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Meditações Metafísicas - Descartes

Meditação primeira: das coisas que se podem colocar em dúvida


[1] Há já algum tempo me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera grande
quantidade de falsas opiniões como verdadeiras e que o que depois fundei sobre os
princípios tão mal assegurados só podia ser muito duvidoso e incerto¹; de forma que me era
preciso empreender seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões
que até então aceitara em minha crença e começar tudo de novo desde os fundamentos, se
quisesse estabelecer algo firme e constante nas ciências.

A primeira coisa que Descartes faz é adotar uma postura cética, que joga fora tudo o que
ele conhecia até então. Descartes vem de um colégio jesuíta, tem uma educação
aristotélica, e ele percebe que com as ideias de Galileu, esses conceitos aristotélicos que
ele havia aprendido até então eram em grande medida falsos. Isso não quer dizer que
Descartes não tenha, de fato, uma grande influência do pensamento aristotélico e medieval,
com uma influência muito direta, por exemplo, de Santo Agostinho. Mas, para o que diz
respeito a esse projeto de fundamentação da ciência, Descartes procura mesmo abandonar
as ideias aristotélicas.
Descartes quer dizer que, devemos revisar nossa mente de todos os conhecimentos que
adquirimos durante a vida, se é que a gente quer encontrar algo de certo nas ciências. E
para isso, o procedimento que ele vai adotar, é o de esvaziar nossa mente de todos esses
conhecimentos tentando chegar a um conhecimento sólido que possa ser colocado de volta
a nossa mente. Quer dizer, é preciso revisar um por um antes de colocá-los de volta.
A questão é: como fazemos o procedimento de esvaziar a mente?

[2] Agora, pois, que meu espírito (mente) está livre de todos os cuidados (independente), e
que me proporcionei um repouso assegurado numa aprazível solidão, aplicar-me-ei
seriamente e com liberdade a destruir em geral todas minhas antigas opiniões². Ora, não
será necessário, para atingir esse desígnio, provar que são todas falsas (analisar uma por
uma), o quê talvez nunca levasse a cabo; mas, visto que a razão já me persuade de que
não devo menos cuidadosamente impedir-me de crer nas coisas que não são inteiramente
certas e indubitáveis do que naquelas que nos parecem manifestamente ser falsas, o menor
motivo de dúvida que aí encontrar bastará para fazer-me rejeitar todas. E para tanto não è
preciso que eu examine cada uma em particular, o que seria um' trabalho infinito; mas,
porque a ruína dos fundamentos arrasta necessariamente consigo todo o resto do edifício,
abordarei de início os princípios sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam
apoiadas³.

O que ele vai fazer aqui, é elencar três candidatos a fontes seguras do conhecimento, e ir,
sucessivamente, mostrando que elas são inadequadas. O primeiro deles, são os dados dos
sentidos, aquilo que nós percebemos com nossos 5 sentidos. Será que aquilo que vejo, por
exemplo, pode ser fonte de conhecimento seguro? como queriam os empiristas. Isso é
importante porque a física é uma ciência que depende muito dos dados dos sentidos para
fazer suas observações e seus experimentos.
[3] Tudo o que recebi até o presente como mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos
ou pelos sentidos; ora, algumas vezes experimentei que tais sentidos eram enganadores, e
é de prudência jamais confiar inteiramente naqueles que uma vez nos enganaram⁴.

O primeiro contra-argumento para derrubar o primeiro candidato, é que justamente, os


sentidos nos enganam às vezes; e nós não podemos confiar sempre naqueles que uma vez
nos enganaram. Ex.: Quem é míope sabe bem como é enxergar (ou não enxergar) sem os
óculos, você olha para o outro lado da rua e pensa que a pessoa que você está vendo é
bonita, você se interessa, mas ao pôr os óculos você percebe que não é bem assim.

[4] Mas, ainda que os sentidos nos enganem algumas vezes no tocante às coisas poucos
sensíveis e muito distantes, talvez se encontrem muitas outras, das quais não se pode
razoavelmente duvidar, conquanto às conheçamos por meio deles: por exemplo, que estou
aqui, sentado perto do fogo, vestido com um roupão, com este papel entre as mãos, e
outras coisas dessa natureza.

Será que eu posso negar que estou aqui onde estou agora? A realidade não é essa?

E assim chegamos a 2° ideia de candidato de conhecimento confiável, a ideia de que estou


aqui. No restante deste quarto parágrafo, ele diz ‘bom, como eu poderia negar que essas
mãos são minhas?’ Ou seja, meus sentidos podem me enganar no que diz respeito a
objetos muito distantes, muito pequenos. Mas, como eu poderia negar que objetos de
tamanho médio, como o que está ao meu redor, que consigo enxergar sem auxílio de muita
tecnologia, existem? Bom, ele diz: louco, eu não sou. Mas aí vem um segundo momento
que podemos pensar, que não é uma hipótese tão extravagante, que é a de que podemos
estar sonhando.

