Você está na página 1de 5

Universidade Federal Fluminense

Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – Ineac


Programa de Pós-Graduação em Justiça e Segurança – PPGJS/UFF
Disciplina: Representações e Práticas do Controle Social
Discente: Fernanda de Souza Ribeiro
Semestre: 1º semestre de 2019
Professores: Roberto Kant de Lima e Izabel Saenger Nuñez
Resenha da 13ª sessão da aula da disciplina “Representações e Práticas do Controle
Social”

Inquéritos, investigações e carimbos: os processos criminais em


perspectivas

Esta sessão, que foi a última sessão da disciplina, houve a apresentação e a


discussão de três textos1 e que a partir deles, houve um debate sobre cada texto e suas
possíveis e prováveis convergências.

O primeiro texto a ser apresentado foi o da autora Paula Vidal, que produziu
uma etnografia que descreve como funcionam as delegacias da Polícia Federal e como
seus atores interagem dentro da instituição. Dentre as diversas questões trazidas pela
autora, duas questões vejo que são importantes de serem ressaltadas: primeiro, como a
questão da burocracia e da tradição cartorial está presente nas instituições brasileiras; e
segundo, a diferença entre inquérito e a investigação policial – que vai se relacionar
com o trabalho desenvolvido pela Prof.ª Vivian Paes sobre como se procede a
investigação policial na França em perspectiva comparada com o Brasil.

Não ao acaso, o título do trabalho da Paula Vidal se chama “Os Donos do


Carimbo” e isto vai se clareando no decorrer da leitura do trabalho e na discussão do
texto relacionada com os demais textos da sessão. Esse título nos leva a refletir como a
sociedade brasileira lida com a burocracia, os papéis, assinaturas e carimbos. Como
existe uma tradição cartorial muito forte no Brasil e que os documentos escritos,
1
1) PAES, Vivian. Crimes, Procedimentos e Números: estudo sociológico sobre a gestão dos crimes
na França e no Brasil. Rio de janeiro: Garamond/FAPERJ, 2013. Introdução, cap. II, III, IV e
Conclusão.; 2) LIMA, Roberto Kant de; MOUZINHO, Glaucia. Produção e reprodução da tradição
inquisitorial no Brasil: entre delações e confissões premiadas. In: ______ Dilemas. Rio de Janeiro,
Vol 9, n. 3, set-dez 2016.; 3) VIDAL, Paula Lessa. Os Donos do Carimbo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2013

1
principalmente os que são produzidos por atores que possuem a fé pública, são
importantes. Isto, durante o debate feito na aula, se percebeu que não é algo exclusivo
das instituições policiais e nem do judiciário, mas das instituições brasileiras num geral.
Um grande exemplo disto é a própria Universidade, que produz muitos documentos,
como memorandos e ofícios, como também muitos processos que acabam se perdendo
dentro da própria instituição. Outros pesquisadores também estudam sobre essa
burocracia “à brasileira”, como foi citada a pesquisadora e Prof.ª Ana Paula Mendes de
Miranda, que tem uma vasta produção de trabalhos sobre o tema.

Continuando a falar sobre o trabalho da Paula Vidal, ela também relata em


vários momentos de seu texto como que a presença de autoridades se faz necessária para
dar continuidade ao trabalho de investigação. Um exemplo disto é a presença de juízes
durante a investigação do inquérito policial, pois vários dos procedimentos realizados
necessitam de autorizações do juiz. Uma parte interessante sobre este assunto e que
dialoga bastante com o trabalho da Prof.ª Vivian Paes é que, na França, quando ocorre
algum crimei, a polícia pode fazer sua apuração do caso, com o prazo de até seis meses
para conclusão, afim de descobrir o autor do ato. Caso não consiga identificar o autor ou
identifiquem de imediato, eles acionam um promotor que designa um juiz – o chamado
“juiz de instrução” – para dar início a investigação criminal preliminar do que houve. E
após quando esta investigação se torna um inquérito – que é diferente do inquérito
brasileiro – este já faz parte, formalmente, do processo judicial.

E no caso francês, o juiz de instrução, que acompanha a investigação, não será o


mesmo juiz que irá julgar o caso, diferente do que ocorre no Brasil, segundo relata
Vidal (2013) em seu texto. E pensando sobre isto, podemos lembrar de variados casos
no Brasil em que isto ocorre, mas o que por mim foi o mais lembrado ao ler os textos e
participar da discussão foi o caso da “Operação Lava Jato” em que o juiz Sérgio Moro
esteve participando ativamente do andamento das investigações, sendo que ele mesmo
julgaria os casos quando a investigação fosse direcionada ao judiciário.

Além disto, é interessante pensar que a comunicação feita entre as pessoas


dentro da instituição, inclusive dentro da própria delegacia, depende de um memorando,
de um ofício. Enfim, de um documento oficial para que alguma diligência seja feita. E
isto ocorre também na comunicação entre a polícia e o Ministério Público (MP), em que
quando um inquérito é instaurado, não somente vemos no trabalho da Paula Vidal, mas
como no próprio trabalho dos Profs. Roberto Kant e Glaucia Mouzinho, em que ocorre
2
o que se chama de “ping-pong” entre a polícia e o MP, com promotores pedindo mais
diligências à polícia, e dentro da polícia, o inquérito é passado entre mesas e mesas para
que essas demandas sejam realizadas e depois retornando ao MP, que pode pedir mais
diligências, e assim entra um grande ciclo em que o inquérito vai ganhando mais
páginas numeradas. Porém, tudo isso é feito através de um instrumento por escrito – o
inquérito policial –que possui as assinaturas e carimbos necessários. E que retorna a
pensarmos como o processo criminal brasileiro está em busca de achar a “verdade real
dos fatos”, como vimos em outros textos de demais sessões, e isto não representa uma
resolução dos conflitos, mas sim uma produção de mais processos cheios de papéis.

