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Síntese sobre o pensamento cartesiano-11º ano

• A principal preocupação de Descartes consistiu na refutação do ceticismo. Descartes


pensava que podemos ter conhecimento acerca do mundo, podemos ter certezas, ao
contrário dos céticos que duvidam que possamos justificar racionalmente as nossas
crenças.
• Descartes pensa que há proposições tão evidentes que não necessitam de justificação.
O facto de serem tão evidentes faz com que não tenha sentido perguntar uma vez
mais por que razão se justifica aceitá-las como verdadeiras. Proposições deste género
são intrinsecamente fiáveis, isto é, a sua verdade não depende de outra proposição ser
verdadeira.
• Um exemplo de proposição intrinsecamente fiável é a ideia de que para pensar é
necessário existir “ cogito ergo sum”. Esta ideia é concebida pela mente humana de
uma forma tão evidente que, por maior que fosse o esforço, não é possível colocá-la
em dúvida. São as ideias claras e distintas.
• Como as proposições claras e distintas não necessitam de justificação, é numa
proposição clara e distinta que o conhecimento pode encontrar a sua justificação
última.
• Para Descartes, demonstrar que o conhecimento é possível implica indicar pelo menos
uma proposição intrinsecamente fiável que sirva de fundamento às restantes –
Fundacionismo: este tem como característica o facto de todos os conhecimentos
estarem ordenados hierarquicamente: na base um pequeno número de proposições
fiáveis, que aceitamos sem qualquer justificação, depois, as outras proposições,
aceites devido às relações lógicas que mantém com as primeiras. Toda a teoria
cartesiana assenta neste esquema.
• Toda a ciência é vista por Descartes como um edifício de proposições cuja verdade, em
última análise, tem na sua base certas proposições claras e distintas que servem de
fundamento ao todo.
• Como racionalista, Descartes pensa que podemos intuir a verdade de certas
proposições por meios estritamente racionais e sem o recurso à experiência. É nesta
intuição puramente racional que se apoia a tese de que as proposições claras e
distintas têm de ser verdadeiras. Das proposições que intuímos como verdadeiras,
podemos deduzir outras proposições cuja verdade é também estabelecida A priori. A
Matemática e a geometria são os exemplos mais claros deste processo.

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Síntese sobre o pensamento cartesiano-11º ano

• Os fundamentos do conhecimento- o cogito e Deus- podem ser conhecidos desta


forma, bem como, a distinção entre o corpo e a mente.
• A explicação tradicional dos racionalistas para a possibilidade do conhecimento a priori
assenta na teoria das ideias inatas: esta tese permite explicar que seja possível dispor
de conceitos que não é necessário adquirir através da aprendizagem (o conceito de
Deus, p.ex.) e, portanto, que a razão extraia de si própria os conhecimentos que
obtemos a priori.

1. Da Dúvida ao cogito

- Podemos confiar nos sentidos? Razões para duvidar

• A crença de que neste momento estou a escrever no computador baseia-se na


informação obtida através dos sentidos. Que razões tenho para confiar que os meus
sentidos são fiáveis? Não poderão estar a enganar-me? É neste ponto que Descartes
inicia a sua tentativa para responder aos céticos. Para encontrar um fundamento
sólido para o conhecimento Descartes pensou que é necessário pôr em dúvida os
sentidos.
• A dúvida é apenas o método utilizado por Descartes para mostrar que os céticos estão
enganados, e que, por muito extremas que as nossas dúvidas sejam, no final, somos
conduzidos a uma verdade de que não se pode duvidar. A dúvida é um método para
encontrar a certeza.
• Só devemos aceitar como verdadeiras proposições cuja verdade esteja imune à
dúvida. Dado que tudo que é duvidoso carece de certeza, o que não podemos
conceber como certo não merece que o aceitemos como verdadeiro.- este é o
princípio em que se baseia Descartes.
• Qual é a primeira certeza que podemos conhecer e de que as restantes dependem? A
dúvida metódica tem como objetivo responder a este problema.
• O senso comum faz-nos pensar que os nossos sentidos são a base do conhecimento.
Para Descartes esta ideia está errada. Os sentidos não são capazes de resistir à dúvida,
e se dependêssemos deles como fonte de justificação nunca escaparíamos ao
ceticismo.

