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Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

Módulo

Descobrindo 1
a Psicologia 1

1
Psicologia:
 definição e objecto de estudo
 a especificidade da Psicologia enquanto ciência: complexidade e
subjectividade do estudo dos processos mentais e do comportamento do ser
humano

Os primórdios da Psicologia – evolução como ciência


 influência da Filosofia
 psicologia experimental:
 Wundt e o 1º Laboratório de Psicologia: o método introspectivo e as suas limitações
 psicologia científica:
 Pavlov – reflexo condicionado
 Watson e o behaviorismo – o método experimental e a era científica
 Freud e a revolução psicanalítica:
 a segunda tópica e o método psicanalítico
 a inovação e a importância da psicanálise na história da Psicologia

3
Psicologia – áreas de especialização
 áreas pioneiras de especialização da Psicologia (psicologia social e das organizações,
educacional e clínica)
 contexto actual e tendências futuras da Psicologia como área científica e como área
profissional (especialização)
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No final deste módulo deverás ser capaz de:


1. Definir Psicologia e o seu objecto de estudo.
2. Conhecer a influência da Filosofia na autonomização da Psicologia como
ciência.
3. Identificar a era da Psicologia experimental e o trabalho de Wundt.
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4. Compreender o método introspectivo e as suas limitações.
5. Conhecer a experiência do reflexo condicionado de Pavlov e a sua influência
na Psicologia
científica.
6. Compreender o trabalho de Watson e o conceito de behaviorismo.
7. Conhecer a segunda tópica de Freud e o método psicanalítico.
8. Reconhecer os conceitos inovadores de Freud na história do estudo do
comportamento humano.
9. Perceber a necessidade de utilizar diferentes metodologias para o estudo do
ser humano.
10. Compreender áreas de especialização da Psicologia.
11. Reconhecer a necessidade de especialização para que o presente e o futuro da
Psicologia apontam.
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1. O que é a Psicologia? E qual o seu objecto de estudo?

Brainstorming

 Para que é que serve a Psicologia?


 Quem somos? O que é que nos identifica?
 O que é pensar, sentir e agir? 3
 Como se relacionam o corpo e a mente? Será que se relacionam? De que forma a
mente influencia o nosso corpo?
 O que nos torna parecidos ou diferentes?

Uma das melhores formas de nos aproximarmos de um tema ou assunto é procurar a origem
etimológica da palavra que o designa, neste caso. Ora, o termo é de origem grega e é
constituída por dois elementos:

psyché [alma, espírito] + logos [razão, estudo]

Psyché significa alma, espírito e também respiração, sopro vida. Tem


ainda um outro significado “borboleta”, que é símbolo da imortalidade
da alma. Segundo a mitologia grega, Psiqué era uma princesa por quem
o deus Eros, Cupido para os Romanos, se apaixonou perdidamente. A
mãe de Eros, Afrodite, era uma deusa poderosa que levado pelos
ciúmes procurou afastá-lo do seu filho, recorrendo a todos os meios.
Mas Psiqué consegue ultrapassar todos os obstáculos. Como a princesa
era mortal, Eros leva-a a Júpiter, pedindo-lhe que a torna-se imortal
para poderem ficar juntos para sempre. Sensível a este pedido, o rei
dos deuses concede-lhe esse privilégio. Psiqué torna-se para os gregos os símbolo da alma,
princípio que anima os seres humanos.
A origem da palavra psicologia remete, portanto, para o que é humano para uma força interior
que anima o corpo, que estaria, inclusivamente, para além do corpo.

A Psicologia é o estudo científico do comportamento humano e dos processos mentais.


Estudar o comportamento humano significa estudar todas as reacções observáveis, isto é, tudo
o que fazemos, como correr, falar, dormir, sorrir, chorar, cantar, escrever um poema, jogar
videojogos, usar o telemóvel, etc. Mas a psicologia também estuda os processos mentais, as
experiências psicológicas como, por exemplo, sentimentos, atitudes, emoções, pensamentos,
lembranças, fantasias, representações mentais, etc. Estes processos que estão na base do
comportamento, não se podem observar, a não ser pela pessoa que os experimenta.

Os comportamentos humanos são muito complexos o que implica que a psicologia para os
compreender tenha de conhecer os processos mentais que estão na sua base e os contextos,
situações em que ocorrem. A psicologia procura não só compreender, explicar e compreender
o comportamento humano mas também ser capaz de o prever e modificar.
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Proposta de
Trabalho

1. Na lista que se segue, regista com um A o que consideras ser um cportamento e


com um B um estado psicológico ou mental.
a. comprar um livro
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b. imaginar um passeio
c. ir ao cinema
d. experimentar raiva
e. descascar uma maça
f. enviar um sms
g. sentir-se triste
h. planear uma saída com os amigos

2. No texto que se segue, identifica comportamentos e processos mentais


experimentados pela Joana, uma aluna do 3º ano. Faz o registo no teu caderno.

A Joana caminhava lentamente. Sentia-se inquieta porque não tinha feito os trabalhos
de casa. Quando chegou ao portão da escola, a ansiedade aumentou ao pensar como
a professora iria reagir. Imaginava o desgosto que os pais sentiriam ao saber que ela
não andava a trabalhar.
As lágrimas começaram a cair. Receou que os colegas a vissem chorar. Respirou
fundo, levantou a cabeça e prometeu a si mesma que iria mudar.

Para um conhecimento mais completo do seu objecto de estudo, nomeadamente da


pessoa/do indivíduo, a Psicologia abarca temas muito diversos:

inteligência

aprendizagem motivação

personalidade Psicologia memória

desenvolvimento percepção

emoções

A Psicologia é por si uma ciência complexa não só pelas várias que tem de ter em conta para
analisar o seu objecto de estudo, mas também pela própria dificuldade de análise. Não
podemos fazer determinadas experiências com humanos que podemos fazer com rochas e
plantas, por exemplo. Não é correcto do ponto de vista ético e moral, colocarmos crianças à
fome por vários dias apenas para sabermos como reagem a essa privação; assim como
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afastarmos os pais dos filhos para estudarmos o desenvolvimento das crianças longe dos pais.
Para além destes limites éticos e morais, o estudo em Psicologia é também dificultado pelo
próprio ser humano, que é dotado de vontades, de sentimentos e de desejos que são difíceis
de prever. A Psicologia é, de certa forma, marcada pela subjectividade, uma vez que quer o
psicólogo quer o seu objecto de estudo são seres humanos. Para além disto, há a crença geral
de que como somos seres humanos, compreendemos o comportamento humano. Mas esse
conhecimento faz parte do senso-comum, sendo incorrecto, inexacto e, por isso, deve ser
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questionado. Esta subjectividade alguma vez se ultrapassa? Talvez não, mas é minimamente
contornada, através do contributo de muitos cientistas e da reversibilidade do processo do
conhecimento científico. Com um pensamento único não há avanço no conhecimento.

Esta breve introdução permite-te compreender que a psicologia é uma ciência muito
particular, que implica diferentes interpretações, diferentes abordagens e o recurso a métodos
diversificados. A complexidade e a subjectividade do comportamento humano explicam o
carácter único desta ciência.
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2. Os primórdios da Psicologia: evolução como ciência?

A Influência da Filosofia

O conceito de Psicologia enquanto ciência que estuda o comportamento humano e os


processos mentais é relativamente recente. Durante séculos, a psicologia não se conseguiu
distinguir da filosofia. As suas teorias não passavam de especulações sem fundamento
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empírico, sem verificação experimental.
A Psicologia era entendida como o estudo da alma. Aliás, o termo psicologia deriva das
palavras gregas psique e logos que significa, etimologicamente, ‘o estudo da alma/espírito’. A
alma foi, de facto, um dos principais objectos de reflexão por parte de diversos pensadores da
Antiguidade, nomeadamente Platão e Aristóteles. Os pensadores teciam brilhantes e
aprofundadas considerações sobre os mistérios da alma e da consciência, mas não souberam
dar o salto adequado para o terreno científico, onde as reflexões dão lugar a hipóteses
susceptíveis de serem testadas.

Platão e Aristóteles são dois grandes filósofos da Grécia Clássica, do século IV a.C. Apresentam
teorias filosóficas com diferenças significativas, embora haja algumas semelhanças entre os
dois. Por exemplo, não conseguem separar o domínio físico do domínio psicológico e ambos
estabelecem uma distinção entre o corpo e a alma, se bem que em sentidos diferentes.
Segundo Platão (c. 427 – 347 a.C.) a alma pertence ao mundo inteligível (não sensível). O ser
humano é visto por Platão como um ser dualista, dividido em corpo e alma, que constituem
naturezas completamente distintas. A união da alma com o corpo não é um estado essencial
da alma, mas antes um estado transitório, visto que o seu lugar próprio é o mundo inteligível.
Platão concebe a alma como ser espiritual, aquilo que permite ao ser humano um pensamento
racional e, por isso, ela é um ser distinto dos outros seres. Isto significa que a alma é, no fundo,
aquilo que permite ao ser humano o conhecimento. Unida ao corpo, a alma tem como função
purificar-se, no sentido de alcançar a contemplação das ideias no mundo inteligível, a
verdadeira realidade e o verdadeiro conhecimento.
Para Aristóteles (c. 384 – 322 a.C.) a alma é uma força incorpórea mas que move e domina os
corpos, é o princípio da vida. Para este filósofo, a união entre o corpo e a alma é uma união
natural, dado que constituem uma só substância natural, uma totalidade: o ser vivo. Para
Aristóteles, o todo é anterior à parte.

Só nos finais do século XIX é que a Psicologia se emancipará da tutela da Filosofia. O seu
reconhecimento enquanto ciência é feito quando ela deixa de se preocupar com a alma e
elege outro objecto de estudo: o ser humano, que é possível de observar e testar
experimentalmente.
Os primeiros autores que vamos estudar – Wundt e Watson – procuraram aproximar-se deste
modelo de ciência. Posteriormente, autores como Freud promoveram outros caminhos no
sentido da construção da psicologia como ciência autónoma. Vamos analisar de forma sucinta
o processo de construção da psicologia como ciência referindo alguns autores que defenderam
perspectivas que são marcos da história da psicologia científica. Estes autores desenvolveram
teorias, modelos explicativos que marcaram decisiva o desenvolvimento da psicologia.
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A Psicologia Experimental

Proposta de
Trabalho
Elabora uma breve biografia acerca do seguinte autor Wilhelm Wundt.

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I. Wundt e o Estruturalismo
Apesar de não ser tarefa fácil datar o início da Psicologia como ciência, é de consenso geral de
que a criação do primeiro laboratório constitui um marco de referência para a criação da
Psicologia enquanto ciência.
Wundt quer fazer da Psicologia uma ciência à semelhança da química, isto é, uma ciência
experimental e, por isso, cria o primeiro laboratório de Psicologia, em Leipzig, na Alemanha,
em 1879.
Com Wundt, a Psicologia deixa de ser o estudo da alma e passa a ocupar-se do estudo dos
processos mentais. Partilhava da convicção de que a consciência era constituída por várias
partes distintas e que, para a estudar, se deveria recorrer à análise dos elementos mais
simples. Tal como os átomos constituem as substâncias químicas, as sensações (emoções e
sentimentos) seriam os elementos mais simples da mente e da consciência. Os processos
mentais resultam da associação destes elementos, associação essa que é organizada pela
consciência.

Imagem 1. O todo é constituído por partes. Neste caso, a imagem é constituída por várias peças de puzzle.

A corrente da psicologia criada por Wundt ficou conhecida como estruturalismo, porque se
dedicou a descobrir a estrutura ou anatomia dos processos conscientes. O objecto de estudo
do estruturalismo foi a consciência. Com o objectivo de compreender em profundidade a
estrutura da consciência, Wundt embrenha-se numa perspectiva analítica, decompondo-a em
fenómenos mais simples e esses noutros mais simples até chegar às sensações puras. Os
psicólogos estruturalistas faziam da sensação a unidade fundamental da constituição dos
fenómenos respeitantes à consciência humana.
A partir de muitas experiências, Wundt e outros psicólogos concluíram que as sensações se
combinam de tal forma que o resultado final pressupõe, não uma mera soma de elementos,
mas algo mais que os elementos constituintes.
Tal como na figura, a imagem final difere dos elementos adicionáveis, também os fenómenos
psicológicos são diferentes da soma das sensações elementares. Estas juntam-se umas às
outras não por simples soma, mas por associação subordinada a determinadas leis. Descobrir
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essas leis constitui um dos objectivos essenciais da investigação laboratorial de Wundt.


