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Disciplina na Igreja: uma marca em extinção.

George Knight III, Augustus Nicodemus, Solano Portela, Valdecir da Silva Santos

© OS PURITANOS 2023

1.º Edição junho de 2001


2.º Impressão agosto de 2023

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios sem permissão por escrito dos editores, salvo
em breves citações, com indicação da fonte.

Editor: Manoel Canuto


Tradutora: Alaíde Bermeguy
Revisor: Solano Portela
Designer: Heraldo Almeida
Sumário

PREFÁCIO

A DISCIPLINA BÍBLICA NA IGREJA:O QUE SIGNIFICA E COMO APLICÁ-LA


As questão das chaves do reino
“Ligar” e “desligar” e o conceito de disciplina
Quando ensinar sobre disciplina?
Disciplina — a necessidade do uso correto
As chaves e o “ligar” e “desligar” — o que significam?
Perdoar e o “desligar”
A base e o dever do exercício da disciplina
As chaves no livro de atos
A igreja atual, realmente possui as chaves?
Como disciplinar — os passos prescritos por jesus
Como disciplinar — pecados públicos e privados
Como disciplinar — a responsabilidade da exclusão
Como disciplinar — o arrependimento e a restauração
Um exemplo prático
Os encorajamentos para o exercício da disciplina
O tratamento da confissão de fé
O transgressor — punição
O transgressor — perdão e restauração
A igreja preservada — dissuadindo outros de pecarem
A igreja preservada — removendo o fermento da massa
A igreja preservada — evitando a ira de deus
A igreja preservada — a necessidade de crescimento espiritual
A igreja preservada — seguindo a ordenança divina
Jesus cristo — envolvido na disciplina
Examinando 1 coríntios 5 — impureza sexual
Examinando 2 tessalonicenses 3 — vida desordenada
Encorajamentos à restauração — arrependimento e perdão
Encorajamentos à restauração — uma forma de resolver problemas

CORINTO, UMA IGREJA COM PROBLEMAS DE DISCIPLINA


O contexto de corinto
Os problemas de corinto
O texto
As razões de paulo para a disciplina rígida
Conclusão

DISCIPLINA PREVENTIVA:RESOLVENDO CONTROVÉRSIAS NA IGREJA


Um estudo aplicativo sobre o concílio de jerusalém em atos 15:1-33
Controvérsias existem e o consenso e a opinião de muitos é necessária para resolvê-las! (V. 2)
A ênfase na fé comum gera um ambiente favorável e hospitaleiro para o tratamento das controvérsias! (Vv. 3 E 4)
Considere os passos necessários à solução da controvérsia, notando que começam com a precisa identificação da fonte e
terminam com uma declaração consensual (vv. 5-26)
Conclusão — a aplicação imediata e a permanente (20 e 28-29)

DISCIPLINA NA IGREJA: UMA DAS MARCAS DA VERDADEIRA IGREJA


Introdução
O perigo da falta de disciplina
A autodisciplina e o ensino de jesus sobre os passos da disciplina na igreja
Outros textos e pontos importantes sobre a disciplina na igreja
Conclusão

DISCIPLIA NA IGREJA:ORDENANÇA E BÊNÇÃO


Introdução
I. Errando o alvo
II. O ensino bíblico
III. Implicações teológicas
Conclusão

OS PURITANOS E O SISTEMA PRESBITERIANO


O presbiterianismo entre os puritanos:
Fundamento bíblico
O concílio de jerusalém
Argumento presbiteriano baseado em atos 15
Prefácio

Estamos sempre afirmando que a igreja anseia por uma reforma. Anseia porque é uma
necessidade. Só não vêm essa necessidade aqueles que estão de olhos vendados. Estamos
fazendo essa afirmação porque queremos denunciar o fracasso da igreja em várias áreas. A culpa
não é só do povo ignorante da Palavra, nem dos Seminários (triste situação), nem dos teólogos
(liberais, outros acomodados), mas dos pastores e presbíteros.
Em que estamos fracassando? (1) Temos negligenciado a doutrina na pregação. O povo de
Deus não está sendo doutrinado. Os delegados de Westminster afirmavam com respeito aos
pastores e baseados na Palavra, que eles deveriam “pregar a sã doutrina”. Os pastores estão em
falta com os Credos e Confissões sobre os quais juraram. Seus sermões têm “forma de piedade”
antes de serem doutrinários e confessionais, para que a igreja se robusteça na verdade. (2) Esta
negligência doutrinária tem atingido as crianças e os jovens. Que instrução têm tido? Que
geração é a de hoje? J. MacArthur afirmou que “nunca se viu uma geração mais desconhecedora
da verdade bíblica do que a de hoje”. Por isso são presas fáceis das heresias e não sabem
responder às questões da sua fé. (3) Mas quero enfatizar uma falha grande no seio da igreja: A
falta de disciplina Eclesiástica. O capítulo 30 da Confissão de Westminster trata desta questão
fundamental à igreja. Esta é uma das marcas da igreja verdadeira, afirmam os reformados. A
Confissão de Fé de Westminster declara:

“O Senhor Jesus, como Rei e Cabeça de sua Igreja, nela instituiu um governo nas mãos dos
seus oficiais… A esses oficiais estão entregues as chaves do Reino do Céu. Em virtude disso,
eles têm, respectivamente, o poder de reter ou cancelar pecados; de fechar esse reino a
impenitentes, tanto pela Palavra quanto pelas censuras; de abri-lo aos pecadores penitentes,
pelo ministério do Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o
exigirem”.

Em vista dessa negligência, as igrejas de hoje têm se tornado um aglomerado “misturado” de


crentes e falsos crentes, crentes apenas nominais. Dr. Machen, de Princeton, afirmou que “Um
dos maiores males da vida religiosa de hoje, parece-me, é a recepção na igreja de pessoas que
apenas repetem uma fórmula como ‘Aceito Cristo como meu Salvador pessoal’”, sem que ao
menos saibam o que isso significa ou que muitas vezes é o resultado do “trejeito” evangelístico
dos pregadores “apeladores” de hoje. O que se precisa ter é uma “confissão confiável”. Isso não
é simples. Significa que os presbíteros têm de estar certos de que as pessoas que confessam sua
fé, o fazem com conhecimento. Uma confissão verdadeira respaldada numa vida cristã real é a
base para que alguém seja recebido como membro de uma igreja.
Esse ponto é importante quando se aborda a questão de disciplina: a qualidade dos crentes que
frequentam as igrejas. Muitos estão no rol de membros, mas suas vidas contrariam a fé que
confessam e estão em atividades contrárias à Palavra de Deus. A Igreja é uma comunidade de
fiéis e temos de zelar pela conduta dos seus membros para que a honra de Cristo não seja
maculada. À Igreja cumpre exercer a disciplina cristã. Esta é uma atividade dos presbíteros; e
esses não devem deixar os ministros sozinhos nessa tarefa (é verdade que alguns pastores
preferem ficar a sós nessa atividade por razões as mais estranhas — isso caracteriza um sistema
episcopal). Fico pensando se nós, reformados, já não perdemos a “glória” do presbiterato. Não é
verdade que o povo (e muitos deles) pensa que os presbíteros são apenas administradores da
igreja? Os presbíteros são pastores do rebanho junto com o ministro; visitam, aconselham,
exortam, advertem e são aptos para o ensino. Se houver necessidade de disciplina, os presbíteros,
junto com o pastor, devem atuar com amor, na intenção de recuperar o pecador, mesmo que
tenha de “entregá-lo a Satanás” para que sua alma seja ganha.
Na luta por reforma na igreja, a disciplina é um dos pilares que devemos fincar. Este livro é
fruto desse desejo. Igreja pura é igreja onde existe disciplina “porque o Senhor corrige a quem
ama, e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12:6).
— O editor
George Knight III

A Disciplina Bíblica na Igreja: O Que Significa e Como Aplicá-la

A disciplina bíblica na igreja é um ensino presente em todo Novo Testamento. Os princípios


foram estabelecidos inicialmente pelo nosso Senhor e, depois, ensinados e encorajados nas
igrejas pelos apóstolos. Por isso é importante, para aqueles que querem obedecer ao ensino e à
prática apostólica, ouvir o que nosso Senhor e os apóstolos têm ensinado para que possamos,
com o mesmo espírito benevolentemente franco e amoroso, pôr em prática esse zelo que Cristo
tem por Seu povo.
Vamos começar com o Cabeça e Rei da Igreja examinando Suas explanações acerca da igreja
e da disciplina e, particularmente, a Sua exposição com relação ao ato de utilizar “as chaves do
reino”.

AS QUESTÃO DAS CHAVES DO REINO


As referências à igreja nos evangelhos e às chaves do reino e o uso dessas são encontradas em
apenas dois relatos, ambos no Evangelho segundo Mateus. Um desses está nos versos 17 a 19 do
capítulo 16:

Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas
meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a
minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino
dos céus: o que ligares na terra, terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra, terá sido
desligado nos céus.

Depois da confissão de fé de Pedro, nosso Senhor indicou-lhe, como porta-voz dos apóstolos,
que Ele iria construir Sua igreja sobre essa sua confissão; bem como sobre aqueles apóstolos,
como pedras fundamentais, que faziam essa confissão de forma uníssona (Mateus 16:15-19).
Essas verdades são ainda mais corroboradas no comentário que Pedro fez sobre pedras que
vivem (porque creem) sendo edificadas em uma casa espiritual sobre “a pedra que vive”, em 1
Pedro 2:4. O mesmo tema foi desenvolvido por Paulo, quando ele fala sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas unido à “pedra angular”, nosso Senhor Jesus Cristo, em Efésios 2:20.
Quando Cristo diz, então, que Ele dará as chaves do reino dos céus, essa é a primeira referência à
igreja, à natureza de sua edificação, e à atividade correlativa do uso das chaves do reino.
O segundo relato onde nosso Senhor aplica e explica um aspecto do uso dessas chaves está em
Mateus 18:15-20, que diz:

Se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão.
Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento
de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à
igreja; e, se recusar ouvir também à igreja, considera-o como gentio e publicano. Em verdade
vos digo que tudo o que ligardes na terra, terá sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na
terra, terá sido desligado no céu. Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a
terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que porventura pedirem, ser-lhes-á concedida
por meu Pai que está nos céus. Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali
estou no meio deles.

Essas são as únicas passagens nos Evangelhos onde a palavra “igreja” é usada, e em cada caso
referem-se às “chaves do reino” e seu uso. Em Mateus 16, Jesus utiliza a frase descritiva “as
chaves do reino dos céus”, e então relata o que deve ser feito com essas chaves — ligar e desligar
na terra, relacionado com o ligar e desligar nos céus.
Em Mateus 18, a frase “as chaves do reino” não é utilizada, mas, apesar disso, elas aparecem
porque a descrição da ação das chaves é dada no verso 18, onde nosso Senhor diz: “tudo o que
ligardes na terra, terá sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado
no céu”. Cristo liga a referência à chave e ao uso dela à Sua declaração sobre edificar Sua igreja
e cuidar dela. Essa correlação demonstra que o uso das chaves do reino é considerado como de
importância central para o Cabeça e Rei da igreja, com relação à edificação de Sua querida
igreja, do Seu Corpo.
O conceito das “chaves do reino” já era conhecido no Antigo Testamento. É um símbolo
utilizado em Isaías 22:22: “Porei sobre o seu ombro a chave da casa de Davi; ele abrirá, e
ninguém fechará, fechará e ninguém abrirá”. A importância dessa referência do Antigo
Testamento é que ela já tem uma conotação messiânica, como ela fala sobre a casa de Davi. A
expressão simbólica, “a chave”, é usada em Isaías, embora ela não inclua a palavra “reino”; mas
a referência à casa de Davi implica a mesma coisa — ou seja, uma casa, um reino sobre o qual
Ele deve governar. Isaías também usa o conceito da maneira como o nosso Senhor o faz, em
ambos os relatos de Mateus 16 e 18 — “abrir” e “fechar”, os dois conceitos normais associados a
uma chave.
O conceito “chaves do reino” é também encontrado no Livro de Apocalipse. Em Apocalipse
3:7 nós lemos: “Estas coisas diz o santo, o verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi.” Veja a
sequência e elo do cumprimento — a primeira referência nas Escrituras sendo à chave da casa de
Davi, a última referência sendo a chave de Davi.
E, claro, a pessoa em questão que tem as chaves é o nosso Senhor Jesus Cristo. “…que abre e
ninguém fechará, e que fecha e ninguém abrirá”. Novamente, a imagem é abrir e fechar; a chave
carregada pelo nosso Senhor — a chave de Davi.
Esse conceito é também encontrado nos evangelhos em duas outras partes, além de Mateus 16
e 18. É utilizado em Mateus 23:13, numa referência interessante ao seu uso pejorativo, ou seja,
demonstrando como ele é usado inadequadamente. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
Porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois, vós não entrais, nem deixais entrar os
que estão entrando”. Observe que Jesus está dizendo que o reino dos céus é fechado pelos atos e
ensino inadequados deles, de modo que outros não podem entrar, e nem mesmo eles próprios.
Outra referência às chaves é registrado em Lucas 11:52 (contendo palavras similares ao relato
de Mateus 23): “Ai de vós, intérpretes da lei! Porque tomastes a chave da ciência; contudo, vós
mesmos não entrastes e impedistes os que estavam entrando”. Essa passagem narra que as
chaves têm a ver com o trazer a verdade e o conhecimento à atenção dos ouvintes — indica que
eles podem reagir de forma apropriada a ela e, portanto, ter benefícios com relação ao reino.

