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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

FERRAMENTA DE
INTERVENÇÃO À CRISE
Modelo colaborativo de cuidado
Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

Sara Letícia Bessa


Bruna Souto Martins Araújo

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FERRAMENTA DE
INTERVENÇÃO À CRISE
Modelo colaborativo de cuidado
Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

Sara Letícia Bessa


Bruna Souto Martins Araújo

brasília, 2021
!!! SOBRE O LUGAR DE ENCONTRO !!!
!
O LUGAR DE ENCONTRO é uma clínica territorial de acompan-
hamento terapêutico em Brasília-DF. Conectamos acompanhantes
terapêuticos (AT’s) a pessoas que desejam superar os sofrimentos
psíquicos: crianças, adolescentes, jovens, adultos ou idosos que ne-
cessitam de cuidado em saúde mental e que por algum motivo estão
impossibilitados de seguir suas vidas e seus projetos.

Uma clínica diferenciada, sem muros e que chama as pessoas


para a vida e para as relações. O encontro com o AT é sempre no lugar
escolhido pela pessoa acompanhada ou com a pessoa, onde se sente
mais à vontade e acolhida. Pode ser em casa, um jardim, um parque,
uma sorveteria, uma lanchonete, na rua, na escola, no trabalho ou
quaisquer outras instituições que façam sentido na vida da pessoa.

Um dispositivo de tratamento, novo, revolucionário, colaborativo


e contrário a todo tipo de institucionalização e patologização.

Caso se interesse, o Lugar de Encontro oferece curso de for-


mação em acompanhamento terapêutico voltado para o cuidado
afetuoso de base territorial.

Entre em contato conosco:

https://lugardeencontro.com.br/

@lugar.de.encontro

(61) 98154-9133
!!! NOTAS SOBRE AS AUTORAS
Sara Letícia Bessa, psicóloga e supervisora clínica, acompan-
hante terapêutica, uma das fundadoras do Lugar de Encontro, tra-
balha na perspectiva do cuidado libertário de base territorial desde
sua graduação, especialista em psicopatologia e saúde pública pela
FSP/USP,foi trabalhadora e sempre militante do SUS, experiência
em CAPS adulto e infantil na cidade de SP, coordenação de centro
de convivência em saúde mental, álcool e outras drogas em Brasília,
idealizadora do curso de formação em acompanhamento terapêu-
tico do Lugar de Encontro. Tem dedicado o seu trabalho e estudos
em novas abordagens de cuidado em saúde mental voltadas para a
participação ativa das pessoas com experiência vivida de sofrimento
psíquico.

Bruna Souto Martins Araújo, assistente social formada pela Uni-


versidade de Brasília (UnB) e acompanhante terapêutica formada e
atuante pelo Lugar de Encontro. Buscou a formação voltada para as
psicopatologias, vulnerabilidade extrema e saúde mental. É assistente
social do projeto social BSB Invisível que busca dar visibilidade para as
pessoas em situação de rua.
!!! PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS !!!
!
Luci Afonso, natural de Araxá - MG e mudou-se ainda criança
para Brasília. Licenciada em Letras-Português pela Universidade
Católica de Brasília, é servidora aposentada da Câmara dos Deputa-
dos. Publicou quatro livros de crônicas: Velhota, Eu?, O Guardião da
Manhã, Senhora dos Gatos e Viagem Ao Sul de Mim. É membro da
Academia de Letras do Brasil - Seção DF. Foi duas vezes finalista do
Prêmio Jabuti de Literatura. Promove oficinas de criação literária. Cri-
ou e coordena o Clube de Leitura Mulheres Maduras.

Vanessa da Fonseca Juarez, estudante de graduação do cur-


so terapia ocupacional, pela Universidade de Brasília (UnB) e ciências
biológicas, Universidade Paulista (UNIP). Atualmente, estagiária do
Lugar de Encontro, auxiliando nos trabalhos internos e atuação com
supervisão. Na formação, fez parte de projetos realizados na univer-
sidade de Brasília, nas áreas: saúde do trabalhador, pesquisa sobre
comprometimento cognitivo e demência leve em idosos e artrite reu-
matoide e as atividades de vida diária.
O QUE VOCÊ ENCONTRA NESSE EBOOK?