[5] Quantas vezes ocorreu-me sonhar, durante a noite, que estava neste lugar, que estava
vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse inteiramente nu dentro de meu leito?

O segundo contra-argumento: podemos estar sonhando. Esse argumento é uma forma de


derrubar o segundo candidato, será que é possível ter certeza de que não estamos
sonhando nesse momento? Esse é o ponto.

Brevemente os próximos parágrafos:


Descartes começa a tentar encontrar o terceiro candidato, quem será que pode ser essa
fonte de certeza que seria imune ao argumento do sonho quanto a primeira ideia que os
sentidos nos enganam? Será que existe uma coisa que seja comum, uma fonte de
conhecimento comum à vigília e ao sonho? Será que essas criaturas de ficção que a gente
imagina não tem nada em comum com a realidade?
Por mais que as pessoas consigam imaginar seres fantasiosos, criaturas de ficção,
alienígenas, sempre há uma mistura de coisas que já conhecemos, talvez haja um fio
condutor, algumas propriedades que a gente consiga encontrar nessas representações,
quer a gente esteja dormindo, quer a gente esteja acordado, formas, cores, e é claro,
números. Descartes está colocando a possibilidade de que algumas ciências lidem com
objetos mais gerais que outras. Por exemplo, a medicina, astronomia, física, talvez
dependam de consideração de coisas compostas, que são muito incertas; mas a aritmética,
geometria e outras ciências só tratam de coisas muito simples e muito gerais, e por isso,
talvez, “quer que esteja acordado, quer esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o
número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados; e não parece possível que
verdades tão patentes possam ser suspeitas de algumas falsidades ou incerteza.”

E assim, chegamos ao terceiro candidato, as verdades matemáticas. Talvez elas sejam


verdadeiras, quer estejamos sonhando, quer estejamos acordados. 2+2=4, isso não deixa
de ser mesmo quando dormimos. O contra-argumento que vai questionar a possibilidade
das verdades matemáticas serem o fundamento de todo o conhecimento, é o argumento do
gênio maligno.

12. Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas
certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda
a sua indústria em enganar-me (...)

É importante conceber o gênio maligno como uma figura temporária e hipotética. É uma
hipótese que está vigente temporariamente, enquanto ele não conseguir ser derrubado -
que só vai acontecer quando Descartes for provar a existência de Deus na terceira
meditação - enquanto ele estiver vigente, enquanto hipótese, ele tem que colocar tudo em
dúvida. Esse é um momento chamado de dúvida hiperbólica, dúvida exagerada. Enquanto o
sonho ainda era tolerável (dúvida metódica, como posso ter certeza de que estou vivendo é
real?), uma dúvida que a maioria das pessoas ainda possam ter de vez em quando, o
argumento do gênio maligno coloca a dúvida em um estágio que já se torna radical. Cada
vez que eu vou pensar quanto é 2+2 eu chego no resultado 4, mas na verdade isso quem
está fazendo é o gênio maligno, que está me induzindo a pensar que 2+2 é 4 enquanto 2+2
é alguma outra coisa que eu não tenho acesso. Perceba que essa objeção é importante
porque a resposta poderia ser qualquer coisa. É nesse cenário desolado, uma terra
arrasada epistemológica que Descartes termina a primeira meditação, ele deixa bem claro
que esse tipo de dúvida é uma situação não natural, penosa, laboriosa, que nos coloca em
um certo desconforto em relação a nossa própria existência. Porém, esse desconforto é
temporário, visto que ele não é um cético genuíno, o seu projeto vai ser de fundamentar seu
conhecimento em bases sólidas, isso ele vai conseguir a partir do estabelecimento da
primeira certeza, que ele faz logo no início da primeira meditação.

● Se é uma certeza absoluta, duvidando ela deve ser indestrutível. Dúvida é uma arma
para derrubar certezas que ninguém havia imaginado antes.

A perfeição não pode existir sem a existência, a existência não pode ser separada da
perfeição. Perfeição e Deus são sinônimos. Existir é melhor que não existir, portanto, existir
faz parte da perfeição.

