Você está na página 1de 5

Universidade Federal Fluminense

Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – Ineac


Programa de Pós-Graduação em Justiça e Segurança
Disciplina: Teoria Antropológica Clássica
Discente: Fernanda de Souza Ribeiro
Semestre: 1º semestre de 2019
Professor: José Colaço Neto

Título da Resenha:

O primeiros passos do Culturalismo de Franz Boas

Resenha do texto:

FRANZ, Boas. As limitações do método comparativo da Antropologia.


(p.25-39). In CASTRO, Celso (Org). FRANZ, Boas. Antropologia
Cultural. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2005

“A Antropologia moderna descobriu o fato de que a sociedade humana cresceu e se


desenvolveu de tal maneira por toda a parte, que suas formas, opiniões e ações têm
muitos traços fundamentais em comum” (p.25). Assim que Franz Boas (1858-1942)
começa seu trabalho que foi apresentado no encontro da American for the Advancement
os Science em Buffalo, em 1896. Contextualizando, é importante saber que essa frase já
nos dá uma noção de por qual norte Boas começará sua fala: o desenvolvimento da
sociedade humana. Este assunto estava em voga naquela época no campo da
Antropologia, e trabalhada por pesquisadores, que hoje classificamos como
“evolucionistas”1. Eles também falavam sobre o desenvolvimento da sociedade humana,
mas a partir de um método diferente, o chamado “método comparativo” que é justamente
o método que Franz Boas irá pontuar críticas ao longo deste trabalho.

1
Alguns dos autores expoentes foram Lewis Henry Morgan e Edward Burnett Tylor; contudo, neste
trabalho em específico, Boas está tendo como alvo um pesquisador norte-americano chamado Daniel G.
Brinton, um grande evolucionista nos EUA, a quem ele inclusive cita durante o trabalho;

1
A ideia central que esta permeando a Antropologia naquele momento é de se
descobrir as origens da raça humana e como ela se desenvolveu uniformemente conforme
o tempo. A problemática de estudo destes autores era focada na origem histórica e
psíquica, e em como os povos foram evoluindo a partir desta origem. Neste texto, Boas
então revela que há agora uma mudança de tendência de abordagem de pesquisa que não
iria focar na busca das origens comuns da cultura, no singular, de todos os povos. Esta
“nova escola” iria buscar compreender os processos – e esta palavra será bastante
relevante para o método defendido por Boas, como veremos depois – que levaram os
povos a desenvolverem suas crenças, costumes, modos de viver, de modo independente,
sem a ideia de que tenha sido resultado de uma origem comum.

Boas diz que há duas questões, a partir da indagação científica, que precisam ser
respondidas: 1) quais são suas origens? 2) Como elas se afirmaram em várias culturas?
Neste ponto é possível notar que Boas usa a palavra “cultura” no plural, diferente dos
evolucionistas, que a utilizavam no singular, por acreditarem que existia uma única
cultura. Segundo o próprio Boas, a segunda questão é a mais simples de se responder:
existem causas externas – como o ambiente; e causas internas – como as causas
psicológicas e ambas causas influenciam no desenvolvimento cultural de cada povo.

Seja a forma como povos se relacionam entre si, assimilando de certos costumes
e a rejeitando outros; assim como há uma imposição cultural vinda de outros povos que
se achavam superiores aqueles povos2. A primeira questão, ao contrário, se mostra mais
complexa de se responder. Contudo, Boas critica novamente as generalizações que são
feitas e afirma que existem causas diferentes para um mesmo fenômeno acontecer, e não
que ele tenha uma causa em comum e nem que este mesmo desenvolvimento ocorrerá da
mesma maneira em todas as partes do mundo. A mente humana não pode ser
generalizada, sendo pensada também como tendo uma origem comum. Fenômenos
podem ser similares entre si, mas isto não significa que se eles forem comparados,
encontraremos esta origem única que explicaria estes fenômenos. Para Boas, esta é uma
falha argumentativa dentro do “novo método”3. Segundo o próprio Boas, até a análise
mais superficial mostraria que os fenômenos podem se desenvolver de formas distintas.
E durante todo o texto, Boas mantém sua argumentação criticando este método
comparativo utilizado pelos antropólogos evolucionistas, e isto tem uma motivação que

2
(p.28)
3
(p.30)

2
é visível neste texto que é de tentar estabelecer um método científico para a Antropologia,
que vá além dos materiais coletados e suposições feitas, que como o próprio Boas fala
que até uma simples análise pode refutar. O estabelecimento da Antropologia como uma
ciência era importante naquele momento e Franz Boas ajudou neste processo.

Boas se utiliza de variados exemplos para poder sustentar seu argumento de que
povos e tribos podem sim se desenvolverem de formas diferentes, e que as formas como
eles se comportam podem ter diversas causas. Um dos exemplos é sobre o uso da máscara,
que em alguns povos pode ser usada para enganar espíritos, enquanto para outros povos,
os usos das máscaras são comemorativos4. Isto, para o autor, basta para demonstrar que
um mesmo fenômeno pode se desenvolver a partir de diferentes fontes. Ele reforça que
não se pode comprovar que a existência e a ocorrência de um mesmo fenômeno tem uma
causa comum e que a mente humana segue as mesmas leis em todos os lugares5.

