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Psicologia e Sociologia

Ana Rita Serra

2012
Manual do Módulo P3_ Processos cognitivos, emocionais e motivacionais

Módulo

Processos
cognitivos,
3
emocionais e 1

motivacionais
1
Processos cognitivos
 as capacidades cognitivas do ser humano (atenção, perceção, aprendizagem, memória,...)
 pensamento e inteligência – análise conceptual e diferencial
 a inteligência como uma entidade dinâmica que se constrói ao longo de toda a vida

Inteligência emocional e gestão das emoções


 processos emocionais
 conceito de inteligência emocional
 quociente de inteligência emocional e de gestão emocional
 estratégias de gestão das emoções

3
Processos motivacionais
 conceito de motivação
 ciclo motivacional
 frustração e conflito

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No final deste módulo deverás ser capaz de:


1. Identificar os processos cognitivos do ser humano.

2. Diferenciar o processo de pensamento do conceito de inteligência.

3. Reconhecer o dinamismo dos processos cognitivos da inteligência.


2
4. Compreender os processos emocionais.

5. Definir os conceitos de inteligência emocional e de quociente de inteligência

emocional.

6. Definir estratégias de gestão das emoções, articulando com situações do quotidiano

dos alunos.

7. Definir o conceito de motivação.

8. Conhecer o ciclo motivacional e o modo como se processa.

9. Relacionar os conceitos de frustração e conflito.

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1. Processos Cognitivos

“O João abriu a janela do quarto: em frente um pequeno jardim da rua em que vivia desde os cinco anos.
Viu que o céu estava azul e que não havia vento. Ouviu ladrar e reconheceu que era o Bit, o cão dos
vizinhos: lembrava-se bem da sua chegada quando ainda era cachorro pequeno e sentiu que também lhe
pertencia um pouco. Para além de bonito, era um animal muito inteligente. Pensou que nos cães que iria
tratar quando fosse veterinário e sorriu ao imaginar-se a exercer a profissão com que desde há muito
sonhava. Sabia que teria de estudar muito porque as médias eram muito altas, mas a sua motivação era 3
grande. Iria conseguir!
O cheiro da carne assada que vinha da cozinha fez-lhe crescer água na boca. Reconheceu que tinha fome e
que já era hora de almoço, mas antes ainda tinha de enviar um e-mail com as fotografias da festa do dia
anterior.”

Acabaste de ler a descrição de um conjunto de comportamentos onde podes identificar alguns


dos processos mentais que vais conhecer com mais profundidade: a perceção (o João viu que o
céu estava azul, ouviu o cão ladrar, sentiu o cheiro de carne assada) , a memória (lembrava-se da
chegada do cão), a inteligência, a aprendizagem, o pensamento, a motivação e também os
afetos e as emoções. Vamos começar por distinguir os diferentes tipos de processos:
cognitivos, emocionais e motivacionais.

1. Os processos cognitivos estão relacionados com o saber, com o conhecimento,


reportam-se à utilização, transformação e criação da informação do meio interno (do
corpo) e do meio externo. Dos processos cognitivos fazem parte a perceção, a
memória, a aprendizagem, a inteligência, o pensamento, a atenção.
Os processos cognitivos estão associados à questão “O quê?”.

2. Os processos emocionais estão relacionados com o sentir; são estados vividos pelo
sujeito muito marcados, portanto, pela subjetividade. Correspondem às vivências de
prazer e desprazer e à interpretação das relações que temos com as pessoas, objetos e
ideias. Dos processos emocionais fazem parte as emoções, os afetos, os sentimentos, a
inteligência emocional.
Os processos emocionais estão associados à questão “Como?”.

3. Os processos motivacionais estão relacionados com o fazer, expressam-se em ações,


em comportamentos. São os processos motivacionais que explicam a fome, a sede, o
sono e também o desejo de estar com outros, a autorrealização pessoal, etc.
Os processos motivacionais estão associados à questão “Porquê?”.

Todos estes processos estão intimamente relacionados: nos nossos comportamentos estão
presentes os processo cognitivos, emocionais e motivacionais.

Processos cognitivos
Estás a ler este texto e para o fazeres tens de mobilizar um conjunto de capacidades e
competências: recorreste à perceção visual e a áreas do cérebro especializadas no
reconhecimento dos caracteres escritos. Reconheces as letras e as palavras construindo as
frases que têm um sentido. A memória assegura que podes recorrer ao material necessário

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para poderes ler o texto e reconhecer o significado das palavras. As imagens que acompanham
estas páginas dão-te prazer ou desprazer.
Perceção, aprendizagem, memória, emoções, linguagem, inteligência são necessárias para
leres e interpretares este texto. Estas atividades mentais formam a cognição, que é o
conhecimento humano e animal sob diferentes formas: perceção, aprendizagem, memória,
consciência, atenção, inteligência.
Podemos definir cognição como: “O conjunto de mecanismos pelos quais um organismo
4
adquire informação, a trata, a conserva, a explora (…).” (M. Richelle).
Podemos colocar agora a pergunta: como é que se organiza, como se constrói o conhecimento
que temos do mundo que nos rodeia? Os processos cognitivos são complexos, porque
implicam um conjunto de estruturas que recebem, filtram, organizam, modelam, retêm os
dados provenientes do meio.
Vamos começar por brevemente abordar alguns dos processos cognitivos mais importantes: a
perceção, a atenção, a memória, a inteligência e o pensamento.

1.1 Perceção
É graças aos órgãos dos sentidos que te apercebes das cores, das formas, dos sons, das
texturas, dos aromas, do frio e do calor que provêm do mundo que te rodeia. São as perceções
que te dão a conhecer o meio ambiente.
A perceção é, precisamente, um processo cognitivo através do qual contactamos com o
mundo e que se caracteriza pelo facto de exigir a presença do objeto, da realidade a conhecer.
Neste sentido, distingue-se de outros processos cognitivos, como, por exemplo, a memória
que se refere a objetos, situações e acontecimentos passados. Pela perceção, organizamos e
interpretamos as informações veiculadas pelos órgãos dos sentidos (informações sensoriais).

O processo percetivo
O teu conhecimento do que ocorre neste momento é construído por diferentes sistemas
sensoriais: pela visão, olfato, audição, tato, paladar e ainda pelo sentido do equilíbrio e o
sentido dos movimentos corporais. Os diferentes modos de interação com o mundo que
acabámos referir são processados paralelamente pelos sistemas sensoriais, que são sensíveis a
determinados tipos de estímulos.
Embora a receção sensorial seja diferente para os diversos órgãos dos sentidos, há três
elementos comuns:
1. O estímulo físico.
2. A sua tradução em impulsos nervosos.
3. A resposta à mensagem como perceção.

A perceção começa nos órgãos recetores que são sensíveis a estímulos específicos. Ao
processo de deteção e receção dos estímulos nos órgãos dos sentidos dá-se o nome de
sensação.
A maior parte das entradas sensoriais percebem-se como uma sensação identificada com um
estímulo específico, que é traduzido em impulsos nervosos que são conduzidos ao sistema
nervosos central e processados pelo cérebro.
Do mundo que nos rodeia recebemos ondas magnéticas de diferentes frequências e
percepcionamos cores; recebemos variações rítmicas da pressão atmosférica e ouvimos

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palavras ou música; entramos em contacto com imensos componentes químicos espalhados


pelo ar, na água e nos alimentos, e experimentamos odores e sabores.
Portanto, o primeiro contacto que se estabelece com o meio ambiente é a sensação. A
percepção é mais do que a experiência “simples” dos estímulos: envolve a interpretação das
informações sensoriais recebidas. Por exemplo, o perfume que ainda se mantém na tua roupa:
a sensação forneceu-te a informação simples do odor. A percepção interpretou-o, deu-lhe um
sentido: identificaste-o, reconheceste-o, produziu em ti bem-estar, que será acrescido se o
5
associares a uma pessoal especial que to ofereceu. Daí a diferença entre sentir e percepcionar,
entre percepção e sensação.
A percepção é uma entidade cognitiva que não se limita ao registo da informação sensorial:
implica a atribuição de significado, que se relaciona com a nossa experiência. Um campo verde
é percepcionado de forma diferente por um pintor e por um lavrador; um golo é visto de
forma diferente pelo adepto da equipa que o marcou e por aquele que o sofreu.
As percepções, diferentemente das sensações, são o produto de uma síntese dos dados
recebidos com os conhecimentos, experiências, expectativas e interesses do sujeito. Por isso,
dizemos que as perceções não são cópias do mundo à nossa volta. A perceção não reproduz o
mundo como um espelho, o cérebro não regista o mundo exterior como um fotógrafo
tridimensional: constrói uma representação ou imagem da realidade.

Vamos analisar brevemente os mecanismos percetivos a partir da perceção visual por ser a
mais estudada e por ser a perceção que mais informações nos dá sobre o mundo exterior.

Mecanismos percetivos

O quadro da sala que estás a ver, a parede, a janela podem parecer que se projetam
diretamente como um slide no nosso cérebro. Mas o processo é muito mais complexo.
Analisemo-lo brevemente.
Os estímulos luminosos que sensibilizam a nossa retina são codificados em impulsos nervosos
que são transmitidos pelos nervos óticos às áreas visuais do córtex, que os processam como
uma representação. Este processo pode ser equiparado ao funcionamento de uma máquina
fotográfica: aos olhos corresponderia a lente onde a imagem é projetada de forma invertida.
Contudo, havia questões sem resposta: como é que a imagem projetada a duas dimensões se
transforma numa imagem a três dimensões? Como é que reconhecemos um objeto se na
retina aparece com diferentes tamanhos se estiver a diferentes distâncias?
É no cérebro que se vão estruturar e organizar as representações do mundo, é no cérebro que
se dá sentido ao que vemos e também ao que ouvimos. A informação proveniente dos órgãos
sensoriais é tratada pelo cérebro, é aí que ganha significado e sentido: a visão que temos do
mundo não reproduz a realidade, interpreta-a.

A imagem que temos do mundo é construída: corrigimos mentalmente, e de modo


automático, o conteúdo da nossa perceção, de modo a manter a regularidade do mundo
externo. Tal, facilita a adaptação ao meio, dando consistência ao mundo que nos rodeia.

Apresentamos-te mais um exemplo que mostra que a experiência sensorial do mundo não é
uma transmissão fiel da imagem que se forma na retina. Olha para a figura:

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Vês um vaso ou dois perfis?

Vês um homem a tocar saxofone


ou o rosto de uma mulher?

Vês uma velha ou uma menina?

A imagem da figura é única, mas nós só vemos, alternadamente, o vaso ou os perfis.

 Figura-fundo
Segundo os gestaltistas, a primeira coisa que fazemos quando percecionamos uma
imagem á separar a figura do fundo. Não conseguimos percecionar a figura e o fundo
ao mesmo tempo, ou vemos a figura ou vemos o fundo. Mas o facto é que sempre que
percecionamos uma imagem, separamos a figura do fundo. Algumas imagens
constituem figuras reversíveis, depende do que nós percecionamos como fundo e

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como figura, o que significa que podemos percecionar duas figuras, mas não podemos
percecioná-las em simultâneo. A imagem acima é exemplo disso.

Podemos afirmar que a perceção é um processo cognitivo complexo em que intervêm as


nossas estruturas fisiológicas (os recetores sensoriais, as estruturas do sistema nervoso) e as
nossas experiências pessoais que dão sentido e significado ao que percecionamos.
Para se compreender este processo cognitivo é importante reconhecer a subjetividade da
7
nossa perceção do mundo: percebemos o meio que nos rodeia em função dos nossos
conhecimentos anteriores, das nossas necessidades, dos nossos interesses, valores e
expetativas, e não de uma maneira neutra e objetiva.

