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Teologia e santidade
É por esses títulos de excelência que a Igreja faz seus ministros, ainda
hoje, lerem e meditarem cotidianamente, no Ofício divino, uma página
dos Santos Padres. Depois da Palavra de Deus, essa leitura é, mais que
qualquer outra, altamente formativa do espírito cristão, especialmente o
dos pastores. Infelizmente, muitos sacerdotes desconhecem a virtude
espiritual e pastoral que se encontra nessa leitura e, por isso, a descuram,
com prejuízo para sua fé pessoal e seu serviço pastoral.
Também a segunda grande teologia, que foi a Escolástica, mostra
grandes figuras de santos, como Santo Anselmo, Santo Alberto Magno,
São Tomás de Aquino, São Boaventura e o beato Duns Scotus. Esses
foram os maiores teólogos medievais e são todos santos. Por isso, no
século XVI, aos oito Santos Doutores que vimos, foram acrescenta-
dos Santo Tomás, chamado o “Doutor angélico”, e São Boaventura, o
“Doutor seráfico”.
Já a partir dos tempos modernos (desde o século XVI), começa a es-
cassear o número dos teólogos reconhecidos como santos. Da multidão
de teólogos da chamada Escolástica tardia, temos, como santo canoni-
zado, apenas São Roberto Belarmino (+1621). Desde então, até hoje,
sabemos somente de um teólogo canonizado: Santo Afonso de Ligório.
Este é o último grande teólogo que mereceu a honra dos altares, e isso
há mais de duzentos anos atrás. Da chamada Época moderna, deixo
fora Doutores como Santa Tereza de Ávila, São João da Cruz e São
Francisco de Sales, que, mais que propriamente teólogos, são autores
espirituais. No século XIX, não há nenhum teólogo canonizado, a não
ser a magnífica figura o beato John H. Newman.
No século XX, conhecemos os grandes nomes que inspiraram a re-
novação do Vaticano II, como Yves Congar, Karl Rahner, Henri de
Lubac, Joseph Ratzinger, Gerard Philips, Charles Moeller, Jean Danié-
lou, Dominique Chenu, Hans Urs von Balthasar, Hans Küng e tantos
outros. São, de fato, belas e dignas figuras de estudiosos da fé, mas qual
deles é candidato à honra dos altares? Assenta-lhes bem o título de
“homens de Igreja” (viri ecclesiastici), mas caber-lhes-ia o título de
“homens de Deus”? Se incluirmos os teólogos não católicos, pode-
mos, sem dúvida, individuar algumas grandes testemunhas da fé. En-
tre os Ortodoxos, sobressai Pavel Florensky, fuzilado num gulag pelos
comunistas no inverno de 1937. Entre os evangélicos, destaca-se Die-
trich Bonhöffer, enforcado pelos nazistas na primavera de 1945 com
apenas 39 anos de idade. Cabe aqui lembrar, entre as testemunhas da
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ce”. Afirmava abertamente que tal teologia não seria de nenhuma valia na
hora da tribulação e da agonia, devendo então seus livros serem “atirados
pelas janelas” (Espelho da Perfeição, cap. 69). O que ele queria era uma teolo-
gia toda impregnada – como dizia – da “santa humildade, da simplicidade e
da santa oração” (Ibid., cap. 72).
Vendo alguns frades preferirem a culta Paris à modesta Assis, um discí-
pulo de Francisco, o singelo Frei Egídio clamava: “Ó Paris, ó Paris, tu des-
tróis Assis!” Pois, se fosse para escolher entre uma teologia arrogante e
uma fé ignorante, o Poverello não teria hesitado um segundo: teria escolhido
mil vezes a fé ignorante. Mas esta não é apenas a escolha de um “iletrado e
idiota”, como Francisco gostava de se chamar, mas é, em absoluto, a esco-
lha mais sábia, como declara também um dos grandes teólogos da Patrísti-
ca, Santo Irineu. Eis o que diz a propósito: “Seria melhor e mais útil ser ig-
norante e pouco douto, mas estar perto de Deus por meio do amor, do que
crer-se douto e inteligente, mas aparecer como blasfemo diante do próprio
Senhor. (...) Seria melhor não conhecer absolutamente nada, mas crer em
Deus e permanecer no seu amor, do que, tornados soberbos por tal ciência,
decair do amor que vivifica o ser humano” (Adv. Haer. II, 26, I).
Primeiro, que não basta ser inteligente e aplicado para ser bom teólogo.
Isso é absolutamente necessário e é para isso que existe uma faculdade
acadêmica chamada “teologia”. Mas isso não é suficiente.
Depois, que não basta estar ligado à Igreja e à pastoral para ser um bom
teólogo. Também isso é indispensável, mas é ainda pouco.
Enfim, que não basta estar comprometido com a justiça e com a liber-
tação dos pobres para ser bom teólogo. Isso é grande e importante, mas é
preciso ousar dizê-lo: tudo isso ainda é pouco para o que se exige de um
verdadeiro teólogo.
Então, o que é preciso mais? É preciso estar ligado ao Mistério de Deus. É
nesta fonte que se encontra tanto a origem quanto a originalidade do teólogo.
É aí que está o que é nele originário e original. Tudo o mais é derivado e co-
mum: estudo, pastoral, ética e participação social. Uma teologia destituída desse
sabor fontal e elementar não passa de “teologia de estuque”. Por mais retórica,
florida e elegante que se queira, ela mal consegue disfarçar seu caráter compos-
to, artificial e finalmente afetado.
Na raiz de toda verdadeira teologia está, pois, o encontro com o Misté-
rio do Deus santo e santificador. É daí que ela tira sua substância e sua seiva
vital. E é daí que provém toda a sua vitalidade: folhas, flores e frutos.
Que quer dizer isso em concreto? Quer dizer que a teologia tem que ter
a espiritualidade por fonte e por objetivo. E não é a espiritualidade o gran-
de clamor da cultura atual?
Para ser mais concreto ainda: a teologia necessita de oração. O teólogo,
hoje mais do que nunca, precisa ser uma figura orante. A teologia primeira
é a “teologia genuflexa”. Assim, em relação à teologia, há que dizer: no
princípio era a oração e a oração se fez reflexão.
Então, sim, aureolada pela luz do Três-vezes-santo e fecundada pela
força do Alto, a teologia poderá dar os frutos do Espírito, especialmente
os mais belos e saborosos, que, para São Paulo, são efetivamente: o Amor,
a Alegria e a Paz (Gl 5,22). E que assim seja. Amém.
Clodovis Boff
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