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Expiação

T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Expiação

EDITORA MULTIFOCO
Rio de Janeiro, 2014
EDITORA MULTIFOCO
Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda.
Av. Mem de Sá, 126, Lapa
Rio de Janeiro - RJ
CEP 20230-152

REVISÃO
Frederico Duarte Pires de Souza
Yuri Manzi Giani
CAPA & DIAGRAMAÇÃO
Anna Julia Clementino

Expiação
VICTÓRIO, Thiago

1ª Edição
Outubro de 2014
ISBN: 978-85-8273

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem
prévia autorização do autor e da Editora Multifoco.
Prefácio

Nem todas as poesias rimam. E nem por isso o agir


poético do poeta é desprovido de grandes melodias. Thiago
Victório, antes de brincar de poeta, é um músico. O contrário
também é igualmente verdadeiro, antes de ser músico, Thiago
é um poeta. A musicalidade de suas poesias e a poeticidade
de suas melodias caminham juntas. Juntas na expressão de
seu mundo. E como um ourives, Thiago lapida sentimentos
em palavras. Aqui, ele nos convida a aventurar-nos em seu
mundo. Um mundo tecido no âmago de suas experiências em
relação a vida e as aberturas que esta o tem ofertado. Observa-
mos em primeira mão suas angústias, suas opiniões, suas sen-
sações, suas rotinas, suas leituras, seu apego e desapego pela
vida, seus amores, suas escolhas, suas preocupações consigo e
com o próximo, e, como na caixa de Pandora, bem ao fundo,
mas não menos importante, suas esperanças. Mas o que nos
encanta aqui, é que para lá de toda poeticidade, o trabalho de
Thiago, o seu mundo expiado, é o mundo de todos nós. São
as desventuras do homem-cotidiano. Com o rigor do poeta,
sim, mas como um espelho, podemos olhar sua vida e nos
vermos refletidos, em menor ou maior grau, nas suas expia-
ções. E o título não poderia ser mais adequado, Expiação, do
latim, expiatione – é a busca pelo saciamento. Um saciamento
transcendental. Uma luz divina que pode iluminar as trevas
de nossos fantasmas passados. É um perdão por nossas falhas.
Perdão esse que nós mesmos podemos nos oferecer. Mas aqui,
expiar carrega também outra significação. Outra satisfação. O
que seria? Eu tenho um palpite. Mas prefiro deixar a cargo de
sua leitura a procura por tal resposta. Expiem-se.

Frederico Duarte

Goiânia, 20 de agosto de 2014

Frederico é publicitário e mestrando em Comunica-


ção, Mídia e Cultura pela Universidade Federal de Goiás
Expiação

Assim Será o Amanhã

É o amor essa comédia de erros que aplaudem

Que o vulgo julga imprescindível ao bem-estar

Que a poucos contempla com o troféu da vitória

Ofertando a tantos tão somente uma medalha enfer-


rujada

É tal seu poder que impetra habilidoso

Mormente o rigor da defesa o inefável toque da obs-


tinação

Atraindo para o seu covil de lobos

Afora a birra dos que pálidos de tanto resistirem

Apartam-se do aprisco e são capturados sem hesitação

Tanto os mais velhos quanto os mais moços

Como á ovelhas cegas rumo ao matadouro

No exercício pleno da arte de serem livres

Foram assim arbitrariamente encurralados

Vencidos no embate violento contra a fera bestial que


os oprime

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Rosnando numa exibição gratuita de truculência e


maldade

Abrindo mão de seus valores e princípios

Em detrimento deste sentimento novo que os invade

Compatriotas de um mundo destruído pelo vírus do


individualismo

Parcela insignificante detentora de um bem inegociá-


vel

É a vocês que nossos bisnetos estarão aplaudindo

Quando as cápsulas do tempo forem abertas

E seus anseios traduzidos em verso recitarem

Ali debruçados sob o alvorecer de um futuro impre-


visível

Talvez sem já as necessidades que importunas fazem-


nos corar

Como mendigar a atenção encorajadora

Ou suprimir da personalidade o que o outro despreza

Suficientemente evoluídos para entenderem o coefi-


ciente da alegria

A lembrança sem a tristeza da nostalgia

Vivendo num paraíso onde o amor não seja a moeda


de troca.

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Irmãos

Malgrado a distância fulgura inda


Comensal das instâncias últimas que a vida
Quis no estertor de um parto assim me tornar
Irmãos queridos das confidências primeiras
No batismo único de risos e lágrimas

Buscando incansável, mormente os erros


No trato com o próximo me aperfeiçoar
Comedido embora a exigência do tempo
Recrute o passo também a errar
Por ermos caminhos de beleza inóspita
Avançando passo a passo até encontrar
Nos olhos pungentes de uma certeza vultosa
A alegoria de uma ternura ímpar e singular

O apreço que não mereço


Amparo e desvelo que em ti a vitória
Sobrepuja e se esgota
Para o deslumbre que pueril nos tolos
Em nós faça-se esplendoroso
Mãos maternas a nos acariciar

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Lembrando-nos do lugar de onde viemos


Recordações de uma árvore e sua sombra
Crianças descalças pisando na lama
Abusando da liberdade incomensurável de serem
amadas.

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Poema Familiar

Está decidido agora

Ei de lograr o êxito das palavras e me apropriar

Nem que por um breve momento a fugacidade de um


tempo

As vistas de quem quer que se atreva a decifrar

Nos olhos prenhes de uma vultosa simplicidade

A ternura fraterna que me inspira tais versos

Singelos como uma lembrança de infância

Que a mente arguta e teimosa se recusa a abandonar

Das irmãs os cabelos balançando ao vento

Do sorriso inocente nas faces de porcelana

Do irmão as apostas que a disputa por atenção nos co-


brava

O mapa do tesouro há muito descoberto redescoberto


todo final de semana

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Dos avós o aqueduto fresco que atravessa o caminho


ermo de nossas vidas

Para lembrar-nos que apesar da aparente calmaria


pode haver dias de escuridão

O rompante de extremo cuidado aos tios delegados

Praticados com tamanha devoção

Dos pais o toque primordial definindo o padrão com-


portamental

Ajustando os níveis de frustração e entusiasmo

Dos primos o universo mirífico arquitetado para a


fuga obstinada rumo a aventuras que só as mentes
mais brilhantes são capazes de confeccionar

A paz que se exprime tímida tingindo de respeito à


aleivosia jamais vista no sorriso da mulher amada

E está feito o que outrora somente idealizado

Contudo onde os valores afamados da família estão


devidamente catalogados

Urgi a excelência de o contexto abrigar dos amigos a


soma incontestável

Considerando não uma acepção, porém um adendo!

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Expiação

Que o sendo na particularidade de uma finalização,


com chave de ouro ei-lo de encerrar.

Dizendo o quanto sou grato pela segurança doravan-


te proporcionada ainda que migalhas de atenção des-
pendida em meu alento por cada um de meus amigos
“verdadeiros”

Agora sim acho que já basta!

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Existencialismo

É real a casa?

O chão sobre seus pés?

A resposta retrátil de um corpo ao frio?

Cócegas na barriga do filho recém-nascido

O pijama, um par de pantufas velhas, a escova de den-


te, o sabonete íntimo?

É real o peso da cabeça de quem se espreguiça em seu


peito?

A pirraça de mãos carinhosas prendendo, divertida


seus dedos

A fuligem na borda das chaminés?

É real esse fruto de sabor adocicado embora ácido

O suor minando por baixo da roupa, formando uma


nódoa viscosa

O odor, o asco, seu hálito, a ausência ou não de per-


fumes?

A manhã que se aproxima tímida

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Uma tarde que vacilante se esparrama

A noite que tudo abarca voluptuosa?

É real essa suspeita do porvir?

Sursis de apreensões que lhe acomete de repente

Em que o “eu” não se reconhece, e o real se reveste de


uma nova forma?

Será real essas paredes caiadas, frias cúmplices de mi-


nhas cismas no breu?

Delimitando os rumos de minha loucura, no horizon-


te dos deuses

O autoexílio inatingível em que o orgulho padeceu

Esses selos nas correspondências que recebo?

As mensagens que envio por Hotmail?

Eis o holocausto das certezas

A hecatombe de crenças a me perfilarem os sentidos já


habituados a negar

Será que verdadeiramente existo além desse sistema


finito de matéria orgânica?

Ou apenas insisto conscientemente em acreditar?

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A Queda

O “foda” de subir pelas escadas é topar algum conhe-


cido

Mas depois do décimo primeiro todos usam o eleva-


dor

Fosse-lhe possível consultaria as horas

E aproveitando saberia se recebeu algum torpedo

Pensando justamente nisso foi que deixara

No apartamento o seu celular

Devidamente desligado em cima da cômoda

Vai que no momento preciso alguém resolva te ligar?

E sendo justo não duvidar da sorte lhe emocione a


ponto de fazer-lhe fraquejar?

Já lhe disseram desde criança que com certas coisas


não se deve brincar

Por isso mesmo odiaria ter de fazer algo se não tivesse


plena certeza

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Um rompante ínfimo suspenso e era coragem

Uma sentença otimista emudecida e era um pedido de


perdão

As estrelas testificam a convulsão inflamada de seu


semblante inquieto e esperam

Mas a figura desgraciosa no alto do prédio reluta em


pular

Não assim! Feito folha seca que desprende do galho e


se joga

Não assim! Ferindo a serenidade desta noite desditosa

Que das suas angustias tamanha indiferença ousa de-


monstrar

O “foda” é que verá por certo outra manhã lhe sorrir


jocosa

Somando-lhe prazerosa outra moeda a sua já imensa


pilha de azar

Peso morticínio ao invés de um par de asas

No lugar do macio travesseiro a solidez áspera do im-


pacto de sua cabeça contra o chão

Um grou desenha voos circulares contra nuvens capri-


chosamente tenebrosas

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La em baixo um carro passa devagar

E antes que os faróis se percam na penumbra

Iluminam e revelam a fuga de um gato deixando atrás


de si uma lixeira revirada

Sob o gris azulado ele lê as linhas tortas de um bilhete


escrito às pressas

Submete-se a imaginar o corpo destituído da animosi-


dade que lhe impulsiona

Nada além de uma gélida matéria orgânica sem fôlego


de vida

No fundo escuro e vazio de um calabouço nauseabun-


do chamado existência

E sente-se incompreensivelmente pequeno e leve o


bastante para desprender-se “de seu galho” e flutuar

Uma folha solta ao vento em sinuosa, lenta, saudosa e


derradeira queda.

