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1 - Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva

Segundo a gnosiologia, o sujeito é quem observa e o objeto é o que é observado, existindo


uma relação. Todo o conhecimento que existe tem necessariamente de ser de um sujeito
sobre um objeto. Esta dualidade tem forçosamente de continuar em separação, pois não seria
possível o conhecimento se o sujeito passasse a objeto e vice-versa, sendo que o
conhecimento vai ser sempre conhecido pela dualidade entre sujeito e objeto.
Apesar desta dualidade, existe também uma correlação, que consiste no facto de o sujeito ser
sujeito para o objeto e vice-versa. Com isto, sabemos que não se pode pensar em sujeito sem
se pensar em objeto e vice-versa, sendo chamados de termos correlativos.
Contudo, esta correlação é irreversível, ou seja, não existe a possibilidade de o sujeito se
tornar objeto e o objeto se tornar em sujeito, logo não existe reversibilidade.
Além da correlação e da irreversibilidade, existe outra relação que consiste no sujeito “sair” de
si mesmo em direção ao objeto para se apoderar do mesmo. Porém, esse apoderar não
consiste em agarrar o objeto fisicamente, pois isso acabaria com a correlação. O sujeito
apodera-se do objeto através de um pensamento do mesmo. Assim, envés de termos apenas o
sujeito e o objeto na correlação do conhecimento, podemos incluir também o pensamento,
que visto pelo ponto de vista do sujeito é a modificação que o sujeito causa em si e visto pelo
ponto de vista do objeto é a modificação que o objeto causa nos pensamentos do sujeito.

2 – O racionalismo de Descartes
1. O projeto de Descartes (garantir que o nosso conhecimento é constituído por verdades
indubitáveis)

O projeto de Descartes consiste em garantir que o nosso conhecimento é constituído por


verdades indubitáveis.

Descartes propôs-se fazer este projeto pelo facto da base do conhecimento não ser sólida e
firme, pois não é constituída por verdades indubitáveis.

A fragilidade da base deve-se ao facto de o sistema de conhecimentos se basear na ideia da


inspiração aristotélica e medieval de que todo o conhecimento começa com a experiência.

Apesar dos sentidos nos enganarem com frequência, Descartes não nega que algumas das
crenças sejam verdadeiras, duvida da justificação ou da fundamentação. Assim, fazendo com
que o conhecimento dependa da experiência, impede que haja uma justificação firme e segura
das verdades que descobrimos.

A outra razão é o facto de os supostos conhecimentos não estarem racionalmente


organizados. Podem existir verdades na experiência, mas precisamos de as colocar à prova
para termos a certeza. Temos de as organizar de modo que de uma verdade indubitável se
deduzam outras verdades evidentes.

2. A importância da função da dúvida metódica para começar de novo desde os


fundamentos

A dúvida utiliza-se na procura de uma verdade indubitável, tendo como objetivo chegar a uma
verdade que resista a quaisquer tentativas de a pôr em causa. É uma forma metódica de
investigar a verdade, separando o verdadeiro do falso, indicando-nos que só podemos aceitar
como verdades as opiniões das quais não se tem a mínima dúvida. Para que seja possível essa
separação entre o verdadeiro e o falso, a dúvida vai assumir um papel hiperbólico, sendo
propositadamente exagerada, o que nos vai indicar que o que nos chega a enganar uma vez
não merece confiança, e o que suscita a mais pequena dúvida será exposto como falso. Com
isto, sabemos que quando nos deparamos com uma opinião da qual não podemos duvidar,
estamos perante uma verdade indubitável.
Descartes sabe que existem verdades, como as matemáticas. O problema é que esta suposta
verdade não foi sujeita ao exame da dúvida, logo não pode ser considerada verdade
indubitável. Com isto, podemos aferir que esta verdade não tem uma base fiável, então, para
encontrar essa verdade indubitável, Descartes vai-se dedicar ao estudo de que todas as
opiniões que recebeu são consideradas falsas. Assim, se alguma das opiniões resistir, será
considerada como verdadeira.
Descartes vai, então, avaliar a solidez das bases do conhecimento que considerou verdadeiras.
Se estas bases forem duvidosas, então, Descartes vai ter razões suficientes para julgar as
opiniões que nelas se apoiam como inaceitáveis.

3 - A destruição das bases do sistema dos conhecimentos estabelecidos


1. Os sentidos

Os sentidos não podem ser a fonte ou a origem do conhecimento pelo simples facto de estes
não serem uma fonte fiável para identificar verdades. Como a fragilidade da base se deve ao
facto do “sistema de conhecimentos” se basear na ideia de que o conhecimento começa com a
experiência, e a experiência se basear nos sentidos, Descartes considerou que os sentidos não
podem ser dados como firmes e seguros. Assim, como a experiência, os sentidos, nos podem
enganar com alguma frequência, não podemos dar às nossas crenças e opiniões a garantia de
que são totalmente verdadeiras.

