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------------Descartes ------------

A resposta funcionalista

O projeto cartesiano

Descartes decidiu levar o ceticismo ao extremo, recorrendo à própria


duvida cética como método para provar a impossibilidade do ceticismo. O
objetivo de Descartes era estabelecer um conhecimento seguro e
indubitável, ou seja, encontrar pelo menos uma crença básica que pudesse
servir de fundamento para o conhecimento. O seu método era duvidar de tudo
que se possa imaginar. Por esta razão este procedimento ficou conhecido por
dúvida metódica.

Para concretizar os seus objetivos, Descartes não precisava de


examinar cada crença isoladamente. Se decidirmos rejeitar todas as crenças
minimamente duvidosas, basta focarmo-nos nas principais fontes das nossas
crenças. Se detetarmos a menor dúvida numa dessas fontes, temos uma
justificação para rejeitar o resto.

Dúvida cartesiana vs. Dúvida cética

Embora Descartes recorra à dúvida cética, a dúvida cartesiana não se


identifica inteiramente com esta. Para Descartes a dúvida cética é um método
para alcançar o conhecimento e provar a insustentabilidade do próprio
ceticismo. Ao contrário do que acontecia com a dúvida cética, a dúvida
cartesiana não é um ponto de chegada, mas sim um ponto de partida.

Assim, Descartes leva a dúvida ao seu extremo, de tal modo que não
se limita a suspender o juízo, mas rejeita como falso tudo aquilo que seja
meramente duvidoso, apelidando-se assim a dúvida cartesiana de
hiperbólica.

Razões para duvidar

A ilusão dos sentidos

O primeiro argumento de Descartes baseia-se nas ilusões dos


sentidos, que nos enganam em diversas ocasiões: quando vemos uma cana
mergulhada na água e parece que está parte, por exemplo.
Aplicando o princípio hiperbólico da dúvida, segundo o qual devemos
rejeitar como falso tudo aquilo que seja minimamente duvidoso, Descartes
concluiu que. não temos justificação para acreditar em nada que tenha
origem nos sentidos.
Muitos autores consideram que este argumento não é o suficiente para
nos persuadir. Embora a primeira premissa seja claramente verdadeira. A
segunda premissa já deixa muito a desejar. De facto, por vezes, os nossos
sentidos enganam-nos, mas isso não quer dizer que não devemos confiar
neles, até porque maior parte destas ilusões pode ser resolvida recorrendo aos
próprios sentidos.

A indistinção vigília-sono

Descartes faz salientar que não seria a primeira vez que alguém
acreditava erradamente que estava a ter determinadas experiências quando na
realidade estava a ter delírios provocados por algum tipo de loucura.
Considera assim, que devemos duvidar da experiência sensível,
pois, por vezes, acreditamos que estamos a viver uma determinada experiência
quando na realidade estamos a sonhar.

Para Descartes, o facto de não dispormos de um processo inteiramente


seguro pra distinguir as experiências que temos durante os sonhos daqueles
que temos durante os estado de vigília dá-nos um bom motivo para duvidar da
veracidade da nossa experiência sensível.

Aparentemente, não existe um processo inequívoco para determinar se


uma experiência sensível é verídica ou se não passa de um sonho. Este
argumento ficou conhecido na filosofia como argumento da indistinção da
vigília-sono. Este argumento é válido e, à partida, as premissas parecem
bastante plausíveis. Mas se refletirmos sobre o assunto, quer estejamos a
dormir ou acordados “2+3=5” e, nesse caso, parecem existir conhecimentos à
prova deste argumento, especialmente as verdades da geometria e da
aritmética.

Erros de raciocínio

Descartes considera que, por muito indubitáveis que as verdades da


geometria e da aritmética nos possam parecer, existem tópicos mais
complexos acerca dos quais podemos sempre cometer certos erros de
raciocínio. Assim, Descartes, aplicando o princípio hiperbólico da dúvida,
decide rejeitar as mesmas crenças que têm origem nos raciocínios mais
elementares.

Contudo, este argumento parece presumir demasiado. É certo que


alguns raciocínios podem correr mal, mas parece simplesmente implausível
considerar que nos podemos enganar a contar os lados de um quadrado.
Descartes acreditava que não.

A hipótese do Génio Maligno


Descartes faz notar que fomos criados por um ser superior,
sumamente inteligente e de poderes ilimitados. Ora, um ser com estas
características poderia introduzir nas nossas mentes as ideias que bem
entendesse, fazendo-se tomar por evidência os maiores absurdos que
possamos imaginar. Descartes apercebe-se de que esta suposição, conhecida
como Hipótese do Deus Enganador, enfrenta sérias dificuldades, pois a ideia
de um Deus Enganador é uma contradição nos termos. Sendo Deus um ser
perfeito por definição, não pode possuir qualquer espécie de defeito.