“LIGAR” E “DESLIGAR” E O CONCEITO DE DISCIPLINA


Certamente o exame do uso em outros lugares é útil para estabelecer o contexto. Entretanto,
precisamos procurar com muito cuidado a resposta à questão: O que Jesus quer dizer e o que Ele
pretende transmitir pelas palavras “as chaves do reino dos céus” e pelas palavras “ligar na terra,
ligar no céu, desligar na terra, desligar no céu”? Penso que começamos a apreender a resposta
clara em Mateus 18: uma das coisas que Ele quer dizer é o exercício da disciplina na igreja. Essa
disciplina pode culminar na excomunhão de alguém que persista no erro e não venha a se
arrepender de seus pecados e, portanto, precisa ser tratado como alguém que se encontra
completamente fora da comunhão do povo de Deus. Esse tratamento é análogo ao modo como a
comunidade judaica tratava o pecador e pagãos impenitentes e os fiscais de impostos, de seus
dias. Essa compreensão é claramente evidente pelo fato de que Jesus aplica o conceito dessa
forma em Mateus 18. Realmente, é impressionante que Jesus explique primeiro o lado ligante
das chaves. Talvez Ele o faça nessa ordem porque sabe quão hesitante somos para usar as chaves
desta forma e, por isso, dirige-se a nós e encoraja-nos a cumprir essa tarefa mais difícil.

QUANDO ENSINAR SOBRE DISCIPLINA?


Deixe-me ampliar esse aspecto do ensino e mostrar-lhe algumas coisas que podem ajudá-lo nessa
questão: salvo algumas exceções excepcionais, de um modo geral você irá encontrar resistência à
disciplina em sua congregação e entre seus oficiais. Não deixe que isso o desanime. Todas as
vezes que lemos sobre disciplina cristã nas cartas do Novo Testamento, os próprios apóstolos
precisavam convencer as igrejas, que eles mesmos haviam fundado, a exercerem a disciplina! E
em um relato, inclusive, é dito, de acordo com a própria palavra que o apóstolo usa, que apenas
uma “maioria” cumpriu a disciplina que ele tinha exigido (2 Coríntios 2:6).
Se você se acha na situação de precisar convencer seus oficiais, ou sua igreja, a utilizar as
chaves conforme Jesus diz que deveríamos utilizar, não se sinta desanimado. Não culpe seus
colegas, a igreja, sua carência de conhecimento bíblico, ou a geração que lhe precedeu —
qualquer coisa dessas pode realmente ter sua parcela de culpa. Mas assuma aquilo para o qual
você é chamado, ensinar como nosso Senhor e os apóstolos fizeram, e procurar persuadir os
presbíteros e a congregação, da mesma forma que os apóstolos precisaram fazer. Para fazer isso
você terá que convencer com candura; e terá que ensinar sobre a disciplina cristã antes que surja
a necessidade dela ser aplicada. Embora os apóstolos tenham tratado disso quando surgiram
problemas, o Senhor ensinou as verdades como verdades a serem ensinadas e guardadas como
princípios fundamentais.
Sugiro que você, também, siga o exemplo do Senhor, enquanto não há nenhum sinal de uma
situação que requeira disciplina, nenhuma relação de família, nenhuma das dificuldades que irão
influenciá-lo. E quando assim você fizer, enfatize amor e obediência ao nosso Senhor e ao ensino
apostólico, e amor para com aquele a ser disciplinado. A analogia adequada é a analogia entre os
presbíteros cuidando das pessoas confiadas à sua responsabilidade pelo Senhor, e pais cuidando
de seus filhos. Pais ou presbíteros podem ser permissivos, ou podem ser biblicamente amorosos
e, nesse sentido, executar a disciplina quando necessária. Claro, as pessoas permissivas
argumentam que amam mais suas crianças, porém a Bíblia diz que não. O mesmo é verdade com
relação aos presbíteros.
Temos que perceber que os trechos relatando a disciplina da igreja estão interessados no bem-
estar da pessoa que precisa da disciplina. É porque Cristo se preocupa com cada pessoa
individualmente que Ele dispensa um tempo em Seu ministério para explicar as medidas que nós
devemos tomar a fim de alcançar aquele que cometeu um pecado, mesmo privado ou pessoal.
Ele não quer abandonar essa pessoa no pecado e todas as suas terríveis consequências. Jesus
Cristo está evidenciando a verdade do Antigo Testamento citada em Hebreus 12:6: “porque o
Senhor corrige a quem ama”. E Ele aguarda que Seu povo imite a Sua atitude e prática.
DISCIPLINA — A NECESSIDADE DO USO CORRETO
Às vezes a disciplina cristã é duramente criticada por causa do mau uso que pode ser feito dela.
Portanto, para colaborarmos com a disciplina bíblica, não precisamos apenas aprender e ensinar
os fatos a seu respeito, nós precisamos também ficar em oração para que a apliquemos de forma
piedosa, com uma atitude amorosa que venha a recomendá-la e venha, pela graça de Deus, a
produzir as reações e resultados desejados em ambos, tanto naquele que é disciplinado como
também na igreja como um todo.
Em Mateus, nosso Senhor está dando à Sua igreja a instrução específica que ela precisa para
cumprir Sua disciplina. Essa conscientização deveria elevar a importância da disciplina cristã.
Jesus disse que estava dando as chaves do reino em Mateus 16, e Sua primeira exposição
completa dessas chaves em Mateus 18 é acerca da disciplina na igreja.

AS CHAVES E O “LIGAR” E “DESLIGAR” — O QUE SIGNIFICAM?


Embora Mateus 18 supra um aspecto do significado das chaves, nós ainda precisamos fazer a
pergunta mais abrangente: O que as chaves significam com respeito aos seus dois elementos, isto
é, com respeito ao “ligar” e “desligar”? Considerando que Escritura interpreta Escritura, vamos
voltar a uma passagem análoga que faz um paralelo dos conceitos contidos nos textos de Mateus
16 e 18 nesse ligar e desligar. Vamos deixar de lado outras questões que possam ser levantadas
ao se olhar esta passagem e vamos nos concentrar na comparação dos conceitos.
Essa passagem é João 20:22-23: “E, havendo dito isto, soprou sobre eles, e disse-lhes:
Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos
retiverdes, são retidos.” Na minha opinião, essa é outra forma de expressar a verdade e a
realidade das chaves do reino. Eu não concordo com aqueles que pensam que esse
pronunciamento é restrito aos apóstolos e unicamente aplicável a eles. Por quê? Bem, porque os
apóstolos não podem perdoar pecados no sentido básico da palavra, isto é, em nenhum modo que
seja diferente do que outros homens podem. Em outras palavras, ainda que os apóstolos sejam
únicos, fundamentais, instrumentos de revelação, e foram-lhes dados poderes sobrenaturais que
não permaneceram na vida da igreja, não lhes foi dado o poder de perdoar pecados em qualquer
outro sentido além daquele que o evangelho constantemente indica. E qual é esse sentido? O que
Jesus quer dizer nas passagens de Mateus e João, se posso associá-las e parafrasear aquelas
palavras é: “Estou lhe afirmando que lhe dou as chaves do reino dos céus de modo que você
pode dizer a alguém ‘Creia no Senhor Jesus Cristo e você será salvo’”. Ao fazer isso, Jesus está
dando autoridade para fazermos uma declaração divina com base na finalidade de Sua obra na
cruz. É da essência do evangelho que os embaixadores de Cristo afirmem essa verdade para um
crente genuíno. É isto o que Paulo faz em 1 Coríntios 15:2: “Por ele também sois salvos, se
retiverdes a palavra tal como vo-la preguei”.
No Evangelho de João, perdoar pecados é o primeiro de dois fenômenos (não perdoar é o
segundo). Perdão no Novo Testamento pressupõe arrependimento, reconhecimento de Jesus
como Salvador, e está relacionado à entrada no reino de Deus (ver Atos 2:38,39; 1 João 1:9-2:2;
Mateus 4:17). Arrependimento e perdão estão associados com a entrada no reino, ou com a
abertura deste a alguém. E há o paralelo para perdoar alguém — que é o de desligar — desligar
alguém de seus pecados. Se uma pessoa é perdoada ou desligada de seus pecados, essa pessoa
entra no Reino.

PERDOAR E O “DESLIGAR”
Dessa forma, desligar e perdoar são duas formas de dizer a mesma coisa. Similarmente, as duas
segundas metades dos trechos dos Evangelhos de Mateus e João são duas formas de dizer a
mesma coisa. Não perdoar (as palavras em João 20:23) é fechar ou ligar (Mateus 18:18), isto é,
manter os pecados intactos. Este paralelismo análogo começa a abrir nosso entendimento de
como as chaves funcionam. O desligar, abrir, perdoar é um lado — e o ligar, não perdoar, e não
abrir é o outro lado. Portanto, a Confissão de Fé de Westminster, cap. XXX, seção II, sumariza o
significado bíblico das chaves nas seguintes palavras:

A esses oficiais são confiadas as chaves do reino do céu. Em virtude disso, eles têm,
respectivamente, o poder de reter e remitir pecados; de fechar esse reino aos impenitentes,
tanto por meio da Palavra quanto por meio das censuras; de abri-lo aos pecadores penitentes,
pelo ministério do evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o
exigirem.

A partir desta perspectiva bíblica e confessional, torna-se evidente que as chaves do reino são
usadas pelo ministério inteiro da igreja conquanto seja fiel ao evangelho. Ao admitir alguém no
quadro de membros, os oficiais estão comprovando que aqueles que são admitidos, se sua
profissão de fé é genuína, entraram verdadeiramente no Corpo de Cristo e no Reino dos Céus. E
assim as chaves são cruciais e essenciais. É exatamente assim como os oficiais devem estar
interessados acerca da realidade da fé daqueles que são admitidos ao quadro de membros da
igreja, exatamente também é certo que toda reunião de conselho deve estar propensa a usar as
chaves de maneira apropriada ao admitir pessoas no rol de membros, procurando descobrir se a
confissão é genuína, sincera, se há entendimento das verdades, e se a vida não contradiz tudo
isso, ou seja, se ela é digna de crédito. Semelhantemente, e pela mesma razão, se a confissão se
torna aquém da credibilidade devido a algum pecado persistente, impenitente, a forma de ação
análoga e correspondente deve ser tomada, ou seja, a excomunhão. Cristo aguarda nosso uso das
chaves pelo desligar e pelo ligar.