2. O mundo físico (argumento dos sonhos)

O argumento dos sonhos baseia-se no facto de ser impossível encontrar um critério


convincente que vá permitir a distinção dos sonhos e da realidade, ou seja, existem
acontecimento que são vividos com imensa intensidade durante um sonho como quando
estamos acordados. Existe, então, uma razão para pensarmos que aquilo que consideramos
real não passa de um sonho. Assim, não havendo um critério claro e distinto para distinguir o
sonho da realidade, não podemos considerar verdadeira a crença da existência das realidades
físicas. Assim, ao aplicar o princípio da dúvida hiperbólica, podemos concluir que o facto de
julgarmos que não temos corpo e de existirem coisas físicas não passa de uma mera ilusão.

3. As verdades racionais (cálculos matemáticos e a existência de um Deus enganador)

O argumento do Deus enganador vai-nos ajudar a duvidar das proposições matemáticas, pois,
como bem sabemos, um polígono de 3 lados é sempre um triângulo quer estejamos acordados
ou não. Para todas as crenças que derivam da razão serem postas em causa, seria necessário
duvidar das matemáticas, pois constituem objetos inteligíveis. Assim, este argumento baseia-
se no facto de que como Deus é um ser omnipotente, pode fazer de tudo para nos fazer
duvidar das coisas mais básicas, podendo ter criado a nossa razão “virada do avesso” (dando
como verdadeiro aquilo que é falso e falso aquilo que é verdadeiro). Assim, com este
argumento, por mais fraco que seja, podemos duvidar de que as verdades matemáticas não
são indubitáveis. Descartes lança, então, a suspeita sobre a verdade das ideias dos objetos
inteligíveis, dizendo para não confiarmos nos resultados da atividade da razão.

4 - A primeira verdade indubitável: “Penso, logo existo”


1. A existência do eu
2. Características do cogito

O facto de duvidar de tudo e não ter encontrado nenhuma verdade indubitável podia levar
Descartes a cair no ceticismo, mas este acaba por encontrar a primeira verdade indubitável. A
dúvida é um ato que tem de ser exercido por um sujeito, que não pode pôr a sua existência em
causa. Assim, “Penso, logo existo” (cogito) é a primeira e absoluta verdade.
Este é caracterizado por ser o absolutamente primeiro, pois, no sistema dos conhecimentos,
conseguimos ver que o cogito não poderá ter nenhuma verdade anterior, só e somente deste
cogito é que teremos conhecimento das novas verdades. Como a única certeza de Descartes,
depois de muito duvidar e intuir, foi que ele “Pensa, logo existe”, não poderá existir nenhuma
verdade anterior, pois a intuição existencial está acompanhada por uma substância pensante,
sendo que podemos concluir que como o eu existe como “coisa” pensante e este é uma
verdade autoevidente, o primeiro princípio não se baseia em nenhuma verdade.
É uma ideia inata e apesar de não termos desde logo consciência dela, a nossa razão é capaz
de a descobrir. O cogito é, portanto, um modelo e um critério da verdade, onde só serão
verdadeiras todas as ideias que forem tão claras e distintas como este. É, também, o ponto de
partida de todo o saber.

3. A distinção entre a alma e o corpo

A distinção alma-corpo é a primeira verdade deduzida do cogito, “Penso, logo existo”.


Descartes, chegando à conclusão de que se duvidava, existia e que, portanto, era uma
substância cuja essência é unicamente pensar, não precisando de nenhum lugar nem
dependendo de coisa alguma, assume que esse eu é a alma, pelo que é inteiramente distinta
do corpo, e até mais fácil de conhecer. Ainda que este não existisse, a alma não deixaria de ser
tudo o que é. É impossível duvidar da nossa existência enquanto pensamento, embora seja
possível duvidar da existência do nosso corpo. Não sei se existem realmente corpos nem se
tenho um, só e somente sei que existo enquanto penso. Assim, a existência da alma é
totalmente independente do corpo.

