Você está na página 1de 21

Sola Scriptura

A Escritura contra a ameaça da tradição e do autoritarismo


Texto Básico: 2 Timóteo 3.14-17
Leitura diária
D – Rm 15.1-4 – Escrito para o nosso ensino
S – Lc 16.19-31 – Ouçam Moisés e os profetas
T – Mt 5.17-20 – Até que tudo se cumpra
Q – At 17.10-11 – A nobreza dos bereanos
Q – Gl 1.10-17 – O evangelho de Paulo
S – Jo 5.39 – A Escritura testemunha de Jesus
S – 2Pe 1.20-21 – Da parte de Deus
Introdução
Nesta série, será apresentado um panorama geral da teologia reformada. Observaremos a
situação teológica enfrentada pelos reformadores, no século 16: a teologia católica
medieval, em oposição à qual foi desenvolvida a teologia reformada. Sempre que for
relevante, serão citadas decisões do Concílio de Trento, para mostrar, com evidência
documental, qual era a posição da teologia romana quando a teologia reformada
começou a se desenvolver. Também será recorrente o uso da Confissão de Fé de
Westminster (CFW), por ser esta uma obra-prima da teologia reformada. Deve-se
observar, porém, que houve mudanças na teologia romana, especialmente depois do
Concílio Vaticano II, quando a Igreja Católica passou a adotar uma postura menos
tradicional e mais ecumênica. As lições trarão, também, uma abordagem atual,
mostrando os desvios teológicos existentes hoje (especialmente entre os evangélicos) os
quais seriam evitados, caso nos apegássemos com mais vigor à herança da Reforma.
O primeiro tema abordado é a Escritura. Os reformadores foram unânimes na
apresentação do fundamento sobre o qual sua teologia seria elaborada: Sola
Scriptura (Somente a Escritura).
I. O Papa não tem a palavra final
De acordo com a teologia católica ortodoxa, o papa é o grande líder da igreja e atua
como vigário (isto é, substituto) de Cristo na terra. Para atuar como substituto de Cristo,
o líder máximo da igreja precisa possuir infalibilidade, pois se Cristo não erra, seu
substituto também não pode errar. A teologia romana definiu essa infalibilidade do papa,
em linhas gerais, afirmando que, quando o papa fala ex cathedra, isto é, quando trata de
assuntos doutrinários, em virtude do auxílio que recebe de Deus, é infalível.
Essa declaração, porém, não é suficiente para esclarecer a natureza e o caráter dessa
infalibilidade. Os escritores bíblicos foram preservados do erro na composição de seus
escritos porque foram inspirados pelo Espírito Santo. A infalibilidade papal não é assim.
De acordo com a teologia católica, o papa é infalível não por inspiração, isto é, não pela
mesma obra do Espírito, por meio da qual os escritores bíblicos foram preservados do
erro. Sua infalibilidade não consiste no recebimento de novas revelações da parte de
Deus e na elaboração do ensino divino, mas apenas no fato de que ele pode explicar
fielmente a tradição da igreja e a doutrina dos apóstolos. Ainda de acordo com a teologia
católica ortodoxa, a infalibilidade do papa também não significa que as palavras ditas
pelo papa em assuntos religiosos sejam a Palavra de Deus, significa apenas que elas são
infalíveis, isto é, isentas de erro.
O Concílio Vaticano I diz que o papa é infalível quando fala ex cathedra. Isso, na prática,
é inútil como padrão, pois, pela própria natureza da questão, só quem pode dizer se o
papa falou ex cathedra é o próprio papa. Assim, um papa é sempre livre para rejeitar
seus próprios pronunciamentos ou os pronunciamentos de outros papas, dizendo que não
foram feitos ex cathedra, ou declará-los válidos, dizendo que foram. Depois, ele pode
até mesmo dizer que ele mesmo, ou um de seus predecessores, pensando que falava ex
cathedra, realmente não falou.
Na Dogmática Reformada, o teólogo reformado Herman Bavinck afirma:
“Os teólogos católicos romanos se encarregaram de desenvolver em detalhes as áreas
cobertas por essa infalibilidade. Segundo eles, o papa é infalível quando trata das
verdades da revelação na Escritura, das verdades das instituições divinas, dos
sacramentos, da igreja, de sua organização e governo e das verdades da revelação
natural. No entanto, até mesmo com isso estamos longe de esgotar o alcance da
infalibilidade papal. Para que o papa seja infalível em todas essas áreas, dizem os
teólogos, ele também tem de ser infalível na avaliação das fontes das verdades da fé e
na interpretação delas. Isso significa dizer que ele é infalível no estabelecimento da
autoridade da Escritura, da tradição, dos concílios, dos papas, dos pais, dos teólogos; no
uso e na aplicação de verdades naturais, imagens, conceitos e expressões; na avaliação e
rejeição de erros e heresias, até mesmo no estabelecimento de fatos dogmáticos; na
proibição de livros, em questões de disciplina, no endosso de ordens, na canonização de
santos e assim por diante. Fé e moral abrangem quase tudo, e tudo o que o papa diz
sobre isso seria, então, infalível. O termo ex cathedra, de fato, não traça nenhum limite
em nenhum lugar”.
Mas afinal, se o verdadeiro fundamento inabalável da fé cristã não é o papa, qual é esse
fundamento? Os reformadores foram unânimes em repudiar completamente essa doutrina
por não encontrarem, na Escritura, nem uma só palavra que a sustente. Em oposição a
ela, afirmaram vigorosamente: Sola Scriptura.
II. A tradição não tem a palavra final
Outra fonte de autoridade espiritual muito forte na teologia católica medieval (e ainda
hoje) é a tradição. Deve ser dito que a tradição nunca foi rejeitada pelo simples fato de
ser tradição. Na própria Escritura encontramos ênfase e crítica à tradição (Mt 15.2,3,6;
Mc 7.3,5,8,9,13 2Ts 2.15). A questão básica é: a que tradição estamos nos referindo? A
tradição é rejeitada todas as vezes que entra em choque com a Palavra de Deus. A
Reforma revoltou-se quanto à suposta autoridade da tradição independente da Escritura
e pretensamente nivelada com ela. Os reformadores sustentavam que a Escritura é a
única autoridade infalível dentro da igreja. Deste modo, a autoridade dos Credos
(Apostólico, Nicéia, Calcedônia) era indiscutivelmente considerada pelos reformadores,
contudo, somente as Escrituras são incondicionalmente autoritativas.
III. A igreja não tem a palavra final
Outra expressão moderna desse ensino católico medieval é a crença de que a
denominação religiosa a que pertencemos está sempre certa. Isso é um erro. Nenhuma
denominação religiosa está isenta de erros neste mundo. Os concílios são compostos por
pessoas e, por melhores que sejam as intenções dessas pessoas e por mais sólido que seja
seu conhecimento teológico, elas continuam sendo sujeitas ao erro. Nossos concílios e
denominações são falíveis.

É claro que quanto maior for o apego dos nossos líderes às doutrinas cristãs, quanto
maior for o vigor de sua piedade cristã e quanto maior for sua capacidade de aplicar o
ensinamento bíblico às circunstâncias da vida, mais nítida é a possibilidade de que
tomem decisões sábias e governem bem a igreja de Cristo. Mas é importante termos
sempre em mente que não há denominações cristãs perfeitas.

Isso é necessário não apenas para exercitar nossa humildade e despertar o interesse pelo
estudo rigoroso da Escritura, mas também para nos permitir uma comunhão cristã mais
saudável com nossos irmãos de outras denominações cristãs. Embora existam muitas
denominações, a igreja de Cristo é composta por todos aqueles que professam sua fé em
Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador pessoal.

IV. A Escritura como única regra de fé e conduta


Mas afinal, se o papa não tem a palavra final, a tradição não tem a palavra final e a
denominação cristã a que pertencemos não tem a palavra final, qual é a autoridade
normativa segundo a qual a igreja deve moldar sua fé?

Os reformadores e seus herdeiros teológicos deram resposta a essa pergunta.