1 Nossa Reflexão ............................................................................................ 08

2 Nosso convite ............................................................................................... 09

3 O que é crise? ................................................................................................ 12

4 Como lidar? ..................................................................................................... 13

5 Autonomia x Tutela e Recovery ....................................................... 14

6 Cidadania ......................................................................................................... 16

7 Plano de ação pessoa ............................................................................. 18

7.1 O que é?

7.2 Como surgiu?

7.3 Quem pode utilizar?

7.4 É preciso estar ou já ter tido crise?

7.5 Informações importantes em um plano de ação.

8 O que é cartão de crise/SOS .............................................................. 22

9 Nosso modelo de plano de ação pessoal e cartão de crise/


SOS ....................................................................................................................... 23

10 Como e quando utilizar a ferramenta ........................................ 25

11 Depoimento .................................................................................................. 26

12 Considerações finais ............................................................................... 27


“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais,
humanamente diferentes e totalmente livres”

Rosa Luxemburgo
FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

REFLEXÃO
Em um desses dias ensolarados de acompanhamento terapêu-
tico no cerrado, estava acompanhando uma pessoa numa consulta
com o psiquiatra, e lá ele estava contando sobre a origem etimológi-
ca da palavra doutor, e o porquê da necessidade de usar esse título
para se referir aos médicos. O doutor então disse que antes do século
XVIII, os médicos, para ingressarem num vestibular da faculdade de
medicina, precisavam ter um doutorado em filosofia e logo no século
seguinte, em teologia. Isso mostrava a necessidade de preparo para
lidar com as questões da sociedade, as relações pessoais e duas ad-
versidades, os conflitos, situações de violência e extrema vulnerabili-
dade na nossa sociedade. Após o século XIX, o doutorado deixou de
ser obrigatório, mas o título permaneceu como herança da profissão.

Isso me fez pensar sobre a vulnerabilidade e os cuidados que to-


dos nós precisamos ter com a nossa saúde mental, respeitar o nosso
tempo e o nosso processo, ao mesmo tempo em que temos o mesmo
cuidado sobre o outro. Imagina todos os tipos de demandas que che-
gam para um profissional da saúde, das mais diversas e inimagináveis
vidas humanas. Esse mesmo doutor falou que trabalho é o que te dá
dinheiro e coloca comida na sua casa; e o prazer, o lazer e o amor, es-
ses são de graça. Ou seja, o cuidado especializado é algo que requer
prática, estudos, saber lidar com as situações e manejos de cuidado e
crises. Portanto, para não sucumbirmos às profissões do cuidar para
algo distorcido da linha horizontal de cuidado. Para ser oferecido um
tratamento de qualidade para a sociedade, os profissionais precisam
dos seus cuidados e dos seus momentos de satisfação, para além do
trabalho. Aqui vai um convite para reflexão.

Bruna Souto Martins Araújo

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

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NOSSO CONVITE
Há muito para se pensar sobre o nosso papel enquanto profis-
sionais da saúde, terapeutas, psicólogos, médicos, familiares e amigos
de pessoas em sofrimento psíquico. Trabalhar e conviver com pessoas
que experienciam crises nos fazem encontrar com o nosso íntimo do
cotidiano, e é algo pesado, que nos pega. Escancara a nossa fragili-
dade diante da vida. De todos nós!

Mergulhamos em cada história, cada dor, vivências de sofrimen-


tos intensos e diante dessa grandeza de sentimentos e sensações úni-
cas, nos munimos de estudos, conteúdos, ferramentas, medicamen-
tos cada vez mais modernos e quanto mais estudamos, mais vamos
entendendo que menos sabemos, e mais nos colocamos na defen-
siva. E vem os questionamentos: Como pode o médico, o terapeuta,
o psicólogo não ter fórmulas sobre a vida do outro? Como pode não
termos as respostas de como resolver a aflição de alguém, de como
tratar uma crise?

O que quero dizer é que há algo anterior ao conhecimento


científico, há o saber da pessoa, principalmente daquelas com ex-
periência vivida de sofrimento psíquico e precisamos ser sensíveis a
isso. A academia não nos ensina essa técnica tão simples, e tão indis-
cutivelmente difícil de se aplicar: a escuta colaborativa. Nesse caso é
preciso desaprender para alcançar o mais íntimo, a necessidade real
do sofrimento humano. Não temos as respostas para tudo e tudo
bem por isso.