Os estímulos percetivos são selecionados pela nossa atenção de acordo com os nossos
interesses. Não damos a mesma atenção a tudo o que nos rodeia!

1.2 Atenção
Integrados no meio ambiente, recebemos constantemente múltiplos estímulos através dos
nossos órgãos dos sentidos. Ora, como não é possível registar todas as informações que
recebemos, fazemos uma seleção dos estímulos aos quais dirigimos a nossa atenção.
Analisa a situação durante uma aula de Psicologia: para além do conteúdo da aula, há uma
grande quantidade de estímulos que são recebidos pelos teus órgãos sensoriais: os ruídos da
rua e do corredor, a conversa dos teus colegas de trás, a temperatura da sala, etc. De entre
todos os estímulos darás, esperemos, atenção ao que o teu
professor expõe sobre um tema.
A atenção é, portanto, como que um filtro que nos permite
selecionar os estímulos que são importantes numa
determinada situação. Podemos definir atenção como a
capacidade de nos concentrarmos em algo que possibilita a
seleção do que é importante num determinado momento
para nós. O texto que se segue ajuda-te a perceber melhor o
que é a atenção.

“A atenção divide o teu campo em foco e imagem. As coisas que percebes claramente estão no foco, as
coisas de que estás vagamente consciente estão na margem da tua experiência. Afastando-te da margem
estão acontecimentos de que não te apercebes pelo menos no momento. Imagina que estás a assistir a um
jogo de futebol numa tarde de frio. Quando as equipas estão a jogar focalizas a tua atenção no atacante que
está com a bola e segues atentamente os seus movimentos. Na margem da tua perceção estão os outros
jogadores. Enquanto observas o jogo, estás a ser bombardeado por muitos outros estímulos. Talvez os teus
pés estejam frios, talvez tenhas sensações desagradáveis no estômago devido ao cachorro quente que
comeste. Durante o jogo não tens consciência dessas coisas, mas quando há uma interrupção, apercebes-te
de que os pés estão gelados, de que o cachorro quente não estava bom, de que o cheiro do charuto do
espectador ao teu lado é forte de mais.”
Morgan, C., Introdução à Psicologia

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Como acabaste de ler, não prestamos o mesmo nível de atenção a tudo o que nos rodeia. Há,
portanto, diferentes níveis de intensidade na atenção. Quando estás a estudar e a ouvir
música ao mesmo tempo, a maior intensidade de atenção dirige-se ao teu estudo. Quando vais
na rua a conversar com um amigo, a atenção que diriges ao que ele diz não permite registar o
barulho do trânsito, das obras, dos sinos a tocar, etc. Mas, se forem atravessar uma rua, a
buzina de um automóvel pode chamar a tua atenção porque pode ser um sinal de perigo.

A nossa atenção também tem limites, quer dizer, não podemos dar o mesmo nível de atenção 8

a diferentes atividades que estamos a desenvolver. Por vezes, podemos prestar atenção a
várias coisas ao mesmo tempo: fazer a cama, escutar música, ouvir o recado que a mãe está
dizer. Mas há tarefas que pela sua complexidade exigem uma concentração da nossa atenção,
como é o caso da resolução de um teste de avaliação, de um problema.

1.3 A Memória

“A esposa que se esqueceu de que tinha marido


Nos retratos de casamento existentes na sala de estar de Las Vegas «, no Nevada, Kim e Krickitt Carpenter
parecem-se com quaisquer jovens recém-casados (…). No entanto, Krickitt admite que lhe causa agora alguma
dor ao olhar para as fotografias (…). “Quase preferia não as ver”, diz ela. “Fazem-me sentir saudades da
rapariga do retrato”.
De certo modo, aquela Krickitt desapareceu, perdeu-se para sempre. Menos de dez semanas após a cerimónia
de Setembro de 1993, os Carpenters tiveram um terrível acidente de automóvel que os feriu gravemente a
ambos e deixou Krickitt em coma. (…) ela recuperou retomando a consciência e, mesmo, a maior parte das
suas capacidades físicas. Contudo, o traumatismo provocou amnésia retrógrada, apagando quase
integralmente da sua memória os últimos dezoito meses – incluindo qualquer lembrança do homem pelo qual
se havia apaixonada e com o qual tinha casado. “Os últimos dois anos e meio baseiam-se numa história que me
foi contada”, diz Krickitt (…).”
Robert Felman, Compreender a Psicologia, McGraw-Hill, 2001

Esta história mostra-nos a importância que a


memória tem nas nossas vidas. Não podemos viver
se memória. Se perdêssemos a memória,
deixaríamos de ser quem somos, porque o que
fomos, o que somos e o que seremos depende, em
grande parte, da memória.
É a nossa memória que retém conhecimentos,
informações, ideias, acontecimentos, encontros e
este património torna-nos únicos, assegurando-nos a
nossa identificação pessoal. E se associamos a
memória à manutenção do passado, convém lembrar que é graças à memória que
estruturamos o presente e que é possível pensarmos e projetarmos o futuro. É a memória que
nos assegura que retemos o que já aprendemos e que continuaremos a aprender novos
conhecimentos, novos conceitos, novos sentimentos e novas experiências.
Essencial à nossa sobrevivência é a memória que nos permite, sempre que precisamos,
atualizar a informação necessária para dar resposta aos desafios do meio. É por termos
memória que não pousamos a mão numa chapa em brasa, que não nos aproximamos de um
animal perigoso, que folheamos o livro, que parámos no semáforo vermelho, que falamos, etc.

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Aprendemos que o meio é a memória que atualiza, sempre que precisamos, os


comportamentos aprendidos adaptados à situação. Quase tudo o que fazemos exige memória.
Efetivamente, é a memória que nos permite representar o mundo. Para recordares este
conceito, podemos recorrer a um exemplo: quando enunciamos o termo ‘mar’, com certeza
que te aparece uma imagem que lhe corresponde. O mesmo se passa se dissermos: ‘Estátua
da Liberdade’, ‘Torre de Belém’ ou ‘gaivota’. Isto é, mesmo não estando presentes, aparecem
no lugar dos objetos a que se referem. Estas imagens são representações que substituem
9
objetos, situações, acontecimentos, pessoas, etc. Vamos, agora, analisar os processos
inerentes à memorização, os tipos de memória, bem como relacionar memória e
esquecimento.

Processos de memorização
Vivemos num mundo que, em cada fração de segundo, nos bombardeia com uma quantidade
imensa de informação que se traduz em estímulos. Se déssemos atenção a todas as imagens,
sons, cheiros, sabores, sensações táteis, não teríamos possibilidade de funcionarmos como
organismo. Poderemos dizer que estamos programados para filtrar os estímulos e para recusar
os dados que são irrelevantes. O que o cérebro determina como importante, ou não, ocorre no
processo percetivo propriamente dito e no processamento da informação. A informação é,
então, recebida pelos órgãos dos sentidos, retida em décimas de segundos e em seguida
processada, tratada.
Podemos definir memória como o conjunto de processos e estruturas que codificam,
armazenam e recuperam informações sensoriais, experiências. A memória é a capacidade de o
cérebro armazenar, reter e recordar a informação. O processo de memorização envolve três
fases:
1. Adquirir/Codificar a informação sensorial

2. Armazenar a informação

3. Recuperar e utilizar a informação no processo de interpretação e ação sobre o meio

Vamos analisar, mais detalhadamente, cada uma destas fases que enunciámos.

1. Aquisição/Codificação – é a primeira operação da memória que prepara as


informações sensoriais para serem armazenadas no cérebro. Sempre que adquirimos
informação temos de formar um código para a sua aquisição. Quanto mais eficaz for a
codificação maior a probabilidade de efetuarmos uma boa aquisição, o uso de
mnemónicas é uma boa ajuda. Há várias formas de codificação. Podemos codificar
uma informação enquanto padrões de som, codificá-la da forma estruturada (em
sinais ou imagens) ou codificá-la de forma semântica (atribuindo-lhe um significado).
Por exemplo, se tivermos de decorar um número ou um conjunto de letras, a aquisição
é mais eficaz se procedermos a uma estruturação significativa. Imaginemos que temos
de reter o conjunto de letras SCDMDL. Podemos tentar codificá-las pelo som, no
entanto, pode haver engano nalguma letra e termos uma sequência diferente. Se
associarmos essas letras a algo que conhecemos bem, será mais fácil a aquisição. Se
repararmos, são as iniciais de uma expressão que todos conhecemos: Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa. Também podemos fazer algo do género com números.

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Imaginemos que temos de memorizar o número 2673161268. Podemos formar uma


frase com significado para nós, de modo a que o número de letras por palavra
corresponda aos algarismos desse número, como, por exemplo, “As minhas colegas
são o máximo e só querem diversão”. A repetição também permite a aquisição de
informação e é comum utilizá-la no dia-a-dia. Pode ser uma repetição simples, em que
repetimos os algarismos de forma linear, ou uma repetição elaborada, que é mais
eficaz, repetindo os algarismos agrupados em conjuntos de três, por exemplo.
10

2. Armazenamento – a informação é mantida na memória durante um certo tempo.


Dependendo do tempo que a informação fica retida, temos diferentes tipos de
memória, que analisaremos a seguir. Há alguns aspetos a ter em consideração apara
que a retenção/armazenamento possa realizar-se com sucesso, que têm a ver com a
codificação da informação. Quando é muito bem repetida, adquirida de forma
elaborada e relevante e em pouca quantidade há maior probabilidade de a informação
ser bem guardada na memória.

3. Recuperação – consiste na reactualização da informação adquirida e armazenada. Por


outras palavras, consiste em trazer de novo à consciência o que foi guardado na
memória. É o reconhecimento ou a recordação, sem os quais não há propriamente
memória. Isto significa que temos de realizar uma descodificação para recuperar a
informação retida, temos de encontrar algo significativo, uma espécie de pista, que
nos permita realizar a descodificação. Quanto melhor tiver sido realizada a codificação,
mais facilmente acedemos a essa pista e se efetua a recuperação. Muitas vezes temos
dificuldades em lembrar a história de um livro ou de um filme, mas basta apenas a
referência a um episódio significativo, a uma imagem ou a uma música para de
imediato nos lembrarmos perfeitamente do livro ou do filme. Significa que esses dados
funcionam de pista de recuperar a informação.

Tipos de memória
O tempo que uma recordação perdura é muito variável. O teu primeiro dia na escola do 1º
ciclo, que já ocorreu há mais de 10 anos, pode manter-se com grande nitidez na tua memória,
enquanto já não te recordas dos números premiados no último concurso do Euromilhões que
ouviste há pouco na rádio (a não ser que tenhas sido premiado!).
Estes dois exemplos mostram que não retemos todas as informações que recebemos durante
o mesmo tempo. Esta característica sugere uma classificação da memória quanto à duração:
memória a curto prazo e memória a longo prazo. É como se a nossa memória fosse um
grande armazém, no qual guardamos as nossas informações em secções diferentes, conforme
as retemos por breves instantes, por alguns segundos ou por horas, dias ou anos. Vamos
analisar cada um destes tipos de memória.

Memória a curto prazo


A memória a curto prazo é uma memória que retém a informação durante um período
limitado de tempo, podendo ser esquecida ou passar para a memória a longo prazo. Na
memória a curto prazo distinguem-se duas componentes: a memória imediata e a memória de
trabalho. Passemos a distingui-las e a relacioná-las.