Perante isto,

As sensações e os sentimentos

Os elementos simples constitutivos da consciência são as sensações e os sentimentos. As


sensações ocorrem sempre que um dos órgãos dos sentidos é estimulado e esta informação é
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enviada ao cérebro. O sentimento é a componente subjectiva da sensação, é a qualidade da
sensação. Assim, uma sensação, pode ser acompanhada de um sentimento de
prazer/desprazer, de excitação/depressão e de relaxamento/tensão. A emoção é a unidade
básica do sentimento.
Daí que Wundt defenda que todos os processos psicológicos podem ser descritos como
passagens de elementos mais simples aos mais complexos: é um processo progressivo de
complexidade, em que partindo de elementos simples como as sensações, a consciência no
seu processo criativo de organização, produz ideias.

Imagem 2. Wundt e colaboradores no laboratório da Universidade de Leipzig.

No seu laboratório, Wundt e os seus alunos ouvem, analisam e interpretam as descrições


sobre o que sentem quando são expostos a determinado estímulo, visual ou auditivo, por
exemplo. Cada um dos pacientes descreve e analisa as sensações e emoções que sente o mais
detalhadamente possível. Como esta descrição corresponde a uma análise interior, o método
da Psicologia é, para este autor, a introspecção. Ou seja, só o sujeito que vive a experiência é
que pode descrevê-la instrospeccionando-se, isto é, fazendo a auto-análise dos seus estados
psicológicos em condições experimentais. Este é um método de auto-observação, uma vez
que é possível através dele que uma consciência se observe a si mesma. Mas este relato era
feito em condições controladas por Wundt. Os psicólogos observadores treinados eram alunos
ou psicólogos que trabalhavam com Wundt, que exigia um grande rigor nas descrições das
suas sensações, que seriam quantificadas. Antes de se submeterem à introspecção controlada,
isto é, experimental, teriam de ter feito cerca de 10 000 auto-análises individuais. Este pré-
requisito dava a possibilidade de os indivíduos serem rápidos e rigorosos nas suas observações
internas.
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Este método apresenta algumas limitações:


 não permite um conhecimento objectivo uma vez que a análise dos estados interiores,
depende essencialmente, do que os participantes pretendem ou não relatar; sendo,
por isso, subjectivo. O sujeito é ao mesmo tempo observador e observado: é difícil
dividirmo-nos em dois.
 a análise efectuada é sempre posterior à sensação, portanto acabo por ser uma retro-
análise. Isto significa que àquilo que descrevemos corresponde à memória daquilo que
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temos antes e não do que experienciamos directamente, o que pode não ser
exactamente a mesma coisa, pode provocar algumas distorções.
 não permite outros observadores que não o próprio, pois ninguém pode observar a
consciência dos outros.
 pode ser difícil aos sujeitos a descrição do que se passa no seu interior,
nomeadamente por não possuírem a linguagem mais correcta para tal.
 não tem uma aplicação universal, não pode ser aplicado a quem não seja capaz de
fazer uma auto-análise: crianças, deficientes mentais e animais.
 só pode aplicada a fenómenos conscientes, não sendo possível a observação de
fenómenos inconscientes.

Em conclusão:

É indiscutível o papel de Wundt na História da psicologia: demarcou-se do pensamento


dominante na época procurando autonomizar a psicologia da filosofia. Neste sentido, definiu
um objecto (a consciência) e um método de investigação (introspecção controlada) com a
finalidade de dar um estatuto de ciência à psicologia.

Uma curiosidade:

Imagem 3. (À esquerda) Numa das experiências de Wundt, o pêndulo batia nas bolas de metal (d e b) emitindo um som de cada
vez. No entanto, para um observador, a bola parecia estar noutro sítio aquando da emissão do som, geralmente a uma distância
percorrida em cerca de 1/8 de segundo. Wundt concluiu que uma pessoa precisa de cerca de 1/8 de segundo para desviar a sua
atenção de um estímulo para outro. (À direita) Algumas décadas depois, os estúdios da Walt Disney redescobriram as observações
de Wundt: os movimentos da boca de uma personagem parecem estar em sincronia com os sons se os movimentos precederem
os sons em 1/8 de segundo.
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TESTA O QUE SABES


Das questões que se seguem, selecciona a opção correcta.

1. Wundt definiu como objecto da psicologia:


a. o comportamento e os processos mentais.
b. o desenvolvimento e os processos mentais.
c. a consciência e os processos mentais.
d. o inconsciente e os processos mentais. 10

2. Segundo Wundt, a consciência é constituída por elementos simples:


a. as percepções e as emoções.
b. as percepções e os sentimentos.
c. as sensações e os sentimentos.
d. as sensações e as percepções.

3. Wundt utilizou como método:


a. o método clínico.
b. a consciência controlada.
c. o método experimental.
d. a introspecção controlada.

4. Analisa as afirmações que se seguem sobre as concepções de Wundt. Selecciona,


depois, a opção que as avalia correctamente.
I. a consciência conhece-se a partir da observação do comportamento.
II. a psicologia deve estudar fenómenos individuais e sociais.
III. os processos mentais elementares podem ser estudados experimentalmente.
a. 1 e 2 são verdadeiras; 3 é falsa.
b. 1 é verdadeira; 2 e 3 são falsas.
c. 2 é verdadeira; 1 e 3 são falsas.
d. 2 e 3 são verdadeiras; 1 é falsa.
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Dados biográficos

Wilhelm Wundt nasceu em 1832, na Alemanha. Oriundo de uma família com fortes
tradições intelectuais, faz um percurso escolar onde se regista uma reprovação. As
suas capacidades não são reconhecidas, porque, com facilidade, se distraía nas aulas
chegando a ser ridicularizado pelos professores e pelos colegas. Tinha um sonho, vir
a ser um escritor famoso.
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Aos 19 anos, entra na universidade, tendo-se formado em Medicina na Universidade


de Heidelberg. No decorrer do curso, compreende que o seu interesse não é propriamente a medicina
e especializa-se em filosofia. Completa o doutoramento em 1855, passando a leccionar a cadeira de
Fisiologia em 1874. Enquanto professor, investiga o modo como se processa a informação sensorial, o
que o leva a orientar-se para a psicologia. Entre 1858 e 1862, publica a obra Contributos para uma
Teoria das Percepções Sensoriais, onde usa pela primeira vez a designação de “psicologia
experimental”.

A partir de 1875 foi leccionar na universidade de Leipzig, onde permaneceu 45 anos.

Tomando como modelo as ciências experimentais, como a física e a química, propõe-se constituir a
psicologia como uma nova área objectiva e experimental. Neste sentido, fundou em Leipzig o
laboratório, que designa por Instituto de Psicologia Experimental, em 1879, procurando seguir o
modelo dos laboratórios das outras ciências, designadamente as técnicas utilizadas pelos fisiologistas. É
aqui que se vão concentrar os esforços dos investigadores e psicólogos vindos dos EUA, Japão, Itália,
Rússia, etc., onde desenvolvem as suas pesquisas e onde treinam as novas técnicas de exploração da
consciência e das funções mentais. São estes investigadores pioneiros que depois vão fundar, nos
países de origem, departamentos de psicologia e laboratórios seguindo o modelo de Wundt. Funda a
revista Estudos Fisolóficos, que passa a ser publicação oficial do seu laboratório e da nova ciência.
Organiza as suas aulas numa obra, que publica em 1874, Princípios da Psicologia Fisiológica,
considerada por muitos a sua obra fundamental, dado que é nela que estabelece os princípios da
psicologia como ciência experimental independente.

Dotado de uma grande capacidade de trabalho, orientou a sua escrita para várias áreas: ética, lógica e
filosofia sistemática. Durante 10 anos, dedicou-se a uma área da psicologia de que é também o
primeiro investigador sistemático: a psicologia cultural. Numa obra monumental, constituída por 10
volumes – Psicologia Cultural -, abordou o desenvolvimento do pensamento humano manifestado na
linguagem, nos mitos, nas artes, nos costumes, nas leis, na moral. Defendeu uma concepção, ainda
hoje vigente, segundo a qual o desenvolvimento dos processos cognitivos está muito influenciado pelos
condicionantes sociais. Entre outros méritos, a obra Psicologia Cultural tornou clara a diferença entre a
psicologia experimental e a psicologia social.

Professor eloquente e popular, chegava a ter 600 alunos matriculados nas suas aulas. Morreu em 1920,
mantendo até ao fim da sua vida uma actividade intensa e muito disciplinada. Entre as várias
actividades diárias a que se dedicava, escrevia mais de duas páginas de texto: no período entre 1853 e
1920 escreveu cerca de 54 mil páginas.
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A Psicologia Experimental

Proposta de
Trabalho
Elabora uma breve biografia acerca dos seguintes autores: Pavlov e John Watson.

II. Pavlov: Reflexo Condicionado


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Para compreenderes as concepções watsonianas da conduta implica que se


conheçam os estudos de Pavlov sobre o reflexo condicionado.
Pavlov considera a Psicologia uma espécie de reflexologia, isto é, o estudos
dos reflexos fisiológicos. Defende que a psicologia para ser uma ciência deve
ter apenas como objecto de estudo o que é observável.
Aproveitando os estudos que efectuou no campo da fisiologia, mais
exactamente o reflexo da salivação nos cães, Pavlov pensa que no
Ivan P. Pavlov (1849-1936)
jogo das secreções estaria uma forma objectiva de pesquisa As suas experiências mais
conhecidas começaram em
psicológica que permitiria, assim, estabelecer leis rigorosas no 1889, demonstrando os reflexos
domínio das funções superiores do cérebro. Pensa que se pode condicionados e incondicionados
em cães, que influenciaram o
estabelecer semelhanças entre o comportamento animal e o desenvolvimento das teorias
humano e, para provar tais semelhanças, concebe um dispositivo comportamentais da psicologia
até às primeiras décadas do
que lhe permite realizar experiências, praticando o método século XX. A sua obra-prima foi:
Conditioned Reflexes, 1926. Em
experimental, no sentido de perceber o fundamento destas leis do
1904 recebeu o Prémio Nobel da
comportamento. Vejamos uma das suas experiências: medicina.

Imagem 4. Este é o dispositivo que Pavlov criou para estudar o condicionamento nos cães.

Um cão é colocado numa sala à prova de som de modo a eliminar factores que possam
interferir na situação experimental. Na primeira fase, Pavlov apresenta carne ao cão, que é um
estímulo incondicionado, porque provoca uma reacção natural, a salivação, ou seja provoca
uma reacção inata, sem qualquer condicionante. A esta reacção chamamos reflexo
incondicionado, é um reflexo inato, uma vez que ocorre espontaneamente, não sendo
consequência de nenhum tipo de aprendizagem. Numa segunda fase, Pavlov ao mesmo tempo
que coloca a carne na boca do animal, emite um som (uma campainha que se constitui como
um estímulo neutro, dado que não provoca nenhuma resposta). O cão continua a salivar. Após
vários ensaios a apresentar os dois estímulos, numa terceira fase da experiência, Pavlov
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começa a apresentar o som sem dar a comida, verificando que o cão respondia salivando.
Pavlov constatou que o cão reagiu ao estímulo som com uma resposta que seria adequada ao
estímulo carne, mas inadequada ao estímulo som. Estamos face a um reflexo condicionado
que pode ser esquematizado da seguinte forma:

E1 R1 Estímulo que provoca uma reacção (reflexo simples)


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Carne Salivação

E1
R1 Processa-se a associação de estímulos
E2

Som

E2 R1 O novo estímulo provoca uma resposta adequada ao primeiro estímulo (reflexo condicionado)

som Salivação

Este processo é designado de condicionamento, onde há uma aquisição de um


comportamento que não se tinha antes; neste caso, salivando sem de facto estar perante
comida. Pavlov conclui que, depois de repetida a experiência uma série de vezes, a salivação,
que inicialmente era provocada apenas pela presença da carne na boca do animal, é agora
também provocada por um estímulo que inicialmente não fazia o animal reagir: o som de uma
campainha. Este som é um estímulo condicionado, porque funciona apenas se associado a
outro estímulo incondicionado (a carne, neste caso), provocando a salivação, que é um reflexo
condicionado. A este processo chamamos condicionamento, mais propriamente
condicionamento clássico, porque foi o primeiro a ser estudado.

Imagem 5. Diagrama da aparelhagem usada por Pavlov para estudar a salivação condicionada.

Em que consiste este condicionamento? Consiste numa associação de estímulos, o


condicionamento e o natural ou incondicionado, de tal modo que o indivíduo reage
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posteriormente apenas ao estímulo condicionado do mesmo modo que reage ao estímulo


natural. Este é uma das formas mais básicas da aprendizagem.