Meditação segunda: Da natureza do espírito humano; e de como ele é mais fácil de


conhecer do que o corpo
Temos que supor, portanto, que nada disso existe, tudo ao meu redor, tudo é uma ilusão
criada pelo gênio maligno para me enganar. Talvez eu seja a única coisa que existe no
mundo, e não estou aqui, mas em algum outro lugar.[4] ‘A proposição, eu sou, eu existo, é
necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu
espírito’. O gênio maligno pode nos enganar, e tudo que eu penso pode ser falso, mas ele
não pode nos fazer pensar que eu não existo. Portanto, eu sou, eu existo, é verdadeira toda
vez que a enuncio. Na meditação anterior, Descartes tentou jogar fora tudo o que ele
conhecia até então. Mas esse processo, apesar de ser um processo cético, ou seja, aquilo
que duvida ou coloca em questão o conhecimento, não era um ceticismo genuíno. E não
era pois estava a serviço de um projeto que é fundacionista. O fundacionismo é aquela
posição filosófica segundo a qual é possível e desejável fundamentar o conhecimento em
bases sólidas. Descartes, sendo um geômetra, se inspirou no método axiomático proposto
por Euclides nos elementos nos primeiros tratados de geometria conhecidos. O método
axiomático consiste em demonstrar verdades e certas proposições, chamadas teoremas, a
partir das verdades de proposições mais elementares. Aquelas coisas que aceitamos quase
sem duvidar, ou seja, são autoevidentes, em algum sentido. Se na primeira meditação
Descartes levantou três candidatos a fonte segura de conhecimento, com intuito de chegar
em algum fundamento sólido, aqui é o momento em que ele acaba de encontrar o primeiro
desses axiomas.
Primeira certeza: “eu sou, eu existo” é verdadeira toda vez que a enuncio.
Mas, se é certo que existo, o que é isso que eu sou? É nesse ponto que Descartes injeta
um pressuposto metafísico, que há duas substâncias, dois tipos de coisas no mundo: as
coisas materiais e as coisas pensantes. Esse é chamado dualismo cartesiano. É muito forte
dizer que as mentes são coisas, no mesmo sentido dos corpos materiais. Estamos dizendo
que a mente é um componente da realidade, a mente é uma coisa que existe no mundo. Se
tivéssemos que fazer um inventário do que existe no mundo, seria necessário colocar a
mente, ou pelo, uma mente.

[9] Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? É uma
coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina
também e que sente.

Chegamos, assim, na segunda certeza: sou uma coisa pensante. Mas para chegar no
estabelecimento da terceira certeza de que a mente é mais fácil de conhecer que o corpo,
Descartes vai usar um exemplo estranho.

[11] Tomemos, por exemplo, este pedaço de cera que acaba de ser tirado da colmeia: ele
não perdeu ainda a doçura do mel que continha, retém ainda algo do odor das flores de que
foi recolhido; sua cor, sua figura, sua grandeza, são patentes; é duro, é frio, tocamo-lo e, se
nele batermos, produzirá algum som. Enfim, todas as coisas que podem distintamente fazer
conhecer um corpo encontram-se neste.

[12] Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o que nele restava de sabor
exala-se, o odor se esvai, sua cor se modifica, sua figura se altera, sua grandeza aumenta,
ele torna-se líquido, esquenta-se, mal o podemos tocar e, embora nele batamos, nenhum
som produzirá.

O ponto desse exemplo, é indagar como nós sabemos que aquele pedaço de cera que
estava antes do derretimento é o mesmo que estava depois do derretimento, o que garante
essa relação de constância e identidade para esse objeto? Afinal de contas, se eu me
guiasse apenas pelas propriedades sensoriais, eu teria que dizer que se tratam de dois
objetos diferentes, a cera antes do derretimento era diferente da de depois do derretimento.
Descartes, então, conclui que a forma como eu concebo o que se trata do mesmo objeto,
não deve passar pelos sentidos, mas sim pela mente. O exemplo dado por Descartes pode
parecer estranho, e a análise que ele faz do mesmo pode parecer mais ainda. O que ele
quer dizer é que temos uma concepção da cera antes com a nossa mente, do que com os
nossos sentidos. A nossa mente, portanto, enxerga de alguma maneira a cera antes que os
nossos sentidos, ou de uma maneira mais mediata. Por isso, o espírito é mais fácil de
conhecer do que o corpo. Descartes termina essa segunda meditação com muito mais
tranquilidade. A primeira certeza, também é conhecida como “cogito, ergo sum”, ela
aparece no discurso do método, e nos princípios da filosofia, de Descartes. E a gente
considera a formulação das meditações, mais precisa e mais interessante. Outra coisa
sobre o dualismo cartesiano, como é possível Descartes concluir que é uma mente, sendo
que eu poderia ser um corpo, de onde vem essa possibilidade de ser uma mente? Isso que
eu chamo de mente pode ser produto da ação de algum corpo. Essa possibilidade de que
eu poderia ser uma mente sem ter um corpo, caiu por terra na filosofia recente, embora
ainda tenha gente que se diga dualista. A terceira certeza é bastante controversa, do ponto
de vista do que Descartes está querendo mostrar com esse exemplo, e é estranho dizer que
a gente concebe um objeto antes com nossa mente, do que com os nossos sentidos. Mas é
exatamente isso que ele quer defender. Nesse ponto, é importante lembrar que o projeto de
Descartes é racionalista, ou seja, ele defende a ideia de que a razão é, em última instância,
a fonte de conhecimento confiável, e por isso, até o conhecimento que eu teria dos objetos,
da empiria, esse conhecimento é ele próprio mediado pela razão ou pela mente.