A BASE E O DEVER DO EXERCÍCIO DA DISCIPLINA


Alguém pode dizer: “Como os presbíteros podem dizer às pessoas que elas estão presas aos seus
pecados? Como os presbíteros podem dizer-lhes que elas não estão no Reino?” Eles podem dizê-
lo com base na autoridade da Palavra de Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo diz na Bíblia que os
homens estão perdidos, e que continuarão perdidos, se não confiarem nEle. Ele também diz no
Sermão do Monte que, mesmo que alguém venha a dizer-lhe “Senhor, Senhor”, a menos que faça
a “vontade de meu Pai que está nos céus”, Ele lhe dirá “Nunca vos conheci”, e essa pessoa não
entrará no reino dos céus. Jesus trata a manifestação externa da vida de uma pessoa exatamente
como Ele e Seus apóstolos pedem que façamos na disciplina na igreja.
E esse é nosso dever. Na disciplina da igreja, não é nosso dever tratar com os sentimentos
interiores ou com a submissão interna e secreta do coração; apenas Deus pode fazer isto. Somos
ordenados a tratar ou com palavras de repúdio ao evangelho (“Eu não creio mais nisso”) ou com
uma vida que manifeste rejeição. A ação dos presbíteros, havendo possibilidade da disciplina
prosseguir até a excomunhão, ou trará a pessoa ao arrependimento e à restauração, ou será um
ato que provará ser permanente. Nós não devemos tecer avaliações quanto às questões da eleição
e perseverança. A disciplina está inserida no plano de Deus, e nós deixamos com Ele o desfecho.
Nós temos apenas que agir de acordo com aquilo que é visível e descoberto e pelo qual somos
responsáveis.
Assim, resumindo, se trouxermos as palavras de João 20:23 e as colocarmos ao lado das
palavras de Mateus 16 e 18, podemos dizer que as chaves do reino incluem ambos: tanto o abrir
do reino através da pregação do evangelho e admissão na comunhão da igreja, como também a
exclusão do reino pelo fechar da porta a pecadores impenitentes que jamais abraçaram a Cristo,
ou a exclusão daqueles que persistem em seus pecados, não se arrependendo e vivendo uma vida
que, por suas palavras ou façanhas, mostra que eles, durante o período de impenitência,
persistente pelo menos, não estão vivendo a profissão de fé que declararam (ver novamente
Mateus 7:21-23).

AS CHAVES NO LIVRO DE ATOS


Nós podemos ver as chaves sendo usadas na própria primeira proclamação do evangelho feita
pelos apóstolos no livro de Atos. Em Atos 2:41, lemos: “Então os que lhe aceitaram a palavra
foram batizados; havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas”. Eles foram
acrescentados à membresia e à comunidade dos crentes ao receberem o ritual de iniciação do
batismo, e ao serem arrolados e incluídos no rol de membros, que era um rol de membros que
fazia uma delineação entre aqueles que estavam dentro da comunhão e aqueles sem a comunhão.
Então, continuamos lendo: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no
partir do pão e nas orações” (v. 42). Assim, eles exerceram como uma de suas primeiras ações o
uso das chaves do reino, ao pregarem essa mensagem naquele dia, aplicando o sinal do reino do
pacto aos que obedeciam, e ao acrescentá-los ou admiti-los à comunhão do povo de Deus.

A IGREJA ATUAL, REALMENTE POSSUI AS CHAVES?


Ora, o que precisamos inquirir a seguir, parece-me, é: a autoridade e o uso das chaves se estende
além de Pedro e dos apóstolos à igreja, e continua até o final dos tempos? Deixe-me salientar
várias considerações que apontam para a continuação. Está implícito nas palavras de Mateus
16:18: “Edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.
Obviamente, quando nosso Senhor fala de edificar Sua igreja e as portas do inferno não
prevalecerem contra ela, Ele não está falando apenas de uma igreja do primeiro século quando os
apóstolos ainda estavam presentes. Ele está falando sobre uma igreja que está em andamento na
qual os apóstolos não estão mais vivos ou presentes. E, por isso, nós devemos corretamente
presumir que o dom das chaves à igreja também ainda continua.
Isto também está implícito na linguagem de Mateus 18. O que Jesus diz em Mateus 18, Ele diz
como regra geral, sem qualquer limitação necessária aos apóstolos. “Se teu irmão fizer isso” (não
“se teu irmão fizer isso no período apostólico”) “faça assim e assim”, e “se ele não der atenção,
aqui está outra coisa para você fazer”, e “se isso não funcionar, aqui está outra coisa para você
fazer — você dirá à igreja e então a igreja em último caso fará isso”. Não há nenhuma
delimitação aos apóstolos. É Cristo estabelecendo a planta, o fundamento, de como os cristãos e
a igreja devem agir.
E sendo assim, nós não devemos presumir por nossa própria conta que essas chaves se
restringem aos apóstolos ou à época dos apóstolos. É verdade que as chaves podem ser mal
usadas. Mas isso não significa que, em reação ao mau uso das chaves, nós não devamos usá-las.
Se formos jogar fora tudo o que é feito mau uso, não vamos ficar com muita coisa do Novo
Testamento. Pode-se fazer mau uso do batismo, da ceia do Senhor, da oração, dos dons, do culto,
etc. Essa é exatamente a nossa tendência como pecadores. Mas não devemos deixar que isso
impeça nossa obediência àquilo que Jesus diz à igreja para fazer.
Ora, você pode dizer: “Estou meio preocupado com esse ensino porque ele quer dizer que
posso vir a estar envolvido no exercício da disciplina, em alguma ocasião”. Sim, esse não é um
ensino fácil de se colocar em prática. De fato, pode ser um dos mais difíceis. E pode haver
repercussões, mesmo quando exercida pelos mais capazes dos líderes. Até Calvino foi expulso
de Genebra. Mas lembre-se também que ele foi convidado a voltar, pois reconheceram que o
modelo bíblico dele era melhor que o receio que sentiam. Não estou sugerindo que todos vocês
precisam imitar Calvino em algum momento de seus ministérios para que assim fique
demonstrada sua fidelidade ao nosso Senhor. Havia outros fatores acontecendo pelos quais
Calvino não foi responsável. Ele não suscitou aquela situação.

COMO DISCIPLINAR — OS PASSOS PRESCRITOS POR JESUS


Como, então, devemos executar a disciplina e usar as chaves do reino? Vamos a Mateus 18.
Aqui nosso Senhor nos ensina como devemos fazer isso. E isso é de forma gradual um método
passo a passo no qual procuramos tratar com o pecado no seu nível mais vil, e ficamos contentes
sempre que houver arrependimento e mudança sem importar qual seja a demora. Não é
obrigatório que a disciplina seja feita por uma reunião judicial do conselho. O conselho tem
sempre a responsabilidade de fazer isso, se preciso for. Mas lembre-se que nosso Senhor começa
Seu ensino em Mateus 18:15 dizendo a todo irmão e irmã cristã que, se alguém pecou contra
você, é sua responsabilidade ministrar a essa pessoa.
Isto não significa que um cristão deve reter todo desrespeito e ofensa e criar caso por isso. Há
vezes em que o amor cobre multidão de pecados; nós devemos sempre perdoar, sustentar e
suportar. Mas se há algo que precisa ser falado com a pessoa, é da responsabilidade cristã como
indivíduo fazê-lo. E essa atitude por parte de um indivíduo é parte integrante da disciplina na
igreja. Este é um aspecto de como ministramos uns aos outros, nos importamos e amamos uns
aos outros, e interagimos uns com os outros.
Nosso Senhor dispõe os passos a serem seguidos: primeiro, pessoa a pessoa; segundo, com
dois ou três outros; terceiro, levando à igreja; e, finalmente, a igreja, não sendo bem sucedida na
primeira instância, tratará com a pessoa e com o pecado através dos presbíteros (implícito na
expressão “duas ou três testemunhas” e revelado em passagens posteriores no Novo
Testamento). Se o conselho decidir pela “excomunhão”, isto é, expulsar essa pessoa da igreja e
tratá-la como estranha, então a congregação deve ser informada, pois nosso Senhor está se
dirigindo a todo o povo de Deus quando diz: “considera-o como gentio e publicano” (Mt 18:17).
Esses são os passos que nosso Senhor prescreve para tratarmos com os pecados pessoais e
privados, pois Ele quer tratar com a disciplina cristã em sua forma mais elementar. Ele não nos
apresenta apenas o pior cenário. Ele nos apresenta um cenário simples, mas um caso simples que
vai se tornando cada vez pior; e, dessa forma, podemos ver o modelo completo se desdobrar, e
podemos perceber que a impenitência, o não arrependimento, mesmo de um único pecado
privado, requer uma ação final.

COMO DISCIPLINAR — PECADOS PÚBLICOS E PRIVADOS


Quando o apóstolo Paulo trata com um pecado público em 1 Coríntios 5, ele convoca a igreja a
prosseguir até a ação final, já que o pecado era comprovado por mais de duas ou três
testemunhas e a pessoa demonstrava não se arrepender. Essa comparação da Escritura com a
Escritura nos esclarece que os primeiros passos são exigidos apenas no caso de um pecado
pessoal e privado… (“Se teu irmão pecar contra ti…”, Mt 18:15). Dr. Louis Berkhof afirma essa
questão de forma bem clara quando escreve:
Devemos lembrar, entretanto, que esse método é prescrito apenas para pecados privados. A
ofensa causada por pecados públicos não pode ser removida privadamente, mas somente por um
ajuste público. (b) Pecados públicos tornam o pecador objeto de imediata ação disciplinar pelo
conselho, sem a formalidade de qualquer admoestação privada precedente, mesmo que não tenha
havido nenhuma acusação formal. Por pecados públicos queremos dizer, não meramente pecados
que são cometidos em público, mas pecados que causaram ofensa pública, ou mais precisamente,
ofensa generalizada. O conselho nem mesmo deve esperar que alguém chame a atenção para tais
pecados, mas deve tomar a iniciativa. Não foi nada honroso para os coríntios que Paulo tenha
chamado sua atenção com relação ao escândalo no meio deles antes que eles mesmos tomassem
uma atitude (1 Co 5:1 ss). Nem foi nada honroso para as igrejas de Pérgamo e Tiatira que não
tivessem reprovado e excluído os mestres heréticos de seu meio (Ap 2:14,15,20). No caso de
pecados públicos, o conselho não tem nenhum direito de esperar que alguém denuncie
formalmente; nem tem o direito de exigir que alguém afinal, que se sente constrangido, deva
chamar à atenção para esses pecados dos quais ele, primeiro privadamente, admoestou o pecador.
Pecados públicos não podem ser resolvidos de forma privada.
Ao dizer que essa instrução de Jesus em seus estágios iniciais é para pecados privados, não
quero dar a impressão de que em toda situação o conselho deva imediatamente chamar a pessoa e
tratá-la oficialmente. Há ocasiões em que pode ser necessário ser sábio e prudente — e esta pode
ser uma necessidade por causa de outras considerações. Mas, vemos, comparando essa passagem
a Tito 3:10-11, que uma abordagem de três passos é utilizada no caso de um pecado público.
“Evita o homem faccioso (herege) depois de admoestá-lo primeira e segunda vez, pois sabes que
tal pessoa está pervertida e vive pecando, e por si mesma está condenada”. Observe a analogia
em Mateus 18: advirta-o uma vez, advirta-o uma segunda vez, e afinal, “evita-o” — não há mais
nada a fazer com ele. Mas perceba que, embora haja duas advertências e depois a ação, eles não
são exatamente os mesmos três passos encontrados em Mateus 18. Por isso, não devemos tomar
como absolutos os passos de Mateus 18 porque, se o fizermos, nós estaremos em desacordo com
o propósito de Jesus, e também culparemos as atitudes dos apóstolos em outras partes do registro
bíblico como um todo, tal como 1 Coríntios 5 e mesmo o trecho similar, mas com diferenças,
Tito 3:10-11 (cf. também Gálatas 2:11-14).
O mesmo é verdadeiro para outras ocasiões onde Paulo repreende ou adverte em suas cartas
acerca de certos indivíduos. Não parece que primeiro ele os procurou privativamente, pois o
pecado deles era público, isto é, um grande erro explícito e grave; e a pecaminosidade explícita e
impenitente — tais como Himeneu, Alexandre e Fileto (1 Timóteo 1:20 e 2 Timóteo 2:17-18).
A expressão de Mateus 18, “teu irmão pecar contra ti”, e o fato de que há casos em que os
apóstolos não seguem esse esquema, juntos nos ensinam que esse é um modelo geral, ordenado,
na verdade, para pecados privados e pessoais, um modelo para ser seguido com sensatez em
muitas situações, mas não um modelo absoluto a ser seguido no caso de pecados públicos.