Também para Watson (que veremos de seguida) os diferentes comportamentos são adquiridos
segundo processos de condicionamento, negando a interferência da hereditariedade psíquica.
Apesar da oposição entre behavioristas e estruturalistas, quanto ao que a psicologia deve
estudar e quanto aos métodos de investigação, há uma ideia que os une: o atomismo.
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Assim, ambos defendem que o estudo dos factos psicológicos implica necessariamente que
sejam divididos em elementos ou unidades. Para o estruturalismo, a unidade básica da
consciência é a sensação; para o behaviorismo, a unidade básica do comportamento é o
reflexo condicionado.

Em conclusão:
 Com o contributo de Pavlov a Psicologia adopta um novo objecto de estudo: o
comportamento humano e animal, os reflexos observáveis.
 Pavlov dá um importante contributo para a Psicologia científica, uma vez que
demonstra uma forma elementar de aprendizagem: o condicionamento.
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III. Watson e o behaviorismo – o método experimental e a era científica

A intenção de Wundt de fazer da psicologia uma ciência esbarrou com a possibilidade de tratar
objectivamente o tema que elegeu para objecto de estudo: a consciência que, por natureza, é
interior ao sujeito e, por isso, inobservável por parte do psicólogo. Por isso, a emancipação
definitiva da psicologia em relação à filosofia processa com as reformas introduzidas por John
Watson, cuja principal preocupação era a psicologia constituir-se como ciência autónoma e
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objectiva, uma ciência natural e experimental. Embora não negando os estados mentais e a
consciência, considera que não se podem constituir como objecto de estudo da psicologia. São
constituintes da vida de pessoal de cada um, mas não objecto de uma ciência.

TEXTO 1

A psicologia como a vê o comportamentalista é um ramo puramente objectivo das ciências naturais. A sua finalidade teórica é a
previsão e o controlo do comportamento. A instrospecção não constitui uma parte essencial dos seus métodos, nem o valor
científico dos seus dados depende de quão facilmente sejam interpretáveis em termos de consciência.
(…) Parece ter chegado o tempo de a psicologia eliminar qualquer referência à consciência; não deve continuar a enganar-se
considerando os fenómenos mentais como objecto da sua observação. Creio que podemos escrever uma psicologia não fazendo,
em caso algum, uso de termos como consciência, estados mentais, conteúdo, mente, verificáveis por instrospecção, imaginação,
etc. Podemos fazê-lo recorrendo a termos como estímulo e resposta, formação e integração de hábitos, aprendizagem e outros
similares.
A psicologia que eu pretendo elaborar toma como ponto de partida o facto observável que qualquer organismo, tanto animal
como humano, se adapta ao meio.

WATSON, J., Psychology as the behaviorist views it, 1913 (adap.)

Propõe, assim, que a psicologia estude o comportamento (behaviour) e só o comportamento


(observável). E vai ser precisamente em termos de estímulo-resposta que Watson orienta a sua
concepção: para ter o estatuto de ciência rigorosa e objectiva, a psicologia terá de definir
como objecto de estudo o comportamento. Ora, o comportamento é o conjunto de respostas
(R) (reacção) objectivamente observáveis de um indivíduo a um estímulo (E) ou a um conjunto
de estímulos (situação) também objectivamente observáveis.

S-R

Situação Reacção

Estímulo ou conjunto de estímulos Conjunto de respostas

Ou seja,

R = f (S)

Imagem 6. Várias do estudo do comportamento.

O objectivo desta corrente (que se designa por behaviorismo, comportamentalismo ou condutismo) é


estabelecer as relações entre os estímulos e as respostas, entre causas e efeitos. A ligação S-R
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processar-se-ia de modo mecânico, o que lhe permitia fazer uma interpretação causalista do
comportamento e, consequentemente, elaborar leis explicativas do mesmo. Tais leis
pretendiam:
1. Perante determinado estímulo, prever a reacção subsequente.
2. Perante dada resposta, determinar o estímulo que a desencadeou.
O comportamento estudado tem de ser objectivamente observado e quantificado,
manifestando-se através de movimentos musculares e secreções glandulares. Pode ir desde 16

um simples acto reflexo, como afastar a mão de uma agulha, a actos mais complexos, como
ler, escrever, etc. No seu livro Behaviorismo, define de forma sugestiva estímulo e resposta: “O
estímulo é qualquer objecto do meio geral ou qualquer mudança nos próprios tecidos, devido à condição fisiológica
do animal, como a mudança que obtemos quando se impede a actividade sexual do animal, quando o impedimos de
comer ou de fazer o ninho. Por resposta entendemos tudo o que o animal faça, como a reacção de se afastar de uma
luz, saltar quando escuta um som, e as actividades mais altamente organizadas como edificar um arranha-céus,
traçar planos, ter filhos ou escrever livros”.
Seguindo o processo de investigação das outras ciências, preconiza que se parta da análise dos
comportamentos mais simples para se compreender os mais complexos. Dado que os
comportamentos mais elementares são comuns nos seres humanos e nos outros animais, é
possível tirar conclusões frutuosas a partir do desenvolvimento de pesquisas em animais. Para
esse efeito, recorre ao método experimental1.

O papel do meio
Uma ideia central do behaviorismo decorre da sua concepção de ser humano: uma página em
branco inicial que o meio e a educação vão moldar. A importância decisiva dos factores do
meio no desenvolvimento da criança, para os behavioristas, está claramente reflectida nas
afirmações de Watson que se seguem:

TEXTO 2

Dêem-me uma dúzia de crianças sadias, bem constituídas, e a espécie de mundo que preciso para as educar, e eu garanto que,
tomando qualquer uma delas ao acaso, prepará-la-ei para se tornar um especialista que eu seleccione: um médico, um
comerciante, um advogado e, sim, até um pedinte ou ladrão, independentemente dos seus talentos, inclinações, tendências,
aptidões, assim como da profissão e raça dos seus ancestrais.
WATSON, J., Behaviorism, Norton, 1925, p. 82

Os comportamentos são, portanto, aprendizagens condicionadas pelo meio onde nos


encontramos inseridos; o comportamento humano é produto de condicionamentos, isto é, de
associações de uma resposta (R) a um estímulo (E) ou a um conjunto de situações (S). O ser
humano reage aos estímulos exteriores em função dos reflexos condicionados que adquiriu.

Com Rosalie Rayner, Watson leva a cabo uma experiência que tem
como objectivo mostrar o modo como ocorre a aprendizagem, no
caso, do medo. No início da experiência, Albert, uma criança de 11
meses, brinca com um coelho branco. Quando se lhe apresenta um
rato branco, o bebé brinca com o animal. Entretanto, os

1
Seguindo os requisitos desta metodologia: define uma amostra da população dividindo-a em dois grupos. No grupo experimental
faz variar o facto que considera responsável pelo comportamento (variável independente). No grupo de controlo não há qualquer
variação. O comportamento dos dois grupos é depois comparado. Se se concluir que a variável que se manipulou modifica o
comportamento, faz-se a generalização para a população.
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experimentadores fazem um ruído muito forte; passam a associar o aparecimento do rato com
o som forte, o que provoca medo na criança, fazendo-a chorar. Ao ver só o rato, passou a
chorar, mas também quando lhe apresentam o coelho branco, um homem com uma barba
branca, etc. Concluiu que grande parte das respostas dos seres humanos são resultado de
aprendizagens condicionadas pelo meio. “O homem não nasce, constrói-se”, o meio constrói o
ser humano.

17
A teoria de Watson apresenta algumas limitações:
 nega a consciência como objecto da psicologia;
 ao assemelhar a psicologia às ciências objectivas, utilizando somente o método
experimental, não tem em conta a complexidade do ser humano;
 não tem em consideração a influência da pessoa, da personalidade, da originalidade
que cada um de nós revela, mas valoriza apenas o papel do meio no comportamento
humano.

Em conclusão:
A importância de Watson na história da Psicologia é indiscutível. Rompe com as concepções
dominantes na época e adopta um modelo de investigação e de interpretação que visa dotar a
psicologia com o estatuto de ciência objectiva. A necessidade de ruptura leva-o à defesa do
comportamento enquanto conjunto das reacções adaptativas, objectivamente observáveis,
que o organismo executa em resposta a estímulos. Confinando o comportamento à fórmula
estímulo-resposta, decompondo-o nas suas componentes mais simples, afastou do estudo da
psicologia os processos mentais e os comportamentos mais complexos. O sujeito estava
remetido para um papel passivo. Para além disto, Watson pretende descrever as leis do
comportamento, considerando que é possível controlar e prever o comportamento humano.
Ao considerar que o ser humano é resultado dos processos de aprendizagem, deu grande
ênfase á influência do meio, à prevalência dos factores adquiridos sobre os factores inatos.
Nesse sentido, considerava decisivo para o progresso do ser humano as reformas sociais.
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TESTA O QUE SABES


Das questões que se seguem, selecciona a opção correcta.

1. Watson defende que a psicologia humana para se tornar ciência, deve adoptar o
objecto e o método da psicologia animal:
a. comportamento observável; método introspectivo.
b. processos conscientes; método experimental.
c. processos conscientes; método clínico. 18
d. comportamento observável; método experimental.

2. Watson rejeita a ideia de transmissão hereditária de qualquer aptidão ou qualidade


da personalidade porque:
a. os comportamentos são fruto de aprendizagens condicionadas pelo meio.
b. as aptidões hereditárias influenciam a personalidade, mas não o
comportamento.
c. os comportamentos resultam da interacção entre a hereditariedade e o meio.
d. os comportamentos são fruto do património genético.

3. Para Watson, o comportamento é:


a. a manifestação da consciência face a uma dada situação.
b. o conjunto dos reflexos inatos relacionados com determinados estímulos.
c. as respostas objectivamente observáveis a um estímulo ou conjunto de
estímulos.
d. o conjunto dos actos mais elementares face às condições do meio ambiente.

4. “A Psicologia como a vê o comportamentlista é um ramo puramente objectivo das


ciências naturais”. Watson

Regista as principais propostas de Watson para atingir o objectivo a que se propõe.

5. Explica as consequências da sua teoria ao nível das suas concepções sobre o papel da
aprendizagem no desenvolvimento humano.
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Dados biográficos

John Watson nasceu em 1878, na Carolina do Sul, numa família de fracos recursos
económicos. A mãe, muito religiosa, pretendia que o filho fosse pastor da Igreja
baptista; o pai, alcoólico e violento, abandona a família quando Watson tem 13
anos. Na escola, é considerado preguiçoso, impulsivo, não ultrapassando um
rendimento escolar médio. Ingressa na Universidade de Chicago, onde faz uma pós-
graduação em Filosofia, mas acaba por reconhecer que são as áreas da biologia e da 19
psicologia que efectivamente lhe interessam.
Para suportar os seus estudos recorreu a vários empregos, entre os quais a limpeza dos gabinetes da
Universidade e a vigilância dos ratos-brancos dos laboratórios de neurologia. Aos 25 anos é o mais
novo doutorado da universidade de Chicago, tendo defendido uma tese sobre a relação entre o
comportamento dos ratos-brancos e o sistema nervoso central. Entretanto, casa com uma aluna, Mary
Ickes.
Ao constatar que não consegue aplicar a técnica da introspecção, inicia um processo de investigação
em que procura uma nova abordagem para a psicologia e um outro método de estudo. Em 1908, vai
leccionar Psicologia Animal para a Universidade de John Hopkins e, um ano depois, dirige a influente
revista Psychological Review. É precisamente nesta revista que, em 1913, um artigo considerado o
texto fundador da nova corrente em psicologia: o behaviorismo ou comportamentalismo. As
concepções fundamentais serão aprofundadas um ano depois, na obra: Comportamento: Uma
Introdução à Psicologia Comparada. Watson defendia que a psicologia, para ser considerada uma
ciência experimental e objectiva, teria de abandonar o seu objecto – o estudo da consciência – e o seu
método – a introspecção. As suas experiências com os animais podem ser objectivas e rigorosamente
controladas.
Watson concorda com a teoria evolucionista de Darwin: considerava que todas as espécies tinham
evoluído por selecção natural a partir de um tronco comum. Haveria, portanto, uma continuidade entre
os seres humanos e os outros animais que justificava a abolição da divisão entre a psicologia humana e
a psicologia animal. Para se constituir como ciência autónoma, objectiva e experimental, a psicologia
humana deveria adoptar o objecto e o método da psicologia animal: o estudo do comportamento pelo
método experimental.
As suas concepções vão ganhando seguidores, que reconhecem as virtualidades da nova concepção e a
sua dimensão prática: Watson aplica as suas ideias em empresas de publicidade, na psicologia
industrial, na selecção de pessoal, etc. Integrou o exército norte-americano, onde desenvolveu testes
de aptidão motora e perceptiva para selecção e pilotos. Em 1919, publica o livro Psicologia segundo um
behaviorista, onde reforça as suas concepções: uma psicologia una, recorrendo ao método
experimental para estudar o comportamento.
O envolvimento afectivo com uma assistente da pós-graduação, Rosalie Rayner, provoca um verdadeiro
escândalo numa amarica muito puritana, acabando por ser obrigado a demitir-se da Universidade.
Casará mais tarde com Rosalie, desenvolvendo, juntos, várias pesquisas. Afastado do meio académico,
Watson integrou uma agência de publicidade tendo-se dedicado ao estudo do comportamento dos
consumidores. Grande parte das suas conclusões permanece com toda a actualidade.
Ao mesmo tempo, divulga as suas teorias junto de um público alargado, através de conferências e a
publicação de artigos em revistas de grande tiragem.
Morreu em 1958, em Nova Iorque. Um ano antes, a Associação Psicológica Americana reconheceu a
importância do seu trabalho decisivo para a psicologia moderna.
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IV. Freud e a Revolução Psicanalítica

Proposta de
Trabalho
Elabora uma breve biografia acerca do seguinte autor: Freud.

