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GÁLATAS

S A L U S I N C A R I T A T E

FRUTOS DO ESPÍRITO
SANTO POR SÃO
TOMÁS DE AQUINO

D O U T O R A N G É L I C O D A I G R E J A
FRUTOS DO ESPÍRITO // COMETÁRIOS SÃO TOMÁS DE AQUINO

O QUE É UM DOUTOR DA IGREJA?


Os Doutores da Igreja são homens e mulheres ilustres que, pela sua santidade,
pela ortodoxia de sua fé, e principalmente pelo eminente saber teológico,
atestado por escritos vários, foram honrados com tal título por desígnio da Igreja.
Os Doutores se assemelham aos Padres da Igreja, dos quais também diferem.

Padres da Igreja são aqueles cristãos (Bispos, presbíteros, diáconos ou leigos) que
contribuíram eficazmente para a reta formulação das verdades da fé (SS.
Trindade, Encarnação do Verbo, Igreja, Sacramentos. ..) nos tempos dos grandes
debates e heresias. O seu período se encerra em 604 (com a morte de S. Gregório
Magno) no Ocidente e em 749 (com a morte de S. João Damasceno) no Oriente.

Para que alguém seja considerado Padre da Igreja, requer-se antiguidade (até os
séculos VII/VIII), ao passo que isto não ocorre com um  Doutor.Para os Padres da
Igreja, basta o reconhecimento concreto, não explicitado, da Igreja, ao passo que
para os Doutores se requer uma proclamação explicita feita por um Papa ou por
um Concílio. Para os Padres, não se requer um saber extraordinário, ao passo que
para um Doutor se exige um saber de grande vulto.

EM SUMA
Doutor da Igreja é aquele cristão ou aquela cristã que se distinguiu por notório
saber teológico em qualquer época da história. O conceito de Doutor da Igreja
difere do de Padre da Igreja, pois Padre da Igreja é somente aquele que
contribuiu para a reta formulação dos artigos da fé até o século VII no Ocidente e
até o século VIII no Oriente. Há  Padres da Igreja que são Doutores. Assim os
quatro maiores Padres latinos (S. Ambrósio, S. Agostinho, S. Jerônimo e S.
Gregório Magno) e os quatro maiores Padres gregos (S. Atanásio, S. Basílio, S.
Gregório de Nazianzeno e S. João Crisóstomo).

Portanto, o parecer de um Doutor da Igreja é maior do que achismos,


independente do assunto em estudo ou discussão.
SALUS IN CARITATE

SÃO TOMÁS DE AQUINO


"Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e
faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para
falar, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir..."

Conta-se que, quando criança, com cinco anos, Tomás, ao ouvir os monges cantando
louvores a Deus, cheio de admiração perguntou: “Quem é Deus?”.A vida de santidade
de Santo Tomás foi caracterizada pelo esforço em responder, inspiradamente para si,
para os gentios e a todos sobre os Mistérios de Deus.

Nasceu em 1225 numa nobre família, a qual lhe proporcionou ótima formação, porém,
visando a honra e a riqueza do inteligente jovem, e não a Ordem Dominicana, que
pobre e mendicante atraia o coração de Aquino.Diante da oposição familiar,
principalmente da mãe condessa, Tomás chegou a viajar às escondidas para Roma com
dezenove anos, para um mosteiro dominicano. No entanto, ao ser enviado a Paris, foi
preso pelos irmãos servidores do Império. Levado ao lar paterno, ficou, ordenado pela
mãe, um tempo detido. Tudo isto com a finalidade de fazê-lo desistir da vocação, mas
nada adiantou.

Pregador oficial, professor e consultor da Ordem, Santo Tomás escreveu, dentre tantas
obras, a Suma Teológica e a Suma contra os gentios. Chamado “Doutor Angélico”,
Tomás faleceu em 1274, deixando para a Igreja o testemunho e, praticamente, a
síntese do pensamento católico.

Santo Tomás de Aquino, rogai por nós!


