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CONHECIMENTO
Resposta de Descartes
O FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O fundacionalismo…
• é uma das respostas clássicas para o problema do ceticismo;
• sustenta que a existência de crenças básicas, autoevidentes, põe um travão na
regressão das cadeias de justificações, tornando possível a existência de
crenças justificadas e, por conseguinte, do conhecimento;
• apresenta-nos uma imagem do conhecimento como um enorme edifício
sustentado por alicerces inabaláveis: as crenças básicas ou fundacionais.
Descartes não estava disposto a aceitar o ceticismo sem tentar escapar à conclusão
aparentemente inevitável de que nada se pode saber.
uma crença básica que seja de tal modo autoevidente que nem a mais
extrema das dúvidas a põe em causa.
Uma crença com estas características constituiria uma base sólida sobre a
qual poderia edificar com segurança o conhecimento.
O PROJETO CARTESIANO
Fundacionalismo
Cartesiano
Objetivo Método
Conhecimento Dúvida metódica
seguro
O PROJETO CARTESIANO
Para concretizar os seus propósitos, Descartes não precisa de examinar cada crença
isoladamente (tarefa que seria interminável).
Basta…
• Analisar as principais fontes das nossas crenças e rejeitar todas as crenças
minimamente duvidosas; se detetarmos o menor grau de dúvida numa
dessas fontes, temos uma justificação para rejeitar todas as crenças que dela
provenham.
DÚVIDA CARTESIANA VS. DÚVIDA CÉTICA
Não se trata, portanto, de uma suspensão permanente do juízo, mas sim de uma
decisão de considerar provisoriamente falso tudo o que seja
minimamente duvidoso.
Isto significa que, à partida, a dúvida cartesiana não conhece limites e não há nada
de que não seja legítimo duvidar. Neste sentido, ela é absolutamente universal;
por princípio, pode aplicar-se a tudo, pelo menos até que se encontre algo que seja
absolutamente indubitável.
DÚVIDA CARTESIANA VS. DÚVIDA CÉTICA
Descartes leva a dúvida ao seu extremo, de tal modo que rejeita como falso tudo
aquilo que seja meramente duvidoso, razão pela qual se apelida a dúvida cartesiana
de hiperbólica (do grego hyperbolé, que significa excesso ou exagero).
Os sentidos
O primeiro argumento de Descartes baseia-se nas ilusões dos sentidos, que nos
enganam em diversas ocasiões: por exemplo, quando vemos uma cana
mergulhada na água parece que está partida; muitas vezes, objetos longínquos
parecem redondos, quando na realidade são quadrados; por vezes, parece que
nos estão a chamar e afinal é só o vento a passar; pode parecer-nos que cheira a
batatas fritas quando alguém está a fritar rissóis, etc.
RAZÕES PARA DUVIDAR
Será este argumento suficiente para nos persuadir de que nunca temos justificação
para acreditar nos nossos sentidos?
Muitos autores consideram que não. Embora a primeira premissa seja claramente
verdadeira, a segunda premissa deixa muito a desejar. Do facto de, por vezes, os
nossos sentidos nos enganarem não se segue que temos boas razões para nunca
confiar neles, até porque a maior parte dessas ilusões pode facilmente ser resolvida
recorrendo aos próprios sentidos.
RAZÕES PARA DUVIDAR
Por exemplo, posso aproximar-me para ver um objeto mais de perto, posso usar
uma régua para fazer medições mais exatas e, sobretudo, posso sempre usar os
outros sentidos para me certificar de que não estou a ser iludido por um deles (se
tocar na cana, constato que afinal não estava partida; se abrir a janela, vejo que não
está ninguém a chamar-me; ao sentir o vento no rosto e ao ver as árvores a abanar,
descubro que fui enganado pelo som do vento e se olhar para a frigideira posso ver
que o cheiro a fritos afinal vem dos rissóis...).
RAZÕES PARA DUVIDAR
A indistinção vigília-sono
Descartes reforça o argumento das ilusões dos sentidos com uma razão
adicional para duvidarmos de tudo aquilo que tenha uma origem
sensível: devemos duvidar da experiência sensível, pois, por vezes, acreditamos
que estamos a ter uma determinada experiência, quando na realidade estamos
apenas a sonhar.
