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RESENHAS 155

UMA ANÁLISE DE PESQUISA EM CIÊNCIAS


HUMANAS E SOCIAIS

Areta Held PREVIATTI1


Eliana Maria OLIGURSKY1
Wania Cristina Tedeschi RAMPAZZO1
Vera Lúcia de Carvalho MACHADO2

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis: Vozes,


2006.

Este livro surgiu das experiências que O livro é recente, com publicação em
Chizzotti (2006) viveu no curso de Pós-Graduação, 2006. Apresenta uma linguagem objetiva, porém
observando a necessidade de orientações que carregada de elementos gramaticais e
os mestrandos tinham com relação às explicações complexas. O autor consegue
elaborações de tese ou de dissertação para transmitir ao leitor o entendimento necessário
mestrado. Houve participação dos docentes e sobre o que seja uma pesquisa, o que é ser
em especial dos alunos de doutorado em pesquisador, as concepções que orientam a
Educação da PUC-SP, entre outros visão de mundo do pesquisador, quais os
colaboradores. procedimentos de investigação do problema a
ser pesquisado, bem como as estratégias
Chizzotti divide o livro em partes, sendo a
adequadas para se desenvolver uma pesquisa
primeira com fundamentação histórica e filosófica
qualitativa.
sobre a pesquisa qualitativa, portanto teórica, e
a segunda com apresentação detalhada e mais Por um lado, concordamos com o autor
técnica de como pode ser feita uma pesquisa quando afirma que o livro é uma contribuição
qualitativa, ou seja, como se constrói uma valiosa e atual para os novos pesquisadores de
pesquisa qualitativa através de estratégias que o qualquer área do conhecimento. Por outro lado,
autor cuidadosamente descreve. Acrescenta uma discordamos quando diz que a obra não é um
bibliografia relevante, caso o leitor queira se manual de pesquisa. O livro é escrito e dividido de
aprofundar sobre o assunto. Ao final do livro, tal maneira que muitas vezes se apresenta como
encontra-se uma série de sítios da internet sobre um grande guia de como se aplicar uma pesquisa
pesquisa em ciências humanas e sociais. qualitativa nas suas diversas possibilidades.

1
Mestrandas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-CAMPINAS.
Campinas, SP. E-mails: <areta.hp@bol.com.br>; <elianamariamoreno@hotmail.com>; <lrampazzo@gmail.com>.
2
Doutorado em Educação pela UNICAMP. Docente, Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica
de Campinas – PUC-CAMPINAS. Campinas, SP. E-mail: <veramachado07@terra.com.br>.

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Uma crítica a este autor refere-se à dessas correntes citadas são contra a idéia de
dificuldade que os investigadores principiantes que o pesquisador pode e consegue ser neutro,
possam apresentar devido à escrita complexa do sendo um sujeito histórico, social e marcado por
autor, necessitando de maior esclarecimento de valores e ideologias.
conceituação e por isso é importante ter a
A metodologia empregada no
referência bibliográfica ao final de cada assunto,
desenvolvimento da pesquisa é abordada por
para que haja uma incursão do investigador para
Chizzotti (2006) com enfoque qualitativo, mas
esclarecer suas dúvidas em outras obras.
não deixa de fazer uma abordagem às pesquisas
Ressalte-se, ainda, a discussão filosófica de caráter quantitativo, muito utilizadas nas
desenvolvida pelo autor sobre o surgimento ciências naturais baseadas em dados
histórico da pesquisa qualitativa, destacando mensuráveis. O autor defende a pesquisa
alguns filósofos importantes e os cinco grandes qualitativa, porém não considera inválida uma
marcos históricos, que promoveram mudanças pesquisa quantitativa. Esclarece que o que faz
socioculturais na maneira de refletir sobre as uma pesquisa ser qualitativa é o tratamento de se
coisas, os seres e os objetos. analisar significativamente os dados coletados,
não deixando de atender ao rigor e à objetividade
Nesse contexto, faz um breve histórico do
que uma pesquisa exige.
cenário mundial do desenvolvimento científico a
partir dos séculos XVII e XVIII, com a Revolução Atualmente, a tendência que os
Inglesa (1688), a Revolução Francesa, (1789) - pesquisadores adotam é a pesquisa qualitativa,
conseqüentemente a revolução industrial com a cuja metodologia permite uma maior reflexão
consolidação do capitalismo -, até o século XX, sobre os dados e vem atendendo vários
em que se apresentam os grandes marcos com segmentos de áreas de conhecimento não só da
datas não muito precisas, mas que situam a educação.
pesquisa qualitativa dentro da evolução histórica De acordo com Chizotti, percebe-se o
da sociedade, focando as necessidades de cada crescente uso da etnografia em diferentes áreas
época. de pesquisa, tendo em vista o pressuposto
Os conceitos de objetividade, validade, fundamental: através da interação direta com as
fidedignidade e rigor da pesquisa científica vão pessoas na vida cotidiana, auxilia na
sendo transformados à medida que se começa a compreensão de suas concepções, práticas,
repensar a finalidade da pesquisa qualitativa. O motivações, comportamentos e procedimentos.
movimento passa da corrente filosófica empirista, O texto traz uma visão sócio-histórica da
idealista, positivista, historicista até a dialética, etnografia, ressalta o seu significado como sendo
que é o movimento que a corrente filosófica uma descrição das crenças, magias, artefatos e
marxista preconiza. da organização social de um determinado grupo
Chizzotti destaca a importância da ou comunidade. A etnografia, no entanto,
fundamentação teórica (epistemologia) na consolida-se como a descrição do conhecimento
pesquisa qualitativa, pois esta se encaixa em cultural do meio em que estão os informantes,
qualquer corrente ideológica, seja ela positivista, pela observação e significados atribuídos às
marxista, fenomenológica, construtivista, suas ações e práticas.
historicista ou outras. Por isso, o processo de Enfatizamos que, por meio das técnicas
investigação precisa ser neutro, mesmo sabendo- etnográficas de observação participante e de
se que o pesquisador pertence a um grupo entrevistas, é possível documentar o não
social, a um contexto histórico, político e documentado, isto é, desvelar os encontros e
econômico da sociedade que determinam uma desencontros que permeiam o dia a dia, descrever
visão de mundo. Podemos perceber aí uma certa as ações e representações de seus atores sociais,
contradição do autor, pois sabemos que muitas reconstruir sua linguagem, suas formas de

