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POEMAS DAS ESTRELAS

D.EVERSON

POEMAS DAS ESTRELAS


e/ou HAICAIS MINGUANTES

Castanha Mecânica
www.castanhamecanica.com.br
Ao Paulo Leminski no outro mundo;
e, neste mundo, à Ialy Cintra.
POEMAS DAS ESTRELAS: O BRILHO DO ORIENTE NO
OCIDENTE

“Fora da poesia não há salvação”


Mário Quintana

O mágico de se ler poesia é quando você consegue se


identificar em meio aos versos. E é justamente isso que acontece
quando D.Everson se põe a registrar seus momentos únicos, pois
estes acabam se tornando nossos instantes particulares também.
Poemas das Estrelas surge dando sequência à estrela
maior: Poemas do S(ó)l. Só que essas duas obras frequentam
órbitas distintas, sem deixar, contudo, de abordar um objetivo em
comum: a poesia.
D.Everson, neste livro, mostra mais uma de suas facetas,
além da velha conhecida habilidade e inteligência. Ele compõe seus
haicais com sagacidade e um jogo rápido de palavras, provando
que os nascidos em terras tupiniquins sabem honrar com maestria
os ensinamentos de nossos irmãos do sol nascente.
Seja no formato livre ou metrificado, a mensagem por trás
desses curtos versos são profundas e reflexivas. Abracem esses
poemas de inverno, trazidos em plenos ventos da primavera, com o
calor e o aconchego que só um bom leitor sabe retribuir ao se
encantar com determinada obra.
Mais do que um estilo de poesia, esse livro reúne amigos,
família, histórias alegres & tristes, amor, saudades e o cotidiano de
uma forma cantada com muita sensibilidade, com a percepção de
quem entende da arte de transformar sentimentos em palavras.
E se você pensa que para por aqui, está redondamente
enganado! O universo é imensurável, camarada! E a mente que
habita esse poeta não poderia ser diferente. Uma saga promete
apontar dessas brilhantes constelações já existentes. É aguardar e
conferir.
Sem mais, deixo vocês se encontrarem (ou quem sabe se
perderem de vez) nas palavras do poeta!
Que o esplendor da poesia permaneça vivo por um tempo
sem fim.
Tenham uma excelente leitura!

Ly Cintra
CONSTELAÇÃO EM TRÊS LINHAS

Nas entrelinhas das três linhas de D.Everson, vejo o seu


traço mais presente: a liberdade pela forma. O famoso universo 5-7-
5 dos haicais, por Everson, não cedeu espaço à sua ousadia na
construção de suas edificações poéticas. Que, por sinal, estão
consideravelmente mais concretas do que em seu livro de estreia:
Poemas do S(ó)l.
O número de imagens sólidas é sensivelmente superior à
sua primeira aparição em uma publicação. O que não exclui o lado
abstrato de Poemas das Estrelas. Leia-se como abstrato: as
paixões e os quase amores, tão característicos nas linhas desse
poeta marciano.
Antes que alguém pense que “poeta marciano” seja uma
piada interna, esclareço que uso essa denominação é devido ao
seu blog: Poetas de Marte. Um dos principais propulsores da
trajetória desse poeta da cidade de Bezerros, interior de
Pernambuco.
Mas, voltando à Terra... Essa nova aparição de Everson,
além de marcar o seu retorno aos temas outrora trabalhados por
sua mão livre nos do S(ó)l, marca, também, um considerável
amadurecimento pelo uso da palavra. Talvez, a grande explicação
esteja na luta diária do poeta:

A gente luta para não ser igual.


Mas morre xérox mal tirada:
Faltando a parte que era original.

Luta esta que pode ser vã e que pode até nos vencer em
algum momento de fraqueza:

Poderia até dizer que sou diferente.


Mas como? Se meu barco furou,
ainda nado de acordo com a corrente.
Mas, eis que a teimosia aparece — mais uma vez e com um
já conhecido poema para quem acompanha o poeta — vencendo as
dificuldades inerentes ao ofício da poesia. Sim, deve ser esse o
motor que Everson usa para pilotar a nave de Poemas das Estrelas,
a teimosia:

Ser teimoso é qualquer coisa de lâmpada,


Sem produzir luz ou sacudir as âncoras.
Ser teimoso é navegar na cruz da ânsia.

Este livro explora a mente mais interplanetária que tive o


prazer de conhecer. É uma haiviagem, só de ida, para a cabeça de
D.Everson. Porque a de volta a gente vê depois em Poemas da
Lua.