Por este motivo, Descartes vê-se forçado a abandonar a Hipótese do


Deus Enganador e a recorrer à Hipótese do Génio Maligno. Concebe uma
experiência mental que consiste na suposição de que existe um ser tão
poderoso quanto perverso, que designa por Génio Maligno para evitar
problemas associados à ideia de um Deus Enganador, que se diverte a
usar os seus poderes para nos induzir em erro relativamente a tudo. Uma
vez que não se espera que este ser exiba a perfeição moral característica de
um ser perfeito, não corremos o risco de cair em contradição.

Enquanto a Hipótese do Génio Maligno não for afastada, não podemos


estar certos de que, quer crenças que tenham origem na experiência
sensível, quer as que têm origem no raciocínio não sejam mais do que
maquinações do Génio Maligno. O Génio Maligno pode fazer-nos acreditar
que estamos a ter determinadas experiências, pode introduzir-nos falsas
memorias e pode virar o nosso intelecto do avesso.

O papel do cogito no fundacionalismo cartesiano

O triunfo sobre o ceticismo

Descartes mostra que o argumento do Génio Maligno não é tão


inabalável quanto à primeira vista possa parecer. A Hipótese do Génio Maligno
conduz à conclusão de existe algo que podemos garantidamente saber.
Mas ainda que eu não possa saber se estou, ou não, ser enganada por um
Génio Maligno, posso ter a certeza de que existo. Mesmo que o Génio
Maligno exista e se esforce tanto quanto pode para me enganar, nunca me
poderá convencer de que não existo, pois, para que me possa convencer
seja do que for, eu tenho necessariamente que existir.

O argumento pode ser formulado da seguinte forma:

1. Se penso, existo.
2. Penso.
3. Logo, existo.

Deste modo, Descartes encontrou uma crença que resiste ao mais


radical processo de dúvida que se possa imaginar: Penso, logo existo. Esta
crença é geralmente abreviada pela expressão cogito. A sua verdade não
pode consistentemente ser posta em causa, pois para se poder duvidar do
que quer que seja é preciso existir. Assim, Descartes refuta o ceticismo
por redução ao absurdo.

A importância do cogito no fundacionalismo cartesiano é inquestionável.


O cogito é uma crença básica, que não precisa de ser justificada com base
noutras crenças e, por conseguinte, pode estabelecer-se como primeira
evidencia, fornecendo os alicerces seguros que Descartes procurava para
edificar o conhecimento. Deste modo, podemos considerar que o cogito
representa o tão desejado triunfo sobre o ceticismo.

Contudo o cogito não é, por si só, capaz de estabelecer a verdade de


nenhuma destas coisas, pois enquanto não afastarmos definitivamente o
fantasma do Génio Maligno não temos a certeza que não estamos a ser
enganados por ele.

Uma coisa pensante (res cogitans)

A única coisa que sabemos com certeza, é que existimos enquanto


coisa pensante, ou res cogitans, mas nada sabemos acerca do mundo
fictício, do mundo das coisas extensas, ou seja, nada sabemos acerca da res
extensa (substância extensa).

Isto significa que o cogito estabelece apenas a existência de uma


substância pensante, mas não oferece qualquer garantia da existência da
realidade sensível. Como tal, o cogito não é suficiente para nos assegurar
que temos um corpo, nem que as nossas experiências percetivas são
fiáveis.

Uma vez que se estabelece a distinção entre duas esferas da realidade


de natureza inteiramente diferente – o corpo e a mente- ficando esta posição
conhecida por Dualismo Cartesiano ou Dualismo mente-corpo.

Um critério de verdade

Descartes considerava que, uma vez que o que torna o cogito uma
crença tao evidente não é mais do que o seu elevado grau de clareza e
distinção, estas características deveriam ser adotadas como critério de
verdade, ou seja, como procedimento para nos distinguir o que é
absolutamente verdadeiro do que é meramente duvidoso. Assim, o cogito
não só fornece um fundamento para o conhecimento como também um
modelo daquilo que devemos perseguir na procura de um saber seguro e
indubitável. Para se determinar se uma proposição é verdadeira, bastará que
Descartes a conceba clara e distintamente.

A ideia de Deus

O Argumento da Marca
Ao tomar a consciência de que possui uma ideia de Deus, ou seja, um
Ser perfeito, Descartes reconhece que ele próprio não é perfeito, pois, saber é
claramente melhor do que duvidar e ele está certo que é um ser que duvida.
No entanto, apesar de não ser um ser perfeito, tem uma ideia da existência de
tal.
Descartes vai tentar demonstrar que não pode ser ele o autor dessa
ideia, pois na sua opinião uma causa deve ter pelo menos tanta realidade
quanto os seus efeitos. Isto significa que o menos perfeito não pode dar
origem a algo mais perfeito.

Deste modo, Descartes acredita ter conseguido provar que, para além
do cogito, pode estar certo da existência de Deus. Este argumento ficou
conhecido como Argumento da Marca pois é como se, ao criar-nos, Deus
tivesse introduzido nas nossas mentes a ideia de perfeição, para que esta
funcionasse como uma espécie de marca.

