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A REPRESENTAÇÃO DO PESSIMISMO E DO OTIMISMO NA

POESIA: ANTÍTESE ENTRE CECÍLIA MEIRELES E CORA


CORALINA.

Débora Nascimento dos Santos1


Juliana Dias Lopes2
Universidade Federal de São Paulo

Resumo: Este artigo se propõe a analisar o poema “Inverno”, de Cecília Meireles, e correlacionar
com o pessimismo e a melancolia, características marcantes na produção poética da autora. Além de
comparar com o poema otimista “Assim eu vejo a vida”, de Cora Coralina, que se opõe à taciturnidade
de Meireles, mantendo uma postura sábia e realista, mas com certo lirismo em relação ao seu
cotidiano. Com o objetivo de evidenciar a existência de temas e perspectivas tão distintas durante a
mesma época literária.

Palavras-chave: poesia brasileira; pessimismo; otimismo; século XX.

Introdução

O pessimismo é um tema muito recorrente na arte, na literatura, principalmente. E é


composto pela ideia de ausência na convicção do desenvolvimento na totalidade das coisas e
seres, orientando-se à fazer análises cépticas. Na literatura, é comum que isto esteja presente
na descrições de personagens, o filósofo e linguista búlgaro Tzevan Todorov descreve o
niilismo como forte influência: “(...) segundo a qual os homens são tolos e perversos, as
destruições e as formas de violência dizem a verdade da condição humana, e a vida é o
advento de um desastre”3, ainda que o autor seja da Bulgária, sua contribuição teórica persiste
no Brasil, inclusive no poema “Inverno” analisado neste artigo e na bibliografia da poetisa
Cecília Meireles.
O otimismo corresponde ao antônimo do pessimismo, compreende o mundo
ponderando o proveito e a esperança, incluindo em tempos árduos, resistindo a declínios
emocionais e mantendo uma forte relação com a racionalidade, exercendo a lógica para
1 Estudante de ABI Letras Português-Francês da Universidade Federal de São Paulo.
2 Estudante de ABI Letras Português da Universidade Federal de São Paulo.
3 TODOROV, Tzevan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009, p. 42
solucionar conflitos. Na poesia ele pode estar presente para representar satisfação, alegria e
bem-estar psicológico, assim como nas obras de Cora Coralina.
Cecília Meireles e Cora Coralina são escritoras do Modernismo brasileiro, ainda que
nem todas as características de suas obras se encaixem plenamente neste movimento literário,
que foi instaurado no Brasil em 1922, onde tornou-se cenário de reforma no campo artístico
do país, apesar de readquirir aspectos culturais de outros países, principalmente da Europa,
atingiu o reconhecimento da nacionalidade brasileira, a valorização em determinados
momentos da subjetividade - como na poesia de Cecília Meireles - e o rompimento com o
passado.
Dessa forma, o presente artigo pretende analisar e investigar traços de pessimismo e
otimismo nos poemas: “Inverno” e “Assim eu vejo a vida” das autoras Cecília Meireles e
Cora Coralina respectivamente, demonstrando a dicotomia entre dois aspectos dessemelhantes
que apresentam-se no mesmo período literário.

I. Análise do poema “Inverno”, de Cecília Meireles

Cecília Meireles foi uma poetisa brasileira que nasceu no século XX, 1901, figura
feminina importante no Modernismo no Brasil, sua poesia correntemente transita entre a ideia
de efemeridade e eternidade, a solitude e a profundeza de sentimentos. Na sua obra poética
Viagem: Vaga Música há uma combinação entre a poesia e símbolos naturais, conjuntamente
com viagens marítimas a partir da idealização da poeta, incluindo a aproximação com o
movimento literário Simbolista, por seu subjetivismo, crenças e excesso de metáforas. O
poema “Inverno” presente no livro, refere-se já no título à uma estação do ano, mais fria entre
os doze meses e com dias curtos que escurecem mais cedo, contudo há poucas referências na
poesia sobre isso. Há, também, um distanciamento da autora em relação ao mundo criado em
Inverno, a voz do eu-lírico na segunda pessoa e o tempo verbal no pretérito perfeito
demonstram uma narrativa a qual se ocupa de um passado que se perpetua no presente.
Choveu tanto sobre o teu peito
que as flores não podem estar vivas
e os passos perderam a força
de buscar estradas antigas.

Parece haver referências a uma sucessão de eventos infortúnios que fizeram com que o
destinatário da poesia abandonasse qualquer resquício de esperança de se libertar de uma
característica inerente ao seu ser: a melancolia.
Em muitas noites houve esperança
abrindo as asas sobre as ondas.
Mas o vento era terrível!
Mas as águas eram tão longas!