5 - Do cogito a Deus (a existência de Deus)


1. A ideia de perfeito

Descartes vai resolver dois problemas, a hipótese do Deus enganador e a existência de um


mundo físico. Irá resolvê-los provando que Deus existe e que não é enganador. Descartes
apresenta, então, um argumento bem estruturado, tendo como ponto de partida a ideia de
um ser perfeito. A seguir coloca duas hipóteses de solução para o problema. A causa da
existência da ideia de perfeito sendo, ou o sujeito pensante ou uma realidade diferente dele.
Formula, então, o princípio de causalidade para resolver o problema, que nos diz que tudo tem
uma causa, que a causa não pode ser inferior ao efeito em termos de realidade. A causa da
ideia de perfeição tem de possuir tanta perfeição quanto a ideia. Assim, o sujeito não pode ser
a causa da ideia de perfeito. Se este fosse a causa de ser perfeito, teria de ser a causa das
qualidades que constituem a ideia de Deus. Como as qualidades do ser perfeito são perfeições,
o sujeito pensante teria de ser perfeito para ser o seu autor. Logo, o sujeito pensante não pode
ser a causa da ideia da perfeição. Conclui-se, assim, que Deus, o ser perfeito, é a causa
necessária da ideia de perfeito. Se a ideia de um ser perfeito existe, o ser perfeito que a pôs no
sujeito pensante existe.

2. A prova ontológica

O outro argumento que prova que Deus existe é uma versão do argumento ontológico. Este
baseia-se na ideia de que a existência é essencial à perfeição. Quando examino a ideia de
triângulo compreendo que os seus três ângulos têm de ser iguais a dois ângulos retos. Do
mesmo modo, quando examino a ideia de um ser perfeito (ou seja, a ideia de Deus)
compreendo que este tem de existir. Afinal, a propriedade de existir é algo que um ser perfeito
não pode deixar de ter; se não existir, não será perfeito, pois faltar-lhe-á essa perfeição.

6 - A função de Deus no sistema cartesiano dos conhecimentos


1. Deus é a garantia das verdades objetivas

No terceiro momento da dúvida, Descartes apresentava o argumento de existir um Deus


enganador. Com a segunda verdade obtida por dedução pelo cogito, como está provada a
existência de um Deus perfeito, Descartes vai chegar à conclusão de que a primeira afirmação
que fez não faz sentido. Assim, uma das verdades metafísicas pode ser considerada o facto de
Deus ser um ser omnipotente, logo perfeito, um ser não enganador. Com isto, podemos
chegar à conclusão de que podemos confiar na nossa razão para descobrir verdades. Mesmo
assim, apesar do cogito ser a primeira verdade indubitável, Deus é que é o criador de todo o
saber, pois não é enganador e é a garantia de que a verdade é tudo aquilo claro e distinto, logo
evidente. Portanto, a outra verdade metafísica é que, para fundamentarmos o critério da
evidência, precisamos de Deus, e o facto de este não ser enganador apenas mostra que
podemos confiar na nossa razão desde que façamos juízos apenas daquilo que conhecemos
com distinção e clareza.
Pode-se considerar que Deus é o fundamento metafísico do conhecimento, pois vai ser Deus
quem vai garantir que tudo aquilo que é claro e distinto, logo evidente, seja uma verdade
objetiva. Tudo aquilo que Descartes ambiciona como firme, seguro e constante só pode ser
assegurado por verdades divinas, ou seja, é Deus que garante que a verdade não muda. O
conhecimento tem, então, um fundamento metafísico que é Deus, o ser que justifica as nossas
crenças de que o que é claro e distinto, logo evidente, é sempre verdade.

2. A existência do mundo físico

Como Descartes agora sabe que Deus é um ser perfeito, pode dizer que o conhecimento é
constituído por verdades absolutas. Poderia também dizer que não estava no mundo sozinho,
mas não estar sozinho no mundo implica, de uma certa forma, dizer com total certeza que o
mundo existe, o que não é verdade. Apenas existe a ideia dos objetos físicos, e pensa-se que o
mundo físico é uma realidade extensa.
Sabemos que a primeira realidade física existente é o nosso corpo. No nosso pensamento,
temos imagens das quais não somos autores, pois somos seres que têm emoções, sensações…
que podem acontecer contra a nossa vontade, por isso a sua causa não é o sujeito pensante,
mas o corpo. Com isto, podemos concluir que o ser humano não é só o pensamento mas
também o corpo.
Acreditamos que as coisas físicas existem, como as árvores, mas esse acreditar foi colocado em
nós por Deus, e podemos traduzir essa ideia pelo facto de sermos capazes de formar ideias
sobre as coisa físicas, mesmo contra a nossa vontade. O ser humano não é o causador dessas
ideias, as próprias coisas físicas são. Assim, podemos afirmar que as coisas e o mundo físico
existem, e como sabemos que Deus é um ser perfeito, não temos razões para duvidar de que
se pode tratar de uma ilusão.
Apesar destas ideias, a existência das coisas e do mundo físico não passa de uma crença
intensa na qual podemos confiar, apesar de não ser uma verdade clara e distinta.

