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Gabriel Neto
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Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, pp. 29
Negritude
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Maria Nazareth Soares Fonseca1: Graduada em Letras Clássicas pela Universidade Federal de Minas
Gerais, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutorada em
Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais. É, desde 1995, professora da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, sendo responsável pelas Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa no Programa de Pós-graduação em Letras;
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Maria Nazareth Fonseca, Literatura negra: os sentidos e as ramificações, pp. 14
Aimé Césaire (1913-2008)
Césaire, poeta e político martinicano, teve uma participação bastante relevante no que diz
respeito à elevação e valorização da identidade do povo negro, denunciando “a inaudita
traição da etnografia ocidental”4pondo em destaque uma “desumanização progressiva”.
Define a Negritude como “la conscience d’être noir, simple reconnaissance d’un fait qui
implique acceptation, prise en charge de son destin de noir, de son histoire, de sa culture ;
elle est affirmation d’une identité, d’une solidarité, d’une fidélité à un ensemble de
valeurs noires.” De entre todas as publicações que (possivelmente) escreveu temos
conhecimento do poema “Cahier d’un retour au pays natal”. O poema em si possui
índole de exaltação espiritual, em que o “poeta faz uma busca do inconsciente e um
esforço de supressão das camadas sociais impostas.” O título do poema faz referência a
um retorno (retour) que, na realidade, pode ser entendido como um desvio, na medida em
que o próprio Césaire procurava encontrar esse desvio, como meio de se afastar de
Martinica, a ilha em que havia nascido e na qual tinha vivido e que, apesar de integrar,
maioritariamente, negros, os mantinha em condições desumanas e os sujeitava a trabalhos
pesados.
A ridicularização do branco perante o negro demonstra a vontade em elevar a raça negra
e suprimir o, então, colonizador. Na primeira passagem retirada do poema em questão,
Césaire aponta aspetos negativos da sociedade negra, autodenominando-se como “judeu”
ou “cachorro”, dando a entender que é um ser desprezável (como qualquer negro na
altura).
Coloca em destaque o facto de o ser negro ser quase como um objeto, que pode ser
esmurrado, abusado e morto sem piedade e sem que ninguém dê por isso. Na segunda
citação é-nos possível encontrar menções do colonizador, os ‘fantasmas’ que, mais uma
vez, são os impulsionadores da desconsideração pela identidade negra.
As ‘máquinas’ referem-se, possivelmente, aos carros de patrulha militar que, durante a
guerra, invadiam aldeias, sacrificando os negros.
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Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, pp. 28
o homem-tortura/Que a qualquer momento pode ser abusado e espancado/ a
murros, ou morto – sim, matá-lo – sem a ninguém dar contas nem
apresentar desculpas /Um homem-judeu/Um homem-
pogrom3/Um cachorro/Um mendigo (…)”
A fidelidade abrange uma união com a terra-mãe, que deve ser mantida acima de tudo.
4) “Chego a este meu país e digo-lhe: «Beija-me sem medo… E se não sei que
dizer, é por ti que falarei» (…) Em primeiro lugar o meu corpo e a minha
alma, deixem-se de cruzar os braços numa estéril atitude de espectadores,
pois a vida não é um espetáculo, um mar de dores não é um palco, nem um
homem que grita é um urso a dançar…”
A solidariedade consiste na ligação que todos os negros, não só em África, mas no mundo
todo, partilham.
5) “(…) E observo de novo esta vida arrastada, esta vida não, esta morte, esta
morte sem sentido nem piedade, esta morte em que a grandeza
lastimavelmente ecoa, a brilhante pequenez desta morte, esta morte que se
arrasta de pequenez em pequenez; estas pazadas de pequenas sofreguidões ao
conquistador (…)”
O poeta faz variadas menções a um conjunto de recordações (da terra, dos cânticos, das
paisagens) que se pendem pela revolta e pela necessidade em mostrá-la. O poema reveste-
se de um tom onírico que pretende, precisamente, ligar a realidade com a memória sob a
forma de experimentação de uma escrita de fúria. Certo, também, é a presença de ritmo
que abraça os versos do poema. Ao longo da leitura do “Cahier d’un retour au pays
natal”, apercebemo-nos do uso de vocabulário estranho que Césaire se propunha a
utilizar, recorrendo a palavras de outras línguas. A luta contínua de Aimé Césaire pela
busca da emancipação do indivíduo negro reflete-se na relação que detém com o seu país,
França, e com a sua terra, África, optando pelo emprego de uma postura denunciativa da
injustiça.
Assim afirmamos que Aimé Césaire procura incessantemente a luta pelo povo negro,
como forma de destacar a identidade que, inevitavelmente, se torna no maior desafio. O
desejo de restituir a África o verdadeiro orgulho que outrora teve é uma máxima, bem
como a ideologia do conceito de Negritude.