Meditação terceira: De Deus: que ele existe


Esta é a meditação na qual Descartes prova a existência de Deus, rompendo, assim, com o
solipsismo estabelecido no fim da Meditação l.
Necessidade da introspecção
Nesse ponto do itinerário meditativo, Descartes, ainda que tenha descoberto o cogito,
encontra-se encarcerado no interior deste eu puro, isto é, nada pode saber sobre outras
existências (solipsismo):

[1] Fecharei agora os olhos, tamparei meus ouvidos, desviar-me-ei de todos os meus
sentidos, apagarei mesmo de meu pensamento todas as imagens de coisas corporais, ou,
ao menos, uma vez que mal se pode fazê-lo, reputá-las-ei como vãs e como falsas; e
assim, entretendo-me apenas comigo mesmo e considerando meu interior, empreenderei
tornar-me pouco a pouco mais conhecido e mais familiar a mim mesmo.

Dado que a dúvida radical, extrema, da primeira meditação, levou a negar assentimento à
existência de todos os outros objetos, outras mentes para além de si mesmo, Descartes
agora é obrigado a interiorizar a investigação. Então, ele vai olhar para dentro de si mesmo,
inspecionando-se mais a fundo no âmbito da própria mente, tendo em vista encontrar uma
primeira verdade. Por que uma necessidade? Porque se a verdade não está lá fora, porque
tudo nesse momento está em dúvida, poderia encontrar essa verdade apenas em mim
mesmo. Nesse sentido, já foi descoberto no processo meditativo que eu existo, e que sou
coisa que pensa, ou seja, coisa pensante, porém, ainda estou preso dentro do meu próprio
eu - e a saída desta prisão do cogito será encontrada no meu pensamento, nas operações
da minha mente.

Até o presente momento temos estes ganhos das meditações:


1) Eu sou alguma coisa;
2) Eu sou coisa pensante (descoberta de uma substância);
3) Eu quero, eu amo, eu nego (os modos da substância pensante);
4) O intelecto/razão que percebe certamente as coisas;
5) A coisa pensante é mais clara e distinta que o eu empírico.

O critério de certeza
Descartes quer descobrir o critério que leva ao conhecimento certo das coisas. Ele já
descobriu a verdade do cogito, mas qual é o parâmetro/critério para esta verdade?

[2] Estou certo de que sou uma coisa pensante; mas não saberei também, portanto, o que é
requerido para me tornar certo de alguma coisa? Nesse primeiro conhecimento só se
encontra uma clara e distinta percepção daquilo que conheço; a qual, na verdade, não seria
suficiente para me assegurar de que é verdadeira se em algum momento pudesse
acontecer que uma coisa que eu concebesse tão clara e distintamente se verificasse falsa.

Então, de agora em diante, o critério de verdade para Descartes será a clareza e a


distinção, tudo aquilo que é aprendido pela mente de modo claro e distinto, assim como a
própria existência é aprendida naquele ato intuitivo, resultado da dúvida hiperbólica,
permitida pelo gênio.
A regra da verdade / critério de verdade:

[2] E, portanto, parece-me que já posso estabelecer como regra geral que todas as coisas
que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras.

Nesse sentido, Descartes não descobre só a própria existência, como agora ele pode valer
de um critério para identificar outros conhecimentos.
O que ele descobre, então, é um critério que baseia a verdade em uma instância subjetiva:
a certeza volta-se para o próprio eu - porque ele precisa realizar essa investigação no
interior da própria mente.

O retorno às meditações l e ll
De posse de um critério de certeza, Descartes retorna às meditações anteriores para
reconsiderar aqueles conhecimentos perdidos no processo da dúvida.
Descartou-se a existência do mundo externo como algo duvidoso. Contudo, enquanto
ideias, as coisas estão no interior da mente, e isto é certo:

[3] Ora, o que é que eu concebia clara e distintamente nelas? Certamente nada mais exceto
que as ideias ou os pensamentos dessas coisas se apresentavam a meu espírito. E ainda
agora não nego que essas ideias se encontrem em mim.