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comunicação e os significados que são criados realização: pesquisa para a ação e pesquisa pela
e recriados. ação.
Chizzotti faz uma exposição didática, Como assinala Chizzotti, história de vida
reunindo as pesquisas ativas em dois títulos: é o relato de uma experiência significativa
pesquisa-ação e pesquisa participativa. As vivenciada por um indivíduo ou um grupo colhido
pesquisas ativas possuem sentidos pelo investigador de forma oral ou por escrito, o
extremamente variados, com tipos e objetivos qual ainda pode recorrer a outras fontes que
específicos. Apresentam, entretanto, uma raiz tenham relação à história para complementar a
comum com significativas diferenças científicas pesquisa.
e sociopolíticas.
A biografia é uma maneira de relatar a vida
A expressão pesquisa-ação não é nova no de um indivíduo, narrada por outra pessoa.
cenário das Ciências Sociais. Ela foi usada pela Normalmente, é escrita a partir de documentos e
primeira vez por Kurt Lewin (1947). Os princípios hipóteses. Acreditamos que a biografia, muitas
da pesquisa-ação pressupõem diversas fases vezes, é repleta de especulações.
espirais reiteradas de análise, pesquisa de fatos,
Quando uma biografia é escrita pelo próprio
conceituação, elaboração de planos de ação,
sujeito, é denominada de autobiografia.
realização desses planos, seguida de avaliação.
Concordamos com Chizzotti, quando afirma que
O texto mostra que a década de 50 marcou nesse tipo de relato o autor pode eleger os fatos
o florescimento desse tipo de pesquisa nos dois que quiser, ocultar verdades, distorcer situações.
hemisférios, embora com ênfases diferentes. No Assim, ela poder ser considerada uma fonte
Sul, vinculada aos movimentos sociais populares, tendenciosa e, muitas vezes, perder sua
e no Norte, como forma psicanalítica, decorrente credibilidade e autenticidade.
da Segunda Guerra Mundial.
Para explicar a história oral o autor recorre
No entanto, nos anos 70, a pesquisa-ação à definição de memória. Essa análise vem
ingressa em ciências sociais como um novo recuperar as lembranças do grupo, e muitas
paradigma que reformula o conceito de mudança vezes sua descrição é voltada mais para a
e que contesta os fundamentos da pesquisa subjetividade dos indivíduos do que para o fato
tradicional e torna-se um meio de ultrapassar as em si.
muralhas que separam a pesquisa acadêmica
Ressaltamos a importância dada no texto
dos problemas reais da sociedade, superando a às condições metodológicas ao se trabalhar com
característica positivista da “ciência pura”. vidas humanas, diante de suas instabilidades,
O autor apresenta a pesquisa participativa fluências e imprevisibilidades. São descritas
como um meio de mudança efetiva para a qual os algumas alternativas, inclusive, para utilizar-se o
sujeitos devem elaborar e trabalhar uma estratégia método bibliográfico.
de mudança social. Complementa que a pesquisa Em relação à análise de conteúdo, análise
assim compreendida constitui-se como uma de narrativa e análise do discurso Chizzotti,
prática social, com o objetivo de modificar as afirma que são documentos de qualquer natureza
circunstâncias, cabendo ao pesquisador transformados em textos para serem analisados.
profissional o papel de animador do intercâmbio Já o estudo de caso envolve um indivíduo ou
de informações e de gerador de um novo algumas pessoas inseridas em um contexto
conhecimento para melhorar uma situação dada. real. Destacamos a crítica que o autor faz a esse
tipo de pesquisa, na qual afirma que o estudo de
Pode-se acrescentar, também, que nesse caso não tem uma amostra que possa oferecer
tipo de pesquisa distinguem-se dois tipos de base para generalizações, devido a seus
práticas decorrentes de seus objetivos, resultados serem fechados, específicos e
possibilidades efetivas e meios para sua restritos.

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Essas análises pretendem, ao retirar do passo como proceder na pesquisa. Nesses


texto os elementos para compreendê-los, garantir momentos a estrutura do texto é em forma de
a imparcialidade objetiva. Sabemos, contudo, itens, elencando as seqüências a serem seguidas,
que a simples ação do investigador, em retirar como um autêntico manual. Dessa forma, não
certos elementos em detrimento de outros, não deixa de ser um grande auxiliar para os que
é uma atitude imparcial, mas guiada pelo seu começam cursos de pós-graduação.
olhar, que é imbuído de pré-conceitos, valores,
ideologias e anseios. Por fim, é importante destacar que a
classificação apresentada pelo autor não é
Concordamos com o autor, quando afirma consensual pelos pesquisadores que abordam
que essas análises precisam ser interpretadas essa metodologia, havendo diferenças nas
em um contexto histórico, social, cultural e análises e nomenclaturas propostas por outros
político. autores.
Concluímos que no livro podemos ver dois
tipos de abordagens: epistemológicas -
resgatando concepções filosóficas e teóricas -, e Recebido em 22/8/2007 e aceito para publica-
abordagens mais técnicas - definindo passo a ção em 12/9/2007.

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