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PLANO DE AULA

Literatura e Redação
2ª edição

Ensino médio e fundamental

JULIANO MARTINZ

Copyright © 2020
Todos os direitos reservados
Um dedinho de prosa com os professores

Este plano de aula oferece um roteiro para professores ensinarem literatura e redação
para seus alunos. Você vai ver que o conteúdo estimula os alunos a expressarem seus
pensamentos, dando voz às suas ideias.

Seu objetivo é desenvolver e estimular nos alunos a capacidade de interpretação de


textos. Com isso, é estimulada a imaginação dos alunos, desenvolvida sua habilidade
crítica, além de possibilitar um aumento da consciência emocional.

Este plano de aula vai além de estimular alunos a consumir conteúdo – ele tem como
objetivo estimulá-los a se tornarem, ele mesmos, criadores. Apresento aqui alguns
exercícios utilizados por escritores profissionais para estimular a criatividade.

Por este motivo, professor(a), gostaria de deixar meu incentivo para que você utilize pelo
menos algumas das técnicas e aulas apresentadas aqui na grade escolar. Esforce-se
para usá-las como forma alternativa de ajudar seus alunos a expressar suas ideias por
meio da escrita, além de desenvolverem a capacidade interpretativa.

Todas as crônicas, contos e poemas neste e-book são de autoria de Juliano Martinz (sim,
eu mesmo). Você pode utilizar todos estes textos em sala de aula. Apenas peço que, ao
trabalhar estes textos com seus alunos, coloque meu nome como autor das peças
literárias.

Se julgar necessário, autorizo você a adaptar os textos dos exercícios conforme a idade
dos seus alunos. Por exemplo: uma proposta de escrita pode utilizar esta frase como
abertura:

“Ela estava em um canto sentindo-se solitária”.

No entanto, pode ser que seus alunos sejam crianças e você decida mudar este exercício
para um tema mais alegre, por exemplo:

“Ela estava no pátio sentindo-se muito animada”.

Ou seja, utilize o conhecimento que você tem dos seus alunos para adaptar – se
necessário – o conteúdo destas aulas.

Meus textos (contos, crônicas e poemas) aparecem ao longo de todo este e-book. Além
disso, no final desta obra, apresento uma coleção adicional de textos que você pode
utilizar nas suas aulas.
Índice
O Poder da Literatura – Porque usar literatura em sala de aula....................................... 1
Propostas de escrita – O que são e como utilizar este exercício em sala de aula? ........... 3
Conversas e redação sobre temas atuais ...................................................................... 6
Ensine seus alunos a escrever com emoção ................................................................. 9
Ensine empatia com a ajuda da literatura .................................................................... 11
Incentive seus alunos a escrever à mão ...................................................................... 16
5 exercícios para ajudar seus alunos a escrever como escritores profissionais .............. 17
Incentive seus alunos a compartilhar os textos ............................................................ 23
Leitura e interpretação ............................................................................................... 25
Estimule seus alunos a encenar textos literários .......................................................... 30
Dicas para envolver alunos nas aulas online ................................................................ 32
Crônicas para trabalhar em sala de aula ...................................................................... 34
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O Poder da Literatura – Porque usar literatura em sala


de aula
Literatura é comumente definido como histórias, crônicas, contos, romances, poemas e
peças de teatro que tem valor como arte e que podem ser usados para entreter.

A literatura é muitas vezes utilizada para compreender a sociedade em diferentes


períodos – afinal, ela consegue refletir os pensamentos da sociedade. Por isso, a
literatura pode ser definida como sendo um documento cultural.

Mas, por que você como professor deve utilizar a literatura em sala de aula? Gostaria de
apresentar diversos motivos:

• Ela incentiva a interpretação. De modo geral, textos literários são caracterizados


por camadas de ideias e significados. Isto permite que o aluno exercite seus
músculos mentais para conseguir extrair um significado para este texto.

• A literatura incentiva a interação. Visto que textos literários podem ser


interpretados, isto abre espaço para troca de ideias entre alunos.

• Desenvolve a habilidade crítica.

• Ela ensina os alunos a se expressar por meios escritos e verbais. Visto que a
literatura expõe o aluno a linguagens bem diferentes do que estamos acostumados
a utilizar em nosso vocabulário cotidiano, isto serve para expandir sua consciência
textual e comunicativa.

• Finalmente, a literatura ajuda a educar os alunos. Personagens com


comportamentos corretos podem ser usados como modelos a serem seguidos, ao
passo que aqueles com comportamentos impróprios devem ser evitados. Os
professores podem utilizar este material textual para ajudar os alunos a
desenvolver valores.

Explorar o lado crítico dos alunos

Aulas de literatura devem ser usadas para desenvolver o lado crítico dos alunos. Isto
inclui desenvolver sua capacidade perceptiva e interpretativa.

Por isso, neste e-book eu disponibilizo diversas crônicas de minha autoria. Você vai ver
que alguns destes textos precisam ser interpretados. Use estas crônicas para desenvolver
estas habilidades em seus alunos.

Além disso, as crônicas podem ser usadas para os alunos obterem sobre temas variados
e atuais.

Quando a mente e o coração dos alunos são exercitados neste sentido, sua capacidade
avaliativa é treinada.

Trabalhar crônicas/contos ou romances?


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Como mencionei, neste e-book, apresento diversas crônicas e contos para serem usadas
em sala de aula. Este formato literário costuma ser mais curto.

Embora seja melhor usar textos mais curtos em sala de aula, você pode incentivar seus
alunos a ler romances inteiros. Uma leitura mais longa é um excelente exercício para a
criatividade, além de melhorar a capacidade de se expressar.

Se for utilizar romances, dê tempo suficiente para seus alunos. Não peça que eles
concluam uma leitura em poucas semanas. Afinal, isto fará com que eles não tirem
proveito do que estão lendo.

Você pode fazer breves discussões ao longo do ano letivo sobre o livro que estão lendo e
talvez até solicitar que façam relatórios de progresso.

Como sugestão, prefira um livro que tenha sido recentemente adaptado para um filme ou
série que os alunos estejam familiarizados. Você vai perceber que assim é mais fácil para
envolver os estudantes.
3

Propostas de escrita – O que são e como utilizar este


exercício em sala de aula?
Chegou a hora de apresentar um exercício de escrita simples e, ao mesmo tempo,
fantástico. São as propostas de escrita, também conhecidas pelo termo inglês Writing
Prompts.

Como já mencionei na introdução, este exercício é utilizado até mesmo por escritores
profissionais.

E, agora, você pode usá-lo para estimular a criatividade dos seus alunos,
independentemente da série que estejam cursando.

Funciona da seguinte forma:

Você, professor, apresenta para os alunos um tópico, uma frase de abertura ou mesmo
uma única palavra. A partir daí, eles têm um tempo para escrever um texto relacionado a
este tema ou frase que receberam. Este tempo deve ser curto: entre 3 e 5 minutos. Minha
sugestão é que você dê apenas 3 minutos.

O objetivo do exercício é estimular o cérebro a criar situações para as quais não está
condicionado. Ou seja, em vez dos alunos permanecerem em sua zona de conforto e
escrever sobre tópicos com os quais estão inspirado, as Propostas de Escrita desafiam a
criatividade.

Pessoalmente, meu exercício preferido são as “frases de abertura”. Neste exercício, o


aluno precisa escrever um texto e a primeira frase é dada por você. Lógico que o texto
tem que fazer todo o sentido com a frase de abertura.

Uma dica importante: os alunos devem saber que têm liberdade para interpretar
amplamente os temas das propostas para que se sintam à vontade para escrever o que
pensam.

Por exemplo, nos exercícios abaixo, você verá que uma frase de abertura é “O palco
estava montado”. O aluno pode continuar esta história escrevendo sobre uma peça de
teatro prestes a começar. No entanto, pode ser que o aluno interprete este “palco” como
sendo uma situação – por exemplo, o palco estava montado para que as duas nações
começassem uma guerra.

Portanto, não limite os alunos dizendo o que eles devem escrever. As propostas de escrita
funcionam melhor quando os alunos têm total liberdade para escrever o que
interpretaram.

“Propostas de escrita são exercícios realizados


por escritores profissionais para exercitar
a criatividade”

É interessante aplicar regularmente estes exercícios com seus alunos. Ou seja, não use
as Propostas de Escrita apenas uma ou duas vezes. Procure inserir estes exercícios ao
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longo de todo o ano letivo. Isto funciona como um programa de exercícios físicos – são
atividades regulares que fortalecem os “músculos” da criatividade.