A mente, portanto, pensa em algo, e isso não pode ser falso. A ideia enquanto ideia é
verdadeira (o pensamento enquanto faz referência apenas de si próprio).
Ex.: se temos em nossas mentes imagens de um céu (ideia que representa algo), nada nos
indica até agora que elas são verdadeiras enquanto dizem respeito a algo exterior. Não
podemos duvidar, no entanto, que pensamos essas imagens, e que por isso, as ideias são
verdadeiras.
A partir do critério de evidência, Descartes se sente apto a enfrentar o enganador, mesmo
essa divindade pode enganar quando ele percebe clara e distintamente.

[4] E, ao contrário, todas as vezes que me volto para as coisas que penso conceber mui
claramente sou de tal maneira persuadido delas que sou levado, por mim mesmo, a estas
palavras: engane-me quem puder, ainda assim jamais poderá fazer que eu nada seja
enquanto eu pensar que sou algo; ou que algum dia seja verdade que eu não tenha jamais
existido, sendo verdade agora que eu existo; ou então que dois e três juntos façam mais ou
menos do que cinco, ou coisas semelhantes, que vejo claramente não poderem ser de outra
maneira senão como as concebo.

Há um Deus?
Descartes utilizou a noção de Deus para prosseguir com o itinerário meditativo, sem
contudo, saber se ele (Deus) existe ou não:

[5] A razão de duvidar que depende somente desta opinião é bem frágil e, por assim dizer,
metafísica. Mas, a fim de poder afastá-la inteiramente, devo examinar se há um Deus, tão
logo a ocasião se apresente; e, se achar que existe um, devo também examinar se ele pode
ser enganador: pois, sem o conhecimento dessas duas verdades, não vejo como possa
jamais estar certo de coisa alguma.

A verdade não pode ser pontual - pontuais no sentido de apenas enquanto eu percebo clara
e distintamente elas são verdadeira
Descartes quer estabelecer algo de firme e constante nas ciências. Para isso, ele não pode
se contentar com verdades que seriam apenas pontualmente certas, mas exige verdades
eternas. Para alcançar essas verdades, é preciso primeiro investigar a hipótese da
existência de Deus, para em seguida investigar se Ele é ou não enganador. Por isso, o
filósofo começará por investigar o pensamento, a fim de encontrar alguma ligação entre as
ideias de Deus (6° até 31°). Assim que eu paro de pensar no meu eu puro, ele pode parar
de ser verdadeiro.
- A verdade, nesse momento do itinerário, é pontual, ela não é eterna e é verdade
apenas enquanto percebida clara e distintamente, daí a necessidade de Deus, é
Deus que vai garantir que essas verdades continuam a ser verdadeiras, mesmo
quando não estou percebendo clara e distintamente.

6 - Classificação dos pensamentos


1° Tipo: as ideias, que são "como" imagens (caracterizam-se pelo aspecto representativo,
isto é, são imagens de algo);
2° Tipo: as vontades, que são os desejos ou aversões;
3° Tipo: as afecções, que são representações sentidas e não dependentes da vontade,
como o medo e esperança por exemplo;
4° Tipo: os juízos, que são as afirmações ou negações (não são semelhantes a nada, isto é,
não correspondem).

Em qual desses tipos de pensamento Descartes poderá encontrar a verdade, isto é, um


ponto de apoio para fugir ao solipsismo, escapar à subjetividade do pensamento?
Nas ideias, com efeito, são como imagens de algo, que parecem corresponder a algo fora.
7 - As ideias
Descartes realiza uma separação que o guiará no decorrer de toda a obra, a distinção entre
a ideia enquanto modo do pensamento (realidade no interior do cogito) e a ideia
enquanto índice de remissão ao externo (enquanto referente a algo exterior).

[7] Agora, no que se refere às ideias, se consideradas em si mesmas e não referidas às


coisas a que se reportam, não podem ser propriamente falsas. Pois, quer imagine uma
cabra ou uma quimera, não é menos verdadeiro que imagino tanto quanto uma quanto a
outra.

Como forma de pensamento, as ideias não podem ser falsas, elas só são falsas quando
remetem a algo do mundo externo.

10 - A classificação das ideias


A classificação das ideias é:
1° Tipo: as ideias inatas, que parecem ter nascido conosco;

2° Tipo: as ideias adventícias, que parecem ter vindo do exterior;


1° argumento: involuntariedade/crença natural
2° argumento: faculdade desconhecida produtora das ideias adventícias
3° argumento: a semelhança entre ideia e objeto
Esses são os três argumentos que Descartes encontra para mostrar que não é possível
fugir da prisão do cogito a partir das ideias adventícias.

3° Tipo: as ideias factícias, que parecem ter sido feitas por nós.