Os sentidos enganadores

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• O primeiro argumento de Descartes contra a infalibilidade dos sentidos diz que estes
por vezes nos enganam : mas, se os sentidos por vezes nos enganam, não podemos
admiti-los como uma fonte de certeza. Se nos enganam algumas vezes, não podemos
estar certos de que não nos enganam sempre, ou, pelo menos, não é impossível que,
conduzam ao erro e à ilusão.
• São inúmeros os exemplos de erros em que os sentidos nos fazem incorrer: ao
observarmos uma linha de caminho de ferro junto aos carris, estes parecem unir-se no
horizonte; uma estátua de grande dimensão situada no cimo de um edifício pode
parecer mais pequena do que é; o sol parece mover-se no céu ao longo do dia, etc.
• Descartes mostra, assim, ser possível duvidar da existência do mundo físico se, para se
afirmar a sua existência nos basearmos apenas nos sentidos.
• A dúvida cartesiana é hiperbólica: coloca em questão as nossas crenças mais básicas
e estende a dúvida a aspectos, que do ponto de vista do senso comum não parece
razoável duvidar.

O argumento dos sonhos

• A ideia de Descartes é simples: embora eu tenha neste momento a


experiência de escrever estas linhas, posso estar a sonhar. Não é impossível
iludir-me ao ponto de pensar que os dados sensoriais de que tenho
experiência direta e imediata têm correspondência com objectos físicos
reais, tal como nos sonhos, me iludo ao acreditar que as imagens que se
sucedem na minha mente correspondem a uma realidade externa
independente do sonho.
• Esta ideia é menos surpreendente do que parece. Já todos tivemos sonhos tão
intensos que, enquanto duram, tomámos como verdadeiro o que neles
experimentámos, quando tudo aconteceu apenas na nossa mente. Se a
intensidade das nossas sensações é tudo o que podemos apresentar como
prova de que a realidade exterior existe, não provamos coisa alguma.
• Não só as nossas sensações atuais são compatíveis com a possibilidade de o
mundo exterior ser totalmente diferente do que nos habituámos a pensar,
como são também compatíveis com a hipótese de tudo ser uma ilusão idêntica
à que os sonhos podem provocar.

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• Se não é possível justificar com base nos sentidos a crença na existência do


mundo físico, também nenhuma proposição que neles tenha origem é
intrinsecamente fiável. Por outro lado, se os sentidos não garantem que a
realidade externa exista, também não posso estar seguro de que existam
outras mentes além da minha, ou outras experiências mentais, além, das que
experimento neste momento.
• Descartes estabelece aqui o solipsismo- tese segundo a qual a única
realidade existente é o conjunto de experiências que tenho na minha
consciência.
• Será possível que tudo quanto existe sejam apenas experiências mentais, e
nada mais, as minhas experiências mentais??

O Deus enganador

• O argumento dos sonhos deixa ainda de lado um aspecto importante. Não só é vulgar
pensarmos sobre uma realidade que julgamos captar através dos sentidos, como
refletimos e formulamos pensamentos acerca de números e de figuras geométricas. O
resultado de 2+ 2 é o mesmo quer estejamos a sonhar ou acordados. Assim, o
argumento dos sonhos não poderia afetar a nossa confiança nas proposições da
matemática. Mas será que uma proposição como 2+2= 4 está acima de qualquer
dúvida? Será que é impossível cometer um erro ao fazer cálculos? O terceiro
argumento, de Deus enganador tem por objetivo responder negativamente a estas
questões.
• Estas regras podem ter sido introduzidas com o objectivo de nos enganarmos. Se
formos vítimas de um Deus enganador e perverso( génio maligno), nada garante ser
impossível aceitarmos proposições falsas como verdadeiras.
• Com este argumento Descartes pretendeu mostrar que não basta seguir as regras da
adição, p.ex., para assegurar que os resultados sejam certos.
• Descartes quis mostrar que, apesar de evidentes, não é impossível que proposições
deste género sejam falsas, a menos que consigamos mostrar que não somos vítimas
de um Deus enganador. Ou seja: as proposições matemáticas e geométricas não são
fiáveis.
• Nem a crença na existência do mundo físico, nem as verdades da matemática e
geometria estão imunes à dúvida. Nada há que mereça ser reconhecido como
verdadeiro, pelo menos até a este ponto.

