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2 – O racionalismo de Descartes
1. O projeto de Descartes (garantir que o nosso conhecimento é constituído por verdades
indubitáveis)
Descartes propôs-se fazer este projeto pelo facto da base do conhecimento não ser sólida e
firme, pois não é constituída por verdades indubitáveis.
Apesar dos sentidos nos enganarem com frequência, Descartes não nega que algumas das
crenças sejam verdadeiras, duvida da justificação ou da fundamentação. Assim, fazendo com
que o conhecimento dependa da experiência, impede que haja uma justificação firme e segura
das verdades que descobrimos.
A dúvida utiliza-se na procura de uma verdade indubitável, tendo como objetivo chegar a uma
verdade que resista a quaisquer tentativas de a pôr em causa. É uma forma metódica de
investigar a verdade, separando o verdadeiro do falso, indicando-nos que só podemos aceitar
como verdades as opiniões das quais não se tem a mínima dúvida. Para que seja possível essa
separação entre o verdadeiro e o falso, a dúvida vai assumir um papel hiperbólico, sendo
propositadamente exagerada, o que nos vai indicar que o que nos chega a enganar uma vez
não merece confiança, e o que suscita a mais pequena dúvida será exposto como falso. Com
isto, sabemos que quando nos deparamos com uma opinião da qual não podemos duvidar,
estamos perante uma verdade indubitável.
Descartes sabe que existem verdades, como as matemáticas. O problema é que esta suposta
verdade não foi sujeita ao exame da dúvida, logo não pode ser considerada verdade
indubitável. Com isto, podemos aferir que esta verdade não tem uma base fiável, então, para
encontrar essa verdade indubitável, Descartes vai-se dedicar ao estudo de que todas as
opiniões que recebeu são consideradas falsas. Assim, se alguma das opiniões resistir, será
considerada como verdadeira.
Descartes vai, então, avaliar a solidez das bases do conhecimento que considerou verdadeiras.
Se estas bases forem duvidosas, então, Descartes vai ter razões suficientes para julgar as
opiniões que nelas se apoiam como inaceitáveis.
Os sentidos não podem ser a fonte ou a origem do conhecimento pelo simples facto de estes
não serem uma fonte fiável para identificar verdades. Como a fragilidade da base se deve ao
facto do “sistema de conhecimentos” se basear na ideia de que o conhecimento começa com a
experiência, e a experiência se basear nos sentidos, Descartes considerou que os sentidos não
podem ser dados como firmes e seguros. Assim, como a experiência, os sentidos, nos podem
enganar com alguma frequência, não podemos dar às nossas crenças e opiniões a garantia de
que são totalmente verdadeiras.
O argumento do Deus enganador vai-nos ajudar a duvidar das proposições matemáticas, pois,
como bem sabemos, um polígono de 3 lados é sempre um triângulo quer estejamos acordados
ou não. Para todas as crenças que derivam da razão serem postas em causa, seria necessário
duvidar das matemáticas, pois constituem objetos inteligíveis. Assim, este argumento baseia-
se no facto de que como Deus é um ser omnipotente, pode fazer de tudo para nos fazer
duvidar das coisas mais básicas, podendo ter criado a nossa razão “virada do avesso” (dando
como verdadeiro aquilo que é falso e falso aquilo que é verdadeiro). Assim, com este
argumento, por mais fraco que seja, podemos duvidar de que as verdades matemáticas não
são indubitáveis. Descartes lança, então, a suspeita sobre a verdade das ideias dos objetos
inteligíveis, dizendo para não confiarmos nos resultados da atividade da razão.
O facto de duvidar de tudo e não ter encontrado nenhuma verdade indubitável podia levar
Descartes a cair no ceticismo, mas este acaba por encontrar a primeira verdade indubitável. A
dúvida é um ato que tem de ser exercido por um sujeito, que não pode pôr a sua existência em
causa. Assim, “Penso, logo existo” (cogito) é a primeira e absoluta verdade.
Este é caracterizado por ser o absolutamente primeiro, pois, no sistema dos conhecimentos,
conseguimos ver que o cogito não poderá ter nenhuma verdade anterior, só e somente deste
cogito é que teremos conhecimento das novas verdades. Como a única certeza de Descartes,
depois de muito duvidar e intuir, foi que ele “Pensa, logo existe”, não poderá existir nenhuma
verdade anterior, pois a intuição existencial está acompanhada por uma substância pensante,
sendo que podemos concluir que como o eu existe como “coisa” pensante e este é uma
verdade autoevidente, o primeiro princípio não se baseia em nenhuma verdade.
É uma ideia inata e apesar de não termos desde logo consciência dela, a nossa razão é capaz
de a descobrir. O cogito é, portanto, um modelo e um critério da verdade, onde só serão
verdadeiras todas as ideias que forem tão claras e distintas como este. É, também, o ponto de
partida de todo o saber.
2. A prova ontológica
O outro argumento que prova que Deus existe é uma versão do argumento ontológico. Este
baseia-se na ideia de que a existência é essencial à perfeição. Quando examino a ideia de
triângulo compreendo que os seus três ângulos têm de ser iguais a dois ângulos retos. Do
mesmo modo, quando examino a ideia de um ser perfeito (ou seja, a ideia de Deus)
compreendo que este tem de existir. Afinal, a propriedade de existir é algo que um ser perfeito
não pode deixar de ter; se não existir, não será perfeito, pois faltar-lhe-á essa perfeição.