Doravante Descartes se ocupará com o estudo das ideias. É por meio da investigação das
ideias que o filósofo encontrará um meio de escapar ao solipsismo.

[15] Tudo isso demonstra suficientemente que não foi a partir de um juízo certo que
somente por algum impulso cego, que até agora acreditei na existência de coisas diversas
de mim, as quais, por intermédio dos órgãos dos sentidos ou por um outro modo qualquer,
enviavam suas ideias ou imagens para dentro de mim e ali imprimiam suas similitudes"
(2004, pp. 79-81).

16 - Uma nova via de investigação

Toda ideia da mente possui uma realidade enquanto modo do ser pensante (realidade da
ideia enquanto faz referência somente ao cogito) e uma realidade objetiva (realidade da
ideia enquanto índice de remissão).
Enquanto modos do ser pensante, não há hierarquia:

[16] Na medida em que essas ideias são somente modos de pensar, não reconheço
nenhuma desigualdade entre elas, já que todas parecem proceder de mim pelo mesmo
modo.
Hierarquia das ideias
1° Ideia de substância infinita: substância é o que existe por si. A substância infinita de
Deus.
2° Ideia de substância finita: substância é o que existe por si. As substâncias finitas são a
extensão e o pensamento, res extensa e res cogitans.
3ª Ideia de modo: o modo é um atributo que não pode ser separado da substância finita,
pois é necessário.
4ª Ideia de acidente: o acidente, ao contrário, é separável, pois não é necessário.

● A realidade atual/formal é a realidade das coisas que existem fora da mente.


● A realidade objetiva é a realidade da ideia enquanto representa o objeto externo.
● A realidade atual/formal possui mais realidade que a realidade objetiva (que é um
mero "retrato mental" da realidade atual / formal).

Descartes pretende encontrar a realidade externa (algo para além da própria mente) a partir
da realidade objetiva na ideia, isto é, daquilo que a ideia representa. É possível chegar ao
externo por meio das ideias, visto que toda realidade objetiva (a representação) remete a
uma realidade formal/atual (objeto).

17 - Teoria da causalidade
Há uma relação de causalidade entre a realidade atual e a formal e a realidade objetiva: a
imagem representada pela ideia possui uma causa. Uma imagem mental não pode provir do
nada, tem de possuir uma realidade atual/formal atrás de si (que a cause):

[17] Agora, é coisa manifesta pela luz natural que deve haver ao menos tanta realidade na
causa eficiente e total quanto no seu efeito: pois de onde é que o efeito pode tirar sua
realidade senão de sua causa? E como poderia esta causa lhe comunicar se não a tivesse
em si mesma?

18 - Teoria da perfeição
Do mesmo modo que um efeito não pode provir do nada, na causa deve haver tanto a
realidade quanto o efeito (é impossível que o efeito possua mais graus de ser que sua
causa).
A causa tem no mínimo de possuir a mesma perfeição que o efeito:

[18] Por exemplo, uma pedra que antes não existia só pode começar a existir se for
produzida por alguma coisa em que esteja ou formal [tão perfeitamente quanto] ou
eminentemente [mais perfeitamente] tudo o que está posto na pedra, isto é, que contenha
em si as mesmas coisas ou outras mais excelentes do que as que estão na pedra.

O mais perfeito pode causar o menos perfeito. Contudo, o menos perfeito não pode causar
o mais perfeito. Isso vale também na relação causal estabelecida pela realidade atual/formal
e objetiva:

[18] A ideia de pedra só pode estar em mim se foi posta por uma causa na qual há no
mínimo tanta realidade quanto a que concebo haver na pedra. Pois, embora essa causa
não transmita à minha ideia nada de sua realidade atual ou formal, não se deve crer que ela
seja por isso menos real.
A realidade objetiva da ideia é causada pela realidade atual que deve possuir tanto ou mais
perfeição.

20 - Saída do cogito
O filósofo está a procurar um tipo de realidade objetiva que possua tanta realidade que o
cogito não possa tê-la causado:

[20] Que, se a realidade objetiva de alguma de minhas ideias é tal que eu reconheça
claramente que ela não está em mim nem formal nem eminentemente e que, por
conseguinte, não posso, eu mesmo, ser lhe á causa, daí decorre necessariamente que não
existo sozinho no mundo, mas que há ainda algo que existe e que é a causa desta ideia; ao
passo que, se não se encontrar em mim tal ideia, não terei nenhum argumento que me
possa convencer e me certificar da existência de qualquer outra coisa além de mim mesmo;
pois procurei-os a todos cuidadosamente e não pude, até agora, encontrar nenhum.