Dicas para ajudar os alunos a extrair o máximo deste exercício

Antes de passar uma Proposta de Escrita para seus alunos, você precisa explicar para os
alunos como funciona. É importante que eles sigam os passos a seguir:

• Não fique parado, pensando no que vai escrever. Simplesmente, escreva.


• Não edite nem corrija o texto. Escreva sem parar.
• Não pense que a proposta de escrita vale nota. O objetivo é estimular a
criatividade.

Sugestões de propostas de escrita

Frases iniciais

Escolha uma das frases a seguir e passe para seus alunos. Deixe bem claro que esta
deve ser a frase inicial do exercício. O que eles vão escrever a seguir, fica a cargo da
criatividade de cada um.

• Foi a primeira chuva do ano.


• A garota colocou os pés para fora de casa e teve a certeza de que aquele dia seria
diferente.
• As ruas estavam desertas. Para onde afinal todos tinham ido?
• Todos os dias, ele dizia a mesma coisa.
• Ele acordou com o som das máquinas no quintal.
• Quando ela ouviu a voz do seu pai no telefone, uma lágrima rolou dos seus olhos.
• Eu nunca gostei de falar em público.
• Meus professores precisavam saber disso.
• O palco estava montado.
• Duas semanas depois…
• Eu só tinha trinta minutos e uma caneta nas mãos.
• Decidiu que era o momento de escrever sua biografia.
• De todos os seus arrependimentos, o maior era…
• Sua cabeça latejava. Devia ter acatado os conselhos.
• Da varanda de sua casa, ele assistia todas as cores e formas.
• O cachorro abanava o rabo.
• Ele não conseguia entender uma única palavra daquele estranho idioma.

Perguntas

Outro modelo de propostas de escrita funciona com o uso de perguntas. Elas ajudam os
alunos a pensar nos “porquês” por trás de fatos e verdades. São perguntas que exigem
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reflexão antes de responder. Por este motivo, se preferir, você pode dar um pouco mais
de tempo para seus alunos – digamos, 5 minutos.

• Nas redes sociais, você é a mesma pessoa que na vida real?


• Como usar redes sociais de forma responsável?
• O que o YouTube já lhe ensinou de bom?
• Você gostaria que uma foto sua ou vídeo seu viralizasse? Por quê?
• Você acha que GIFs e imagens funcionam melhor do que palavras?
• Que letras de música você acha que são verdadeiras poesias?
• Qual o papel da televisão na sua vida?
• Por que as pessoas gostam de reality shows?
• Você acha que videogames violentos são ruins?
• Você acha que um jogo pode ser considerado uma obra artística?
• Que livros você acha que os adolescentes deveriam ler?
• Você prefere personagens de livros/filmes que são bonzinhos ou rebeldes? Por
quê?
• A poesia tem importância nos nossos dias?
• Você acha importante escrever à mão?
• O que você perderia se deixasse a escola?
• Se você pudesse ser um personagem do cinema, literatura ou quadrinhos, qual
seria? Por quê?

Note que há uma infinidade de perguntas que podem ser usadas. Lembre-se de que o
importante é o aluno dar consideração a estes assuntos e transformar suas ideias em
palavras escritas.

Você vai notar que alguns temas precisam de bem pouco tempo, outros mais. Mas não se
preocupe com isso. O importante é que os alunos aproveitem o tempo que foi passado
levando em consideração aquelas regrinhas ali em cima, como não ficar pensando no que
vai escrever e nem ficar voltando para corrigir erros ou editar ideias.
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Conversas e redação sobre temas atuais


Existem alguns temas que são universais e estão sempre na moda. Por exemplo, você
pode conversar com seus alunos sobre proteção dos animais em qualquer época. Assim
como este tema pode ser explorado hoje, você provavelmente poderá abordá-lo como
algo atual daqui 10 anos.

Mas alguns temas não são apenas atuais, eles são efêmeros. Especialmente na era da
internet, muitos assuntos entram e saem de cena em uma velocidade assustadora.

Isto é o que nos ensina os trending topics do Twitter. Com esta fonte de dados, muitos
profissionais de comunicação conseguem identificar quais são os assuntos do momento.

Ao pensar em temas de redações para seus alunos escreverem ou procurarem na


internet, leve em consideração os temas atuais.

Eu nem me arrisco a fazer algumas sugestões aqui. Afinal, com o passar dos dias e
meses de lançamento deste e-book, é provável que muitas das minhas sugestões já
tenham se tornado ultrapassadas.

Mas tenho uma dica de ouro para você. Para encontrar os assuntos mais falados do
momento, acesse este site:

https://trends24.in/brazil/

Ele mostra quais são os trending topics do Brasil a cada hora. Assim, você consegue
descobrir quais são os assuntos que estão chamando a atenção das pessoas em tempo
real.

Use estas informações para propor temas de redação para seus alunos. Elas podem ser
usadas também como tema para as Propostas de Escrita, conforme conversamos no
capítulo anterior.

“Use os trending topics


para encontrar temas para trabalhar
em sala de aula”

Além disso, utilize minhas crônicas como base para discussão sobre temas atuais.

Neste respeito, como sugestão, você pode utilizar as duas crônicas seguintes:
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Crônica sobre isolamento social

Quando os pés tocaram o chão, assim que levantei, pensei: uhul!

Ah, ledo engano!

Que uhul que nada. Eu deveria ter desconfiado desde o começo.

As primeiras notas soaram perfeitas. Quarto, banheiro, sala, geladeira, sofá,


geladeira, sofá, geladeira, banheeeeeeiro… Ufa!

Quilos a mais, tédio a menos. E na dança da barriga que cresce, a sinfonia


continuava: sofá, geladeira, sofá, geladeira, banheiro, quarto, sofá, geladeira.

Claro, durante todo este tempo, um celular na mão.

Uma reunião na sala, um happy-hour na cozinha, uma auditoria no quarto, um


momento zen no banheiro.

E-mails respondidos, status publicado, fotos comentadas. Tudo corria bem.

Até que um dia, depois de um tour pelos cômodos e uma visita completa aos
álbuns dos amigos no Instagram, bateu aquela sensação: “E agora?”

O tédio chegou chegando. Enfiou o pé na porta e gritou: “Daqui não saio, daqui
ninguém me tira”.

Entediado, aborrecido, cansado. Excursões pela casa perderam o encanto. As


redes sociais pareciam não trazer nada de novo. E as olheiras denunciavam meu
desgosto.

Mas, eis que surge uma ideia. Certo dia, assim que acordo, tomo a decisão de
pintar a casa. Novas cores, novos hábitos, reflexos renovados. Não há dúvidas:
aquilo tornará meu isolamento social muito melhor.

Ah, ledo engano!

Agora, você pode discutir este tema em sala de aula. Peça para que os alunos respondam
por escrito:

• Sobre o que esta crônica fala?


• Como ela se encaixa no modelo de vida que temos em nossos dias?
• Você se identificou com algum aspecto dela?
• O que você acha que a personagem da crônica deveria fazer para lidar melhor com
o isolamento social?
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Bem-vindo à selva digital

First…

Deu no jornal que caiu mais um avião. Na internet, tem gente dizendo que foram
terroristas. Outros dizem que foi o próprio governo. E tem louco dizendo que foi
Deus. Na era em que todos tem voz, ninguém aprendeu a calar a boca. Talvez por
isso precisamos de corretor ortográfico. Ontem mesmo ele corrigiu meu desvio de
septo. Mas para transformar meus sonhos em realidade, usei um tradutor online.
Isto tudo depois de eu engolir uma nova campanha publicitária no café da manhã.
Vomitei jingles o dia todo. Da próxima vez, clico em “Pular Anúncio”.

Vivemos mergulhados na escuridão das lâmpadas de LED. Um mundo vilanesco


onde sorrisos faceanos e instagraneanos escondem angústias e derretidos sonhos
mortos. Ajustes de matiz e saturação para ocultar pele morta. Mas pelo menos a
previsão pra amanhã é sol escaldante, com alguma nebulosidade e possibilidade
de chuva e neve. Talvez um arrependimento e pensamentos angustiantes no fim do
dia. Mas isto não vai pro microblog, claro. Redes sociais não aceitam manchas
ácidas ou imperfeições.

