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SOUSÂNDRADE
LIRAS PERDIDAS
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LIRAS PERDIDAS, LIRAS ACHADAS
Ao contrário de Harpa de ouro, que traz duas do manuscrito, em seguida à folha XXVII.
está
assinaturasdo autor, este Liras Perdidas não está as- Na parte superior direita de cada folha
"Có-
sinado.Mas a presença
de Sousândrade, sua parti- escrito por Sousândrade, cm tinta vermelha:
apa-
cipaçãodireta na preparação do manuscrito faz-se pia de Anna Ess. Rio." Essa forma, entretanto,
variantes
evidente pelas correções, substituições, acréscimos rece apenas 19 vezes, já que existem as
'Anna
e supressõesde próprio
punho,2 pelo estilo e, prin- seguintes: "Anna SSS" (2 vezes, p. II e XVI);
Esss" (2
cipalmente,pelo conteúdo dos poemas, datados de SS" (3 vezes, p. 111,XIV e XXIV); "Anna
vez, p. XXVIII).
Paris,Nova York (incluindo o Sacred Heart vezes,p. VII e IX) e "Anna Esse" (1 acrescenta, a
College,onde sua filha Maria Bárbara estudou), Além de escrever Rio, Sousândrade
Alcântarae a Quinta Vitória. Além disso, o título respeito de Anna: "da Helvecia"
(p. XXII), "da
Lirasperdidasaparece em cinco dos poemas aqui XXIII) e "D'Helvetia" (p. XXV).
res-
reunidos,os quais foram publicados sob o nome do A folha XX está cortada verticalmente,
poeta, no jornal O Globo (São Luís), sendo que tando, na metade presa ao manuscrito,
a conclu-
iniciado na
doisdeles deixaram de ser recolhidos ao manuscri- são de Loucuras entre Jasmins, poema
poema
to: Flirtationse Hero e Leandro. páginaanterior, e os primeiros 20 versos do
Mede o manuscrito 22 1/2 r 34 1/2 centíme- Leila,notando-se claramente, ao longo do que pas-
tros. Está escrito em papel almaço de dois tama- sou a ser a extremidadedo papel, o começo de le-
nhos (as quatro primeiras folhas medem 22 2 por tras que deveriam ser a continuação de "Lei" e tal-
1/
3112centímetros), mas sempre com 33 linhas, com vez os versos iniciais de outra composição.
exceçãodas quatro iniciais, que não são pautadas. O manuscritoconsta de 46 poemas (a esses
O papel menor, usado para a parte inicial do ma- acrescentamosos dois recolhidos em O Globo) de
nuscrito, tem as linhas quase desaparecidas.A capa extensão,metro e conteúdo diversos, com datas que
da brochura, mandada fazer pela direção da Bibli- vão de 1855,quando o poeta contava 23 anos de
oteca Pública, é de papel imitação de couro, de cor idade, até 1890,época em que tinha 59 anos. A
azul,trazendoem cima e à direita pequeno retân- seqüênciadada ao livro não obedece à ordem cro-
gulode papel branco preso por fita durex, com o nológica de composição das poesias nele enfeixadas,
título da obra e outros elementos, inclusive o nú- e que, na maioria, são canções de amor, bem à moda
mero 41, correspondente ao antigo fichário de ma- da época, e geralmente ao nível das de Harpas sel-
nuscritos da Biblioteca. vagense Eólias.As peças deste livro são de épocas
Os poemas estão escritos com tinta escura,
em que Sousândrade trabalhava em poemas de
hoje semelhando marrom, e foram, do começo ao maior extensão, como O Guesa, Novo Eden e Har-
fim, manuscritos por uma só pessoa. A letra não é Pa de ouro.
de Sousândradenem de quem manuscreveuHar- Além da beleza romântica, Liras Perdidas tem
Pa de ouro. O título Liras perdidas encontra-se no como roteiro para o estabelecimento da bio-
valor
alto de todas as folhas, com exceção das de núme-
grafia do poeta, em razão da diversidade de datas e
ros V, XXII, XXIII e XXIV.A numeração está em
lugaresreferidos,o que ajuda consideravelmente
algarismosromanos, na parte superior esquerda. Na
na busca de elementos para traçar a trajetória des-
encadernação, as folhas VII, VIII e V foram se verdadeiro Guesa.
deslocadasda ordem, figurando exatamente no fim
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LIRAS
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Hinos! hinos! —Quão doce tua inocências
Cotni maWassada,cm sal, mesmo sem ter vista, a olhar!