O Catecismo Maior de Westminster afirma, na resposta à pergunta 3: “As Escrituras
Sagradas – O Antigo e o Novo Testamentos – são a Palavra de Deus, a única regra de fé e
obediência.”
A Confissão de Fé de Westminster, por sua vez, afirma: “O Juiz Supremo, pelo qual todas
as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos
os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de
homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar,
não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura” (I. 10).
Para os reformados, a autoridade fundamental segundo a qual a igreja deve moldar sua
fé não é a opinião de pessoas, por mais ilustres que sejam, nem a história de instituições
religiosas, por mais respeitáveis que sejam, nem as preferências dos cristãos, por mais
adequadas que possam parecer, mas o “Espírito Santo, falando na Escritura”. “À lei e ao
testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva” (Is 8.20).

Conclusão
De acordo com a teologia reformada, nenhuma voz, na igreja de Cristo, pode se elevar
acima da Escritura Sagrada, inspirada pelo Espírito Santo para conduzi-la a toda verdade.
Cristo é o cabeça da igreja, e ele a governa segundo os preceitos estabelecidos na
Escritura. Nenhum líder, nenhuma denominação cristã, nenhum concílio, nenhum
costume, nenhuma tradição tem valor normativo para a igreja cristã. Só a Escritura.

Aplicação
Você já reparou como as pessoas, em geral, têm tratado a Escritura nos tempos pós-
modernos em que vivemos? Quando a Escritura diz alguma coisa com a qual não
concordam, as pessoas simplesmente dizem que os tempos mudaram. Com isso,
abandonam o ensino bíblico e seguem seu próprio caminho. À luz da lição de hoje, como
você deve reagir a essa tendência?

Boa leitura
A Inspiração e Autoridade da Bíblia, de Benjamin Warfield e A Inspiração e Inerrância
das Escrituras, de Hermisten M. P. Costa. Ambos da Editora Cultura Cristã.
>> Autor do estudo: Vagner Barbosa
>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, usado com permissão.

Solus Christus – Somente Cristo


A suficiência de Cristo para a salvação
Texto Básico: Atos 4.5-22
Leitura diária
D – Rm 8.31-39 – Cristo intercede por nós
S – 1Tm 2.1-7 – O único Mediador
T – Hb 7.20-28 – Cristo, sacerdote perfeito
Q – Mt 7.7-12 – Cristo, o Mestre
Q – Gl 6.1-5 – Levando as cargas
S – Jo 15.1-27 – A videira e os ramos
S – Cl 1.13-23 – A preeminência de Cristo

Introdução
Ao longo da história cristã, é comum encontrarmos várias modalidades de “Cristo mais
alguma coisa”. O ensino bíblico é muito claro: nossa salvação depende inteiramente da
obra de Cristo realizada em nosso lugar. Ele foi nosso substituto, recebeu uma morte que
era nossa para que, por ele, tivéssemos vida em seu nome. Mas a natureza humana não
se sente muito confortável em ter de depender de alguém, não é verdade? É por esse
desejo humano de autonomia que a história cristã vem registrando a criatividade humana
em acrescentar alguma coisa (algo feito pelo ser humano para que ele tenha uma
participação “razoável” em sua própria salvação) à pessoa e obra de Cristo. Na lição de
hoje, veremos três dessas coisas: as penitências, o dízimo e as atividades eclesiásticas.

I. Cristo mais as penitências


A doutrina romana das penitências foi uma das maneiras pelas quais a supremacia de
Cristo na salvação era obscurecida. De acordo com essa doutrina, o batismo expia os
pecados cometidos até o momento em que a pessoa é batizada. Para alcançar expiação
pelos pecados cometidos após o batismo a pessoa precisa praticar atos de penitência.
Deste modo, a penitência é um sacramento cujo objetivo é mitigar a culpa do pecador.

Segundo essa doutrina, há quatro graus de penitência. O primeiro é o “pranto” às portas


do templo, no qual o pecador roga com lágrimas aos que entram que orem por ele. O
segundo grau é “ouvir” a palavra divina na entrada da igreja, de onde a pessoa devia se
retirar logo que as orações começavam a ser feitas. Durante as orações, o penitente não
podia ficar presente. O terceiro grau era a “prostração” no fundo da igreja, onde o
penitente ficava na companhia dos novos convertidos e era obrigado a sair com eles,
antes da ministração dos sacramentos. O quarto grau era “estar junto”. Nessa fase, o
penitente tinha permissão para ficar junto com os demais cristãos e não era mais
obrigado a sair com os novos convertidos. Com o tempo, o penitente recebia permissão
para participar dos sacramentos. No “estar junto” o penitente podia participar da oração
e, mais tarde, também dos sacramentos.

Esse elaborado sistema penitencial era usado para manter a disciplina na igreja e para
expiar, mesmo que parcialmente, os pecados cometidos depois do batismo. O problema é
que, se os pecados são parcialmente expiados pelos atos penitenciais, então Cristo expia
apenas uma parte dos pecados e, consequentemente, concede apenas uma parte da
salvação, sendo a outra parte uma obra humana. Assim, a salvação seria resultado de um
trabalho em conjunto realizado por Deus, em Cristo, e o ser humano, em seu zelo por se
penitenciar e expiar, ainda que parcialmente, seus próprios pecados.

A teologia reformada insiste que a salvação não é uma obra realizada em parte por Jesus
e em parte pelo pecador. A salvação e tudo o que está diretamente ligado a ela (como o
perdão de pecados, por exemplo) é obra exclusiva de Deus.

Pedro é claro ao afirmar: “Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual
se tornou a pedra angular. E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu
não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos
salvos” (At 4.11-12).

Deus não tem colaboradores na salvação. A salvação é uma obra realizada


exclusivamente por ele. Associar a ela qualquer esforço ou mérito humano é depreciar o
sacrifício perfeito de Jesus Cristo, realizado de uma vez por todas em favor de todo
aquele que crê. Contra a doutrina da colaboração humana na salvação, a teologia
reformada grita a plenos pulmões: Cristo! Cristo! Só Cristo!

II. Cristo mais o dízimo


Na lição 3, que trata da graça de Deus em oposição aos méritos humanos, já tratamos das
indulgências. No entanto, a comercialização da fé e da salvação, infelizmente, não é um
fenômeno que ficou restrito à Idade Média nem à prática romana. Isso acontece hoje,
especialmente dentro de muitas igrejas evangélicas, nas quais o evangelho é oferecido
por dinheiro e a salvação é trocada por dízimos e ofertas.

É triste e vergonhoso perceber como a prática romana das indulgências não apenas
entrou, mas foi aperfeiçoada no meio evangélico. Os vendedores de indulgências da
Idade Média trocavam a salvação ou a redução das penas no purgatório por dinheiro. Os
modernos comerciantes da fé vendem não apenas a salvação (sobre a qual pouco se fala
nos cultos voltados à prosperidade, mais interessados nas bênçãos terrenas), mas
também relíquias “poderosas”, como fios de barba dos apóstolos, o manto de Elias (esse
profeta devia ter muitos mantos, pois são vendidos em toda parte), pedaços da arca de
Noé, da arca da aliança e até da cruz de Cristo.
Engana-se quem pensa que esse é o ponto mais alto a que pode chegar a criatividade
humana. Insatisfeitos com a venda da salvação e de relíquias religiosas, os mercadores da
fé começaram a vender até mesmo orações e visitas a enfermos e idosos.

O que é mais alarmante em tudo isso é que muitos cristãos não percebem o quanto isso
fere a supremacia da obra de Cristo. O poder cristão não vem de relíquias de qualquer
espécie, mas de Cristo, que é o Senhor e cabeça da igreja. É somente quando
permanecemos ligados à videira que obtemos a seiva que nos alimenta e revigora.
Somente quando estamos ligados à videira podemos dar fruto. Esse é o ensino do próprio
Jesus (Jo 15.5).

O mesmo acontece com a venda de orações. Jesus é quem intercede por nós (Rm 8.34).
Ele é o único Mediador entre nós e Deus (1Tm 2.5) e, como nosso sumo sacerdote eterno,
vive sempre para interceder por nós (Hb 7.25). É ele mesmo quem ensina: “Pedi, e dar-
se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Mt 7.7). E, certamente, quando
Paulo orientou os crentes gálatas a levar as cargas uns dos outros (Gl 6.2), esperava que
isso fosse feito gratuitamente.