Mas quer saber? Não estou nem aí. Eu tenho quem me defenda e me oriente. O
Google Now pensa por mim. Ele me diz o que fazer, onde preciso ir e como chegar
lá. By the way, meu cérebro, amanhã, está de folga. Vou levantar ao meio-dia e se
tivesse que pagar por isso, faria pela internet. E quando acordar, o app do meu
smartphone vai me dizer bom dia! Pode dar joinha.

Agora, deu no jornal que morreu um, morreram dois, morreram zilhões. Mas o
problema mesmo são os dois tiques azuis no whats, e nenhuma resposta. Um tiro
no joelho não seria tão cruel. Aposto que dá pra fazer um vídeo sobre isso, colocar
no YouTube e esperar milhões de visualizações. Ou se preferir, fale sobre o que
quiser. Apenas não ignore a onipresente regra mor: se for útil, não viraliza. É como
diria Clarice Lispector: “Penso, logo existo”. Ou foi o Arnaldo Jabor?

Enfim, não precisa pensar muito. Pense um megabyte, exiba a ideia em uma tela
de 6 polegadas, e vá pra poltrona massageadora. Afinal, já foi comprovado por
pesquisa: “Neurônio hestático valorisa assões na bolça” (desculpem, mas o
corretor ortográfico travou).

Pergunte para seus alunos:

• Qual o sentido deste texto?


• O autor faz críticas ao uso da tecnologia? Justifique.
• Por que foi usado a formatação itálica em determinadas partes do texto?
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Ensine seus alunos a escrever com emoção


Para que a literatura seja envolvente, é preciso que ela seja emocionante. Mas criar
emoção em textos literários é um processo que exige esforço e atenção.

Quando incentivar seus alunos a escrever, você pode ensiná-los a como colocar emoção
nos textos.

É sobre isso que quero falar com você agora. Utilize as dicas abaixo como tópicos para
suas aulas de literatura.

Ser específico e detalhista

Não basta dizer que a personagem está amando ou sofrendo. É preciso dar alguns
detalhes para deixar a narrativa impactante.

O desafio é fazer com que os leitores sintam o que a personagem está sentindo.

Por exemplo, veja a descrição de dor neste pequeno trecho da crônica As Moscas
Também Amam de minha autoria:

“A mosca estava profundamente depressiva. E como não estar? Seu corpo expelia
tristeza e angústia. Mal nascera, e a brevidade dos seus instantes já anunciavam:
sua morte a esperava em apenas alguns dias. Em 15, 20 ou no máximo 30 dias
jazeria esquecida, servindo apenas de alimento para outros insetos…”

Note a frase: “seu corpo expelia tristeza e angústia”. A frase tem como objetivo intensificar
algo que já havia sido dito: que a mosca estava deprimida. Mas esta expressão ajudou a
visualizar sua depressão como algo claro, evidente e facilmente perceptível.

Claro que é preciso cautela. Não exagere na quantidade de detalhes para não deixar o
texto cansativo.

Para seus alunos:

• Peça que eles escrevam um pequeno texto sobre como acordaram hoje usando
aproximadamente 50 palavras. Incentive-os a dar detalhes sobre sensações e
pensamentos.
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Escolha bem as palavras

O tipo de emoção que deseja despertar nos leitores determina as palavras que você deve
utilizar.

Ao descrever emoções cruas, sentimentos rígidos, apele para palavras que contribuam
para isso.

Por exemplo, observe este trecho extraído da crônica Adeus Olimpo:

“Mal percebe o corpo recurvado, dia após dia. Mal percebe o hálito apodrecendo. A
visão começa a lhe trair a percepção. Os passos já não tropeçam em obstáculos,
mas em si mesmos”.

Apresente este texto para seus alunos e pergunte:

• Que palavras foram inseridas pelo autor para transmitir aspereza? Resposta:
“apodrecendo”, “trair” e “tropeçam”.

A mesma regra vale para quando quiser escrever sobre sentimentos puros e meigos. Veja
isso neste trecho extraído da crônica Discalculia e Dislexia – Uma História de Amor:

“A menina apaixonou-se sem palavras. Mas fazia questão de enumerar as


intensidades que retumbavam em seu peito em somas e múltiplas sensações. Já
ele não conseguia contar os dias até encontrá-la. Mas era capaz de ler, traduzir e
registrar as notas que deslizavam pelos lábios dela, instantes fracionados antes de
beijos que se eternizavam”.
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Ensine empatia com a ajuda da literatura


A empatia é definida como a capacidade que uma pessoa tem de sentir o que outra sente.
Significa se colocar no lugar do outro e entender suas ações e reações.

Ter empatia é essencial no convívio em sociedade. Afinal, se enxergamos o mundo


somente por meio da nossa ótica, julgaremos as pessoas ao nosso redor como estando
sempre erradas em suas ações e pensamentos.

É verdade que nascemos com a capacidade de demonstrar empatia. Mas se ela não for
estimulada, o tempo e as vivências podem diminuir a intensidade deste sentimento.

Neste respeito, a literatura pode estimular a empatia nos alunos, ajudando-os a


compreender e compartilhar os sentimentos de outros.

Como você pode usar a literatura em sala de aula com esta finalidade?

Uma das maneiras é por trabalhar textos sobre pessoas pouco simpáticas. Tenho uma
crônica sobre uma situação assim. Vamos analisar juntos.
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Garota brasa

No elevador.

– Bom dia!

– “Bom dia” por quê?

– Só estou te desejando um bom dia.

– Por quê?

– Oras, eu não posso te dar bom dia?

– E eu não posso perguntar porque está falando isso pra mim?

– Simplesmente porque eu quero que você tenha um bom dia.

– Por quê? O que eu te fiz?

– Como assim?

– Você está me devendo alguma coisa?

– As pessoas costumam dar bom dia para outras, querida.

– Ah é? Eu não faço isso. Pelo menos, não com estranhos.

– Mas eu não sou estranha.

– Como não? A gente nem se conhece.

– Pensei que trabalhássemos no mesmo prédio. A gente se vê quase todo dia.

– Mas isso não nos torna amigas.

– E só amigos dão bom dia?

– No mínimo. Eu vou dar bom dia pra quem não conheço? Vai que é um psicopata,
um assassino. Eu vou lá querer que ele tenha um bom dia? Eu quero mais é que
se exploda.

– Puxa, valeu. Quer que eu me exploda também?

– Se continuar me incomodando quem vai explodir sou eu.

– Te incomodando? Mas eu só disse bom dia.

– E você fala “só”? Só falta agora querer me dar beijinho, também. Odeio que me
toquem, já vou avisando.

– Ah, mas pode deixar, sua azeda. De hoje em diante nem te cumprimento mais.
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– Azeda, eu? Você que me vem com essa cara de sonsa, e com esse bomdiazinho
meloso e falso, e eu sou azeda?

– Falso?

– E digo mais: por não me cumprimentar, você vai me fazer um grande favor. Até
porque já tô por aqui com essa sua vozinha de taquara rachada.

– Ah, sua… sua…

– E aproveitando: esse seu perfuminho de rodoviária me dá náuseas, garota.


Experimente ficar só no sabão de coco que eu garanto que vai melhorar.

– Escuta aqui…

– Se não percebeu, querida, este é o seu andar. Até logo.

– Ordinária.

A senhora educada, agora profundamente irritada, sai do elevador batendo os pés,


furiosa com os comentários da “garota brasa”. No mesmo andar, um elegante rapaz
entra no elevador.

– Eita… Bom dia! O que deu nessa daí?

– Ah, acordou azeda, só pode. – Após uma breve pausa, arrematou: – A propósito,
“bom dia” por quê?

Uma personagem desconcertante, não acha? Começar o dia conversando com alguém
assim pode ser irritante.

Mas é justamente aí que entra a necessidade de empatia.

É preciso discutir com o aluno os seguintes pontos:

Em um primeiro momento, se tivéssemos contato com uma pessoa assim, logo


concluiríamos que ela é mal-humorada, e não que está mal-humorada.

Achar que ela é mal-humorada pode ser prejudicial. De que forma? Nas próximas vezes
que passarmos perto daquela garota, vamos evitá-la a todo custo.

No entanto, se concluirmos que ela simplesmente estava mal-humorada naquele primeiro


contato, neste caso, vamos dar a ela um voto de confiança, acreditando que hoje ela pode
estar bem melhor.
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Pensando nisso, peça para seus alunos responder por escrito:

• Por que motivos a “garota brasa” poderia estar mal-humorada neste dia
específico?
• A senhora no elevador poderia ter agido diferente para tentar acalmar a
situação?
• Escreva sobre uma nova situação no dia seguinte. As duas voltam a se
encontrar. A senhora tenta uma nova aproximação. Detalhe: neste dia, a
“garota brasa” está de bom humor.