FRUTOS DO ESPÍRITO // SÃO TOMÁS DE AQUINO

COMENTÁRIOS
Após ter falado dos dons, santo Tomás acrescenta ainda duas outras questões,
verdadeiramente surpreendentes para quem esperaria apenas uma simples descrição de
estruturas mentais, mas que não são feitas para nos surpreender, uma vez que sabemos
que ele é um leitor assíduo da Escritura. Plenamente consciente do fato de que “o Sermão
da Montanha contém o programa completo da vida cristã” (ST I-II q.108 a.3), ele se
interroga sobre o que são as bem-aventuranças das quais o Senhor fala nos evangelhos
(Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-26), e sobre o que São Paulo denomina “os frutos do Espírito” (Gl 5,
22-23; ST I-II q.69-70). A aproximação não é arbitrária, porque há mais de um ponto
comum entre frutos e bem-aventuranças, e a união com o Espírito Santo é evidente a
partir do momento em que se percebe que tudo isso tem suas raízes nele como em sua
fonte. Muito pouco lidas, porque se tende a considerá-las secundárias num movimento de
conjunto da Suma, as duas questões são, ao contrário, apreciadas pelos melhores teólogos
moralistas de hoje. Eles vêem aí de bom grado “um programa de vida e de progresso
espiritual” e se inspiram para “traçar um retrato do homem espiritual”.

A lista das bem-aventuranças não tem necessidade de ser aqui lembrada, mas talvez seja
útil recordar os doze frutos do Espírito tais como Tomás os encontrava no latim da
Vulgata: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade,
mansidão, fé, modéstia, continência, castidade (não se encontrará no grego do Novo
Testamento a integralidade desta lista, da qual se conhecem apenas nove elementos).
Para compreender de que se trata, deve-se saber que, em relação às virtudes e aos dons,
as bem-aventuranças e os frutos não representam novas categorias de  habitus, mas
simplesmente os atos que deles provêm:

A palavra fruto foi transferida das coisas materiais para as espirituais. Na ordem material,
chama-se fruto o que a planta produz ao atingir seu pleno desenvolvimento e traz em si
certa suavidade. Nesse sentido, o fruto tem dupla relação com a árvore que o produz e
com o homem que dela colhe. Assim, pois, podemos entender a palavra fruto nas coisas
espirituais de dois modos: primeiro, diz-se fruto do homem, como da árvore, o que
é  produzido  por ele; segundo, diz-se fruto do homem o que o homem  colhe.(ST I-II q.70
a.1)

Esta simples apresentação do vocabulário permite um primeiro esclarecimento. Se se


pensa naquilo que é produzido pelo homem, é claro que são os atos humanos que levam o
nome de frutos. Se eles estão de acordo com a capacidade da razão, são frutos da razão;
mas se são produzidos por uma faculdade mais alta, a do Espírito Santo que age nas
virtudes e nos dons, “então se diz que a ação do homem é fruto do Espírito Santo,  como
proveniente de uma semente divina” (ST I-II q.70).
FRUTOS DO ESPÍRITO // SÃO TOMÁS DE AQUINO

Mas se pensamos no fruto como aquele que é colhido pelo homem, então se abre ao olhar
uma perspectiva de amplidão insuspeitada. O fruto do homem, como o de uma terra, não é
somente este ou aquele produzido isolado, mas a renda total que a plantação aporta.
Transposto para o campo do agir humano, o fruto  colhido  será o fim último do qual o
homem terá gozo. “Segue-se que nossas obras, em sua qualidade de efeito do Espírito
Santo que opera em nós, se apresentam como frutos, mas na medida em que elas estão
ordenadas a seu fim que é a vida eterna elas se apresentam antes como flores” (ST I-II
q.70 a.1 ad 1). Tomás, de quem se vangloria o rigor da linguagem, não recua
ocasionalmente diante da metáfora, mas esta é particularmente bem elaborada: da
semente que o Espírito Santo deposita na alma ao fruto da bem-aventurança, passando
pelas flores de nossas boas obras, temos efetivamente todo um programa.