COMO DISCIPLINAR — A RESPONSABILIDADE DA EXCLUSÃO


Agora vamos às palavras que concluem Mateus 18:15-17 e aprendamos de Jesus no verso17.
Antes de tudo, observe que nosso Senhor é quem fala de excomunhão. Ele diz: “Se ele recusar
ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano”. O que Ele quer dizer com isto?
Tratá-lo como estranho à comunidade cristã, que é como os crentes judeus entenderiam, já que
esta era a forma que eles tratariam gentios e publicanos. Não deveríamos titubear por causa do
pensamento vago que diz: “Jesus comeu com essas pessoas, logo Ele quer nos falar que devemos
ser mais simpáticos com eles que com os membros da igreja”. Fazer essa comparação é forçar o
termo além do seu contexto. Ele não quer dizer que devemos ter a atitude de hostilidade e
superioridade às vezes representada pelos judeus, o que Ele quer é comunicar a diferença da
relação. Paulo repetirá esse mesmo ensino de Jesus quando diz que os coríntios não deviam se
associar com um irmão persistente no pecado e “com esse tal nem ainda comais” (1 Coríntios
5:9-13). É nosso Senhor quem nos diz que devemos de uma vez por todas tomar essa atitude
final quando alguém “se recusar ouvir também a igreja” (Mt 18:17).
Qual a base para tomarmos essa atitude? A primeira parte da base para esta atitude é o pecado
a ser tratado. Observe que nosso Senhor não define, ou delimita, ou restringe o pecado. Logo,
não podemos fazer uma lista restrita de pecados com os quais trataremos, pois nosso Senhor não
faz isso. É verdade que alguns pecados são mais flagrantes, mais públicos, mais notórios, e
devem ser tratados justamente por causa do seu dano para os outros na igreja. Não estou tentando
negar isso. Mas temos que ter cuidado em não fazer nossa própria lista — sejam pecados sexuais,
ou de não se submeter ou hostilizar o conselho ou o pastor, ou discórdias, ou de qualquer outra
categoria. Jesus falou de pecado simplesmente: “Se teu irmão pecar contra ti…”. Ele não diz
“desse jeito, daquele ou daquele outro”, e, por isso, se vamos seguir o ensino de Jesus, não
devemos estabelecer nenhum limite na forma como Ele distingue que devemos lidar uns com os
outros. Isso não quer dizer que vamos nos tornar um grupo de pessoas que vive procurando os
pecados dos outros para podermos corrigir suas faltas. Um crente deve sempre exercer muita
discrição, reserva, e temperança ao lidar com os outros; mas não podemos dizer que um pecado
está isento do ensino de Jesus visto que não se insere numa categoria especial.
É referindo-se genericamente a um pecado, impenitente, que Jesus diz que a pessoa deve ser
tirada do meio da igreja. Aqui o segundo ponto da base deve ser sublinhado. Na expressão do
texto, a pessoa persistente e repetidamente se recusa “a ouvir”. Ela não os ouvirá alertá-la acerca
da sua “culpa” ou pecado, que se arrependa. Ela se “recusa” a “ouvir”.
Que atitude deve ser tomada? Nosso Senhor demonstra que a pessoa deve ser posta para fora
da igreja. Mas como seres humanos podem ter o direito e a autoridade para colocar alguém para
fora da igreja de Cristo? Bem, sejam motivados pelos fatores encorajadores dados nessa
passagem. Jesus Cristo, o Senhor da Igreja, ordena à Sua igreja que tome essa atitude. Esse é um
mandamento Seu e temos que obedecer. Essa atitude deve ser tomada simples e exclusivamente
pelo fato de que a pessoa não se arrependerá e persiste em seu pecado ou em defendê-lo. É um
grande alívio, pois, conforme as palavras em Tito 3:10, isso significa que essa pessoa “por si
mesma está condenada”. Em outras palavras, não é obrigação do conselho, em última análise,
fazer caso do quanto o pecado é notório. A questão é se a pessoa vai ouvir a admoestação de
Cristo e Sua igreja e se arrepender, ou se irá persistir em seu pecado e/ou justificar a retidão da
atitude que ela tomou.
É essa a consideração com a qual devemos lidar quando somos levados a um caso de
excomunhão. A pessoa com a qual estamos tratando é uma pessoa que se arrepende e procura o
perdão de Deus, ou é alguém que está determinada a viver como uma pessoa que não irá se
arrepender? É do caráter do cristianismo que nós somos um povo que se arrepende, e é uma
contradição do cristianismo que uma pessoa diga que pode viver em pecado sem se arrepender,
sem confessar, voltando a pecar novamente. Se essa pessoa se arrepender, nós devemos perdoá-
la e restaurá-la. Mas o que vai determinar se a igreja enfim decide acerca da excomunhão, de
acordo com o próprio ensino de Jesus, é se a pessoa irá dar atenção e ouvirá o apelo para que se
arrependa e mude.

COMO DISCIPLINAR — O ARREPENDIMENTO E A RESTAURAÇÃO


Ao tratar com arrependimento, o conselho tem o direito de fazer a mesma coisa que João Batista
fez e disse antes de restaurar certa pessoa (cf. Mt 3:7-8). Alguém pode dizer: “Estou
arrependido”; mas o conselho pode então dizer, como João Batista disse: “Produzi, pois, fruto
digno do arrependimento”. Uma pessoa pode ter se ausentado completamente da casa do Senhor,
ela pode ter trabalhado no dia do Senhor, ela pode ter tido uma relação ilícita com alguém, pode
ter roubado — há uma série de coisas que alguém pode ter feito. Além disso, o conselho pode
precisar encontrar meios criativos para se assegurar do arrependimento dessa pessoa, meios que
indiquem que ela não irá novamente se envolver ou considerar sobre tal pecado, assim como para
mostrar indícios de que ela realmente tem cessado, desistido de tal pecado e não o cometerá
novamente. Essa é a obra interna, sábia e apropriada do conselho em uma situação específica.
Como, pois, o conselho vai ter sabedoria para fazer tudo isso desde o início até o fim? O
conselho terá sabedoria para executar a disciplina na igreja pelo fato de que eles não estão agindo
sozinhos — pelo fato de que o Senhor e Rei da igreja prometeu em Seus últimos versículos do
texto de Mateus 18, nos versos 19 e 20: “...ali estou no meio deles”. Ele dará a sabedoria,
orientação e percepção necessárias aos presbíteros além de qualquer capacidade humana. E eles
precisam confiar nEle e crer nessa verdade porque, humanamente falando, esse é um trabalho
desesperador e ingrato. Isso é, humanamente falando, uma forma de afastar aquela pessoa da
igreja e perdê-la para sempre — a não ser que o Espírito de Deus esteja agindo. E é isso que
demonstra o poder da disciplina e a veracidade de seu caráter espiritual.

UM EXEMPLO PRÁTICO
Deixe-me ilustrar com um exemplo concreto no qual eu estive envolvido com o conselho da
igreja há algum tempo. Os presbíteros, como indivíduos, em pequenos grupos, e finalmente
como um corpo, procuraram tratar com uma pessoa obstinada. Esses contatos produziram
algumas palavras afiadas da parte da pessoa e ela tentou fugir de nós e não queria nada conosco.
Na verdade nos queria fora de sua vida. Nós persistimos porque a amávamos e estávamos
preocupados com ela. Na hora apropriada, nós a intimamos a comparecer perante o conselho.
Achamo-la culpada e a repreendemos, e pedimos à congregação que orasse pelo seu
arrependimento e restauração. E ela se arrependeu.
No decorrer da questão, parecia que era um caso absolutamente sem esperança no qual não
víamos nenhum bom resultado. Mas aqueles momentos de dúvida foram dias de desconfiança,
sim, beirando à incredulidade, acerca do modo prescrito por Cristo para se alcançar um pecador
obstinado. Então, encorajamo-nos uns aos outros a crermos no Senhor e em Sua Palavra. E isso
aconteceu. Aconteceu unicamente porque a promessa de Mateus 18:19-20 foi cumprida em
nosso meio. E será cumprida no meio de vocês, também. Eu não estou lhes dizendo que o
desfecho é sempre arrependimento e restauração. Lembrem-se que até mesmo no tratamento de
nosso Senhor diretamente com os homens, Pedro foi restaurado e Judas não, e que também
Demas abandonou Paulo. Nós precisamos agir confiantes, e deixar o resultado nas mãos de
Deus. Nós não somos responsáveis pelo desfecho. A nossa responsabilidade é como nos
conduziremos em obediência ao nosso Senhor Jesus Cristo. Nós manuseamos a disciplina na
igreja com fidelidade à Palavra de Deus e com uma atitude e um relacionamento adequados, para
com nosso Senhor, para com os outros, para com a igreja, e para com a pessoa?

OS ENCORAJAMENTOS PARA O EXERCÍCIO DA DISCIPLINA


Agora, deixem-me apenas ampliar isto fornecendo-lhes aqui três coisas para lembrar. Quais são
os encorajamentos para a disciplina? Eles são triplos. Agora precisamos apenas de um. Vou dar-
lhes este primeiro. Disciplina é mandamento explícito de Cristo. Esse é o primeiro
encorajamento de nosso amoroso Senhor.
Segundo, a promessa de que a disciplina é significativa e eficaz. Ora, o que quero dizer com
isso? Ouçam o modo como nosso Senhor nos diz estas palavras: “…tudo o que ligardes na terra,
terá sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado no céu” (Mt
18:18). Suponha que alguém que está passando por um problema disciplinar diga a vocês:
“Façam o que vocês quiserem. Excomunguem-me. Eu vou descer a rua até outra igreja e ela logo
irá me aceitar. Não importa a disciplina; ela não tem nenhuma importância”. Jesus diz — esteja
certo de que você mantém seus ouvidos voltados para Jesus, não para o mundo — “…tudo o que
ligardes na terra, terá sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado
no céu”. Ora, Ele não está dizendo que nós coagimos os céus. Ele está dizendo isso nesse modo
tão impressionante, como Ele frequentemente faz, para dizer que ela tem uma importância
celestial. Agora, isso não quer dizer que quando nós fazemos um julgamento errado isso seja
ligado no céu. Mas está dizendo que não devemos nunca dizer da disciplina cristã: “Isso tem a
ver apenas com o aspecto externo da instituição humana”. A igreja visível é a manifestação
visível do corpo de Cristo, o Reino de Deus na terra. É importante para os céus se as relações de
alguém estão dentro dela ou fora, e isso terá importância eterna e celestial. Nós temos que pensar
e agir dessa forma, porque essas são as mesmas palavras que nosso Senhor usa.
Esse encorajamento, claro, é semelhante aos encorajamentos para a oração. Ele possui todas as
condições implícitas. Ore e discipline no nome de Jesus, ore e discipline de acordo com a
vontade de Deus, ore e discipline em obediência a Ele — tudo isso é compreendido, mesmo que
não seja expresso. As palavras explícitas de Jesus dizem que há uma correlação. Esse é o
segundo encorajamento. Você pode ver esse incentivo também em passagens tais como 1 Co 5:5,
onde o apóstolo diz que a igreja deve disciplinar o homem a fim de que “o espírito seja salvo no
dia do Senhor”. Agora, as Escrituras não dizem que isso sempre acontece a todos, mas que esse é
o objetivo da disciplina. O mesmo encorajamento é encontrado em 2 Coríntios 2:6-7, onde se diz
que a disciplina é eficaz. “Basta-lhe a punição pela maioria. De modo que deveis, pelo
contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva
tristeza. Pelo que eu vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor”. Aqui está, nas páginas
do Novo Testamento, um exemplo de excelente resultado de disciplina na igreja a qual o
apóstolo teve que argumentar com eles, suplicar-lhes e tentar influenciá-los a fim de que a
cumprissem. Apenas uma maioria, imagine você. Mas foi eficaz.
Portanto, a disciplina bíblica na igreja será sempre importante e significativa, qualquer que
seja o resultado. E há sempre duas possibilidades. Uma: vergonha, arrependimento e restauração;
e a outra: persistência no pecado. Mas até mesmo esse último resultado como consequência da
disciplina é válido, pois remove o levedo que leveda a massa. Ela tem conservado o nome de
Cristo arrastado pela lama, a igreja desonrada e alojado hipócritas! Em ambos os resultados, a
disciplina foi eficaz. Nós deixamos qual seja o resultado para o Soberano Senhor e Seu Espírito
gracioso.
E o terceiro encorajamento é a promessa explícita de Jesus de que Ele estará com a igreja
nessas ocasiões de disciplina quando o invocarem (Mt 18:20).