Fred Caju
BREVE ORIGEM DO HAICAI E SUA CHEGADA AO BRASIL

Poema de origem japonesa, o haicai ou haikai, é um poema


formado por 17 sílabas/sons, divididas em 3 versos de 5,7 e 5
sílabas, respectivamente. O surgimento do haicai remonta ao
século XIII, período do qual data o primeiro poema conhecido desse
gênero. No entanto, alguns séculos antes (mais precisamente no
século VII), aparece o Waka, poemeto com versos de 5 e 7 sílabas
métricas, isto é, para os padrões ocidentais, que, posteriormente,
será modelo de métrica para a poesia japonesa tradicional.
Foi com Matsuó Bashô, no século XVII, que o terceto atingiu
sua plenitude. Descendente de uma família nobre, filho de Samurai,
o maior poeta do gênero Haicai passou a se dedicar à composição
dos poemas depois da morte de seu mestre, o também poeta
Sengin. O haicai se afirmou nos séculos seguintes com outros
poetas como Bussôn, Massaoka Shiki e Kobayashi Issa, que foram
elevados à honra de haijins, isto é, praticante de haicais, sendo
responsáveis pela perpetuação e pureza formal desse gênero
poético.

Haicai no Brasil

O primeiro escritor a se referir ao haicai (como o termo


passou para o português) no Brasil, foi Monteiro Lobato, no Jornal
“O Minarete”, em 1906. Nessa ocasião, Lobato traduziu seis
poemas haicai e escreveu um artigo intitulado “A poesia japonesa”.
Posteriormente, na década de 1930, colonos japoneses
organizaram núcleos com o objetivo de estudar, difundir e produzir
haicais. Porém, com o início da guerra e a franca oposição dos
aliados ao eixo, criou-se um clima de perseguição e preconceito a
tudo o que era relacionado à terra do sol nascente, razão pela qual
“intercâmbios culturais” entre os dois países terão lugar somente na
década seguinte.
A popularização do gênero no Brasil só aconteceu com
Guilherme de Almeida, a quem se deve a forma menos rígida da
estrutura do haicai e consequentemente sua nova cara (o primeiro e
o terceiro verso rimando, e o segundo com uma rima interna), e a
sua consequente apropriação pela poesia brasileira.
No ano de 1933, Siqueira Júnior publicou uma pequena
coletânea intitulada, simplesmente, “Haikais”, que viria a ser o
primeiro livro dedicado ao gênero no país. Embora, anteriormente, o
próprio Guilherme de Almeida tenha lançado um livro que continha
alguns tercetos, mas não completamente dedicados ao gênero.
Contudo, o haicai passou a fazer parte da literatura
brasileira, solidamente, através de dois escritores: Millôr Fernandes
e Paulo Leminsk. Escrevendo haicais desde 1957, Millôr Fernandes
com sua composição de tom satírico se filia de forma muito especial
aos poemas-piada de Oswald de Andrade. Mesmo porque ele
próprio foi um dos responsáveis pela desconstrução da estrutura
tradicional do poema (haicai), restando de suas características
primeiras somente a disposição em três versos.
Hoje, no Brasil, existem diversas variações de haicai,
utilizadas pelos novos e antigos Haijins. Haicais com estrutura “à
moda brasileira”, assim como o velho terceto japonês tradicional;
sem título nem rima; haicais com influencia zen, ou com fim
humorístico/poético; assim como, também, misturas de todas as
tendências existentes. Por isso, é fácil concluir que, pelo menos
aqui no Brasil, sempre existirão pessoas de espírito sensível que
continuarão se dedicando a compor e cultuar o antigo poema
oriental.

Bruno Crespo Soares

________________

REFERÊNCIAS
ANDRADE, D. E. da Silva. Breve história do Haicai. In: Haicais de
domingo. n. 1, 2010. Disponível em:
<http://poetasdemarte.blogspot.com/> Acesso set. 2010.
GUTTILLA, R. W. Boa companhia: haicais. São Paulo: Companhia das
letras, 2009. 189 p.
MILLÔR, Fernandes. Hai-kais. Porto Alegre: L&PM pocket, 1997. 128 p.
SEIXAS, Antônio. Abc do haicai. Disponível em:
<http://universodohaicai.vilabol.uol.com.br/ABC.html>. Acesso 16 set.
2010.
WIKIPÉDIA. Haikai. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Haikai>.
Acesso set. 2010.
HAICAIS MINGUANTES
Choro? Mantra do homem que não sabe rezar.
Tempo? Inimigo daquele que não tem liberdade.
Amor: teoria teoria teoria teoria.
DESENREDO

Minha ansiedade é solidão?


