações e velas.
Dos choros, nenhum traço.
Das flores, nem a haste.
Insulto
arrancá-las da vida dos canteiros,
para dar-lhes destino de uma lápide.
Loucura querer guirlandas de papel,
cordel de verbos coloridos,
frases trançadas?
Terão mais perfume e cor
do que flores desmaiadas.
Cubram-me com palavras vivas
em álcool puro embebidas.
(Ou em éter encharcadas.)
Bêbadas de amor e bem-querer,
saberão me levar à terra dos sem medo.
Se nada é pior que a morte,
o que significará não sonhar com terra
há tempos prometida?
Partir sem ilusão de que existe chão
sem conflitos.
Sobre o peito?
Poesia e mais nada.

66
DE ENLOUQUECER

Jogava beijos às rosas cor-de-rosa


e brindava.
Botões cor de vinho
sorriam ao ouvir "felicidades".
Jamais pensou ser falta de juízo
responder "também-te-vi"
aos cantores do terreno baldio.
Era ali que lantejoulas aspergidas
brincavam de viver. Lindo ver...
Louco seria se impassível ficasse.
Braços cruzados.
Boca com tramela
diante de quem fez que não ouviu
o choro da madeira.
Louco quem diz que diz
ter colhido muito
e distribuído muito,
sem ter plantado o que diz que plantou.
Vai rever o dicionário.
Floresta em cinzas? Loucura.
Loucura ignorar a sede dos rios,
calor no Ártico e gelo nos corações vazios.
Loucura não gritar até ficar rouco
e louco
o que é insensatez.

67
FORJAR ROSAS

VIVER é acertar arestas,


fazer fino o ferro,
até o ferro fino virar rosa.
Depois, incansável espera...
No canteiro onde foi plantada,
quem sabe um dia,
talvez, a flor renasça
e faça reviver o coração
do jardineiro expectador.
Tudo tão improvável...
Viver é morrer forjando rosas.

68
AMANHÃ

Amanhã
a chuva lavará os lírios.
Momentos de segredos
continuarão como dantes.
Som dos pianos, guizos,
violinos...
O grito estridente do telefone.
Mesmo que o tempo mude,
uivos de lobos e homens serão idênticos.
A rosa será rosa no reflexo
dos cristais e vidros.
Ao raiar do dia, confraria de estrelas
repousará depois da lida.
Amanhã, reprise de lendas,
conversas e ladainhas.
Amanhã,
ao arrumarmos nossa cama,
tudo será como sempre foi.
Embora não sejamos mais
os mesmos.

69
À DERIVA

Toalha macia e felpuda.


A noite abraçou e enxugou o medo.
Cálida, dissipou o frio dos navegantes.
O que antes era barco vagando sem rumo,
agora é nau protegida:
céu borbulhante,
efervescente como champanha em dia de festa.
Para quem está perdido,
em desigual e injusta luta,
não é a noite que assusta.
(Para alguns ela é calmante.)
Tampouco o som dos corações aflitos,
quase por explodir na ansiedade do não chegar.
(Quando nada vai bem, é certo que a alma soluce.)
Preocupante mesmo, a desorientação.
Indispensável a estrela que aponta o Norte,
o vento que murmura mantra −
o verbo que só ele sabe.
Esperançar!
Nessas marés que todos enfrentamos,
na secura desse mar cotidiano,
− tão perigoso quanto o maior dos oceanos −
sem ajuda, sem alento, não passaremos pelas tormentas.
Que nunca nos falte a estrela que norteia,
a tábua de salvação, a bússola salvadora.
Uma biruta.
Simples e providencial biruta, que nos oriente.
Leve os maus, indique os bons ventos.

70
URGÊNCIA

Tudo tão premente.


Alma ansiosa,
com medo de não amanhecer,
vive dias e dias num só dia.
Quer da foto − a essência
junto à caixa de presente −
presenças!
Um pouco mais de tempo, sóis e luares,
para ver o boto se multiplicar.
Viver o renascimento das florestas
e a faxina urgente nos mares.