20
Freud recupera a ideia de Wundt de que a Psicologia é o estudo dos processos mentais, no
entanto não se refere apenas aos processos conscientes, dado que introduz um novo conceito
na Psicologia e um novo objecto: o inconsciente.
Freud conclui que não é possível compreender muitos aspectos do comportamento humano,
designadamente certas patologias, se só se admitisse a existência do consciente. A ideia de
que o ser humano é racional e que através da introspecção conheceria o fundamental de si
próprio – a consciência – vai ser negada por Freud. Para se compreender o ser humano, tem
de se admitir a existência do inconsciente, que define como uma zona do psiquismo
constituída por desejos, pulsões, tendências e recordações recalcadas, fundamentalmente de
carácter sexual.

A partir de 1920, Freud apresenta a sua segunda teoria sobre a estruturação do psiquismo,
que é constituído por três instâncias: id, ego e o supergo. Para explicar a estrutura do
psiquismo humano Freud parte de um exemplo da natureza: um iceberg

raciocínios
percepções
Consciente (EGO)
pensamentos
Mente Humana
memória fantasias
(SUPEREGO)
lembranças
Inconsciente (ID)
recalcamentos
desejos
medos
pulsões inatas
pulsões agressivas

A parte submersa e diz respeito ao id, é a zona inconsciente, primitiva, instintiva, a partir da
qual se formam o ego e o superego. Existe desde o nascimento e é constituído por pulsões,
instintos e desejos completamente desconhecidos. Está desligado do real, não se orientando,
portanto, por normas ou princípios morais, sociais ou lógicos. “O id desconhece o julgamento
de valores, o bem e o mal, a moralidade”, no dizer de Freud. Rege-se pelo princípio do prazer,
que tem como objectivo a realização, a satisfação imediata dos desejos e pulsões, não
distinguindo a realidade da fantasia, nem o que é socialmente permitido ou proibido fazer.
Grande parte destes desejos é de natureza sexual. O id é o reservatório da libido, energia das
pulsões sexuais. Surge nos primeiros meses de vida.
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

A parte emersa corresponde ao ego, zona fundamental do consciente, que se forma a partir do
id. Rege-se pelo princípio da realidade, orientando-se por princípios lógicos e decidindo quais
os desejos e impulsos do id que podem ser realizados. É o mediador entre as pulsões
inconscientes e as exigências do meio, do mundo real. Tem de gerir as pressões que recebe do
id e as que recebe do superego. Forma-se durante o primeiro ano de vida.

A linha que delineia a parte submersa e a parte emersa, corresponde ao superego, zona do
psiquismo que faz referência à interiorização das normas, dos valores sociais e morais, é o 21

“defensor da luta em busca da perfeição”. Resulta do processo de socialização, da


interiorização de modelos como os pais, professores e outros adultos. É a componente ética e
moral do psiquismo. Pressiona o ego para controlar o id. Forma-se entre os 3 e os 5 anos.

O inconsciente é formado por um conjunto de pulsões e conflitos de base sexual, designado


por libido, a maior parte das vezes socialmente condenáveis, e ao qual não podemos ter
acesso directo. O conteúdo inconsciente pretende tornar-se consciente, mas existe uma
espécie de resistência que impede esta passagem: a aprovação social. Quando a manifestação
de uma pulsão é negada, ocorre o fenómeno do recalcamento. O recalcamento é um processo
normal e indispensável ao equilíbrio psicológico e social do indivíduo; porém, há limites para
além dos quais pode ocasionar o aparecimento de comportamentos neuróticos.

Freud, ao estudar as neuroses, constatou que muitos dos sintomas eram provocados por
situações conflituosas de natureza sexual vividas na infância. Com base nestas observações,
apresentou uma teoria de desenvolvimento psicossexual, considerando que há sexualidade
nas crianças, antes da puberdade, o que constituiu um conceito novo e revolucionário. Freud
esclarece que a sexualidade não pode ser associada à genitalidade, antes corresponde ao
prazer que tem origem em certas zonas erógenas do corpo e que suprime a tensão (libido).

O método psicanalítico

Depois de ter abandonado a hipnose como meio de explorar o inconsciente, Freud considera a
necessidade de construir u método próprio. O psicanalista tinha como objectivo fundamental
chegar às zonas inconscientes do psiquismo e conseguir que os doentes tomem consciência
das causas profundas dos seus problemas e se libertem deles. Desta forma, adopta o método
clínico, a psicanálise, adaptando um conjunto de técnicas que permitem trazer ao consciente
as causas não conhecidas, inconscientes dos problemas e conflitos dos pacientes. Perante isto,
Freud na sua prática terapêutica, recorre a alguns procedimentos e técnicas próprias: (1)
associação livre; (2) interpretação dos sonhos; e (3) análise dos actos falhados.
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Sintomas de conflitos
internos

Conflitos
Recalcados

Terapia: associação livre, análise dos Libertação dos sentimentos associados


sonhos e análise dos actos falhados aos conflitos inconscientes
22

Compreensão
dos conflitos

Conflitos
Resolvidos

Imagem 7. Freud considera que a resolução dos seus problemas psicológicos só é possível trazendo ao consciente os processos
mentais inconscientes responsáveis pelas perturbações

 Associação Livre: o psicanalista pede ao analisado que diga tudo o que sente e pensa,
sem qualquer omissão, mesmo que lhe pareça sem importância, desagradável,
absurdo. É no decorrer deste procedimento que se manifestam resistências, desejos,
recordações e recalcamentos inconscientes que o analista procurará identificar e
interpretar. Assim, o objectivo é provocar resistências no paciente, que, como Freud
afirma:

… procura subtrair-se por todos os meios possíveis e, ora pretende não perceber nenhuma ideia,
sentimento ou recordação, ora percebe tantos que se lhe torna impossível apreendê-las. (…) O doente cede
a objecções críticas e atraiçoa-se, principalmente pelas suas pausas prolongadas com que corta o discurso.
Acaba por convir que sabe coisas que não pode dizer e que tem vergonha de confessar.

Ma vie et la psychanalyse

Imagem 8. Consultório de Freud com o famoso divã, onde os seus pacientes se deitavam confortavelmente e falavam com
absoluta liberdade de tudo o que quiserem. A colocação da cadeira do psicanalista fora do campo de visão do paciente tem por
objectivo minimizar as distracções e facilitar à pessoa relaxada num divã, a verbalização de tudo o que lhe ocorre ao pensamento.
Hoje em dia, a terapia é quase sempre realizada face a face e confortavelmente sentados.
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O psicanalista anota todas as perturbações no encadeamento associativo, de modo a chegar


aos fenómenos inconscientes que estão na origem dos sintomas neuróticos. A pessoa pode
começar o seu discurso de modo espontâneo, partindo de um assunto que lhe agrada ou que o
preocupa, podendo, mesmo, partir da descrição de um sonho. Foi a partir de um sonho que
Lucien, de 30 anos, começou as suas associações:

Devia ter 18 anos no meu sonho. Encontrava-me na casa da minha infância. Atravessava o pátio e abria a porta. Esta dava para 23
uma escada que descia em direcção à penumbra de uma cave. Estava a chegar. Encontravam-se várias pessoas nesta cave.
Pareciam todos dedicados, mas eu sabia que aquela assembleia de pessoas me olhava. Apoderou-se de mim o pânico. Senti que
estava a fazer movimentos com as pernas, dizia comigo próprio “É necessário que eu acorde …”. Acordei a suar. (…)
A CASA DA MINHA INFÂNCIA. O meu pai. Dureza. “É preciso vencer, meu rapaz! É preciso seres digno do nome que usas! Não há
desculpas. É preciso obedecer às ordens do teu pai.” Quanto à mãe, amava-a, mas quase não ousava mostrá-lo. Não é digno de um
homem, filho de tal pai, não é verdade?...
PORTA. Todas as portas levam a qualquer coisa, a não ser que seja uma armadilha. Porta do céu, porta do inferno, porta dos
lilazes! Isso faz-me lembrar um filme com o Fernandel. Nada tem a ver com o meu pai. Ou por outra, sim! O filme é “A vaca e o
prisioneiro”. Não ouso… e se, finalmente, o meu pai fosse uma vaca e eu prisioneiro? Seguir a voz do meu pai, bem! e eu, então?...
Porta das delícias. Porta do escritório do meu pai. Toc toc! Não era brincadeira nenhuma bater a essa porta! Era sempre para ouvir
censuras, sempre para prestar contas, nunca sobre mim, sobre o meu ser, sobre a minha felicidade, mas unicamente sobre o meu
êxito ou o meu fracasso social. (…)
ESCADA. Sobe, desce, para onde é que vai? Escadas da Fontainebleau. As despedidas. Adeus ao amor, adeus à felicidade. A palavra
“adeus” perseguiu-me sempre. Adeus, mais nunca, nunca mais, “nervermore”, adeus meu amor, desaparecer, partir, morrer, o
adeus do “Canto da Terra” de Mahler, desfalecer no azul, amor dos meus quinze anos, adeus, adeus minha vida, escolhi a escada
que sobe para a vida adulta e abandonei-te. Onde estás tu hoje? Escada de ouro, sobe ao céu, escada de cave, negra, raios de luz
encobertos, o inconsciente, a sombra, a sombra densa escondendo tantas coisas em mim, quero vê-las, apesar de tudo quero ser
feliz!
CAVE. Sombra e penumbra. Revelação? Iniciação? Quem são estas pessoas que me esperam? Imóveis, silenciosas. Amigos? Juízes?
A Inquisição? O meu pai multiplicado pelo número destas personagens? Sem dúvida, sim… Inferno ou paraíso á espera? Cave da
minha infância. Medo do escuro, medo de alguém que me espera… Esta gente: tribunal. Sim, um tribunal.
ASSEMBLEIA. Segredo. Exame. Opinião secreta. Investigar. Ser investigado. Por trás de mim, a escada, como uma retirada possível
em direcção á luz. Não quero. Quero saber. Acusado. Sinto-me perseguido como um acusado. Prestar contas. Não me mexer. Não
falhar. Culpado. Não sou um homem.
Pierre Daco, Os sonhos, como e porquê

 Interpretação dos sonhos: o psicanalista pede ao analisado que lhe relate os sonhos.
Segundo Freud, o sonho seria a realização simbólica (disfarçada) de desejos
recalcados. Freud distingue o conteúdo manifesto do sonho (o que é lembrado, o que
é consciente) e o conteúdo latente (os desejos, os medos, recalcamentos que estão
subjacentes). Cabe ao analista dar-lhe um sentido, interpretando os sonhos narrados.
Assim, Freud pretende ir além do conteúdo manifesto e descobrir o conteúdo latente.