Mas se, seguindo São Paulo, ele fala mais dos frutos do que das flores é que os atos
virtuosos levam em si mesmos seu próprio prazer e até mesmo sua recompensa (In ad
Galatas 5, 22, lect. 6, n. 322). É aqui que encontramos as bem-aventuranças. Como os
frutos, as bem-aventuranças são também atos que têm por origem as virtudes e os dons,
mas elas se distinguem dos frutos no sentido de que são atos ainda melhores: “Exige-se
mais para a noção de bem-aventurança do que para a dos frutos …  chamam-se bem-
aventuranças unicamente as obras perfeitas; é por isso, aliás, que são atribuídos aos dons
mais do que às virtudes” (ST I-II q.70 a.2). Sobretudo pelo fato de que elas levam o mesmo
nome que o fruto ultimamente  colhido, as bem-aventuranças dizem melhor que a imagem
do fruto de que elas são apenas o começo de uma realização em devir.

Entre Santo Ambrósio, que reservava as bem-aventuranças para a vida futura, e Santo
Agostinho, que as entendia da vida presente, ou ainda São João Crisóstomo, que as
repartia em duas categorias, Tomás teve de escolher sua via pessoal; sua resposta é de
muito interesse:

Para esclarecer esse assunto, cumpre considerar que a esperança da bem-aventurança


futura pode existir em nós por duas razões: primeiro, por uma preparação ou disposição
para a bem-aventurança futura, e isso se dá pelo merecimento;  depois, como um início
imperfeito dessa bem-aventurança nos santos, já na vida presente, pois a esperança de ver
a árvore frutificando é diferente quando ela frondeja verdejante e quando começam a
aparecer os primeiros frutos.

Assim, tudo o que nas bem-aventuranças se indica como mérito prepara ou dispõe para a
bem-aventurança, seja ela completa ou apenas iniciada. Mas o que se afirma como prêmio
pode ser ou a própria bem-aventurança perfeita, e nesse sentido pertence à vida
futura,  ou a alguma bem-aventurança iniciada, como ocorre entre os santos, e nesse
sentido os prêmios pertencem à vida presente. Com efeito, quando alguém começa a
progredir no exercício das virtudes e dos dons, pode-se esperar dele que chegará à
perfeição de sua caminhada aqui e na pátria (ST I-II q.69 a.2).
FRUTOS DO ESPÍRITO // SÃO TOMÁS DE AQUINO

Essas reflexões transmitem, sem nenhuma dúvida, o eco de uma experiência espiritual, se
não forçosamente a do autor – o que, no entanto, se pode imaginar – ao menos a de
tantos santos que ilustraram as bem-aventuranças à sua maneira. É bem verdade, como diz
Tomás a propósito da bem-aventurança das lágrimas, que os santos são consolados nesta
vida, uma vez que têm parte no Espírito consolador; do mesmo modo, famintos de justiça,
são eles também saciados, uma vez que seu alimento, como o de Jesus, é fazer a vontade
do Pai.

Quanto aos puros de coração, é também verdade que eles Vêem Deus de certa maneira
pelo dom da inteligência  (ST I-II q.69 a.2 ad3). Mas o eco dessa experiência espiritual se
percebe talvez melhor quando Tomás se interroga sobre a maneira pela qual os frutos são
ao mesmo tempo distintos e ligados entre si:

Como se considera fruto o que vem de algum princípio como de uma semente ou raiz, será
preciso atentar para a distinção desses frutos, conforme os diferentes modos (processus)
pelos quais o Espírito Santo procede conosco. Ora, esse procedimento implica, primeiro,
que a mente humana (mens hominis) seja ordenada em si mesma; segundo, que se ordene
em relação ao que está ao seu lado e, em terceiro lugar, em relação ao que lhe é inferior.