RAZÕES PARA DUVIDAR
Mas se refletirmos mais sobre o assunto, acabaremos por nos aperceber que quer
estejamos a dormir quer estejamos acordados parecem existir conhecimentos à
prova deste argumento, nomeadamente, as verdades da geometria e da aritmética
“2 + 3 = 5"
"um quadrado tem sempre quatro lados"
RAZÕES PARA DUVIDAR
No entanto, Descartes pretende levar a sua dúvida tão longe quanto possível e,
por isso, vai propor novos argumentos que ponham à prova mesmo
conhecimentos que, à partida, parecem tão seguros e indubitáveis.
RAZÕES PARA DUVIDAR
Erros de raciocínio
Descartes considera que, por muito indubitáveis que as verdades da geometria e
da aritmética nos possam parecer, existem tópicos mais complexos acerca dos
quais podemos sempre cometer certos erros de raciocínio.
Descartes acreditava que não. E para o provar concebeu uma das experiências
mentais mais famosas da história da filosofia.
RAZÕES PARA DUVIDAR
Desde cedo nos é incutida a crença de que fomos criados por um ser superior,
sumamente inteligente e de poderes ilimitados.
RAZÕES PARA DUVIDAR
Ora, um ser com estas características poderia introduzir nas nossas mentes as
ideias que bem entendesse, fazendo-nos tomar por evidências os maiores
absurdos que possamos imaginar. Poderia, por exemplo, fazer-nos acreditar que
um quadrado tem quatro lados quando na realidade teria apenas três.
Uma vez que não se espera que este ser exiba a perfeição moral
característica de um ser perfeito, não corremos o risco de cair em
contradição.
RAZÕES PARA DUVIDAR
Enquanto a Hipótese do Génio Maligno não for afastada, não podemos estar
certos de que, quer as crenças que têm origem na experiência sensível, quer as
que têm origem no raciocínio não sejam mais do que maquinações do Génio
Maligno. O Génio Maligno pode fazer-nos acreditar que estamos a ter
determinadas experiências, pode introduzir-nos falsas memórias e pode virar o
nosso intelecto do avesso, de forma que até as mais elementares demonstrações
matemáticas não passem de ilusões que este introduz nas nossas mentes. O que
é que resiste a esta dúvida? Aparentemente, nada. (Descartes)
RAZÕES PARA DUVIDAR
Vejamos como fica este argumento explicitamente formulado:
(1) Não podemos saber se existe um Génio Maligno, extremamente poderoso e astuto, que nos pode
enganar relativamente a tudo o que pensamos.
(2) Se não podemos saber se existe um tal Génio Maligno, então a maioria das nossas crenças são falsas
ou, ainda que sejam verdadeiras, são-no apenas por acaso (pois não temos nenhuma justificação para
acreditar que não se trata de uma das suas maquinações).
(3) Se as nossas crenças ou são falsas ou são verdadeiras apenas por acaso, então não temos
conhecimento (pois só temos conhecimento se tivermos crenças verdadeiras justificadas).
(4) Logo, não temos conhecimento.
Será esta a única conclusão que podemos extrair se decidirmos aplicar a dúvida
cartesiana? O que é que poderia resistir a uma dúvida tão extrema?
O PAPEL DO COGITO
NO FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O TRIUNFO SOBRE O CETICISMO
O problema está na segunda premissa do argumento, pois, ainda que eu não possa
saber se estou, ou não, a ser enganado por um Génio Maligno, existe algo que
posso saber com toda a certeza: que existo.
Mesmo que o Génio Maligno exista e se esforce tanto quanto pode para me
enganar, nunca me poderá convencer de que não existo, pois, para que me possa
convencer seja do que for, eu tenho necessariamente de existir.
O PAPEL DO COGITO
NO FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O TRIUNFO SOBRE O CETICISMO
Esta constatação conduziu a uma das mais célebres passagens da história da
filosofia:
“Mas, logo a seguir, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso,
era de todo necessário que eu, que o pensava, tivesse alguma coisa. E, notando
que esta verdade: “penso, logo existo”, era tão e tão certa que todas as
extravagantes suposições dos céticos não eram capazes de a abalar, julguei que a
podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava.”