Isto vai levar ao argumento principal do autor de que buscar entender o


desenvolvimento das sociedades a partir das mesmas causas, a partir da mesma origem,
que todas as sociedades passaram por este mesmo grande sistema evolutivo, é
cientificamente duvidoso6 – o que era algo negativo para a Antropologia – pois ao se fazer
investigações mais focadas nos povos e em seus processos de desenvolvimento, é possível
perceber que o desenvolvimento de povos pode ter causas múltiplas. Isto, naquela época,
já se mostrava uma crítica bem consolidada e com o alvo nas teorias propostas pelos
evolucionistas.

Após reforçar bastante sua crítica ao método comparativo, Boas apresenta


argumentos importantes para defender um método que seria um outro caminho para se
fazer pesquisa, que é o chamado “método histórico da Antropologia”, em “que o objetivo
de nossa investigação é descobrir os processos pelos quais certos estágios culturais se
desenvolveram” (p.33). Para Franz Boas, este é um método muito mais seguro de se
produzir as futuras pesquisas antropológicas, sendo o estudo detalhado dos costumes de
cada povo um pré-requisito para se pensar estes costumes em relação a cultura total da
tribo.

4
(p.31)
5
(p.31)
6
(p.33)

3
O método proposto e defendido por Boas não se limitar a comparar apenas os
resultados dos desenvolvimentos das tribos, mas por exemplo, entender as conexões entre
estas tribos com outros que são geograficamente próximos e considerar as causas
históricas que levaram a formação de seus costumes e processos psicológicos7. Este
método tem como pretensão ser aplicado em territórios bem definidos e menores, que não
saia muito além dos limites da área cultural que está sendo estudada 8. Boas também
assinala que após a pesquisa dentro destes limites geográficos e culturais, estes limites
podem ser estendidos, mas com certo cuidado, para não cair na mesma ideia defendida
pelo o método comparativo, mas sim pensar sobre as formas que costumes podem ter sido
difundidas entre povos diferentes. Boas vai falar sobre como existe dados etnográficos e
arqueológicos que mostram que sempre existiu um intercâmbio entre tribos vizinhas, uma
difusão cultural, que alcançou áreas tanto pequenas quanto grandes territórios, como os
continentes9. Posteriormente, diversos autores começarão uma linha de pensamento
chamada “difusionista”, do qual o próprio Franz Boas também irá traçar suas críticas.
Falando sobre ambiente, Boas pontua ainda que o ambiente exerce limitados efeitos sobre
a cultura humana, não sendo ele um modelador da cultura10. Existem povos espalhados
pelo o mundo que estão sob as mesmas condições ambientais e que possuem costumes,
crenças, enfim, culturas diversas.

Boas vai dizer que o objeto de estudo do método histórico são as histórias das
diversas tribos. Ele irá defender isto argumentando que quando se conhece o processo
histórico pelo o qual a tribo passou, é possível então de esclarecer outras questões, como
a interferência do meio e das condições psicológicas, e isto é visto como uma forma de
progresso. E para Boas, este método se demonstra muito mais seguro, porque ao invés de
ser baseado em hipóteses sobre o desenvolvimento daquele povo e daquela cultura, se
terá a história real do que houve como a base das deduções que serão feitas 11. E me
utilizando de palavras do próprio Boas:

“(...) A grande e importante função do método histórico da antropologia


parece-nos residir, portanto, em sua habilidade para descobrir processos que,
em casos definidos, levam ao desenvolvimento de certos costumes. (...) deve

7
(p.33-34)
8
(p.34)
9
(p.36)
10
(p.35-36)
11
(p.37)

4
comparar os processos de desenvolvimento, que podem ser descobertos por
intermédio de estudo das culturas de pequenas áreas geográficas. (...). “ (p.38)

Este texto é um dos primeiros trabalhos do autor e é visível a influência que sua
experiência de campo entre os esquimós teve sobre sua visão de como pesquisar e
compreender os processos de desenvolvimento culturais em povos diferentes. A partir
deste pensamento e da proposta deste método, vários outros autores embarcaram no
método proposto por Franz Boas, que foi considerado como o “pai do culturalismo norte-
americano”, sendo o orientador de autores como Ruth Benedict e Margareth Mead, por
exemplo. O “culturalismo” começa a nascer a partir destas reflexões e propostas feitas
por Franz Boas. Até mesmo no Brasil, Boas teve seu efeito, com Gilberto Freyre.

Este é um trabalho pequeno, que foi lido durante um encontro de Antropologia


nos Estados Unidos, mas que é um texto de bastante importância para se entender quais
as críticas ao método atual daquela época e a pensar num novo método de se produzir
trabalhos antropológicos. O trabalho inteiro tem sua importância, mas a marcação de
Franz Boas ao expressar que existem “culturas” no plural ao invés de “cultura” no
singular já é um bom aperitivo do começo de uma disputa importante dentro da
Antropologia.

Referência Bibliográfica:

CASTRO, Celso (Org). FRANZ, Boas. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro. Jorge
Zahar, 2005

Você também pode gostar