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LIRAS PERDIDAS 9
MINNIE7
MINNIE9
Que utnbrosos olhos!
Que utnbrosa trança! (Seu pai, um capitão do mar,
desaparecera com o navio em viagem
N'alma a esperança
para a Austrália pelo Cabo Horn;
Tetno.stão jovem, a filha, desde Pequena, ainda o espera.
Que ouvidos ouvem Esperará eternamente, diziam).
Dela o gritar...
Não ouves tu? Quão linda coses
Na verde alfombra,
Deste daylily Da casa à sombra,
O encanto eu tenho: Da sesta ao ardor!
E eu, por ti, venho Já toda grande,
Da infância ao jogo: Dezesseis anos,
No olhar tens fogo, Oh! toda arcanos,
Sons e fulgor!
Gênios no olhar...
E não vês tu? 2 Porém, mais linda
Do que ser grande,
3 Estavas lendo; Ao Newfoundland
Lês como um sábio: 8 Trazes o pão:
Que rubro lábio! Jamais inferno
Que fino riso! Foi tão gemido
Já perco o siso, De anjo querido
De tanto amar... Qual o teu cão.
Não amas tu?
3 Deixaste os prados
Da infância: agora
Tu és aurora,
4 Daqui a um ano Do lar a luz
Eu volto ainda, E o firmamento
Ver-te tão linda Na divindade
E amar-te mais Que faz saudade
Da sombra ao arcano, Que a amar induz.
Do amor aos ais...
E tu? e tu?
4 Riso, ou silêncio
5 —Que firmamentos Que à virgem pesa,
Tens a tristeza
Puros! quão leves
Que alma nos tem:
Brisas! E breves
Do mar notícia
Foram momentos Não veio a porto,
Over aos céus! Se é vivo ou morto
E lá sempre inda, Teu pai, se vem.
Minnie, a infinda
Glória de um Deus! 5 Nem de ano a ano
Mais voltaremos,
Uarrytown, Nova York)
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E mais nem temos ALABASTRO
De te ver. —Ai!
Que a alrna se parte, I Eis um vaso de puro alabastro
Minnie! nem sejas Que é a imagem de quem longe está,
'Iriste, se o vejas Que ao noivado meu dera-me um astro
Qual a teu pai. E que encerra um mistério. Sinhá,
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I.IRAS PERDIDAS
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SOUSA.XDR-ADE
1 Há, qual mistério, risonho 2 Porém... aonde vai-se ela às noites, quando
Sempre-idflio: alma eu suponho Ao serão todos brincam reunidos?
Da luz de cada manhã — Sua mãe enferma, a olhar, petrificando,
Sempre uma Aninhas! ao dia Olhos na escuridão e os lábios lívidos,
De ao redor de ti, bem via
Em a atração d'outro imã. 3 Olhava, olhava: sombras esgueiraram
Na treva que aos abismos assemelha.
2 Irradias —ai, os sonhos
Silenciou-se; estristeceu-se. Uivaram
Dos outros tempos risonhos
Os bosques ao trovoar por noite velha.
Da infância, do íris do albor
Nos formosos róseos mundos...
4 Só, deserta na sala e sem vir nunca
.. ouvem teus risos jucundos;12
Quem ajudava a triste a recolher,
Nos espreitam... foge, amor!
Amanheceu qual fosse uma defunta
3 Co lo meu lusitano homónimo Que não pôde na campa adormecer.
Ligou-se Hortense —ai de mim
Pelo qüiproquó desse home...
Ela, Anita, tão bonita, PARTINDO I
Florpungia o lábio assim.
The first Willbe the last
4 Mas, se esta à Utie fez figa, Evangelho
Leila não ta faz, que és pura
Tu, da caridade amiga. 1 —Já, Saudade?... de amores enfermos,
Oh, Anita, que boquita! Ai a terra que vamos deixar!
Quão botão de rosa! fura! De tão ledos, quão tristes os ermos
Da esplanada de alheio solar!
5 Dás-me uns ares d'Estrelinha: E das mágoas tão tuas, que eu sinto,
Só por isso é já te amar: Eu não vejo, não vemos os termos —
Meu coração, tão sozinha, Do áureo sonho nas sombras extinto,
Curou ela, que era estrela — Deus! quão pálido de hoje o acordar!
Mandou-te a enfermeira minha
Nobre?... curar com beijar? 2 Sobre a relva doirada da tarde
Estenderam-se os raios do sol;
6 Da amante Leila pardita Há, da calma o fulgor, a
saudade
Acostumei-me a estes tratos De um mortuário formoso
lençol:
Carinhosos: Wellow fita, Vês?