(Descartes)
O PAPEL DO COGITO
NO FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O TRIUNFO SOBRE O CETICISMO
Deste modo, Descartes encontrou uma crença que resiste ao mais radical processo
de dúvida que se possa imaginar: Penso, logo existo.
A sua verdade não pode consistentemente ser posta em causa, pois para se
poder duvidar do que quer que seja é preciso existir.
Quem quer que se questione acerca da veracidade do cogito tem
automaticamente justificação para acreditar nele.
O PAPEL DO COGITO
NO FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O TRIUNFO SOBRE O CETICISMO
O cogito é uma crença básica, que não precisa de ser justificada com base noutras
crenças e, por conseguinte, pode estabelecer-se como primeira evidência,
fornecendo os alicerces seguros que Descartes procurava para edificar o
conhecimento.
Deste modo, podemos considerar que o cogito representa o tão desejado triunfo
sobre o ceticismo.
O PAPEL DO COGITO
NO FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O TRIUNFO SOBRE O CETICISMO
Por mais extremas que as nossas dúvidas possam ser, existirá sempre pelo
menos uma coisa que podemos saber com toda a certeza: que existimos.
Mas será esta crença suficiente para fundar todo o nosso conhecimento do mundo?
Será que saber que existimos é suficiente para saber que temos um corpo e restaurar
a nossa confiança nas nossas experiências sensíveis?
O PAPEL DO COGITO
NO FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O TRIUNFO SOBRE O CETICISMO
Podemos estar certos, ainda que o Génio nos engane, que temos de existir de
algum modo para que este nos possa enganar. Mas isso não implica que tenhamos
necessariamente um corpo.
Ou seja…
Sabemos, com toda a certeza, que existimos enquanto coisa que pensa,
ou res cogitans (coisa/substância pensante, em latim)
O cogito não é suficiente para nos assegurar que temos um corpo, nem que as
nossas experiências percetivas são fiáveis.
Ao tomar consciência de que pode imaginar que não tem um corpo, sem que isso
implique que não existe, Descartes conclui que é essencialmente uma substância
pensante, isto é, uma mente ou alma imaterial que existe independentemente
do corpo e que é de natureza inteiramente distinta do mesmo.
Dualismo cartesiano
UMA COISA PENSANTE (RES COGITANS)
Mas se a única coisa que Descartes conseguiu demonstrar, até ao momento, foi a
sua existência enquanto coisa pensante, poderá ele alguma vez estar certo de que
sabe alguma coisa para além disso?
Descartes considerava que, uma vez que o que torna o cogito uma crença tão
evidente não é mais do que o seu elevado grau de clareza e distinção, estas
características deveriam ser adotadas como critério de verdade, ou seja, como
procedimento que nos permite distinguir o que é absolutamente verdadeiro do que
é meramente duvidoso ou falso.
(1) Se não puder estar certo daquilo que concebo clara e distintamente, então
não posso estar certo do cogito,
(2) Posso estar certo do cogito.
(3) Logo, posso estar certo daquilo que concebo clara e distintamente.
UM CRITÉRIO DE VERDADE
Deste modo, para saber se uma determinada proposição é verdadeira, bastará que
Descartes a conceba clara e distintamente.
Mas será que, para além do cogito, existe alguma proposição com estas
características?
A IDEIA DE DEUS
Pensa então: "Se eu conseguir provar que Deus existe e não é enganador, talvez
possa estar certo de muitas outras coisas para além de saber que existo enquanto
coisa pensante, pois um criador supremo e sumamente bom não me teria feito de
modo a que nunca pudesse conhecer a verdade acerca de coisa alguma."
A IDEIA DE DEUS
O Argumento da Marca
No entanto, apesar de não ser perfeito, ele tem a ideia de Ser Perfeito. Ora,
Descartes subscreve o Princípio da Causalidade.
Tudo o que existe tem uma causa. Mas qual poderá ser a causa
desta ideia? Poderia ser ele próprio o seu autor?
A IDEIA DE DEUS
Descartes vai tentar demonstrar que não pode ser ele o autor dessa ideia, pois na
sua opinião uma causa deve ter pelo menos tanta realidade quanto os seus efeitos.