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Na memória imediata, o material recebido fica retido durante uma fração de tempo – cerca de
30 segundos. Investigações desenvolvidas mostraram que podemos conservar sete elementos,
sete unidades de informação (mais ou menos dois elementos, isto é, entre cinco e nove elementos) .
Entende-se por unidade de informação um dígito, uma letra ou uma palavra.
O tempo pode alongar-se, se repetirmos mentalmente a informação, como, por exemplo, um
número de telefone que não tivemos oportunidade de registar por escrito. Esta é a memória
de trabalho: mantemos a informação enquanto ela nos é útil. A memória imediata e a
11
memória de trabalho são complementares, formando a memória a curto prazo.
Na memória a curto prazo integram-se outros registos em que a informação se pode manter
durante horas: se o teu diretor de turma te pedir que, no dia seguinte, lhe devolvas o
destacável de uma comunicação para o teu encarregado de educação, manterás na memória
esta informação, que esquecerás depois de cumprida a tarefa.
Qualquer informação que tenha estado na memória a curto prazo e que se tenha perdido,
estará perdida para sempre, só se mantendo se transitar para a memória a longo prazo.

Memória a longo prazo


A memória a longo prazo é um tipo de memória que é alimentada pelos materiais da
memória a curto prazo que são codificados em símbolos. A memória a longo prazo retém os
materiais durante horas, meses ou toda a vida.
Na memória a longo prazo há diferentes modalidades de armazenamento da informação para
diferentes registos: visual, auditivo, olfativo, tátil e ainda a linguagem do movimento. Sabemos
que as memórias com origens diferentes são armazenadas em áreas diferentes do cérebro,
porque se constatou que doentes que apresentavam lesões na área auditiva mantinham todas
as outras áreas ativas e funcionais.

Distinguem-se, geralmente, dois tipos de memória a longo prazo que dependem de estruturas
cerebrais diferentes: a memória declarativa e a memória não declarativa.

“(…) A memória declarativa é a memória da informação factual: nomes, faces, datas e outra semelhante.
Contrariamente, a memória procedimental (por vezes referida como memória não declarativa) respeita a
memória de experiências e hábitos, tais como andar de bicicleta ou jogar à bola. A informação sobre coisas é
armazenada na memória declarativa; a informação relativa a como fazer as coisas é armazenada na memória
procedimental.”
Robert Felman, Compreender a Psicologia, McGraw-Hill, 1999

A memória declarativa é uma memória automática, que mantém as informações subjacentes


à questão “Como?”. Por exemplo: como andar de bicicleta, como lavar os dentes, como
pentear o cabelo, como fazer skate, como apertar as sapatilhas, etc. Há atividades mais
complexas que são da responsabilidade deste tipo de memória, por exemplo, como conduzir
um automóvel.
Quando desenvolvemos estes comportamentos, não temos consciência de que são
capacidades que dependem da memória. Só quando começamos a aprender é que damos
atenção a todos os detalhes, é que tomamos consciência dos vários comportamentos que
envolvem, por exemplo, andar de bicicleta. O exercício, o hábito, a repetição do conjunto as
práticas tornaram essa atividade automática, reflexa. Só se acede a este tipo de memória,

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agindo: pensa na dificuldade que terás se quiseres explicar, através de palavras, como se
apertam os cordões das sapatilhas. Só o conseguirás exemplificando.
Muitos destes comportamentos são essenciais no nosso dia-a-dia, dispensando a nossa
atenção. Para executarmos estas atividades não é requerida a localização no tempo, nem
reflexão, nem reconhecimento, a não ser que nos perguntem onde e quem nos ensinou a
andar de skate, por exemplo. A maior parte destes comportamentos envolve a atividade
motora. A leitura também faz parte deste tipo de memória: no início da aprendizagem,
12
soletramos sílaba a sílaba, palavra a palavra. Depois de tanta prática, lês esta página do livro
com toda a velocidade.

A memória declarativa (também designada por memória explícita ou memória com registo) implica a
consciência do passado, do tempo, reportando-se a acontecimentos, factos, pessoas. É graças
a este tipo de memória que descreves as funções das áreas pré-frontais, os heterónimos de
Fernando Pessoa, o nome dos teus avós, o aniversário da tua mãe, etc. À medida que foste
lendo os exemplos que demos, apareceram imagens mentais, frases, palavras, isto é,
conteúdos que podem ser declarados (através da fala e da escrita).
Distinguem-se, neste tipo de memória, geralmente, dois subsistemas: a memória episódica e a
memória semântica. A memória episódica envolve recordações, como os rostos dos teus
familiares, amigos e ídolos, as tuas músicas preferidas, factos e experiências pessoais. Daí
aparecer associada ao termo “autobiográfica”, porque se reporta a lembranças da tua vida
pessoal.
A memória episódica é, portanto, uma memória pessoal que manifesta uma relação íntima
entre quem recorda e o que se recorda.
A memória semântica refere-se ao conhecimento geral sobre o mundo, como, por exemplo, as
leis da química, os factos históricos, as fórmulas da matemática, os conhecimentos que já
adquiriste de psicologia, as regras gramaticais, os teus conhecimentos de línguas estrangeiras,
etc. Neste tipo de memória não há localização no tempo, não estando ligada a nenhum
conhecimento ou ação específicos, nem referenciado a nenhum facto específico do passado.
Assim, sabes que 5 X 5 = 25 – este conhecimento faz parte da memória semântica. Se,
entretanto, associares que quem te ajudou a aprender a tabuada dos 5 foi a tua avó, este dado
já faz parte da memória episódica.

“(…) A memória semântica é a memória do conhecimento geral e dos factos do mundo, bem como das regras
da lógica utilizadas para deduzir outros factos (…). É devido à memória semântica que nos lembramos de que
2 X 2 = 4, de que o código postal de Torres Vedras é 2560, e de que a palavra “memorea” está mal escrita.
Portanto, a memória semântica é como que um calendário mental de factos.
Contrariamente, a memória episódica é a memória dos detalhes biográficos das nossas vidas particulares. As
nossas memórias sobre o que fizemos e os tipos de experiência que tivemos constituem a memória episódica.
Consequentemente, quando recordamos o nosso primeiro namoro, o momento em que caímos de bicicleta ou
como nos sentimos quando acabamos o liceu, estamos a recordar memórias específicas (…).”
Robert Felman, Compreender a Psicologia, McGraw-Hill, 2001

Memória e esquecimento
Podemos definir esquecimento como a incapacidade de recordar, de recuperar dados,
informações, experiências que foram memorizados. Esta capacidade pode ser provisória ou
definitiva.

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Geralmente, associa-se ao termo esquecimento um


valor negativo, sendo muitas vezes, considerado
uma falha, uma patologia da memória. Contudo, o
esquecimento é essencial, é a própria condição da
memória: é porque esquecemos que continuamos a
reter informações adquiridas e experiências vividas.
Seria impossível conservar todos os materiais que
13
armazenamos, tendo o esquecimento a função de
selecionar para podermos adquirir novos
conteúdos. O esquecimento tem, assim, uma função seletiva e adaptativa: afasta a
informação que não é útil e necessária. Afasta também os conteúdos conflituosos.
Aliás, convém recordar o que já dissemos: a memória não reproduz os dados tal como foram
armazenados. A memória, como processo ativo que é, tem um caráter seletivo, na medida em
que nem toda a informação é guardada, e um caráter adaptativo – a informação é
transformada. Geralmente, quando falamos de esquecimento, referimo-nos à memória a
longo prazo. Vamos agora analisar diferentes tipos de esquecimento:

1. Esquecimento regressivo.
2. Esquecimento motivado.
3. Interferência das aprendizagens.
4. Falhas na codificação – pistas de recuperação.
5. Lesões cerebrais.

1. Esquecimento regressivo – ocorre quando surgem dificuldades em reter novos materiais


e em recordar conhecimentos, factos e nomes aprendidos recentemente. Este tipo de
esquecimento é especialmente sentido por pessoas de certa idade e pode ser devido à
degenerescência dos tecidos cerebrais. Contudo, os contributos das investigações mais
recentes mostram que, numa vida intelectualmente ativa e empenhada, diminuem
significativamente os efeitos do envelhecimento na capacidade de recordar.
2. Esquecimento motivado – segundo Freud, nós esqueceríamos o que, inconscientemente,
nos convém esquecer. Assim, os conteúdos traumatizantes, penosos, as recordações
angustiantes seriam esquecidos para evitar a angústia e a ansiedade, assegurando, assim,
o equilíbrio psicológico. Este processo designa-se por recalcamento.
3. Interferência das aprendizagens – as investigações mais recentes tendem a explicar o
esquecimento fundamentalmente através dos processos de interferência: as novas
memórias interferem com a recuperação das memórias mais antigas.
4. Falhas na codificação – nem sempre codificamos bem a informação, organizando pistas
significativas para o seu armazenamento. Quando há falhas na recuperação, como
acontece com o referido fenómeno “ponto-da-língua”, é porque não conseguimos
encontrar a pista certa, a chave que permite abrir a porta da memória de certa
informação armazenada.
5. Lesões cerebrais – outro motivo que leva ao esquecimento, provocando amnésia, que
significa falta de memória.

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Memória e aprendizagem
Memória e aprendizagem estão relacionadas. Não há aprendizagem sem memória. Como
seria possível aprender algo do qual não nos lembramos? Não poderíamos ler este texto sem a
memória do que aprendemos sobre a leitura. Não poderíamos aplicar os conhecimentos a
novas situações. Viveríamos num constante e fugaz processo de aprendizagem ou pseudo-
aprendizagem. Não nos reconheceríamos nem reconheceríamos os outros, o que provocaria
graves perturbações na nossa vida pessoal e social.
14
Como o ser humano é um ser que se desenvolve essencialmente através de processos de
aprendizagem, não seria o que é sem memória, porque sem ela não haveria aprendizagem.
Isto significa que a memória é condição necessária para que haja aprendizagem e para a
construção de uma identidade pessoal e social, para a nossa adaptação ao meio. É porque
nos lembramos de quem fomos, das experiências porque passamos, dos nossos projetos para
o futuro, entre outras coisas, que sabemos quem somos, apesar das alterações que vamos
sofrendo ao longo da vida.

Inteligência
O termo inteligência é muito usado nas conversas do dia-a-dia e no contexto das várias áreas
do saber. Podemos afirmar que é também o conceito
que mais polémica suscita no seio da psicologia.
Dada a complexidade da inteligência, não existe uma
definição universal, sendo o termo usado com
diferentes significados e apresentando várias definições.
Apesar da falta de consenso sobre o que seja a
inteligência, há algo em relação ao qual os psicólogos
parecem estar de acordo. A inteligência está
relacionada com a nossa capacidade de adaptação ao
mundo, conseguindo resolver problemas, adaptando-
nos a novas situações, utilizando racionalmente o
conhecimento, a experiência e os recursos que temos disponíveis. Sinteticamente, podemos
definir a inteligência como a adaptação ao meio através da resolução de problemas.
Alguns autores distinguem três tipos de inteligência:

1. Inteligência prática – capacidade para resolver problemas através da manipulação de


objetos; está presente na invenção, fabrico e uso de objetos, estando na base de
respostas concretas aos problemas do quotidiano.

2. Inteligência teórica ou conceptual – designada também por inteligência racional e


abstrata, envolve o recurso da linguagem e de outros sistemas simbólicos e manifesta-
se nas capacidades de compreensão, raciocínio, resolução de problemas e tomadas de
decisão.

3. Inteligência social – é um tipo de inteligência que se manifesta na vida em sociedade e


na resolução de problemas interpessoais.