. e a esp'rançanão deixa-nosainda
Polígamos, 'scand'los-vand'los Do viver todos juntos, de
De Salomão. Beijos castos que há-de
A nossa alma haver pátria
Neste de rosa botão d'infinda
Sempre-flor, sempre róseo
Qual o carbúnculo,Anita, arrebol.
Com arras de Leila e pão. (1875)
ZELOS DE LALÁ
LEONOR GARCIA12
Abençoada a hora em que odiei-te
—Vedesaquela menina
Tão vulgar! abençoadaseja a hora Tão isenta, tão divina
460
MRAs 9
I I N.1 Ia.
ed., por engano,
l'} N;' I. ed., por deuc de revi.sáo, do grande sofrimento.
461 e
SOUSÂNDRADE
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LIRAS PERDIDAS
ZELOS DE MIMA
II No outro dia, contando, e entre risadas
A casta diva e o dom Pantaleão...
1 Oh, levem-me ao país do gelo e o fogo,
Eh! suador não conheço nem gemadas
Sonhos selvagens meus e cópia dela, Melhores que estas, pra constipação.
As longes pátrias das azuis raposas,
Do sol de noite e da polar estrela!
LEMBRANÇAS DE CASTRO ALVES
Levem-me à Terra-verde esperançosa, E DE ÁLVARES D'AZEVEDO
Do Tugungato aos elevados cumes;
Com ela abrasem-meos vulcões acesos— I Brilham no espaço as estrelas
Aos ribombos fatais destes ciúmes! Grandes, belas
Qual olhos brilham a amor:
3 Com ela a sós nas gôndolas venetas, Noite; às sombrasjaz deitado
Nos camarins olentes da odalisca, o namorado
Da mangueira,
As pátrias, doces pátrias das Julietas, Trovador.
Ou onde aos beijos expirou Francisca!
2 De cada aragem da brisa
4 Das mulheres d'outrora, essas heróicas Que desliza
Que à vida e à morte presas aos maridos Ela escutao segredar,
(Não qual esta que eu amo) eternamente Passos ouve -- são as vozes
Amavam, e ainda ao inferno iam-se unidos! Meigas, doces,
Conhecidas. -- E a sonhar
5 Esta reluz, qual em Paris Saturno
3 Vê a luz dela e o encanto
Ao telescópiovi da Ponte-Nova; Do amaranto
Mas, com tal perfidez a este cume, Dos puros vestidos seus;
Que há-de, certo, comigo dar na cova! Passam músicas nos cumes;
Há ciúmes —
6 Noite, sem sono... pesadelo. Esgrenha, "Quem sabe, os astros dos céus..."
Punhal cingido e na cabeça a bela,
No capote s'embuça cor de muro 4 Sonha e não dorme, ou delira,
E trovejandoos céus: Abre a janela! Já suspira
E da brisa ao perpassar
7 Um coro genesíaco e profundo, Abraça um lírio, risonho
Ouve o retumbamento da soidão, Qual um sonho
Os sapos pareciam prolongando Havido ao raio estelar
Destes ciúmes o infernal pregão!
5 a—Eis que, das sombras, fantasma
8 0 mar ao em torno em fósforosrevolto, Surge, pasma,
Lampeja, vibra o punhal.
Os céus toda a negrura dentro o cérebro,
E a terra o fermentardo úmido e o quente Ouviu-se, as flores roçando,
S'elevando
Deste indómito amor-deus e vértebro!
O espírito celestial.
9 E sonha co'um rival. Columbus, mares
6 E veio a linda inconstante
De chuva afronta. Dom Quixote, sai E do amante 15
Engatilhao revólver. Dela à porta Prendeu-se ao brutal furor;16
Foge-lheo pé num cogumelo e cm! Depois, ao corpo já frio
Mal sorriu,
JO Ora, então acomoda; e de sí mesmo Passando, do Trovador.
Envergonhado,as armas ajuntando,
Olha, c não vê ninguém... À casa volta (1861)
Sem boné, grandes frios, e espirrando!
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SOUSÂNDRADE
OUTRORA ANINHAS
xxxx
xxxx
Look upon me! the grave
more than I am changed 1 Salve, meus dias das doiradas tardes,
for thee. Thou lovedest Que de novo surgis em céus de azul!
tne too much.
Eu sentia de vós fundas saudades,
Qual às longínquas solidões do Sul.
hath not changed thee
1 Salve,salve os que voltam! mas, não sejam
Gordon Byron As vãs passadas loucas ilusões;
causa Ora, à crença formosa, em que se beijam
Como as clores renascem! Fui a A flor da boca os céus dos corações.