Isto significa que, tal como o nada não pode dar origem seja ao que for, também o
menos perfeito não pode dar origem a algo que seja mais perfeito.
Assim, e uma vez que não é perfeito, Descartes conclui que não pode ser ele a
origem da ideia de perfeição.
Esta ideia deve ter origem em algo que seja pelo menos tão
perfeito quanto ela, ou seja, em Deus.
A IDEIA DE DEUS
Deste modo, Descartes acredita ter conseguido provar que, para além do cogito,
pode estar certo da existência de Deus.
Este argumento ficou conhecido como Argumento da Marca porque é como se, ao
criar-nos, Deus tivesse introduzido nas nossas mentes a ideia de perfeição, para
que esta funcionasse como uma espécie de marca, ou assinatura, do autor.
O PAPEL DE DEUS NO FUNDACIONALISMO
CARTESIANO
Mas se Deus nos concedeu tais ferramentas, por que razão estamos sujeitos à
dúvida e ao erro?
O PAPEL DE DEUS NO FUNDACIONALISMO
CARTESIANO
Resposta de Descartes: Deus é perfeito e, como tal, é sumamente bom, por isso
decidiu criar-nos com livre-arbítrio. No entanto, muito embora uma vontade livre
seja, de facto, uma dádiva de valor inigualável, ela traz consigo um pequeno
inconveniente: a possibilidade de fazer escolhas acarreta a possibilidade de fazer
más escolhas.
Assim, Descartes conclui que o erro não vem de Deus, que é perfeito, mas sim de
nós, que, não sendo perfeitos, fazemos por vezes um mau uso da nossa liberdade,
dando assentimento a coisas que não concebemos muito clara e distintamente.
O PAPEL DE DEUS NO FUNDACIONALISMO
CARTESIANO
Portanto, uma vez provado que Deus existe e não é enganador, não temos razões
para acreditar que nos possamos enganar quando concebemos algo com clareza e
distinção. Aliás, o próprio Descartes reconhece que é justamente por esse motivo
que podemos confiar naquilo que concebemos com clareza e distinção.
O PAPEL DE DEUS NO FUNDACIONALISMO
CARTESIANO
Sem esta garantia não seria sequer possível avançar um argumento, pois não
poderíamos garantir a verdade de cada uma das suas premissas nem poderíamos
estar seguros de que, num argumento com mais do que uma premissa, a primeira
premissa permaneceria verdadeira no momento em que deixássemos de a ter
presente para conceber a segunda, e assim sucessivamente.
A FASE CONSTRUTIVA DO
FUNDACIONALISMO CARTESIANO
Mas, então, o que acontece quando nos deixamos enganar pelos sentidos?
2. Além disso, nos sonhos acontecem frequentemente coisas demasiado insólitas para
que sejam reais.
Deste modo, Descartes acredita ter finalmente triunfado sobre a mais radical das dúvidas;
mas será isto verdade?
Segundo esta objeção Descartes nem sequer deveria dizer "Eu penso", deveria
dizer simplesmente "há pensamento", como quem diz "troveja". Tudo o que
Descartes conseguiu mostrar foi que existe pensamento, mas não a existência de
um qualquer Eu a quem esse pensamento tenha necessariamente de pertencer.
2. Descartes pressupõe que duvidar é menos perfeito do que saber, para concluir
que, uma vez que duvida, não pode, ele mesmo, ser o Ser Perfeito. Mas por
que razão não podemos considerar que duvidar é mais perfeito do que possuir a
totalidade do conhecimento? Um saber completo e perfeitamente delimitado
pode ser encarado por muitos como demasiado monótono e estático,
incompatível com uma ideia dinâmica de perfeição, envolvendo
necessariamente algum espaço para o progresso.
OBJEÇÕES AO
FUNDACIONALISMO CARTESIANO
O círculo cartesiano
Esta é, talvez, a objeção mais forte. Consiste na acusação de que Descartes incorre
numa petição de princípio, pois recorre às suas capacidades racionais para
estabelecer a existência de Deus e recorre a Deus para justificar a confiança nas
suas capacidades racionais – este é um exercício de raciocínio claramente circular.