Agora vamos trabalhar uma situação um pouco diferente. Desta vez, você vai usar uma
das seguintes crônicas em meu site (clique no link para acessar):

• O colecionador de manias: é uma crônica humorística e divertida sobre um


homem que entrou para o Guiness com o maior número de manias do mundo
• DDA é a mãe: uma crônica humorística narrada em 1ª pessoa. Aqui vemos uma
personagem com Distúrbio do Déficit de Atenção tentando se comunicar com o
leitor.

Estes dois exemplos destacam pessoas que aparentemente podem ser bem parecidas
com qualquer um de nós. Podem ser simpáticas e agradáveis. No entanto, possuem
algumas características diferentes.

Estes textos ajudam os alunos a vivenciar uma experiência diferente daquela que estão
acostumados, pelo menos, na maioria dos casos. Quando lemos estas crônicas, vemos
que alguns comportamentos diferentes podem ser facilmente explicados por causa de
uma condição diferente. Nestes exemplos, as personagens possuem alguns problemas
psicossomáticos. No entanto, as condições que levam as pessoas a agir de forma
diferente da nossa pode ser um problema econômico, um trauma, uma notícia ruim, uma
decepção amorosa e assim por diante.

“A literatura pode ensinar os alunos a entender


as razões das ações e pensamentos das pessoas,
colocando-se no lugar delas. Isto é empatia!”

Finalmente, podemos trabalhar a empatia por trabalhar textos literários de pessoas que
passam por muitas dificuldades. Na minha crônica “Cassandra vai a Roma” falo sobre
uma mulher do sertão do Piauí que enfrentou muitos problemas na vida.

Depois de ler o texto, vamos ver como você, professor(a), pode trabalhar estes textos
com seus alunos.
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Cassandra vai a Roma

No dia de sua morte, Severina é fustigada pelo Sol impiedoso.

Severina teve filhos. Vários deles. Cada qual, um rumo na vida. Um virou doutor.
Outro andarilho. E ainda outro natimorto. O restante, cálida sina de seres
inanimados, jamais deu notícias.

Agora, a viúva Severina (viúva do último, mas abandonada pelo primeiro) rasteja
suas pernas finas cambaleantes pelo árido sertão piauiense.

Antes que ela consiga chegar ao próximo vilarejo, Severina cai morta – um baque
elegante de um corpo esquelético, escanzelado, no chão poeirento e inóspito.

Porém, antes do impreciso último suspiro, Severina tem um último pensamento


inquietante: “Por que raios o nome desta crônica é Cassandra Vai a Roma”?

Note que nesta crônica não destaquei características da personalidade de Severina.

Os exercícios com seus alunos podem ser feitos da seguinte forma:

• Peça para seus alunos escreverem um parágrafo onde destacam a personalidade de


Severina: como ela é, seus sentimentos e pensamentos, sua visão de mundo e de
futuro, e assim por diante.
• Em seguida, os alunos devem justificar por escrito porque acham isso.

Você vai ver que as justificativas dos alunos levarão em consideração, na maioria dos
casos, a vida sofrida de Severina. É a empatia dos alunos sendo exercitada!
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Incentive seus alunos a escrever à mão


Neste era de tecnologia, as crianças já nascem com um celular nas mãos. Diante disso,
estão bastante acostumadas a digitar e tocar telas, e cada vez menos envolvidas com a
arte de escrever à mão.

Mas por que você deve incentivar seus alunos a escrever seus textos literários à mão?
Que argumentos você pode utilizar para convencê-los disso?

Benefícios

Existem vantagens em escrever à mão:

• Fortalece a memória: estudos comprovam que é mais fácil nos lembrar do que
estudamos quando escrevemos à mão.
• Auxilia o processo criativo: faz com que o processo de criar se torne mais
ordenado em nossa mente.

Por isso, mostre para seus alunos que quando eles escrevem à mão, eles se saem
melhor nas aulas.

Seguem agora algumas dicas para tirar o máximo proveito da escrita à mão. Lembre-se
de passá-las para seus alunos:

• Deixe a mesa limpa, sem distrações.


• Mantenha a postura correta.
• Deixe a mão repousar suavemente sobre a mesa.
• Para diminuir a sensação de cansaço na mão, procure não mover dedos e pulso.
Na verdade, você precisa sentir apenas seus ombros e antebraços se movendo.
• Quando chegar ao final da linha, não mova a mão para baixo. Pelo contrário, mova
o papel ou caderno para cima. A mão deve ser mantida na mesma linha durante
todo o processo de escrita.
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5 exercícios para ajudar seus alunos a escrever como


escritores profissionais
Gostaria de ver seus alunos escrevendo como profissionais? Como já mencionei neste e-
book, escrever bem exige esforço e dedicação.

E por falar em esforço, gostaria de lhe apresentar 5 exercícios para aprimorar a habilidade
de escrever.

Os exercícios abaixo devem ser aplicados em sala de aula em dias diferentes. Você pode
repetir alguns exercícios ao longo do ano letivo.

EXERCÍCIO 1:

Escreva uma pequena cena dramática em que duas pessoas conversam e cada uma
delas possui um segredo que a outra desconhece.

Detalhe: os segredos não podem ser revelados aos leitores. Ser criativo envolve saber
brincar com o sigilo de suas personagens e manter leitores curiosos com o desfecho.

Peça para o aluno guardar este texto com cuidado. Ele será utilizado diversas vezes nos
próximos exercícios, nos dias a frente.

EXERCÍCIO 2:

Cada aluno deve usar o texto produzido no exercício anterior.

Reescreva o texto do Exercício 1 alterando os verbos de passivo para ativo e de ativo


para passivo.

Por exemplo: “Helena sentiu (PASSIVO) os raios de sol em seu corpo” para “Helena
mergulhou (ATIVO) seu corpo nos raios de Sol”.

EXERCÍCIO 3:

Descreva uma de suas personagens do Exercício 1. Escreva tanto quanto puder sobre ela
– todas suas qualidades, defeitos, características, vícios e assim por diante.

No entanto, nesta descrição, a personagem não deve realizar nenhuma ação, o que inclui
não falar e nem pensar em coisa alguma.

EXERCÍCIO 4:

Repita o exercício 3 com uma diferença: descreva as características da personagem


somente por meio de ações. As mesmas características que mencionou no Exercício 3
precisam aparecer aqui, mas você não deve declará-las. Os defeitos e qualidades de sua
personagem devem vir à tona somente por meio de ações.

EXERCÍCIO 5:
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Repita o exercício anterior. Agora, você deve expor as características da personagem


SOMENTE por meio de suas palavras em um diálogo.

Este exercício serve para explorar as falas e ações de seus personagens como
autoexplicativas, sem a necessidade do autor precisar justificá-las.
19

Exercícios adicionais para estimular escrita e interpretação

Escrever finais abertos

Evoque toda a criatividade dos seus alunos induzindo-os a concluir histórias com finais
abertos.

Este tipo de exercício tem como objetivo estimular o aluno a observar um relato do ponto
de vista do autor e preencher as lacunas com seus pensamentos.

A interpretação do texto, a criatividade em incluir finais alternativos – tudo isso contribui


para análise intelectual do aluno sobre o mundo.

Vamos usar este exercício em sala de aula? Vou utilizar 2 crônicas neste exercício – use
cada uma delas em dias diferentes.

Solidão, Ainda

Ela acordou em seu mundo sob a nuvem triste que lhe acompanhara por toda a
vida. Parecia-lhe tênue, como sempre foram seus sonhos. Parecia-lhe apenas mais
um eco. Apenas um instante que se vence com um passo a mais.

Sempre ouvira, toda sua vida – “tudo passa”. Ela passara, enfim. Como se tudo
aquilo que acreditara ser fosse apenas um protótipo, um esboço mal resolvido. Sua
vida poderia ser escrita em poucas linhas. Nada mais do que isso. Nada mais do
que o espaço vazio de anos vividos. Quando se deu conta, a Terra já havia dado
outra volta. Sonhos haviam sido criados. Mundos despedaçados.

E ela continuava só.


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Cão Soldado

Passeava na esquina sem chamar a atenção. Sem coleira, sem um dono à


espreita. Carregava algumas dezenas de pulgas e uma expressão abobada que
nunca estimulava reações do tipo “que fofinho”! Apenas mais um virador de latas
qualquer.