71
SEM PERGUNTAS
SEM RESPOSTAS

No galopar do meu tempo-tropel de perguntas,


ressoa incômodo eco.
Até esta hora, que me lê
e interpreta meu poema
(minha prosa)
como coisa de gente sem juízo,
por certo exclama: que loucura!
Confrontar lei divina...
Quem dera ter a leveza
do menino de assovio certo,
a quem a distância
do Sol, do céu, da Lua
pouco importa.
A fruta amadurece.
A fruta envelhece.
Tanto faz...
Tanto fez...
A ele basta o essencial.
Raso é raso.
Reza é reza.
Riso é riso.
Rosa é rosa.

72
O QUE SE FOI

Para trás...
Canções que não cantamos.
Cansaço.
Sorrisos esquecidos.
O flamboaiã floriu. Não vimos.
Perdemos luas e vertigens!
Nas terras do ontem,
Deixamos sonhos e veredas,
pedaços de coração e alma.
A palavra que vibrava na garganta,
caída ficou sobre a língua.
Sai... Não sai...

E tudo de belo que vivemos.

Ah, tantas horas perdidas


com clichês de nada!
E o que importa agora?
Importa que hoje é domingo,
dia como outro qualquer.
Dia de amarmos como nunca,
esquecidos da página virada.
Porta aberta para novos dias.
A porta de saída.

73
FRAGILIDADES

Não sou albatroz destemido


que a fúria marinha enfrenta.
Do lobo tranquilo,
diante da pradaria devorada,
nada tenho.
Nem as garras,
nem a força.
Sequer os uivos.
Sou água gelada,
medrosa das labaredas.
Um ser buscante.
Lua em transição
à procura do calor do Sol
em algum lugar do firmamento.
Por isso, em catedral invisível −
agasalho de velas e vitrais,
me refugio.
As paredes me ouvem e o ar,
povoado de nada, me espreita.
Imagino vida nos veios
do mármore veneziano.
Há alguém... E esse alguém
me ama!

74
TRANSPOSICÃO

Quanto a transpor pontes...


Ah, difícil é vencer nossas águas
fincadas em solo de desejos.
Difícil sermos indiferentes
à realidade dos espelhos
e daquilo que verdadeiramente
nos faz − pedestres e passagem –
Pontes e nós.
Narcisos!
Rostos vislumbrando poesia.
Água doce nos pilares.
Barcos nas espumas dos rios.
Pedras e peixes transparentes.
E a ferrugem dos arquétipos?
E as tempestades nas colunas?
Nossos corações explodem,
quando Waterloo e Tâmisa não respondem.
Não seguir para a margem contrária
é escolher não possuir
o que dorme na cabeceira de outra ponte?
(Não ir... Será ficar atado aos corrimões da mente?)
Ah, frágeis pontes de bambu fincadas
em pensamentos arenosos.
Como transpor nossos rios de líquidos internos?
Eles sim, desafios! E nem Madison responde!

75
PRETENSÕES

Cavalgar tigres.
Cultivar porcelana.
Escrever na água dos regatos.
Usinar lembranças de vidro.
(Encharcar-me ao sol,
secar-me à sombra da chuva.)
Quero o improvável: colher voos,
semear sereno que lave lágrima
por lágrima.
Ouvir cantatas que, riscando céus,
arrastem contendas,
amansem loucos.
Obrigatoriedade para esquecer
tudo que mereça ser esquecido.
O que desalma a alma seja
abandonado
em local
onde não possa mais brotar.
Talvez jogado ao fogo das feitiçarias,
talvez submerso em horizontes
perdidos.
Ser de argila e aço.
Ambiciosa?
Do possível eu tenho!
Deem-me o impossível.
Fibra viável – fio invisível –
Que una meu mundo de quimeras
ad finem
mundo das impossibilidades.