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A origem da inteligência
Se a definição de inteligência provoca polémica, a sua origem é também geradora de grandes
debates. Atá há bem pouco tempo lideraram as teorias inatistas sobre a origem da
inteligência: esta faculdade seria herdada, isto é, seria transmitida por hereditariedade. A esta
conceção opuseram-se as teorias ambientalistas: a inteligência seria, portanto, adquirida,
produto das condições do meio ambiente.
No quadro que se segue sintetizamos as duas teorias que se opõem sobre a origem da
15
inteligência.

Teorias Inatistas Ambientalistas


› Conceito de inteligência › A inteligência é um dom. › A inteligência é adquirida.
› Papel da hereditariedade › A inteligência é determinada › O papel da hereditariedade é
geneticamente. irrelevante.
› Papel do meio ambiente › A influência do meio é › O meio determina a
reduzida. inteligência.

Quer as teorias inatistas quer as ambientalistas apresentam explicações redutoras. O


desenvolvimento das investigações e os conhecimentos entretanto adquiridos deram lugar às
teorias interacionistas: a inteligência resulta da interação entre um contributo da
hereditariedade com o meio, os fatores sociais.
Quando estudaste a conceção de Piaget sobre o desenvolvimento intelectual tiveste
oportunidade de reconhecer que a inteligência se manifesta de formas diferentes nas
diferentes idades: aos vários estádios correspondem formas específicas de inteligência.
Recorda que este autor mostrou a importância do papel ativo do sujeito no desenvolvimento
intelectual: a inteligência seria resultado da interação entre a hereditariedade, o meio e a ação
do sujeito.

Medir a inteligência
Desde o início do século XX que se procurou medir a inteligência. Inicialmente, essa tentativa
tinha como principal objetivo identificar crianças com
necessidades educativas especiais.
Durante vários anos deu-se uma importância acentuada
aos testes de inteligência. Alfred Binet e T. Simon
criaram a Escala Métrica de Inteligência, constituída por
testes com o objetivo de medir as capacidades mentais.
Os testes foram formados por questões e exercícios
sobre figuras, números, letras, palavras, em ordem
crescente de dificuldade e variavam de acordo com a idade.
O resultado obtido nos testes indicava a idade mental. Se a idade mental coincidisse com a
idade cronológica, a criança era considerada normal; assim, se, por exemplo, uma criança de
14 anos só conseguisse responder corretamente aos testes destinados às crianças de 14 anos
só conseguisse responder corretamente aos testes destinados às crianças de 10 anos, dir-se-ia
que a sua idade mental seria de 10 anos; portanto, a criança apresentaria um ‘atraso’. O
objetivo inicial desta escala era fazer um prognóstico do rendimento escolar.

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Através da divisão da idade mental da criança pela sua idade cronológica, multiplica por 100,
obtinha-se o quociente de inteligência (QI). O termo Quociente de Inteligência (QI) visa
determinar a relação entre a idade mental (IM) e a idade cronológica (IC).

16

Assim, por exemplo, uma criança de 10 anos com a idade mental de 12 anos tem um QI de 12 x
100 = 120. Neste caso, a criança teria um desenvolvimento da inteligência avaliada acima da
média, dado que o QI de 100 é considerado o valor médio. Terman estabeleceu assim, a partir
da testagem de vários sujeitos, as seguintes categorias:

Categorias
80 - 89 › Lentidão
10 - 109 › Inteligência média
110 - 119 › Inteligência superior
120 - 140 › Inteligência muito superior

A aplicação de testes para avaliar a inteligência tem sido objeto de muitas polémicas e críticas.
São muitas as vozes que recusam a possibilidade de uma capacidade tão complexa poder ser
expressa num número. É a ideia que o texto que se segue reflete.

“Será possível descrever através de um único número algo de tão complexo como o intelecto humano? Por
analogia, tenta descrever o físico de uma pessoa com um simples número. Que número usarias – a altura? O
peso? O comprimento do braço? A medida do pescoço? Uma média destas ou de mais algumas outras?
Nenhuma medida ou média única são adequadas. Para retratar o corpo de alguém, precisarás de um conjunto
de medidas de diferentes partes do corpo. Não será a estrutura da inteligência pelo menos tão complexa como
a do corpo?”
Gray, P., Psychology

Um dos perigos que resultam da aplicação dos testes de inteligência é as pessoas ficarem
rotuladas, o que pode afetar o seu futuro enquanto estudante e profissional. Há muitos
fatores que afetam os sujeitos quando são submetidos a testes de inteligência, como a
pressão, a ansiedade, as expectativas, etc. É tal como quando fazemos um teste na escola,
muitas vezes sabemos mais do que o que mostramos nos testes. Os testes só mostram o
produto e não o processo.

É claro que os testes de inteligência são importantes, ajudando muitas vezes a detetar
dificuldades de aprendizagem graves e a identificar alunos com necessidades educativas
especiais. Não podemos negar a sua utilidade e importância, no entanto não podemos cair no
polo oposto e pensar que estes testes ditam quem é e quem não é inteligente. Isto significa
que a inteligência pode ser medida, mas inteligência e inteligência medida não são a mesma
coisa. O recurso a testes de inteligência pode ser útil no diagnóstico, desde que se recorra a
outros meios de observação e avaliação.

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Perspetivas sobre a inteligência


A composição da inteligência, a sua estrutura, tem sido objeto de várias teorias e
interpretações: é uma capacidade única, geral, ou é constituída por capacidades que
correspondem a aptidões específicas? Galton encarou a inteligência como uma entidade
singular e única; Binet considerava que a inteligência era constituída por um conjunto de
atributos (memória, fluência numérica, vocabulário, etc.).
Vamos, brevemente, analisar duas perspetivas que se opõem, a do psicólogo inglês Spearman
17
e a do psicólogo americano Gardner.
Spearman, a partir da aplicação de testes de memória, de perceção, de fluência verbal e de
lógica, aplicou um método estatístico designado por análise fatorial, estabelecendo
correlações entre as aptidões avaliadas pela aplicação dos testes.
Spearman, ao analisar os resultados, concluiu que as pessoas que têm uma elevada pontuação
num tipo de testes têm tendência a obter também classificações elevadas noutros testes.
Coloca a hipótese da existência de uma capacidade de inteligência geral, que estaria na base
de todas as funções intelectuais, dos fatores específicos. Estes fatores, que correspondem a
aptidões específicas, explicariam o facto de uma pessoa ser mais dotada para certo tipo de
atividades do que outras. A inteligência geral – fundamentalmente teórica – estaria na base de
todos os atos intelectuais, determinando por isso a capacidade da pessoa.

Figura 1. Charles Spearman e a Teoria do Fator G

Foram vários os autores que reagiram à teoria de Spearman. De entre eles destaca-se Gardner,
que defendeu a teoria das inteligências múltiplas. Segundo este psicólogo, existiriam sete
tipos de inteligência com regras de funcionamento próprias e que atuam de forma
independente. Apresentou os seguintes tipos de inteligência:

1. Inteligência lógico-matemática – aptidão para raciocinar, formular e validar


hipóteses. Inteligência que prevalece nos matemáticos e nos cientistas.

2. Inteligência linguística – aptidão verbal, mais concretamente, as subtilezas de


significado. Assegura a linguagem verbal e escrita. Poetas, escritores e linguistas
teriam um predomínio deste tipo de inteligência.

3. Inteligência espacial – aptidão para representar o espaço, reconhecer e desenhar


relações espaciais. Esta inteligência terá uma forte presença nos arquitetos,
escultores, pintores, desenhadores de mapas, etc.

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4. Inteligência musical – aptidão para cantar, tocar um instrumento, compor música. É


uma inteligência presente nos compositores, maestros, músicos e cantores.

5. Inteligência corporal-cinestésica – aptidão para controlar os movimentos de forma


adequada e harmoniosa, como dançar, fazer atletismo, manipular e usar utensílios e
objetos, etc. Os atletas, bailarinos e atores, por exemplo, tês esta inteligência muito
desenvolvida.
18

6. Inteligência interpessoal – aptidão para compreender e responder adequadamente


aos outros.

7. Inteligência intrapessoal – aptidão para se compreender a si próprio.

A inteligência interpessoal e intrapessoal prevalece entre políticos, líderes religiosos,


psiquiatras, psicólogos e antropólogos.

Figura 2. Howard Gardner e a Teoria das Inteligências Múltiplas

Em 1993, no seu livro Les intelligences multiples, acrescenta uma oitava inteligência:

› Inteligência naturalista – capacidade para reconhecer e distinguir plantas e animais.


Os investigadores da área da biologia teriam uma inteligência naturalista muito
desenvolvida.

Põe ainda a hipótese de existir um outro tipo de inteligência:

› Inteligência existencial – capacidade de colocar questões sobre os grandes problemas


da existência: Qual a origem do universo? Qual a origem dos seres humanos? Porque
morremos? O que acontece para além da morte?

Para fundamentar a sua teoria das inteligências múltiplas, o psicólogo recorre a exemplos de
pessoas que apresentavam atrasos graves em quase todas as áreas intelectuais, mas que
demonstravam aptidões especiais, como, por exemplo, em relação à arte. Na sua opinião,
todas as aptidões deveriam ser valorizadas. A teoria deste autor inspirou a organização do
currículo de algumas escolas que dividiram equitativamente o tempo letivo pela língua
materna, informática, artes visuais, matemática, música, etc.

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Segundo Gardner, as inteligências são potencialidades que podem, ou não, era ativadas:
dependem dos valores de uma dada cultura e das oportunidades disponíveis nessa cultura;
dependem também dos efeitos das famílias, dos professores e das decisões pessoais
assumidas pelos indivíduos.

Pensamento
19
Associado ao conceito de inteligência está o conceito de pensamento. Pensamento e pensar
são termos usamos a toda a hora nas nossas conversas:

› Penso que vou conseguir passar no exame de condução.

› Este problema deu-me muito que pensar.

› Ele pensa que eu não percebi que está zangado comigo.

› Pensei em ti quando ouvi esta música.

› Vi-o muito pensativo a olhar para o céu.

› Para o ano penso ir a Inglaterra.

Podes acrescentar a esta lista muitos outros e facilmente constatarás que o significado do
termo pensar é usado com sentidos muito diferentes:
acreditar, saber, raciocinar, julgar, recordar, antecipar,
refletir, etc.
Pensar é uma operação da mente que é contínua e que
envolve quase todos os nossos processos mentais.
Implica estruturas como conceitos, juízos, raciocínios,
ideias, imagens mentais. O texto que se segue ajudar-
te-á a compreender o que é o pensamento.

“Pensar é uma atividade que realizamos quotidianamente: está subjacente à nossa habilidade para resolver
problemas e planear as nossas atividades, e vincula-se intimamente à linguagem e à nossa capacidade para
representar a realidade em termos de conceitos mais ou menos abstratos.”
Santoyo, M., El pensamiento

É graças ao pensamento que elaboramos conceitos, isto é, representações mentais que se


formam por processos de abstração e generalização. São os conceitos que nos permitem
organizar a informação sobre a realidade, que nos permitem reunir e categorizar os atributos
comuns e distinguir os fenómenos e os objetos entre si. Por exemplo, o conceito de cão reúne
o conjunto de características que distinguem este animal de todos os outros animais e de
todos os outros seres e objetos. Os conceitos como cão, mar, mesa, casa, etc., são conceitos
objetivos, que se reportam a objetos materiais, diferentemente de conceitos como amizade,
solidariedade, beleza, justiça, que são conceitos abstratos.

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O nosso pensamento funciona relacionando conceitos entre si: o juízo é precisamente a


operação mental que consiste em relacionar dois ou mais conceitos.