Em breves momentos existiu chances de perspectiva de mudança, porém há o uso de


traços da natureza para representar sentimentos na poesia de Cecília Meireles, como: do vento
terrível e águas muito longas, que coincidem com traços de depressão, sentimento de tristeza
intensa que dificulta a libertação de um sentimento até mesmo traumático.
Pode ser que o sol se levante
sobre as tuas mãos sem vontade
e encontre as coisas perdidas
na sombra em que abandonastes.

Mas quem virá com as mãos brilhantes


trazendo o seu beijo e o teu nome,
para que saibas que és tu mesmo,
e reconheças teu sonho?

O sol parece se assemelhar a figura da esperança sob alguém apático e deprimido


(“sobre as tuas mãos sem vontade”), e encontra resolução novamente na sua própria
existência mas, em seguida, há uma pergunta retórica, duvida que haja sujeito que possa
surgir para fazer com o que o receptor do poema se encontre novamente dentro de si mesmo
para vislumbrar seus anseios, vontades e a retomada de seu interesse pela vida. Isto é, por
meio do subjetivismo e da linguagem vaga a poesia exprime a ideia do desejo de um salvador:
(“mas quem virá com as mãos brilhantes(...)”
A primavera foi tão clara
que se viram novas estrelas
e soaram no cristal dos mares
lábios azuis de outras sereias.

Vieram, por ti, músicas límpidas,


trançando sons de ouro e de seda.
Mas teus ouvidos noutro mundo
desalteravam sua sede.

Estas estrofes se iniciam, novamente, descrevendo uma estação do ano: a primavera,


essa é uma marca da passagem do tempo no poema. Com dias mais longos, temperaturas mais
altas e agradáveis, a primavera manifesta na poesia, talvez, a perspectiva de melhora, “novas
estrelas”, por exemplo, transmite a ideia de novidades agradáveis, por conseguinte temos por
meio do imagético da autora que descreve traços da natureza para compor poesia, algo que
remete a expectativa de melhora do estado emocional do receptor do poema. Ainda, “músicas
límpidas, trançando sons de ouro e de seda” reporta-se a sensações boas que alcançaram a
vida do destinatário da poesia, que não pode aproveitar, uma vez que está condicionado ao
esgotamento emocional e tem dificuldade em apreciar o prazeroso.
Cresceram prados ondulantes
e o céu desenhou novos sonhos,
e houve muitas alegorias
navegando entre Deus e os homens.

Mas tu estavas de olhos fechados


prendendo o tempo em teu sorriso.
E em tua vida a primavera
não pôde achar nenhum motivo...

Novamente o símbolo natural aparece, os prados, aludem-se ao campo, sendo este um


campo irregular, representa que novas possibilidades podem aparecer na vida do receptor da
poesia. Este trecho se torna intrigante por sua ligação com a crença, como: Céu, alegorias e
Deus - tema significativo na vida de Cecília Meireles, dado que ela era devota cristã -. A
oposição ao bom acontece repetidamente na poesia, pois o esgotamento mental faz com o que
o bom não seja enxergado, traço característico do pessimismo.

II. Análise do poema “Assim eu vejo a vida” de Cora Coralina

Autora modernista e goiana, Cora Coralina deu início à suas produções literárias
quando era ainda adolescente, mas, apesar de ter sido reconhecida pelos intelectuais da época
- foi convidada para participar da semana de arte moderna de 1922 - não considerava a escrita
como sua profissão, antes de publicar seu primeiro livro, aos 75 anos. A temática de grande
parte de suas poesias está relacionada à acontecimentos do cotidiano, sempre carregados de
uma intensa profundidade.
Em contrapartida à visão melancólica de Cecília Meireles, em Assim eu vejo a vida,
de Cora Coralina, é possível perceber uma perspectiva bastante positiva em relação à vida. As
marcas de pronomes em primeira pessoa dão a impressão de que, nesse poema, o eu-lírico se
aproxima da autora, o poema se torna uma espécie de relato autobiográfico.
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher
No entanto, apesar de sua perspectiva otimista em relação ao mundo, o eu-lírico não
representa uma figura alienada no que se refere às adversidades da vida, reconhece seu
passado duro e desafortunado. Acredita que a vida tenha dois lados que se contrastam, mas
que são igualmente importantes, pois essas experiências o ensinaram a viver.
A vida tem duas faces:
Positiva e Negativa
O passado foi duro
Mas deixou seu legado
Saber viver é grande sabedoria

A pedra é um elemento que aparece no poema duas vezes e demonstra uma dualidade
de significados atribuídos à mesma palavra. Em um primeiro momento, a pedra aparece como
um objeto que oferece estrutura. O eu-lírico, como “pedra de segurança”, parece tentar
impedir que valores humanos (talvez já extintos para a sociedade) não se desmoronem para
ele. Posteriormente, a concepção de pedra reaparece, mas apresenta-se como um obstáculo/
problema, que precisa ser desviado e ultrapassado.
Aceitei contradições
Lutas e pedras

Nos relatos poéticos de Cora Coralina, a palavra pedra é recorrente.