Contra a comercialização da fé, da salvação, das orações e das relíquias, a teologia


reformada afirma: Cristo! Cristo! Só Cristo!

III. Cristo mais a participação nas atividades


eclesiásticas
Há uma forma sutil de acrescentar um adereço à pessoa e obra de Cristo: a participação
nas atividades eclesiásticas.

É correto e bom participar dos cultos. Isso deve ser encorajado em todas as igrejas: “Não
deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns;” (Hb 10.25). Quando
participamos do culto público, Deus fala conosco nos cânticos, na leitura da Palavra e na
pregação. Somos edificados e consolados quando adoramos a Deus pela mediação de seu
Filho por tudo o que ele é, fez e fará por nós.

Algumas igrejas têm outros tipos de reunião: reuniões de mocidade, de senhoras, de


crianças, trabalhos sociais, etc. Participar de tudo isso é uma grande bênção,
especialmente daquelas atividades em que podemos colocar em prática a capacitação
espiritual que recebemos de Deus para o trabalho na sua obra. Além disso, somos cristãos
e precisamos participar da vida da igreja. Somos um corpo cujo cabeça é Cristo e
precisamos adorá-lo como indivíduos e como corpo, como comunidade de fé.

É claro que os cristãos devem ter prazer nos cultos, sabendo que esse é um momento
especial de comunhão com Deus. O problema surge quando reduzimos a vida cristã à
participação em uma enxurrada de atividades eclesiásticas. Vida cristã não é o mesmo
que participação em atividades eclesiásticas diárias. Vida cristã é comunhão com Deus
pela mediação de Cristo.

Além dessa concepção equivocada de vida cristã, a ênfase exagerada que muitos líderes
costumam dar à participação descontrolada em atividades eclesiásticas acaba produzindo
dois resultados colaterais muito negativos.
O primeiro é ocupar o único horário que muitos irmãos têm para descansar da labuta
diária. Muitos irmãos trabalham o dia todo e chegam em casa exaustos. Reservar uma
noite por semana para participar de um culto não faria mal. No entanto, reservar todas
as noites para participar de atividades eclesiásticas é algo que poderá trazer, cedo ou
tarde, resultados danosos à sua saúde. Lembre-se de que cuidar da saúde faz parte da
mordomia cristã. Além disso, esse é justamente o único momento que muitos irmãos têm
para manter a convivência familiar. Os membros da família saem cedo de casa, passam o
dia todo fora, trabalhando ou estudando, e só se encontram à noite. O que acontecerá,
em médio prazo, se eles forem privados desse convívio familiar?

O segundo é ainda pior que o primeiro, pois envolve o ensino bíblico da suficiência de
Cristo para a salvação. Devido à grande ênfase dada à participação em atividades
eclesiásticas, muitos cristãos assimilam a ideia de que estar presente ao maior número
possível de atividades é algo que está diretamente associado à salvação. Isso está errado.
Ninguém é salvo por participar de atividades eclesiásticas, mas por ter Cristo como seu
Salvador pessoal.

A essa ênfase exagerada na necessidade de participação em atividades eclesiásticas, a


teologia reformada afirma: Cristo! Cristo! Só Cristo!

Conclusão
Cristo mais isso, Cristo mais aquilo. Os diversos “apêndices” que o ser humano acrescenta
a Cristo não mudam a realidade: somos inteiramente dependentes de Jesus para nossa
salvação. Nada há que possamos fazer para obtê-la e só a recebemos porque Cristo fez
por nós tudo o que era necessário. Até mesmo a fé com que nos apropriamos dessa
salvação é fruto da sua graça. Somos inteiramente dependentes dele. Para salientar em
nosso coração essa dependência, a teologia reformada sempre afirmou, com muito vigor:
Só Cristo!

Aplicação
Em que você tem colocado o seu coração? Em Cristo ou em algum dos “apêndices”
modernos? Examine agora a sua fé e veja em que você tem crido para sua salvação. Se
for em algum “apêndice” ou mesmo em “Cristo mais alguma coisa”, livre-se disso e creia
somente em Jesus Cristo para sua salvação.

Boa leitura
Por que Cristo sofreu e morreu? O assunto central na morte de Jesus não é a sua causa,
mas seu significado – o significado de Deus. John Piper trata desse tema em A Paixão de
Cristo, publicado pela Editora Cultura Cristã. Ele reuniu cinquenta razões retiradas do
Novo Testamento. Não cinquenta causas, mas cinquenta propósitos – em resposta à mais
importante pergunta que cada um deve enfrentar: o que Deus fez por pecadores como
nós ao enviar seu Filho para morrer?
>> Autor do estudo: Vagner Barbosa
>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, usado com permissão.
Sola Fide
A doutrina da fé em oposição à institucionalização morta e à salvação
pelas obras
Texto básico: Habacuque 2.1-4
Leitura diária
D – Tg 1.19-27 – A fé em ação
S – Rm 6.23 – O que realmente merecemos
T – Sl 103.1-22 – Não segundo os nossos pecados
Q – Ef 2.1-10 – Pela graça mediante a fé
Q – Rm 1.16-17 – A salvação do que crê
S – Is 1.10-20 – A fé secularizada
S – Ap 2.1-7 – A igreja secularizada
Introdução
Sola fide é uma das bandeiras defendidas pela teologia reformada desde seu nascedouro.
Todos os reformadores se levantaram vigorosamente contra a doutrina da salvação pelas
obras, ou pelos méritos, ou da colaboração com Deus na salvação. Todos eles, desde o
início de seu ministério reformado, afirmaram que a fé é o único instrumento que Deus
nos dá para nos apossarmos da salvação que ele concede graciosamente. Mas essa não foi
a única frente na qual os reformadores tiveram que defender a doutrina da fé. Eles
também tiveram que sustentá-la em oposição ao formalismo religioso e à secularização
da fé.
I. Pela fé, não pelas obras
Muitas doutrinas sustentadas pela igreja romana estavam em aberto desacordo com o
ensino da Escritura e houve muita controvérsia sobre muitos temas importantíssimos para
a teologia cristã. No entanto, o estopim da Reforma está diretamente relacionado à
forma como nos apropriamos da salvação. Na lição passada, vimos uma das formas pelas
quais a pessoa podia se apropriar da salvação, segundo a crença romana: pelas
indulgências. Também vimos que essa crença não se harmoniza com o ensino bíblico
sobre a salvação, motivo pelo qual os reformadores fizeram questão de sustentar: sola
gratia. A salvação é somente pela graça.
Havia, porém, uma forte doutrina romana que afirmava que a salvação era obtida por
merecimento. Na medida em que a pessoa ia acumulando mérito diante de Deus, sua
salvação ia ficando mais próxima. Mesmo que a pessoa não tivesse mérito suficiente para
obter a salvação, esse mérito seria levado em conta para abreviar sua passagem pelo
purgatório. O modo como o merecimento aumentava era pela prática de boas obras.
Entre essas obras estavam as ações de caridade e a piedade religiosa.

 As ações de caridade
Não há dúvida de que a ação em favor do necessitado é uma parte importante da religião
cristã (Tg 1.27; 1Jo 3.17). A teologia reformada não negligencia a importância do socorro
ao necessitado e entende que não prestar esse socorro seria negligenciar o claro ensino
da Escritura. No entanto, ela rejeita a associação desse dever cristão com a aquisição da
salvação.

 A piedade religiosa
Outra forma de boa obra é a piedade religiosa: frequência às atividades da igreja, prática
de orações diárias, devoção aos santos, ajuda ao sacerdote e envolvimento com o
calendário eclesiástico, etc. A intensidade e a frequência com que uma pessoa expressa
sua religião era vista como um meio de se obter a salvação. A teologia reformada
defende o compromisso do cristão com a comunidade cristã da qual faz parte e ensina a
importância do cumprimento dos deveres cristãos. No entanto, entende que atribuir valor
salvífico a isso é ir longe demais.