TEXTO 3

A aspiração inconscientes aproveita-se do relaxamento nocturno do recalcamento para irromper com o sonho na consciência.
Todavia, a resistência do recalcamento do eu não suprime durante o sonho, é apenas diminuída. Permanece em resíduo: é a
censura do sonho, que agora impede o desejo inconsciente de se manifestar sobre as formas que, na verdade, lhe seriam
adequadas. Em virtude da severidade da censura do sonho, os pensamentos oníricos latentes devem permitir modificações e
atenuações que tornem irreconhecível o sentido condenado do sonho. Reside aí a explicação da deformação do sonho, à qual o
sonho manifesto deve os seus caracteres mais flagrantes, o que significa esta proposição: o sonho é a realização (disfarçada) de
um desejo (recalcado).
S. Freud, Ma vie et la psychanalyse

 Análise dos actos falhados: o psicanalista procura interpretar os esquecimentos,


lapsos e erros de linguagem leitura ou audição do analisado. Segundo Freud, estes
erros involuntários manifestam desejos recalcados no inconsciente e que irromperiam
na vida quotidiana. Freud cita o caso do presidente de uma assembleia política suja
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

função dar a palavra aos oradores inscritos e que comete o seguinte lapso: “Meus
senhores, declaro a sessão encerrada. Perdão! Quero dizer: aberta”. A razão deste acto
falhado deveu-se ao facto de o primeiro orador inscrito ser um dos seus mais ferozes
adversários.

O texto que se segue reflecte bem o carácter do método psicanalítico.


TEXTO 4
24
“O tratamento psicanalítico não comporta senão uma troca de palavras entre o analisado e o médico. O paciente fala, conta os
acontecimentos da sua vida passada e as suas emoções. O médico esforça-se por dirigir a marcha das ideias do paciente, desperta
recordações, orienta a sua atenção em certos sentidos, dá-lhe explicações e observa as reacções de compreensão ou
incompreensão que provoca no doente. (…)
As palavras faziam primitivamente parte da magia e nos nossos dias a palavra guarda muito do seu poder de outrora. Com
palavras o Homem pode tornar o seu semelhante feliz ou levá-lo ao desespero, e é com a ajuda das palavras que o mestre
transmite o seu saber aos alunos, que o orador empolga os auditores e determina os seus juízos e decisões.
Freud, S., Introduction à la Psychanalyse, Payot, 1976, pp. 15-16

Em conclusão:

Com Freud abre-se uma nova perspectiva que nada tem a ver com a psicologia, que torna
como centro a consciência, ou que reduz o ser humano a uma fórmula simplista de
comportamento estímulo-resposta. É um novo conceito do ser humano, dominado desde o
nascimento por pulsões, sobretudo de carácter sexual, vivendo conflitos intrapsíquicos que se
manifestam no comportamento do nosso dia-a-dia. Graças a Freud a Psicologia conquista um
objecto de estudo mais complexo: o inconsciente, acessível através da interpretação
psicanalítica. Um dos legados mais importantes foi o reconhecimento da importância da vida
afectiva, sobretudo da infância, no desenvolvimento cognitivo e social, bem como na
personalidade do indivíduo.

A Psicologia mostra que o ser humano já não pode ter de si mesmo a ideia clássica de ser
racional, que tudo controla. É antes um ser que vive de acordo com um conflito intrapsíquico.

A controvérsia foi sendo superada pelas


múltiplas aplicações da psicanálise, que
ultrapassam, há muito tempo, os limites da
psicologia. A sua influência fez-se sentir nas
mais variadas manifestações artísticas –
cinema, literatura, teatro, artes plásticas – e
também na interpretação dos mitos, religiões,

Imagem 9. A fama de Sigmund Freud ultrapassou a de qualquer


modos de vida, na política. Afectou e afecta as
outro psicólogo. O seu rosto foi escolhido para figurar em notas outras ciências: a filosofia, a sociologia, a
austríacas de 50 xelins.
antropologia, a medicina. Entrou
definitivamente no vocabulário quotidiano.
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

TESTA O QUE SABES


1. “ (…) As angústias das pessoas seriam devidas a conflitos, memórias e traumas
emocionais que teriam ocorrido na infância”.
Travis
Interpreta a afirmação do autor apresentando a constituição da mente proposta por
Freud.

2. “A psicanálise funda-se na palavra”. 25

Comenta a afirmação, referindo-se às diferentes técnicas utilizadas pelo método


psicanalítico.

Das questões que se seguem, selecciona a opção correcta.

3. Para Freud o desenvolvimento humano e a evolução do aparelho psíquico são


explicados pela evolução:
a. do património genético.
b. do meio social.
c. da psicossexualidade.
d. do desenvolvimento intelectual.

4. Para Freud, as três instâncias do psiquismo, id, ego e superego:


a. interagem com vista a um comportamento cognitivo estável.
b. têm dinâmicas próprias que são geradoras da conflito.
c. organizam-se hierarquicamente de forma equilibrada.
d. têm dinâmicas que visam a manutenção do equilíbrio interno.

5. Analise as seguintes afirmações sobre as instâncias do psiquismo na perspectiva de


Freud. Selecciona, depois, a opção que melhor as caracteriza:
I. Existe desde o nascimento; zona inconsciente e primitiva.
II. Forma-se entre os 3 e os 5 anos de vida; resulta do processo de socialização.
III. Forma-se no primeiro ano de vida; rege-se pelo princípio da realidade.
a. 1 ego; 2 id; 3 superego.
b. 1 superego; 2 id; 3 ego.
c. 1 id; 2 ego; 3 superego.
d. 1 ego; 2 superego; 3 ego.

6. Para Freud, o desenvolvimento humano e a constituição das estruturas psíquicas


explicam-se pela evolução da psicossexualidade desde o nascimento. Esta afirmação
é:
a. falsa, a psicossexualidade integra o desenvolvimento humano a partir da
adolescência.
b. verdadeira, a psicossexualidade é elemento estruturante do desenvolvimento
do ser humano apenas na infância.
c. falsa, a psicossexualidade não influencia as estruturas psíquicas do
desenvolvimento humano.
d. verdadeira, a psicossexualidade é o elemento estruturante do
desenvolvimento humano desde o nascimento à adolescência.
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Dados Biográficos

Sigmund Freud nasceu em Freiberg, ma Morávia, hoje Pribor, na República


Checa. O pai era comerciante de lãs e Freud o mais velho de oito irmãos, todos
filhos do seu segundo casamento.
A família muda-se para Viena de Áustria quando ele tem 4 anos. Reconhecendo
as suas capacidades intelectuais desde cedo, procuraram apoiá-lo nos estudos,
em que se revelou um excelente aluno. Formou-se em Medicina, na 26
Universidade de Viena, em 1881, e desenvolveu trabalhos experimentais em biologia e fisiologia.
Paralelamente interessa-se pelos clássicos gregos e latinos e pela literatura europeia. Esta formação
humanística teve muita influência na sua obra e no modo como encarava os seres humanos. Ainda
leccionou durante algum tempo uma cadeira que abordava as perturbações mentais do sistema
nervoso, mas as dificuldades económicas e o facto de ser judeu levaram a exercer clínica privada como
neurologista.
Durante cerca de um ano (1885-1886) estudou em Paris, com o professor Jean Charcot, que recorria à
hipnose para tratar a histeria. Na época domina a convisção de que a histeria (do grego hystéra, que
significa útero) era uma perturbação exclusivamente feminina, que tinha a sua origem no sistema
nervoso. São as experiências com Charcot que levam Freud a pôr a hipnose da existência do
inconsciente, isto é, de uma instância do psiquismo que se desconhece.
Esta hipótese é aprofundada com o trabalho que vai desenvolver com Breuer, que recorria à hipnose
como terapia para os sintomas histéricos. Os dois consideram que a causa das perturbações teria de ser
procurada no inconsciente do doente, onde estavam retidas recordações traumáticas. O carácter
penoso dessas lembranças reprimidas impedia que se pudessem exprimir, manifestando-se em
perturbações orgânicas.
Da colaboração conjunta nasce um livro – Estudos sobre a Histeria – e a partilha de uma experiência
que vai ter muita importância no desenvolvimento das concepções de Freud. Uma doente de Breuer,
Anna O. (pseudónimo de Bertha Pappenheim), apresentava várias perturbações desde a morte do pai.
Durante o sono hipnótico recordava cenas do seu passado que relacionava com os sintomas presentes.
Constatavam que a verbalização do ocorrido provoca melhorias significativas no estudo de Anna,
desaparecendo, durante algum tempo, os sintomas.
Em 1896, Freud abandonou a actividade conjunta com Breuer, por duas razões. Primeiro, por
considerar que a hipnose não era o método adequado para a cura: não se conseguia hipnotizar todos
os pacientes e os resultados positivos eram pouco duráveis. Além disso, Breuer não concordava com a
interpretação de Freud, para quem a histeria era de origem sexual. Sozinho, vai desenvolver um
conjunto de concepções que vão constituir uma teoria sobre o psiquismo humano e uma técnica
terapêutica: a psicanálise. Para a elaboração das suas concepções fundamentou-se na sua experiência
clínica, que lhe forneceu muitos dados recolhidos juntos dos seus doentes. Além disso, desenvolveu ao
longo da sua vida uma auto-análise sistemática.
Para além de se dedicar à escrita – em 1990, publicou A Interpretação dos Sonhos, considerada por
muitos a sua principal obra – dava aulas, consultava os seus doentes, participava em conferências. A
sua actividade é fortemente ameaçada sobretudo depois da ocupação da cidade de Viena pelos nazis:
os seus livros são queimados, a sua casa saqueada e os familiares e amigos temem pela sua vida.
Durante muito tempo recusou-se a abandonar a cidade, mas acabou por ceder depois da sua filha Anna
ter sido presa. Foi com ela para Londres, onde morreu, em 1939, com 83 anos, depois de um longo
sofrimento provocado por um cancro no maxilar. A casa onde viveu os últimos anos é, actualmente, um
museu.
Da sua obra organizada em 24 volumes, podemos destacar Psicopatologia da Vida Quotidiana, Três
Ensaios sobre a Sexualidade, Cinco lições sobre a Psicanálise, A Minha Vida e a Psicanálise, Totem e
Tabu.
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3. Áreas de Especialização da Psicologia


TEXTO 5

“Antes da Segunda Guerra Mundial, os psicólogos eram normalmente professores e investigadores em escolas e universidades e a
psicologia era praticamente uma disciplina académica. A partir dos anos 50, muitos campos da psicologia aplicada emergiam e
uma vasta quantidade de carreiras surgiram.
Hoje em dia, os psicólogos trabalham numa série de contextos, incluindo universidades e escolas, mas também em hospitais,
clínicas, empresas comerciais e industriais, instituições de investigação, estabelecimentos prisionais, departamentos
governamentais, escolas. A linha que separa os psicólogos de outros profissionais, como por exemplo os que realizam estudo de
mercado ou os psicoterapeutas, é cada vez mais ténue. Por outro lado, muitos profissionais estão ligados à psicologia tal como os 27
técnicos de trabalho social, terapeutas da fala ou professores. (…)
A nível internacional, a maior associação de psicólogos é a American Psychology Association (APA), fundada em 1892, e no fim
dos anos 90 tinha cerca de 155 mil associados. (…)
Só em 1963 é criada a primeira escola de psicologia, em Lisboa, o Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), (…). Em 1976
abrem as três faculdades de Psicologia e Ciências da Educação nas Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra. (…) Os anos 90
foram o período de explosão da psicologia em Portugal. (…)
Não se conhece o número exacto de psicólogos em Portugal, as estimativas oscilam entre os 3500 e os 5000. (…)
A identidade e a intervenção dos psicólogos situam-se num contínuo que vai do indivíduo à sociedade. Num dos extremos estarão
os psicólogos clínicos e noutro os psicólogos sociais. Os psicólogos do trabalho e das organizações e os psicólogos educacionais
situam-se algures a meio na relação dos indivíduos e das organizações. As áreas recentes da psicologia desportiva e da psicologia
criminal procuram um espaço próprio neste contexto.
Os psicólogos podem intervir ao nível de um indivíduo, de grupos de indivíduos, de organizações ou instituições ou em
comunidades. Qualquer que seja o seu contexto de intervenção ou os seus objectos específicos, prevenção, diagnóstico,
estimulação ou remediação, a finalidade última do seu trabalho é a de promover o desenvolvimento e a qualidade de vida das
pessoas”.
Angelina Costa et al., Psicologia A 10º., Porto Editora, 2006

Após a leitura do texto anterior, podemos concluir que a Psicologia é uma ciência que abarca
muitas áreas de estudo, uma vez que o seu objecto é muito complexo. O campo de actividade
dos psicólogos é vasto e muito variado, pois estão presentes em praticamente toda a
actividade humana. Estão presentes em clínicas, hospitais, empresas, escolas, clubes
desportivos, etc.