76
ALTO-FORNO

Quem dera
o coração se alimentasse
apenas de sonhos dourados.
Involuntárias são as pedras
vindas na esteira dos dias
até tão exíguo quarto.
Indesejável lava ardente
ocupando espaço,
incômoda e pontiaguda farpa
perfurando sentimentos.
Borbulhante ferro gusa
queimando o inconsciente...
Quem dera
o coração não fosse alto-forno
a engolir o imperfeito,
o inconsequente, o impuro...
Quem dera se trancasse para tudo que leva
a riqueza dos sorrisos...
E se abrisse − escancaradamente se abrisse −
unicamente
para a entrada dos pássaros.

77
ALICE

Adormeça o despertador.
Sem pudores, sem temores,
embarque e seja a menina pura
de flor nas tranças.
Ou melhor, seja você
em nave estelar
− pirotecnias pelos ares.
A bailarina, a amante,
a gueixa, a santa, a nem tanto...
(Ao acordar, desista de buscar simbologias
do que há por trás de insólitas figuras...)
O amor será seu guia por locais
distantes das indiscrições.
Aliás, e é fato,
jornada de visionário
nenhum marisco delata.
Bem-te-vis são surdos-mudos!
Com transparência de água,
atravesse vales únicos.
Incógnita, durma nas praias,
cartões-postais
que submergirem da memória.
Embriague-se.
Embrenhe-se na mata e mate horas erradas.
Exilada em si − deixe o sopro da claridade
durar o tempo do sempre.
Sonhar é deixar o coração livre
para reconstruir as horas.
Assombre-se.
Viva a lógica do absurdo de Alice.
Sonhe até perder o fôlego!

78
CLICHÊS

Tudo igual.
O som da água na pia.
Incredulidade no espelho.
O gosto do creme dental.
A falta de rostos à mesa.
Café e pão.
Café e pão.
Café e pão.
Tudo exatamente igual...
Na tarde quente, o sono do cão.
Nuvens carrancudas prevendo
temporal assustador de árvores.
De árvores e gentes!
Café e pão.
Café e pão.
Café e pão.
Cai a noite...
Em algum lugar sobe a febre dos amantes.
No cio do silêncio caio em mim.
Insônia.
Insônia.
Insônia.
A mente um isqueiro!
E o relógio insensível
a soletrar coisas ininteligíveis.
E uma voz em impossível dialética
soprando o que não posso repetir.
− Hipnose, por favor.

79
ALIENÍGENAS

Ponto final.
Reticências...
Seguiremos assim.
Como ontem soubemos.
Como se não soubéssemos
que hoje somos
meio inteiros.
Inteiros falhos.

Folhas trêmulas.
Flores acesas entre ramos
de insensatez e devaneios.
Somos amor.
Somos tóxicos.
Somos secos.
Parimos poemas!
(Confissão desnecessária, mas que acalma
a alma em dias de céu opaco...)
Ainda ousamos − ímpar atrevimento −
a consistência nos solos insólitos das nossas luas.

80
INTERVALO

Deve haver um lugar


reservado.
Área VIP,
onde nossos sonhos,
suspensos no tempo do agora,
se equilibrem em chão e céu ausentes.
De consistente, duas colunas
em formato de braços.
Esculturas fortes que assegurem
que o amor, caso despenque...
Levite.

81
ESTRATÉGIA

Se a solidão chegar de assalto


− canivete e punhal amolados −
para cortar corpo e alma
e deixar-te em fragmentos...
Não a expulse.
Se chegar mansinha − implorando cama e colo,
refúgios acolhedores e mornos no oco do peito...
Não a expulse.
Vã tentativa.
De dor e vazio ela tudo sabe.
Inclusive a hora do chegar.
Trapaceie... Rememore o primeiro amor.
O amor mais recente.
Mostre-lhe fotografias vivas
de dias felizes e noites azuis,
em que o sôfrego coração
passou mergulhado em ilusões.
Deixe-a rolar na verde grama
ouvindo a música que os rios cantam:
canto desconhecedor de tristezas,
canção de sobrevivência.
Ao ouvir o coração caçador,
que pulsa e voa cegamente
em busca de alimento,
saberá a hora de partir.
Solidão não se rega − nem se deixa morrer de sede.
Adubo apressa a floração
sem garantir frutos doces.
Se vier soltando labaredas,
fuja do confronto.
Seu companheiro − o silêncio −
espalhará ruidosos sons de portões enferrujados.
E eis a realidade adentrando!
Nem ausente, nem fixa.
Sem ela a preencher vazios, o que sobra?
Sobra o quê?