 Salvos pela graça mediante a fé


Contra a doutrina da salvação pelo mérito, a teologia reformada afirma que somos salvos
pela graça mediante a fé. Nenhum de nós tem méritos para barganhar com Deus. Somos
todos pecadores e, por isso, tudo o que merecemos é a morte, que é o salário devido ao
nosso pecado (Rm 6.23). É uma grande bênção o fato de que Deus “não nos trata segundo
os nossos pecados, nem nos retribui consoante as nossas iniquidades” (Sl 103.10).

Mas se não somos salvos pelas indulgências (como vimos na lição anterior), nem pela
prática da caridade, nem pela piedade religiosa, nem por qualquer mérito que
porventura pudermos imaginar ter, como nos apropriamos da salvação oferecida por
Deus? Pela fé (cf. Ef 2.8; Rm 1.17).
É pela fé que nos apropriamos do sacrifício que Jesus realizou na cruz em nosso lugar. A
salvação é concedida graciosamente a todo aquele que crê (Jo 3.16).Quando entendemos
que não temos mérito nenhum diante de Deus, que tudo o que fazemos sempre será
manchado pelo pecado e que somos incapazes, por nós mesmos, de obter nossa salvação,
nos refugiamos em Deus e encontramos abrigo seguro. O Catecismo Menor de
Westminster (1647) na questão 86, assim define: “Fé em Jesus Cristo é uma graça
salvadora, pela qual o recebemos e confiamos só nele para a salvação, como ele nos é
oferecido no Evangelho”.
II. Muito mais do que o formalismo
Outra controvérsia a respeito da fé se refere à própria natureza da fé. É comum as
pessoas imaginarem que fé e formalismo religioso são a mesma coisa. Esse erro foi
cometido na Idade Média, quando as pessoas viam um homem frequente aos trabalhos da
igreja e zeloso no cumprimento de seus deveres religiosos e imaginavam: “Aí está um
homem de fé”. No entanto, por mais importante que seja o zelo religioso, a fé é muito
mais do que isso. Não devemos desprezar o valor da participação nos cultos e no
cumprimento dos deveres religiosos, mas viver pela fé é muito mais do que a prática de
atitudes religiosas. Viver pela fé é viver em obediência a palavra do Senhor, é ter
comunhão com Deus, é zelar pela vida cristã, é ter motivos e objetivos nobres aos olhos
do Senhor.

O que é mais triste nessa história é que esse erro não foi cometido somente na Idade
Média. Ele é cometido hoje, inclusive entre os protestantes. Viver pela fé é muito mais
do que vestir uma roupa bonita para participar de um culto, muito mais do que se
esforçar para estar presente em inúmeras atividades eclesiásticas, muito mais do que
levantar a mão e gritar aleluia. Viver pela fé é refletir a luz de Cristo neste mundo mal e
confuso em que vivemos, é dar um testemunho fiel de Jesus Cristo, é demonstrar ao
mundo, externamente, a mudança que o Espírito Santo realizou dentro de você e a
diferença que Cristo faz na sua vida.

III. A fé secularizada
Outro problema com o qual nos deparamos atualmente é o da secularização da fé. Esse é
o nome que se dá à fé que é de tal modo influenciada pelos valores e posturas deste
mundo caído que acaba ficando irreconhecível. O fenômeno da secularização da fé se
apresenta em duas formas distintas: o formalismo religioso e o ateísmo cristão.
 O formalismo religioso
Nesta forma de secularização, os aspectos externos da prática religiosa são preservados,
mas seu conteúdo espiritual é esvaziado. A pessoa continua frequentando os trabalhos da
igreja, mantendo suas amizades evangélicas e todo um aspecto de piedade, mas seu
coração está vazio e longe de Deus.

A Escritura menciona vários casos desse tipo, mas há dois que são emblemáticos. O
primeiro, que já fizemos breve menção, é quando Deus condena o formalismo religioso
vazio dos judeus no tempo do profeta Isaías: “De que me serve a mim a multidão de
vossos sacrifícios? – diz o Senhor. Estou farto de holocaustos de carneiros e da gordura de
animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de
bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os
maus átrios?” (Is 1.11-12). O povo mantinha sua prática religiosa, mas todo o seu
conteúdo espiritual havia se perdido. Suas ofertas tinham se tornado vãs, suas orações
não eram ouvidas pelo Senhor e seu culto causava desprazer em Deus.

O segundo é quando o Cristo glorificado, na visão do Apocalipse, dita a carta à igreja de


Éfeso: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor”. O vigor
espiritual dos crentes de Éfeso não era mais o mesmo. Essa igreja tinha sido muito
privilegiada: Paulo visitou essa cidade (At 18.19-21) em sua segunda viagem missionária.
Ele deixou ali Priscila e Áquila para que cuidassem da igreja (At 18.19). Apolo também
esteve ali (At 18.25). Em sua terceira viagem missionária, Paulo permaneceu três anos
em Éfeso (At 20.31) e se tornou muito amigo dos presbíteros daquela igreja. Ao retornar
para Jerusalém, sabendo que não mais os veria, despediu-se deles com um discurso
comovente (At 20.17-38). Mais tarde, já preso em Roma, escreveu sua carta aos Efésios.
Por orientação do próprio Paulo, Timóteo se instalou em Éfeso para cuidar da igreja (1Tm
1.3) e, mais tarde, por volta do ano 66 d.C., o próprio João esteve em Éfeso e pastoreou
aquela igreja.

A igreja de Éfeso foi muito abençoada. Ela foi pastoreada por nada menos que dois
apóstolos e quatro evangelistas de grande influência. Que grande privilégio. No entanto,
quando João, preso na ilha de Patmos, escreveu a carta à igreja de Éfeso (Ap 2.1-7), pelo
menos 30 anos já tinham se passado desde a chegada de Paulo ali. Os primeiros
convertidos já tinham uma boa jornada cristã e uma nova geração de crentes havia
surgido. Os primeiros cristãos de Éfeso tinham sido edificados na fé e tinham cumprido
seu papel de candeeiros do mundo, apresentando seu Senhor a uma nova geração, mas
essa nova geração não tinha o mesmo vigor espiritual da primeira. A fé estava em perigo.
Porém, tanto para os judeus do tempo de Isaías quanto para os crentes de Éfeso havia
uma esperança: arrependimento e fé.
 O ateísmo cristão
A segunda forma pela qual o fenômeno da secularização da fé pode ser percebido é por
meio do que podemos chamar de ateísmo cristão. Se no formalismo os aspectos externos
da fé podiam ser vistos, no ateísmo cristão nem mesmo esses aspectos externos podem
ser vistos com facilidade. Não há mais frequência regular aos cultos, apenas visitas
esporádicas totalmente desprovidas de compromisso com a causa do evangelho (ou nem
isso); o comportamento social em nada difere do comportamento de um não regenerado
e a Bíblia se transformou em amuleto cuidadosamente guardado no fundo de uma gaveta,
de onde só sai em momentos de crise, para ser agarrada e beijada de modo supersticioso,
geralmente com lágrimas.

Para as duas situações, a teologia reformada apresenta mais uma bandeira dos
reformadores: sola fide. Só a fé. Devemos, nos lembrar, contudo, que não há mérito
humano na fé. A fé é graça que se materializa em obediência a Deus.
Conclusão
Secularização da fé, formalismo religioso, salvação pelas obras. Nada disso pertence à
natureza da fé, da salvação e da vida cristã. A teologia reformada, com sua ênfase na
doutrina da fé, convida a igreja de Cristo a olhar para além das circunstâncias religiosas
em que vive e manter com Cristo, pela fé, uma doce e estreita comunhão que produz
vida eterna e abundante.

Aplicação
Você consegue explicar com suas palavras o que é a secularização da fé? Consegue
identificar pelo menos cinco caminhos pelos quais essa secularização penetra na igreja e
abate o vigor espiritual dos cristãos?

Boa leitura
A Editora Cultura Cristã publicou bons livros sobre o tema: O Evangelho da Graça, James
M. Boice, Verdades do Evangelho x Mentiras pagãs, Peter Jones, Interpretando o Novo
Testamento: Tiago, Augustus N. Lopes, Justificação pela fé Somente, John MacArthur Jr.
e outros autores.
>> Autor do estudo: Vagner Barbosa
>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, usado com permissão.