Seus passos nem pareciam cautelosos. Mas eram. Pata ante pata, cada passo e
cada olhar lânguido executados, estrategicamente. Como um bom soldado, não
queria chamar a atenção. Somente assim, completaria sua missão.

E foi justamente naquela esquina que resolveu parar. Sua atenção foi chamada
para um objeto colocado cuidadosamente na esquina, provavelmente por um
benévolo coração humano. Era um pote de ração – para gatos.

O cão sorriu. Na guerra em que lutava havia mais de 15 anos, sempre dependera
das pernas para alcançar o inimigo. Agora, no entanto, usando de inteligência e
estratégia, simplesmente o esperaria.

Por isso, tratou de atravessar para o outro lado da rua, esconder-se atrás de uma
árvore e esperar.

E ali ficou, pacientemente, enquanto uns vinham e outros iam sem dizer: “Que
fofinho”!

Até que surgiu a figura que ele tanto esperava. Um felino marrom, desfilando
suavemente sobre um telhado. Seu caminhar era uma dança deleitosa para os
olhos apreciarem. Como o cão soldado gostaria de ter uma habilidade assim, em
vez daquele caminhar rústico, pesado e torto.

Olhando atentamente, observou quando o gato deu um salto cinematográfico e


repousou suas patas no chão sem emitir qualquer ruído. Um exímio caçador,
pensou o cão do outro lado da rua.

Aos poucos, o felino se aproximou do pote de ração e se curvou para comer.

Era a deixa que ele precisava.

No entanto, quando o cão soldado deu o primeiro passo de seu ataque mortal,
sentiu uma terrível fisgada na perna direita frontal. Praguejou qualquer coisa diante
da realidade de sua idade avançada.

Bons tempos em que ele lutava por sua raça com um vigor sem igual. Hoje, sentia
dores até nos pelos.

Guerreiro, ainda tentou cruzar a rua para o ataque. Mas as dores impediam-no de
avançar com velocidade. Caminhou tão lentamente que deu tempo do gato
terminar a refeição e desaparecer rapidamente no mesmo telhado onde surgira.

Não tinha mais idade para confrontos com felinos, pensou.


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Por isso, resignado, continuou seu caminhar lânguido pelas ruas, desta vez,
mancando muito.

Até que viu outro pote de ração em uma esquina. Desta vez, a ração era para cães.
Quando sentiu o cheiro dela, seu estômago revirou, suplicando por uma porção.

Quando se curvou para a primeira abocanhada, percebeu, pelo canto do olho


direito, o vulto de um gato saltando sobre ele.

Depois que os alunos tiverem lido estes textos, é hora de trabalhar a criatividade e
interpretação deles.

• Os dois textos acima têm finais abertos. Não sabemos o que aconteceu em seguida.
Usando o máximo de 100 palavras, escreva um final para cada uma das histórias.

Alternar estilos literários

Nesta atividade, os alunos devem alternar o formato literário do texto trabalhado. Por
exemplo, você pode entregar a eles um poema curto e pedir que eles transformem-no em
um conto.

Por outro lado, pode explorar a veia artística deles por apresentar uma crônica e pedir
para que transformem-na em um poema (rimado ou não).
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Voando Com Tolstói

Numa certa manhã, fria como o inferno, como costumava dizer, julgou-se capaz de
voar. Absoluto em suas ideias, vagou da cama à janela com passos lânguidos,
olhar sedento, a medida que o véu da poluição contornava a silhueta da cidade
podre que aprendeu a odiar.

Lá embaixo, dez andares abaixo, seres fétidos se arrastavam como ele, distraídos
em suas vidinhas vazias, contornando avenidas cancerígenas, serpenteando ruas
densas mórbidas, trêmulas elas, ruas, avenidas, pessoas. Em outros dias,
escreveria suas crônicas pequenas sobre a depressão, a solidão, sobre o eco
amortecido retumbando nas paredes emboloradas. Em outros dias, pensaria em
mil maneiras de fazer com que o sangue gélido em suas veias, resolvesse esticar
as pernas e correr.

Mas hoje era diferente. Numa vida repetitiva, o diferente ganha formas e contornos
de belo e aprazível. Abriu a janela e deixou o ar acerbo e rancoroso da cidade
socar-lhe os pulmões. Recurvou-se. O peito em chamas. Um dia frio. O sangue
bucólico lentamente a caminhar. Lembrou-se de Tolstói e já de pé, no parapeito
repetiu para si mesmo: “Não é possível ser bom pela metade”. Que fosse por
inteiro, ou que não fosse. Hoje, pela primeira vez, acreditou em si mesmo, e do alto
do décimo andar, saltou.

A última vez que foi visto, sobrevoava Paris, os braços abertos, um sorriso largo no
rosto, e um grito de êxtase de quem aprendeu a ser bom por completo.

Agora é a vez dos alunos alternarem o estilo literário deste conto.

• Leia este conto. Após isso, transforme-o em um poema de 2 estrofes. Cada estrofe
deve conter 4 versos.
23

Incentive seus alunos a compartilhar os textos


O que acha de incentivar seus alunos a escrever e compartilhar estes textos que eles
estão escrevendo em sala de aula?

Criei recentemente em meu site uma área exclusiva para os alunos postarem seus textos.

Funciona assim:

Você ou o próprio aluno envia o texto produzido em sala de aula para meu e-mail:
julianomartinz@gmail.com.

Depois de avaliá-lo, eu posto o texto na página Textos Produzidos Por Alunos.

Isto oferece aos alunos uma audiência maior – incluindo outros estudantes e professores
– que podem comentar seus trabalhos.

Incentive seus alunos não somente a postar seus textos nesta página, mas também a
comentar os textos de outros alunos. Visto que esta página está sendo divulgada em
todas as escolas do ensino médio e fundamental do Brasil, a audiência será muito boa.

Dê a seguinte sugestão para os alunos que vão comentar textos publicados por outros
alunos:

• Antes de comentar, leia cuidadosamente o texto que foi postado pelo colega.
• Preste atenção a como ele desenvolve as ideias.
• Se você gostar do texto, procure identificar porquê gostou.
• Se o texto realmente for bom, deixe um comentário na página.
24

Mas pode ser que seu aluno queira responder ao comentário feito por outro aluno. Neste
caso, incentive-o a usar o recurso de resposta ao comentário. Para isso, basta encontrar
o comentário e clicar em “Reply”. Depois disso é só escrever a resposta e clicar em
“Publicar comentário”.

Professor(a), você pode pedir que os alunos comentem textos publicados nesta página
como atividade obrigatória. Assim, eles serão estimulados a realmente ler o conteúdo,
avaliar e se expressar.

Com a seção de comentários, podemos unir alunos de diferentes séries e lugares em


torno de uma única discussão. É a literatura unindo as pessoas!
25

Leitura e interpretação
Estas aulas têm como objetivo mostrar o grande significado por trás dos textos literários.
Sabemos que a literatura não serve apenas para entretenimento. Como mencionei no 1º
capítulo, ela contribui para interação, habilidade crítica e até mesmo para educação.

No entanto, para que um texto literário atinja estes objetivos, ele precisa ser interpretado.

Interpretação é o exercício que permite enxergar os significados mais profundos de um


texto: temas, valores, lições e assim por diante. Em muitos casos, todos esses
significados estão implícitos no texto. Sem a interpretação, o leitor não consegue
identificá-los.

Por isso, professor, você precisa exercitar a capacidade interpretativa dos seus alunos.
Vamos usar algumas de minhas crônicas neste processo.

Na verdade, vamos começar com um micro-conto. Este texto de minha autoria tem
apenas 14 palavras, mas vai ajudá-lo a estimular a interpretação em seus alunos.

Um micro-conto

Procurava por água, mas encontrou o grande amor de sua vida. Morreu de sede.

Pergunte para seus alunos:

• O que o autor quis dizer com este micro-conto?


• Existe alguma lição por trás desta pequena história?
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A Dúvida

Enquanto o avião perdia altitude, o cenário era de pânico absoluto.

Ele ouvia gritos e preces ao seu redor. Alguns tentavam ligar o celular
desesperadamente, provavelmente uma tentativa de enviar uma última mensagem
para familiares e amigos. Eu te amo, adeus, eu não deveria ter dito aquilo. Todas
aquelas frases que passam pela cabeça quando se sabe que serão as últimas.