Exemplo: O céu está enevoado. O ser humano é mortal. Esta decisão foi justa.

Com juízos construímos raciocínios. O raciocínio é uma operação mental em que a partir de
duas ou mais relações, dois ou mais juízos, se obtém uma nova relação, um novo juízo.
20

Exemplo: As florestas são um bem fundamental para a humanidade.


Os bens fundamentais devem ser preservados.
As florestas devem ser bem preservadas.

Pensamento e inteligência
Pensamento e inteligência estão relacionados. Somos seres inteligentes, comos capazes de
resolver problemas e de nos adaptar a novas situações, através do nosso pensamento.
Fazemos isso baseando-nos no conhecimento adquirido e na nossa capacidade de resolver
problemas imediatos, ou seja, na inteligência. Mas inteligência e pensamento não são
sinónimos, podemos ser muito inteligentes e não utilizar bem o nosso pensamento.

“A crença de que a inteligência e o pensamento são a mesma coisa levou a duas conclusões infelizes na
educação:
1. Não é preciso fazer nada pelos estudantes muito inteligentes porque serão automaticamente bons
pensadores.
2. Nada pode ser feito pelos estudantes pouco inteligentes porque nunca poderão ser bons
pensadores.
A relação entre inteligência e pensamento é como a que há entre um carro e um condutor desse carro. Um
carro potente pode ser mal conduzido. Um carro menos potente pode ser bem conduzido. A potência do carro
é o potencial do carro tal como a inteligência é o potencial da mente. A competência do condutor do carro
determina como é utilizada a potência do carro. A competência do pensador determina como é utilizada a
inteligência.
Não há, naturalmente, nada que impeça as pessoas muito inteligentes de serem também excelentes
pensadoras. Mas uma coisa não resulta automaticamente da outra. É preciso desenvolver a competência de
pensar.”
Edward de Bono, Ensine os Seus Filhos a Pensar, Pregaminho, 2003

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2. Processos Emocionais
2.1 Para que servem as emoções?

Consideremos os últimos momentos de Gabriel e Maria Alves, um casal completamente dedicado à filha
de onze anos, Andreia, presa a uma cadeira de rodas por uma paralisia cerebral. A família Alves viaja
num comboio que se precipitou num rio depois de uma barcaça ter chocado, enfraquecendo-o com o
pilar de uma ponte ferroviária. Pensando antes de mais na filha, o casal fez tudo o que podia para 21
salvar Andreia da água que entrava a jorros na carruagem já meio submersa; finalmente, conseguiram
fazê-la passar através da janela, para as mãos dos salvadores. Depois a carruagem desapareceu sobre
as águas e eles morreram.
Goleman, D., Inteligência Emocional (2009)

A história de Andreia, de pais cujo último gesto heroico é para garantir a sobrevivência da filha,
representa um momento de coragem quase mítica. Sem a mínima dúvida, incidentes como
este, de sacrifício dos pais pelos filhos, repetiram-se vezes sem conta ao longo da história e da
pré-história humana. Visto da perspetiva do biólogo evolucionista, este tipo de auto-sacrifício
parental é uma consequência da necessidade de «êxito reprodutivo», ou seja, o imperativo de
transmitir os próprios genes às gerações futuras. Mas da perspetiva de um pai, ou de uma
mãe, que toma uma decisão desesperada num momento de crise, tem única e exclusivamente
a ver com o amor.
Este ato exemplar de heroísmo parental testemunha o papel do amor altruísta – e de outras
emoções que sentimos – na vida humana. Sugere que os nossos sentimentos mais profundos,
as nossas paixões e desejos, são guias essenciais e que a nossa espécie deve uma grande parte
da sua existência ao poder desses sentimentos, paixões e desejos nos assuntos humanos. Esse
poder é extraordinário: só um amor poderosíssimo – a necessidade de salvar um filho querido
– pode levar um pai a dominar o impulso de sobrevivência pessoal. Visto com o intelecto,
poderá argumentar-se que o sacrifício dos Alves foi irracional; visto com o coração, era a única
escolha possível.
Os sociobiólogos destacam a preeminência do coração sobre a cabeça em momentos cruciais.
As nossas emoções, afirmam, guiam-nos quando temos de enfrentar situações e tarefas
demasiado importantes para serem deixadas apenas a cargo do pensamento – perigo, grandes
desgostos, ligar-nos a um companheiro ou companheira, fundar uma família, etc. Cada
emoção representa uma predisposição para a ação; cada uma delas aponta-nos uma direção
que já noutras ocasiões resultou bem para enfrentarmos o mesmo tipo de problema.

Impulsos para agir

Foi uma tragédia de enganos. Matilde Gomes queria apenas pregar uma partida ao pai: saltou do
armário e gritou «Buuu!» quando os pais entraram em casa naquela manhã depois de terem estado
fora, de visita a uns amigos.
Bruno Gomes e a mulher, no entanto, pensavam que Matilde passara a noite em casa de uma amiga.
Ouvindo barulho ao entrar em casa, Bruno pegou no seu revólver e foi investigar o quarto da filha.
Quando Matilde saltou de dentro do armário, Bruno atingiu-a no pescoço com um tiro. Matilde Gomes
faleceu doze horas depois.
Goleman, D., Inteligência Emocional (2009)

Um dos legados da evolução humano é o medo que nos mobiliza para defender a nossa família
contra todos os perigos; foi esse impulso que levou Bruno Gomes a pegar numa arma e

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revistar a casa em busca do intruso que julgava lá estar. Foi o medo que levou Bruno a disparar
antes de registar aquilo contra que disparava, antes mesmo de poder reconhecer a voz da
filha.

Todas as emoções são, essencialmente, impulsos para agir, planos de força para enfrentar a
vida. A própria raiz da palavra emoção é motore, o verbo latino «mover», mais o prefixo «e-»
para dar «mover para», sugerindo que a tendência para agir está implícita em todas as
22
emoções. O facto de que as emoções conduzem à ação torna-se perfeitamente óbvio quando
observamos animais ou crianças: emoções – impulsos básicos para agir – divorciadas da óbvia
razão.

Emoções «básicas»
Segundo alguns teóricos, os seres humanos têm um conjunto de oito emoções básicas:

› Alegria: dá-nos energia e deixa-nos com mais vontade e motivação para nos
envolvermos em atividades, para estarmos com pessoas, para explorarmos o mundo,
para conhecermos coisas, para brincarmos, para trabalharmos, etc.

› Amor: promove a aproximação a outras pessoas, animais ou objetos, de forma a


podermos satisfazer as nossas necessidades.

› Ansiedade: ajuda-nos a estarmos preparados para algo que pode acontecer. Prepara o
organismo para se proteger afastar do que pode ser perigoso, ao disponibilizar
recursos e energias para dar resposta a uma situação imaginária ou real que avaliamos
como ameaçador ou desafiante.

› Aversão: ajuda a proteger o organismo e o corpo de substâncias perigosas (ao nível da


higiene e da alimentação) e de situações, pessoas ou acontecimentos prejudiciais (ao
nível da ação social). As emoções da família da aversão ajudam-nos a manter-nos
limpos, saudáveis e socialmente íntegros, através da rejeição de substâncias, situações
ou pessoas potencialmente prejudiciais.

› Ira (Raiva): ajuda-nos a defendermo-nos do que consideramos ser uma ameaça.


Ajuda-nos a preservar o que é importante para nós. As emoções da família da ira
(raiva) ajudam-nos a comunicarmos aos outros o nosso desagrado em relação a algo
de que não gostamos e a colocarmos limite aos seus comportamentos.~

› Surpresa: alerta-nos para algo que aconteceu de forma diferente do que estávamos à
espera que acontecesse. Ao percebermos que as coisas aconteceram de forma
diferente, desenvolvemos capacidades e estratégias para nos adaptarmos à nova
situação. Se não sentíssemos que as coisas aconteceram de forma diferente do que
estávamos à espera, corríamos o risco de não nos adaptarmos às mudanças, porque
poderíamos não nos aperceber delas.

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› Tristeza: ajuda-nos a tomar consciência das nossas necessidades e das nossas


fraquezas, o que pode ser importante para desenvolvermos estratégias de modo a
satisfazer essas mesmas necessidades (por exemplo, pedir ajuda e aproximarmo-nos
de pessoas que nos podem ajudar). As emoções da família da tristeza favorecem que
nos organizemos e que nos adaptemos àquilo que aconteceu, mesmo que não seja do
nosso agrado, que integremos o que de desagradável aconteceu, que reflitamos sobre
o que aconteceu, no sentido de reformular as estratégias de resolução de problemas
23
e, assim, gerir de outra forma no futuro.

› Vergonha: ajuda-nos a perceber que podemos não estar a corresponder ao que é


esperado de nós e a perceber que poderemos estar a fazer alguma coisa que não é
adequada. Ajudam-nos a pensar e a antecipar as consequências de fazermos algo de
inadequado, o que também ajuda à regulação dos nossos comportamentos.

Componentes das emoções


As emoções envolvem um conjunto de componentes: componentes cognitivas, componentes
fisiológicas e componentes comportamentais. Estão interligadas mas por uma questão de
estudo vamos analisar uma delas e vamos recorrer a um exemplo: no dia de Natal recebeste
uma consola e dois jogos. Tu ficaste furioso. Vamos distinguir as diferentes componentes desta
situação:
a. Componente cognitiva: é o conhecimento de um facto: o teu primo meteu o teu jogo
na água.
Este tipo de componentes das emoções são componentes que dizem respeito aos
sentimentos e pensamentos do sujeito.

b. Componente fisiológica: face ao incidente, o teu coração começou a bater mais


depressa, a respiração ficou muito rápida, aumentou a tensão muscular. Ficaste
branco de raiva, porque os vasos sanguíneos periféricos contraíram-se.
Esta componente refere-se às manifestações orgânicas da emoção.

c. Componente comportamental: tentaste conter palavras duras dirigidas ao teu primo.


Mas o teu estado emocional poderia desencadear um conjunto de comportamentos
que poderiam ir desde a crítica verbal, com as suas múltiplas variantes, até à agressão.
Face à situação, optaste por esboçar um sorriso de conveniência, minimizando por
palavras o efeito do acidente.
Esta componente diz respeito ao modo como manifestamos as emoções, seja através
de uma linguagem corporal ou uma linguagem não verbal.

Sinais das emoções


No reportório emocional, cada emoção desempenha um papel único, cada emoção prepara o
corpo para um tipo de resposta muito diferente (ver tabelas que se seguem).

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Sinais das emoções da família da Alegria

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Alegria? família da Alegria?
Em situações agradáveis. Sentimos emoções agradáveis.
Quando acontece uma coisa boa. O corpo fica com mais energia.
Quando recebemos uma notícia agradável. O corpo pode ficar ativado (p.e. com vontade de nos
Quando estamos com pessoas de quem gostamos. mexermos mais). 24
Quando estamos a fazer coisas que nos agradam. Sentimos o corpo relaxado.
Quando conseguimos fazer algo.

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Alegria? sentimos emoções da família da Alegria?
Acreditamos que vamos conseguir, ficamos mais Estar com os amigos.
otimistas, lembramo-nos de coisas mais agradáveis, Rir.
ficamos com mais vontade e motivação. Fazer coisas.
“Que bom!” Brincar.
“Isto é divertido!” Mexermo-nos.
“Que giro!” Estarmos ativos.
“Isto é interessante!” Trabalhar.
“Isto vale a pena” Partilhar.
Estar disponível.