Isso se diferencia bastante da tradição norte-americana, assim como apontou o


Prof. Roberto Kant, em que os documentos escritos são apenas utilizados em momentos
específicos, como no caso do tribunal, e nos casos em que há acordos entre as partes, o
documento é descartado. Aqui no Brasil, nada do que é registrado é descartado. Ao
contrário, ele permanece dentro dos cartórios policiais, contendo informações sigilosas e
que possui fé pública. Um exemplo disto, a própria Paula Vidal narra durante seu
trabalhoii, que durante uma investigação, uma testemunha pode ser chamada a depor e
durante seu depoimento ela pode ser indiciada, e isto gera um registro e que fica no
sistema, e mesmo que não se torne efetivamente uma denúncia, fica na Folha de
Antecedentes Criminais (FAC) e isto posteriormente pode ser usado contra a pessoa, em
outro casoiii. Isto é um demonstrativo do caráter não apenas cartorial brasileiro como
também de como todo o processo criminal é inquisitorial, como chama a atenção os
Profs. Roberto Kant e Glaucia Mouzinho em seu artigo.

Como o processo criminal envolve vários membros, envolve o delegado com


supervisão do MP e do juiz, e como se dá esse inquérito policial, que deve ser lembrado
de que faz parte de um processo administrativo e não judicial, mas que assim como as
autoras Paula Vidal aponta em seu texto, possui este caráter inquisitorial.

“O inquérito policial é um procedimento administrativo, não judicial, e por


isso mesmo pode ter caráter explicitamente inquisitorial, isto é, registrar por
escrito, com fé pública, emprestada pelo cartório que a delegacia possui,
informações obtidas dos envolvidos sem que estes tenham conhecimento das
suspeitas contra eles. ”. (LIMA, R. K e MOUZINHO, G. M. p.513).

Ou seja, é um documento produzido, que tem caráter sigiloso, que possui fé


pública, mas não é público. Esta é a diferença entre o inquérito francês, que é descrito

3
no trabalho da Prof.ª Vivian Paes, e o inquérito brasileiro. A investigação pode ser
sigilosa, mas a partir do momento em que ela se torna um inquérito, o sujeito
investigado no inquérito deveria saber o que consta nele e isto não ocorre no Brasil. O
que está escrito não é passado para os sujeitos envolvidos, e assim como comentado
anteriormente, mesmo que o inquérito seja arquivado, as informações que constam nele
não desaparecem, diferente de como ocorre no caso dos EUA, como comentou o Prof.º
Kant. E se caso o Ministério Público decidir abrir a denúncia, inquérito fica entranhado
dentro do processo judicial, então ele começa a fazer parte do processo judicial. Isto
demonstra um grande paradoxo do próprio sistema e expõe uma prática que apenas
ocorre no Brasil, como aponta do Prof.º Kant.

Para concluir, os textos trabalhados nesta sessão nos mostraram os diversos


paradoxos que o sistema brasileiro possui e como é seu funcionamento. Cada sessão
estudada durante o curso apresentou diferentes textos com diferentes assuntos, mas que
agora, ao final, é interessante perceber como todos eles possuem ligações entre eles, e
que cada trabalho demonstra, de sua forma e contribuição, um melhor entendimento
sobre como funciona as instituições de controle no Brasil, desde a polícia até os
Supremos Tribunais. Também nos leva a analisar estas instituições em comparação com
instituições de demais países, desde países que compartilham de nossa tradição jurídica,
como a França, ou que possuem outra tradição, como os Estados Unidos.

Mas para entender o nosso próprio sistema e saber sobre o que criticar e como
fazer isto, é necessário conhecer desde a ação de um policial até como uma sentença é
produzida, e quais são as moralidades e relações que estão por trás disto.

Referências Bibliográficas

LIMA, Roberto Kant de; MOUZINHO, Glaucia. Produção e reprodução da tradição


inquisitorial no Brasil: entre delações e confissões premiadas. In: ______ Dilemas.
Rio de Janeiro, Vol 9, n. 3, set-dez 2016.
PAES, Vivian. Crimes, Procedimentos e Números: estudo sociológico sobre a gestão
dos crimes na França e no Brasil. Rio de janeiro: Garamond/FAPERJ, 2013.
Introdução, cap. II, III, IV e Conclusão.
VIDAL, Paula Lessa. Os Donos do Carimbo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013

4
i
Somente o que é considerado crime que se faz necessário convocar um “juiz de instrução”; nos casos de contravenção
e delito, apenas o promotor, que também é juiz, é chamado.
ii
“Capítulo 4: ‘Oitiva de Testemunhas em Sede Policial: Confusão com o que ainda não é processo! ‘ ” (VIDAL, 2013)
iii
(VIDAL, 2013. Pgs 82-83)

Você também pode gostar