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Quadro comparativo das teorias do conhecimento de

Descartes e David Hume

Descartes David Hume

1.PROJETO Encontrar princípios racionais indubitáveis Efetuar uma análise da mente que revele
de modo a justificar que o sistema do quais as capacidades e os limites do
conhecimento seja constituído por verdades entendimento humano.
absolutamente certas.
2.ORIGEM DO O conhecimento entendido como certeza Todo o conhecimento começa com a
CONHECIMENTO absoluta não pode principiar com a experiência porque todas as nossas
experiência porque os sentidos não são ideias são causadas por impressões das
fiáveis. Descartes não é empirista. quais são cópias. Hume não é racionalista.
É racionalista. É empirista.
Aspetos racionalistas da teoria de Aspetos empiristas da teoria de
conhecimento de Descartes: conhecimento de David Hume:
1. A razão é a fonte ou origem do 1) Todo o conhecimento começa com a
conhecimento: experiência: as impressões. As ideias são
A razão por si pode conduzir o homem ao cópias das impressões. Não há
conhecimento da verdade. Esta autonomia conhecimento de ideias se não lhes
da razão manifesta-se no facto de ela corresponder uma impressão sensível.
encontrar em si própria não só as verdades 2) Nega a existência de ideias inatas
como o critério de verdade. (nasceram connosco/ pensamento).
De uma verdade indubitável – o cogito – Todas as ideias são formadas a partir da
extraída da razão intuitiva, Descartes deduz experiência (impressões), ou seja, se do
outras verdades. A matemática é um ideal que não há impressão não há ideia, então
metodológico. não há ideias inatas.
As informações que os sentidos nos 3) A diferença entre sentir e pensar é de
proporcionam não merecem confiança, são grau e não de natureza. Sentir é
confusas e obscuras. percecionar impressões mais vívidas e
Segundo Descartes sentir é distinto de fortes e pensar é percecionar impressões
conhecer. Não há nada de claro e distinto no (ideias) menos fortes e vívidas. A
conhecimento sensível. diferença entre impressões e ideias é de
2. Defende a existência de ideias inatas grau e não de natureza dado que as ideias
(conaturais ao entendimento humano). sendo cópias das impressões são também
As Ideias INATAS são ideias que se formam impressões (partilham a mesma
na mente humana independentemente dos natureza) só que menos vívidas e menos
sentidos ou da imaginação e são descobertas intensas. Em suma, a diferença entre
pela “LUZ NATURAL” (RAZÃO). Exemplo: as ambas consiste no grau de força e de
ideias de Deus, alma, etc. vivacidade com que incidem na mente.
3. A dúvida metódica está ligada à natureza 4) A conexão causal que estabelecemos
racionalista da teoria cartesiana: a dúvida entre os factos e as inferências indutivas
torna a razão autónoma e liberta-a da não têm justificação. Não há impressão
dependência dos sentidos. que justifique a crença de que há uma
4.O racionalismo cartesiano é metafísico conexão necessária entre dois
porque se fundamenta na veracidade acontecimentos e que o mundo
divina. Se enganar é sinal de fraqueza, continuará a ser como tem sido. O
imperfeição, Deus que é perfeito (completo) empirismo de Hume é, de certa forma,