Seus olhos, um segredo?
Meu dezembro, outro beijo?
É ISSO...

Sorrir: barato e convincente para o coração,


Trabalha os músculos da face
E não tem contraindicação.
FALANDO DELA

Agora, ela não é mais nem saudade!


Só a vaidade do poema é verdade:
Meu coração mudou de cidade.
A chuva chuvisca
E molha só uma flor lá fora.
Mas a lis? Invicta!
HAICAI COM UMA LÁGRIMA

De que edifício terei de pular?


Para provar que é difícil sem você por perto
Um ser humano aprender a voar.
HAIFOGADO
(para Alphonsus de Guimaraens)

Com ar, nos ares da Espanha,


O touro se assanha e não quer se acabar.
Como El Toreador maluco, me ponho a sonhar.
HAINIVERSO

Estrelas na blusa apontam:


Há um universo!
Dentro de cada um, à solta.
SINAL FECHADO

Os patos atravessam na faixa.


Os Beatles imitam de graça.
Mas ninguém se arrisca lá na de Gaza.
POEMA EM TOM DE SÓ

Ando contigo na cabeça,


Ela, este mês, é toda uma orla
Onde rebenta incessantemente teu nome.
VINGANÇA

Para os inimigos?
Eu deixo o que não fiz em verso:
A prosa prolixa da vida.
A LIBÉLULA E A LÂMPADA INCANDESCENTE

Ser teimoso é qualquer coisa de lâmpada,


Sem produzir luz ou sacudir as âncoras.
Ser teimoso é navegar na cruz da ânsia.
COMO DIRIA LEMINSKI

Não tenho nada a ver com isso


A culpa foi da minha graça
Que desabrochou muitos sorrisos.
DIETA MONÁRQUICA

O rei acordou pela manhã


E tomou canecas de boldo
Acompanhadas de maçã.
Fale agora ou cale-se para sempre!
Porque já ouvi de muita gente
Que o sujeito que cala consente.
HAI-KAI-DO

Poeta maldito não perde o ritmo


Insiste em pilotar sem usar o cinto
E bate na vida que é só granito.
HAICAI PARA PÁLIDOS

Eles te roubam quando você fraqueja,


Mas eles são os mais fracos
Porque não sabem duelar nos teus dias de glórias.
HAIKIPÉDIA

No principio era o verbo.


E agora? Wikipédia:
Descrevendo pau e pedra.
P&B

A gente luta para não ser igual.


Mas morre xérox mal tirada:
Faltando a parte que era original.
Sem ela, nem mar.
Eu, nem chuva.
Se ela me amar, o sol ajuda.
VOCÊ

Quanto mais cedo,


Menos sede.
Menos rasgação de seda.
ABAIXO A MONARQUIA

Hoje, comprei uma caixa de democracia


Importada do Chile:
Um boldo destronador.
COMPREENDE?!

O garçom vive engarrafado no bar


Como o carro vive no transito
E o texto ao mar.
DOS TRENS PERDIDOS
E/OU DO QUE NÃO FOI RELACIONAMENTO

Nunca mais irei dizer que gosto de alguém


Sem ouvir minha importância para outrem.
Nos dias mais sinceros, perdi o trem.
HAIDIETA

A paixão é um grão
De feijão que
Brota no coração.
HAIMIZADE
(para Ane)

Eu sou assim: folha limpa.


Você escreve e dá uma rima
Tudo dura, se afina.
Flor é somente flor,
Por dentro e por fora, uma cor.
E em sua essência: vermelha de amor.
HAIVOLTADO

Amo até quando não amo


E odeio por não ser o amo
Daquela que rimando chamo
Quando o poeta gear
Arme o guarda-chuva
Vai que ele pede a sua ajuda
VOVÓ ZEFINHA

Todo o vocabulário nordestinês


Esconde-se atrás do vermelho bonina
Das histórias que a minha avó conta, desde eu menino.
HAICAIS DE INVERNO
HAICAI DE INVERSO

Remédios só te enganam.
Só a verdade é tranquilizante.
Aceite seu carma e desça da roda gigante.
HAI-ZEN-CAI

Aprender coisas que só o vazio permite.