Da mesma forma, ele estava angustiado. A mesma angústia que o acompanhara


desde o momento em que pegara o metrô, 3 horas atrás, rumo ao aeroporto.

Antes que o avião se partisse em milhares de pedaços, sua angústia se resumia


em uma única e persistente pergunta:

— Será que eu desliguei o ferro de passar?

Note que este texto destaca como as preocupações e angústias das pessoas podem
variar diante de uma situação grave. Será que seus alunos conseguem perceber isso?
Vão extrair outra lição deste texto? Só há uma forma de descobrir:

Peça para seus alunos responderem:

• O que o autor quis transmitir com esta crônica?


27

A Revolução das Baratas

Havia décadas que as baratas pensavam em realizar um grande levante. Estavam


cansadas do ódio peculiar que os seres humanos sentiam por elas, figurando como
o inseto mais repulsivo do planeta Terra.

E Gene era a líder da revolução baratística. Tinha uma inteligência incrível, uma
memória invejável e uma estratégica mente militar. O plano revolucionário estava
parcialmente definido, mas era preciso esperar o momento certo.

Sua melhor amiga, Salete, sempre se postava como a temerosa:

– Mas estamos realmente prontas?

– Nunca antes estivemos tão prontas.Em breve, teremos nossa vingança. Os


humanos pagarão cada gota de hemolinfa derramada.

– Não sei, não. Tem coisa errada, Gene. Os números não batem. - Salete mostrou
um esboço. – Em nosso último censo militar, ficou constatado que somos 85
baratas para cada humano. Agora, pense comigo: a maioria dos humanos não tem
mais do que dois ou três filhotes. E muitas das fêmeas deles nem se reproduzem.
Mas nossas fêmeas, em apenas 150 dias, chegam botar 320 ovos. A proporção
não bate, Gene. Deveríamos ser milhares ou milhões de baratas para cada
humano. Onde estão as outras?

– Estão mortas, Salete – arrematou, séria. – A diferença na sua estatística é o


número de irmãs assassinadas injustamente. Sentenciadas à morte por chineladas
e sufocamento venenoso, enquanto os algozes gritam “nojenta”, “maldita”,
“desgraçada”.

Naquele mesmo dia, uma notícia se espalhou entre as baratas. Ninguém sabe
como, mas as baratas tomaram conhecimento de que, no próximo mês, os
humanos em todo o planeta dormiriam durante uma hora, simultaneamente. Era a
oportunidade que Gene tanto esperava.

Salete desconfiou:

– Como assim?

– É a nossa chance, Salete.

– Por que os humanos vão dormir todos ao mesmo tempo?

– Você deveria estar me perguntando sobre nossa estratégia de ataque.

– É só que me parece estranho.

– Faremos um ataque simultâneo, em todo o mundo. Atacaremos os humanos


enquanto estiverem dormindo.

– O que vamos fazer?


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– Vamos sufocá-los. Entrar em suas bocas, e invadir suas vias respiratórias.

– Mas…

– Um ataque em massa. Dezenas de baratas saltando sobre a boca de cada


humano. Eles não terão chance de qualquer reação.

O plano estava traçado. Gene enviou baratas mensageiras para que avisassem
cada um dos exércitos alocados em despensas, esgotos, sótãos, porões e até nas
matas. Todas as baratas do planeta deveriam sair dos seus esconderijos e lutar
pela liberdade.

E exatamente um mês depois, a guerra teve início.

Gene saiu pelo ralo do banheiro seguida por seu posto avançado de 249 baratas.
Era meia-noite. Encaminharam-se lentamente para os quartos dos humanos,
ansiosas pelo ataque final. Em questão de menos de uma hora, a raça humana
estaria extinta da face da Terra. Chinelos e inseticidas nunca mais seriam
produzidos.

Gene ainda salivava de ódio, quando ouviu um estranho zumbido. Ergueu


lentamente a cabeça. Logo acima, parcialmente camuflada pela escuridão, viu uma
figura familiar: o general Tod, uma vespa-joia. Ele estava a frente do que pareciam
3 ou 4 centenas de vespas e marimbondos.

O coração de Gene saltou-lhe à boca. Seu cérebro começou a juntar as peças e


tudo se encaixou. Salete tinha razão. O sono coletivo dos humanos não podia ser
verdade. O boato havia sido um embuste criado pelas vespas, as maiores inimigas
das baratas – depois dos humanos, claro. Em um relance, Gene já podia ver seus
corpos sendo arrastados para buracos e servindo de alimento para larvas de
vespas.

Gene virou-se para seu exército e, quase sem voz, gritou:

– É uma cilada… Fujaaaaam!

Mas era tarde demais. Ao grito de comando do General Tod e dos outros milhares
de generais vespas de emboscada em todo o mundo, o ataque histórico das
vespas contras as baratas começou.

Vários anos depois, os jornais ainda noticiariam o misterioso desaparecimento de


todas as baratas do planeta terra. A culpa, para todos os efeitos, recairia sobre o
aquecimento global.
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Peça para seus alunos responderem:

• Qual a ideia central desta crônica?


• A ideia presente no texto poderia estar relacionada com algum fato do nosso
cotidiano (social, político, econômico, etc)? Justifique.
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Estimule seus alunos a encenar textos literários


Os exercícios apresentados neste capítulo devem ser feitos em aulas presenciais. É claro
que podem ser adaptados para aulas digitais, mas você não conseguirá extrair o máximo
destes exercícios. Afinal, estou falando sobre encenação em grupo.

Mas você não vai simplesmente apresentar uma crônica narrativa e pedir para os alunos
encenarem. Seria muito fácil! O exercício aqui é encenar poemas.

O que proponho com este exercício divertido é ajudar os alunos a:

◦ Interpretar a linguagem poética dos textos.


◦ Transferir a linguagem poética para nosso cotidiano.
◦ Estimular a criatividade e capacidade interpretativa.

O exercício funciona da seguinte forma:

Você deve imprimir os poemas abaixo (todos de minha autoria) e distribuir entre grupos
de 4 ou 5 alunos. Depois, peça para os alunos encenarem o poema para a turma. A cena
deve ser como uma cena de um filme, com personagens, tramas, conflitos, etc. A cena
deve durar pouco tempo: no máximo, 1 minuto.

Após a execução da cena, peça para o grupo ler o poema interpretado.

Tardo Toque

Brilha voracidade em tardo toque


Em voga distração, princesa minha
Citando-me teus olhos lembranças esquecidas
Pulsando impulsividade, pulsação reprimida.

Cala-me teu colo, incendeia-me teus cílios


Abrasa-me abraços e pétalas perdidas
Um instante em fardo fausto
Um romance ao som de exaustos.

Confesso-te amor com que te amo


Tecendo reticências em ser e estar
Refazendo meu sonho e mundo
Um céu e terra para aqui te conquistar.

Perfeita Simetria

No silêncio absurdo
Na multidão ofegante
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Restos e peles
Brigas e insanos
Um louco mundo do imundo.

Um condensar destoado
Um tom desafinado
Movimentos desfeitos
Pela estagnação soberana
Posto véu em olhos alarmados
Posto frio em atitudes insanas.

Mas teus olhos se refazem


Um sorriso na escuridão
Perfeita simetria
Simétrica harmonia
Pelo sim, pelo não.

Saí do Poema

Alguns rabiscos
Teorizando teorias
Construo o sustentável
E nele me apoio (o INsustentável que sou)
Traços recompostos com lápis fino
Gotas de tintas, timbre cinzento
Fugitivo de romances
Eu deixo o amor de lado
E saio do poema.

Poema Sobre Simbiose

Ela lá e me sinto cá
Torpe, tolhido
A fumaça que me agride
A neblina que retarda
Uma vida desfalecida
Entre sombras do passado
Repassando horas vigílias
Execrando pobres poemas
Entre velas e eras
Paralisado, num vício de teus olhos
Restam-me ecos
Restam-lhe sonhos
O suor serpenteando seu corpo
Calejando tez e cílios
Redecorando memórias
Sob minha pele
Mas fora do alcance de minhas mãos
Apenas nos perdemos
E tanto nos perdemos
Nesta frágil simbiose.
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Dicas para envolver alunos nas aulas online


Construa relações com os alunos.

Mostre para eles que você gostaria de conhecê-los individualmente. Envie uma
mensagem apenas para dizer olá. Nestas conversas, fale sobre coisas que eles gostam.