Algo tão verdadeiro e que aprendi ao longo de minha jornada


de cuidado em saúde mental é que se queremos ajudar uma pessoa
querida que está passando por sofrimento, precisamos olhar além do

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

estigma da doença, e reconhecer a pessoa como ela é, empoderan-


do-a, considerando suas potencialidades e capacidades. Precisamos
ouvir de verdade, e isso não é muito fácil, precisamos demonstrar em-
patia e compreensão do sofrimento, respeitando o processo individ-
ual de cada um.

E é esse o convite que te faço agora. Vamos juntas e juntos sair


do papel de senhores do saber para uma forma sensível e colaborativa
de escuta do sofrimento da vida, para a vida?!

Sara Letícia Bessa

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

Tenha o controle de sua vida em suas próprias mãos.

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

O QUE É CRISE?
Quando falamos de crise falamos sobre uma mudança abrupta
em algum aspecto. Quando algo ocorre conforme um padrão regular
e sem muitas alterações, falamos de estabilidade e a oscilação é cos-
tumeiramente chamada de crise. A palavra crise é usada em diversos
contextos, quando ocorre um imprevisto negativo ou grave. Na saúde
mental, podemos dizer que a crise advém de um elemento ou novi-
dade, balançando o equilíbrio e gerando a crise. Miranda (2017), fala
que por mais que a palavra crise esteja associada a um contexto neg-
ativo, as possibilidades de um tratamento humano, digno e de qual-
idade, embasados nos princípios da Constituição Federal mostram
diferente.

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

COMO LIDAR?
Muitas vezes é difícil deixar claro a ajuda que desejamos rece-
ber em momentos de crise, como gostaríamos de sermos tratados,
de que forma desejamos ser cuidados, e muitas pessoas que passam
por crises acham difícil receber e aceitar ajuda, já que na maioria das
vezes, ela vem de maneira imposta e desconsiderando o desejo indi-
vidual.

No momento da crise só existe a crise, não existe reflexão sobre


desejos ou como gostaria de ser tratado. São experiências de perder
o controle do que se pode chamar de comportamento padrão da
pessoa (porque normalidade é uma utopia, não é?). Portanto, é muito
mais agradável se determinados assuntos forem discutidos e consid-
erados em um momento anterior ao sofrimento intenso ou à crise
(COMPAIJEN et al., 2004).

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

AUTONOMIA X TUTELA E RECOVERY


Ainda hoje, no Brasil, as decisões em relação ao processo de
tratamento estão muito centradas no profissional e na doença, com
utilização de formas arbitrárias e autoritárias do saber técnico, com
caráter corretivo e de controle, invalidando a capacidade do indivíduo
de cuidar de si e de sua existência (AREJANO, PADILHA e ALBUQUER-
QUE, 2003 apud GRIGOLO et al., 2017).

Em momentos de crise e situações de risco, a tutela fica ainda


mais evidente; são momentos em que a pessoa fica sem condições
de decidir sobre sua vida, seus direitos e vontades. Profissionais aca-
bam intervindo e tomando decisões “em nome” do usuário, e, muitas
vezes, contra sua vontade, utilizando seus conhecimentos enquanto
profissional. Porém, entendemos que isso pode ser feito de maneira
menos impositiva e hierárquica, levando em consideração a vontade
da pessoa, seu gosto, seu desejo e sua forma (VENTURINI, 2017).

Para que não exista a tutela é necessário que haja uma con-
strução horizontal entre a pessoa em sofrimento, sua família e tam-
bém observar as orientações dos profissionais que lhe cuidam e
acompanham. A linha é tênue e é importante estar em constante ob-
servação sobre os limites dessa linha.

O movimento recovery, um movimento anglo-saxao, que emer-


giu ao final dos anos 80 nos EUA, e que temos nos aprofundado, um
movimento marcado por atores sociais de luta por cidadania, recon-
hece o direito de pessoas diagnosticadas ou manifestando sintomas
de sofrimento psíquico, mesmo que severo, de participação plena-
mente da sociedade, inclusive de tomada de decisão de todo o pro-
cesso de tratamento (DAVIDSON, 2016).

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

Esse modo de olhar muda toda a concepção de tratamento e


toda a lógica do cuidado, o centro de tudo passa a ser a pessoa que
sofre e não o profissional.

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

CIDADANIA
A cidadania está muito além dos direitos e deveres sociais. Pro-
mover o direito à cidadania é incentivar o acesso à informação, aos
direitos sociais, aprender sobre respeitar as diferenças e promover um
cuidado digno e humano, sem qualquer descriminação, incluindo to-
dos os grupos e suas demandas sociais.