As áreas de actividade dos psicólogos não são compartimentos estanques entre si, pelo
contrário, estão em constante relacionação. Não é, por isso, simples a distinção ou divisão. No
entanto, é costume dividi-las em psicologia pura ou de investigação e psicologia aplicada. A
Psicologia Pura dedica-se especialmente á investigação, procura conhecer melhor o
comportamento e os processos psicológicos mais básicos, é mais teórica. A Psicologia Aplicada
dedica-se essencialmente a resolver problemas de ordem prática, é mais interventiva e está
normalmente ligada a uma área profissional. Questões como “Há factores que intervêm na
percepção?” ou “Aprendemos sempre da mesma forma?” são estudadas pela psicologia pura.
Questões como, por exemplo, “Como deve actuar a escola perante um aluno que revela um
comportamento de indisciplina?” ou “Como melhorar a produtividade no trabalho?” são
estudadas no âmbito da psicologia aplicada. Muitas vezes os psicólogos da investigação
aprendem com os psicólogos da intervenção e vice-versa. Há, portanto, uma interligação mais
do que uma separação entre estas duas grandes áreas da psicologia.
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

PSICOLOGIA

Psicologias Puras Psicologias Aplicadas

28
 Psicologia  Psicologia Clínica
 Psicologia Social  Psicologia da Educação
 Psicologia do Desenvolvimento  Psicologia do Trabalho e das
 Psicologia Cognitiva organizações
 Psicologia da Personalidade  Psicologia do Desporto

Imagem 10. Domínios tradicionais de investigação e intervenção em Psicologia.

3.1 Áreas Pioneiras de Especialização em Psicologia

Psicologia Clínica

Em Psicologia Clínica encontram-se os psicólogos que estão mais perto


da ideia leiga de psicólogo. Quando se fala em psicólogos, a maioria das
pessoas relacionam-nos com profissionais que ajudam as pessoas a
resolver problemas pessoais, de natureza emocional ou
comportamental. Há situações da vida das pessoas que são causadoras
de desequilíbrios, perturbações, dor e desajustamentos: a morte de um
familiar ou de um amigo, o divórcio ou uma perda afectiva, o
desemprego e muitas outras situações que envolvam o amor, a família, a
vida, o prazer, o desejo, as relações com os outros, o corpo, a história de
vida, as questões de identidade…
O objecto de estudo da psicologia clínica é a pessoa, o indivíduo, o sujeito concreto. A pessoa
é encarada na sua individualidade, porque cada pessoa é uma pessoa única, diferente de
todas as outras. Procurar compreender a pessoa na sua totalidade, quer dizer, tem em conta a
sua história de vida e a situação concreta que está a viver. O âmbito de intervenção da
psicologia clínica é muito amplo como se conclui com a afirmação de Anzieu “A psicologia
clínica (…) é uma psicologia individual e social, normal e patológica, diz respeito ao recém-
nascido, à criança, ao adolescente, ao jovem adulto, ao adulto maduro, ao ser que envelhece e
que, enfim, morre”.
A psicologia clínica é uma área da psicologia aplicada que tem como finalidade a prevenção,
diagnóstico e tratamento de pessoas, grupos ou comunidades que apresentam problemas de
carácter psicológico. Estes problemas podem ser, por exemplo, a depressão, a ansiedade, o
sofrimento provocado pela morte de alguém que nos é próximo, as dificuldades de
relacionamento pessoal, delinquência juvenil, dependência de drogas ou outras doenças
mentais mais graves que podem até implicar a perda com a realidade. Intervém especialmente
ao nível da saúde mental.
A psicologia clínica herda da medicina um método - o clínico – e um objectivo – diagnosticar e
curar. O método utilizado é fundamentalmente a entrevista clínica e, se necessário, recorre a
testes, sobretudo, testes projectivos. É no contexto da entrevista clínica que o psicólogo
analisa não só o que a pessoa conta, mas a forma como fala, como se comporta, como relata
as suas experiências, procurando o seu significado e o seu sentido.
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

Segue-se uma entrevista com a psicóloga clínica Fátima Sarsfield Cabral.

Fátima Sarsfield Cabral é psicóloga e psicanalista. Trabalha, desde 1973, no Centro de Saúde Mental Infantil e Juvenil do Porto, faz
psicoterapia analítica e psicanálise a adultos e crianças. Estagiou em Paris sob a orientação do psicanalista Serge Lebovici. É membro
titular e didacta da Sociedade Portuguesa de Psicanálise e membro titular da Sociedade Portuguesa de Psicodrama Psicanalítico de
Grupo. É autora de diversos artigos sobre psicanálise e do livro Pensar a Emoção.

P.: – Qual a área de intervenção do psicólogo clínico? 29

R.: – O psicólogo clínico intervém especialmente na área da saúde mental, englobando a prevenção, a intervenção ou o tratamento, a investigação e
o ensino. As suas funções dependem fundamentalmente do tipo e do grau de aprofundamento da sua formação – formação que me parece dever
ser contínua – e do facto de trabalhar sozinho ou numa equipa e do equilíbrio e dinâmica que se estabelecem nessa equipa.
Mais concretamente, podemos dizer que a sua intervenção começa pela observação – a chamada observação psicológica. Para esta observação, o
psicólogo socorre-se muitas vezes de instrumentos – os chamados testes – que, por um lado, se podem ajudar muito no diagnóstico psicológico (por
ex., aperceber-se das dificuldades específicas que uma criança pode ter na aprendizagem, apesar de ter um bom desenvolvimento intelectual), por
outro, podem ser um entrave ou constituírem uma defesa ao estabelecimento de uma relação mais profunda que se constrói lentamente e sem
“truques”.
Portanto, ao estudo psicológico do indivíduo ou dos grupos, segue-se naturalmente a elaboração do diagnóstico psicológico – que deveria ser
discutido e completado com o de outros técnicos da equipa (médicos, assistentes sociais, educadores, terapeutas) –, diagnóstico fundamental para a
prevenção ou para a escolha do tratamento mais adequado à situação.
O psicólogo clínico pode ainda fazer o aconselhamento psicológico individual, conjugal, familiar ou de grupo, intervir psicologicamente e fazer
psicoterapia. Mas eu penso que os psicólogos, assim como todos os técnicos médicos ou não médicos, deveriam sempre continuar a sua formação
após a licenciatura – que forçosamente dá uma formação muito geral – e escolher especializar-se numa ou noutra corrente de intervenção ou
terapia que se adapte melhor à sua personalidade, percurso de vida e opções teóricas. Neste momento, em Portugal, são as várias sociedades
clínicas que fazem essas formações, que passam quase sempre por o psicólogo sofrer – com aspas ou sem elas – a terapia que pretende aprender a
fazer aos outros: Terapia familiar, comportamental, cognitivista, psicodrama, psicanálise, etc.

P.: – Que métodos e técnicas são mais usados na sua prática?

R.: – A prática, os métodos e técnicas que o psicólogo clínico utiliza dependem sempre da sua experiência e formação. Geralmente, começa-se pela
observação, por conversar livremente com as pessoas, tentando estabelecer uma relação que permita a abertura e a confiança da criança ou do
adulto em nós. Com as crianças, a observação do jogo simbólico, da maneira como utiliza os brinquedos, do desenho e da pintura livres são meios
fundamentais para determinar o seu desenvolvimento e para compreender o que se passa no seu íntimo, já que raramente conseguem exprimir pela
fala aquilo que sentem ou temem ou que as faz sofrer. Mas há também testes estandardizados e inquéritos que nos dão uma medida estatística – e
como tal relativa e cega perante situações específicas – do nível de desenvolvimento intelectual ou de dificuldades mais específicas e que perturbam
a aprendizagem, como as dificuldades na organização grafoperceptiva e na integração da lateralidade; outros ainda, como os projectivos – Família,
Pata Preta, CAT, Fábulas de Duss, por exemplo –, podem-nos ajudar a obter mais rapidamente certos dados, certas fantasias, que podem mesmo ser
inconscientes para a criança e que nos permitem intervir no alvo do problema. Um exemplo muito comum é a criança projectar nas figuras de
animais o ciúme perante o nascimento de um irmão, sem, no entanto, jamais ter exprimido isso, de tal modo que os pais nunca o teriam notado.
Isto faz-me pensar em como é importante que o psicólogo clínico não deixe de ligar os vários dados que obtém através desta observação que,
apenas metodologicamente, é feita por zonas aparentemente compartimentadas – inteligência, afectividade, etc. A psicologia clínica tem evoluído
muito e, hoje, dá-se uma enorme importância ao desenvolvimento e à relação precoces, pois, como dizia João dos Santos, é no berço que o bebé
começa a aprender a ler, e muitos dos problemas futuros começam aí. Por isso, a área da relação precoce e do apoio à gravidez começa a ser uma
das mais frutuosas para a intervenção do psicólogo.
Entretanto, a minha prática foi-se modificando à medida que eu ia aprofundando a minha formação e os meus conhecimentos – e espero que assim
continue... Bem, o que aconteceu foi que a corrente psicanalítica sempre foi a que me pareceu mais profunda, ligando a razão e a emoção e a que
permitia compreender melhor o mundo interno. E, passado pouco tempo de terminar o meu curso e de começar a trabalhar no Centro de Saúde
Mental Infantil do Porto, comecei a minha própria psicanálise e depois a formação para ser psicanalista de adultos e crianças. Considero que esta foi
– para mim – a formação essencial, apesar de também ter feito formação em psicodrama e terapia familiar. Portanto, apesar de ainda utilizar – só
com crianças – os testes psicológicos na observação para um diagnóstico rápido, uso sobretudo o método clínico, no sentido em que Piaget o
utilizou, ou seja, para tentar compreender o funcionamento psíquico, não separando a inteligência do afecto e estes do ambiente familiar e escolar.
Utilizo cada vez menos instrumentos, sendo o principal a análise daquilo que vou sentindo na relação entre mim e a criança, adulto ou grupo.
Evidentemente que isto pressupõe uma atitude de grande disponibilidade para receber as projecções que o outro ou os outros não suportam ou
desconhecem e depositam no terapeuta, e uma formação contínua, supervisão ou discussão em pequenos grupos de trabalho, que ajudem a
destrinçar as fantasias que pertencem ao terapeuta – um outro ser humano, talvez mais fortalecido e interiormente mais livre e disponível pela sua
própria análise – e que o ajudem a pensar para poder devolver de uma forma mitigada aquilo que foi projectado, de maneira a poder ser digerido
pela criança, adulto ou família, possibilitando-lhes o crescimento e a conquista da autonomia e da criatividade.

P. – Quais as problemáticas da sociedade contemporânea que justificam a intervenção do psicólogo clínico?

R.: – Essa pergunta faz-me sorrir porque pus-me a imaginar uma sociedade que não precisasse de psicólogos... Se calhar só o nome, as técnicas e os
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

conhecimentos é que são modernos… Sempre houve feiticeiros, curandeiros, bruxas, directores espirituais, etc., etc., para ajudar o ser humano a
suportar o sofrimento provocado pela sua condição de ter dentro de si algo que o aparenta aos deuses – um mundo infinito de fantasia – e de se
saber condenado à morte e à separação.
De qualquer maneira, o que se verifica é que quanto mais complexa é a sociedade maiores tensões existem, maior é a competição desenfreada, a
violência e a exclusão. E não é por acaso que tanto se fala na falta de comunicação que existe na nossa sociedade, a par da enorme sofisticação dos
meios de comunicação social que, paradoxalmente, parecem isolar cada vez mais o ser humano, tentando “normalizá-lo” e afastando tudo o que é
diferente.
A psicologia e os psicólogos têm aqui um enorme campo de acção, tanto na prevenção como na intervenção junto do indivíduo e dos grupos.

P. – Que questões éticas se colocam na sua acção como psicóloga? 30

R.: – Há bocado falávamos da relação do psicólogo clínico como uma relação com o mais íntimo das pessoas. Evidentemente que isso põe
imediatamente questões éticas e não só pela importância do segredo profissional. Este levanta muitas questões sobretudo quando se trabalha com
crianças que nos são enviadas pela escola e os professores querem saber o que se passa para perceber melhor o aluno. Mas há sempre o risco – se
se passarem certas informações – de a criança ser estigmatizada. Há uns estudos muito interessantes que mostram que, se se diz aos professores
que certos alunos têm mais capacidades que outros – sem ser verdade –, isso vai influenciar significativamente – e inconscientemente – o seu
interesse pelos que pensa serem os melhores, de tal modo que as suas capacidades aumentam significativamente.
Considero extremamente importante a atitude do psicólogo cujo trabalho é o de aceitar o outro como ele é, respeitá-lo e ao seu sofrimento,
compreendê-lo, enquanto, simultaneamente, vai favorecendo a sua autonomia e capacidades criativas. Muitas vezes as pessoas estão muito
fragilizadas e é extremamente fácil manipulá-las. Mesmo que um terapeuta não dê conselhos, o paciente apercebe-se muitas vezes daquilo que
agrada ou não ao terapeuta, se este não for tolerante. Muitas críticas que se fazem às terapias é o de elas tentarem adaptar as pessoas, tornando-as
conformistas e dependentes. Mas o objectivo de uma terapia – para mim – só pode ser o de ajudar o outro a ser o que é, a fortalecer-se para saber
escolher o caminho que quer seguir e a tolerar melhor as diferenças, a separação e o sofrimento que sempre acontece na vida real. Ouvi muitas
vezes as pessoas manifestarem o seu medo das terapias por poderem ficar dependentes do terapeuta; é verdade que há um período em que o
terapeuta é fundamental e a pessoa se sente afectivamente dependente dele; mas esta dependência acontece porque já existia ou porque a pessoa
necessitava dela para se tornar mais segura e finalmente autónoma.