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O cogito

• Mesmo que duvidemos da existência da realidade física e pensemos que


estamos a ser enganados quando efetuamos cálculos , não podemos duvidar
que pensamos. Não podemos duvidar de que existe um eu que pensa, um eu
que é o suporte permanente de todos os nossos estados e operações
mentais.
• A afirmação” eu penso, logo existo” ( cogito, ergo sum), constitui a primeira
verdade na qual assenta a possibilidade do conhecimento. O cogito é o
fundamento, a partir do qual Descartes irá reconstruir o edifício do
conhecimento que a dúvida destruiu.
• O cogito tem evidência, e apresenta-se com total clareza e distinção.
• Se tentássemos duvidar de existência de um Eu subjacente aos estados e
operações da nossa mente ( como imaginar, percecionar, raciocinar) cairíamos
em contradição: não duvidamos das nossas experiências e operações mentais,
portanto não podemos duvidar de que existe um EU ( um sujeito) que é o seu
proprietário.
• A natureza do cogito não é igual à do corpo. É uma coisa que pensa (res
cogitans) e cuja essência é puramente mental, algo que não depende do corpo
para existir.
• A dúvida metódica mostra que é possível duvidar de que exista algo mais além
das nossas experiências mentais, isto é, que exista lá fora um mundo material.
Mas além de experiências mentais acerca de objectos exteriores (mesas,
cadeiras, etc.) temos também a experiência mental de ter um corpo. O facto
de termos a experiência de ter um corpo, não prova que este realmente
exista. O corpo é matéria, é res extensa- coisa extensa.
• Podemos duvidar da existência de um corpo, mas não da existência da mente.
• Enquanto a propriedade essencial do cogito é o pensamento, a característica
essencial da matéria é a extensão. Todos os objectos materiais têm
localização espacial e são divisíveis em partes. O cogito é uma substância
indivisível, que não tem qualquer atributo físico. Dualismo cartesiano

2. Do cogito a Deus

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• O projecto cartesiano de fundamentação do conhecimento inclui a ideia de que certas


proposições podem ser aceites como verdadeiras com base apenas na clareza e
distinção com que são concebidas. A primeira proposição que satisfez esta exigência
foi “ eu penso, logo existo”. Mas o cogito, por si só, não resolve os problemas que
Descartes queria resolver.
• O principal destes problemas diz respeito ao modo de nos assegurarmos da existência
de uma realidade exterior. O segundo refere-se à confiança a atribuir às conclusões
que alcançamos por intermédio das nossas capacidades racionais. No primeiro caso, a
descoberta do cogito não garante que algo mais, além do sujeito e das suas
experiências mentais, exista. No segundo, não dispomos de um princípio que garanta
que não nos enganamos ao efetuarmos mesmo as mais simples operações mentais. A
importância que Deus assume no sistema cartesiano fica clara ao percebermos o seu
contributo na resolução destes problemas.
• Estamos na posse de uma só certeza: o cogito. Qualquer outra proposição que
queiramos reconhecer como verdadeira deverá ter o cogito como justificação. A
descoberta do cogito coloca-nos em posição de inferir outras proposições cuja
verdade podemos assegurar em virtude das relações lógicas que com ela mantêm.
Resta-nos deduzir as consequências que dela se seguem. Mas que proposições?
Estou numa posição solipsista. A dúvida metódica mostrou que não posso inferir
apenas com base nas minhas experiências mentais, que existe, além do sujeito uma
realidade objectiva à qual estas experiências correspondam. Haverá algo mais
evidente( claro e distinto) do que a existência dos objectos físicos? Não será a minha
perceção de que estou a escrever no meu computador evidente? No entanto, a
hipótese do Deus enganador mostrou que não podemos estar certos mesmo das
ideias mais simples apenas porque parecem claras e distintas, pelo menos enquanto
não tiver sido excluída a hipótese de estramos a ser vítimas de um Deus enganador.
A existência de Deus é a resposta de Descartes para ambos os problemas.

O argumento da perfeição

• O cogito é a primeira proposição, a segunda é Deus existe.