Você pode usar a redação criativa para descobrir características da personalidade de


cada um deles. Por exemplo, quando falamos sobre as Propostas de Escrita, uma das
perguntas tema foi: “Se você pudesse ser um personagem do cinema, literatura ou
quadrinhos, qual seria? Por quê?”

Usando temas como esse você consegue conhecer melhor seus alunos e pode conversar
com eles sobre estes assuntos em outras ocasiões, fora do horário de aula.

Incorpore o que eles gostam nas suas aulas

Use a personalidade e gostos pessoais de cada um como ingrediente para suas aulas de
literatura e redação.

É fato que os jovens de hoje em dia estão muito mais antenados em novas tecnologias do
que a maioria de nós. Aproveite este conhecimento para otimizar suas aulas.

Por exemplo, pode ser que você descubra por meio dos seus alunos que existe uma nova
rede social que está engajando os jovens. O que você deve fazer? Aprender um pouco
sobre esta rede social e incorporá-la em suas aulas.

Se a febre do momento é um novo game ou um filme recém-lançado, não ignore estes


dados. Use-os como tema em suas aulas de literatura e redação e você terá alunos muito
mais envolvidos e animados com as aulas online.

Crie grupos menores para aumentar o envolvimento

Você gostaria que seus alunos participassem mais nas aulas online? Percebe uma
timidez excessiva na hora de se expressarem diante da câmera?

Bom, isto é bastante comum para a maioria de nós. A sensação de serem observados por
todos faz com que alguns alunos se mantenham distantes nas aulas.

Mas, conforme seu cronograma permitir, utilize os recursos da tecnologia para criar
grupos menores. Por exemplo, na hora de ler uma redação, divida a turma em dois ou
três grupos menores. A quantidade menor de conexões pode ajudar os alunos a ganhar
confiança.

Use as dificuldades do online como tema de suas aulas

O que acha de fazer algumas Propostas de Escrita ou exercícios de redação sobre as


aulas virtuais?
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Veja alguns temas que você pode usar:

• Minhas maiores dificuldades com as aulas digitais são…


• Quais as vantagens e desvantagens das aulas online?
• O que seria uma aula digital perfeita?

Outra sugestão é fazer uma enquete onde o aluno deve avaliar as aulas digitais.

• Em uma escala de 0 a 10, quanto você se sente confortável em uma sala de aula
virtual?
• Quais foram as dificuldades técnicas que você encontrou? Por exemplo: conseguiu
ouvir o professor e os outros alunos?
• As aulas estão bem organizadas?
• As aulas estão sendo claras?
• Você tem a sensação de que sua voz não está sendo ouvida?
• O que você acha que precisa melhorar?
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Crônicas para trabalhar em sala de aula


Sr. Google Pacheco

Quando os funcionários chegavam ao escritório pela manhã, o senhor Google Pacheco


sempre estava lá. Sentado a sua mesa ou correndo de um lado para outro, mantinha-se
no seu memorável ritmo agitado, produção beirando o frenesi. Os funcionários o
admiravam. Era sempre o primeiro a chegar e o último a sair (embora ninguém tenha
testemunhado qualquer um destes acontecimentos).

– Acho que ele dorme no escritório – alguns arriscavam.

Outros já apelavam para o exagero:

– Dizem que ele nunca dorme.

Sr. Google Pacheco. O chefe do departamento de marketing. Baixo e gordinho. Feição


inocente, quase boba. Chamava a atenção pelas roupas, sempre de cores vívidas,
cintilantes. Geralmente, boné azul, camiseta vermelha, calças amarelas e tênis verde. Às
vezes, invertia as cores, mas nunca as abandonava. Roupas estranhas para um homem
de nome estranho.

Quando era novo na empresa, ainda apenas um singelo desconhecido, causava confusão
com seu nome. Liam o crachá e diziam:

– Bom dia, sr. Gógle.

Ele corrigia, sempre sorridente e simpático.

– Não, não. Pronuncia-se Gúgou.

– Gúgou?

– Sim. É a centésima potência do número 10.

Até seu nome carregava o estigma de gênio.

O Sr. Google era uma enciclopédia ambulante. Parecia ser senhor de todo o
conhecimento. Portador de solução para os mais variados problemas na ponta da língua.
Para cada desafio proposto no dia a dia da empresa, vertia um turbilhão de soluções
precisas e automáticas.

Com sua eficiência, foi promovido em poucos meses: de auxiliar tornou-se chefe do
departamento de marketing. Com o passar do tempo, parecia saber o que as pessoas
queriam antes de terminarem de falar.

– Seu Google, o senhor sabe que horas…?

– … será a reunião do conselho?


35

– Isso. Isso mesmo.

– 16 horas.

Era um gênio. Disposição tamanha, não demorou muito e começaram a abordar assuntos
mais pessoais.

– Sr. Google, preciso de sua ajuda. Como faço para con…

– Conquistar sua melhor amiga?

– Uau. Como o senhor sabe?

E derramava soluções. Como se não bastasse a prontidão, começou a oferecer várias


opções.

– Sr. Google, chocolate dá…?

– Espinha? Celulite? Cólica no bebê?

– Não...

– Sono? Dor de cabeça?

– Eu…

– Enxaqueca? Energia? Azia?

– Isso! Azia.

– Ahá. Você está com sorte, menina!

Até o poderoso e inacessível dono da empresa, cuja agenda diária se resumia a


constantes viagens de negócio pela Europa, começou a passar mais tempo no Brasil. E
quase todos os dias, ia na empresa. E já ia direto para a sala do senhor Google. Os
curiosos e fofoqueiros discutiam o que os dois homens conversavam atrás daquelas
portas. Uns diziam que falavam sobre bolsa de valores, tendências econômicas, essas
coisas. Outros achavam que a conversa só passeava pela arena dos assuntos pessoais.

Independentemente do conteúdo destes encontros a portas fechadas, a empresa só


crescia. E os funcionários eram unânimes em admitir: depois da chegada do Sr. Google, a
vida de todos eles se tornou mais fácil.

Certo dia, o Sr. Google não apareceu para trabalhar. A princípio, pairou uma tensão no ar.
À medida que as horas foram passando, e o Sr. Google não aparecia, surgiu um clima de
desespero. Ligaram para o seu celular, mas dava como número inexistente. Tentaram o
telefone residencial. O resultado foi o mesmo: número inexistente. Onde ele morava
mesmo? Ninguém sabia.

O desespero instalou-se na empresa. Ninguém conseguia cumprir suas obrigações.


Andavam de um lado para outro, perdidos. Nem a dona Gertrudes conseguiu fazer o café.
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Durante dias, ninguém trabalhou. Diziam que as ações estavam em queda vertiginosa. Os
funcionários sentiam-se curvados ante o peso dos problemas pessoais que não
conseguiam resolver coisa alguma sem os conselhos do Sr. Google.

Duas semanas depois, metade dos funcionários não mais aparecia na empresa. Dois ou
três mergulharam de cabeça no alcoolismo. Outro se jogou da ponte. E o poderoso dono
da empresa, quem diria, foi flagrado diversas vezes em prantos, cambaleando pelos
corredores fantasmagóricos e mal iluminados da empresa que veio à falência, semanas
depois.

Quanto ao senhor Google, nunca mais foi visto. Dizem por aí que montou um site e ficou
bilionário.

Mas comprovar mesmo, ninguém nunca comprovou.


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Josefino – O Primeiro Imperador da Terra de Cego

Desde criança, Josefino era a pessoa mais famosa e requisitada na Terra de Cego. Sendo
o único habitante que tinha um olho, era procurado por todos.

Em Terra de Cego, as festas eram rotina. Nestas ocasiões, as pessoas se produziam.


Vestiam suas melhores roupas, caprichavam no penteado e maquiagem. Depois, corriam
até o Josefino para perguntar o que ele achava. Isso sem falar nas inúmeras vezes em
que o pequenino Josefino foi arrastado até as lojas e determinava se as roupas “caíam”
bem nos clientes. Se ele dizia não, o vendedor tratava de tatear e encontrar outra opção.
O cliente só comprava as roupas quando Josefino dava seu ok.

Ao chegar na adolescência, Josefino percebeu que podia tirar algum lucro com a
habilidade. Começou a cobrar pela consultoria. Não dava uma única opinião se não lhe
pagassem. Acompanhava as pessoas em suas compras, sugeria decoração, opinava na
construção das casas. E foi assim que sua riqueza começou a crescer dia após dia, ano
após ano.