Atentando no poema que escolhemos para análise máxima do trabalho, “De antes que
expirassem os moribundos” a escrita de Rui Nogar, em que está patente uma Negritude
envolta na delação da colonização em África, este poema revela-nos, expressamente, a
“dor física” que é um meio para atingir uma dor interior.
3) “Novas rotas de cacau/ Cacau oiro e marfim/ Novos escravos a leiloar/ Nos
areópagos da hipocrisia /Novos deuses crucificados/ Na subversão das micaias/ Que a nossa
África abortou/ Oh as balas doem sim irmãos/ As balas doem”
A poesia de Rui Nogar é representativa, acima de tudo, das vivências de alguém que se
preocupa em não abandonar a Terra-Mãe. Basicamente, o que o poeta pretendia mostrar
é que “a solução para os problemas de África não estava noutro lugar senão na própria
África”. É notório o tema da exaltação do seu país, a vontade mostrada em dar
continuidade a uma África que parece ter perdido o rumo. A idealização de uma
humanidade que se mantenha forasteira aos problemas que a questão da cor tanto traz, da
exploração e do domínio, mostrando a Negritude que vigora na sua poesia,
Nasce em Moçambique a poetisa e jornalista que marca a sua poesia pela presença
constante das raízes profundamente africanas, abrindo os caminhos da exaltação da Mãe-
África, da glorificação dos valores africanos, do protesto e da denúncia.”
Acusa uma poesia de glorificação do povo negro, impactante e escabrosa relativamente
ao tratamento que o negro recebe. Noémia assume uma identidade verdadeiramente
africana, querendo divulgar uma cultura que também lhe pertence. Colaborou em várias
publicações como Mensagem (CEI), Itinerário, O Brado Africano, Moçambique 58 ou
Vértice (Coimbra). Grande parte dos seus poemas foram publicados em jornais, revistas
e coletâneas, sendo que o caderno Sangre Negro, concebido em 2001, reúne 43 poemas
de Noémia de Sousa.
Nomeada por José Craveirinha como “o primeiro poeta verdadeiramente moçambicano
no alto sentido da sua poesia e pelo nascimento”, Noémia torna-se uma imprescindível
voz do povo negro e das atrocidades a que este se encontra sujeito.
O poema que escolhemos para averiguar factos que se comprometeram com a Negritude
denomina-se “Se me quiseres conhecer”, escrito em 1958, enquanto Noémia vivia seu
exílio, mostra a relação da poetisa com o seu lugar, e ainda com a sua identidade africana.
A potencialidade desta escrita obviamente nos coloca a pensar a grandeza transgressora
de uma mulher em meio a sociedade colonial. Noémia vive toda essa complexidade e
escreve de um lugar social que é o tempo todo ratificado por ela. Neste e em grande parte
dos poemas de Noémia, a oposição “nós”/”outros” é verificada, sendo que o “nós” parte
do princípio que trata dos africanos e os “outros” refere-se ao(s) colonizador(es), ou seja
essa afirmativa mostra o eu lírico ironizando o colonizador, nesse sentido mostrando que
neste poema ela fala para os seus, dos seus e com os seus, mas também estabelece um
diálogo com o outro e esse outro aqui é o colonizador. A poetisa admite-se como voz
daquele povo, procurando enaltecer as suas qualidades e sublinhar a escravatura que é
percetível nas feridas deixadas pelos povos colonizadores. Noémia enumera algumas das
feridas deixadas ao seu povo, sendo que neste excerto é comprovado o facto do “eu
poético” se dirigir aos povos colonizadores, criticando tudo o que fizeram ao povo negro.
O “eu poético” utiliza muito a adjetivação na primeira pessoa “órbitas vazias”; “boca
rasgada”; “mãos enormes”; e fala-se ainda de um corpo tatuado de feridas visíveis e
invisíveis, ou seja crítica o processo de escravidão que submeteu o povo africano a todo
tipo de danos.
O poema inicia com uma metáfora “pau preto”, podendo aludir ao ébano “madeira
escura, muito dura e pesada”, tradicional de África, sendo, portanto, entendia como o
aparecimento de um povo:
2) “Se me quiseres conhecer, / estuda com os olhos bem de ver / esse
pedaço de pau preto/ que um desconhecido irmão maconde” (…)
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Edward Wilmot Blyden foi considerado o pai do Pan-africanismo. Foi professor, escritor e diplomata
Liberiano;
6
Para Jean-Paul Sartre: foi um escritor e crítico francês adepto do existencialismo;
7
Frantz Fanon: um filósofo e ensaísta francês, cuja presença se tornou influente na época da
descolonização.
Deste modo, a discussão de prós e contras em relação ao movimento da Negritude revela-
se extremamente complexa, no entanto precisa, já que a Negritude se envolve em
inúmeras questões raciais e morais.
CONCLUSÃO
SOUSA, Noémia. “Se me quiseres conhecer”. In: Sangue Negro. São Paulo: Kapulana,
2016, p. 40-41.