P.: – Conte-nos um caso significativo da sua experiência profissional.

R.: – É difícil escolher… Acho sempre muito interessante ver como o trabalho com os pais, ou muitas vezes só com a mãe, pode alterar tanto o
comportamento dos filhos, pode fazer desaparecer a impossibilidade de dormir só, ou a enurese, ou as crises de raiva. Mais uma vez isto nos mostra
como a criança pode ser o sintoma do que não vai bem na família ou com um dos pais, da própria dificuldade de separação destes dos filhos, da
dificuldade em os deixar crescer ou da violência das projecções em certas famílias.
Um caso muito bonito que tenho neste momento é o de uma criança que, embora com perto de 5 anos, tinha um comportamento semelhante ao de
uma de 2, pronunciando apenas alguns sons, sem, no entanto, ser autista nem me parecer débil mental. Parecia-me mais que o seu desenvolvimento
tinha parado – talvez na altura do nascimento de um irmão. O que mais me tocava era a nostalgia do seu olhar, o facto de nunca sorrir e a angústia
da separação. Ao fim de seis meses de psicanálise, com três sessões por semana, em que o jogo principal e repetitivo tem sido o de se esconder para
eu a procurar, a sua transformação é enorme: alegre, brincalhona, terna e também capaz de mostrar a sua agressividade, já diz frases completas e
interessa-se por livros e histórias. Claro que a sua terapia está longe de terminar e que nem sempre é assim tão rápido o desbloqueamento de uma
situação.
Mas uma das terapias que mais gosto de fazer – e que resultou de uma profunda reflexão, feita por um pequeno grupo de técnicos com formação
analítica, sobre a importância da expressão criativa através do jogo e da pintura livres, da dinâmica de grupo, do período de latência e da técnica
psicanalítica – é a dos grupos de psicoterapia analítica com crianças entre os 6 e os 11 anos. Nestes grupos, não mistos, os rapazes ou as raparigas
mais novos (6/8 anos) podem exprimir os seus medos, fantasias ou desejos através de jogos, histórias ou teatros, e os mais velhos (9/11 anos)
através da pintura livre. Mas, para além da expressão através do jogo e da pintura, é dada grande importância à palavra e à interpretação do que é
dito de uma forma ou de outra. Todo o grupo é tomado como a expressão do mundo interno, em que há partes mais maduras, outras mais
“abebezadas”, outras medrosas, outras deprimidas, outras invejosas ou ciumentas, etc., etc., que, como num sonho, são o espelho do que se passa
no teatro interno de cada indivíduo. O facto de serem grupos só de rapazes ou de raparigas reforça e ajuda muito à consolidação da identidade
sexual neste período da latência. Além disso, os pais destas crianças (sobretudo as mães) têm, à mesma hora do grupo dos filhos e com outro
terapeuta, uma reunião para discutirem problemas que têm com os filhos mas que, rapidamente, se transforma numa terapia de grupo. Verificámos
muito depressa quanto as mudanças nos filhos e nos pais estavam interligadas e como as transformações se davam mais rapidamente… A grande
maioria destas crianças aparece-nos com dificuldades escolares, medos, inibições, mutismos e outros sintomas; ao fim de algum tempo de terapia –
e, às vezes, com grande espanto dos pais e professores, “porque só estavam ali a brincar e não a estudar” –, começam a ter um novo interesse pela
vida, a ter menos medo de crescer e a tolerar melhor a dor mental inerente às perdas consequentes, a ter um bom rendimento, a ser capazes de se
afirmar e a ser mais criativas.
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Psicologia da Educação

A Psicologia da Educação assume uma importância


muito grande nos nossos dias, designadamente nas
sociedades ocidentais, dado o papel que a escola e a
educação ocupam ao longo da vida. O psicólogo
educacional intervém ao nível de várias instituições, 31

como creches, associações desportivas e culturais,


instituições que se dedicam á ocupação de tempos
livres, etc. Estão, ainda, presentes nos serviços
educativos de museus, em estruturas do Ministério da Educação, acompanham a produção de
materiais de apoio ao ensino assim como na concepção de campanhas educativas sobre
comportamentos de risco, de prevenção, etc.
A psicologia educacional é uma área da psicologia que estuda a interferência de certas
variáveis presentes no processo educativo e os resultados psicológicos resultantes da acção
educativa, ou seja, estuda os indivíduos (bebés, crianças, jovens, adultos, idosos) em situações de
educação e aprendizagem.
O grande objectivo da psicologia educacional é a promoção da qualidade do desenvolvimento
das pessoas, dos grupos, das instituições e das comunidades. A sua área de intervenção dirige-
se, portanto, não só á pessoa enquanto indivíduo, ou a grupos de indivíduos, como também às
organizações e instituições sociais propriamente ditas. O trabalho dos psicólogos educacionais
junto dos educadores, dos educandos e das instituições visa tornar o processo de
aprendizagem mais efectivo e significativo para o educando, assumindo especial importância
as questões respeitantes à motivação, às competências e capacidades, ao desenvolvimento, à
aprendizagem. Realizam o diagnóstico e o aconselhamento de pessoas em situação de
aprendizagem, tentando encontrar os aspectos em que os indivíduos são melhores e aqueles
que não dominam tão bem, as suas necessidades e as estratégias que usam para resolver
problemas.

Segue-se uma entrevista com a psicóloga educacional Lisete Barbosa.

Lisete Barbosa pós-graduou-se em Pedagogia e Psicologia Clínica em Paris, onde fez também a sua formação inicial.
Coordenou durante dez anos a Divisão de Orientação Educativa da então Direcção-Geral do Ensino Básico. Durante esse período
trabalhou directamente com professores e alunos e co-construiu uma equipa pluridisciplinar de formação e de apoio para as escolas
preparatórias. É professora coordenadora na Escola Superior de Educação de Setúbal. Autora de artigos de psicologia da educação e
dos livros: Gerir o Trabalho de Projecto e Trabalho e Dinâmica dos Pequenos Grupos.

P.: – Qual a área de intervenção do psicólogo escolar?


R.: – Costuma associar-se a expressão “psicologia educacional” à intervenção dos psicólogos dentro das instituições escolares e muito
especificamente para apoiar alunos que manifestam, num ou noutro momento, dificuldades. De facto, a intervenção do psicólogo educacional visa o
desenvolvimento de pessoas que, na maior parte dos casos, são alunos de uma determinada escola. Por isso, é necessário que a escola seja um
contexto onde as crianças e jovens se desenvolvam bem. Isto implica jogar com factores organizacionais, contactar com professores, pais e outros
profissionais ligados à saúde ou aos outros contextos sociais. Assim, a área de intervenção do psicólogo educacional é o aconselhamento; mas é
também dialogar e provocar encontros entre pais, professores, outros profissionais; é também criar e gerir situações de formação.

P.: – Que métodos e técnicas são mais utilizados na sua prática?


R.: – A comunicação interpessoal. Diálogos, capacidade de escuta, condução e participação em reuniões, trabalho de equipa, entrevistas individuais
ou de grupo. É fundamental ter uma boa formação nesta área para ter intervenções construtivas junto dos jovens, dos adultos que trabalham nas
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instituições e, eventualmente, dos pais. Muito esporadicamente, os testes.

P.: – Quais as problemáticas da sociedade contemporânea que justificam a intervenção do psicólogo educacional?
R.: – A perspectiva de dificuldades no mercado do trabalho, que funciona como um pano de fundo mais ou menos consciente para a falta de
motivação para as actividades escolares.
As condições de vida com grande perda de tempo em transportes e na obrigação de consumir que leva a que as ocasiões de diálogo e conversa entre
as pessoas escasseiem. Por vezes, a presença de um profissional desencadeia um processo que cria espaço e tempo para as pessoas se encontrarem,
se conhecerem e, a partir daí, poderem colaborar na procura de soluções ou de alternativas. A ideologia dominante de individualismo traduz-se
numa grande solidão e na perda da consciência deste facto simples: a união faz a força. 32
O próprio funcionamento da escola como instituição e as suas ambiguidades e contradições.
P.: – Que questões éticas se colocam na sua acção como psicóloga?
R.: – Falar de ética está tanto na moda que receio que a palavra acabe por perder sentido. Ou então que tenhamos que a escrever entre aspas, como
aconteceu já com a palavra “sucesso” na primeira metade dos anos 90…
Os problemas que se põem a um psicólogo educacional são essencialmente idênticos aos que se põem a um psicólogo clínico: o respeito pela pessoa
– criança, jovem ou adulto. E a dificuldade em gerir o que nós sabemos, e pode ser segredo, e a necessidade de desencadear soluções que não
dependem só de nós.

P.: – Conte um caso significativo na sua experiência profissional.


R.: – Acho que contava dois. Um, já antigo, mas que me marcou profundamente, pelo que me ensinou: fiz a uma miúda aquela pergunta do WISC:
“Se fosses comprar pão e na padaria te dissessem que já não havia, o que é que fazias?”. E ela respondeu: “Ia pedir dinheiro à minha mãe porque já
não fiavam mais”. Claro que esta resposta não constava da lista das respostas a pontuar como certas. Mas não só revelava uma grande perspicácia e
inteligência, como me revelou a mim como alguns instrumentos são marcados por factores sociais e culturais. Neste caso, por exemplo, seria
resposta certa “comprar pãezinhos de leite”.
O outro episódio tipifica aqueles milagres que podem ser quotidianos e acontecem, de facto, muitas vezes: os alunos de uma escola pediram para
reunir connosco (ia com outros dois colegas professores com funções técnicas no Ministério da Educação) para pôr alguns problemas da escola.
Dissemos que sim e que queríamos que alguns professores também estivessem presentes. A nossa passagem na escola era ocasional e não tínhamos
qualquer poder de intervenção. E também não queríamos que o debate se transformasse numa inútil sessão de queixas contra a escola e os
professores.
Estes, no princípio, estavam um bocado na defensiva; mas, a pouco e pouco, começaram a entrar numa posição de diálogo. Os alunos começaram a
sugerir maneiras de solucionar alguns problemas. Quando a sessão acabou, tinham sido resolvidas questões tão importantes como o horário dos
transportes e toda a gente estava contente e a saber que podiam contar uns com os outros.

P.: – Muita gente pensa que a escola está a falhar, no essencial, na sua função de educar. Concorda?
R.: – É difícil não concordar. As escolas onde professores e alunos se sentem felizes, e as aulas onde se trabalha e aprende, existem, mas são as
excepções.
Penso que na raiz desta situação, para além de eventuais medidas administrativas mais ou menos acertadas, está numa certa “cegueira” da escola,
como instituição, para a sua maior qualidade: ser um local de interacção. Em vez de aproveitar alegremente este privilégio de ter uma quantidade de
crianças e jovens e de professores, que são pessoas que escolheram uma actividade profissional que é baseada no convívio, o quotidiano das escolas
mostra que esta mais-valia absoluta das escolas (onde mais é que há tantas horas para estar junto e trocar ideias?) é transformada em desvantagem,
problema e obstáculo.
A interacção entre os alunos é desencorajada, se não punida. Os professores, por sua vez, estão muitas vezes numa posição defensiva, e a sua
relação com os alunos é muitas vezes curto-circuitada. Alguns professores parece que têm medo. E os alunos também têm medo de falar
normalmente, de conversar, com os professores como com outra pessoa qualquer.
Isto prejudica tanto as aprendizagens como a educação num sentido mais lato. Por exemplo, a formação para a democracia pode fazer-se pela
prática. Ora a escola é um local onde há muitas decisões a tomar que têm a ver com o quotidiano dos que a vivem, e que vão, por exemplo, da
gestão do espaço e do tempo à maneira e à ordem como se podem tratar os assuntos a trabalhar obrigatoriamente numa disciplina. Decisões que só
teriam a ganhar se fossem tomadas de forma participada. Mas a tal falta de diálogo e de acção conjunta faz com que a escola se torne uma escola da
passividade e, nalguns casos, da sua outra face, da revolta.
Muitas vezes me tenho perguntado se a passividade geral dos humanos perante o que se passa à sua volta não foi iniciada e treinada na escola, para
poder depois ser praticada quotidianamente perante os ecrãs da televisão.

