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O teste da dúvida.
A dúvida metódica
Responder aos céticos: em busca de um
fundamento para o conhecimento
Descartes pensa que os argumentos céticos merecem resposta.
Quem discordar deles, terá de mostrar o que há de errado no ceticismo.
Pensa também que, para refutar o ceticismo, é preciso encontrar um
fundamento (ou princípio) para o conhecimento que não esteja exposto às
dúvidas dos céticos.
Sem um fundamento absolutamente seguro no qual se apoiarem, todas as
nossas crenças ou opiniões se desmoronam, e os céticos levam a melhor.
Mas como encontrar esse fundamento, que os céticos dizem não existir?
A regressão infinita da justificação parece mostrar precisamente que não
há um fundamento ou princípio no qual as nossas crenças se apoiem.
Resultado do teste: é possível que tudo o que vejo, o que ouço, o que cheiro, o
que toco, o que saboreio não passe de ilusão, pelo que nenhuma crença baseada
nos sentidos sobrevive à dúvida (nenhuma é indubitável).
Assim, se houver um fundamento para o conhecimento, esse fundamento não é
dado pelos sentidos.
Enquanto estou a sonhar, acredito que aquilo que se passa no sonho está realmente a
acontecer.
Se acredito que aquilo que se passa no sonho está realmente a acontecer, então as
experiências que tenho enquanto estou a sonhar são semelhantes às que tenho
quando estou acordado.
Se as experiências que tenho enquanto estou a sonhar são semelhantes às que tenho
quando estou acordado, então é possível que esteja agora a sonhar.
Logo, é possível que esteja agora a sonhar.
Mais uma vez, Descartes não afirma que existe um génio maligno. Contudo, a
sua mera possibilidade é suficiente para que a dúvida não desapareça.
Resultado do teste: tudo pode ser ilusório e nem sequer posso confiar nos meus
raciocínios. Nem mesmo as chamadas «verdades matemáticas» são
indubitáveis.
O resultado da dúvida:
O Cogito
O Cogito: penso, logo existo
Enquanto penso que tudo pode ser falso, dou-me conta que tem de ser verdade que
sou alguma coisa: sou aquela coisa que está nesse preciso momento a duvidar (a
pensar que tudo pode ser falso).
Sou um ser que duvida, isto é, um ser pensante (duvidar é pensar).
Penso, logo existo (cogito, ergo sum) = Sou um ser pensante
Mesmo que haja um génio maligno que me queira enganar sistematicamente, ele não
me conseguirá enganar quanto à minha própria existência. Isto porque, para me
poder enganar, eu tenho de existir: sou aquele que o génio maldoso está nesse
momento a enganar.
Qual a importância do Cogito?
O Cogito tem uma importância central para a teoria do conhecimento de Descartes.
Por três razões principais:
Ir além do Cogito
Como confiar no critério da clareza e distinção?
Descartes já sabe, sem dúvida, alguma coisa: que ele próprio existe (Cogito).
Mas, por enquanto, ainda não pode ter a certeza de que tem um corpo, nem que há
objetos físicos (incluindo outras pessoas, árvores, o Sol, etc.)
Como saber algo mais do que o Cogito? E como saber outras coisas a partir do
Cogito?
Eis uma resposta: aplicando o critério da clareza e distinção dado pelo Cogito.
Usando esse critério como guia, posso descobrir outras verdades.
Mas... poderei mesmo confiar no critério da clareza e distinção? Que garantias tenho
de que tal critério não me leva ao engano? Não poderei estar, neste caso, a ser
manipulado por uma espécie de deus enganador?
O génio maligno que, apesar de não me conseguir enganar quanto à minha
existência, pode no entanto enganar-me quando uso o critério da clareza e distinção.
Só um deus benévolo me permitirá confiar no
critério da clareza e distinção
Mesmo quando perceciono algo de modo claro e distinto, estou sujeito ao engano, a
não ser que haja um deus bondoso que, precisamente por ser bom e poderoso, não
permita tal coisa.
Assim, só um ser bondoso e com poder suficiente para isso (Deus) me pode
proporcionar a garantia extra de que não me engano sempre, nomeadamente de que
não me engano quando perceciono algo de modo claro e distinto.
Se esse ser poderoso e benévolo não existir, não posso ter a certeza de nada além do
Cogito, pois nada me impede de errar, mesmo que percecione algo de modo claro e
distinto.
Mas será que existe realmente esse ser poderoso e benévolo (Deus)?
Deus existe: o argumento da marca
O argumento da marca a favor da existência de Deus é sobre a causa da ideia de perfeição
que existe na nossa mente.
É o seguinte:
Tenho em mim a ideia de perfeição.
Essa ideia tem de ter uma causa (não pode vir do nada).
O que tem menos realidade (o que é menos perfeito) não pode ser a causa do que tem mais
realidade (do que é mais perfeito).
Logo, a ideia de perfeição só pode ter sido causada por um ser que tenha todas as perfeições: Deus.
Assim, tenho a ideia de perfeição porque Deus a colocou, desde que nasci (é uma ideia
inata), em mim. Não foi inventada por mim (essas são as ideias factícias) nem foi causada
por algo que eu tenha observado (essas são as ideias adventícias).
Ao colocar a ideia de perfeição em mim, o Deus criador quis deixar na minha mente uma
marca da sua própria perfeição.
Deus existe: o argumento ontológico
O argumento ontológico baseia-se na ideia de que a existência de algo perfeito faz
parte da essência do conceito de perfeição.
É o seguinte:
Vejo clara e distintamente que um ser maximamente perfeito tem todas as perfeições.
É também claro e distinto que a existência é uma perfeição.
Logo, existe um ser maximamente perfeito (Deus).
Assim, a existência está contida na ideia de perfeição.
Seria contraditório afirmar que temos a ideia de um ser perfeito que não existe
realmente: se não existe, não pode ser perfeito.
Há, afinal, objetos físicos
Uma vez provada a existência de Deus, todas as hipóteses céticas são definitivamente afastadas.
Assim, além do Cogito, podemos agora usar com confiança o critério da clareza e distinção para obter
conhecimento de outras coisas. Trata-se, então, de verificar com cuidado o que é claro e distinto.
Aplicando o critério da clareza e distinção, podemos separar o que é verdadeiro do que é falso. Por
exemplo, é claro e distinto que existem objetos físicos: são as causas das perceções dos sentidos.
Porém, nem tudo o que os nossos sentidos percecionam é claro e distinto. Por exemplo, as cores, os
sabores e os odores percebidos não são claros e distintos. Descartes considera que só as propriedades
que são compreendidas pela matemática (as propriedades quantificáveis) podem ser conhecidas.
Em suma: o mundo exterior existe, mas as coisas que o constituem não são exatamente como as
percebemos. Daí que os sentidos tenham de se submeter ao critério racional da clareza e distinção.
Eis, então, o que sabemos: que eu existo, que existe Deus e que há um mundo de objetos físicos. Estes nem
sempre são como nos parecem.