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Futebol e Outras Coisas

Quando digo que me falta algo

Do entusiasmo febril das torcidas

Refiro-me ao desdém factual em nada observar

Além das camisas coloridas, contusões, bandeiras e


bolas

Se me entretenho em tais assuntos logo revelo

Quer por gestos ou outra irremediável forma

A insignificância que ao tema relego

Às vezes supondo entrementes aceito

Que no fundo o certo é que os invejo

Traindo a expectativa daqueles que esperam

Palpites técnicos, exclamações, impropérios

Ou algo mais de minha desanimada pessoa

O portento sonoro reverbera dos estádios

Numa apoteose de desmedida emoção

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Ao que meus ouvidos acolhem sem nada despertar

Daquele desmensurado golpe que faz palpitar

No peito de quem assiste a um belo gol

Paixão fortuita, intempestiva e sonora

Sou do tipo contrário que revoga

Pra si o direito de em nada opinar

Conquanto a fim de validar por hora

Aqueles sentimentos genuínos que relego

Ao rol sacrossanto de meus desejos

Sem, contudo deles fazer segredo

Outrossim, tão somente poupa-los

Do olhar indiscreto de seres profanos

Egoísmo a parte, sei que o que realmente venero

Daquele que se entrega ao dom da arte

Austero, implacável e sem piedade

Seja o desprendimento do orgulho ou o coração sin-


cero

Não é a fonte abundante no caráter às vezes

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Expiação

De quem vergonhosamente recebe o mérito

Caso haja e se houver dentre esses

Aquele que por valor se sobressaia

No futebol, dança de salão, jogo de botão

Ou outro esporte ou arte que o valha

Tão logo corrompe-me a auspiciosa descrença

Uma certeza quase visionária

De que as decepções frustram as melhores apostas

Ou de que da fogueira das vaidades,

Ninguém incólume será capaz de escapar

Não reivindico a contento a alcunha de âncora

Nem dá-me seguramente o prazer na fossa

Sou só o cristal nas mãos cavernosas da dama do tem-


po

Bruxa implacável que deduz das coisas o que proveito


poderá tirar

Traçando novas rotas para as rugas que se espalham


no rosto de alguém que apenas sonhou

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E que ao abrir os olhos, reconheceu-se velho diante do


espelho e pra seu desalento nota

Que nada , nada, nada...pôde realizar.

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Volta às Aulas

Passou despercebido como sempre e entrou

Contou trinta e dois passos até aonde deveria parar

Um segundo e já não teria mais volta

Pra bancar o louco talvez devesse gritar


Mas já ninguém duvidava que houvesse algo de erra-
do

O excessivo suor e o tremor das mãos te denunciaram

E quando a arma disparou os alunos descobriram

Quão estreito era o corredor


Acotovelaram-se em vão para caírem desacordados
logo à frente
Na bolsa havia munição para uma pequena guerra,
mas sabia que não haveria reação da parte deles
O riso estranho no seu rosto, um olhar indecifrável
Nada disso foi o suficiente para deduzirem o desfecho
fatídico
Ninguém ali sentiu o estômago retorcendo com a dor
de um soco
Ou tiveram que prender a respiração para não afogar

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com água do vaso


Ninguém ali se lembra do pirralho barbarizado pelos
valentões descolados
Inventando uma desculpa nova para os pais, sempre
que chegava da escola com o rosto ensanguentado
Todos são exímios em descrever com frieza de deta-
lhes o mal infligido
A atitude bárbara e covarde de um massacre “ sem
motivos”
Mas quantos desperdiçariam um minuto de suas vi-
das perfeitas,
Pra ceder um gesto de compaixão, um riso ainda que
falso, um largo abraço ou aperto de mão?
Só isto e eles não sabiam, bastaria para evitar
Como um observador espreita a terra esperando a
hora certa de plantar
Não houve chuva de bonança e as ferramentas para o
arado enferrujaram sem serventia
O ceifador amolou a foice, cobriu-se com o capuz e
caminhou até o fim da escada
Refletiu sobre o que tinha feito e pra seu desespero
não houve arrependimento algum
Tão somente o medo de ter de arcar com as conse-
quências
Deram um rosto para o monstro nos noticiários
O que rendeu alguns préstimos de valorosa atenção
As famílias choraram sua perda, e o massacre virou

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manchete nacional
Ávidos em explicar por contingências o quão estavam
perdidos.

Um a zero para o lado negro da força

A ferida é mortal no mundo real

O véu diáfano que oculta traumas intratáveis

Que tão bem aprendemos a disfarçar

É o que separa o vilão do herói

O mocinho do bandido

Um delinquente infrator

De um jovem promissor com QI acima da média

Não! Não é piada de humor negro

Reinventamos a nosso modo uma forma de chocar

Matamos como os norte americanos

Como aprendemos tão rápido a fazer o que não pres-


ta!

Mas sofremos de outro tipo de vergonha

A de não sabermos evitar a repetir as mesmas tragé-


dias

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Que como um ciclo vicioso espalha-se ao redor da


terra

Uma nova etapa evolutiva selecionando animais irra-


cionais

Arrebanhando ovelhas desgarradas para um abate


silencioso

Num convite de evento rapidamente compartilhado


por todos

Nas escolas, no trabalho, nas creches e salas de bate


-papo virtuais.

Venham prestigiar a morte de seus filhos

Herdeiros do youtube, facebook, whatsapp , e chaci-


nas ocasionais.

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A Expiação

Empunho a lâmina de brilho metálico

Somente a dor irá me libertar

Da vasta paisagem isolada de qualquer esperança

Recriando formas inumanas sob o solo fumegante do


deserto

Grito! Alto e desafio a inclemência do silêncio a ecoar

Meu lamento reverberante nas crateras

Além daquelas miragens o vulto indiscreto da vida


moderna

Benze-se contra o mal que sobre mim padece

Angariando o respeito das criaturas da noite, pois re-


conhecem.

O mesmo instinto que as fustiga a lutar

Aquém das motivações em contrário e das intempéries

Aquém da fúria selvagem de nossa própria natureza

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Ouço o murmúrio de vozes distantes dizendo só o que


quero escutar

Abençoando o dia da minha morte

E agradecendo tudo que as ofereci em vida

O rubro mundo de veias interrompidas esguicha

Grosso o líquido que logo coagula pra fora

Dos limites do corpo que em lento abandono

Entrega-se a modorra prazenteira do descanso nas


sombras

Longe do sol intenso e seus efeitos

Da aflição de saber-se ainda lúcido e, portanto ainda

Ciente da incoerência religiosa e seus adeptos

Da primitiva forma que se renova para nos lembrar

Que o pecado é intrínseco e por isso a culpa

Espumante e vergonhosa como uma secreção puru-


lenta

Seu rastro em mim pra sempre irá deixar

Por isso recorro a essa lâmina de brilho metálico

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Expiação

Que exerce fascínio e repulsa ao mesmo tempo

Indiferente e fria como seus olhos

Abrindo espaço para alcançar o que a percepção me


nega

Sangrando de bom grado em um alto flagelo

Dos pecados a remissão você me entrega

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Remédio Amargo

Precisas é de uma mulher

Sobretudo das que te amem sem cessar

Das que acarinham o ego fujas

Nenhuma mulher que se preze bajula sem intenções


segundas

Suporte-as enquanto tens fôlego

Sem elas não teras tristezas, nem alegrias que julgue


verdadeiras

Aproxime-se com cautela, e espreite o convite do olhar

Consinta o menosprezo pois é assim que se testa

A paciência de quem vence o orgulho e se entrega

Aos caprichos e firulas, destas mordazes donzelas

Cuide-se antes que seja tarde

Para rever seus conceitos sobre chorar em público

Pois olvidarão inclementes seus olhos marejados

Como a um inseto desprezível

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Serial Killer

Sobranceiro e caricato

Arte inata de humilhar

Sobre um pedestal de desigualdade

Fulminando-as com seu olhar

Espreitando sorrateiro

A presa despudorada que se serve

Exibindo-se como se numa bandeja

Pronta para se degustar

Cadê o vinho tinto e o queijo fresco?

Nada de beijos sob a claridade do luar

Nem do romance barato dos ideais impúberes

Aqui paga-se por meia hora de ilusão

Troca de fluídos, líquidos sudoríferos

Tapas, mordidelas, lambida, chupão

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Você não sente o perigo até estar indefesa

Sob a tutela de um algoz sádico

Que se satisfaz com seu desespero

Em vão defende-se diante do medo

Quando só o que te resta é implorar

Trêmula sob a ponta fria de uma afiada faca

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Expiação

A Voz do que Clama no Deserto

Súbito vocifero aos quatro ventos

Frases inteligíveis que somente eu entendo

Plagas etéreas de um abismo aberto

Sou eu, ou você ali dentro?

Restolhos aglomerados de um ser já velho

Semeando sementes durante o inverno

Tão escuro e nauseabundo quanto,

Aquele mundo de onde viemos

A prece sôfrega é só mais um grito de dor?

Ou um espasmo consciente de autopreservação?

Espero não seja eu o único

A brandir destemidamente o estandarte da verdade

Sob a intolerância de um céu de chumbo

Do paraíso prometido, tão distinto

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Aguardarei pacientemente

A foice sob as mãos firmes

Ceder à resistência do ar

E quando todos se sentirem perdidos

Serei rebatizado no suor de um evangelho renovado

Liberto de “mim” mesmo, e das futilidades de uma


vida morna.

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Expiação

Criaturas da Noite

Um por um até que não possam subsistir

Francamente acho que não nasci para isso

Vê-los caindo num sono sem fim

Olhos sem brilho fechados para sempre e sempre

Céu coberto pela fumaça causticante

Não há reis para destronar esta noite

Apenas homens inocentes clamando

Jovens herdeiros desesperançados flertando com o


ateísmo

Vício corrosivo, atenção envenenada.

Aposto como você também não esperava por isso

A dança louca das crianças desabrigadas

No canto sem luz

Pobre garoto sorrindo como um lunático

Feliz não se sabe bem ao certo

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Vejam-no cantando sem afinação

Olhos vazios e corações frios

Aproximam-se e buscam entender

Mãos trêmulas sobre a face suada

Ele apenas esta tentando não ver

Que a sua inocência ainda parece estar

Tão quente quanto uma poltrona recém-desocupada

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Expiação

Intermezzo

Meu reflexo sob as águas do lago

Folhas secas acariciando o relvado

O balé das nuvens ao som do vento

Um corpo exausto entregue ao ócio

Havia um mosquito agorinha zunindo

De tanto insistir acabou esmagado

Logo se formou em meio à grama um cortejo

De formigas cerimoniosas arrastando o desventurado

Aquele céu nublado da manhã, agora o mormaço


quente da tarde

Sob a sombra prazenteira de uma mangueira gentil

Ergue-se espesso, azul e anil.

Encerrando nas entranhas algum mistério insondável

Sobre as origens de tudo o que supomos conhecer

Usufruindo da recompensa dos homens livres

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Pálpebras pesadas de um pugilista nocauteado pelo


sono

Lábios ressecados pelo tempo seco

A sexta depois do almoço é um presente

Pequeno oásis no calor do deserto

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Expiação

Fim da Infância

Aquele sorriso eternizado na memória

Símbolo de agouro sobre mim

Vivenciando a cada segundo o dia fatídico

O som da chuva no teto

Um pedido de ajuda inconsciente

Um beijo na face ainda quente

A voz silenciada para sempre

Para as suas roupas balançando no varal

Uma nuvem cinza, um temporal.