21 - O teste da autoria das ideias


Descartes irá realizar um teste da autoria das ideias, em busca de encontrar aquela que
possui tanta realidade objetiva que o seu próprio pensamento não pode ter causado, e
assim, ele encontrará aquilo que existe fora da mente e que causou a realidade objetiva
dessa ideia. - Será a ideia de Deus - Então a ideia de Deus possui uma realidade objetiva
que o próprio cogito, propriamente, não poderia ter causado, só algo mais perfeito poderia
ter produzido, ou seja, o próprio Deus.

22 - As substâncias
[22] Pois, quando penso que a pedra é uma substância ou uma coisa apta a existir por si e
que sou também uma substância - embora me conceba como coisa pensante e não extensa
e a pedra, como coisa extensa e não pensante e, por conseguinte, como máxima a
diversidade entre os conceitos de uma e de outra -, parece que elas são, todavia,
concordantes no que se refere à substância.

Enquanto os modos e os acidentes existem em outro, tanto a pedra quanto o eu estão aptos
a existir por si, por conseguinte, são substâncias:
Res extensa: coisa / substância extensa
Res cogitans: coisa / substância pensante

Descartes opera uma ruptura no conceito de substância: existem dois tipos de substância.
A característica da aptidão de existir por si é própria da substância finita. A substância
infinita, pelo contrário, existe por si (não está apta a existir por si pois de fato existe por si).
Essa substância infinita é Deus.

Acidentes e modos -› existem em outro.


Substância finita extensa -› apta a existir (depende da substância infinita).
Substância finita pensante -› apta a existir por si (depende da substância infinita).
Substância infinita -› existe por si, é Deus.

[23] Podemos ser causa de todas as realidades objetivas do pensamento (enquanto


substâncias pensantes).
[25] O cogito pode produzir a ideia de substância, contudo, enquanto ele mesmo é finito,
não é capaz de produzir a ideia de infinito. Em outras palavras: a realidade objetiva da ideia
de substância infinita é mais que a realidade atual/formal da coisa pensante.
[28] Portanto, após esse longo argumento da terceira meditação, que Descartes consegue
provar o argumento da existência de Deus, provar a existência de algo além de si mesmo.

1) Na causa deve haver ao menos tanta realidade quanto no efeito;


2) A causa da realidade objetiva da ideia deve terá ao menos tanta realidade atual /
formal quanta realidade objetiva estiver contida na ideia;
3) O eu possui a ideia de uma substância infinita;
4) O eu, enquanto substância finita, não tem realidade atual / formal para causar a
realidade objetiva de uma substância infinita;
5) Portanto, existe uma substância infinita que causou a realidade objetiva da ideia de
substância infinita.

Resumo: A terceira meditação de Descartes é intitulada "Da existência de Deus" e nela ele
busca estabelecer a existência de Deus como uma garantia de que o conhecimento
humano é confiável.

Descartes começa a meditação argumentando que sua ideia de Deus é uma ideia clara e
distinta, que não pode ser ilusória. Ele argumenta que, enquanto as ideias que ele tem de
coisas finitas (como objetos físicos) podem ser confusas e enganosas, a ideia de Deus é tão
clara e distinta que deve ter uma origem verdadeira e confiável.

Descartes então argumenta que a ideia de Deus como um ser perfeito não pode ser
inventada por ele mesmo, já que ele é um ser imperfeito e não pode criar algo mais perfeito
do que ele mesmo. Portanto, a ideia de Deus deve ter sido colocada em sua mente por algo
que é perfeito - Deus mesmo.

Em seguida, Descartes argumenta que, uma vez que Deus é um ser perfeito e não pode ser
enganador, então todas as coisas que Deus nos permite conhecer devem ser verdadeiras e
confiáveis. Isso significa que nossas percepções e ações são confiáveis, bem como nossos
processos mentais de raciocínio e conhecimento.

Assim, a existência de Deus é estabelecida como uma garantia da confiabilidade do


conhecimento humano. A partir disso, Descartes argumenta que podemos confiar em
nossas ideias e naquilo que aprendemos através da razão e da observação, desde que
sejam claras e distintas.

Meditação quarta: do verdadeiro e do falso

A quarta meditação de Descartes é intitulada "Da verdadeira e falsa ideia". Nesta


meditação, Descartes começa por considerar a natureza das ideias que temos na nossa
mente. Ele afirma que todas as ideias que temos são, em última análise, consideradas
como sendo ideias das coisas que existem no mundo exterior.

Descartes então considera a ideia de Deus e pergunta-se se essa ideia é verdadeira ou


falsa. Ele argumenta que, uma vez que a ideia de Deus é uma ideia clara e distinta, ela
deve ser verdadeira e que, portanto, Deus deve existir. Ele também argumenta que, como
Deus é um ser perfeito, ele não pode ser uma ilusão ou uma ficção da nossa imaginação.