O TRATAMENTO DA CONFISSÃO DE FÉ
Sumarizemos, pois, nosso progresso utilizando novamente a declaração resumida da Confissão
de Fé de Westminster, capítulo XXX, seção II: “A esses oficiais são confiadas as chaves do reino
dos céus…”. Observe que a Confissão diz que as chaves são confiadas aos oficiais, não apenas
aos apóstolos: “…Em virtude disso, eles têm, respectivamente, o poder de reter e remir
pecados…”. Observe que a Confissão usa palavras análogas às palavras de João 20 e Mateus 18
(as de João são “não perdoar” e “perdoar” — e as de Mateus são “ligar” e “desligar”) para
indicar que as chaves são: reter e remir, isto é, os pecados. A Confissão declara o significado das
chaves em duas categorias porque as chaves mesmas foram estabelecidas em duas categorias.
Então, segundo a Confissão, reter pecados implica em quê? “…fechar o reino aos impenitentes,
tanto por meio da Palavra quanto por meio das censuras…”. Observe que a Confissão segue a
ordem de nosso Senhor em Mateus 18 e, por isso, eles colocaram o ligar e fechar em primeiro.
Depois a Confissão recomeça pelo outro lado, o do remir pecados: “…de abri-lo aos pecadores
penitentes, pelo ministério do evangelho” (essa é a obra primordial da pregação do evangelho e
de se trazer pessoas à comunhão da igreja) “e pela absolvição das censuras, quando as
circunstâncias o exigirem” (quando a pessoa disciplinada se arrepende, o reino que é manifestado
na igreja é aberto a essa pessoa e é declarado que as censuras acabaram). Assim, o uso das
chaves inclui ambos os aspectos, e particularmente quando a disciplina foi aplicada e o
arrependimento é manifestado.
A Confissão de Westminster refere-se a censuras. O que são elas, e a que elas se propõem? A
Confissão resume o ensino bíblico nessa questão no capítulo XXX, seção III:

As censuras eclesiásticas são necessárias para apelar aos irmãos transgressores e reconquistá-
los, para dissuadir outros de praticarem transgressões semelhantes; para purgar daquele
fermento que poderia contaminar a massa inteira; para vindicar a honra de Cristo e a santa
profissão do evangelho; e para evitar a ira de Deus, que poderia com justa razão cair sobre a
Igreja, se ela permitisse que Seu pacto e Seus selos fossem profanados por transgressores
notórios e obstinados.

Com alguma modificação na ordem e um pouco de expansão, estarei seguindo essa declaração
da Confissão como modelo para nossa apresentação no restante do texto. Como podemos
discernir ao analisarmos a declaração da Confissão, há três pessoas ou grupos de pessoas em
vista, por quem deveríamos nos interessar ao implementarmos a disciplina na igreja.

O TRANSGRESSOR — PUNIÇÃO
Antes de tudo, há o transgressor. Observe onde começa a Confissão: “…para apelar aos irmãos
transgressores e reconquistá-los”. Eu quero lembrar a vocês que, ao tratarmos com o
transgressor, na verdade nós punimos o transgressor; e assim o fazemos a fim de trazê-lo ao
arrependimento e, assim sendo, à restauração; mas, se não, para que ele seja excluído. Agora, eu
admito que, quando usamos a palavra punição, nós temos que usá-la com muito cuidado. Há
pessoas que argumentam que, porque Cristo carregou todos os nossos pecados, não podemos
nunca mais ser punidos. Agora Deus apenas nos tratará de forma diferente. E, claro, isso é
verdade no sentido absoluto, que não haverá nenhuma punição para nós na vida após a morte.
Contudo, eu não acredito que isso seja verdade no sentido temporal. Tome o caso clássico de
Davi. Mesmo depois que ele já havia se arrependido de seus pecados, e Natã lhe dissera que seus
pecados haviam sido perdoados, e ele fora aceito por Deus, o que aconteceu? Foi-lhe dito que
seu filho morreria, como punição, para mostrar de forma pública à comunidade que Deus não
trata levianamente com o pecado de tal forma flagrante. E, ainda assim, a graça de Deus é
estendida pelo fato de que Deus abençoa aquele casamento e traz, através desse casamento, o
Prometido. Isto é maravilhoso! E não devemos esquecer este aspecto.
Mas, se alguém ainda não estiver satisfeito com esse apelo ao Antigo Testamento, escrito para
nossa instrução, vamos rememorar a expressão completa encontrada no Novo Testamento, a
qual, com sua terminologia, pode ser demonstrado que seja a mais persuasiva. A passagem é 2
Coríntios, capítulo 2, verso 6: “Basta-lhe a punição pela maioria”. Aqui vemos Paulo usando a
palavra “punição” em conexão com uma disciplina imposta sobre um transgressor pela maioria.
Portanto, uma palavra usada para descrever a disciplina na igreja no Novo Testamento é uma
palavra que deveríamos usar ao reafirmarmos o ensino do Novo Testamento.
É por causa deste tipo de expressão, e também por causa da atitude do Senhor com relação a
Davi, que alguns livros presbiterianos sobre disciplina têm indicado que, particularmente no caso
de um ministro, mesmo quando ele se arrepende e é declarado seu perdão pelo presbitério, certa
censura pode ainda ser pronunciada. Isto não quer dizer que deve ser feito em toda situação, mas
é uma opção aberta ao presbitério ou outra autoridade de modo que possa ser evidente aos olhos
do mundo, como no caso de Davi, que no perdão de Deus a um pecador, a dor e o impacto do
pecado não são ignorados.

O TRANSGRESSOR — PERDÃO E RESTAURAÇÃO


Quando lidamos com pecados de oficiais da igreja, temos que fazer uma distinção entre perdão e
restauração à comunhão do Corpo de Cristo, e restauração ao ofício na igreja, a qual requer que o
padrão que ele violou seja demonstrado à igreja de forma clara e pública como sendo evidente na
sua vida antes de retornar ao ofício. É absolutamente imperativo que a igreja observe esta
distinção bíblica importante. Tome, como exemplo, um homem que tenha problemas com a ira,
que geralmente explode numa reunião de conselho, e pode até querer brigar fisicamente. Ele
sempre diz: “Desculpem-me, por favor. Que coisa horrível eu fiz ou disse!”. E nós sempre
dizemos, como nosso Senhor nos ordena, setenta vezes sete: “Você está perdoado”. Um dia ele
se recusa a pedir desculpas, e em consequência, para resumir um longo processo, ele é suspenso
do ofício. Mas então ele se abranda e diz: “Me perdoem, por favor!”. Nós devemos restaurá-lo ao
ofício? A questão não é se ele se desculpa, se está arrependido e é perdoado; a questão é: ele tem
manifestado possuir a qualificação para um presbítero que não seja pugnaz? Seu arrependimento
e perdão não significam que ele agora manifesta a qualificação que precisa ser demonstrada (cf.
1 Timóteo 5:22, 24, 25).
Estamos tratando com o primeiro dos três grupos, pessoas, ou grupos de pessoas envolvidos na
disciplina da igreja, a saber, o transgressor. E usamos a palavra “punição” porque essa é a
linguagem do Novo Testamento. Claro, essa é uma outra forma de dizer aquilo que a Confissão
diz quando fala de censura. Geralmente, as censuras são aplicadas pelos presbíteros quando a
pessoa ainda não está arrependida. Esses presbíteros estão tentando, por meio disso, despertar
arrependimento, conduzindo à restauração. Isso deve estar firme na linha de frente do nosso
raciocínio: Nós queremos provocar arrependimento e restauração. É óbvio, nós não podemos
produzir arrependimento, mas esse é o nosso alvo — que a pessoa possa ser trazida a Deus para
arrependimento.
Esse alvo e essa preocupação são claramente evidentes em várias passagens. Em 1 Coríntios
5:5, o apóstolo Paulo diz, rogando à igreja que discipline a pessoa, “…entregue a Satanás para a
destruição da carne” (voltaremos a todas essas palavras e ao significado delas), “a fim de que o
espírito seja salvo no dia do Senhor”. É claro que o apóstolo tem em mente o desfecho final, a
saber, que o seu espírito seja salvo no dia do Senhor. Isso é o que nós sempre queremos ter em
mente, que ele seja retirado dessa entrega ao pecado e ao maligno, e seja restaurado, de modo
que ele não cairá em condenação, que não seja um dos que retrocedem, professe ser crente e de
fato não o seja, mas seja um dos que abandonam seu pecado e manifestam sua salvação.
Vemos esse zelo em 2 Coríntios 2, e também a eficácia da disciplina. “Basta-lhe a punição
pela maioria. De modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja
o mesmo consumido por excessiva tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o
vosso amor” (vv. 6,7). Obviamente, esse perdão, conforto e confirmação do amor é uma atitude
de restauração. Observe bem os elementos envolvidos. Eles são muito relevantes. Há o perdão
genuíno, apesar da gravidade do pecado e contra quem foi dirigido entre os seres humanos (tanto
quanto contra Deus). Todas essas partes, todas essas pessoas, devem estar prontas para perdoar,
confortar e confirmar o amor. É muito importante que entendamos esse alvo e que estejamos
preocupados em tomar uma atitude pública de restauração quando a disciplina for eficaz, assim
como é necessário anunciar publicamente, por exemplo, quando acontece um ato de
excomunhão. Como pastor na Igreja Presbiteriana Ortodoxa, tenho visto isso acontecer e posso
dizer-lhes que isso pode surtir o mais profundo efeito, não apenas nas partes envolvidas, mas em
toda a congregação.
Vemos também esse mesmo cuidado em duas outras passagens. Em 1 Timóteo 1:20, mesmo
quando Paulo está tratando com um dos mais terríveis adversários, ele tem esse cuidado, apesar
de tudo, ao dizer sobre eles: “E dentre esses se contam Himeneu e Alexandre, os quais entreguei
a Satanás, para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem”. Ele não quer apenas advertir
Timóteo e a igreja e também publicamente reprová-los e, de fato, excomungá-los e dizer-lhes
que eles não têm nenhum direito de oficiar ou ensinar, mas ele também quer que essa ação tenha
um efeito eficaz — que eles “não mais blasfemem”.
Finalmente, com relação ao transgressor, temos as palavras de 2 Ts 3:14: “Caso alguém não
preste obediência à nossa palavra dada por esta epístola, notai-o; nem vos associeis com ele,
para que fique envergonhado”. Ele deveria sentir vergonha de quê? De seu pecado, e sua
consequência, a saber, ser excluído da comunhão do povo de Deus. Se a igreja falha em
disciplinar um pecador impenitente, esse não irá experimentar a ação disciplinar que Deus
ordenou para produzir resultado. Ele pode, portanto, não se arrepender, e pode, portanto, não ser
readmitido na comunhão de Deus e de Seu povo. É responsabilidade da igreja fazer com que ele
sinta essa vergonha, a vergonha no nível horizontal de ser excluído da comunhão do povo de
Deus de modo que ele possa ser levado à vergonha no nível vertical e ser envergonhado de seu
pecado diante de Deus. Para usar a linguagem da Confissão, a censura é “necessária” para
alcançar esse fim.

A IGREJA PRESERVADA — DISSUADINDO OUTROS DE PECAREM


O segundo assunto que é objeto de atenção na disciplina eclesiástica é a igreja. Issto é expresso
de várias formas diferentes na Confissão (Capítulo XX, seção III). Ela declara que “censuras são
necessárias” “para dissuadir outros”, “para purgar daquele fermento que poderia contaminar a
massa inteira” e “para evitar a ira de Deus, que poderia com justa razão cair sobre a igreja”. Esse
dissuadir, purgar e evitar referem-se, claro, à igreja. Em nossa análise do zelo pela igreja, nós
vamos utilizar as três categorias afirmadas na Confissão e uma quarta implícita no capítulo como
um todo, e especialmente na palavra “necessárias”: (1) dissuadir outros, (2) remover o fermento
que contamina, (3) evitar a ira de Deus, e (4) manifestar obediência e crescimento espiritual. A
disciplina na igreja tem interesse nestas quatro coisas com relação à igreja.
Em primeiro lugar, existe a necessidade de dissuadir outros. O texto primordial é 1 Timóteo
5:20: “Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também
os demais temam”. Paulo afirma que a repreensão pública deve ter o efeito de fazer os outros
terem temor. Como é que eles devem ter temor? Tanto eles devem ter temor para não caírem no
mesmo pecado ou em algum outro similar como também devem temer que, se eles caírem em
pecado, receberão o mesmo tipo de repreensão pública. Desse modo, eles são contidos e
dissuadidos pela natureza pública da disciplina e sua repreensão. Aqui as Escrituras indicam que
a punição ou a repreensão tem seu efeito dissuasivo, embora haja algumas pessoas que gostem de
nos ensinar que isso não é verdade.