Pés descalços na sala ao lado

Ainda sujos pela lama do quintal

Coadjuvantes no palco da existência

Brindando com sangue o fim da infância

Um acordo unilateral entre a vontade e o instinto

Que há de reivindicar seu direito

Acima de todos o de se manter vivo

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

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Expiação

Horário Eleitoral Gratuito

Viver político é mediocridade

Um ter que fazer por vaidade

Enfatizando a bondade e a caridade

É dividir-se em compromissos para depois

Sentar e agir com impunidade

Não espere que isso mude as coisas

Essa aparente organização que impõe respeito

O tom mavioso dessa voz em seus ouvidos

Alcançando seu coração pela emoção

Cada ato previamente planejado

Característica marcante do viver político

A máscara com um sorriso sincero

Devidamente esculpida para a ocasião

Eu trato o fato, desvio comportamental de risco.

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Um preço alto a se pagar por todos seus discursos fal-


sos

Índole e carisma emblemáticos, como um selo de


qualidade incorruptível.

Diz-se pai honrado, marido fiel, ou como diriam al-


guns um dândi.

Narrando de si qualidades deveras significantes

Provando o caráter de valor insofismável desses quase


deuses

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Expiação

Besta Lavi de Ogias

Menos do que uma cicatriz no mapa

Uma cidade adormecida

Reduto de tristes ex-sonhadores

Moças atrevidas ali se tornarão matronas fofoqueiras

Rapazes destemidos beberrões inveterados

E assim o tempo passa

Enquanto a cigarra segue cantando no mato

E a poeira dos anos se acumula nos quadros

Aqui onde a beleza peculiar

Insinua-se e passa batido

Mas mantém alto o nível percentual de consumo al-


coólico

Homicídio e analfabetismo

Homens espertos aprendem a trair

Os nem tão espertos matam as esposas por ciúme

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Aqui onde o som automotivo cala o canto mavioso do


sabiá

E as ruas fedem a urina nos dias de festa

Enquanto os valentões se acham indestrutíveis

Por domarem um touro bravo

O número de túmulos no cemitério cresce

Provando justamente o contrário

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Expiação

Fim de Tarde

Quão belo és pra mim

Por dentre as nuvens o carmesim

Singrando até onde a vista morre

Na derradeira hora antes do fim

De sombra a claridade recobrindo

Da tarde o último suspiro

És monólogo, ditirambo, um idílio

Pasmo cessa o passo o caminhante

Intrigado deslumbra-te enamorado

Em ti da vida o sentido descobrindo

O louco, o poeta, o solitário

Quão belo es pra mim

O arrebol faiscante

Pelos insignes dedos do artista eterno

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Em estilo neoclássico esculpido

Esplendor multiforme que abrange

A perspectiva vasta do horizonte

Despertando paulatinamente

O êxtase, o prazer, o delírio

Continua a ser belo, mormente

Enclausurado assim na imensidão

Estabelecendo o equilíbrio entre forças díspares

O balé cósmico entre dia e noite

Inspirando inadvertidamente

A música, o poema, a oração

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Expiação

Vontade de Potência

De qualquer maneira vem o desejo

Grosseiro tal qual impulso compulsivo

Requintado feito reticências antes de concluir o assun-


to

Um abuso quando nos surpreende

Tão violento quanto um estupro

Enfatizando cada detalhe

Cumprimento de seu prazer

Despudorado e faminto sem saber o que dizer

Quer ser

Escolher e romper

Crescendo por dentro enquanto fingimos não ver

Os efeitos de sua influência no corpo e mente

Sublimando os sentidos

Transposição de um eu mais íntimo

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Do eu idealizado

Exageradamente cauto e polido

Um anti-herói, um ídolo

No altar oculto da minha insignificância

Santo mas não adorado

Selvagem, porém domesticado

Ressurreto, todavia não imortalizado

Mudo cresce e torna-se temerário

Vencendo-nos pelo cansaço e martirizando

Cada um de seus súditos com a insatisfação

É um salivar e lamber de lábios

Um arrepio fremente que te faz suar as mãos

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Expiação

Os Miseráveis

Diz respeito a mim e a você

Cada miserável faminto que morre de inanição

A platéia inconformada na área vip do caos

Habituada que está em assistir sem nada fazer

Vibra quando ensejando um close

Uma nota na página de um jornal local

De comiseração pratica um gesto

E pra isso um ser menor elege

Digno de afeição

O nascer de um novo óvulo mal fecundado

Gera o espetáculo grotesco de um ser deformado

E isso é o que chama a atenção

Sacudindo as jóias enquanto aplaudem

O movimento exagerado da célebre aberração

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Ele agora está na televisão

Extremamente agradecido pela oportunidade

Um exemplo de esforço e perseverança para a socie-


dade

Quasímodo polindo uma esmeralda de ilusão

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Expiação

O Plantonista

Sentado de frente ao monitor

Apenas doze horas seguidas

Mãos hábeis digitando um texto

Pupilas vermelhas e sem umidade

Rastros de tênis na parede branca ao lado

Marcas descuidadas da ociosidade

Um sentir-se útil numa inutilidade assistida

A placa diz: ”Você está sendo filmado!”

Mas isso apenas alimenta o desejo pelas coisas proi-


bidas

Como o acesso às páginas para maiores de dezoito


anos

Inclinar simplesmente a cabeça sobre a mesa e fechar


os olhos

Exceto pela música no micro

56
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Prevalece o silêncio

Resolve escrever versos

O passatempo favorito dos que se sentem oprimidos

Extensos bilhetes lamuriosos

Sinais gráficos para expressar sentimentos

Um dia a mais em busca do que fazer

Preencher a mente antes de habituar-se

Ao acumulo de ideias vagas

Do lado de fora da janela fechada

O dia é quente, percebe-se

Mas ali dentro o ar condicionado trabalha

Depois do almoço as pálpebras pesam

E então é preciso mover-se

O letargo das horas somado a essa comodidade

É um convite irrecusável ao repouso

E o sono, uma fera indômita

Rosnando e coagindo suas reservas de atenção

57
Expiação

Na verdade há pouco o que fazer

Inclemente o destino nos fez fantoches em suas mãos

Ventríloquos animados pela necessidade do dever


cumprido

Movidos unicamente pelo instinto de auto-preserva-


ção

Por isso o despertador te acorda todos os dias no mes-


mo horário

Por isso vencemos o mostro da insociabilidade e


aprendemos a nos comunicar

Por isso dividimos o espaço apertado dentro dos ôni-


bus

Avançando invariavelmente rumo a um beco sem saí-


da

58
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

59
Expiação

Questionamentos

O que mais eu poderia dizer?

O que mais eu poderia criar?

Quantos caminhos seguir?

Quantas formas erradas de escolher a pessoa certa?

O que mais eu poderia ser?

Com quem mais eu poderia conversar?

Se tudo foi dito e feito

E a intenção por melhor meta medo

Se não há mais em quem confiar.

Com quantos votos eu ganharia;

O direito de te amar?

Livre da cobiça e da inveja

E da vontade de te deixar.

Sobre os ombros de quem lançar a culpa;

60
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Agora que os erros moldaram seu caráter?

Fazendo com que mesmo em seus momentos de luci-


dez

As pessoas se aproximem apenas por piedade.

61
Expiação

Mudanças

Desta casa restaram os móveis

Frios personagens de um cenário morto

Selando histórias diversas

Cada um a seu modo sendo carregado

Resignados, pesados e empoeirados

Pra longe das paredes que um dia

Ampararam satisfeitas

A altivez maciça do mogno,

A inconsistência do madeirite

E a resistência do aço

Desta casa restaram os moradores

Cheios de remorso e desabrigados

Herdeiros tristes da desventura

Cada qual a seu modo relembrando

62
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Momentos de singular alegria

Em meio aos escombros encontrados

Desta casa, qual templo saqueado

A relutância em aceitar

Que caindo por terra o edifício

A fé dos homens se esfria

63
Expiação

Anjo Justiceiro

Nenhum anjo ira te conduzir

Os mensageiros têm funções específicas

Você se preocupa em manter-se ileso, mas as ofensas


são duras

Até aqui não pareceu tão difícil, mas depois é o inferno

Ou o vazio de expectativas sem nada além de um


imenso ocaso

Tudo converge para o medo

A arma que utilizaram para te fazer uma ovelha muda


e cega

Totalmente dependente, mas sem vontade própria

Nenhum anjo irá te servir

Um filho desalmado que chora copiosamente

Enquanto mastiga restos da lata de lixo de algum país


subdesenvolvido

64
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Até aqui não pareceu tão difícil, mas depois é o vício

A via cruzes de um peregrino ossudo e sem lugar para


repousar

Recitando pequenos versos bíblicos

Para uma platéia de espectadores desinteressados na


rodoviária

Um anjo de chinelas havaianas

Cerceado pela onerosidade tributária ao acordar

Escolhe alguma repartição pública

Necessária e inutilizada

Tal qual convencionaram entre si

Da pátria amada alguns tantos servidores

Seus cargos de confiança ocupar

Para pacientes tecerem a teia

De uma estabilidade financeira e mais nada

Nenhum anjo irá destruir esta cidade

Justo agora que decido fazer isto por mim mesmo

65
Expiação

Porque o contraste evidente com meu humor

Torna a parcimônia do prefeito um incite blasfemo

Despedaço por isso mentalmente alguns monumentos

Nada daquele peso dramático dos atentados sangren-


tos

O efeito moral da vergonha é o que pretendo

E assim me satisfaço e durmo tranquilo

66
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

67
Expiação

Inverno

Se nublado ficassem

Que alegria seria pra mim

Os dias daqui pra frente

Bucólicos como um inverno russo

Destoados do tom festivo que colore a pele

Trigueira da raça tropical

Desmantelando o ilícito comércio

Da exploração sexual

Um cismar amigo e

Inspiração constante

Se nublado assim ficassem

Os céus onde planam desconfiados

Araras, Urubus e papagaios

Como celebrasse a cada instante

A existência introspectiva que nos garante

A consciência de que não somos de todo maus

68
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Olhando o vazio espelhado na face do rio

Encapelando as nuvens no alto cinzento

Ora descortinando generosa uma fresta para o sol

Que sem o abrasivo fulgor que aquece ao extremo

Recua tímido ao notar que já não é mais tão bem vindo

Se de fato perdurasse assim

Tão frios os dias que se seguem

O que seria do Carnaval e seu afã?

Da praia e sua marca de biquíni?

Do esforçado vendedor de sorvete?

Do generoso decote da meretriz?

Claustro pra ti, pra mim provisão

Aspirar alegre um inverno sem fim

Que ao ressecar ruidoso minha pele

Faz-me aquecer de vinho o coração

Ai, se nublado assim ficassem

Os dias da minha mocidade

Para que na velhice não sentisse saudades

De nenhuma tarde de verão!

69
Expiação

Precoce

Rebento inesperado sede bem-vindo

Aprecie ainda que por breve momento

Breve também o destino

Asfixiante o cordão parece apertar

Aceite o convite e adentre

A portinhola insalubre desta claridade

Um labirinto de paredes úmidas

Um corredor estreito e ainda não percorrido

Ouça o som assustador que vem do lado de fora

Qual será sua preocupação nesse momento?