O papel de Deus no funcionalismo cartesiano

Deus desempenha um papel fundamental no fundacionalismo


cartesiano, pois uma vez que Deus existe e não é enganador (pois isso seria
uma imperfeição), não iria criar-nos de modo que fossemos incapazes de
conhecer seja o que for.

Deus decidiu criar-nos com livre-arbítrio. No entanto, embora uma


vontade livre seja, de facto, pode trazer-nos um inconveniente: a possibilidade
de fazer más escolhas.

Portanto, uma vez provado que deus existe e não é enganador, não
temos razoes para acreditar que nos possamos enganar quando concebemos
algo com clareza e distinção. Alias, o próprio Descartes reconhece que é
justamente por esse motivo que podemos confiar naquilo que
concebemos com clareza e distinção.

A fase construtiva do fundacionalismo

Descartes pode deduzir, a partir daqui muitas verdades e construir com


segurança o edifício do conhecimento apoiando-se naquilo que concebe com
clareza e distinção. Mesmo a existência das coisas materiais, anteriormente
posta em causa, adquire um novo grau de plausibilidade, porque Deus não nos
teria criado de modo que estivéssemos a representar-nos como coisas
existentes que não passam de fantasias.
Pelo contrário, trataria de nos criar de modo que a nossa mente
recebesse do corpo as sensações adequadas à sua preservação.

Quanto aos sentidos, quando estes nos enganam é porque nos


precipitamos a dar o nosso assentimento a coisas que não concebemos clara e
distintamente, mas sim de modo confuso. Para compreender a verdadeira
natureza das coisas devemos proceder a uma análise matemática e
geométrica das mesmas, pois só este tipo de investigação se coaduna com o
modelo de certeza anteriormente definido. Assim, embora os nossos sentidos
estejam sujeitos a erro, Deus concedeu-nos a possibilidade de os
corrigirmos através de um juso reto das nossas faculdades racionais.

Já o problema da indistinção da vigília-sono é completamente afastado


pois quer estejamos acordados, corremos sempre o risco de errar se damos
assentimento a coisas que não concebemos clara distintamente.
Inversamente, se concebemos algo de modo claro e distinto, a sua verdade
está assegurada mesmo que estejamos a dormir. Além disso, nos sonhos
acontecem coisas demasiado insólitas para que sejam reais.

Objeções ao fundacionalismo cartesiano

Eu penso, ou há pensamento em curso

Se prestarmos a devida atenção ao cogito, apercebemo-nos de que a


sua certeza é apenas momentânea, se parar de pensar posso parar de existir.
Mas, nesse caso, o cogito dificilmente será verdadeiro, isto é, dificilmente a
consciência de que existe pensamento seria suficiente para provar a existência
de um único ele ou seja um ser que se reconhece como sendo mesmo ao
longo do tempo que reclama o pensamento atualmente em curso como seu.

Lichtenberg considera que Descartes nem sequer deveria dizer “eu


penso” deveria simplesmente “há pensamento”. Segundo este autor tudo o
que Descartes conseguiu mostrar foi que existe pensamento, mas não a
existência de um qualquer eu a quem esses pensamentos têm
necessariamente pertencer.

Objeções ao dualismo cartesiano

Esta estratégia argumentativa não permite mostrar a separação mente-


corpo pois tal como foi apresentado este argumento é uma instância da falácia
informal conhecida por Falácia do Mascarado. Esta falácia deve a sua
designação ao exemplo que é habitualmente utilizado para a ilustrar. Nesse
exemplo faz-se notar que, ainda que eu saiba quem é meu irmão, é impossível
que eu não saiba quem é o homem mascarado que assaltou o banco na última
segunda-feira, embora meu irmão e o mascarado seja o meu uma e a mesma
pessoa.
Embora por vezes possa haver uma certa correspondência entre ambos,
a verdade é que os meus estados mentais acerca do meu irmão não são
propriedades reais e efetivas dele.

Objeções ao Argumento da Marca


O argumento prossupõe, na primeira premissa, que temos ideia de
Deus, ou ser perfeito, mas esta ideia esta longe de ser consensual. Algumas
tradições teológicas, afirmam que a perfeição de Deus desafia sua
compreensão, pois somos seres finitos e limitados, pelo que nem sequer
podemos considerar que a ideia de Deus, o ser perfeito.

Outra objeção consiste na possibilidade que duvidar possa ser


sinónimo de perfeição. Um saber completo e perfeitamente delimitado pode
ser encarado por muitos como demasiado monótono e estático.

Para além disto, o argumento também se apoia no princípio da


causalidade e na ideia de que uma causa deve ter pelo menos tanta realidade
e, consequentemente, são tão perfeitas quanto os seus efeitos. No entanto, no
momento em que formou este argumento, Descartes não tem maneira de
saber se estas ideias são verdadeiras.

O círculo Cartesiano

Esta objeção consiste na acusação de que Descartes incorre uma


petição de princípio, pois se recorre às suas capacidades relacionais para
esta vossa existência de Deus e recorre a Deus para justificar a confiança nas
suas capacidades; Contudo, este movimento é claramente circular.

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