Sinais das emoções da família da Amor

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Amor? família da Amor?
Situações de elevada ligação afetiva, proximidade física O corpo fica com energia, com impulsos ou com desejo
e intimidade entre as pessoas (amor romântico). de nos aproximarmos daquilo que nos agrada.
Situações em que alguém garantiu a nossa Quando tomamos consciência de que somos amados
sobrevivência (garantiu a satisfação das coisas que ou de que gostamos de alguém, o nosso corpo fica com
precisávamos) (amor filial). sensações agradáveis, com mais energia e com mais
Situações em que sentimos que existe um grupo de disponibilidade para nos envolvermos com outras
pessoas que nos aceitam como somos, com quem pessoas e para ajudar os outros a satisfazer as suas
podemos partilhar as nossas experiências (amizade). necessidades (p.e., necessidade de compreensão).
Situações em que nos identificamos com alguém que
tem características que nos agradam
(afinidade/solidariedade).

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Amor? sentimos emoções da família da Amor?
Acreditamos que a vida é bela e que vale a pena Estar com os pais/amigos.
partilhar este sentimento. Ficamos, então, com mais Rir.
vontade de explorar e partilhar experiências com os Conversar.
Cuidar.
outros.
Dedicar atenção.
“Que lindo!” Tolerar.
“Ele é fixe!” Compreender e perdoar.
“Eu confio em ti!” Fazer planos.
“Adoro-te!” Preocuparmo-nos.
“Gosto de ti!” Pensar em alguém.
“És bom (boa) para mim!”
“Ninguém é perfeito!”
“Aceito-te como és!”

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Sinais das emoções da família da Ansiedade

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Ansiedade? família da Ansiedade?
Situações que consideramos perigosas/ameaçadoras. O corpo produz substâncias (ex. adrenalina) que ativam
Situações em que sentimos que não controlamos o que o nosso corpo e nos deixam prontos para agir.
se passa. Sentimo-nos mais agitados, inquietos e temos 25
Situações em que é esperado que façamos algo. dificuldade em controlar o corpo.
Situações que consideramos serem difíceis. Podemos ter dificuldade em pensar noutras coisas,
Situações em que não sabemos o que vai acontecer. porque estamos na expectativa do que vai acontecer,
de como vai acontecer.
Podemos ficar tensos, alerta, inquietos, preparados
para agir.

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Ansiedade? sentimos emoções da família da Ansiedade?
“O que será que vai acontecer?” Evitar.
“É perigoso!” Fugir.
“É difícil!” Gritar.
“Não sei se consigo!” Chorar.
“Não sou capaz!” Tomar precauções.
“E se alguma coisa corre mal?” Andar de um lado para o outro.
“O tempo nunca mais passa!” Mexer-se.
“Aconteceu alguma coisa, de certeza!”
“Tenho receio que aconteça algo de mal!”

Sinais das emoções da família da Aversão

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Aversão? família da Aversão?
Situações em que sentimos desagrado, desconforto ou O corpo dá respostas de desconforto, repulsa, mal-
mal-estar. estar, desagrado, incompatibilidade.
Situações em que consideramos que algo é O corpo fica com impulsos ou com vontade de se
incompatível connosco e que nos leva a desejar afastar, ou de evitar aquilo que não nos agrada.
afastarmo-nos.
Situações, acontecimentos, pessoas, objetos, animais,
características, temas e assuntos que não são do nosso
agrado ou que nos provocam simpatia.

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Aversão? sentimos emoções da família da Aversão?
“Não gosto!” Afastar.
“Não sei como há alguém que consegue tocar nisso!” Evitar.
“Não tem nada a ver comigo!” Reprovar.
“Só de falar nisso fico enjoado!” Condenar.
“Prefiro nem olhar!” Não aderir.
“Quero manter-me longe dessas pessoas!” Resistir.
“Quero manter-me longe disso!”
“Sinto repulsa!”

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Sinais das emoções da família da Ira (Raiva)

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Ira (Raiva)? família da Ira (Raiva)?
Situações que nos desagradam. O corpo fica ativado, com muita energia e com vontade
Comportamentos de pessoas, animais ou de fazer qualquer coisa contra a pessoa que nos
acontecimentos que nos magoaram muito. ofendeu. pode ficar tão agitado que podemos ter 26
Situações ou acontecimentos que consideramos dificuldade em controlar o que estamos a fazer.
inaceitáveis. Podemos ter também dificuldade em pensar se o que
estamos a fazer é correto.
Ter vontade de dizer ou de fazer alguma coisa que
também magoe essa pessoa.

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Ira (Raiva)? sentimos emoções da família da Ira (Raiva)?
“Estou revoltado!” Discutir.
“Cá se fazem, cá se pagam!” Evitar.
“Vais arrepender-te pelo que fizeste!” Afastar.
“Isso não se faz!” Andar de um lado par o outro.
“Isso é indecente!” Discordar.
“Não merecia o que me fez!” Falar repetidamente no que aconteceu.
“Porque é que isto aconteceu?” Falar alto.
“É uma injustiça!” Esforçar-se para controlar o corpo.

Sinais das emoções da família da Surpresa

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Surpresa? família da Surpresa?
Situações/acontecimentos inesperados. Pode ficar com energia, ativado, com a atenção dirigida
Situações em que tomamos conhecimento de algo que para a comparação entre o que previa e o que afinal
não contávamos. aconteceu.
Situações agradáveis inesperadas. Podemos demorar algum tempo a perceber o que
Situações neutras inesperadas. aconteceu, podendo mesmo demorar algum tempo a
reagir, porque estamos a tentar reorganizar-nos face ao
novo acontecimento.
O corpo fica com mais energia, cem sensações
agradáveis e pode ficar bastante ativado (p.e., com
vontade de nos mexermos).

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Surpresa? sentimos emoções da família da Surpresa?
“Estou admirado!” Confirmar e voltar a confirmar.
“Como foi possível?” Procurar informação sobre a novidade.
“Ainda não acredito no que aconteceu!” Conversar sobre o que aconteceu.
“Parece impossível!” Não querer falar do que aconteceu.
“Não pode ser!” Isolar-se para pensar no que aconteceu.
“Não estava à espera!” Ficar, por momentos, sem reação.
“Estou confuso!”
“Não sei o que pensar!”

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Sinais das emoções da família da Tristeza

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Tristeza? família da Tristeza?
Situações que não acontecem de acordo com o que O corpo fica com menos energia, com menos vontade
gostaríamos. de explorar, com a sensação de estar cansado, sem
Morte de alguém querido. vontade de fazer coisas.
Morte de um animal de estimação.
Podemos querer estar sozinhos, podemos ter menos 27
Algo que correu mal.
Doença de alguém. apatite e podemos ter vontade de chorar.
Alguém nos magoou.

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Tristeza? sentimos emoções da família da Tristeza?
“Que pena!” Ficar corado.
“Só eu é que não consigo!” Não saber o que dizer.
“Coitadinho…” Não saber o que fazer.
“Ninguém é capaz de me ajudar!” Pedir desculpa.
“Ninguém gosta de mim!” Chorar.
“Sou um falhado!” Evitar a situação, a pessoa ou o lugar.
“Gostava que as coisas fossem diferentes!” Engasgar-se.
“Estou desanimado!” Ter dificuldades em agir naturalmente.

Sinais das emoções da família da Vergonha

Em que situações aparecem as emoções da Como fica o corpo quando sentimos emoções da
família da Vergonha? família da Vergonha?
Quando tomamos consciência de que o nosso O corpo fica mais controlado.
comportamento (ou de quem está connosco) não é Sentimo-nos retraídos, pouco à vontade e sensíveis ao
adequado às regras da sociedade, ao local em que que os outros dizem ou fazem.
estamos, ou ao que esperam de nós. Ficamos muito atentos aos sinais que os outros nos
Em público (festas, eventos). dão.
Em família. Podemos sentir o corpo tenso e desconfortável, por
Na escola. estarmos a controlar o que fazemos ou dizemos.
Com os amigos.
Com os vizinhos.

Que tipo de pensamentos estão associados às Que comportamentos são típicos de quando
emoções da família da Vergonha? sentimos emoções da família da Vergonha?
“Que estúpido que sou!” Ficar corado.
“Se tivesse aqui um buraco fazia como a avestruz, Não saber o que dizer.
enfiava lá a cabeça!” Não saber o que fazer.
“Nem acredito que disse/fiz aquilo!” Pedir desculpa.
“Tenho de sair daqui!” Chorar.
“O que vão eles pensar de mim!” Evitar a situação, a pessoa ou o lugar.
Engasgar-se.
Ter dificuldades em agir naturalmente.

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As nossas duas mentes

Aqui há tempos, uma amiga minha falava-me a respeito do seu divórcio, uma separação
dolorosa. O marido apaixonara-se por uma mulher mais nova, sua colega de trabalho e,
subitamente, anunciara que saía de casa para ir viver com ela. Seguiram-se meses de amargas
discussões a respeito da casa, do dinheiro e da custódia dos filhos. Agora, meses volvidos, a
minha amiga dizia estar a gostar da sua independência, que se sentia feliz por estar sozinha.
«Já nem penso nele. Já não me interessa, juro», afirmava. Mas, enquanto o dizia, os seus 28
olhos enchiam-se momentaneamente de lágrimas.
Goleman, D., Inteligência Emocional (2009)

Aquelas lágrimas poderiam facilmente passar despercebidas. Mas o


saber empático de que quando alguém tem os olhos rasos de
lágrimas é porque está a sofrer, mesmo que as suas palavras
afirmem o contrário. Um é um ato da mente emocional, o outro
um ato da mente racional. Num sentido muito real, temos duas
mentes, uma que pensa e outra que sente.
Estas duas maneiras fundamentalmente diferentes de saber,
interagem para construir a nossa vida mental. Uma, a mente
racional, é o modo de compreensão de que temos tipicamente
consciência: mais proeminente em matéria de atenção, pensativo, capaz de ponderar e
refletir. Mas ao lado deste, existe um outro sistema de conhecimento: impulsivo e poderoso,
ainda que por vezes ilógico – a mente emocional.
A dicotomia emocional/racional aproxima-se da distinção popular entre «coração» e
«cabeça»; saber, «no coração», que uma coisa está certa é uma ordem de convicção diferente
– por vezes uma espécie de certeza profunda – de que pensá-lo com a mente racional. Quando
mais intenso é o sentimento, mais dominante se torna a mente emocional e mais ineficaz a
racional. Como podemos ser tão razoáveis num momento e tão irracionais no seguinte? De
facto, a mente emocional é muito mais rápida do que a mente racional, entrando em ação sem
«pensar» por um instante no que vai fazer. A sua rapidez excluiu a reflexão deliberada e
analítica que é característica da mente pensante. Quando o pó assenta, ou mesmo a meio da
resposta, damos por nós a pensar: «Por que diabo é que eu fiz isto?» - um sinal de que a
mente racional está a despertar para a ocasião, mas não com a mesma rapidez da mente
emocional. A grande vantagem da mente emocional é conseguir ler uma realidade emocional
(ele está furioso comigo; ela está a mentir; isto está a deixá-lo triste) num instante, fazendo
um juízo imediato que nos diz com quem com quem ter cuidado, em quem confiar, quem está
perturbado. A mente emocional é o nosso radar para contra o perigo; se nós ficássemos à
espera de que a mente racional fizesse alguns destes juízos, podíamos estar não só enganados,
podíamos mesmo estar mortos. O inconveniente é que estas intuições e juízos intuitivos, por
serem instantâneos, podem estar errados.
De qualquer forma, uma vez que a mente racional demora mais um ou dois instantes do que a
mente emocional a registar e responder, o «primeiro impulso» numa situação emocional é
sempre do coração e não da cabeça. Assim, a resposta emocional é extremamente adaptativa,
pois mobiliza-nos para responder a ocorrências urgentes sem perdermos tempo a ponderar a
reação ou resposta.