Qual dessas mãos irá te aquecer?

Nem todas as lágrimas poderão expressar

O descontentamento de quem nada pôde fazer

Além de debater-se e chorar

70
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Aproveite o momento e desencante

Qualquer expectativa de sobrevida

Você não estava pronto então não se importe

Parta e leve consigo os planos da família

Uma fatalidade que não permite

Delegação de qualquer culpa

71
Expiação

Bisavó

No traje habitual dos da terceira idade

Vestido de chita delineando a forma esquálida

A cabeça branca por dentro do lenço

A pele enrugada como um jornal já velho

Nos pés finos uma sandália extremamente limpa

Um sorriso enfeitando os lábios murchos

Nas mãos um ligeiro tremor

Encravado na face aquele olhar gentil

Recepcionando qualquer que consigo flertasse

Desde os tempos do viço juvenil

Antes que os filhos preenchessem o vazio

Antes até dos limites reumáticos

De televisionarem a novela do rádio

Dos gestos se tornarem desusados

72
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

E dos hábitos se tornarem atípicos

Algo do trauma servil ainda evidente

Aparente naquele brilho que apesar do tempo resiste

Ofuscante como um fogo-fátuo dentro da noite

Que ousados um dia amaram sem reserva de valores

Delirantes na clandestinidade talvez

Hoje cândidos e tranquilos

Ontem luxuriosos e atraentes

73
Expiação

Demóstenesfobia

O sucesso dos oradores é o uso da emoção

Você cede por que já esta envolvido o suficiente

Para impedir ou refrear

Cada um dos pequenos neurosensores

Enviando mensagens ao sistema límbico

O ataque é ferrenho e a beligerância te esgota

Transbordam as lágrimas e o coração acelera

Frente ao excedente de imprecações ao bom senso

Habilmente ludibriado pelo abuso das faculdades cog-


nitivas

Olhos de lince intimidando a presa sem reação

Quanto menos sucinto e constante

Mais receptiva torna-se a plateia

Que engodada devidamente, vê-se pronta a acatar

De qualquer Jim Jones as ideias malucas

Que frente a alheamento tal

Já não parecerão assim de todo estranhas

74
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

75
Expiação

Ingratidão

Agora essa página zombeteira

Desperdiçada sobre a mesa

Grande demais para enrolar

Pequena demais para limpar a bunda

Do hiato criativo fazendo troça

Aproprio-me de sua extensão vazia

Demoradamente pousando-lhe o olhar

E o abismo me olha de volta

Altiva de sua profundidade evasiva

Que me aporrinha por ser de todo genuína

Pálida e mesquinha como uma patricinha

Dessas cujo ímpeto repentino é esbofetear

Reflexiva numa vulnerabilidade estática

Desconsiderando injusta

76
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Tudo o que dantes escrito fora

A cumplicidade solitária das noites de insônia

Menos que nada valeram para ela

Ante a superveniência desta carestia que agora

A inspiração retém enclausurada e muda

Custa-me conter a necessidade crescente

De lhe imputar qualquer ato de injúria

Despedaçando o alfetrado de fibra que te mantêm viva,

Ateando fogo em sua compleição inflamável

Dentre os dedos até tornar-te inutilizável amassar

Prazerosamente como algo sem serventia

77
Expiação

Se Tu não Deves, “Temas”.

De estúpido fez-se rogado

Certo de que não iriam aplaudi-lo

Mas quem nessa vida precisa de aplauso

Sabendo o segredo de expressar-se artisticamente?

Contrafeito ele sentou-se emburrado

Atendendo a uma exigência inconsciente

O mesmo pretexto para velhos temores

Evocando ora a misantropia dissimulada

Ora uma dor de dente

Quis levantar e se aproximar

Quisera houvesse ali algo além daquela

Vontade de ser o que não era

Erguer-se confiante e enfrentar

A expectativa impaciente de uma plateia frustrada

78
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Mas o finito eu das inferiores realidades o aprisionava

Desmantelando qualquer instinto reacionário pela


simples recordação

Do vulto opressor de uma indignada multidão

Balançando sádica de seus sacrificados as cabeças

Soltando urros que subiam de encontro à parede frágil


de seu cérebro

Dizendo tragam-no! Tal qual onda na rebentação

Viu-se pasmo cagado e guilhotinado num transe pre-


monitório

Para logo num frêmito incontrolável perder-se

Na beatitude cega da total escuridão

Acomodou-se posteriormente

Descontraído e alegre ao notar

Que já não havia interlocutores, multidão ou plateia

Nada das carrancas grosseiras lhe infligindo censura

Recostou-se confortavelmente na cadeira

Sorriu para os poucos convivas que ali restara

E então lhe trouxeram um copo de água

79
Expiação

Colonizadores

Sobre futilidades

O velocino de ouro das sociedades

Que entre iguais fazem amizade

Menosprezando os que delas se afastam

Caprichos que se tornam hábitos

Vícios que antes apenas melindres

Fetiches que se tornam uma obsessão

O desperdício gerado pelo consumo

Nosso exagero e falta de bom senso

A idealização que a propaganda propaga

O rito de passagem para a modernização

O “ter” e o “ser” sorriem presunçosos

Feito irmãos siameses entremeados

80
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Se endividando ou a vista comprando

Jamais estarão satisfeitos

Todos os bens necessários que abarrotam boutiques

A qualidade do entretenimento hoje

Orkut, twitter, MSN

A cultura cognitiva da desinformação

Prateleiras de objetos que viram dejetos

Como qualquer programa de televisão inútil

Edifícios de lixo a céu aberto

Carniça, sujeira, imundície

Capitalismo e industrialização

A panturrilha grossa dos ambulantes

Arrastando o carrinho de material reciclável

Homo sapiens em visível regresso evolucionário

Pelos hirtos e dorso encurvado

Dentes amarelos e lábios queimados

Consumidos pelo descaso e entorpecidos pela ilusão

81
Expiação

II

Sobre futilidades

O laço afetivo das pseudo-verdades

Ocultando o lado sujo da nossa personalidade

Constantemente reinventando, maneiras de irmos ao


encontro

Daquilo que chamamos Deus

Junto à carência doses de sensibilidade

Inflamando a medida que nos aproximamos

Do fim de nossa existência breve

Ora tristes e desiludidos

Ora confiantes e alegres

Dominando o mundo das percepções aparentes

Moldando como desbravadores a paisagem ao redor

82
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

83
Expiação

Devocional

Abra a janela esta noite

Dedique esse momento para sonhar

Com todas as estrelas sem nome

Constelações desconhecidas

Vultos de galáxias distantes

Satélites na órbita de planetas sem vida

Um céu pintalgado de luzes

Refletindo nos olhos vencidos pela insônia

Abra a janela esta noite

Recepcione o ar frio da madrugada

Que ao beijar-lhe a face abruptamente espalha

Poeira para dentro do quarto e embaraça

Os cabelos dourados da esposa amada

Abra a janela esta noite

84
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Ouça o som dos mochos sobre o limo do teto

Corujas soturnas numa vigília solitária

Além dessa bruma de impossibilidades

Resiste um sério interesse

Uma melodia para o libreto que a esperança compôs

Outra chance sob a correnteza furiosa do caos

Arrastando-te como a um barco sem leme

Rumo àquela existência despretensiosa e feliz

Que é tempero para a insipidez emocional

85
Expiação

Promessas

Um dia eu confesso

Arrependido as ofensas

Que a amargura da indiferença

Fez-me imputar

Convencido de que sofria

Além do que minhas forças

Poderiam suportar

Um dia eu revelo

A pureza questionável que conservas

Ao entreter idiotas que acreditam

Na intenção real de seu sorriso

Sem nada a questionar

86
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Um dia eu alcanço

No meio das costas

A coceira e o alívio esperado

A fé no fundo vazio

De uma garrafa de vinho barato

Um dia eu termino

O poema inacabado

Encontro a rima pro verso

E quem sabe poeta então me faço

Perdido no pretérito imperfeito

Vagando indeciso pelo tempo

Anti-herói em farrapos

(...)

87
Expiação

Universo em expansão

Suportar o ar carregado dos dias

Monólitos fragmentados em espessura subatômica

Elevando por sobre as copas frondosas de bosques es-


quecidos

Notório mas ao olhar imperceptível

Sensações coletivas em braile psíquico

O efeito canicular dos verões sem igual

Memória eterna da poeira cósmica

Se assentando paciente ao ritmo da evolução

Evadindo sorrateira pela brecha dos pulmões conges-


tionados

Com o monóxido de carbono disputando espaço

Encrespando na encosta de algum instinto vulcão

(........)

Tenho trevas profundas

Pra compartilhar sem censura

88
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Fruto de uma liberdade delimitada

Matizada com as cores da superstição

Luxuria em convergência abrupta

Mente tosquiada pela ilusão

Fábrica onírica de satisfação ilimitada

Negra e compacta como a noite cega dos vivos

Atraente como um salto na imensidão do ocaso

Meço o imensurável vazio e surpreendo

As formas descuidadas que se perdem na velocidade


do atrito

Para daí formarem outros pedaços de seres repartidos

Enquanto completo o ciclo sem ser visto por ninguém

Finalizando um diário na penumbra

Com a cumplicidade permissiva dos que me despre-


zam

Trágico e melodramático como requer o gosto

Feliz por simplesmente permitirem

A manifestação desse meu lado excêntrico

(...)

89
Expiação

Na primavera vislumbrei o outono

Comprei agasalhos para o inverno durante o verão

Traindo imperceptivelmente o presente

Com minha ansiedade e frustração

Quisera o gosto na boca permanecesse

Após os longos dias de jejum

Pudera manter intocável

A maciez da pele sob os efeitos do sol

Inconstante assim como sou

90
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

91
Expiação

Crime e Castigo

Digo que errei, portanto lamento

Purgo a dor do arrependimento

Esforço-me e vingo de mim mesmo

Remoendo o mesmo assunto,

Cruzando as mesmas ruas

Feridas dantes cicatrizadas abrindo

Despeço-me cabisbaixo do orgulho e preservo

Cada segundo gasto em vaidade e me abrigo

Dentro do espelho como o reflexo já trêmulo de um


lampião

Escarnecendo do belo e perfeito, como um Titã que


amaldiçoado

Declara guerra aos seus bem-aventurados irmãos

92
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Sou a ira nos olhos justos da benevolência em greve

O peso sobre seus ombros já cansados

O vírus oculto no seu disco rígido

A fôrma quebrada vazando desumanidade

O eco desobediente da sentença de morte

Reverberando impune desde a queda de Adão

Ridículo é tentar

Da onipresença se ocultar

Quando o amálgama da indiferença te acompanha

Desrespeitando sua mudança sem jamais conceder-te


o perdão

Sou a fúria das eras em transição

Aquele que se adapta para sobreviver

A mudança abrupta, das raças sou o elo

O abalo sísmico que separa os polos

O big-bang cósmico, do óvulo do universo à evolução

93
Expiação

Pra certos crimes, não basta lavar as mãos

É preciso surpreender-se de algemas

Encurvado sob a égide de um sistema

Que embora falho conceda-nos a ilusão...