É ter o entendimento que todo e qualquer tipo de inclusão social


e escolar, projetos sociais, universidades e espaços públicos, é exercer
cidadania. É ter o direito de estar ocupando espaços e participando
da sociedade de forma plena e igualitária. Uma das estratégias de
promover a cidadania é retomar a participação do indivíduo na so-
ciedade, instituindo a promoção de um plano de acolhimento à crise,
através da instrumentalização para o cuidado.

Michael Rowe, um grande estudioso da abordagem Recovery,


desenvolveu um modelo de cidadania baseado nos 5R’s, em inglês:
rights, responsibilities, roles, resources, relationships, que significam
respectivamente: direitos, responsabilidades, obrigações sociais, re-
cursos e relacionamento. Essas palavras transmitem determinada
noção de pertencimento, e reconhece amplamente a capacidade das
pessoas com transtornos mentais de participarem plenamente da
sociedade. Também sustenta que pessoas em processo de recovery
têm desempenhado papel importante na autodeterminação, apri-
moramento, restauração e redução dos sintomas nas trocas entre
pares (DAVIDSON, 2016).

A Cidadania pode ser exercida através da ressocialização de


sujeitos marginalizados, promoção de cultura, incentivo ao lazer, ao
trabalho e ao cuidado com a saúde, incluindo a saúde mental. As in-

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

stituições asilares e de privação de liberdade cumprem um papel im-


portante na sociedade mas, em sua maioria, possuem a função con-
trária à cidadania. Nesses espaços são deixados de lado praticamente
todos os desejos e vontades, visto que existe uma necessidade de
controle social, e, para isso, muitas vezes, entra a medicamentalização.

O que temos percebido é que a estratégia de exercer a cidada-


nia no processo de ressocialização de pessoas em sofrimento psíquico
por qualquer instituição é dificultada pela metodologia instituciona-
lizante e carcerária de locais que oferecem cuidado em saúde men-
tal como clínicas psiquiátricas e comunidades terapêuticas. Esses são
espaços que afastam bruscamente a pessoa de sua casa, sua família,
seu convívio e de sua rotina, e acabam não promovendo resgate de
cidadania (ALVARENGA, 2012).

Uma das práticas do recovery é o suporte de pares, o qual con-


siste na incorporação de pessoas com histórico prévio de adoeci-
mento psíquico, para trabalhar junto aos usuários, e funciona com a
dinâmica de dupla, com o objetivo de construir junto com alguém
que já viveu algo parecido, e chegou à superação do adoecimento.
Além disso, visa planejar o cuidado centrado na pessoa e na validação
de estratégias e ou rotinas que já existiam na história dessa pessoa.

O que nos faz desejar um modelo mais colaborativo, no qual as


pessoas possam desempenhar papéis ativos em seus próprios cuida-
dos. É claro que ainda existem muitos estigmas e discriminação e
esses são obstáculos que vamos precisar enfrentar. Essa nova abor-
dagem, vai de encontro com o que propomos nesse e-book, a con-
strução de um plano de ação em que a pessoa passa a ter o controle
de sua própria vida, seu tratamento, medicamentos e medidas em
seu ambiente pessoal mesmo durante uma crise iminente.

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

PLANO DE AÇÃO PESSOAL


7.1 O QUE É?
Uma ferramenta de cuidado em saúde mental que auxilia a
pessoa a desenvolver um plano pessoal que responde aos desafios e
dificuldades de seu cotidiano, fomenta processos individuais de em-
poderamento em que o indivíduo se apropria de sua condição e trat-
amento. Torna-se um processo colaborativo, de trocas e visa manter
ou recuperar o bem estar na vida (GRIGOLO et al., 2017).

No plano de ação pessoal constam informações importantes


e providências que auxiliam familiares, amigos e profissionais a
tomarem iniciativas necessárias para o bem estar da pessoa em caso
de surgimento de uma crise. Nesse processo de construção do plano
de ação pessoal, o ideal é que a pessoa faça acordos com seus famil-
iares, amigos e profissionais de referência sobre qual intervenção e
ação é viável para eles também. Assim, contém apenas acordos que
são possíveis de serem realmente cumpridos.