Em seguida, Descartes passa a considerar a questão da existência do mundo exterior. Ele


argumenta que, uma vez que Deus é perfeito e não pode ser enganador, ele não permitiria
que nossas ideias fossem enganosas ou ilusórias. Portanto, ele conclui que as coisas que
percebemos no mundo exterior devem ser reais e existir independentemente da nossa
mente.

No entanto, Descartes também argumenta que, embora a existência do mundo exterior


possa ser conhecida com certeza, as nossas percepções e ideias dele podem ser
enganosas e ilusórias. Ele argumenta que as nossas percepções sensoriais podem ser
enganadas pelos nossos sentidos e que as nossas ideias podem ser influenciadas pelas
nossas crenças e opiniões prévias.

Por fim, Descartes conclui que a única maneira de alcançar a verdade absoluta é através da
razão e da dedução lógica, e que devemos duvidar de todas as nossas ideias e percepções
sensoriais até que possamos provar a sua verdade através da razão. Ele chega à conclusão
de que a verdadeira sabedoria vem de reconhecer a nossa ignorância e buscar
constantemente a verdade através da razão.

Meditação quinta: da essência das coisas materiais; e novamente, de Deus, que Ele
existe

A quinta meditação de Descartes é intitulada "Da essência das coisas materiais e de novo
do Deus que existe". Nesta meditação, Descartes começa por examinar a natureza da
substância e argumenta que a substância é aquilo que existe em si e é concebido pelo
pensamento como algo que não depende de outras coisas para a sua existência.

Descartes então passa a considerar a natureza da substância material e argumenta que a


substância material é aquilo que é extenso e que ocupa um lugar no espaço. Ele argumenta
que a substância material não pode ser concebida sem a extensão e que, portanto, a
extensão é uma propriedade essencial da substância material.

Em seguida, Descartes argumenta que, embora a substância material possa existir


independentemente da mente humana, ela não pode ser conhecida com certeza através
dos sentidos. Ele argumenta que as nossas percepções sensoriais são enganosas e que as
coisas que percebemos através dos sentidos podem ser ilusórias ou fictícias.

Descartes então passa a considerar novamente a questão da existência de Deus e


argumenta que a ideia de Deus é uma ideia inata à mente humana que é clara e distinta.
Ele argumenta que Deus é um ser perfeito e que, portanto, deve existir necessariamente.
Ele também argumenta que, uma vez que Deus é um ser perfeito, ele não pode ser
enganador e que, portanto, as nossas percepções e ideias devem ser verdadeiras.

Por fim, Descartes conclui que a verdadeira sabedoria vem da razão e da dedução lógica e
que devemos duvidar de todas as nossas percepções sensoriais até que possamos provar
a sua verdade através da razão. Ele argumenta que a natureza da substância material e a
sua relação com a mente humana são questões complexas e que só podem ser
compreendidas através da razão e da dedução lógica

Meditação sexta - da existência das coisas materiais e da distinção real entre a alma e
o corpo do homem

A sexta meditação de Descartes é intitulada "Da existência real das coisas e da distinção
entre a alma e o corpo". Nesta meditação, Descartes começa por considerar a natureza da
existência e argumenta que a existência é uma propriedade essencial da substância. Ele
argumenta que, uma vez que Deus é um ser perfeito e não pode ser enganador, a
existência de uma substância é necessária para a sua perfeição.

Em seguida, Descartes passa a considerar a natureza da mente e do corpo e argumenta


que a mente e o corpo são substâncias distintas que interagem entre si. Ele argumenta que
a mente é uma substância pensante que não tem extensão e que o corpo é uma substância
extensa que não pode pensar.

Descartes argumenta que a interação entre a mente e o corpo é uma questão complexa e
que não pode ser compreendida através dos sentidos. Ele argumenta que a relação entre a
mente e o corpo é uma relação causal que ocorre através de uma interação direta entre as
duas substâncias.

Descartes então passa a considerar a questão da existência do mundo exterior e argumenta


que o mundo exterior existe independentemente da mente humana. Ele argumenta que a
existência do mundo exterior pode ser conhecida com certeza através da razão e que as
coisas que percebemos através dos sentidos são meras representações das coisas que
existem no mundo exterior.

Por fim, Descartes conclui que a verdadeira sabedoria vem do conhecimento de si mesmo e
da compreensão da relação entre a mente e o corpo. Ele argumenta que devemos duvidar
de todas as nossas percepções sensoriais até que possamos provar a sua verdade através
da razão e que devemos buscar a verdade através da razão e da dedução lógica. Ele
também argumenta que a verdadeira sabedoria vem da compreensão da natureza da mente
e do corpo e da sua relação com o mundo exterior.

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