De paz e segurança

Ordem e progresso

Crime e castigo

Pecado e perdão

94
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

95
Expiação

Depressão

A vida é uma longa despedida

Quando disso tomamos consciência

Já é hora avançada

O trem se aproxima e não resta mais tempo

Para um abraço ou beijo de despedida

Como seria essa tarde junto a ti?

Sairia da piscina se soubesse,

Que aquele era seu último mergulho?

Voltaria sem dar-me as mãos se pela manhã

Já não mais houvesse quem te acompanhar?

Como um lago revela as pedras no fundo

A triste feição e a aparente apatia tornam-se visíveis

96
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

As auguras retomam com força seu espaço sem convite

E me martirizo revivendo o assombro da partida

Como um carona na estrada observa a vida passar

Essa longa espera

Tão logo se aproximam, os faróis se afastam

Deixando saudades dos momentos felizes

E tornando cada segundo do presente uma expectativa

Para um momento de tragédia

A vida é uma longa fila

De cadáveres adiados ludibriados pela existência

Todo vigor da mocidade tende a ser

Suplantado pelo fervor religioso da velhice

E quando não houver mais esperanças

Restara o abrigo seguro de nossa própria pele

Enquanto a sandice permanecer intacta

E não virarmos comida para vermes

97
Expiação

Complexo de Culpa

Desculpe-me não ser quem você deseja

Desculpe-me por sempre pedir desculpas

Por essas coisas insignificantes e pequenas

Se eu simplesmente desistisse antes de tudo acabar

Dir-te-ia: - Estou indo agora para não mais voltar!

Veria meu nome caindo no esquecimento

Como o de um indigente numa vala

- Você seria capaz de me perdoar?

E se o símbolo da sorte tornar-se azar

E as cicatrizes profundas

Forem inadvertidamente confundidas com bênçãos

(Estigmas miraculosos na pele de um suicida)

- Você me perdoaria?

98
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Desculpe-me o desencanto, esses versos

O meu pranto e por fim...

...as decepções de cada dia

II

Nem de longe sou aquilo que você espera

Mas pouco importa pra mim, também não o quero ser.

Se a vida é mesmo um beijo longo de despedida

O trem se aproxima e você não parece

Nem um pouco interessada em saber

E as decepções de cada dia

E os compromissos que adiou

E as nossas juras não cumpridas?

Pra tudo direi: - Adeus!

E se recusardes acompanhar-me

Sozinho eu vou

99
Expiação

III

Um lenço revolto se levanta

Nas mãos da jovem dama

Pranteando infeliz a partida de seu amado

Que apoiando o rosto contra a janela do vagão

Sorri complacente para evitar ressentimentos

Impassível como uma estátua de mármore

Sem demonstrar nada além de piedade

E resoluta convicção

Debruçado sobre a pouca bagagem

Quando já teu perfume não puder lhe alcançar

No silêncio de algum aposento sem olhos para lhe


censurar

Quebrantado como um refém nas mãos do inimigo


encontrar-se-á

Pranteando a duras penas o fardo imenso que lhe con-


dena

Como a um prisioneiro que sentenciado fora ao mar-


tírio da solidão eterna

10 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

101
Expiação

Buracos

Buracos.

Completos na função a qual se prestam,

Deflagrando rotas, caminhos, curvas e retas.

Abismos, grutas, sulcos erosivos, cavernas, crateras.

Buracos.

Planos e rasos, como um rio, movediços e profundos,


como os mares.

Buracos aziagos, trincheiras contra o fogo inimigo,


vulcões da terra eclodindo.

Zangados, em seu estertor cidades engolindo.

Buracos.

Bocas abertas, olhos sem vida.

Partes pudendas que o impúbere desbravar, anseia.

102
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Negro amante do espaço vazio,

Reverberando do grito o eco ainda,

No abrupto e violento impacto silenciado pela queda.

Buracos.

Consortes da queda, amantes do salto.

Abraço afável para o desditoso,

Para o desatento, um acidente trágico.

Buracos purulentos e infeccionados.

Ou cicatrizados com emplastro.

Buracos.

Ora espalhando vibrações ressonantes,

No bandolim, na flauta, no violão e no trompete.

Ora egoísta ouro, petróleo e diamantes,

Portentos que aguçam a cobiça do homem,

Em suas entranhas encerras .

103
Expiação

Buracos.

Canais de sucção nasal,

Evacuação renal, reprodução sexual.

Repulsivos, bonitos, odoríferos e fétidos.

Destampados ou lacrados.

Fechados ou abertos.

Para a semeadura, o arado.

Para o defunto, o sepulcro.

Uma saída, para o prisioneiro.

10 4
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

105
Expiação

Evangelho

Duvidar não é negar.

Tal como sendo, convincente

Não implica, necessariamente,

De fato em verdade se tratar.

Afeitos à mentira que somos,

Sendo assim tão fácil de nos ludibriar,

Qualquer um com suas quimeras

Ao induzir-nos ao erro poderia

Nenhuma resistência encontrar.

Nada práticos ou do contrário

As implicações então em voga

De apreço comum ao que entendo,

Salvo uns e outros pra quem pouco importa,

Se vão para o céu ou para o inferno.

10 6
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Com afinco, em questionamentos tais,

Refletiriam visando entender,

Como um Deus, justo e equânime,

Por erros temporais deixaria um ser

Em tormentos eternos padecer.

Longe de ousar querer pintar,

Com cores humanas a figura divina,

Busco tão somente respostas menos óbvias

Do que as encontradas na bíblia

Mas pessimista, ou meramente fadigado,

Descreio para ter tempo de acreditar.

Afasto-me não por minha vontade

E sim por que já não suporto a ideia,

De que todos são hipócritas e covardes

Contemplando os socialmente favorecidos

Implantando ideias de submissão,

107
Expiação

Cuspindo a retórica moralista de séculos

Pra mascarar algum desejo sórdido,

Fustigado somente então

Quando se tornam o centro da atenção.

É bem verdade que o conhecimento gera tristeza.

Saber da doença e não ter a cura.

Mas antes a certeza do que a dúvida.

A esperança sincera dos que sucumbem,

Sem jamais saber o que de fato os fez naufragar.

Por meu turno, creio.

Por que nada mais plausível, do contrário, fez-me pen-


sar.

Ponderei as alusões aos nomes de todo o panteão

Refiz cálculos que me encheram de angústia.

Enlouquecido madrugada adentro sai em busca,

Do toque primordial, experiência extra-corporal.

Uma voz como a de ondas, um cheiro, uma visão um


sinal.

10 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Mas tudo o que ouvi foi o silêncio.

Tudo o que divisei fora a escuridão.

E nem mesmo assim, decepcionado,

Desfiz do peito aquele temor implantado,

Como se por uma corrente invisível estivesse aprisio-


nado,

Eternamente a esta crença, que para alguns é mera ilu-


são.

109
Expiação

Abuso

Tenha a decência de não fazer-me implorar.

É essa força, atípica, que me esgota,

Afunilando minha capacidade de raciocínio.

Minha saída é uma resolução intuitiva.

Mas permaneço de joelhos para que se sinta no domí-


nio,

Algo entre a coragem e o desespero.

Você se satisfaz e acha até graça.

Meus dentes são uma arma,

Mas meus pensamentos me dão medo.

Só peço que termine antes que alguém veja.

Deus! Não sei o que poderiam pensar!

Então da matéria que forma os sonhos,

Construo minha fortaleza.

Sem cadeados e com grades de vidro.

11 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Minha ilusão, um caleidoscópio de imagens que a luz


espalha

Contra a parede enquanto você me força.

Como que de comum acordo sua vontade unilateral,

O dom da violência me persuadindo.

A aceitar sem demonstrar resistência,

Fiando-se em minha inocência conspurcada .

A certeza de que não vou expor seu lado animal.

Seria exagero pedir por humanidade.

Seria exagero atentar para o fato da pouca idade?

Mundo cruel, que oculta os segredos sujos

Dessas mentes perversas, que a bem da verdade,

Em detrimento do mal, trabalham incansáveis,

A melhor fase de nossas vidas destruindo.

111
Expiação

Das Bem-Desventuranças

Minha empatia, a todo doente em fase terminal,

Celebrando o milagre de mais um dia,

A cada sem teto abaixo da linha da miséria,

Sorrindo quando lhe ofereço um pedaço de pão,

A todo o injustiçado, com o selo da derrota estampado


no rosto,

Aos que perderam a família e sobreviveram,

Aos bêbados dormindo nos degraus da igreja numa


manhã de domingo,

Aos bucólicos, melancólicos e deprimidos,

Sem esquecer-me daqueles que, pela tristeza consumi-


dos,

Buscam no vício uma maneira de morrer sem sentir


dor.

Um brinde aos despatriados em solo estrangeiro!

A cada um de nossos veteranos mutilados,

112
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Comemorando o feriado nacional.

Aos limites de fronteira e sonhos deportados,

As mães dormindo em filas de hospital.

Simpatizo-me pelas mazelas e deformidades,

Situações de risco que faz-nos pensar,

Medindo as reflexões sobre cada dia,

Sem espaço para a poesia e outras besteiras.

Embora a experiência mostre-nos que é preferível

Uma ilusão mortífera a uma realidade insípida,

O tempo dirá quem somos de verdade,

Se meros coadjuvantes ou protagonistas,

Encenando uma comédia chinfrim ou um grande épi-


co.

Aos ante-heróis, meu aplauso!

Lutando, lúdicos, contra um mal que de si mesmos ad-


vêm.

Aos leprosos, tuberculosos e aidéticos, meu feliz ani-


versário!

113
Expiação

Padecendo de rejeição e indiferença enquanto a morte


não vem.

Pois certas feridas para as quais não há curativo,

Quando abertas no espírito sangrarão para sempre.

Aos ejetados, em latrinas abandonados,

A todos aqueles que foram esquecidos e desiludidos,

Aos conscientes de seu quinhão de vergonha frente ao


mundo,

Atrás das aparências devidamente escondidos.

Em suma, meu apreço a todos os desventurados,

Que pela vida se arrastam sem serem notados,

Como insetos, temendo serem espremidos.

11 4
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

11 5
Expiação

Redimido

Seu senso de humor.

Crítica atroz.

Lábios infames.

Sorriso de algoz.

Meu súbito horror.

Diante do fim.

As preces sem volta.

O tempo que perdi.

Vãs tentativas.

Chances esgotadas.

Abrir mão de tudo.

Sair de casa.

11 6
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Apagar as luzes.

Deitar-me sozinho.

Abraçar o travesseiro.

Sufocar o pranto.

Rasgar um retrato.

Dormir sem banho.

Locar um filme.

Secar uma garrafa.

Atrasar-me para o serviço.

Camisa amassada.

Sozinho na mesa.

Comida enlatada.

Acostumar-me ao silêncio.

Aceitar quem eu sou.

117
Expiação

Ouvir música alta.

Acordar os vizinhos.

Beijos sem amor.

Sexo sem paixão.

Conquistar pra satisfazer o ego.