7 - Críticas a Descartes
Arnaud escreveu a Descartes dizendo que provar a existência de Deus supondo que é verdade
o que é claro e distinto envolve um raciocínio circular. A crítica consiste em acusar Descartes
de usar o critério da evidência para provar a existência de Deus e usar Deus para fundamentar
esse critério. Descartes prova a existência de Deus partindo do princípio de que tudo o que é
claro e distinto é verdadeiro, mas este critério só é seguro se Deus existir. Descartes acaba,
assim, por envolver-se na falácia da circularidade. Outra crítica é que, no que diz respeito ao
primeiro argumento, pode contestar-se o princípio segundo o qual aquilo que é menos
perfeito não pode criar algo mais perfeito, no qual temos o exemplo da matemática, onde
menos com menos dá mais. Também Descartes é criticado no argumento ontológico, onde a
existência não é necessária à perfeição, como é o caso da geometria, que foi concebida a
priori, não veio primeiro que a experiência, mas sim do pensamento, não sendo algo físico.

8 - O empirismo de David Hume


1. O projeto de Hume (análise das capacidades do entendimento humano)

Hume pensa que faltou a Descartes uma investigação sobre as capacidades do entendimento
humano. Sem isto, não saberemos do que o nosso entendimento é capaz e quais os seus
limites. Assim, através da anatomia da mente humana, Hume vai mostrar como esta funciona
e como o conhecimento se constitui.

2. Os conteúdos da mente (impressões e ideias)

Todos os conteúdos da mente são perceções (sentimentos, desejos). Estes conteúdos mentais
dividem-se em dois tipos, as impressões e as ideias, que se diferenciam pelo seu grau de
intensidade na nossa mente, sendo as impressões mais intensas. As impressões são
constituídas por sensações provenientes dos sentidos e por sentimentos e emoções. Estas são
as perceções atuais que temos das coisas e do mundo e por isso são mais fortes e vivas. As
impressões distinguem-se em simples e complexas. As impressões complexas são conjuntos de
impressões simples que surgem reunidas na nossa mente, por exemplo uma maçã. Uma ideia
simples na mente é semelhante a impressão simples e vice-versa, por exemplo a cor verde. As
ideias são perceções que constituem os nossos pensamentos, são imagens enfraquecidas das
impressões, são um produto da memória e da imaginação. A associação de ideias tem 3
princípios básicos, a semelhança, a contiguidade no tempo e no espaço e a relação de causa
efeito.

9 - Os objetos (tipos) do conhecimento humano


1. Relação de ideias (o conhecimento a priori)

Quando estamos a falar de relação de ideias, como por exemplo “Um objeto azul é um objeto
colorido”, estamos a relacionar duas ideias e a dizer que a sua verdade não depende de
nenhuma experiência.
A relação de ideias, quando corretamente feitas, são verdades a priori e necessárias, ou seja,
nunca o vão deixar de ser, são verdades absoluta e necessariamente verdadeiras. Se
tentarmos negar uma relação de ideias vai-nos ser impossível, pois estamos a contradizer a
determinada ideia. Por exemplo, negar que um triângulo é um polígono de três lados é
logicamente impossível. A verdade destas proposições pode muito bem ser conhecida através
da inspeção lógica do seu conteúdo ou mediante demonstrações em raciocínios dedutivos.
Conseguimos, então, determinar que as verdades da Lógica e da Matemática são
necessariamente verdadeiras, pois são relações de ideias às quais intervém o raciocínio
dedutivo.

2. Questões de facto (o conhecimento de facto ou a posteriori)

Quando estamos a falar de uma relação de factos, como por exemplo “O quadrado tem quatro
lados”, estamos a relacionar factos e a dizer que a sua verdade é necessária.
A relação de factos, são conhecimentos a posteriori, precisam de recorrer à experiência para
verificar a sua veracidade. A verdade das proposições que constituem conhecimentos factuais
são contingentes e não necessárias, pois a sua negação é logicamente concebível. Por
exemplo, é possível que o Sol não nasça daqui a 40 anos, apesar de pouco provável. Assim,
esta relação de factos nunca poderá alcançar a absoluta certeza. Com isto, conseguimos
determinar que as ciências humanas e da natureza são exemplos de conhecimentos factuais,
que se baseiam maioritariamente nos raciocínios indutivos, nos raciocínios em que é preciso
confrontar o pensamento com a realidade.

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