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não pode enganar. Se Deus enganasse não um ceticismo (não há verdades
seria Deus. Ora se Deus não é enganador, indubitáveis).
Descartes rejeita ou anula a hipótese que
lançava dúvidas sobre as evidências
matemáticas e deixa de duvidar da validade
do entendimento humano, pois está
garantida a verdade dos nossos
conhecimentos (fundamentação metafísica
do saber).
A veracidade divina é indispensável para a
constituição do saber em dois aspetos: 1) É
a garantia da validade das evidências atuais
(atualmente presentes na consciência).
Contrariamente ao que Descartes afirma,
pois este considera que estas ideias se
autogarantem e 2) É a garantia da validade
das evidências passadas (não atualmente
presentes na consciência, mas sim na
memória.
Se só estou certo da validade das evidências
(ideias inatas, claras e distintas) no momento
em que as concebo, então não posso garantir
que aquilo que considerei como verdadeiro
permaneça verdadeiro. Quem garante?
Deus. É o Ser Perfeito (Deus) que vai garantir
que a verdade não muda enquanto eu deixo
de a conceber atualmente (evidências
guardadas na memória, passadas), isto é, o
que é verdadeiro para mim num
determinado momento é verdadeiro
independentemente de mim e sempre.
A estabilidade do saber (objetividade) é
condição necessária da ciência dedutiva de
Descartes.
3.OS CONTEÚDOS DO Nem todas as ideias são inatas, mas o Todas as nossas ideias têm uma origem
ENTENDIMENTO conhecimento funda-se em ideias inatas ou empírica, mesmo as mais complexas e
puramente racionais. abstratas. São cópias de impressões
sensíveis. Por isso não há ideias inatas.
O empirismo rejeita o inatismo.
4.AS OPERAÇÕES DO Mediante a intuição, descobrimos o A intuição e a dedução limitam-se ao
ENTENDIMENTO princípio primeiro e indubitável do sistema conhecimento formal das matemáticas e
do saber. Por dedução inferimos por ordem da geometria. Esses conhecimentos a
outras verdades indubitáveis sobre a relação priori são indubitáveis, mas nada de
alma – corpo, Deus e o mundo. indubitável podemos conhecer sobre o
mundo e o que ultrapassa a experiência.
O conhecimento de factos depende de
raciocínios indutivos. As verdades sobre
o mundo, caso existam, não podem ser
estabelecidas dedutivamente.
5.A POSSIBILIDADE DO Descartes recorreu a argumentos céticos O conhecimento de factos não é possível.
CONHECIMENTO como um instrumento para chegar ao Nem a razão nem a experiência nos dão
conhecimento seguro. Apesar de o fazer, verdades objetivas sobre o mundo.
Descartes não é um cético (é de ter presente Temos crenças, mas não conhecimentos.
que os céticos afirmam que o conhecimento As únicas verdades indubitáveis são as da
não é possível, pois nenhuma crença se matemática e da lógica.
pode justificar a si mesma), uma vez que o CETICISMO MODERADO (mitigado)

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Cogito (o “Penso, logo existo”) é uma crença Hume defende um ceticismo moderado
básica. Ou seja: trata-se da crença numa ou mitigado com base nos seguintes
ideia cuja verdade é tão evidente que não argumentos: 1. AUSÊNCIA DE
precisa de uma justificação exterior; com JUSTIFICAÇÕES para as crenças na
base nela podemos justificar outras ideias, existência do mundo exterior e na
mas ela mesma não precisa de ser uniformidade da natureza (ceticismo); 2-
justificada por outras ideias: autojustifica- CONSCIÊNCIA DOS LIMITES DO
se. Deste modo, Descartes rejeita o ENTENDIMENTO HUMANO. Apesar do
argumento cético de regressão infinita da princípio de causalidade não ser mais do
justificação, em que estes defendem que que uma crença subjetiva, o produto de
mesmo que haja crenças verdadeiras, não as um hábito, sem essa crença, a vida seria
podemos justificar, pois a crença 1 tem de impraticável (Ceticismo moderado)
ser justificada pela crença 2, e a crença 2
tem de ser justificada pela crença 3 e assim
indefinidamente.
O conhecimento é possível sendo um
conjunto de verdades absolutamente
indubitáveis sobre a alma – o eu –, Deus e o
mundo.
6.A JUSTIFICAÇÃO DO Podemos justificar as nossas crenças ou Não há justificação nem empírica nem
CONHECIMENTO opiniões verdadeiras porque há um racional para o conhecimento do
princípio racional indubitável do mundo. O conhecimento é um produto
conhecimento – o Cogito – e um do hábito e não da razão. Nem a razão
fundamento absolutamente confiável – nem a experiência nos dão verdades
Deus – que garante a verdade das nossas objetivas sobre o mundo. Temos crenças,
ideias claras e distintas. mas não conhecimentos.
É uma crença natural que só traduz a
nossa necessidade de acreditar que
conhecemos como o mundo é e
funciona.
Aplicando corretamente a nossa faculdade Do que não há experiência não pode
7.OS LIMITES DO de conhecer, podemos alcançar verdades haver conhecimento. Por isso não há
CONHECIMENTO indubitáveis sobre o mundo físico e sobre conhecimento de realidades metafísicas
realidades que ultrapassam a experiência. (Deus e a alma).
A metafísica é a ciência fundamental, a raiz A metafísica não é uma ciência.
da «árvore do saber». Nem mesmo do mundo temos
conhecimentos certos e seguros.
O nosso conhecimento do mundo não é
constituído nem por verdades
indubitáveis nem por verdades prováveis.

O nosso conhecimento da realidade é


constituído por verdades indubitáveis.

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