Sobre a importância das pedras, Bosi argumenta que as lembranças que se
ouve das pessoas idosas têm nas pedras do local onde viveram um suporte e
estão presentes nos seus afetos de maneira muito forte que representam um
elo entre o presente e o passado. (MELO, Maria Ivone Souza, 2011)

Além disso, durante todo o poema, é possível perceber o valor que é dado ao
conhecimento empírico, ou seja, como a experiência de ter nascido “em tempos rudes”,
permitiu que a autora aprendesse a agir melhor ao se deparar com os infortúnios que aparecem
com a realidade da vida. Especialmente nos versos finais do poema, fica claro que todas as
suas vivências lhe geraram sabedoria.

como lições de vida


e delas me sirvo
Aprendi a viver.
III. Comparação entre “Inverno” e “Assim eu vejo a vida”

Os poemas analisados no presente trabalho se aproximam, principalmente, por seu


aspecto intrínseco, sendo estes versos livres - que não possuem estrutura métrica e rimática -,
característica essa presente no movimento literário modernista.
As temáticas abordadas pelas autoras não são idênticas, porém se assemelham ao
relato intimista em suas poesias, além de ambas continuarem sendo lidas na
contemporaneidade por trabalharem com enunciados universais que não perdem o valor com
o tempo e influenciam autores que produziram posteriormente, como Clarice Lispector, que
se aproxima de Cecília Meireles.
Ao escrever a poesia “Inverno”, a autora Cecília Meireles utiliza de um zelo estético
na estrutura gramatical, ao redigir no pretérito perfeito e em segunda pessoa do singular,
provoca a sensação de que está se referindo à outra pessoa, ao contrário de Cora Coralina, que
faz o uso da primeira pessoa no singular e transita entre os tempos verbais em “Assim eu vejo
a Vida”. No entanto, a maior distinção entre os dois poemas está no modo de observar a vida:
o poema de Meireles mantém um aspecto sombrio, é evidente a ausência de esperança em
relação à um futuro que não traga sofrimento. Na produção poética de Cora, manifesta-se de
maneira marcante sua perspectiva confiante e otimista em relação à uma vida que, mesmo
muito difícil, deixou vestígios positivos.

Conclusão

O poema “Divisão” foi produzido a partir da dicotomia entre as duas ideias do anexo
neste presente trabalho, a obscuridade presente na poesia de Meireles e o desfecho favorável
de Cora Coralina. Além de tentar ao máximo se aproximar de símbolos que representassem
sentimentos.

Divisão
A chuva caia
sob a janela do meu quarto
e transformava em vidro
o meu retrato

E no caminho néscio
a esperança desmoronava
mas vi na minha desilusão
a mão estendida de um querubim

Encontrei forças e,
pelas frestas de minha alma maltratada,
brotaram raios de respladêcencias.

Referências bibliográficas

CORA, Coralina. “Assim eu vejo a Vida”. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 4 jul. 2001.
Folha Ilustrada

MEIRELES, Cecília. “Inverno”. In: Viagem: Vaga música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1982, p. 40

MELO, Maria Ivone Souza. Moínho do tempo: todas as vidas em Cora Coralina. Porto
Alegre, 2011.

TODOROV, Tzevan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009, p. 42

Anexo

Inverno
Choveu tanto sobre o teu peito
que as flores não podem estar vivas
e os passos perderam a força
de buscar estradas antigas.

Em muitas noites houve esperança


abrindo as asas sobre as ondas.
Mas o vento era terrível!
Mas as águas eram tão longas!

Pode ser que o sol se levante


sobre as tuas mãos sem vontade
e encontres as coisas perdidas
na sombra em que as abandonaste.
Mas quem virá com as mãos brilhantes
trazendo o seu beijo e o teu nome,
para que saibas que és tu mesmo,
e reconheças o teu sonho?

A primavera foi tão clara


que se viram novas estrelas,
e soaram no cristal dos mares
lábios azuis de outras sereias.

Vieram, por ti, músicas límpidas,


trançando sons de ouro e de seda.
Mas teus ouvidos noutro mundo
desalteravam sua sede.

Cresceram prados ondulantes


e o céu desenhou novos sonhos,
e houve muitas alegorias
navegando entre Deus e os homens.
Mas tu estavas de olhos fechados
prendendo o tempo em teu sorriso.
E em tua vida a primavera
não pôde achar nenhum motivo..

Assim eu vejo a vida


A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

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