Como Descartes agora sabe que Deus é um ser perfeito, pode dizer que o conhecimento é
constituído por verdades absolutas. Poderia também dizer que não estava no mundo sozinho,
mas não estar sozinho no mundo implica, de uma certa forma, dizer com total certeza que o
mundo existe, o que não é verdade. Apenas existe a ideia dos objetos físicos, e pensa-se que o
mundo físico é uma realidade extensa.
Sabemos que a primeira realidade física existente é o nosso corpo. No nosso pensamento,
temos imagens das quais não somos autores, pois somos seres que têm emoções, sensações…
que podem acontecer contra a nossa vontade, por isso a sua causa não é o sujeito pensante,
mas o corpo. Com isto, podemos concluir que o ser humano não é só o pensamento mas
também o corpo.
Acreditamos que as coisas físicas existem, como as árvores, mas esse acreditar foi colocado em
nós por Deus, e podemos traduzir essa ideia pelo facto de sermos capazes de formar ideias
sobre as coisa físicas, mesmo contra a nossa vontade. O ser humano não é o causador dessas
ideias, as próprias coisas físicas são. Assim, podemos afirmar que as coisas e o mundo físico
existem, e como sabemos que Deus é um ser perfeito, não temos razões para duvidar de que
se pode tratar de uma ilusão.
Apesar destas ideias, a existência das coisas e do mundo físico não passa de uma crença
intensa na qual podemos confiar, apesar de não ser uma verdade clara e distinta.
7 - Críticas a Descartes
Arnaud escreveu a Descartes dizendo que provar a existência de Deus supondo que é verdade
o que é claro e distinto envolve um raciocínio circular. A crítica consiste em acusar Descartes
de usar o critério da evidência para provar a existência de Deus e usar Deus para fundamentar
esse critério. Descartes prova a existência de Deus partindo do princípio de que tudo o que é
claro e distinto é verdadeiro, mas este critério só é seguro se Deus existir. Descartes acaba,
assim, por envolver-se na falácia da circularidade. Outra crítica é que, no que diz respeito ao
primeiro argumento, pode contestar-se o princípio segundo o qual aquilo que é menos
perfeito não pode criar algo mais perfeito, no qual temos o exemplo da matemática, onde
menos com menos dá mais. Também Descartes é criticado no argumento ontológico, onde a
existência não é necessária à perfeição, como é o caso da geometria, que foi concebida a
priori, não veio primeiro que a experiência, mas sim do pensamento, não sendo algo físico.
Hume pensa que faltou a Descartes uma investigação sobre as capacidades do entendimento
humano. Sem isto, não saberemos do que o nosso entendimento é capaz e quais os seus
limites. Assim, através da anatomia da mente humana, Hume vai mostrar como esta funciona
e como o conhecimento se constitui.
Todos os conteúdos da mente são perceções (sentimentos, desejos). Estes conteúdos mentais
dividem-se em dois tipos, as impressões e as ideias, que se diferenciam pelo seu grau de
intensidade na nossa mente, sendo as impressões mais intensas. As impressões são
constituídas por sensações provenientes dos sentidos e por sentimentos e emoções. Estas são
as perceções atuais que temos das coisas e do mundo e por isso são mais fortes e vivas. As
impressões distinguem-se em simples e complexas. As impressões complexas são conjuntos de
impressões simples que surgem reunidas na nossa mente, por exemplo uma maçã. Uma ideia
simples na mente é semelhante a impressão simples e vice-versa, por exemplo a cor verde. As
ideias são perceções que constituem os nossos pensamentos, são imagens enfraquecidas das
impressões, são um produto da memória e da imaginação. A associação de ideias tem 3
princípios básicos, a semelhança, a contiguidade no tempo e no espaço e a relação de causa
efeito.
Quando estamos a falar de relação de ideias, como por exemplo “Um objeto azul é um objeto
colorido”, estamos a relacionar duas ideias e a dizer que a sua verdade não depende de
nenhuma experiência.
A relação de ideias, quando corretamente feitas, são verdades a priori e necessárias, ou seja,
nunca o vão deixar de ser, são verdades absoluta e necessariamente verdadeiras. Se
tentarmos negar uma relação de ideias vai-nos ser impossível, pois estamos a contradizer a
determinada ideia. Por exemplo, negar que um triângulo é um polígono de três lados é
logicamente impossível. A verdade destas proposições pode muito bem ser conhecida através
da inspeção lógica do seu conteúdo ou mediante demonstrações em raciocínios dedutivos.
Conseguimos, então, determinar que as verdades da Lógica e da Matemática são
necessariamente verdadeiras, pois são relações de ideias às quais intervém o raciocínio
dedutivo.
Quando estamos a falar de uma relação de factos, como por exemplo “O quadrado tem quatro
lados”, estamos a relacionar factos e a dizer que a sua verdade é necessária.
A relação de factos, são conhecimentos a posteriori, precisam de recorrer à experiência para
verificar a sua veracidade. A verdade das proposições que constituem conhecimentos factuais
são contingentes e não necessárias, pois a sua negação é logicamente concebível. Por
exemplo, é possível que o Sol não nasça daqui a 40 anos, apesar de pouco provável. Assim,
esta relação de factos nunca poderá alcançar a absoluta certeza. Com isto, conseguimos
determinar que as ciências humanas e da natureza são exemplos de conhecimentos factuais,
que se baseiam maioritariamente nos raciocínios indutivos, nos raciocínios em que é preciso
confrontar o pensamento com a realidade.