Ceder á tentação.

Queimar as lembranças.

Desfazer os erros.

Fingir segurança.

E cortar os pulsos.

11 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

11 9
Expiação

A Idade da Razão

Pois é poeta,

Nada pra hoje.

Nem mais um verso.

Fiasco, prato raso.

Restos de um pensamento,

Uma rima para a dor.

Nem mesmo o amor,

Luar ou fim de tarde,

Nem o vinho entorpecente,

Ou ao fundo aquela canção,

Até o vento, preguiçoso está.

Mal move as folhas.

Mal move as folhas.

12 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Pois é poeta,

Seus ditirambos,

Sábias ideias e argumentos,

Quer dormir pra não ter que lembrar,

Ser evasivo pra não se explicar.

Mas não tem escolhas.

Não tem escolhas.

121
Expiação

Reflexos do Futuro

Meramente familiar.

Traços fortes que marcam.

Um sorriso, um tique nervoso, um trejeito.

Mapas de um lugar comum na infância.

O homem, o velho que um dia foi criança,

Gordo, enrugado, sério e vazio.

Um movimento pra lembrar que ainda está vivo.

Não foi prazeroso revê-lo.

Meus olhos abriram-se e tive consciência,

Do quão breve é a existência.

12 2
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

12 3
Expiação

Platonismo

Quem dera convidar-te para a festa.

Quem dera você aceitar.

Comprar-te um vestido azul.

Tê-la como par.

Suportar o peso dos dias,

Sem a melancolia comum,

Que nos faz encurvar.

Quem me dera...

Quem dera virar o disco.

Propor um brinde.

E declarar-me após o jantar .

12 4
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Compor-te versos tenros.

Inflar teu ego...

Fazer-te flutuar.

Quem me dera!

Ter você por perto.

Fingir que sou normal.

Fazê-la acreditar...

12 5
Expiação

Autodestruição

Não tente! Não tente me entender!

Isso é um Dédalo confuso.

Cada segredo não revelado,

É um trauma que com esmero guardei.

Ter de me expor seria um sufrágio.

Você pode até deduzir,

Mas nunca poderá me entender.

Adiando a custo o dia do desespero.

Mas sou eu o sorteado.

E somente assim poderia ser possível prosseguir,

Esse idílio amoroso com a existência.

Sobre o espantalho assustador da soberba,

Cultivo uma infestação de cupins.

Surpresa! Surpresa!

Parece haver bondade em mim...

12 6
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

12 7
Expiação

Incendiário

Fumaça e cinzas.

Identifique sua posse.

Algo nos destroços lhe prende a atenção?

Pedaços retorcidos de sonhos.

Encolhe-se para entrar no mundo ideal,

Agora pelo fogo devastado.

O cheiro pútrido de matéria em decomposição.

Para as expectativas o encaixe perfeito.

Um rosto na janela sorrindo,

Enquanto as chamas se espalham.

Como se em transe os sentidos suspensos,

Como um inseto ao redor das luzes.

Assoviando uma velha canção.

12 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

12 9
Expiação

Sem sentido...

Ter o quê pra ser?

Ser o quê pra ter?

O quê?

Dar um pouco.

Tudo é pouco!

Nada é muito...

Do quê?

Do quê?

Vencer pra não perder...

O medo de morrer.

De quê?

Do quê?

Pra quê?

13 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

131
Expiação

Dez Minutos

Há dez minutos havia tempo.

Fiz o primeiro rabisco e nada mudou.

O mesmo plano de invasão.

A mesma expectativa cega.

Dez minutos já se passaram...

Tão rápidos quanto à intenção,

De pedir desculpas ao ofendido.

De admitir por fim que sou o culpado,

Pelo desperdício de tempo aqui sentado.

Não fazendo nada daquilo que poderia ter sido feito.

Há dez minutos eu era um óvulo fecundado

E a doce promessa de um filho só teu.

Agora sou o feto abortado.

Dependurado no cordão umbilical,

De um ideal que também morreu.

132
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

133
Expiação

Noiado

E agora...?

E agora noiado?

O barato passou,

O cachimbo quebrou,

O dinheiro acabou,

Resta-lhe a contribuição,

Espontânea, dos transeuntes.

E agora noiado?

O sono não vem,

Fome já não tem,

Sem mais direção,

Além das outras sombras cambaleantes.

13 4
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

A pele crispada, coberta por trapos,

O rico e o pobre, o negro e o branco.

Como a massa compacta acinzentada e suja

De um deus colossal dividem o espaço

Acotovelando-se em becos exíguos

Queimando os lábios.

E agora noiado?

Que o repórter filmou,

A sociedade reclamou,

A polícia te espancou,

Quantos dentes sobraram?

135
Expiação

Deidade

Se eu fosse um deus,

Acabava com o sacrifício de virgens.

Sendo imortal, teriam pra mim grande utilidade.

E atributo indispensável a um deus que se preze,

É querer o bem da humanidade.

Não faria caso do sangue de animais nédios,

Nem de sua gordura ao serem imolados.

Chamem-me extravagante.

Mas é que sinto empatia pelos pobres coitados,

Seres indefesos sendo queimados em meu nome.

Caso contrário eu seria um sádico.

Nenhum mau pensamento seria condenável,

Contanto que o mantenha no claustro psíquico.

Sendo um deus aboliria a humanidade do julgo da dor,

13 6
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

A morte não mais existiria, pois todos já nasceriam


eternos.

Textos como este, sob a apreciação do santo ofício

Em dada época relegado ao tribunal da inquisição,

Em nada afetaria a divindade, sendo eu um deus.

Em suma toda poesia, música, peça teatral, escultura,

Pintura, leitura e exposição artística

Apetecer-me-ia plenamente.

O sexo consensual não traria o peso,

Das amarras morais do matrimônio;

Pois bem como comer e dormir,

Em nosso cotidiano diário far-se-ia presente.

Se eu fosse um deus, seria um deus hippie.

Bastava uma oração para expandir a mente.

Seria um jovem barbudo e cabeludo de jeans,

Pregando a paz e o amor para todo o sempre.

137
Expiação

Ódio Sagrado

Precisar com exatidão

Ser metódico e detalhista

Cada centímetro desse ódio

Corroendo-me por dentro

Obstruindo minhas vistas

Já fora meu nome inscrito,

Em letras garrafais, na lista

De condenados ao inferno?

Ou esperança resta-me ainda?

Porque estou sob os efeitos,

Desta substância amarga e quente,

Fervilhando em minhas veias

13 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Como uma infestação de insetos,

Contra todos vomitando meu descrédito

Afundado num lodaçal de mágoa corrosiva.

Meus olhos seriam suficientemente

Fortes para fulminar

Um exército inteiro de bravos soldados

Com um único olhar.

Mas todo meu desprezo é uma alegoria,

Assim como os votos sagrados da eucaristia.

Na verdade eu fui esquecido e abandonado,

E meu orgulho ferido a pretexto de vingança,

Acolhera o ódio como a um filho bastardo.

E consigo a inveja de toda alegria alheia.

13 9
Expiação

Santo ódio em minhas veias,

Purifique minha alma atormentada,

Como o fogo forja o aço,

Serei tua espada sanguinária.

Desventurados os que cruzarem meu caminho,

Serei o implacável e terrível juízo.

Santo ódio em minhas veias,

A consciência de sua existência me embaraça,

Sendo cristão por remorsos tais acometido,

De uma estranha necessidade de perdoar,

Principalmente a quem me odeia.

14 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

141
Expiação

Le François

Parei para pensar.

Pensei em parar.

No meio do caminho,

Sem nenhum motivo,

Estanquei o passo.

Joguei fora o cigarro,

Amarrei o cadarço.

Cortei o cabelo

E fiz a barba.

Amei e fui amado.

Odiei e fui odiado.

Tive filhos e filhas.

Com os amigos e a família,

Dividi meus despojos,

142
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Sem nenhuma distinção.

Embriaguei-me de vinho.

Virei poesia e canção.

Pleiteando o riso sadio

Que cortava o silêncio das madrugadas.

Doces dias da juventude...

Distantes como si em outra galáxia,

Sibilando fulgentes no céu das lembranças.

Satélites de uma estação já desativada.

143
Expiação

Apenas Outro Dia

Cheguei exausto.

Sentei-me e pus-me a observar

O chão, os móveis o teto, as cortinas da janela.

Cada canto da casa pareceu querer me abraçar.

Ali quieto, só e paralisado

Deveras pudesse para o fato atentar

Que cada músculo do meu corpo pedia cama.

Mas a vida do lado de fora pulsava.

Carros, buzinas, passos, risadas.

Meu empenho diário é um protesto absurdo

Contra minha criação de filho mimado.

Contra a preguiça que além de tudo é pecado.

E o suor lava a culpa por não ter valorizado

A porra dos estudos.

Quem diria que acabaria assim?

14 4
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Tanto potencial desperdiçado.

Um sansão careca e escravizado.

Alimentando esperanças de vingar-se no fim,

As minhas revoluções são um legado de sofismas,

Pensamentos, frases, poesia e música

Que não causaram efeito algum.

Seria o mundo acaso despreparado

Para a grandiosidade desta arte?

Ou tão somente careço

De talento e genialidade?

O certo é que para tal safra

Parece-me não haver degustador.

Eu mesmo desrespeito alguns,

De meus devaneios criativos,

Nomes indizíveis lhe imputando.

Mais tarde volto arrependido a me desculpar.

Aceito o meu fardo.

Bem como o fatalista o faz desesperançado.

145
Expiação

Enquanto meus irmãos evoluem,

Buscando o reino dos céus com seus largos sorrisos,

Adapto-me ao peso que carrego.

E do chão me aproximo, tanto mais me inclino,

E chego... Exausto todas as noites!

Imagino sons para a TV ligada sem volume.

Escrevo um tratado contra toda exploração humana.

Enumero os tópicos que julgo ter maior importância.

Mas, assim como tantos, vão para a lixeira.

Sinto fome e abro a geladeira.

Um jarro vazio de água e um pedaço de bolo.

Fora aniversário do vizinho ao que bem me lembro...

Salvou minha noite com essa delicadeza.

Pudesse sentir graça das piadas que me contam...

Pudesse responder as injúrias com sarcasmo...

Se eu pudesse ser forte como essa gente...

Meus poucos amigos, irmãos, colegas de trabalho!

Concidadãos desta república de nome imponente,

14 6
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

chamada rotina!

Eu também comemoraria meu aniversário e os convi-


daria,

E para o estranho moço que mora ao lado,

O resto de comida reservaria.

Agora a TV saiu do ar.

Não consegui comer todo o bolo.

Cansado demais, até para mastigar.

Uma formiga caminha entre os pelos de minha perna.

Já é hora avançada e apesar de fadigado,

O exercício das preocupações diárias, afeta meu sono.

Exceto pelo som da ponta do lápis contra o papel,

Em sinais gráficos descrevendo um estado de espírito,

Tudo é silêncio, então eu paro e leio o que ali está es-


crito.

“Eu sou à sombra de um homem em lento declínio”.

“Eu sou à sombra de um homem em lento declínio”.