Deve ser preenchido no momento em que a pessoa está bem,


lúcida e deve ser apresentado a pessoas de confiança entre famili-
ares, amigos, profissionais da rede de cuidados e depois de todos
os envolvidos concordarem com o conteúdo, eles assinam concor-
dando e se comprometendo com os acordos estabelecidos. O ideal
é que fiquem cópias com todos as partes envolvidas e também nos
serviços em que a pessoa frequenta regularmente (VASCONCELOS
et al., 2013). E de preferência, ser mantido em um ponto de referência
(combinado no ato de planejamento do plano), local em que pode ser
consultado 24 horas por dia e 7 dias por semana.

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

É importantíssimo que a família, amigos, profissionais e a própria


pessoa consigam pensar no cuidado de uma forma mais humaniza-
da, se ouvindo e ouvindo o desejo do sujeito.

O plano de ação pessoal coloca o sujeito como protagonista e no


controle de seu próprio tratamento. A sua importância está no proces-
so que o sujeito desenvolve com o ambiente ao olhar para si e elab-
orar o plano. Pensando sobre sua crise em voz alta e com o suporte
de um profissional especializado da área da saúde mental, que tenha
experiência em lidar com situações de crise.

Através de acordos é possível construir junto com o indivíduo o


que é viável e o que é inviável para o profissional de saúde e para o
sujeito. Nesse processo, o sujeito é atuante nos seus acordos de trat-
amento e com a participação daqueles que estão ao seu redor e os
que prestam cuidados, podendo intervir e agir nos momentos de
crise iminente.

Essa ferramenta busca superar o complexo da sociedade ime-


diatista, que vive na era dos “clics” de querer a medicalização de
qualquer sintomas que surja e esquece de tratar a pessoa como um
ser humano, que tem desejos, feridas, medos e aflições.

O site holandes https://www.crisiskaart-rijnmond.nl/ também


fala do plano de ação e cartão de crise para quem quiser aprofundar,
recomendamos a leitura.

7.2 COMO SURGIU?


No país de Gales, ocorreu o primeiro lançamento do cartão de
crise, em 1989, pela rede Internacional de Self-Advocacy. O uso do
cartão de crise intensificou-se em 1990, na Inglaterra, Suíça e Itália
(COMPAIJEN et al., 2004).

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

Em 1997, Mary Ellen Copeland e um grupo de colegas com ex-


periência vivida de transtorno mental grave se reuniram em Vermont
com o objetivo de pensar quais recursos estratégicos usavam em seu
cotidiano para assegurar seu próprio bem estar, ainda que vivencias-
sem sofrimentos psíquicos. A partir dessa compilação de experiências,
foi criado o Plano Pessoal de Ação WRAP (Wellnes Recovery Action
Plan) traduzido como “Plano Pessoal para o Bem-Estar e Recovery em
Saúde Mental”. Esse grupo dedicou-se à estruturação e disseminação
dessa metodologia. O plano de ação WRAP, vem sendo utilizado em
vários países como Nova Zelândia, Escócia e Estados Unidos, sendo
que cada lugar tem seu formato para avaliar os resultados (GRIGOLO
et al., 2017).

7.3 QUEM PODE UTILIZAR?


Qualquer pessoa que desejar pode fazer seu plano de ação pes-
soal e cartão de crise, ainda que não tenha vivenciado sofrimentos
psíquicos graves. Não é uma ferramenta exclusiva para quem tem
algum transtorno mental. Por exemplo: na nossa equipe, cada inte-
grante fez seu plano de ação para que possamos também cuidar uns
dos outros. O sofrimento faz parte de todos nós.

7.4 É PRECISO ESTAR OU JÁ TER TIDO CRISE?


Não, o ideal é que seja feito no momento anterior à crise, quando
a pessoa está bem para dizer como gostaria de ser tratada e cuida-
da. E pode ser feito por qualquer pessoa que desejar, mesmo pessoas
que não tenham problemas de saúde mental ou nunca tenham tido
crises. Pessoas com qualquer comorbidade clínica também se bene-
ficiam e muito com essa ferramenta.

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

7.5 INFORMAÇÕES IMPORTANTES EM UM PLANO DE AÇÃO


Dados pessoais: nome, data de nascimento, endereço, plano
de saúde, número da carteirinha e cartão do SUS.

Dados em relação à crise: de que forma ocorre uma crise no


meu caso?

Como deseja ser tratado numa situação de crise?

Quem deve ser contatado em caso de crise, urgência e


emergência?