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Apesar do referido, estas duas mentes funcionam a maioria das vezes em perfeita harmonia,
combinando os seus dois modos diferentes de saber para nos guiar através do mundo.

A sede de toda a paixão

Um amigo meu contou-me que certa vez, estando de férias em Inglaterra e depois de ter
almoçado num café à beira de um canal, viu, nas escadas de pedra que conduziam água, uma
29
jovem que olhava fixamente para baixo com uma expressão de medo estampada no rosto.
Antes que pudesse sequer pensar, o meu amigo tinha saltado para a água, de casaco e
gravata, para só então se aperceber de que a jovem estava a olhar apavorada para uma
criança que tinha caído ao canal e que ele conseguiu salvar.
Goleman, D., Inteligência Emocional (2009)

O que foi que o fez saltar para a água antes de saber porquê? A resposta, muito
provavelmente, é: a amígdala.
Nos seres humanos, a amígdala é um grupo de estruturas interligadas em forma de amêndoa
empoleirado por cima do tronco cerebral, próximo da orla inferior do anel límbico. Há duas
amígdalas, uma de cada lado do cérebro, aninhadas junto aos lados da cabeça.
A amígdala funciona como o armazém de memória emocional; sem ela, a vida fica despojada
de significados pessoais. Quando a amígdala é separada do resto do cérebro, o resultado é
uma impressionante incapacidade de avaliar o significado emocional dos acontecimentos; esta
condição é por vezes chamada de «cegueira emocional» ou embotamento afetivo.
Ao perderem o peso emocional, os encontros perdem igualmente toda a importância. Um
jovem cuja amígdala foi cirurgicamente removida para controlar os violentos ataques de que
sofria, perdeu inteiramente o interesse nas pessoas, passando a preferir ficar sentado sozinho,
sem contactos humanos. Embora fosse perfeitamente capaz de conversar, deixou de
reconhecer os amigos mais íntimos, os parentes e inclusivamente a mãe, permanecendo
absolutamente impassível face ao desespero de todas essas pessoas. Sem a amígdala parecia
ter perdido a capacidade de reconhecer sensações, bem como a capacidade de experienciar
sentimentos. Sem amígdala, não há lágrimas nem dor para consolar.

Figura 3. Amígdala cerebral «a sede de toda a paixão»

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2.2 A Inteligência Emocional


2.2.1 Quando o Esperto é Burro

Exatamente por que razão foi David Pereira, professor de Física do ensino secundário, atacado
com uma faca de cozinha por um dos seus melhores alunos é algo que continua aberto a
debate.
João Almeida, pré-finalista e excelente aluno, estava decidido em entrar na faculdade de
Medicina. Aconteceu, porém, que Pereira, seu professor de Física, lhe deu 80 por cento num 30
teste. Convencido que a nota – um mero Bom – punha o seu sonho em perigo, João pega
numa faca e, numa confrontação com Pereira no laboratório de Física, esfaqueou o professor
no pescoço antes de ser dominado pelos outros alunos.
Um juiz declarou David inocente, momentaneamente louco durante o incidente – um painel de
quatro psicólogos e psiquiatras jurara que o jovem se encontrava psicótico durante a luta.
Goleman, D., Inteligência Emocional (2009)

A questão é: como pode alguém tão obviamente inteligente fazer uma coisa tão irracional, tão
perfeitamente estúpida? A resposta: a inteligência académica tem muito pouco a ver com a
vida emocional. Os mais inteligentes de nós podem facilmente perder-se nos obstáculos das
paixões desenfreadas e dos impulsos; pessoas com um QI elevado podem revelar-se péssimos
pilotos das suas vidas particulares.
É neste sentido que Daniel Goleman nos apresenta uma ideia inovadora: a de inteligência
emocional. No dizer do autor, “a inteligência emocional é a capacidade da pessoa se motivar a
si mesma e persistir a despeito das frustrações; de controlar os impulsos e de adiar a
recompensa; de regular o seu próprio estado de espírito e impedir que o desânimo subjugue a
faculdade de pensar; de sentir empatia e de ter esperança. Ao contrário do QI (…) a inteligência
emocional é um conceito novo. (…) Os dados sugerem que pode ser uma influência tão
poderosa e por vezes ainda mais poderosa que o QI”.

Da análise deste excerto, podemos concluir que a inteligência emocional é a capacidade de:
› conhecer e controlar as suas próprias emoções;
› reconhecer, compreender as emoções dos outros e responder de modo adequado;
› enfrentar e resolver uma situação emocionalmente instável.

2.3 Quociente Emocional

Segundo Goleman, a inteligência emocional distingue-se da inteligência cognitiva, embora


exista uma interdependência entre a dimensão cognitiva e a dimensão emocional.
Karen Arnold, professora de educação na Universidade de Boston, explica: «saber que alguém
faz parte do grupo dos melhores alunos, só nos diz que essa pessoa é excelente no
desempenho de certas tarefas que são medidas por notas. Nada nos diz a respeito de como
reage às vicissitudes da vida.» E é ai que reside o problema: a inteligência académica (medida
através do QI) não dá qualquer espécie de preparação para o tumulto – ou oportunidades –
que as vicissitudes da vida nos trazem. No entanto, embora um QI elevado não seja garantia
de prosperidade, prestígio ou felicidade na vida, as nossas escolas e a nossa cultura estão fixas
nas capacidades académicas, ignorando a inteligência emocional, um conjunto de

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características – a quem lhes chame caráter – que também têm uma importância imensa para
o nosso destino pessoal. Há uma piada infantil que diz «O que é que se chama a um nabo
daqui a quinze anos?» A resposta é «Patrão».

Considera-se que uma pessoa é emocionalmente inteligente quando apresenta facilidade de


integração e de relacionamento com os outros, capacidade de adaptação às mudanças do
meio em que está inserida. O sentido da responsabilidade, a capacidade de comunicação e a
31
criatividade são algumas das características das pessoas emocionalmente inteligentes. A
importância destas características nas interações sociais, sobretudo ao nível das organizações,
motivou a investigação da forma de se medir a inteligência emocional para se avaliar as
pessoas nesta dimensão. É neste contexto que surge o quociente emocional (QE), que é, tal
como o QI, uma medida que resulta de uma avaliação das capacidades de inteligência
emocional.

QI e a Inteligência Emocional: Tipos Puros


QI e inteligência emocional não são competências opostas; são antes competências separadas.
Todos nós misturamos o intelecto e a acuidade emocional; as pessoas com um elevado QI e
uma baixa inteligência emocional (ou QI baixo e elevada inteligência emocional) são
relativamente raras.
Ao contrário dos conhecidos testes de QI, não há, por enquanto, qualquer forma de medir com
papel e lápis e inteligência emocional. No entanto, usando uma medição daquilo a que se
chama «resiliência do ego», e que é bastante similar à inteligência emocional, Jack Block, um
psicólogo da Universidade da Califórnia, fez uma comparação de dois tipos puros teóricos:
pessoas com um QI elevado versus pessoas com altas aptidões emocionais. As diferenças são
reveladoras.
O tipo QI elevado puro (ou seja, pondo totalmente de lado a inteligência emocional) é quase
uma caricatura do intelectual, completamente à vontade no domínio da mente, mas
totalmente inepto no mundo pessoal. Os perfis diferem ligeiramente de homens para
mulheres.

Tipo QI elevado puro


Homens Mulheres
› Vasta gama de capacidades e interesses › Confiança intelectual
intelectuais › Fluentes na expressão dos seus
› Ambicioso e produtivo pensamentos
› Previsível e obstinado › Vasta gama de interesses intelectuais e
› Imune a preocupações com a sua própria estéticos
pessoa › Introspetivas
› Crítico e condescende › Dadas à ansiedade, à ruminação e à culpa
› Fantasioso e inibido › Hesitam em exprimir abertamente a sua
› Pouco à vontade com a sua sexualidade e ira (embora o façam indiretamente)
experiência sensual
› Inexpressivo e desligado
› Emocionalmente amorfo e frio

Em contraste, homens e mulheres com uma elevada inteligência emocional são os que
apresentam mais qualidades que nos tornam plenamente humanos.

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Tipo QE elevado puro


Homens Mulheres
› Socialmente ajustados › Extrovertidas
› Extrovertidos e alegres › Exprimem abertamente os seus
› Nada dados a preocupações e sentimentos e sentem-se bem consigo
ruminações sombrias mesmas
› Capacidade notável para se dedicarem a › A vida é cheia de significado
32
pessoas e a causas, para assumirem › Com os homens são expansivas e
responsabilidades e para terem uma sociáveis e exprimem os seus
perspetiva ética sentimentos de forma adequada
› Compreensivos e carinhosos nas suas › Adaptam-se bem ao stress
relações › O seu à vontade social permite-lhes
› Vida emocional rica, mas adequada contactar facilmente com os novos
› Sentem-se bem consigo mesmos, com os conhecidos: sentem-se suficientemente
outros e com o universo social em que confiantes para serem brincalhonas,
vivem espontâneas e abertas às experiências
sensuais
› Raramente sentem ansiedade, culpa ou
se deixam mergulhar em ruminações

Estes retratos são, evidentemente, extremos, dado que todos nós temos misturados QI e
inteligência emocional em diversos graus. Apesar de os dois retratos de fundirem, oferecem-
nos uma visão instrutiva daquilo com que cada uma destas dimensões contribui
separadamente para as capacidades da pessoa.

2.4 Gestão das emoções

As empresas têm vindo a valorizar muito a inteligência emocional como consequência das
exigências do trabalho na sociedade contemporânea: capacidade de adaptação às mudanças
tecnológicas e organização do trabalho, capacidade de manter relações com os outros
valorizando a cooperação, capacidade para reagir positivamente aos desafios são colocados,
etc.
Daniel Goleman defende que é possível desenvolvermos a nossa inteligência emocional
permitindo-nos reagir às melhores situações. Partindo deste pressuposto, Goleman e outros
autores, na sua linha de pensamento, têm apresentado um conjunto de soluções para
fazermos a gestão das emoções e, assim, desenvolvermos a inteligência emocional.

1. Conhecer as nossas próprias emoções – é o conhecimento que o indivíduo tem de si


próprio, dos seus sentimentos, afetos e intuição. Esta autoconsciência é a base da
inteligência emocional, porque só depois de uma pessoa ter consciência dos seus
sentimentos e emoções é que pode compreender o que acontece com os outros e com
as situações vividas.
2. Autocontrolo – é a capacidade de gerir o nosso estado interior, as emoções,
canalizando-as para um comportamento adaptado, apropriado às diferentes situações.
3. Automotivação – é importante direcionar emoções para atingir as metas, os objetivos
relacionados. As emoções podem facilitar que alcancemos os nossos objetivos, que
podem ser facilmente atingidos através do empenho, da iniciativa e do otimismo.

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4. Reconhecer as emoções dos outros/Empatia – reconhecer as emoções, sentimentos,


necessidades e preocupações das outras pessoas e ser capaz de se colocar no seu
lugar. Esta competência permite compreender os outros, para uma melhor gestão das
emoções.
5. Gestão dos relacionamentos pessoais – aptidão e facilidade de relacionamento:
redução dos conflitos, negociação, coesão de grupo. A arte de nos relacionarmos é, em
grande medida, a aptidão para gerir as emoções dos outros.
33

“Muitos indícios atestam que as pessoas emocionalmente competentes – que conhecem e lidam bem
com os próprios sentimentos, e leem e consideram os sentimentos das outras – têm vantagens em
qualquer campo da vida, seja nas relações amorosas e íntimas, seja assimilando as regras táticas que
governam o sucesso na política organizacional”.
Goleman, D., Inteligência Emocional

Concluímos este tema salientando a importância da inteligência emocional nas várias


dimensões de vida dos seres humanos.