82
MAS VENHA!

Se não hoje...
Amanhã, talvez?
Porta aberta, sempre aberta,
espera por você com ansiedade.
Serei eu, totalmente eu e completa,
se no verão das mangas,
na época das monções,
do plantio, da colheita do trigo,
você chegar com passos encharcados,
ou desorientado pelo calor
a derretê-lo de cansaço.
Se não for pós-amanhã,
ou depois do depois sem data,
me contentarei em vê-lo.
Quando branquearem as árvores.
Quando eu já não for a mesma.
Quando você for outro.
Até quando a memória recordar
que jamais deixamos de ser um do outro,
esperarei seus abraços.
Chegue em dias pares, ímpares,
dias de Lua, noites de Sol a pino...
Se não hoje,
− neste agora em que morre o velho ano −
que seja então a qualquer momento
de qualquer momento dos novos anos.
Mas venha!
Desenhei porta de giz.
Abra-a! Não há tranca.
Entre de repente.
E ceie comigo na noite sem meia-noite.

83
TIMIDEZ

De derrubar goiabas não foi!


Foram lágrimas poucas,
de nuvem envergonhada.
Choro miúdo.
Pranto de goteira.
Para lavar o telhado e encharcar a samambaia
(a ponto de ela sorrir).
Foi coisa pouca,
mas garantiu felicidade à rosa sedenta:
boca aberta, olhos cerrados,
a sorver cada gota com pensamentos apaixonados.
À água lambe-lambe de hoje,
− alma sem vocação de lama −
que se foi sem estardalhaços
e nos pés dos bichos deu espirros,
alardeou cachoeira e foi pingos,
deixarei porta aberta.
Luz apagada.
Lua encoberta.
Paraíso deserto.
Toque-toque sensual na calha...
Pela madrugada − aguardo namoro mais excitante.
Coisa que valha!
Um certo aguaceiro, para ter terra prenha!

84
DESILUSÃO

Desilusão é ilusão diluída.


Vida aguada.
Perdido o gosto do sim,
se esparrama qual chuva fina
e encharca amor anunciado.
É dor escorrida da carne
que se imaginou dona do cofre,
da caixa,
da concha, dos segredos,
das colheitas fartas
e dos imorredouros mananciais.
Desilusão é ilusão desvestida,
pobre ave perdida,
nua,
faminta e quase morta.
Vem para abocanhar
o que queríamos só nosso.
Ou será realidade de noite clara
e, se sonhamos sonhos sem manchas,
− sem pontos de exclamação −
nos acorda com tapas.
Nos sacode.
Nos assusta e põe em frente
depois do beijo são da verdade...
Desilusão, se não é taça cheia,
é vazio para ser preenchido
com a claridade do algodão.
Se não é cárcere,
é gaiola de penas cativas,
que devemos soprar, soprar...
Deixar que voem voos largos.
E se percam nas tardes
que se fingem infinitas.

85
DESCAMINHOS

Desconheço caminhos largos.


Ando por trilhas.
Vou e volto.

Retorno com passos inseguros,


margeando a orla sem mar.
Buscando... Em vão buscando.

Bússola que poderia orientar


me desorienta.
Procuro. Não acho.
Sigo por estrelas impossíveis.
Corro para o destino sem paisagem
e penso, penso em ficar por lá.
Pergunto-me: onde a ponte pênsil
e a estaiada, que atravessam
rio−destino e águas de mim?