Como gostaria de ser abordado?

Problemas de saúde, comorbidades.

Profissionais de sua confiança e seus contatos.

Em caso de necessidade de internação: local.

Tarefas cotidianas que precisam ser realizadas pela pessoa que


tem o contato: cuidado com a casa, animais, contas a pagar.

Se existe algum encaminhamento de emergência à crise.

Medicamentos que não podem ser administrados e medica-


mentos que faz uso contínuo.

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

O QUE É CARTÃO DE CRISE/SOS


O Cartão de Crise, conhecido e nomeado por nós também como
Cartão SOS, é um cartão portátil, do tamanho de um cartão de crédi-
to, utilizado para uma análise e melhor entendimento do manejo da
crise da própria pessoa. Nele constam poucos dados, os mais relevant-
es como dados pessoais, nome, endereço, medicações de uso, tele-
fone de contatos importantes que estão de posse do plano de ação.
O ideal é que o cartão esteja com a pessoa durante todo o tempo na
bolsa e/ou carteira.

Esse cartão é utilizado para o caso de ocorrer uma crise em um


espaço diferente dos habituados pela pessoa, com esse dispositivo é
possível que quem esteja por perto consiga prestar um mínimo de
cuidado medicamentoso ou assistência, com apenas uma ligação
para o número que a pessoa escolheu e anotou no cartão.

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

NOSSO MODELO DE PLANO DE AÇÃO PESSOAL


E CARTÃO DE CRISE/SOS

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

No meu caso, de que forma ocorre uma crise?


8. Se for preciso quero ser hospitalizado em... ci-
1. Que sinais identifico como os de uma crise tar hospital geral, clínica psiquiátrica. Relatar
iminente? o nome.

2. Que sentimentos experimento nesse mo- 9. Desejo que me seja administrada, em situ-

Plano de ação pessoal mento? (medo, insegurança, desamparo, ação de crise a medicação abaixo (especifi-
agressividade, outros, quais)? car dosagem).
A declaração neste plano foi por mim executa-
da de livre vontade. Peço que proceda com dis-
3. Como quero ser acolhido? (quer a proximi- 10. Essa medicação não quero que me seja ad-
crição e confidencialidade quando fizer uso dos da-
dos aqui apresentado. dade de outra pessoa, deseja ficar só, outro.) ministrada

Dados pessoais 4. Com quem quero que entre em contato em 11. Desejo ficar na posição corporal (deitado,
caso de uma crise? (familiares, profissionais sentado, de pé...)
Nome Completo:
de referência, amigos, outros)
Filiação: 12. Ventilação/Hidratação: (desejo beber água,
Nome de familiar que deseja que seja contatado: algum tipo de ventilação extra...)
Nome dessa (s) pessoa (s):

Grau de parentesco: Coloco aqui que outras recomendações que


Contatos dessa (s) pessoa (s):
Endereço: desejo que sejam seguidas em situação de crise.
Telefones para contato:
Comorbidades (doenças crônicas, etc): 5. Em que lugar quero ficar quando em crise? Todas as pessoas aqui mencionadas estão in-
(em casa, em casa de amigo, familiar, serviço formadas sobre o meu Plano de ação pessoal e
Tipo sanguíneo: aberto, outro) em caso de crise, permito que o consultem caso
Plano de saúde: necessário.
Medicamentos que utiliza atualmente: 6. O que desejo que me ofereçam como cuidado
e apoio no momento de crise? (conversa, es-
Profissionais que lhe cuida atualmente cuta, contato físico, medicação, auxílio médi-
Localidade data

co, hospitalização, contatar amigos, outro)


Nome (s) dos profissionais:
Assinatura
Profissão (ões): 7. Em caso de urgência/emergência, desejo
que seja chamado algum serviço, descrever
Telefone para contato:
qual (SAMU, bombeiros, ambulância ).

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

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COMO E QUANDO UTILIZAR A FERRAMENTA

O plano de ação pessoal e o cartão SOS devem ser ofertados,


preferencialmente, por um profissional da área da saúde que tenha
experiência no trabalho com saúde mental e já utilize a ferramenta.
Mas não é exclusivo de uso profissional, inclusive é muito importante
que as pessoas se apropriem cada vez mais de ferramentas como
essa para que participem ativamente das escolhas de sua vida.