Sola Gratia
A graça de Deus em oposição à doutrina de méritos e às indulgências
Texto básico: Efésios 2.8-9
Leitura diária
D – Tg 3.1-2 – Tropeçamos em muitas coisas
S – 1Jo 1.5-10 – Todos temos pecados
T – Tg 2.1-13 – Se tropeçar em um só ponto…
Q – Ef 2.1-3 – Mortos em delitos e pecados
Q – 1Co 6-14 – Discernimento espiritual
S – 2Co 4.1-6 – O evangelho encoberto
S – At 26.16-18 – A ação da graça
Introdução
A doutrina da salvação pela graça foi fundamental para o restabelecimento da doutrina
bíblica no tempo da Reforma. Essa doutrina sempre incomodou o ser humano. Ele sempre
se sentiu desconfortável em saber que sua salvação não depende de si mesmo, mas
exclusivamente de Deus, que a concede graciosamente, não por mérito. Gostamos de
tomar nossos assuntos em nossas próprias mãos. É por isso que essa doutrina nos
incomoda tanto. Sempre foi assim, como os intermináveis debates sobre o tema ao longo
da história deixam bem claro. Na Idade Média, porém, o abandono dessa doutrina
alcançou seu ponto mais alto. Seu resgate foi feito pela teologia reformada.
I. Missas em favor dos mortos
Na medida em que a igreja foi se distanciando da simplicidade dos tempos apostólicos,
em que os cristãos “partiam o pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com
alegria e singeleza de coração” (At 2.46), a Ceia do Senhor foi adquirindo uma
interpretação cada vez mais requintada. Na mesma medida em que a simplicidade do
evangelho foi sendo perdida, uma ampla variedade de cerimônias foi sendo
acrescentada.

Inicialmente, as pessoas que participavam da Ceia tinham que se preparar para ela
apenas por meio de um autoexame, como orienta o apóstolo Paulo (1Co 11.28). Com o
passar do tempo, essa preparação começou a envolver o lavar das mãos e das roupas. No
começo, cada participante pegava seu bocado de pão com as próprias mãos. Depois,
passou a ser servido em um pano de linho ou em um pires de ouro. Mais tarde, no século
11, passou a ser servido diretamente na boca do participante, que aguardava de joelhos
diante do altar. O pão consagrado era servido não apenas na igreja, mas também nas
casas, às pessoas que estavam às portas da morte, como “alimento para a jornada”, e
passou a ser considerado útil para evitar desastres e pestes e para obter benefícios e
bênçãos.

A partir daí, o passo seguinte foi estender a eficácia da Ceia do Senhor não somente aos
vivos, mas também aos mortos. A essa altura, o costume pagão de fazer ofertas por
parentes mortos e orar por sua alma no aniversário de sua morte já havia se estabelecido
na crença popular. Quando a doutrina do purgatório foi estabelecida pelo papa Gregório,
o Grande, a Ceia passou a ser interpretada como uma oferta do próprio corpo e sangue
de Cristo em favor do parente morto. Logo se tornou uma crença estabelecida que a
missa realizada em favor de pessoas mortas podia reduzir as penitências e punições
temporais, não apenas aos vivos, mas também aos mortos, aliviando sua pena no
purgatório.
Observe como há um entrelaçamento de erros aqui. Primeiro, há o desvirtuamento da
Ceia do Senhor, que deixa de ser vista como um meio de graça e passa a ser vista como
uma cerimônia religiosa cada vez mais elaborada; depois, ela começa a ser servida às
pessoas que estavam às portas da morte como uma espécie de alimento para sua
jornada; depois, o pão começa a ser visto como uma espécie de amuleto religioso capaz
de prevenir pestes e tragédias; a seguir, há o sincretismo da fé cristã com religiões
pagãs, o que gera a contaminação dos costumes religiosos do povo; surge, então, a
doutrina do purgatório; por fim, a Ceia (e a missa da qual faz parte) passa a ser
concebida como tendo importantes efeitos espirituais não apenas para os que
participavam dela, mas também para os mortos, em memória de quem as missas eram
realizadas. Um erro doutrinário nunca vem sozinho. Ele sempre produz outro ou foi
produzido por outro: “um abismo chama outro abismo” (Sl 42.7).

Diante de tudo isso, a teologia reformada anuncia, com vigor e alegria: Sola
gratia! Somente a graça salva. Somos salvos não por missas realizadas em nossa
memória, nem por sacramentos ministrados a entes queridos, mas pela graça soberana do
Senhor.
II. A compra da salvação
Na medida em que o evangelho era anunciado, as pessoas iam se convertendo e sendo
discipuladas e batizadas. Isso provocava uma mudança de postura e de hábitos em grande
parte dos convertidos, que vinham de religiões politeístas e tinham costumes que não se
harmonizavam com a fé cristã. É claro que não se podia esperar que os crentes parassem
de cometer pecados depois de terem sido batizados. Os próprios apóstolos haviam
ensinado isso muito claramente (cf. Tg 3.2; 1Jo 1.8).

No entanto, os cristãos sempre alimentaram a esperança de que os novos convertidos se


abstivessem de pecados graves e, ao mesmo tempo, se empenhassem em seguir
continuamente os caminhos da santidade. Com o passar do tempo, surgiu a necessidade
de uma distinção entre pecados maiores (mortais) e menores (veniais), que gradualmente
foi colocada em prática.

Na primeira categoria estavam os pecados considerados mais graves e que supostamente


tinham consequências sociais mais marcantes: assassinato, roubo, adultério, infanticídio,
envenenamento, apostasia, idolatria, feitiçaria e assim por diante. Na categoria dos
pecados veniais, ou menores, estavam inseridos aqueles considerados menos graves,
como falso testemunho, rancor, ira, rixas, fraudes, difamação e pequenas desonestidades
nos negócios. É claro que essa divisão é muito subjetiva e totalmente arbitrária. Além
disso, não tem o menor embasamento bíblico (cf. Tg 2.10).

Com o passar do tempo, os cristãos começaram a tomar uma posição diferente com
relação aos pecados menores. A crença geral era que eles podiam expiar tais pecados,
tomando algumas atitudes, enquanto o sacrifício de Cristo ficava “reservado” aos
pecados mais graves. Embora esses pecados menores fossem inevitáveis, o crente, em
contraste com o incrédulo, tinha a vantagem de ser um membro da igreja e poder apagar
pessoalmente esses pecados, recebendo pacientemente a punição estabelecida para eles,
por meio da confissão pública ou particular ou pela prática de boas obras (jejuns,
esmolas e orações). Isso deu origem às doutrinas católicas romanas da penitência e da
confissão auricular.

Imediatamente depois que os pecados eram confessados ao sacerdote, este pronunciava


o perdão, mas ainda tinha de impor a penitência proporcional à severidade dos pecados
confessados (orações ou boas obras) para que os confessantes, dessa forma, ficassem
livres, internamente, do poder do pecado. Como as pessoas que se confessavam
continuavam cometendo pecados ao longo da vida, as penitências, via de regra, não
podiam ser completamente cumpridas nesta vida e o déficit tinha de ser pago no porvir,
por meio do sofrimento no purgatório.

Havia, porém, uma forma muito mais fácil de a pessoa cumprir, total ou parcialmente,
suas penitências. A associação dessas três doutrinas (penitências, confissão auricular e
purgatório) deu origem à crença de que o tempo da penitência podia ser abreviado e a
própria penitência podia ser reduzida se caso o cristão demonstrasse sincero e profundo
arrependimento. A partir daí, desenvolveu-se o costume segundo o qual os bispos
perdoavam parte da punição ou transformavam uma penitência severa em uma
penitência mais leve em favor daqueles que se mostravam zelosos em seu exercício
penitencial.

A partir do século 11, porém, esse relaxamento da penitência assumiu a forma de que
toda pessoa que cumprisse certa condição (como participar de uma guerra contra os
mouros, de uma cruzada ou pagar para que alguém fizesse isso em seu lugar, por
exemplo) podia obter perdão parcial ou total (indulgência) de seus pecados, o que
reduzia ou eliminava a penitência. Dessa época em diante, com a cooperação do papado,
as indulgências se tornaram tão numerosas que, finalmente, foram mais elaboradas e se
tornaram uma importante fonte de renda. Sua aquisição foi facilitada e, por fim, as
condições sob as quais podiam ser obtidas foram destituídas de toda seriedade.