P.: – Como ultrapassar esta situação?


R.: – Justamente aceitar e incentivar a interacção entre os alunos, entre alunos e professores e entre os professores, e promover a participação
activa dos alunos na vida e nas decisões da aula e da escola. Só assim o sentimento de pertença e a responsabilidade se podem desenvolver.
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Psicologia das Organizações

Na sociedade moderna, um conjunto cada vez maior de actividades é assumido pelas


organizações. Em virtude da industrialização e da urbanização, bem como o acesso mais
generalizado da mulher ao mercado de trabalho, mesmo algumas funções tradicionalmente
assumidas pela família, como tratar de crianças, dos mais velhos e dos doentes, foram
transferidas para organizações especializadas. De facto, o ser humano, desde que nasce até
que morre, vive integrado em organizações: nasce num hospital, frequente o infantário, vai 33

para a escola; já adulto, trabalha numa empresa, é sócio de um clube, membro de um


sindicato, faz as suas compras em lojas e supermercados; distrai-se no cinema ou no teatro,
como em restaurantes e, quando morre, é enterrado num cemitério.
O enquadramento do trabalho, da educação e do lazer em organizações motivaram que uma
área da psicologia se especializasse no estudo e na intervenção nas organizações em geral e
nos trabalhadores em particular. A Psicologia das Organizações trata de aspectos relacionados
com o trabalho e o funcionamento das organizações, como, por exemplo, a instrução
vocacional, a supervisão de pessoal, a saúde e a segurança, interacção homem-máquina, o
aperfeiçoamento da comunicação entre os funcionários ou entre eles e as chefias.
Os psicólogos, nesta área, tratam de encontrar a
melhor maneira de aumentar a produtividade nas
organizações, tendo em conta os indivíduos que
nelas trabalham. Assim, o psicólogo organizacional
desenvolve o seu trabalho em várias vertentes:
analisar a relação entre o trabalho e as pessoas;
orientar o processo de selecção e formação dos
trabalhadores; promover a optimização do trabalho;
analisar os processos de liderança e de gestão dos
recursos humanos; explicar e procurar prever o comportamento das pessoas no contexto de
trabalho; avaliar a motivação e o grau de satisfação dos trabalhadores; compreender as
relações formais e informais no interior das organizações; procurar compreender e resolver os
conflitos; apoiar no controlo e avaliação dos resultados.
As mudanças tecnológicas que já referimos levam a que o psicólogo organizacional seja cada
vez mais solicitado a planificar e a acompanhar programas especializados de formação
contínua, procurando adaptar aos novos contextos as competências dos trabalhadores,
apoiando-os no processo de adaptação às novas exigências.

Segue-se uma entrevista com o psicólogo organizacional António Pêgo.

Licenciado em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Exerceu a actividade
durante cinco anos na formação de educadores de infância e professores primários em Leiria. Trabalhou na área de orientação
escolar e profissional em escolas secundárias e foi consultor de recursos humanos numa empresa de serviços. Em 1988, ingressou
na Associação Industrial Portuense como técnico de formação, sendo actualmente director do Departamento de Formação
Profissional.

P.: – Qual a área de intervenção do psicólogo organizacional?


R.: – Passe a redundância, diria que constituem áreas de potencial intervenção do psicólogo organizacional todas as que dizem respeito à existência e
ao desenvolvimento das organizações, independentemente da sua dimensão e/ou enquadramento específico.
De um ponto de vista mais prático, constatamos hoje a participação de psicólogos em dinâmicas organizacionais de múltipla natureza – em
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

empresas, instituições e/ou entidades de administração, organismos profissionais, associações, clubes, ou seja, num conjunto razoavelmente
alargado de organizações mais ou menos complexas e com áreas de actuação muito ou pouco definidas, no domínio vasto de sistemas e valores que
regulam a vida dos indivíduos em sociedade.
Em resumo, diria que as áreas de intervenção do psicólogo serão tantas e tão largas quanto os conceitos de organização o permitam, ou
recomendem.

P.: – Que métodos e técnicas são mais utilizados na sua prática?


R.: – Todas as abordagens científicas integram um conjunto de saberes essenciais e de ferramentas práticas de aplicação e/ou intervenção
sustentadas por modelos teóricos sólidos e obviamente enquadrados no tempo e no espaço em que são produzidos.
A evolução da psicologia transporta assim um conjunto de abordagens que incorporam os seus conhecimentos nucleares e ferramentas de análise e 34
intervenção, procurando aplicá-las à problemática das organizações – as componentes, os objectivos, a estrutura, a sua natureza “viva” – de acordo
com o circunstancialismo incontornável de produção das práticas e saberes que as suportam.
Posto isto, espero que tenham percebido que são válidos os métodos e as técnicas que aprenderam neste livro, desde que devidamente adaptados a
cada realidade e às suas circunstâncias.

P.: – Quais as problemáticas da sociedade contemporânea que justificam a intervenção do psicólogo organizacional?
R.: – Na minha opinião, uma das problemáticas centrais da sociedade contemporânea diz respeito a essa palavra “mágica” simultaneamente
atraente e assustadora: a mudança. Trata-se de um conceito difuso, de difícil enquadramento teórico ou metodológico, mas que atravessa as
sociedades e os seus modos de organização.
Qualquer que seja o nível da análise em que nos posicionemos – o individual, o grupal ou o organizacional –, gerir a mudança constitui um acto de
sobrevivência – porque é inevitável e inultrapassável (a mudança é permanente e cada vez mais rápida!).
Em cada indivíduo como em cada organização, o entusiasmo e a abertura à mudança – generalizadamente aceite por todos – incorporam sempre
sintomas mais ou menos firmes de resistência à mudança, não necessariamente percepcionados como tal. Chamar-lhe-ia o paradoxo virtuoso. Se é
assim, haverá desafio mais aliciante para o profissional que analisa ou actua no desenvolvimento organizacional?

P.: – Na sua prática, interage com psicólogos de outras áreas, designadamente com psicólogos clínicos e escolares?
R.: – Nos nossos dias, o êxito advém quase sempre de intervenções pluridisciplinares e multiprofissionais. O profissional que na sua actividade não
interage com outros profissionais de outros ramos e saberes científicos limita claramente o âmbito e a qualidade da sua acção, logo, os horizontes do
seu percurso.
Em resumo, é desejável interagir com psicólogos de outras áreas, mas também com grupos profissionais de diferentes especialidades: engenharia,
economia, sociologia..., num registo de permanente entrecruzamento de saberes e competências.

P.: – Que questões éticas se colocam na sua acção como psicólogo?


R.: – Em qualquer actividade profissional podemos considerar um plano mais visível que tem a ver com o desempenho e a execução e um plano
menos visível que deriva de valores socialmente aceites.
As questões éticas são, na acção do psicólogo, o instrumento regulador dos valores e convenções socialmente partilhados e ao mesmo tempo o
“escudo protector” do sujeito que vive em cada ser humano.
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

TESTA O QUE SABES

Das questões que se seguem, selecciona a opção correcta.

1. Analisa os objectivos das diferentes áreas e selecciona, depois, a opção que as


identifica correctamente.
I. Analisar a relação entre o trabalho e as pessoas.
II. Promover a saúde mental. 35
III. Tornar o processo de aprendizagem mais significativo.
a. 1 psicologia das organizações; 2 psicologia clínica; 3 psicologia da
educação.
b. 1 psicologia clínica; 2 psicologia da educação; 3 psicologia das
organizações.
c. 1 psicologia das organizações; 2 psicologia da educação; 3 psicologia
clínica.
d. 1 psicologia da educação; 2 psicologia clínica; 3 psicologia das
organizações.

2. O psicólogo clínico encara a pessoa na sua:


a. totalidade.
b. relação social.
c. relação afectiva.
d. relação familiar.

3. A psicologia clínica é uma área que tem como finalidade:


a. a prevenção, diagnóstico e tratamento de pessoas, grupos e familiares do foro
psicológico.
b. a prevenção, diagnóstico e tratamento de pessoas, grupos ou comunidades que
apresentem problemas do foro psicológico.
c. o diagnóstico e tratamento de casos patológicos que possam vir a provocar
atitudes agressivas.
d. o diagnóstico e tratamento de perturbações psicológicas em indivíduos com
depressões e ansiedade.

4. A psicologia da educação intervém, essencialmente, nas questões educativas dos


adolescentes. Esta afirmação é:
a. verdadeira: o psicólogo educacional geralmente trabalha como orientador
vocacional nas escolas secundárias.
b. falsa: o psicólogo educacional intervém essencialmente nas questões educativas
em creches e jardins-de-infância.
c. verdadeira: o psicólogo educacional dedica-se essencialmente à produção de
materiais didáctico-pedagógicos para jovens.
d. falsa: o psicólogo educacional aborda as questões de aprendizagem e ensino de
indivíduos de várias idades.

5. O trabalho dos psicólogos educacionais, junto dos educadores e instituições, visa:


a. tornar o processo de aprendizagem mais efectivo e significativo para os
educandos.
b. identificar os educandos com dificuldades de aprendizagem e atribuir-lhes
competências.
c. tornar o processo ensino-aprendizagem mais conhecido junto dos encarregados
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

de educação.
d. conhecer melhor os educandos e tornar mais afectivo o relacionamento com os
educadores.

6. As inovações tecnológicas levam as organizações a debruçar-se sobre:


a. programa de apoio às famílias dos trabalhadores.
b. programas de apoio a pessoas que apresentem perturbações psicológicas.
c. programas especializados de formação contínua dos trabalhadores. 36
d. projectos e centros de reeducação e readaptação.

7. A psicologia das organizações intervém:


a. nas perturbações decorrentes do desequilíbrio psicológico.
b. na orientação dos processos e estratégias de aprendizagem.
c. nos processos relacionados com o desenvolvimento ao longo da vida.
d. na eficácia da produção e nos processos de adaptação a tarefas.
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

4. Domínios actuais da psicologia e Tendências Futuras

As diversas áreas de intervenção em que a psicologia se foi especializando, as diferentes


correntes de interpretação do comportamento e dos processos mentais, as múltiplas áreas de
intervenção da psicologia aplicada que já estudámos dão-nos a imagem da grande
complexidade desta ciência. O esquema que apresentado de seguida regista as principais
áreas de investigação e intervenção da psicologia. Estão também contempladas as
37
neurociências, a etiologia, a psiquiatria e a neurologia, porque estão intimamente relacionadas
com a psicologia.

Normal

Psicologia experimental
Psicologia cognitiva
Psicologia diferencial
Psicologia da educação
Psicologia do desenvolvimento
Psicologia da criança
Psicologia do trabalho e
da Ergonomia Psicologia do desporto
Etiologia

Social Biológico

Psicologia social
Psicofisiologia

Psicologia de saúde Neuropsicologia


Psicofarmacologia
Psicologia criminal Psiquiatria
Psicopatologia
Psicologia clínica
Psicanálise

Patológica

Imagem 11. Panorama das principais áreas de intervenção e investigação da psicologia (A. Lieny, Psychologie cognitive)

A diversidade e a multiplicidade das psicoterapias reflecte também o carácter complexo da


psicologia. A perspectiva que domina actualmente e que se reflecte para o futuro é a de que a
psicologia procurará manter uma integração das diferentes concepções, métodos, áreas de
pesquisa e de intervenção.

Proposta de
Trabalho

Para além das áreas da psicologia que estudas-te, existe muitas outras. Pesquisa na internet
uma área à tua escolha, registando qual a sua finalidade e o seu público-alvo.
Manual do Módulo P1_Descobrindo a Psicologia

MÓDULO 1: DESCOBRINDO A PSICOLOGIA

Síntese dos conteúdos:

38

Objecto

 comportamento
 processos mentais
Relações com outras
ciências Intervenção

Neurociências  Psicologia clínica


Etologia  Psicologia da
Psiquiatria Psicologia educação
Neurologia  Psicologia das
organizações

Investigação

Wundt – consciência
Pavlov – reflexos
Watson – comportamento
Freud - inconsciente

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