Atirar pedras no lago do pensamento.
E estudar as ondas produzidas pelo vento.
HAICAI SOBRE COMO NÃO DAR TIROS NO ESCURO

Mesmo que se atire para todo lado,


Mata-se muito mais de ilusão.
E o único macerado é o atirador sem razão.
INSÔNIA

Que não goteje no beliche!


A música da chuva
Convida-me a pedir ajuda.
LADO A & LADO B

Ouvir o lado B da vida não funciona com pessoas lado A.


Viva, macaqueadamente, exibindo a sua imitação,
Sabendo ser preciso viver a vida, jazz da improvisação.
MUDAR É PRECISO, NAVEGAR NÃO É PRECISO.

Poderia até dizer que sou diferente.


Mas como? Se meu barco furou
Ainda nado de acordo com a corrente.
O PULO DO GATO MAL CALCULADO

Importante não é pular da ponte.


Importante é saber nadar mais do que antes.
Sem nado não existem gigantes.
PARO

No meio da rua, escarro.


Não tô afim de trânsito.
Vagar perdido é meu carma.
SABER E SER

As pessoas viajam
Para fora de si.
Quero viajar para dentro de mim.
POEMAS DOS ÚLTIMOS DIAS
HAICAI COM UM SORRISO
(à Alê)

Sei que a vida não é piada


Entretanto, sorrir ao invés de chorar
Ainda é a melhor sacada.
OFÍCIO PERFEITO

Ser político no Brasil?


É uma forma honesta
De se tornar ladrão
O AUTOR

De Bezerros para o planeta Marte, com escala em Recife, essa é a


trajetória do poeta Daniel Andrade, vugo D.Everson. Metido a
escritor menor traz na bagagem poemas que sobreviveram a mais
de uma década e que circulam em panfletos de poesia marginal
desde 1997. Destaques para seus livros: Poemas do s(ó)l (2009) e
outros ebooks na primeira fase do projeto Castanha Mecânica.
Atualmente desenvolve atividades na biblioteconomia, além de
comandar a coluna Mexendo na Sua Radiola no blog Poetas de
Marte; também joga na fogueira de vez em quando um poema seu
nós blogs Cronisias e Simulacro Poético, sendo o último autoral.
ÍNDICE

POEMAS DAS ESTRELAS: O BRILHO DO ORIENTE NO OCIDENTE


CONSTELAÇÃO EM TRÊS LINHAS
BREVE ORIGEM DO HAICAI E SUA CHEGADA AO BRASIL
HAICAIS MINGUANTES
“Choro?”
Desenredo
É isso...
Falando dela
“A chuva chuvisca”
Haicai com uma lágrima
Haifogado
Hainiverso
Sinal fechado
Poema em tom de só
Vingança
A libélula e a lâmpada incandescente
Como diria Leminski
Dieta monárquica
“Fale agora ou cale-se para sempre!”
Hai-kai-do
Haicai para pálidos
Haikipédia
P&B
“Sem ela, nem mar.”
Você
Abaixo a monarquia
Compreende?!
Dos trens perdidos
Haidieta
Haimizade
“Flor é somente flor,”
Haivoltado
“Quando o poeta gear”
Vovó Zefinha
HAICAIS DE INVERNO
Haicai de inverso
Hai-zen-cai
Haicai sobre como não dar tiros no escuro
Insônia
Lado A & lado B
Mudar é preciso, navegar não é preciso
O pulo do gato mal calculado
Paro
Saber e ser
POEMAS DOS ÚLTIMOS DIAS
Haicai com um sorriso
Ofício perfeito
O AUTOR
Everson, Daniel

Poemas das estrelas = Haicais minguantes / Daniel Everson. – Paulista:


Castanha Mecânica, 2013.
1 arquivo Kindle.

Preâmbulo: Ialy Cintra


Prefácio: Fred Caju
Introdução: Bruno Crespo Soares
Revisão: Ane Montarroyos
Título da capa: Poemas das estrelas e/ou haicais minguantes

1. Poesia brasileira 2. Literatura brasileira 3. Poesia pernambucana I. Título.

869.0(81)-1 E93h CDU (2. ed.)

Todos os direitos de cópia reservados a Daniel Andrade. Para autorização


de reprodução entrar em contato através de danielevrson@yahoo.com.br.

Ficha Técnica
Capa: Daniel Andrade
Revisão final: Ane Montarroyos
Preâmbulos: Ialy Cintra, Fred Caju e Bruno Crespo
Editoração: Fred Caju
www.castanhamecanica.com.br

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