O maior comerciante de indulgências se chamava João Tetzel. Embora exigisse


demonstrações de arrependimento para que a pessoa obtivesse uma indulgência, não via
problema em concedê-la a alguém que já havia morrido para que, assim, seu sofrimento
no purgatório fosse amenizado. Seu conceito, como ele mesmo dizia, era de que “logo
que uma moeda no cofre cai, a alma do purgatório sai”. Por certa quantia, ele emitia
cartas de indulgência para serem apresentadas ao padre confessor para que ele
concedesse plena absolvição depois que os pecados fossem confessados no
confessionário.

A concessão de indulgências em troca de dinheiro acabou se transformando em um


comércio de coisas que nunca foram e não podem ser vendidas (perdão, remissão de
pecados, expiação). Por meio desse comércio, houve um retorno ao mesmo tipo de
comercialização rejeitado veementemente por Cristo, quando revirou as mesas dos
cambistas. Essa postura não se harmoniza com o ensinamento de Cristo, que disse aos
seus apóstolos: “De graça recebestes, de graça dai”.

No entanto, deve ser observado que esse erro de comercialização da fé não ficou restrito
aos tempos medievais. Ele está presente hoje, mas, desta vez, entre os evangélicos.
Atualmente, temos visto uma ênfase exacerbada em uma doutrina sobre o dízimo que
não tem fundamento na Escritura, segundo a qual o cristão é orientado a dar cada vez
mais para receber bênçãos cada vez maiores de Deus. Os católicos medievais vendiam o
perdão; muitos evangélicos modernos vendem bênçãos terrenas. Apesar dessa diferença,
o princípio é o mesmo: benefícios concedidos por Deus em troca de dinheiro dado à
igreja. A ambos os grupos, a teologia reformada afirma: Sola gratia!
III. Opondo-se à doutrina dos méritos
Antes de falar sobre a salvação graciosa de Deus, precisamos compreender o motivo pelo
qual precisamos de salvação e porque não podemos ser salvos pelos nossos próprios
méritos e esforços, mas somente pela graça de Deus. Para tanto é necessário que
atentemos para a doutrina bíblica sobre o alcance e os efeitos do pecado, conhecida
como depravação total.

Essa doutrina expressa o ensino bíblico de que o homem está morto em seus delitos e
pecados (Ef 2.1-2). Isso não significa que todos os homens sejam igualmente maus, nem
que o homem é tão mal quanto poderia ser, alcançando, assim, o ápice da maldade.
Também não significa que o homem esteja completamente destituído de toda e qualquer
virtude, nem que a natureza humana seja má em si mesma. Essa doutrina ensina que,
uma vez que o homem segue o curso do pecado (Ef 2.1-2), ele está completamente
sujeito ao pecado, tendo motivações pecaminosas, inclinações pecaminosas, facilidade
para pecar, está espiritualmente morto e, por isso, é incapaz de fazer ou querer
qualquer coisa que o conduza à salvação, bem como é totalmente incapaz de merecer a
salvação mediante suas próprias obras.

O homem não regenerado, que chamaremos de homem natural, pode, pela aplicação da
graça comum de Deus, amar sua família e ser um bom cidadão, cultivando elevadas
virtudes e valores morais, tais como a honestidade, a justiça, a bondade, a coragem, etc.
No entanto, nada disso está isento da mancha do pecado. Essa mancha está em nossa
própria natureza e, por isso, tudo o que fazemos é imperfeito. O que é imperfeito não
pode merecer o perdão perfeito de Deus.

Somos todos pecadores e nosso salário, isto é, a recompensa natural por nossos méritos,
é a morte (Rm 3.23; 6.23). Para recebermos vida, é preciso que Deus aja conosco de
modo que vá além dos nossos méritos, dando-nos aquilo que não merecemos. É
justamente esse favor que recebemos de Deus sem merecer que se chama “graça”. A
salvação, segundo a Escritura e a teologia reformada, não é fundamentada nos méritos
humanos, mas na graça de Deus.

Outro efeito do pecado na vida humana é o de impedir que o pecador compreenda as


realidades espirituais necessárias à sua salvação (cf. 1Co 2.14). O homem natural carece
de uma capacitação do Espírito para que possa discernir as realidades espirituais. Sem
essa capacitação ele jamais compreenderá a extensão e a gravidade de seu pecado e,
consequentemente, jamais compreenderá a sua necessidade de salvação. O homem
natural está cego em seu entendimento e os seus sentimentos estão corrompidos pelo
pecado (cf. 2Co 4.3-4).

A natureza humana não é má em si mesma, isto é, em essência, porque foi criada por
Deus e vista por ele mesmo como sendo muito boa (Gn 1.31). Contudo sua atual
condição é de total corrupção ocasionada pelo pecado. Sendo essa corrupção uma
condição da natureza humana, está além de seu poder mudá-la. Isso só pode ser feito
pela obra regeneradora de Deus na vida do pecador.
Paulo, escrevendo aos Efésios, dá mais um bom motivo pelo qual o homem natural é
incapaz de obter a salvação por seus próprios méritos. Ele diz que Deus “vos deu vida,
estando vós mortos em seus delitos e pecados” (Ef 2.1). Um cadáver nada pode fazer
neste mundo, nem mesmo em seu próprio favor, no intuito de tirá-lo da morte. O mesmo
acontece quando uma pessoa está espiritualmente morta. Ela é totalmente incapaz de
fazer ou mesmo de querer qualquer coisa, mesmo que seja para que ela saia da morte.

Por tudo isso, o ser humano é totalmente incapaz de, por si mesmo, livrar-se de seu
pecado e dos efeitos que o pecado produz em sua vida, inclusive no que diz respeito à
salvação. Diante dessa realidade, sua única possibilidade de salvação está na graça de
Deus.

Devemos enfatizar, contudo, que a graça de Deus tem um outro lado, que com
frequência nos esquecemos: a obra sacrificial de Cristo. É um erro lamentável julgar toda
a verdade considerando apenas a parte que nos compete do todo. A graça de Deus se
evidencia nas obras da Trindade. O Pacto da Graça, por meio do qual somos salvos, foi
Pacto de Obras para Cristo. A nossa salvação é muito cara, custou o precioso sangue de
Cristo (1Pe 1.18-20/At 20.28; 1Co 6.20). Isso longe de apontar para o suposto valor
inerente de nossas almas, revela o amor gracioso de Deus que confere valor a nós.

Conclusão
A doutrina das indulgências e a prática da realização de missas em favor dos mortos
deram grande vigor à doutrina de salvação com base em méritos humanos. Essa doutrina
colocou em xeque a doutrina da salvação pela graça, retomada por Lutero e enfatizada
fervorosamente pela teologia reformada. Nada de méritos humanos para a salvação.
Nada de colaboração com Deus para a salvação. Somos salvos pela graça. Sola gratia.
Aplicação
Para ter uma boa ideia do efeito devastador causado pela cobrança de indulgências na
Idade Média, assista ao filme Lutero. Você consegue perceber algum reflexo dessa
prática medieval na igreja contemporânea?
Boa leitura
A graça de Deus é um dos temas mais importantes de toda a Escritura. Para conhecer
mais sobre o tema, sugerimos a leitura de três livros publicados pela Editora Cultura
Cristã: Salvos pela graça, de Anthony Hoekema, Graça que transforma, de Jerry Bridges,
e Cristo e a cruz, de Alderi M. Souza e Hermisten M. P. Costa.
>> Autor do estudo: Vagner Barbosa
>> Estudo publicado originalmen

Soli Deo gloria


A glória de Deus em oposição à nulidade dos ídolos
Texto Básico: Êxodo 20.1-6
Leitura diária
D – Êx 20.1-17 – O Dez Mandamentos
S – Is 42.1-9 – A minha glória, não a dou a outrem
T – Rm 11.33-36 – Dele, por ele e para ele
Q – Hb 7.23-25 – O nosso intercessor
Q – At 17.16-31 – É de Deus que recebemos bênçãos
S – 1Co 10.31 – Tudo para a glória de Deus
S – Hc 2.12-14 – A glória de Deus
Introdução
Em oposição à teologia romana da Idade Média, uma das bandeiras dos reformadores era
uma defesa dos dois primeiros mandamentos. Diante da veneração aos santos, às
relíquias e aos padroeiros, eles defenderam corajosamente que somente Deus é digno de
glória.