3. Processos Motivacionais

Quando um gato abre um saco para comer o peixe acabado de comprar pelo dono, tem um
objetivo: satisfazer a fome. Quanto te diriges á cantina, visas a mesma finalidade do gato:
comer. Quando o gato se aninha num canto e quando tu te deitas na cama à noite, a finalidade
é a mesma: dormir.
Quando mandas um sms a um amigo para marcar um encontro, quando procuras a tua
professora de psicologia para adiar o teste, todos estes comportamentos têm um aspeto em
comum: visam atingir um objetivo. São, por isso, designados de comportamentos motivados.

Ao estudarmos a motivação estudamos precisamente os motivos que nos levam a agir de


determinada maneira. Assim, pode-se definir motivação como o conjunto de impulsos que
orientam o comportamento de uma pessoa em direção a determinado fim ou objetivo. Os
exemplos citados acima sugerem a diversidade dos comportamentos motivados: fome, sede,
sono, ter sucesso, desejo de estar com os outros, etc.
Pode-se caracterizar o comportamento motivado como:
› comportamento orientado para um objetivo;
› ativado e controlado por forças internas (biológicas) ou externas (sociais).

Exemplo: a fome e o sono são desencadeados por uma força interna; o desejo de sucesso é
orientado por uma força externa.

Podemos afirmar que todo o comportamento humano é motivado: comer, fazer parte de
grupos, desejar ser estimado, sentir-se seguro, ser bem-sucedido, etc. Para melhor entenderes
o conceito de motivação e compreenderes como se processam os comportamentos
motivados, vamos analisar o ciclo motivacional.

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3.1 O ciclo motivacional

Vamos analisar o ciclo motivacional para compreenderes melhor os processos motivacionais.


O ciclo motivacional é o processo desencadeado por uma necessidade, que gera um impulso
de orienta e organiza a ação em direção ao objetivo que faz desaparecer a necessidade ideal.
O ciclo motivacional é constituído pelas seguintes etapas:

34
1. A necessidade que resulta de um desequilíbrio provocado por uma carência, uma
privação, uma ausência, por exemplo, a sede. A necessidade dá origem a um impulso.

2. O impulso ou pulsão é o estado energético que ativa e orienta o comportamento para


uma meta, um objetivo e organiza a ação, a resposta. No caso da sede, o indivíduo é
impelido a procurar uma bebida.
Os impulsos podem ser conscientes ou inconscientes e variam de pessoa para pessoa.
Além disso, na mesma pessoa, variam segundo a situação e o momento em que
ocorrem.

3. A resposta é constituída pelas atividades desenvolvidas e desencadeadas pelo impulso


para se obter o que se necessita. No nosso exemplo, a pessoa procurará água

4. A satisfação ou saciedade ocorre se o objetivo é atingido. O impulso desaparece ou é


reduzido. No caso do nosso exemplo, depois de beber, o equilíbrio é restabelecido.

1. Necessidade

Saciedade 2. Impulso

3. Comportamento

Este é um modelo que explica o ciclo motivacional baseado na homeostasia, que é o princípio
que regula o equilíbrio do organismo. Segundo esta perspetiva homeostática, o organismo
necessita de estar em equilíbrio. Quando surge algo que coloca em causa esse equilíbrio, há
uma necessidade que deve ser satisfeita para restaurar o equilíbrio perdido.

3.1.1 A frustração
Quando não conseguimos realizar algo que queremos, não conseguimos atingir o objetivo
predefinido ou satisfazer uma necessidade, surge a frustração que pode ser causada por vários
fatores (de ordem pessoal, provenientes do meio físico e do meio social ou vários fatores em
conjunto) e pode manifestar-se sob várias formas.

(1) Por exemplo: A criança que não pode continuar a brincadeira porque o seu brinquedo
foi parar ao jardim do vizinho e não tem altura suficiente para saltar o muro, é um
exemplo de frustração devido a um conjunto de fatores:

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 pessoais, devido à idade e à estatura da criança


 do meio, devido à altura do juro.

(2) Por exemplo: Uma pessoa que é proibida de entrar num determinado clube devido à
sua raça, é um cado de frustração provocada por fatores do tipo social, neste caso
relacionados com preconceitos sociais.
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Como já havíamos referido, existem várias formas de reagir à frustração, que dependem de
aspetos como a intensidade da motivação, do tipo de obstáculo causador da frustração, as
experiências anteriores do sujeito e a sua personalidade.
Vejamos, então, algumas das formas de reagir à frustração:
› A agressividade, apesar de não ser a melhor, é uma das formas de reagir á frustração.
Esta pode ser de diferentes tipos:
 direta, quando é dirigida diretamente contra a fonte da frustração;
 deslocada, quando não se dirige diretamente à fonte de frustração. É o caso
do marido que sofrendo frustrações no trabalho, chega a casa e agride a
mulher e os filhos.
Um caso mais extremo de agressão é a auto-agressão, que pode ser:
 inibida, quando não se reage de forma abertamente agressiva, mas a agressão
continua latente no interior do sujeito;
 aberta, quando o sujeito reage de forma abertamente agressiva.
À medida que nos tornamos adultos temos tendência, devido à aprendizagem, a
controlar a agressividade aberta, que pode muitas vezes não dar bom resultado e levar
a confrontos desnecessários, e a substituí-la por formas mais elaboradas de
agressividade. É o caso da agressividade dissimulada, que pode ser realizada através
da ironia, das anedotas, da ridicularização de pessoas e situações, etc.
A agressão como forma de reagir à frustração depende de fatores como a
incapacidade pessoal, o sentimento de rejeição, a insegurança, a acumulação de
frustrações e a aprendizagem social.

› A apatia é uma forma de reagir à frustração que consiste no desinteresse e indiferença


pela situação frustrante. Trata-se de uma desistência por parte do sujeito em tentar
ultrapassar o que o impede de atingir os seus objetivos.

› A compensação e fantasia é uma outra forma de reagir à frustração e que consiste na


procurar de sucesso numa outra situação frustrante. nalguns casos pode levar à
fantasia, como no caso de crianças que preferem desempenhar funções de liderança
quando brincam, o que constitui uma fuga à realidade. No caso de adultos, a
compensação pode ajudar a suportar longos períodos de frustração, privando-se de
certas coisas, tendo em conta o sonho de um dia se tornarem profissionais com
sucesso, por exemplo.

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› A racionalização é uma outra forma de reagir á frustração. Neste caso, o sujeito


apresenta uma justificação racional para se autoconvencer de que não há fracasso e
assim evita sentimentos de inferioridade e uma baixa na sua autoestima. É o que
acontece quando uma equipa de futebol, por exemplo, justifica a sua derrota
apontando a parcialidade do árbitro ou o facto de estarem em casa do adversário. O
mesmo acontece quando um político justifica os maus resultados numa eleição com o
argumento de que o adversário fez uma campanha desonesta.
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Formas de reagir à frustração

Compensação e
Agressividade Aptia Racionalização
fantasia

- direta/indireta
- aberta/inibida
- dissimulada

3.2 Tipos de motivações

Há vários tipos de comportamento motivado. Geralmente, distinguem-se três grandes tipos de


motivações:
a. as motivações inatas, biológicas ou primárias;
b. as motivações aprendidas, sociais ou secundárias;
c. as motivações combinadas.

Motivações biológicas
As motivações biológicas, inatas, fisiológicas ou primárias, fazem parte integrante da estrutura
do organismo sendo, por isso, comuns a todos os seres humanos. Visam a manutenção do
estado de equilíbrio – homeostasia – assegurando a sobrevivência do organismo, o que
significa que se não forem satisfeitas colocam em risco a vida do sujeito e, por isso, são as
necessidades mais básicas.
Manifestam-se desde o nascimento, independentemente de qualquer aprendizagem – não se
aprende a ter fome, sede ou sono. Contudo a sua expressão e satisfação são determinadas por
regras e normas sociais, por padrões de cultura. Assim, as horas a que comemos e dormimos
são reguladas socialmente. O que comemos e o que bebemos está muito regulado pela
cultura: a gastronomia é uma das manifestações de cultura. Por outro lado, muitas vezes
comemos e bebemos sem ter fome ou sede, só para manter um convívio social.

Motivações sociais
As motivações sociais aprendidas, ou secundárias, são adquiridas no processo de socialização
em diferentes contextos sociais e culturais. Variam de pessoa para pessoa, porque são

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aprendidas no contexto social, no contacto com os outros membros dos grupos sociais a que a
pessoa pertence. Combinam-se com as características pessoais e a história de vida de cada um.
São motivos que se relacionam com as necessidades sociais, como a necessidade de afiliação
(desejo de se sentir integrado, aceite e estimado pelos outros), a necessidade de prestígio (ser
admirado pelos outros, de ter uma determinada posição social), e a necessidade de sucesso
(ser bem-sucedido no que se faz).

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Motivações combinadas
Apesar de dependerem de mecanismos fisiológicos, as motivações combinadas não são
homeostáticas, isto é, não visão a manutenção do equilíbrio interno. Apresentam
características das motivações biológicas e das motivações sociais. Tal como as motivações
biológicas ou primárias, têm uma base fisiológica, mas a sua satisfação não é decisiva para a
sobrevivência do organismo.
Assim como as motivações sociais, a sua manifestação depende da aprendizagem, dos padrões
de cultura vigentes numa determinada sociedade. O comportamento sexual e o
comportamento maternal são dois exemplos de motivações combinadas.

O comportamento sexual é uma motivação combinada porque depende de:


 mecanismos fisiológicos – depende do sistema endócrino, concretamente das
glândulas sexuais. Depende, ainda, da hipófise e do hipotálamo.
 fatores sociais e culturais – a expressão da sexualidade varia no tempo e de cultura
para cultura. Os comportamentos sexuais não são universais, isto é, não se
manifestam do mesmo modo nas diferentes sociedades

O comportamento maternal, nos animais, depende apenas dos mecanismos fisiológicos – é


um comportamento inato que se manifesta do mesmo modo em todos os indivíduos da
mesma espécie. Nos seres humanos, apesar dos fatores biológicos que acompanham a
maternidade – alterações fisiológicas, hormonais – o comportamento maternal tem uma
componente social fundamental. A manifestação do comportamento e do amor maternal varia
com as culturas.
O quadro que se segue sintetiza as principais características dos três tipos de motivação que
acabámos de abordar.

- comuns a todos os sujeitos


Motivações - predisposições inatas
primárias - sobrevivência individual
- essencialmente de natureza fisiológica
Motivações - relativas às diferentes sociedades
secundárias - resultantes do processo de aprendizagem social
- adaptação ao meio social
Motivações - resultam da combinação das duas anteriores
combinadas

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Módulo

Processos
cognitivos,
3
emocionais e 38

motivacionais
Bibliografia:

 Goleman, D. (2009). Inteligência Emocional . Camarate: Círculo de Leitores.

 Monteiro, M. (2011). Psicologia. Ensino Profissional. Nível 3. Porto: Porto Editora.

 Moreira, P. (2009). Emoções e sentimentos ilustrados. Porto: Porto Editora, LDA.

 Reis, F. (2010). Psicologia. Módulos P1 a P4. Porto: Areal Editores, S.A.

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