Antes de iniciarmos a análise interpretativa do poema
"Antífona", de Cruz e Souza, retornaremos brevemente sobre o
período do Simbolismo, tendo início no final do século XIX. Esta fase literária inicia-se com a publicação em 1893, de Missal e Broquéis, do poeta João da Cruz e Souza. A linguagem simbolista se caracterizava como abstrata e sugestiva, atribuindo um certo misticismo e religiosidade as obras. Os poetas dessa época valorizavam muito os mistérios da morte e dos sonhos, carregando os textos de subjetivismo. A morte é vista como uma espécie de libertação. Os principais representantes do Simbolismo foram: Cruz e Souza e Alphonsus de Guimarães. Segundo o dicionário da Língua Portuguesa por Evanildo Bechara, o significado da palavra antífona é indicado como: Antífona. sf. Liturgia. Versículo recitado no início e final de um salmo, e que o coro repete. As antífonas se cantam a duas vozes, uma responde à outra, e pode ter citações das escrituras cristãs. A leitura do poema, então, deve ter a solenidade do ritual religioso, e o ritmo sagrado da música sagrada. De início será abordado um pouco sobre a estrutura do poema, em que se fundamentava gramaticalmente Cruz e Souza e suas principais características no plano temático e no plano formal. O poema é distribuído em onze estrofes, cada estrofe com quatro versos, ou seja, em quadras. Apresenta figuras de linguagem, tais como: sinestesias ("Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte"), aliterações (2ª estrofe) e metáforas ("... da alma do Verso, pelos versos cantem."), uma certa obsessão por brilhos ? metáfora da incompreensão e pela cor branca ? metáfora da paz e da pureza. Podemos notar aspectos noturnos do Simbolismo, herdados do Romantismo: o culto da noite, o pessimismo, a morte e etc. A preocupação formal que o aproxima dos parnasianos, como a forma lapidar, o gosto pelo soneto, o verbalismo requintado, a força das imagens. O drama da existência revela uma provável influência do filósofo alemão Schopenhauer. Cruz e Souza vivia um drama pessoal, um drama racial, um sentimento de opressão, um profundo desejo de fugir da realidade, como podemos notar nos versos "... Desejos, vibrações, ânsias, alentos / Fulvas vitórias, triunfamentos acres.." . A sua consciência girava em torno da dor de ser negro, da dor ser homem, uma poesia com investigação filosófica e com a angústia metafísica , como nota-se na penúltima estrofe "Flores negras do tédio e flores vagas /De amores vãos, tantálicos, doentios... / Fundas vermelhidões de velhas chagas / Em sangue, abertas, escorrendo em rios...". A musicalidade também estava presente na vida do poeta O poeta Cruz e Souza é o mais belo exemplo de personalidad e simbolista. Ele se integra nesta escola porque o símbolo fazia part e de sua vida de um modo bem doloroso se considerarmos que era um poeta negro — de resistência — posto que a palavra é uma arma. E sendo poeta usou a palavra p ara manifestar o homem sensível que era: “Formas do Amor, constelarmente puras / De virgens e de Santas vaporosas... / Brilhos errantes, mádidas frescuras / E dolências de lírios e de rosas...”. Nesta profusão de versos enco ntramos um coração afeito ao místico, ao espiritual, talvez, porque o contexto social (real) não lhe sorria como a palavra que sempre o encontrava para que pudesse expressar suas mágoas frente à hostilidade de uma so ciedade que o via menor, mas ele era grande! Tão grande quanto s eu talento com as palavras que revelavam sua capacidade intelectu al. É lamentável que mesmo com a educação que possuía, não pod e exercer as funções que lhe eram cabíveis. Entender a poesia de Cruz e Sousa é capturar um Brasil racis ta de ontem e de hoje. Não crescemos enquanto sociedade no plan o das humanidades. Rejeitamos a lógica: a cor do ser humano pass a longe da cor das flores, dos pássaros e dos peixes. Há um determ inismo doentio e conservador na cor da pele imposta como represe ntativa de competência. E essa inverdade sustenta- se numa dinâmica que nem os séculos conseguiram apagar: a indic ação da cor, a departamentalização da cor, o elevador da cor... Cru z e Sousa passou por essa indicação, por essa departamentalizaçã o e por esse elevador, mesmo com QI elevado e com a música da p oesia nas veias. Há uma força social que se dispõe contra pessoas fazendo- as sofrer ainda que elas sejam nobres: nada pode supera a cor enq uanto o racional não superar a estupidez. O racional que se verifica nos versos: “Indefiníveis músicas supremas, / Harmonias da Cor e do Perfume... / Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, / Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...”, é um tipo de propost a de vida para quem ouve a música para os mortos (réquiem). Percebe- se que é um poema mais pra inverno, a primavera é uma utopia. É um texto que entrega um sentido a partir de uma felicidade que não se alcança, como diria Clarice Lispector uma “felicidade clandestina”. Há música, mas é um réquiem e não poderi a ser diferente. O simbolismo que se verifica na poesia de Cruz e Sousa, poe ta de Santa Catarina, naufraga na alma doce do poeta e emerge nu