A IGREJA PRESERVADA — REMOVENDO O FERMENTO DA MASSA


Vamos à categoria da remoção do fermento que contamina (essta questão e a de dissuadir outros
são muito similares, claro). Aprendemos sobre isso em 1 Coríntios 5, onde um homem é culpado
do pecado de “imoralidade” no qual ele “possui a mulher de seu próprio pai” (v. 1). A igreja de
Corinto não retirou esse homem de seu meio conforme o ensino de nosso Senhor Jesus Cristo
(Mt 18) requeria (1 Co 5:2). Paulo adverte-os severamente e encarrega-os de exercer essa
disciplina e sua censura imediatamente (vv. 3-5). Então ele dá como motivo, além daquele
cuidado pelo homem, sua preocupação pela igreja, de ela vir a ser contaminada por esse pecado.
“Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?
Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois de fato, sem fermento. Pois
também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso celebremos a festa, não com o
velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia; e, sim, com os asmos da
sinceridade e da verdade” (vs 6-8). (O contra-argumento que sempre será feito é este: Não
devíamos estar disciplinando essa pessoa; nós deveríamos estar mostrando maior amor e afeto
por ela. Nós deveríamos estar colocando nossos braços ao seu redor, e acolhendo-a. Ora,
evidentemente, o problema com esse tipo de objeção é que ela soa uma meia-verdade. Esse é
normalmente o problema com as objeções ao ensino bíblico. Claro que deveríamos amá-la e nos
importar com ela. Mas não é isso o que Paulo está fazendo?)
Paulo usa a figura do fermento, mas nós podíamos usar a figura do apodrecimento em um saco
de batatas. Lá no meio está uma batata que está apodrecendo. Agora suponha que eu diga, com
franqueza, à congregação: “Não tirem essa batata. Ponham mais batatas boas junto dela, e isto
ajudará a batata ruim. Com certeza, o verme sairá”. Qualquer pessoa saberia que este é um
conselho ruim e que não funcionaria. Essa é a figura que está sendo transmitida por Paulo ao usar
o fermento. Se ele não for removido, ele começará a influenciar os outros, contaminando toda a
massa. Se for deixado dentro, isso terá sua influência em aprovar outras ações similares e em
produzir uma visão menor do pecado, permitirá que outros raciocinem acerca do pecado (“Ele
não pode ser muito prejudicial para nossa vida, pois não tem nenhum impacto espiritual em nós e
em nossas relações com os outros e com o nosso Senhor; ele não compromete a veracidade — ou
põe em questão —, a veracidade de nossa fé cristã, se somos ou não de fato perseverantes e,
portanto, se estamos verdadeiramente entre os eleitos de Deus e se verdadeiramente somos
salvos”). Pense apenas no que pode estar acontecendo, tanto nessa igreja de Corinto como em
nossas próprias igrejas, quando uma situação assim acontece e, sentados numa fila atrás estão
dois adolescentes, ou dois solteiros que gostariam, talvez, de viver juntos sem ser casados, ou ter
alguma relação sexual. E eles assistem ao que a igreja faz nesse caso patente de infidelidade
sexual. Se nós pisarmos na bola como oficiais na igreja, estaremos sendo grandemente
responsáveis perante Deus pelo ingresso deles numa relação sexual ilícita porque nós não
aproveitamos a oportunidade de deixar uma mensagem clara sobre esse assunto.

A IGREJA PRESERVADA — EVITANDO A IRA DE DEUS


E, em terceiro lugar, nesse aspecto da igreja, as censuras são necessárias para evitar a ira de
Deus, “que poderia com justa razão cair sobre a Igreja…”. O aspecto da ira de Deus é inclusive
inserido na Bíblia em lugares onde nem mesmo esperávamos achá-lo. Veja a passagem sobre a
Ceia do Senhor, no versos 29ss do capítulo 11 de 1 Coríntios: “…pois quem come e bebe, sem
discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e
doentes, e não poucos que dormem. Porque, se nós julgássemos a nós mesmos, não seríamos
julgados.” Julgados por quem? Por que algumas pessoas estavam doentes? Por que algumas
pessoas estavam parecendo morrer prematuramente? Porque Deus estava trazendo juízo sobre
eles e, em particular, por causa da forma como eles estavam abusando, fazendo mau uso,
depreciando esse grande rito que é um memorial comemorativo da obra que o Filho de Deus fez
e que é um meio que Deus deu para norteá-los e atraí-los cada vez mais para Si e uns para com
os outros. Aquilo era o juízo de Deus. Esse é um exemplo concreto. E o ministro repete as
palavras de advertência de Paulo nessa passagem por causa desse mesmo fato. Ele usa as
“chaves” dessa forma.
O exemplo clássico do Antigo Testamento, como todos vocês sabem, é o exemplo em Josué 7
acerca de Acã. Por que os israelitas tiveram tanta dificuldade ao tentarem conquistar aquela
minúscula cidade de Ai? Por que eles foram derrotados, e por que perderam tantas pessoas? Por
causa do pecado de um homem que não fora punido e nem se tratara de seu pecado. Um homem.
E quando foi tratado, Deus lhes deu progresso. É bom lembrar essa passagem e suas implicações
para nós.

A IGREJA PRESERVADA — A NECESSIDADE DE CRESCIMENTO ESPIRITUAL


O quarto aspecto do interesse da disciplina para com a igreja é que aquela manifesta obediência
piedosa e crescimento espiritual por parte de cada pessoa na igreja e seus oficiais como um todo.
Quando a igreja resiste à disciplina, ou quando presbíteros resistem, eles manifestam
desobediência a Cristo e sufocam o crescimento e bem-estar da igreja. Claro, a igreja e seus
oficiais podem inicialmente recuar devido a todas as dificuldades envolvidas, todo o mal-
entendido, todos os pesares — a mesma coisa Paulo experimentou. Lembrem-se como ele relata
essas mesmas coisas na carta extremamente pessoal de 2 Coríntios onde fala de tê-los
contristados e de não se arrepender disso (embora já tivesse se arrependido antes), por causa do
bom resultado (2 Co 7:8-9). Ele se emociona quando lembra a resposta inicial deles para com a
disciplina e para com ele. Certamente, isso pode acontecer na disciplina na igreja. Mas Paulo é
tão corajoso em confiar em Deus para dar o desfecho final que ele se mantém firme e tenaz com
as pessoas e com a ação disciplinar (eles se arrependeram de haverem resistido, v. 9). Nós,
também, não devíamos perder o passo com as primeiras reações. Esse é o mesmo tipo de
tenacidade que precisamos manifestar quando admoestamos alguém individualmente, um-a-um,
quando há algo incontestável que precisamos tratar na vida de alguém, e também quando
compartilhamos o evangelho. Nós temos que perseverar e procurar persuadir como fez Paulo.
Onde a Bíblia ensina que a disciplina na igreja manifesta obediência piedosa e crescimento
espiritual? Ela ensina isso em duas seções ao tratar da disciplina na igreja. Primeiro, em 2
Coríntios 2, especialmente no verso 9: “E foi por isso também que vos escrevi, para ter prova de
que em tudo sois obedientes”. Paulo pode dizer que esta é a razão de ter-lhes escrito e rogar-lhes
a ação disciplinar, embora saibamos que outro motivo foi a restauração da pessoa e a honra de
Cristo. Ele está tão preocupado em transmitir essa verdade que ele diz que a razão “que vos
escrevi”, foi “para ter prova de que em tudo sois obedientes”.

A IGREJA PRESERVADA — SEGUINDO A ORDENANÇA DIVINA


A disciplina na igreja não é um assunto que escolhemos ou não escolhemos. A questão é esta:
Cristo ordena que exerçamos as chaves do reino? Ele nos instrui, através dos apóstolos e das
Sagradas Escrituras que a apliquemos? Ele estabelece a forma para fazermos isso? Ele nos
encoraja, pela Sua presença, pela presença do Seu Espírito, por nos dar poder, pela eficácia, pelo
fato de que isso é relevante nos céus, e, em muitos casos — mas não em todos — através de um
desfecho verdadeiramente positivo? A resposta é “Sim!!!”. Bem, então, nós suportaremos a
provação e em tudo seremos obedientes?
Agora, observe que isso também é dito em 2 Coríntios 7:11, e com a mesma severidade: “Em
tudo destes prova de estar inocentes neste assunto”, isto é, vocês provaram não ser culpados, não
serem pecaminosos, pois vocês ouviram, deram atenção e cumpriram com minha admoestação
apostólica. “Portanto, embora eu vos tenha escrito, não foi por causa do que fez o mal, nem por
causa do que sofreu o agravo”. Observe o exagero hiperbólico com que ele sai varrendo todas as
partes com as quais ele de fato também está preocupado — mas ele as varre para poder focalizar
o ponto que ele quer. É uma forma de se expressar, a qual nós não devemos interpretar como
absoluta; embora seja uma hipérbole, ela tem um significado relativo. Isso deve ser feito para dar
ênfase no contraste da conclusão. E então ele diz: “…mas para que a vossa solicitude a nosso
favor fosse manifesta entre vós, diante de Deus”. E ele continua dizendo: “Foi por isso que nos
sentimos confortados.”
Quando Paulo diz “para que a vossa solicitude a nosso favor”, ele não o faz de forma pessoal,
idiossincrática. Ele está falando como um porta-voz de Cristo, que entrega os mandamentos de
Cristo, os quais eles deviam cumprir. Esse é o ponto que ele quer ressaltar: Eles haviam sido
provados, eles haviam sido obedientes, eles eram um conforto, e eles corresponderam ao ensino
apostólico.
Logo, o último elemento de nosso zelo pela igreja é esse interesse em que a igreja possa ser
obediente, em que os oficiais e membros possam manifestar seu crescimento espiritual na
obediência.

JESUS CRISTO — ENVOLVIDO NA DISCIPLINA


O terceiro foco do nosso interesse é o Senhor Jesus Cristo como representante de Deus, ou, se
você preferir, a Trindade, a reivindicação da honra e da glória de Deus. Isso está escrito tão
amplamente em todas as passagens que eu não vou nem mesmo tentar repassá-las novamente.
O que tenho procurado fazer até aqui é mostrar a importância da disciplina na igreja, pois ela
faz parte das chaves do reino que Cristo demonstra dar à Sua igreja com o fim de que seja usada
para a sua edificação, proteção, e cuidado. A disciplina é apenas um dos aspectos das chaves,
sendo que o outro é o aspecto positivo da pregação do evangelho, admissão na igreja, e também
a restauração depois de uma censura que tenha sido aceita e a pessoa tenha se arrependido.
Tenho tentado mostrar como o modelo de Mateus 18 nos ensina várias coisas: a responsabilidade
do indivíduo tanto quanto a responsabilidade final do conselho; como o modelo nos ensina que
podemos tratar do pecado no nível em que tenha sido cometido, seja ele qual for — seja privado
ou pessoal, pode ser tratado nesse nível. Mas quando é público, o conselho tem o direito e
precisa tratá-lo sem esperar que os passos iniciais sejam tomados. Tenho mostrado como nosso
Senhor nos encoraja a pôr em prática a disciplina ao dizer que ela é efetiva nos céus, e ao dizer
que Ele estará presente conosco em nossas reuniões. E eu tenho tentado mostrar os três grupos
que estão envolvidos: a pessoa transgressora, a igreja, e o próprio Senhor.
Agora, o que eu gostaria de fazer é considerar um pouco mais algumas passagens para
finalizar. Observemos primeiro 1 Coríntios 5, depois 2 Tessalonicenses 3, e, a seguir, 2 Coríntios
2 e 7, nos quais já demos uma breve olhada.