“Eu sou à sombra de um homem em lento declínio”!

147
Expiação

Olho Seco

Não quero mais sonhar

E de entusiasmo ficar louco.

Não quero mais gritar

Somente para ficar rouco.

Não quero mais voar

E despencar no chão

Em meio aos anjos caídos

Que não têm perdão.

Não mais lançar em um rio seco

A rede da esperança

Ou plantar num solo infértil a semente do amor.

Achar que é normal sangrar de bom grado.

Sentir frio se meu sangue é quente.

Cruzar a névoa espessa sem saber

14 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

O que há pela frente.

Lutar sem uma causa ou saber por que morrer.

Não quero os planos escorrendo entre os dedos.

Não quero ver este oceano de sonhos secar

E virar um deserto.

149
Expiação

Antropófago Pretensioso

Quero falar sobre esse ideal de grandeza.

Marcar a história com minha vida,

Nas placas com nome de ruas,

Ter reservado ali o meu lugar.

Falarei sobre a filantropia.

A soma de virtudes que formam

O caráter de um homem.

Deixarei todos ocupados em organizar

Cada uma das datas comemorativas

Que celebram minhas obras.

Vou esgotar seus assuntos,

E quando divagarem

Irei persuadi-los a encerrar,

Sem responder-lhes as perguntas sérias.

15 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

A vida é uma piada.

Quanto menos a temos mais a gente se encanta.

E daí a grande graça.

Não há entre nós aquele que,

Desobrigado da morte, conteste

O direito legal de perder a vida.

- Eterno enquanto durar!

Foi o que ouvi dizer.

Mas passageiro é o tempo,

E não o que sinto por você.

Se as vezes pensa tão alto,

Que posso escutar,

Não é fingindo ser bom que, de fato,

Irá me conquistar.

Fomos criados para a eternidade.

A morte é uma doença.

151
Expiação

No intervalo dos aplausos pedirei licença.

E atentarão para a porção insana de seu ídolo,

Quiçá de extravagância, matando alguns da plateia

A fim de imputar-lhes certo temor.

A semente da obediência cega.

Para os que então decepcionados afastarem-se

Em minha casa terei prazer em recebê-los

Para que, depois de devidamente alimentados,

Possa ainda vivos comê-los.

152
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

153
Expiação

Ideia Fixa

Eventualmente posso ceder.

Reze para que não haja ninguém por perto

Caso isso ocorra.

A força da gente que sofre,

É essa substância amarga e quente,

Mal o corpo lhe absolve,

Já te sinto na ponta dos neurotransmissores.

Como uma grande onda,

Uma ilha engolindo,

E quando equivocado deduzo

O fim de seus efeitos,

Outra dose de ti eu recebo.

15 4
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Controlando minhas escolhas

Lentamente me conduzindo

Revigorando a energia

Como um abalo sísmico.

155
Expiação

A Vingança do Garçom

Sentou-se altivo.

Sorriso nenhum.

Pediu o cardápio

E permaneceu em silêncio.

- Posso ajudá-lo?

Fitou-me circunspecto e resmungou

- Não, obrigado!

Levantou-se de um salto,

Empurrou a cadeira

E saiu desaforado.

Entrou no carro como se fosse um às no volante.

Fez o retorno e não viu o ônibus.

Batendo de frente

Em meio às ferragens agonizando,

Todo ensanguentado,

Pediu-me ajuda e eu disse:

- Não, obrigado!

15 6
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

157
Expiação

Ledo Engano

A luz dos postes ilumina a calçada.

Um gato defeca na grama.

Um pedestre desatento pisou na merda.

Qualquer mistério é menos oculto durante o dia.

Mas somos todos estranhos de madrugada.

Como Gilian em Trabalhadores do Mar,

Ou Mikhin em O Idiota,

Cabisbaixos e soturnos,

Introspectivos e pensativos.

Outro carro desacelerou ao passar.

Desta vez o motorista chamou a polícia.

Defensor beligerante dos bons costumes que era

Surpreendido limpando merda dos sapatos,

Não por menos do que isso,

Alguém foi preso e algemado.

15 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

159
Expiação

Lucrécia

Pobre Lucrécia,

Em quilos de banha atarracada,

Comendo pizza com as crianças.

Desafiando a gravidade ao caminhar.

Quem a vê não se lembra,

Arrastando o corpanzil pesado,

Da Valquíria sensual da adolescência.

Inebriando as mentes masculinas,

Diz-se-ia um afrodisíaco exótico natural,

O perfume que dela emanava.

Agora cheirando a parmesão e calabresa

E arrotando coca-cola.

Será triste a esfinge que embora

Em ruínas sustenta a fama

16 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Da maravilha que um dia representou?

Ou pobre de mim que, em achar

nos outros os defeitos,

Insignificante e desprezível permaneço

Sem nunca nada ter realizado?

Lucrécia casou-se, engordou e teve filhos.

Eu emagreci, envelheci e definho.

Então coma Lucrécia!

Empanturre-se de comida!

Esqueça a beleza, essa amiga ingrata!

Ame seu marido e finja nada saber

Sobre as amantes dos finais de semana.

Eduque seus filhos a serem pessoas honestas.

E proteste sempre que disserem

Que aquele vestido ficou apertado.

161
Expiação

Irmão no Exílio

Onde está agora?

Onde gostaria de estar?

Prestando favores em detrimento de esmolas,

Laborando sem intervalos, para ter uma cama para se


deitar?

Em busca dos sonhos de criança?

Ou a criança ficou de fora da bagagem

Quando embarcou naquele dia?

Terá ainda o olhar doce e singelo?

Aprendeu a malícia de saber quando as perguntas são


capciosas?

Viu as dores se repetirem do outro lado do oceano?

Terá se esquecido do teto que te acolheu

Quando a chuva caía lá fora?

Quanto carregou de nosso modo simples de viver?

162
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Ainda importa-se em socorrer os que sofrem?

Há pessoas por aí tão preocupadas com você a ponto

De doarem-se sem pedir nada em troca?

Apenas seu riso de dentes tortos

E som meio esganiçado quase engasgando.

Aonde está agora, eu espero

Que tenha os mesmos motivos

Para resolver determinados problemas

Por mais difíceis que sejam sem se abalar.

Espero que se lembre de nossas alegrias

E durma satisfeito por ter conhecido

Pessoas que realmente valeram à pena.

Aqui onde estou, tudo caminha.

Mantenho seu lugar vago,

Devidamente reservado,

Para ocupá-lo caso volte qualquer dia.

163
Expiação

Boas Novas

O modo fácil de dizer, sem causar desespero,

Que tentamos o possível, mas infelizmente...

Reticências no descontínuo...

Pausa para o inevitável choque.

Uma expressão contorcida.

Uma sensação de fracasso.

Tantas batalhas vencidas...

Casos impossíveis solucionados.

Por uma notícia triste, as alegrias,

Caem no esquecimento.

A mãe que revive a perda do filho.

O viúvo folheando o álbum de casamento.

O filho que perde o pai num assalto.

16 4
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

As palavras de conforto não surtem efeito.

Resigna-se com a máxima de que o tempo é o remédio,

Embora jamais supere de todo a decepção,

De ter seus planos frustrados.

Interrompidos pela lei natural.

165
Expiação

A Revolução dos Ponteiros

Relógio de parede.

Ponteiros parados.

Quase um quadro.

Tic-tac silenciado.

Engrenagens emperradas.

Pilha esgotada.

Qual será o diagnóstico?

Greve do tempo!

Birra das horas!

Cansadas do trabalho escravo,

Sem pausa para descanso.

O meu, o seu, o dos outros.

De corda, digitais e analógicos.

Solares, de pulso e de bolso.

16 6
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Sem sinos, alarmes ou cucos.

Todos se atrasaram num protesto pacífico.

Ao redor do mundo

Em fusos confusos, despertos pelo sol

De repente elucidamos o mistério,

A grande reivindicação desta afamada

Classe operária em demonstrar

O quão dependente somos

De seus previsíveis desígnios.

Delimitando os espaços em que podemos cruzar

Presos num muro de doze algarismos.

167
Expiação

Réu Confesso

A culpa é minha, a culpa é minha!

Nascer do desgosto, como um aborto mal sucedido.

Infringir as regras de uma sociedade tão justa,

Reprisando os erros de seus progenitores.

É minha culpa, devo admitir.

Toda a falácia contumaz contra a liberdade,

Sancionando leis que moralizam a bestialidade,

Justificando seus traumas infanto-juvenis.

Minha culpa, minha culpa!

O gérmen da dúvida implantado.

A percepção desperta pelo veneno do vício.

Cada miserável que te enche de compaixão.

16 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

A morte, a sedução e o sexo sujo.

A gula, a vaidade e o exagero.

E tudo o mais que implica a questão,

Foram por minha culpa de maneira inadvertida en-


gendrados.

E assim também o pecado por emancipação.

Através da história, tantos nomes.

Capeta, satã, demônio ou diabo.

O chifrudo, dragão, antiga serpente.

Minha culpa, é bem verdade.

A minha sentença eu conheço bem,

A eternidade no lago de fogo,

Pelos erros que vocês cometem.

169
Expiação

Importuno

Você fala, fala e... Não para!

Alguém bem que poderia me chamar

E desviar-me do foco de sua presunção,

Molestando minha boa vontade,

Devolver quem sabe a paz ao meu espírito.

Nessas horas o celular não toca.

Não passa nem um conhecido sequer.

Satisfeito consigo mesmo, você continua.

Fala e não para, pouco ligando

Quer se estou ou não lhe ouvindo.

Na biblioteca, cinema, teatro

De baixo d água...

Você fala, fala e... Não para!

17 0
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Proporciona-me tal nervosismo

Que poderia escanhoar um dicionário inteiro

De línguas mortas que não despertaria

Em mim o entusiasmo necessário para notar.

Recluso em meu tímido, mas sincero mau humor,

De tédio lhe dando mostras seguras e claras,

Mas esse é seu momento, quem sou eu para lhe tirar?

Desta catarse múltipla de um incontrolável neurastê-


nico

Aproveitando-se do poder indiscriminado da sociabi-


lidade

Para falar, falar e... Não parar!

17 1
Expiação

Vida Nova

Espere mais um pouco.

Quitarei minha dívida com o mundo.

Sairei de cabeça erguida pela porta da frente.

Deixarei lembranças aos amigos

Para os quais a liberdade é uma barreira intransponí-


vel.

Cruzarei os muros de encontro à rua.

Saboreando a expectativa de poder lhe encontrar

Contemplarei novamente seu sorriso.

Darei um abraço demorado e tentarei justificar

Os anos trancafiado nessa ilha de pedra

E as responsabilidades infringidas

Por minha conduta vergonhosa.

17 2
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

17 3
Expiação

Era uma vez...

Meu conto de fadas.

Essa doutrina da decepção,

Promessa de um paraíso perdido,

Campos Elíseos verdejantes durante todo o ano.

Sete virgens para atender minhas vontades.

Árvores cujos frutos não apodrecerão.

Manequins em vitrines de diamante,

Exibindo as penas para costurar,

Minha asa rasgada.