O plano de ação deve ser preenchido em um momento em


que a pessoa não esteja em crise, para que assim consiga construir e
identificar junto com o profissional (aqui acompanhante terapêutico)
sobre o seu processo de crise: o que ela é, quando ela vem e quais re-
cursos a pessoa gostaria que fossem utilizados no seu cuidado. É um
processo de reflexão, observação pessoal e autoconhecimento.

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

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DEPOIMENTO

O cartão S.O.S e eu

“Ele está lá, quietinho, no fundo da bolsa. É fácil achá-lo, pois o


nome está escrito em letras vermelhas grandes. A bondosa pessoa
que o encontrar saberá tudo sobre mim: quais meus afetos, quem
cuidará de mim no imprevisto; quais são minhas doenças, surgindo
do longo embate entre corpo e mente. Descobrirá que meu tipo san-
guíneo é raro doador universal, e que tenho alergia a um princípio
ativo pouco conhecido. O anjo sem asas que me socorrer saberá
como agir no difícil e inesperado momento. Ele vai me acolher em
seu abraço e me dizer ao ouvido: Está tudo bem. Depois, vai ligar
para o meu filho e acalmá-lo, dizendo que estou indo para casa.
O Cartão S.O.S é prova irrefutável de que a compaixão humana se
mantém intacta nas infinitas voltas do mundo.”

Luci Afonso

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse tipo de ferramenta nos auxilia e nos leva a um cuidado de
fato restaurador, que visa uma vida significativa e produtiva. Recon-
hece amplamente o direito de pessoas em sofrimento psíquico de
participarem plenamente das decisões e da sociedade.

Nos faz pensar o quanto as pessoas ficam insatisfeitas com o


cuidado que recebem quando não participam das decisões e são
meramente espectadoras da própria vida. As experiências de vida e
como encontraram seu caminho precisa ser levado em consideração.

É possível fazer uma reflexão acerca de como deve ser estar no


lugar do outro (um dos lugares mais inacessíveis do mundo), e é pos-
sível começar a imaginar o quanto está sofrendo. Só assim podemos
ouvir a mais profunda intimidade e veracidade humana.

E como estratégia ofertada ao cuidado de pessoas em sofrimen-


to psíquico, faz parte debater e construir com a família e profissionais
sobre quais os cuidados a pessoa, a família e a rede de apoio podem
oferecer em uma situação de crise.

A nossa experiência, equipe do Lugar de Encontro, em fazer o


nosso próprio Plano de ação pessoal mostra a necessidade de que
todas as pessoas, sendo médicos, psicólogos, e todos os profissionais
da área da saúde mental, utilizem seus mecanismos para entender a
crise - a nossa e a do outro- e refletir sobre uma proposta de cuidado
em que todos participem.

Queremos, com esse ebook, expandir cada vez mais essa ferra-
menta que tanto acreditamos e vemos resultados, mas além disso,

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

radicalizar as práticas existentes no campo da saúde mental, rumo


à conquista da cidadania e autonomia das pessoas com experiência
vivida de sofrimentos psíquicos. Estamos em busca de criação de am-
bientes que favoreçam o diálogo e potencialize trocas mútuas entre
as pessoas, se mostrando uma maneira potente e esperançosa de
promover saúde mental.

Deixamos nosso forte e afetuoso abraço a você que chegou até


aqui. Pedimos que nos ajude a divulgar essa ferramenta colaborativa
de cuidado à crise. Certamente não somos mais as mesmas após a
escrita deste e-book, que você possa ser inspirado também.

Para trocas afetuosas, mande um e-mail para: lugardeencon-


tro@lugardeencontro.com.br. Ficaremos imensamente felizes em
receber sua experiência com o e-book, seus desafios com a utilização
da ferramenta e estamos à disposição caso tenha ficado dúvidas.

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Plano de ação pessoal e cartão de crise/SOS

“Pássaros criados em gaiolas acreditam que voar


é uma doença”

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FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO À CRISE: Modelo colaborativo de cuidado

!!! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COMPAIJEN, J.; NEDERVEEN, A.; OBERMAN, H.; SPAANS, A; SMULDERS,


R. Voorbij de crisis. De ontwikkeling van de crisiskaart in Rijnmond.
Roterdã, Basisberaad Rijnmond, 2004. Disponível em: < https://www.
crisiskaart-rijnmond.nl/>. Acesso em: 23 fev. 2021.

Davidson, L. The recovery movement: Implications for mental health


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