• Ao dirigirmos a atenção para o conteúdo da nossa mente, podemos verificar
que, entre as várias ideias que aí descobrimos, se encontra a ideia de Deus.
Este processo permite-nos reconhecer que o conceito que temos de Deus é o

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de um ser perfeito. Qual é a causa da ideia de perfeição que o cogito


descobre em si próprio?
• Para responder temos duas alternativas: ou a ideia de perfeição tem origem
no cogito, ou a sua causa é-lhe exterior. O cogito conhece a sua imperfeição
(pois se fosse perfeito não duvidaria), mas como poderia julgar-se imperfeito
se não dispusesse do conceito de perfeição?
• Atendendo ao princípio geral: qualquer coisa que seja a causa de outra tem
de possuir realidade, pelo menos num grau idêntico ao do efeito a que der
origem- o cogito poderia ser a causa da ideia de perfeição apenas na
condição de ser ele próprio um ser perfeito. Ora, sabemos que isso não
acontece. Mas por meio da ideia de Deus, o cogito é capaz de conceber um
ser perfeito e infinito, características que não possui. Portanto, a ideia de
uma ser perfeito e infinito tem que ter origem num ser ele próprio perfeito e
infinito. Daí, conclui Descartes, é a causa da ideia que dele possuímos. Logo,
tem que existir.
• Resumindo, a estrutura do argumento:
1. Temos o conceito de um Deus sumamente perfeito, infinito e omnisciente.
2. Este conceito não pode ter origem na observação do mundo físico, uma
vez que a dúvida metódica nos obrigou a suspender a dúvida na sua
existência. Também não pode ter origem na observação das operações e
capacidades da mente porque sou imperfeito e aquilo que é imperfeito não
pode ser causa de algo perfeito.
3. A causa do conceito de Deus que encontramos em nós tem de ser uma
entidade exterior ao cogito que possua um grau de perfeição pelo menos
idêntico ao que está representado no seu conceito.
4. Logo, Deus existe.

• A ideia de um ser perfeito é inata, tendo sido colocada na mente por Deus.
• Por ideia inata, Descartes entende algo que descobrimos em nós próprios, e cuja
origem não podemos atribuir aos sentidos ou à imaginação, mas a Deus.
• Descartes pensou que a existência de Deus lhe oferecia a resposta para o problema do
conhecimento.

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• Se Deus é perfeito não pode ser enganador. E se Deus não é enganador, o que a mente
concebe com clareza e distinção, não pode ser falso. Fica, assim, estabelecido o
princípio da veracidade divina
• Este princípio garante que o erro é contrário à natureza de Deus. A hipótese de nos
enganarmos ao aceitar como verdadeiro o que a mente concebe como evidente pode
ser afastada. Deus é o garante último da verdade, e a demonstração da sua existência
o núcleo do projecto cartesiano de justificação do conhecimento.
• Aplicando este princípio, Descartes sustenta que podemos confiar nas ideias que
concebemos com clareza e distinção, pois Deus não é enganador. O princípio da
veracidade divina garante que aquilo que é clara e distintamente concebido pela
mente não pode ser falso.
• Descartes atribui a Deus também as verdades matemáticas e geométricas, bem como
a existência das coisas corpóreas.

O círculo cartesiano( Uma crítica a Descartes)

O ideal de ciência proposto por Descartes tem na sua base a tese de que aquilo que a mente
concebe com clareza e distinção (evidente) não pode ser falso. Este princípio da clareza tem na
sua base o princípio da veracidade divina, que, por sua vez, depende da existência de Deus.

• A tentativa de Descartes para demonstrar a existência de Deus envolve uma petição


de princípio (raciocínio circular). Por um lado, Descartes assume como clara e distinta,
portanto como verdadeira, a tese de que uma causa tem que possuir pelo menos um
grau de realidade idêntico ao do efeito a que dá origem. Mas, dado que o princípio da
clareza depende do princípio da veracidade divina, só faz sentido aceitar a premissa no
pressuposto da conclusão ser verdadeira, isto é, no pressuposto de Deus existir. Um
argumento que pressupõe a verdade da tese que se pretende demonstrar incorre
numa falácia.
• Resumindo, o círculo vicioso em que incorre o pensamento cartesiano consiste no
seguinte:
1. a existência de Deus segue-se logicamente de premissas que são verdadeiras por
serem claras e distintas
2. a verdade das proposições claras e distintas segue-se logicamente da existência de
Deus.
Prof. Isabel Versos

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