Fica a mente do homem bem disposta em si mesma quando se comporta bem tanto em
relação ao bem quanto em relação ao mal. Ora, a primeira disposição da mente humana
para o bem é o amor, sentimento primordial e raiz de todos os sentimentos [cf. I-II q.27
a.40]. E, por isso, entre os frutos do Espírito Santo o primeiro citado é a caridade, na qual
o Espírito Santo se dá de modo especial, como em sua própria semelhança, porque ele
mesmo também é amor. Daí a palavra da carta aos Romanos (5, 5):

“A caridade de Deus foi derramada em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi
dado”.  Mas o amor da caridade gera necessariamente a alegria, pois quem ama se alegra
de estar unido ao amado. Ora, a caridade tem Deus a quem ama sempre presente, segundo
a primeira carta de João (4, 16): “Quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus
permanece nele”. Portanto, a alegria é conseqüência da caridade.

Mas a perfeição da alegria é a paz, sob dois aspectos. Primeiro, quanto ao repouso das
perturbações exteriores, pois não pode desfrutar perfeitamente do bem amado quem é
perturbado por outras coisas nessa fruição. Ao contrário, quem tem o coração
perfeitamente pacificado por um único objeto, por nenhum ato pode ser molestado, pois
considera tudo o mais como nada. Por isso se diz no Salmo (118, 165): “Grande é a paz dos
que amam a sua lei: para eles não há mais obstáculos”, isto é, as coisas exteriores não os
impedem de fruir de Deus. Segundo, a paz é também a perfeição da alegria, no sentido de
que ela acalma a instabilidade dos desejos, pois não goza da alegria perfeita quem não se
satisfaz com o objeto que o alegra. Ora, a paz exige duas coisas: que não sejamos
perturbados pelas coisas externas e que os nossos desejos descansem num só objeto. Essa
é a razão por que depois da caridade e da alegria, coloca-se em terceiro lugar a paz. (ST I-
II q.70 a.3)
FRUTOS DO ESPÍRITO // SÃO TOMÁS DE AQUINO

Tomás prossegue juntando a “paciência” e a “longanimidade” a essa boa ordenação interna


de si mesmo, mas na adversidade. No que concerne à retidão das relações com respeito ao
outro, ele situará de maneira semelhante a “bondade”, a “benignidade”, a “mansidão” (ou
igualdade de alma), a “fé” (que tomará a forma da fidelidade com respeito ao homem e de
entrega de si na submissão do espírito com respeito a Deus). A lista termina com a reta
ordenação das coisas menos sobressalentes, e então aparecem a “modéstia”, a
“continência” e a “castidade”. Sem que seja necessário seguir detalhadamente o processo,
a longa citação que fizemos basta para mostrar o lugar dos frutos do Espírito Santo e das
bem-aventuranças na construção do organismo espiritual. De fato, tudo se tem, aqui como
alhures, e, mesmo se São Paulo provavelmente não pensou numa descrição sistemática, o
esforço do teólogo, que procura compreender como as coisas se encadeiam umas às
outras, não somente nada deslocou de lugar, mas é profundamente esclarecedor tanto da
fineza das análises de Tomás como dos elementos de uma doutrina espiritual para
qualquer um que deseje percebê-los lendo-as.

No entanto, mais ainda que tudo isso, deve-se observar que Tomás situa de fato toda a
vida espiritual sob o signo da esperança da realização escatológica. O jogo do “já e ainda
não”, do qual o século XX refez a descoberta com a leitura da Bíblia, comanda o conjunto
das opções do Mestre de Aquino. Já o vimos a propósito de sua concepção da teologia e da
maneira pela qual fala do sacramento da Eucaristia. Encontraremos em outro texto, e com
significativa insistência, toda a vida espiritual situada sob o signo do caminho e de suas
etapas entre o “começo inacabado”, que é o da graça em ação numa vida, e a realização
futura, que será o termo desse esforço:A graça do Espírito Santo, tal como a possuímos no
presente, mesmo se não é igual à glória em ato (in actu), está em germe (in virtute), como
a semente das árvores contém em si a árvore inteira. Do mesmo modo, pela graça habita
em nós o Espírito Santo que é a causa suficiente da vida eterna; por isso, ele é chamado
na segunda carta aos Coríntios (1, 22) “O penhor de nossa herança”.(ST I-II q.114 a.3 ad 3)

Referência:
Jean-Pierre Torrel, Santo Tomás de Aquino, Mestre Espiritual, Ed. Loyola, 2ª ed.

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