A teologia reformada admite que muitos irmãos do passado se destacaram pela sua vida
cristã, mas, ao mesmo tempo, insiste em afirmar que somente Deus deve ser adorado.
Veremos, também, formas evangélicas de canonização e endeusamento de pessoas e
aprenderemos a nos posicionar diante desse fenômeno pós-moderno com sabedoria e
firmeza.

I. O Deus único em oposição às imagens


Outro ponto fundamental da teologia reformada é conhecido pela expressão latina que
dá título a esta lição: Soli Deo gloria (glória somente a Deus). Com essa bandeira, os
reformados enfatizam o ensino bíblico de que somente Deus merece adoração,
refletindo, assim, o ensinamento da singularidade de Deus.
De acordo com a Escritura, não há mais de um Deus. Há um só Deus vivo e verdadeiro. Na
prática, essa doutrina bíblica não apenas proíbe a adoração de qualquer criatura, tais
como anjos, santos e relíquias, mas também a adoração do Deus de Israel na forma de
qualquer criatura.

Antes de passarmos ao estudo, é muito importante delimitarmos a questão que será


abordada aqui. A questão não é se irmãos piedosos do passado devem ser respeitados e
honrados por sua fé e até mesmo imitados em sua fidelidade ao Senhor. A Escritura não
se opõe a isso (Lc 1.48; Mc 14.9). A questão é se esses irmãos piedosos do passado devem
ser adorados.
Com relação à prática católica romana, é notório que a adoração aos santos é uma das
partes principais de sua vida devocional. Os santos são honrados com templos, capelas,
altares, missas, festas e dádivas que são oferecidas a eles, bem como com orações,
juramentos e votos. De modo geral, eles são invocados como intercessores, protetores
do mal e concessores de bênçãos. Vejamos o que a Escritura tem a nos dizer sobre cada
uma dessas atividades atribuídas aos santos.
 Intercessão
A Escritura afirma que temos um intercessor diante de Deus: Jesus Cristo (Rm 8.33-34). O
autor da carta aos Hebreus diz que “por isso, [Cristo] também pode salvar totalmente os
que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7.25). A
Escritura é clara ao afirmar que “há um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo
Jesus, homem”. Portanto, não há base escriturística para a doutrina de que os santos
intercedem por nós junto a Deus.
 Proteção contra o mal
A Escritura tem um ensinamento sobre isso. O próprio Jesus nos ensinou a orar: “Não nos
deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal” (Mt 6.13). Quem pode nos livrar do mal,
segundo a Escritura, é o próprio Deus. Foi ele que permitiu que Jó fosse tocado em sua
prosperidade, em sua família e fosse afligido do alto da cabeça à sola dos pés (Jó 1.12;
2.6) e foi ele que impediu que os leões abrissem a boca contra Daniel (Dn 6.22). É Deus
quem pode nos livrar do mal, segundo a sua vontade, e é ele quem pode permitir que o
mal nos alcance, para sua glória e nosso benefício final e eterno.

 Concessão de bênçãos
De acordo com a teologia católica romana, os santos são nossos mediadores diante de
Deus e, assim, podem obter benefícios temporais e espirituais para nós não somente por
suas orações, mas também por seus méritos. Por serem puros, merecem ter seus pedidos
atendidos por Deus. A Escritura afirma que é Deus “quem a todos dá vida, respiração e
tudo mais” (At 17.25). É Deus quem faz vir a chuva “sobre justos e injustos” (Mt 5.45). O
salmo 104 é um longo louvor a Deus por ser o Criador e o Sustentador de tudo o que
existe. Quem concede bênçãos é Deus, não outro.

Os ensinamentos da Escritura, associados ao fato de que não há sequer um preceito, uma


promessa ou um só exemplo de adoração aos santos em toda a Escritura formam a base
da doutrina reformada de que somente Deus deve ser adorado.

Alguns teólogos católicos romanos tentam se livrar do peso da doutrina reformada


alegando haver uma distinção entre as palavras gregas latreia e douleia. Segundo eles, o
termo latreia significa a adoração que deve ser dada somente a Deus. A veneração aos
santos é descrita como douleia, por isso, segundo eles, a adoração, veneração e
invocação de santos não pode ser considerada idolatria.
Sobre isso, precisa ser dito que a Escritura não reconhece a distinção católica romana
entre latreia e douleia, mas reivindica adoração somente a Deus. No Novo Testamento, a
palavra grega latreia só é usada como referência à adoração a Deus. No entanto, a
palavra douleia também é usada nesse mesmo sentido (Mt 6.24 – servir; Rm 12.11
– servindo ao Senhor; 1Ts 1.9 – servirdes o Deus vivo). Portanto, essa distinção feita pelos
teólogos católicos romanos não tem apoio na Escritura.
Em resumo, segundo a Bíblia, toda adoração ou invocação religiosa dirigida a qualquer
ser que não a Deus é uma adoração idólatra (Rm 1.25).

II. O Deus único em oposição às relíquias e aos


padroeiros
Uma extensão da adoração aos santos é a adoração às suas relíquias. Relíquias são
objetos pertencentes ou supostamente pertencentes a cristãos piedosos do passado que,
no decorrer do tempo, foram canonizados. Entre essas relíquias encontramos fiapos de
roupas, retalhos de mantos, pedaços de unhas e dentes, fios de cabelo, ossos e vários
outros objetos e pedaços do corpo. Como em nenhum lugar a Escritura fundamenta este
tipo de adoração, nem ordena que seja realizada, nem atribui alguma promessa a ela,
nem dá exemplo que deva ser seguido, a teologia reformada considera esse tipo de
adoração como uma superstição religiosa.

No governo do imperador Constantino, começou a ocorrer a exumação de cadáveres de


cristãos piedosos para que fossem enterrados em lugares mais vistosos. Isso foi ordenado
pelo próprio imperador. Ele queria que as solenidades das religiões pagãs fossem
assimiladas pelo cristianismo para tornar a religião cristã mais aceitável aos pagãos.
Quando viu os pagãos transferindo, com grande pompa e solenidade os cadáveres de reis
e líderes religiosos que tinham sido sepultados em lugares obscuros para sepulcros tão
esplêndidos que se tornaram verdadeiros monumentos, ele pensou que essa honra devia
ser dada aos grandes líderes e mártires cristãos. Porém, quando os restos mortais desses
irmãos começaram a ser exumados e transportados, os cristãos passaram a vê-los como
protetores do país ou cidade para os quais os corpos eram levados. Foi daí que surgiu a
ideia de “santos padroeiros”, que passaram a ser invocados e adorados.

A Escritura, além de condenar a invocação e a adoração de qualquer criatura em lugar de


Deus, nada tem a dizer sobre jurisdições confiadas aos santos. Ela relata, porém, o
sepultamento de crentes piedosos e a ação de Deus por meio desses irmãos. Por
exemplo, Jacó e José pediram que seus corpos fossem levados do Egito para a terra
prometida, mas não há registro de que seus corpos tenham sido adorados ou colocados no
templo, nem carregados em procissões, nem colocados em altares. Seu pedido apenas
refletia sua fé na promessa de Deus a respeito da terra prometida. Eles queriam que seus
restos mortais fossem depositados na terra que Deus havia prometido dar aos
descendentes de Abraão.

Há, no Antigo Testamento, o relato de que certo homem, ao ser sepultado, foi jogado às
pressas sobre os ossos de Eliseu e, ao tocá-los, ressuscitou. Este acontecimento é
eventualmente usado por aqueles que creem no poder das relíquias, mas o fato é que
nem antes nem depois do milagre os ossos de Eliseu foram adorados nem seu túmulo foi
transformado em centro de peregrinação religiosa.