Meu conto de fadas.

Sínodo loquaz e enfadonho de

Verborreia pastoril exclamando.

174
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

O tenha, o seja, o possa e o queira.

Tão contrários ao modo simples de ver

O mundo a meu modo.

Esse desejo por trilhar o caminho ermo

Do desconhecido daria em merda.

Essa perplexidade que somente as entranhas

Profundas de um abismo desperta.

Cada escolha implica em sua justa consequência.

Lamento ter aceitado tudo com superveniência cega.

O lamento dos que pelo medo se entregam sem lutar.

Contudo satisfeito por saber o fim desse conto de fa-


das.

17 5
Expiação

Pedras a Rolar

Espanta-te é bem verdade,

Brado impávido que de meus pulmões rebenta,

Tirando o sono dos que depositam afora

A confiança nas mãos dos homens.

Gritando... Liberta! Liberta! Liberta!

Temperamento tempestivo surfando em ondas sono-


ras

Potencializando a sensação de bem estar,

Em cada ressonante nota, também parece gritar.

O ritmo pulsante que vibra e descarrega

Energia emotiva o suficiente para suportar o vazio da


vida.

Compasso hipnótico que lhe devolve o equilíbrio.

176
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

É vida aflorando do silêncio.

É poesia!

É sentimento!

É música!

Batuque primitivo que ainda ecoa

Da aurora do mundo até nossa descoberta inglória.

Civilizações contritas pelo desejo asfixiante de domí-


nio.

Por meios escusos, expandindo a alma.

Onde cada ínfimo som, por mais minimalista

Das bases ocultas que a certeza sustenta, parece clamar

Liberta! Liberta! Liberta!

17 7
Expiação

Credo

Creio .

No olhar triste do órfão no dia de seu aniversário.

Nas mãos trêmulas da moça violentada pelo padrasto.

No desespero da mãe que perdera os filhos.

Creio.

Nas inflamações, infecciosas, alérgicas e epidêmicas.

Na gripe espanhola, surtos de dengue, peste negra.

Hecatombes, holocaustos, chacinas, genocídios.

Creio.

Nas guerras e suas implicações catastróficas.

Em cada sorriso censurado por nações ditatórias.

Na miséria proeminente dos simples que vivem sem


ambição.

Da linha tênue que os separa do desespero.

17 8
T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Creio.

Na aliança entre a inocência e a maldade.

Onde quem não peca é taxado de covarde.

Na esperança enlutada padecendo de cirrose.

Na alegria de quem apesar de tudo está satisfeito.

17 9
Expiação

Sua Presença

Sua presença

Um calor envolvente.

Estado independente

Tomado de surpresa.

Certos erros esquecidos.

Segredos revelados.

Presente nesse instante

Qualquer erro é perdoado.

Fumos de sandice

Ainda pairam no ar

Em meio sua presença esvoaçante

Levemente alucinógena.

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Contrariando minha vontade impingida.

Adentrando pela porta sem pedir licença.

Esgueirando-se languidamente como uma sombra.

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Expiação

Sozinho Morrer

O elo que nos liga, abruptamente arrebentado.

Sabemos que terei de te expulsar.

Essa figura estranha não causa empatia.

Seu pelo caindo, ainda úmido pelo sangue jorrado.

Quem te transformou nesse mostruário de vísceras?

Quem deduziu que seria capaz de suportar?

Cada centímetro dessa depreciação e manter a calma.

Desmaiar a pauladas e voltar dócil como um cão.

Nos olhos o brilho que só eu reconheço.

Antes revelava alegria, agora só indica solidão.

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

183
Expiação

Rotina Saudável

Conformar-me, é isso?

A velhice é apenas o começo.

Todo meu interesse nesse único propósito

Distinguir no ônibus os acentos vermelhos

Alimentar a mente pra compensar a perda de neurô-


nios.

É isso...

A causa de tanto mal-estar,

A incerteza que gera dúvidas,

Meu prognóstico de tristezas infindas

Tornando-me mais flexível.

Meu tempo é escasso como o descanso de um dia.

Recuperado de um colapso nervoso volto pra casa

Ciente de que jamais me conformaria.

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

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Expiação

Gratidão

Aprecio a vida.

O resfolegante poder atrativo do amor.

As teorias inventadas para ter o que falar.

Aprecio esse instinto coletivo.

Essa sociedade estúpida e tão necessária.

Enxergando apenas o que querem enxergar.

Sobrevivo ao esquecimento.

Ao bombardeamento da censura.

Sobrevivo até a falta que sinto.

De cada momento de ternura.

E apesar da falsidade inerente a essa raça,

De compaixão desprovida,

Tornando quase impossível a convivência humana,

Ainda assim aprecio a vida!

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

187
Expiação

Dama da Noite

- Então obrigada!

Dito isto se afastou.

Cigarro entre os dedos .

Hálito de nicotina.

Único defeito, se é defeito fumar.

Virou-se e partiu rítmica.

Como se um bambolê invisível

Girasse em sua cintura.

Para minha surpresa, ressonando ainda,

Como fazemos ao lembrar

De uma música antiga,

Sua voz rouca era quase uma melodia.

Tentei como pude não ceder à cobiça.

Falhei e lamento minha fraqueza.

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Mas poucas coisas pagam o prazer de te acompanhar,

Mesmo que ao longe sumindo de vista,

Vestido curto e pernas de fora.

Lamentaria o azar de vê-la

Gestante algum dia deformar

O belo quadril de formas tão belas

Pra tal sorte nasceram as moças prendadas

Que logo de berço aprenderiam o valor da família.

Resta-lhe o feitiço sensual das morenas trigueiras

Pelas quais o soldado deserta,

Pelas quais o patriota rasga sua bandeira.

Pra ti coube-lhe ser a amante apaixonada.

Papel que interpreta às vezes sem saber.

Pra ti resta sair nas madrugadas e...

...perguntar para (um) qualquer se tem isqueiro

Para seu cigarro acender.

189
Expiação

Garoto

Tem esse garoto,

Observando-me daquele canto,

Onde os tímidos se protegem.

Cobrando incessantemente

O que lhe fora prometido.

Tem esse garoto,

Espinhas cobrindo a cara,

Pela frente toda uma vida.

Camisa com estampa de banda.

Quanto mais me afasto, mais ele se aproxima.

Tem esse garoto,

Apontando meus defeitos,

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Expondo-me ao risco diário.

Como vacinado fosse eu ileso

Da loucura os seus efeitos.

Tem esse garoto,

Uma sombra com vontade própria,

Reduzindo a nada minhas supostas vitórias,

Como o corvo o “NUNCA MAIS” a crocitar .

Tem esse garoto,

Que nos retratos sorri para não contrariar,

Quem só espera dele alegrias.

Despertando involuntariamente a simpatia

De todos que irão um dia lhe abandonar.

Digo ao garoto,

“O medo é nosso álibi”,

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Expiação

Podemos juntos nos justificar

Por todos os dias desperdiçados

Nessa eterna dúvida.

Que doravante à distância,

Que agora nos separa,

Insiste ainda em assombrar.

“Será Deus do tamanho deste vazio, ou do contrário


Deus será uma forma; deste vazio se acentuar?”.

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

193
Expiação

Fado

Para os que como eu,

Desprotegidos sob a chuva

Do lado de fora enquanto,

A arca e seus privilegiados flutua.

Que impotentes como uma pluma,

Frente ao vento impetuoso compreendem,

Que o melhor é se entregar.

Para os que famintos decidem

Comer somente o necessário

Para que o glutão possa se empanturrar.

Sem azeite para manter acesa a velha chama

Submissos como marionetes nas mãos do destino

Ventríloquos de voz própria destituídos

Raramente surpresos quando defrontam alguma des-


graça.

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T H I A G O P. V I C T Ó R I O

Para todos os filhos enlutados da esperança

Desde a infância iniciados nos mistérios do azar

Meus sinceros votos voltaram vazios

Como o fundo furado de um chapéu para esmolas.

Então espero que ao menos agora,

Expondo o cancro que silente vos devora,

Consiga ao menos fazer-lhes chorar.

FIM

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Sumário

Assim Será o Amanhã.................................................................. 8

Irmãos ......................................................................................... 10

Poema Familiar .......................................................................... 12

Existencialismo........................................................................... 16

A Queda....................................................................................... 18

Futebol e Outras Coisas............................................................. 22

Volta às Aulas ............................................................................. 26

A Expiação .................................................................................. 30

Remédio Amargo....................................................................... 34

Serial Killer.................................................................................. 36

A Voz do que Clama no Deserto.............................................. 38

Criaturas da Noite...................................................................... 40

Intermezzo................................................................................... 42

Fim da Infância........................................................................... 44

Horário Eleitoral Gratuito......................................................... 46

Besta Lavi de Ogias.................................................................... 48

Fim de Tarde............................................................................... 50

Vontade de Potência................................................................... 52
Os Miseráveis.............................................................................. 54
O Plantonista............................................................................... 56

Questionamentos........................................................................ 60

Mudanças.................................................................................... 62

Anjo Justiceiro............................................................................ 64

Inverno......................................................................................... 68

Precoce......................................................................................... 70

Bisavó........................................................................................... 72

Demóstenesfobia........................................................................ 74

Ingratidão.................................................................................... 76

Se Tu não Deves, “Temas”.......................................................... 78

Colonizadores............................................................................. 80

Devocional.................................................................................. 84

Promessas.................................................................................... 86

Universo em expansão............................................................... 88

Crime e Castigo.......................................................................... 92

Depressão ................................................................................... 96

Complexo de Culpa.................................................................... 98

Buracos......................................................................................102

Evangelho .................................................................................106
Abuso ........................................................................................110
Das Bem-Desventuranças ......................................................112

Redimido...................................................................................116

A Idade da Razão......................................................................120

Reflexos do Futuro...................................................................122

Platonismo.................................................................................124

Autodestruição.........................................................................126

Incendiário................................................................................128

Sem sentido...............................................................................130

Dez Minutos..............................................................................132

Noiado.......................................................................................134

Deidade......................................................................................136

Ódio Sagrado............................................................................138

Le François................................................................................142

Apenas Outro Dia....................................................................144

Olho Seco..................................................................................148

Antropófago Pretensioso.........................................................150

Ideia Fixa...................................................................................154

A Vingança do Garçom...........................................................156

Ledo Engano ............................................................................158


Lucrécia......................................................................................160
Irmão no Exílio ........................................................................162

Boas Novas................................................................................164

A Revolução dos Ponteiros.....................................................166

Réu Confesso............................................................................168

Importuno.................................................................................170

Vida Nova..................................................................................172

Era uma vez...............................................................................174

Pedras a Rolar...........................................................................176

Credo..........................................................................................178

Sua Presença..............................................................................180

Sozinho Morrer........................................................................182

Rotina Saudável........................................................................184

Gratidão.....................................................................................186

Dama da Noite..........................................................................188

Garoto........................................................................................190

Fado............................................................................................194
Este livro foi composto em ITC Slimbach pela
Editora Multifoco e impresso em papel offset 75 g/m².

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