EXAMINANDO 1 CORÍNTIOS 5 — IMPUREZA SEXUAL


Vamos ver o texto completo de 1 Coríntios. Vou presumir que você está familiarizado com essa
passagem, e sabe qual é seu teor. Vamos repassar o que está envolvido nessa passagem, abordar
os princípios destacados nela, e, por último, extrair esses princípios e aplicá-los a nós.
Esse é um caso de imoralidade sexual por parte de um homem e a mulher de seu pai — pode
ser sua madrasta. A situação é esta: a igreja não fez absolutamente nada a respeito disso. Se eu
pudesse ler nas entrelinhas, poderia ouvi-los dizer: “Podemos orar por este irmão. Vamos deixar
que o Senhor e Seu Espírito façam a obra”. Se eles disseram ou pensaram essas palavras ou não,
é muito evidente que eles não fizeram nada e, na realidade, Paulo diz que eles estavam soberbos
— verso 2. Há igrejas que dizem: “Não disciplinamos. Nós deixamos o problema com o
Senhor”. Se os apóstolos acreditassem que esse era o caminho correto, eles nunca teriam incitado
um único ato de disciplina.
Obviamente, não era esse o modo de pensar do apóstolo Paulo sobre essa questão. E, portanto,
esse não deve ser o nosso modo de pensar ou agir (ou deixar de agir). Eles não fizeram nada. E
estavam orgulhosos disso. Paulo diz: “Não seria melhor que vocês estivessem pesarosos e
tirassem do vosso meio o homem que fez isso? Pesar pelo pecado, pesar por vocês, que não
tomaram uma atitude e não tiraram do meio de vocês o homem que fez isso”. Ele claramente
afirma o que eles deviam fazer, isto é, tirá-lo de seu meio. Ele lhes ordena, muitas vezes mais,
tanto no começo como no fim dessa passagem, que isso é o que eles deviam fazer. O apóstolo
desce à última ação prescrita em Mateus 18, pois esse é um pecado público, impenitente, que
precisa ser tratado.
Em 1 Coríntios 5:13, Paulo cita, ou faz alusão, no mínimo, a uma das passagens em
Deuteronômio: “Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor”. Assim ele aplica, com o princípio
geral de equidade, esse ensino do Antigo Testamento; mas ele não aplica a sanção como ela é
aplicada no Antigo Testamento. O contexto do Antigo Testamento era que essa expulsão se daria
com o apedrejamento. Paulo apela para o princípio geral — “Vocês seriam excluídos da
comunhão de Deus se cometessem pecados hediondos ou impenitentes”. Isso tem muito a nos
ensinar — o que não podemos considerar agora — sobre como utilizarmos corretamente essas
porções do Antigo Testamento. As Escrituras foram escritas para nossa instrução, mas nós
precisamos discernir a diferença entre a organização teocrática física e nacional, e a organização
da igreja universal espiritual, transnacional, transétnica, que não tem nenhuma autoridade de
punição física tal como o apedrejamento em Israel. Paulo reprova-lhes novamente o orgulho ou
jactância no verso 6; ele fala sobre o fenômeno do fermento, do qual já tratamos, nos versos de 6
a 8; e ele reitera o fato de que já lhes falara para que não se relacionassem ou se associassem com
impuros (verso 9). Paulo relembra-lhes que a pessoa com a qual eles “não se associem” é o
homem que se diz irmão; e que ele não está falando para não se associarem com descrentes (“os
impuros deste mundo” — versos 10-11). A expressão que ele usa para descrever a ação que eles
devem tomar é bem grafada e específica: “Expulsai”, no verso 13; “não vos associeis”, no verso
9; e “que fosse tirado do vosso meio”, no verso 2. Ele está descrevendo uma atitude de
rompimento na relação com o irmão impenitente, que é mais do que um simples relacionamento
social passageiro ou fortuito com pessoas nas atividades do dia-a-dia. Isso é muito relevante.
Logo, a disciplina na igreja que ele prescreve aqui, seguindo o ensino de nosso Senhor em
Mateus 18, é uma ação coletiva praticada pela congregação.
Nós não teremos uma ação disciplinar eficaz, se a congregação achar que os presbíteros são
muito rígidos, que são muito tensos, que são isso e aquilo, e face à ação disciplinar convidam a
pessoa para um almoço ou jantar, etc. Este tipo de conduta frustra o processo benéfico da
disciplina. Deve haver um senso comum de que o pecado impenitente precisa romper a relação
em tal extensão (e Paulo continuar a dizer) que envolva também não comer com eles (verse 11),
pois esse é o mais próximo e o mais íntimo relacionamento que experimentamos em nossas
interrelações sociais — tão próximo, tão íntimo e tão significante que, entre os cristãos, é
normalmente precedida, às vezes seguida, com ações de graças.
Alguns exegetas escrevem que o significado disso seria que não devemos permiti-lo participar
da Ceia do Senhor. Ele não pode mais comungar como um membro da igreja. Certamente isso
está incluído. Mas é disso que Paulo está falando? Essa não é uma explicação a mais do que
significa não se associar com ele, explicação que está inserida no contexto no qual Paulo
relaciona essa associação ao convívio com vizinhos pagãos? É nesse círculo, não no ajuntamento
da igreja para o culto, mas no círculo das relações sociais. E, por isso, o comer deve ser
entendido no mesmo círculo. Os cristãos podem e comem com pagãos, mas não devem comer
com o impenitente que proclama ser um irmão e está sendo disciplinado.
Hoje as pessoas vão zombar disso — elas vão dizer que estamos provocando o afastamento
dessa pessoa, que somos como essas pessoas que têm um jeito esquisito de se vestir. Mas se
vamos lançar fora o senhorio de Cristo na disciplina cristã por causa da opinião das pessoas em
geral, ou por causa da possibilidade de haver julgamento, nós vamos ter que lançar fora a Bíblia
toda. E não estou assim exagerando. A nossa necessidade de sermos fiéis não quer dizer que não
devamos ser prudentes, sábios e cuidadosos.
Veja a situação em que acontece esse pecado. Paulo está tratando com um caso de disciplina
por causa de sexo talvez no pior lugar para se tratar disso, no mundo greco-romano. Corinto era
conhecida pela prostituição, pela imoralidade sexual. E veja que ele está tendo que convencer a
congregação que foi fundada por ele mesmo. Nós podemos precisar fazer exatamente o mesmo
que o apóstolo fez, ou seja, convencer a igreja a fazer o que ela deve. É tão importante que
reconheçamos esse fato da vida da igreja. Nós achamos que quando enfrentamos dificuldades
parecidas, essa é uma situação sem esperança e impossível de se resolver. Mas Deus é o Deus de
todo o poder e toda a graça, e Ele nos tem chamado para sermos Seus guardiões, Seus pastores,
Seus presbíteros, Seu povo — e para que vivamos nessa força. Lembre, Paulo tem que escrever
outra carta a esses coríntios, a maior parte dela tratando do quão mal ambos têm se entendido, do
quanto eles o compreenderam mal. E ele está pesaroso de que seja assim, mas não tanto que o
faça desistir de ser obediente a Cristo, como servo de Cristo. Essa é a medida do amor dele por
eles. O amor dele persevera.
Lembrem de Paulo e sua atitude quando vocês passarem por algum caso de disciplina na
igreja; é tão fácil haver reações, tensão, amarguras, sermos cruéis. E nós precisamos lembrar que,
em todas essas situações, esse é o caminho que o diabo está usando para danificar a obra. Vocês
têm que resistir a isso. Nós temos que dizer: “Senhor, dê-me a Tua graça, o Teu amor, a Tua
perseverança em todas essas coisas” para conseguirmos agir assim como o fizeram os apóstolos.
Algumas pessoas têm dito: “Bem, isso é imoralidade; obviamente nós temos que tratar disso.
Mas é apenas com esse tipo de pecado que temos que tratar”. Lembre, nosso Senhor, quando lida
com o pecado, não faz nenhuma lista, nenhuma restrição, nenhuma delimitação, quando Ele diz
em Mateus 18: “Se teu irmão pecar contra ti”. Ele não diz: “Se ele cometer um pecado sexual”.
E Paulo relaciona outras situações que requeriam a mesma atitude no verso 11. Por exemplo, ele
relaciona um idólatra, que, obviamente, está na área do culto e da doutrina; e, ao irmos para 2
Tessalonicenses, veremos que ele trata com uma questão que está muito distante e é totalmente
diferente da imoralidade sexual.
Agora vejamos alguns itens específicos que estão nessa passagem que ainda não comentamos.
Um é sobre o que significa entregar esse homem a Satanás (verso 5 — o único outro lugar no
Novo Testamento onde essa expressão é usada é em 1 Timóteo 1:20). Na minha opinião, isso
tem o mesmo significado que um conceito similar em 1 João 5:19, que afirma que “o mundo
inteiro jaz no maligno”. É esta a definição que João dá. Por conseguinte, se um homem é posto
para fora do meio povo de Deus, onde ele está sendo posto? Ele é retirado da igreja e posto no
mundo, que jaz no maligno, ou — para usar a expressão de Paulo —, ele é entregue a Satanás,
isto é, posto sob seu domínio. Há apenas dois reinos — um está liberto do “império das trevas”
(para usarmos a expressão paulina de Colossenses 1:13), e é trazido para “o reino do Filho do
Seu amor”. Se alguém é retirado da manifestação terrena do reino do Filho do Seu amor, a igreja,
pelos meios da disciplina na igreja, então ele é recolocado no domínio das trevas, que é o reino
do maligno. Este conceito é na verdade estarrecedor para nós. E também nos é estranho, primeiro
por Paulo dizer que ele está entregando indivíduos a Satanás a fim de que aprendam a não
blasfemar (1 Timóteo 1:20). Mas observe que Jesus ora por Pedro, quando este irá ser peneirado
por Satanás, visando que Pedro possa ser melhor capacitado através dessa experiência para
fortalecer seus irmãos (Lucas 22:31-32). Essa “peneirada” de Satanás foi usada por Deus para
benefício de Pedro? Sim, deveras. A soberania de Deus utilizou até mesmo as maquinações de
um Satanás que buscaria seu melhor plano a fim de destruir e esmagar um Jó, ou peneirar
meticulosamente um Pedro, e Deus assim faz com aqueles a serem disciplinados. Deus pode usá-
lo para fins bons, e, portanto, nós não devemos recuar diante dessa expressão de Paulo, nem
diante da implicação dela com relação à igreja hoje em suas ações disciplinares.
Agora, em segundo, o que quer dizer “para a destruição da carne” (natureza pecaminosa) (2
Co 5:5)? Há várias possibilidades do que isto pode significar, claro. Um é que ele esteja tão
dominado pela imoralidade que implica em sua existência física; que sua carne física precise ser
destruída, de modo que ele venha a ver a malignidade de sua vida, e desse modo pelo menos seu
homem interior seja salvo no dia do Senhor conforme ele venha a se arrepender.
Penso que uma segunda possibilidade seja mais provável, a saber, que Paulo esteja usando a
palavra “carne” no sentido de sua “natureza pecaminosa”, como frequentemente ele faz. Então
penso que a carne pode ser a natureza pecaminosa, e a disciplina deve ter o efeito de destruir essa
natureza pecaminosa. Isto é, destruir no sentido de desviar esse terrível rumo pecaminoso, tão
consumidor, tão irresistível.