Rota 66 da felicidade.
Miragem...
Entendo agora quem sabe das estradas
e feito concha fechada e muda
nada diz.
Se cala...
Somente eu, andando por descaminhos,
encontrarei caminhos que não sei.

Volto ao espaço.
E que não seja inútil
a busca por um chão de palavras.
Talvez me veja próxima à fronteira
onde verbo sem nome − ou uma seta −
me oriente a me encontrar comigo.

86
SIM OU NÃO

Sinto falta dos passos,


cheiros e sons de amores meus,
canto múltiplo e único
igual ao canto dos canários e sabiás...
(E você não?)

O galope do amanhã,
tão perto que se faz ouvir,
vem pronto para ultrapassar a barreira das horas.
Quem há de ignorar... Virá, é certo!
Mas é necessário exercitar a surdez,
ficar um pouco mais preso ao ontem,
aninhado em tempos de enlaces.
Desse tempo de agora, que hipnotiza.
E dele não abrimos mão.
Faltam luzes que iluminavam caminhos.
(Não?)

Falta certa embriaguez, certo feitiço.


Faltam vozes ecoando nos ouvidos.
E o que restou da apoteose dos abraços.
Alumbramentos... Paixões incontidas!
(Não?)

Não lhe faltam momentos de eclipse?


Cada coração sabe do reverso dos seus dias,
das falas que pontuaram cada página da vida.
Sabe dessa escrita desatada, cheia de nãos,
que também − dia sim, dia sim −
se enrosca no novelo da saudade...

87
SOBREAMOR

Não te amarei, hoje.


Tenho amor para além desse dia
de horas que se apagam
iguais às velas de aniversário.
De agora, até à noite,
flores e folhas fenecerão.
A felicidade seguirá o vento
que na sequência arrastará
minhas palavras vestidas
de plumas e plumagens
para outras paragens.
Não hoje. Não agora.
Amor apressado tem juras rasas.
Promessas afobadas.
Te amarei quando pontos
de interrogação não mais
habitarem textos da minha alma.
Ate lá, não mais estarás
do lado esquerdo de mim
e sim espalhado por todos os meus cantos.
Entenda amor...
Meu amor não é por enquanto.
Te amar hoje...
É pouco!

88
BRAILLE

Lentamente toquei na palavra


humana!
Ao meu toque ondulou, vibrou,
sentiu arrepios, disse-me algo
baixinho.
(Vim a reconhecer a voz depois.)
Lentamente a palavra me leu.
Pele com pele... Sutis carícias...
Tocou minha fronte,
percorreu meu corpo (calafrios!),
soprou alegria no meu rosto
passando-me rubor e viço.
Teria me reconhecido?
Tornarei a tocá-la.
Por mil vezes hei de querer tocá-la.
Palavras são rosas.
Com um toque é possível sentir
a cor da pele da pétala,
sentir da pétala a carne –
de branca, a escarlate!
Sensível flor!
Eu me lembrarei do calor do corpo dela.
Humano!
Ela se lembrará do meu toque.
Menos humanidade do que o dela.

89
PROCURA-SE

Quem queira viver imerso


no corpo etéreo da poesia,
seja semente de boa polpa,
de boa estirpe,
e no útero da musa se deite
tal qual areia adormecida
no leito preguiçoso do rio.
Tenha chispas no olhar!
Na tábua lisa da língua,
conjugue verbos de risos,
que agucem a libido das palavras.
Chore também...
Na tristeza, se reconheça feliz
por rir de coisas de dentro
e de fora – sem sentido.
(Poesia é dor e alegria!)
Seja água e fogo.
Pólen e meteoro.
O raso e o precipício.
Silêncio. Burburinho.
Haverá de ser – disso não se abre mão,
um ser hipnotizado por estrelas no teto
piso de nuvens.
Que saiba esperar por novo Sol,
mesmo o mundo se acabando.
(Afinal, poesia é fé!)
Santo e erótico...
Procura-se quem engravide as vidas de versos!

90
O QUE É MEU

Quanto de tudo e de todos carrego comigo?