Com a demanda sempre crescente, passou a cobrar exorbitâncias. Somente os homens e


as mulheres mais ricos podiam lhe pagar. Em certo momento, os nobres passaram a lhe
trazer pretendentes apaixonados para ver se eram belos o suficiente para lhes permitir
casar com suas filhas. Se Josefino não elogiava a beleza do pretendente, lá se ia um
rapaz aos prantos, desiludido e solitário.

Com a riqueza e poder extraordinários, Josefino construiu um castelo. Montou uma


gigantesca guarda com mais de mil guerreiros. Passou a erigir monumentos em sua
homenagem. E, finalmente, aos 25 anos, proclamou-se rei da Terra de Cego. A partir daí,
passou a ser conhecido como Imperador Josefino I.

Certo dia, um viajante com dois olhos chegou à cidade. Ele tinha sido atraído pelas
notícias de Josefino, de como tinha construído um império com apenas um olho. Ele
concluiu: se um olho fora capaz de tornar um homem imperador, dois olhos fariam com
que se tornasse um deus.

No dia que o viajante chegou à cidade e proclamou ser possuidor de dois olhos, todos
foram ao seu encontro. Uma multidão de centenas de pessoas. Contrário às suas
expectativas, o viajante foi agarrado, levado à praça pública e linchado até a morte pelos
moradores.

Sua morte foi muito rápida. Provavelmente, nem teve tempo de aprender a valiosa lição:
Em terra de cego quem tem um olho é rei. Mas, quem tem dois é uma aberração.
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Praia, Maldita Praia

Odiava praia. Costumava pensar que não havia forma de não odiar. Malditos grãos de
areia que sempre insistem em entrar onde não devem, um sol infeliz torrando a pele e
multiplicando melanomas e não-melanomas, além de uma água imunda e fétida
proliferando bactérias que fazem a festa no corpo dos ingênuos que ali se divertem.

Por esta razão, ao chegar aos 60 anos, Antenor nunca reservara um dia sequer de suas
férias para adentrar praias entupidas. Os amigos e familiares, claro, ficavam
incomodados. As férias dele sempre se limitaram a viagens para o interior, turismo de
aventura.

Mas quando Antenor completou os 60 anos, a família decidiu mudar esta história. Sem
seu conhecimento, compraram um pacote turístico para uma badalada praia do Nordeste.
Tudo incluso: passagem, estadia, alimentação e até transporte local. E, obviamente, tudo
mantido sob rigoroso segredo. Para o Antenor, diziam que as férias seriam no interior,
para uma daquelas cidades cuja atração se limita apenas a comida e bebidas típicas. Só
depois que enfiaram o velho dentro do avião, devidamente afivelado, comunicaram que o
destino seria uma praia.

Houve um princípio de escândalo. Me tira daqui, eu não quero pegar câncer, eu não quero
micose pútrida leprosa em minha pele, e por aí afora. Mas com alguma conversa,
inclusive ameaça de divórcio da dona Arlete, botaram o velho de volta ao bom juízo e ele
manteve a boca fechada, a viagem toda. Mas ainda dava para ver em seus olhos a ira
diante da traição de todos aqueles que um dia ele jurara amar.

Ao chegarem à praia, a família esperou pelo pior: um escândalo mais ostentoso do que o
dado no avião. Mas ao contrário, o semblante de búfalo mal-humorado do velho Antenor
cedeu diante da visão arrebatadora, do frescor sem igual, da agradável intensidade que o
casamento entre sol, areia e mar proporciona.

Durante aquele dia, a família concordara em uníssono: nunca tinham visto um Antenor tão
feliz quanto naquela tarde ensolarada. Ele até trocou algumas palavras amistosas com
outros que se estiravam na areia, nas proximidades.

Na semana seguinte, na viagem de volta de avião, Antenor garantiu a todos que não
aguentaria esperar as próximas férias. Nas semanas seguintes, no máximo em alguns
poucos meses, daria um jeito de voltar para a praia.

Isso, lógico, após ele tratar e curar a micose tinha crural, a pitiríase versicolor, e a
onicomicose subungueal distal e lateral.
39

Dartófolis

Não conseguir se lembrar de quando acordou é algo assustador. Pior ainda é não saber
como se veio parar aqui. Quer um pouco mais de tempero TERROR na trama? Eu nem
sequer sei onde é “aqui”.

Estupefato, confuso, olho ao redor. Recolho informações: aqui é uma rua movimentada.
Pessoas indo e vindo apressadas. Normalidades anormais. E um cheiro acre no ar.
Cheiro azedo, oras. Mãos secas. Ar úmido. Nervos e pele. Sou eu, mas… quem eu sou,
afinal?

O que você faz em uma situação assim? A única coisa possível: pedir informações.
Perguntar onde estou, claro. Mas… pergunta estranha pra burro essa. “Onde estou?” Não
pega bem. Melhor perguntar o nome da rua. Faço isso. Uma mulher com uma criança no
colo. Ela me olha de forma estranha. Desconfia de mim. Ao que me lembre, não transmito
ameaça. Que cheiro maluco é esse?

Ela responde:

– Rua Soleneve.

Soleneve? Nunca ouvi nada parecido. Complicado. Melhor perguntar pelo nome do bairro.
Aproveito a cidadã desconfiada e pergunto. Ela responde:

– Pinhal Roxo – diz, enquanto me dá uma boa olhada de cima em baixo.

Repito para mim: “Pinhal Roxo, Pinhal Roxo…” Realmente, não conheço nenhum bairro
Pinhal Roxo em Florianópolis, e pelo que sei… Espere. E se por acaso eu não estiver em
Florianópolis? Isso explicaria o cheiro estranho no ar.

Será que fui raptado? Sonambulismo? Múltiplas personalidades? De repente, sou


invadido por uma sensação de que essa história não é a minha.

Assustado. Perto do desespero. Onde estou? Confiro meu reflexo na vitrine de uma loja.
Ufa, sou eu, afinal. Pelo menos isso.

Me aproximo de um policial. Pergunto o nome da cidade. Ele leva a mão a arma, mas não
a saca. Apenas preparado. Desconfiado de mim. Me olha da cabeça aos pés. E a mão na
arma. Vai sacar, quer ver? Quer ver? Não saca. Só responde, desconfiado:

– Ouro Bom.

Ouro Bom????

Existe alguma cidade chamada Ouro Bom em Santa Catarina? Eu nunca ouvi nada
parecido… A não ser que… Oh, não! A não ser que eu não esteja em Santa Catarina. A
situação não poderia ser pior. Ou poderia?

O policial ainda me olha desconfiado. Mão na arma. Espera por minha reação. Resolvo
arriscar:

– Policial, poderia me dizer em qual estado do Brasil estamos?


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Ele cerra o semblante. Segundos depois, dá um sorrisinho:

– Brasil? Brasil??? – Começa a rir. – Cada maluco que me aparece – E sai, gargalhando.

Tudo gira ao meu redor. Pane. Pânico. Falta-me chão. Falta-me ar.

Sonambulismo está descartado. Múltiplas personalidades também. Eu não conseguiria


sair do país assim. Ou conseguiria? Definitivamente, acho que fui sequestrado. E como
escapei? O que faço agora? Talvez entrar em contato com o consulado. Como vou
explicar como vim parar nesse lugar se nem mesmo sei onde estou?

Preciso descobrir em que país estou. Devo estar próximo do aeroporto ou de um porto,
caso tenham me trazido de navio. Em qualquer um dos dois, consigo informações que me
ajudem a descobrir o que aconteceu.

Paro um menino que me olha desconfiado.

– Ei, garoto, me diga uma coisa: qual é o nome desse país?

– Hã?

– O nome desse país, droga, qual é?

– Dartófolis.

– Dar... quê?

– Dartófolis.

– Dartófolis??? Mas, em que porcaria de lugar da Terra fica esse Dartófolis?

Ele me olha com uma cara engraçada.

– Terra? Terra??? – E desaparece no meio da multidão, se acabando em gargalhadas.


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O AUTOR

Juliano Martinz é escritor, redator publicitário, revisor e biógrafo.

Iniciou suas atividades literárias como cronista de jornais e revistas em 2005. No ano de
2009, criou o site Literatura Corrosiva onde até hoje compartilha seus textos (poemas,
crônicas, romances e outros artigos). Grande parte dos seus textos são voltados para
trabalho em sala de aula com alunos do ensino médio e fundamental.

Realiza trabalhos como redator publicitário para diversas empresas do país. E auxilia as
pessoas na produção das histórias de suas vidas.

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