Causa, inócua da tua perdição:
E em teu delírio, feminil e cega, 3 Verdes montes enfloram, resplendecem
Esmagastea teus pés meu coração! De oiro amarelo ao sol ocidental,
Quando amores dos céus terra descem
o raio,
2 Que a vingança da amante é qual E sobe aos céus nossa altna divinal.
importa aonde!
Que há de cair -- oh! pouco
há morte,
Se abismos há, se infernos há, se 4 Serenidade da paixão ditosa!
esconde!
e de si tncstna o seu amor a Doce, meigo sentir d'íntimos céus!
Curvo-me eu diante desta doce rosa,
Mas, recolhendo, no seu vivo túmulo, A influência edenal dos risos seus!
ut'ñoodienta!, vaidosa!, foragida!
Vê na mudez profunda, que a desgraça
Foi da louca a visão, da fementida! LOUCURAS ENTRE JASMINS
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2-7)
LEILA IH
criança
I Escuta ao arpejo, que a meiga
Constança inspirara num tempo feliz:
Tu não me esqueceste
olho Por isto, e celeste
diz:
5 De flor e de amor o arpejo assim
"Tu serás a cornpanheira
Da minha triste existência:
Te amostrarei das estrelas
/ e Kisa;'
A harmoniosa cadência;
e às dúzias IO Das Ivarpas misteriosas
(
A virginal confidência,
E ouvirás os sons noturnos
Da noite n'alta dormência.
Cumpriram-se todos destinos felizes;
bebe e mais bebe, Raízes prendidas em fundo amargor:
15
20 Chegaram dos frutos,
E que ébrio se tica, Dos prantos, dos lutos
Bem vejo, Os tempos; passados os tempos da flor.
puto e at»brosiavlo asas de fogo, quais tuas, dos ares
E 'CIS
20 Nos mares reflexasem coroas, bem vês
E ébrio cai, resvala
(1865)
A NOIVA DO COMETA
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SOUSÃNDRADE
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l.tRAS9.
FILHA ENFERMA20
E haver terra (até faz tnedo)
Sern chansons e segn brinqued(
1 Eu quisera viver tnais dia,
Ainda e setupre contigo brincar, Das sinluís;
Filha, e ver-te crescendo à hartnonia
6 E se houver? --que mais seria
que os céus te quiseram cercar:
do que titn ninho das harpias
Porélli rnorres! e neste deserto E
l,hl São Luís:
Vaisdeixar-tne cotu Deus e sem ti! Mais que cancãs e que lamas;
Antes vá eu seguindo de perto Embora as tubas das famas,
Quem das trevas tirava-me aqui! Tal Paris?
3 E que os hinos à terra publiquem 7 Em fugir primeiro eu fora
Quanto a morte roubou-nos atroz: Das terras encantadoras
Tantos sonhos de glória, que fiquem Onde a amor
Aos que são mais felizes que nós! Prendes colos, quebras asas,
Lírio ou brasas,
(1868) Grandée-candi ou rubra flor!
(1859)
RISONHAS
20 Minha
Filha era o título original desse poema. indicação no manuscrito, onde foi omitido o verso "Destes véus puros nitentes".
21 PUblicadan'O Globo, 22,IO.1889, ne 39, p. 2, conforme
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MIMA ONDA VERDE
(Manhattanville)
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UPAS PERDIDAS
esp'rança
8 Caímos quando toda em flor a terra, 12 —A amizade e ao amor! a glória, a
Todos divinos corações nos amam, —Na alegria as canções de despedida!
A nós gue os raios somos do infinito,
Sabem, mais que a dos prantos, a lembrança
Nós aspirando aos céus! Dos risos duram mais, duram a vida:
4 Se qual Byron, qual Hugo, fui Mascotte 10 Lembranças mando aos Andes; Del Solar,
Vendendo as Harpas dos cantares meus: De Lastarriae Donoso, à luz, à ciência;
Ora, empunho do Cristo o calabrote, A todos esses mundos de existência
César, e dou a Deus o que é de Deus. Que eu lá deixei, que eu vejo a me acenar!
5 Enquanto nos confiscas a fazenda, 11 Oh, eu sou qual o sol, que a luz de graça
Destelhas-nos a casa —a nos render Derrama sobre a terra em puro amor!
Pela fome, acenou-nos co'a prebenda — Qual o cego, terei meu pão da praça,
E é por armas que havemos de vencer. Dos céus a coroa e dos jardins a flor.
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