Quanto é cópia daqueles por quem nutri admiração?
Nessa mistura liquidificada de meus ancestrais,
com o que a vida me deu,
me diga quem souber:
− O que é meu, o que é meu, o que é meu?
Rostos tatuados se espalham por minhas células
e sequer disfarçam feições de outras primaveras.
Fixamente me olham com olhos que − juro − parecem meus.
Me reconheço nas linhas e traços, timbres e vozes,
pausas e compassos.
Meu sangue tem cor e textura das seivas dos quintais,
onde todos cresceram.
Não é rubro. Verde folha, como jade.
− Sem preconceito de cor, nada contra o azul da realeza –
Sabe do que falo quem cresceu
conectado à intrincada rede de galhos.
À beleza dos pomares.
Esse engatinhar em meio às palavras.
− Criança a brincar com bolhas de sabão –
O jeito de falar, manias e descompassos.
Temperos e temperamentos.
De quem terei herdado?
Me diga quem souber, me diga, por favor.
Há pouco de nós em nós.
Tudo e todos nos povoam.
Um misto de retângulos coloridos e bem costurados
nos fazem colcha de retalhos.
Patchwork acolchoado arrematado com linha de DNA.
Não são meus os meus acertos.
Os erros que cometi tampouco.
Absolvida e isenta de culpas estou.
Estamos.

91
92
ÍNDICE

SOMENTE PALAVRAS 7
SIMPLESASSIM 8
OUSAR VIVER 9
SIMPLESMENTE AMOR 10
INDOLÊNCIAS 11
QUEM NÃO? 12
REVIRAVOLTA 13
ATRAÇÃO 14
FUTURO DO PRETÉRITO DO INDICATIVO 15
ENTREMOMENTOS 16
ADIAMENTOS 17
PEDIDOS 18
DE REPENTE 19
AVALIANDO 20
POETA 21
REALIDADE FAZ DE CONTA 22
FUGA 23
SEMEANDO ILUSÕES 24
AMBÍGUOS 25
ALTERNÂNCIAS 26
TURQUESA 27
VIDA NOVA 28
DUVIDOU 29
EXATIDÃO 30
QUANDO? 31
ORAÇÃO 32
VÉSPER 33
ATO CONTÍNUO 34
OLHARES 35
PERDÃO 36
TUDO COMO DANTES 37
EXIGÊNCIAS 38
CONVITE 39
SONHO? 40
AO LADO 41
SOLSTÍCIOS 42
ALVARÁ 43
DESAPRESSADA 44
INQUIETAÇÕES 45
PARADEIRO 46
RESPOSTA 47

93
RELÓGIO DE DALÍ 48
ASSIM SERÁ 49
INSIGHT EGOÍSTA 50
INDEFINIÇÃO 51
ESCOLHAS 52
MISTURA PERFEITA 53
TURISTA 54
DIA DE SOBREVIVER 55
INFINITO? 56
PERGUNTAS DEMAIS 57
ATÉ QUANDO? 58
EXISTE 59
SEI... NÃO SEI 60
FLORES PERPÉTUAS 62
SE SOUBER 63
LÁGRIMAS 64
QUASE PÁSSARO 65
PASÁRGADA PARTICULAR 66
DE ENLOUQUECER 67
FORJAR ROSAS 68
AMANHÃ 69
À DERIVA 70
URGÊNCIA 71
SEM PERGUNTAS SEM RESPOSTAS 72
O QUE SE FOI 73
FRAGILIDADES 74
TRANSPOSICÃO 75
PRETENSÕES 76
ALTO-FORNO 77
ALICE 78
CLICHÊS 79
ALIENÍGENAS 80
INTERVALO 81
ESTRATÉGIA 82
MAS VENHA! 83
TIMIDEZ 84
DESILUSÃO 85
DESCAMINHOS 86
SIM OU NÃO 87
SOBREAMOR 88
BRAILLE 89
PROCURA-SE 90
O QUE É MEU 91

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Este livro foi impresso
na Gráfica Allcor
em outubro de 2019.

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