No Novo Testamento, há o relato de que a simples colocação de um enfermo sob a


sombra de Pedro foi suficiente para que ele fosse curado (At 5.15-16). Não há, porém,
um só indício na Escritura de que Pedro tenha aceitado adoração ou tenha assumido o
papel de Mediador da nova aliança. Há um relato semelhante sobre Paulo (At 19.12).
Este, porém, em preceito e exemplo, mostra claramente que a criatura não deve ser
adorada em lugar do Criador. O preceito é encontrado em Romanos 1.25, e o exemplo é
visto quando ele claramente rejeita a adoração que os habitantes de Listra queriam
prestar a ele depois da cura de um coxo (At 14.8-18).

Há, ainda, outra forma de adoração proibida na Escritura. Além de proibir a adoração de
qualquer ser além de Deus, a Escritura também proíbe a adoração de Deus por meio de
qualquer representação (Dt 5.8-9).

Na Escritura, todas as imagens feitas para a adoração algum deus são chamadas de
ídolos. Isso acontece, por exemplo, com o bezerro de ouro (At 7.41), com o ídolo de Mica
(Jz 17.3-4) e com os ídolos de Jeroboão (1Rs 12.28). Portanto, quando uma pessoa diz
que, curvando-se a uma imagem ou dirigindo a ela orações, está, na verdade, curvando-
se diante de Deus e dirigindo suas orações a ele, essa pessoa está relatando uma prática
totalmente estranha à Escritura.

Há quem tente usar os querubins que ficavam sobre a arca da aliança e a serpente de
bronze como fundamento para o uso de imagens. No entanto, há que se observar que
nem o querubim nem a serpente de bronze foram adorados. Deus, de fato, disse que
falaria a Moisés do meio dos querubins (Êx 25.22), mas em nenhum lugar ele ordena que
Moisés os adore. Aliás, eles ficavam fora da vista do povo, sobre a arca, no Santo dos
Santos. Quanto à serpente de bronze, ela foi completamente destruída pelo piedoso rei
Ezequias justamente porque os judeus começaram a adorá-la (2Rs 18.4).

III. A água do rio Jordão, o sal grosso e o herói que


arrasta multidões
Até aqui, a lição tratou da afirmação da doutrina reformada da glória de Deus em
oposição à doutrina católica do tempo da Reforma. No entanto, a realidade de grande
parte da comunidade evangélica de nossa época faz com que esta doutrina tenha
especial relevância hoje.

No mundo evangélico, uma imensa multidão de pessoas tem sido atraída por pastores que
agem como heróis religiosos, canalizando para si mesmos uma atenção que deveria ser
direcionada a Jesus, o único Salvador e Cabeça da igreja. Nesses movimentos, o líder se
apresenta como revestido de autoridade espiritual máxima, pronto para solucionar
problemas, curar enfermos, expulsar legiões de demônios, dar ordens e receber
recompensas em nome de Cristo.

Essa postura personalista deixa em segundo plano a pessoa de Cristo, que é quem
verdadeiramente soluciona, abençoa, cura, restaura, enfim, quem verdadeiramente age
como Senhor da igreja e sumo sacerdote eterno. Uma coisa é o pastor ser fiel, ter um
ministério abençoado e frutífero e levar a igreja a glorificar a Cristo, reconhecendo nele
a fonte de todo o bem e de toda a vida. Outra coisa é o pastor apontar para si mesmo,
confiando em sua eloquência e em suas aptidões para arrastar multidões. A igreja é de
Cristo e tudo o que se faz nela deve redundar em glórias a Cristo, a mais ninguém.

Outro problema visto nesses grupos evangélicos é o uso de “relíquias evangélicas”: copo
de água em cima do rádio, toalhinha santa, sal grosso, água do rio Jordão, lascas da arca
de Noé, pregos da cruz, manto de Elias, etc. Tudo isso são relíquias modernas que
chamam para si uma atenção que só devia ser dada a Cristo. Quem cura e abençoa não é
a água barrenta do rio Jordão ou a água cristalina de uma fonte borbulhante; não é o sal
grosso nem o sal refinado; não é o manto de Elias nem de Pedro; quem cura e abençoa,
conforme a sua vontade soberana e benfazeja, é Jesus Cristo, o único Mediador da nova
aliança, o único Salvador, o único Autor da vida.

IV. A glória de Deus como o objetivo máximo de


todas as coisas
De acordo com o Catecismo Maior de Westminster, “o fim supremo e principal do homem
é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre” (resposta à pergunta 1). Deus não divide com
ninguém a sua glória (Is 42.8) e governa a história de modo que em tudo ele seja
glorificado. Veja como ele fez isso na história de Israel e da igreja: Deus escolheu seu
povo para sua glória (Ef 1.4-6; cf. v. 12 e 14); nos criou para a sua glória (Is 43.6-7);
chamou Israel para a sua glória (Is 49.3; Jr 13.11). Deus resgatou Israel do Egito para a
sua glória (Sl 106.7-8); levantou Faraó para mostrar seu próprio poder e glorificar seu
próprio nome (Rm 9.17); derrotou Faraó no Mar Vermelho para mostrar a sua glória (Êx
14.4,17-18). Deus poupou Israel no deserto para a glória do seu nome; (Ez 20.14); deu a
Israel a vitória em Canaã para a glória do seu nome (2Sm 7.23); não desamparou o seu
povo para a glória do seu nome (1Sm 12.20-22). Deus restaurou Israel do exílio para a
glória do seu nome (Ez 36.22-23,32).
Também vemos isso na pessoa de Cristo. O Senhor Jesus buscou a glória de seu Pai em
tudo o que fez (Jo 7.18); ensinou-nos a fazer boas obras para glorificarmos a Deus (Mt
5.16; cf. 1Pe 2.12); advertiu que não buscar a glória de Deus torna a fé impossível (Jo
5.44); disse que responderia às orações para que Deus fosse glorificado (Jo 14.13);
suportou sofrimentos até o último momento para a glória de Deus (Jo 12. 27-28; Jo 17.1;
cf. 13.31-32). O Senhor ofereceu seu Filho para vindicar a glória da sua justiça (Rm 3.25-
26); perdoou nossos pecados por amor de si (Is 43.25); Jesus recebe-nos em sua
comunhão para a glória de Deus (Rm 15.7); o ministério do Espírito Santo é glorificar o
Filho de Deus (Jo 16.14); Deus instrui-nos a fazer todas as coisas para a sua glória (1Co
10.31; cf. 6.20); Deus instrui-nos a servir de maneira que ele seja glorificado (1Pe 4.11);
Jesus enche-nos com os frutos da justiça para a glória de Deus (Fp 1.9, 11). Todos estão
sob julgamento por desonrarem a glória de Deus (Rm 1.22-23; 3.23); Jesus voltará para a
glória de Deus (2Ts 1.9-10); O desejo de Jesus é que na eternidade, o seu povo se alegre
em sua companhia contemplando a sua glória (Jo 17.24). Mesmo na ira, o propósito de
Deus é fazer conhecida a riqueza da sua glória (Rm 9.22-23); o plano de Deus é encher a
terra com o conhecimento de sua glória (Hc 2.14). Todas as coisas que acontecem
redundam na glória de Deus (Rm 11.36). Na Nova Jerusalém, a glória de Deus substitui o
sol (Ap 21.23).[1]
Conclusão
A adoração só é devida a Deus. Devemos nos lembrar disso não apenas quando somos
convidados a agir de modo errado e nos curvar diante de uma imagem e oferecer orações
a ela, mas também quando somos tentados a adorar as modernas “relíquias evangélicas”
e a ter pelos líderes religiosos uma consideração muito maior do que a que é devida.
Somente Deus deve ser adorado.

Aplicação pessoal
Como se manifesta o moderno “culto evangélico às relíquias”? Que atitude devemos
tomar quando temos esse comportamento diante de nós?

[1] Extraído e condensado de John Piper, Alegrem-se os povos, publicado por esta
editora.
>> Autor do estudo: Vagner Barbosa
>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, usado com permissão.

Você também pode gostar