EXAMINANDO 2 TESSALONICENSES 3 — VIDA DESORDENADA


Vamos voltar para 2 Tessalonicenses, capítulo terceiro. Nesse capítulo, começando no versículo
6, temos uma seção que está tratando sobre uma pessoa que é ociosa, no sentido que não procura
trabalho, e por isso está vivendo desordenadamente, isto é, de forma contrária às ordenanças de
Deus. Observe as palavras nos versos 6: 10-12: “…todo irmão que vive desordenadamente, e
não segundo a tradição que de nós recebestes”; “Se alguém não quer trabalhar, também não
coma”. E então, no verso 11, nós ouvimos que “entre vós há pessoas que andam
desordenadamente, não trabalhando; antes se intrometem na vida alheia”; e finalmente:
“trabalhando tranquilamente, comam o seu próprio pão”. Isso é surpreendente, porque aqui está
um pecado que nós podemos inicialmente não considerar como pecado. Ou seja, uma pessoa que
não trabalha. Ora, pondere, ele não está falando de uma pessoa que é aposentada ou que receba
pensão por invalidez, ou de alguém que precisa de algum tipo de assistência porque não
consegue achar trabalho. Ele está falando de uma pessoa que se recusa a se comprometer com o
trabalho. Não sabemos exatamente qual era o caso, e como isso não é dito, aparentemente não é
parte relevante do princípio que Paulo estabelece.
Assim sendo, Paulo diz que essa pessoa deve ser disciplinada. É bastante interessante que
Paulo usa a mesma terminologia ou palavras de 1 Coríntios 5: “…nem vos associeis com ele...”
(verso 14). Podemos nos sentir um pouco inquietos com isso, pois o outro pecado parece ser tão
grave — e esse, no mínimo, não parece ser uma confrontação e transgressão tão direta contra a
vontade de Deus. Mas eu penso que isso demonstra que nós não temos levado suficientemente a
sério o fato de que todo pecado impenitente manifesta a mesma recusa em submeter-se a Deus,
de modo a receber Seu perdão e ser restaurado. Alguém pode argumentar que, embora a censura
seja a mesma, esta é conduzida de forma um pouco diferente do que é dito sobre a pessoa em
Corinto. Alguém pode assim argumentar baseado na conclusão “para que fique envergonhado.
Todavia, não o considereis por inimigo, mas adverti-o como irmão” (verso 14-15). Contudo,
embora se possa argumentar assim a partir dessas palavras finais, eu não tenho certeza de que
essas palavras não devam também ser aplicadas ao homem flagrado em grave pecado em 1
Coríntios 5. Essa passagem também fala a respeito de alguém disciplinado sob a terminologia de
um irmão. Então, eu não estou certo de que possamos radicalmente fazer distinção entre esses
dois procedimentos disciplinares, apesar de haver alguma possibilidade delas serem distintas.
O que é interessante, porém, é que a mesma sanção é aplicada: “…nem vos associeis com ele”
(2 Tessalonicenses 3:14; 1 Coríntios 5:11). Sendo assim, melhor que usar a linguagem técnica da
excomunhão, que herdamos da história da igreja, seria se nós continuássemos a usar a linguagem
da Bíblia, “não vos associeis”, pois essa expressa a dimensão do que significa retirar um homem
da igreja. É cortando bruscamente a relação de comunhão.
Paulo diz nessa passagem que o desfecho da disciplina deve ser “para que fique
envergonhado” (2 Tessalonicenses 3:14). Paulo quer que ele se sinta envergonhado. Ele acredita
que não se associar com ele lhe trará a genuína vergonha por causa de seu pecado. Enquanto ele
puder viver naquela comunidade e nenhuma ação disciplinar for aplicada a ele, enquanto houver
alguma família que o alimente e o ajude, deixando-o viver na sua ociosidade, ele não se sentirá
envergonhado de seu pecado e voltará a cometê-lo, porque as relações sociais cristãs estarão
sugerindo que esse não é um pecado.
Observe, contudo, que quando Paulo lhes faz esta admoestação, ele o faz em termos genéricos,
de modo que essa passagem se torna uma instrução genérica para a igreja e, portanto, para nós
hoje: “Caso alguém não preste obediência à nossa palavra dada por esta epístola, notai-o”
(verso 14). Por isso, se alguém pecaminosa e impenitentemente transgride outras coisas nessa
carta, as admoestações dão autoridade para que essa pessoa seja disciplinada da mesma forma.
Lembre-se também que Paulo não está sempre nos convocando a mover a ação judicial da
disciplina e sua ação final, porque ele não faz assim, mesmo ao tratar com aquela pessoa facciosa
e herege em Tito 3:10. É apenas depois da primeira e segunda admoestação que a igreja deve
“evitá-lo”. E Paulo certamente não faz isso com a igreja de Corinto toda. Ele lhes suplica que
cessem aquelas desavenças. Ele lhes suplica que se ponha um fim em sua imoralidade. Ele lhes
instrui acerca do abuso da Ceia do Senhor, acerca de sua visão errada no uso dos dons
espirituais, acerca do envolvimento impróprio da mulher no ensino e instrução da igreja inteira, e
até mesmo da má compreensão com respeito à ressurreição. Nós devíamos estar comprometidos
acima de tudo com essa forma aberta de convencer as pessoas com argumentos —
individualmente, ou pregando e ensinando que isso é para toda a igreja. E, portanto, não
devíamos, e não devemos mesmo, imediatamente nos lançarmos à ação disciplinar apresentada
em 1 Coríntios 5 e 2 Tessalonicenses 3. Porém, se a comunicação verbal, a exortação, as visitas
pessoais e as visitas de grupos de presbíteros fracassam, e a pessoa cada vez mais se autocondena
— a expressão de Tito 3:10 novamente, isto é, indisposição para se arrepender e mudar — então
somos levados ao ponto em que temos que tratar com a pessoa como Paulo diz, notar a pessoa e
depois tomar esta atitude: “Não vos associeis com ele”. Porém, novamente, lembre-se que não
devemos tratá-la como inimigo, mas adverti-la como irmão. Nós devemos sempre ter muita
esperança de arrependimento e restauração.

ENCORAJAMENTOS À RESTAURAÇÃO — ARREPENDIMENTO E PERDÃO


Vamos a alguns textos encorajadores sobre restauração. Tratemos, antes de tudo, com os dois
textos em 2 Coríntios. Primeiro, 2 Co 2:2: “Porque, se eu vos entristeço, quem me alegrará,
senão aquele que está entristecido por mim mesmo? E isto escrevi para que, quando for, não
tenha tristeza da parte daqueles que deveriam alegrar-me; confiando em todos vós de que a
minha alegria é também a vossa. Porque no meio de muitos sofrimentos e angústias de coração
vos escrevi, com muitas lágrimas, não para que ficásseis entristecidos, mas para que
conhecêsseis o amor que vos consagro em grande medida.” Nós não sabemos se ele está se
referindo a esse episódio de 1 Coríntios 5 ou algum outro caso. Isso não faz diferença no nosso
entendimento do que ele diz aqui. Aqui você vê a agonia e comoção envolvidas em ter que
contender com eles, persuadi-los, em ter que repreendê-los e corrigi-los. E, então, ele continua:
“Ora, se alguém causou tristeza não o fez apenas a mim, mas, para que eu não seja
demasiadamente áspero, digo que em parte a todos vós; basta-lhe a punição pela maioria. De
modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o mesmo
consumido por excessiva tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor.
E foi por isso também que vos escrevi, para ter prova de que em tudo sois obedientes. A quem
perdoais alguma coisa, também eu perdoo; porque de fato o que tenho perdoado, se alguma
coisa tenho perdoado, por causa de vós o fiz na presença de Cristo; para que Satanás não
alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios” (versos 5-11). Não vamos
repetir aquilo que já vimos nessa passagem: punição pela maioria, restauração, amor, etc. Ele
também nos lembra que precisamos rapidamente restaurar, a fim de não perdermos na interação
com Satanás. Veja isto. Verso 7: “De modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-
lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva tristeza”. E veja a última parte do verso
10: “…se alguma coisa tenho perdoado, por causa de vós o fiz na presença de Cristo; para que
Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios”.
Entenda a que oportunidade Paulo se refere. A pessoa vem a arrepender-se com tristeza
genuína. E depois ele encontra um conselho ou uma igreja dizendo: “Não, não estamos dispostos
a aceitá-lo de volta”. É compreensível que um conselho ou uma igreja possa cogitar se o
arrependimento é verdadeiro, e, claro, isso deveria ser averiguado tanto quanto é humanamente
possível; mas nós precisamos fazer todo o esforço para tirar as dúvidas de maneira que possamos
aceitar quem se arrepende. Se não tomamos — ou não tomarmos — essa atitude, essa é a ocasião
em que Satanás, usando seus desígnios, dirá: “Você está vendo? Não faz nenhuma diferença.
Você vai sofrer desse jeito e as pessoas vão sempre aborrecer você, dizendo que você tem que
fazer isso ou aquilo, ou não fazer isso ou aquilo. Você também pode sair dessa igreja de uma
vez. Agora, pense, não estava melhor antes, enquanto você estava no pecado, do que agora
quando você está se corrigindo? Esqueça essas bobagens! Continue no pecado”.
Paulo diz que a igreja não deve e não pode deixar que alguém “seja consumido por excessiva
tristeza” (verso 7). Não o deixem sofrer excessivamente. Não deixem Satanás alcançar vantagem
sobre nós (v. 11). Nós temos que agir o mais rápido possível para que haja restauração. Isto pode
ser difícil. Suponha que a pessoa em pecado tenha ofendido alguém gravemente na congregação.
Ainda assim, temos que perdoá-lo. E essa pessoa mais diretamente afetada deve ser encorajada a
pelo menos estar na igreja quando essa demonstrar seu perdão e restauração. Porque, senão,
nesse aspecto de pecado e disciplina, essa pessoa contra quem se pecou, está caindo numa cilada
do maligno, e nós estamos perdendo vantagem, sendo vencidos pelo engano.
Observe que o mesmo tipo de coisa nos é ensinada em 2 Coríntios 7, trecho que já vimos
antes. Vamos concluir lendo a passagem, e então muito brevemente comentá-la, começando com
o verso 8: “Porquanto, ainda que vos tenha contristado com a carta, não me arrependo; embora
já me tenha arrependido”. (Não é interessante como Paulo pode dizer isso?) — “Vejo que
aquela carta vos contristou por breve tempo, agora me alegro, não porque fostes contristados,
mas porque fostes contristados para arrependimento; pois fostes contristados segundo Deus,
para que de nossa parte nenhum dano sofrêsseis. Porque a tristeza segundo Deus produz
arrependimento para a salvação que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz
morte. Porque, quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós que segundo Deus fostes
contristados! Que defesa, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vindita! Em
tudo destes prova de estardes inocentes neste assunto. Portanto, embora vos tenha escrito, não
foi por causa do que fez o mal, nem por causa do que sofreu o agravo, mas para que a vossa
solicitude a nosso favor fosse manifesta entre vós, diante de Deus. Foi por isso que nos sentimos
confortados”. Veja como Paulo pode dizer, e nós devemos ser capazes de dizer isso também —
ele pode dizer ao mesmo tempo e de forma imediata que ele lamenta ter sido a parte principal em
causá-los tristeza, magoando-os inclusive, porque ele não se agrada de eles estarem sofrendo.
Mas ele se alegra de que isso tenha produzido bons resultados. E se nosso povo entende isso, e
ouve isso da nossa parte, isso ajudará nossas relações recíprocas a chegarem ao bom termo ao
qual o apóstolo faz referência. Amor é a razão por que a igreja disciplina.

ENCORAJAMENTOS À RESTAURAÇÃO — UMA FORMA DE RESOLVER


PROBLEMAS
Atos 15 é a passagem no Novo Testamento que relata o funcionamento interno de um presbitério
eclesiástico, e portanto é o paradigma para a atividade das reuniões de presbitério na igreja hoje.
Em Atos 15, os apóstolos e presbíteros estão tratando com a questão crucial da salvação e a
condição de alguns na igreja de Cristo (At 15:1-2), e o procedimento deles fornece-nos
princípios que todo presbitério deveria seguir. Como eles conduziram essa questão tão séria? Há
pelo menos quatro fenômenos que devemos identificar como princípios bíblicos para nós.
Primeiro, veja que eles procuram resolver o assunto levantado ao tratar mais precisamente do
assunto do que fazendo disso um caso judicial, ou ignorando a questão ou deixando que isso seja
resolvido pela congregação local ou por decisões unilaterais de um ou mais líderes importantes,
mesmo sendo eles apóstolos. “Resolveram que esses dois (Paulo e Barnabé) e alguns outros
dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, com respeito a esta questão” (At
15:2, ênfase nossa). Entendo que isso é algo muito precioso que precisamos aprender. Eles
tratam do assunto. Como as Escrituras estão escritas para nossa instrução, isso mostra que esse
procedimento é o modo correto da igreja proceder.
Ao agirem dessa forma, eles estão tentando chegar a um consenso com toda a igreja de modo
que eles possam mutuamente se submeter uns aos outros e, o mais importante de tudo, se
submeter à Palavra de Deus e a seus princípios. Este é o modo como a igreja deve agir hoje. Na
verdade, essa é uma das principais razões por que nós temos presbitérios e assembleias gerais, e
por que na Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XXXI, Seção II, está declarado assim:

Aos sínodos e concílios compete decidir, ministerialmente, controvérsias quanto à fé e casos


de consciência; estabelecer regras e disposições para a melhor ordem do culto público de Deus
e governo de sua Igreja; receber queixas em casos de má administração e autoritativamente
saná-las. Seus decretos e determinações, sendo consoantes com a Palavra de Deus, devem ser
recebidos com reverência e submissão, não só pela harmonia com a Palavra, mas também pela
autoridade sob a qual são feitos, como sendo uma ordenação de Deus, designada para isso em
sua Palavra(At 15:15, 19, 24, 27-31; 16:4; Mt 18:17-20).

Segundo, o texto indica que o assunto é tratado na forma de discussão aberta, franca e livre,
com todos os homens em igualdade. Não apenas o partido dos fariseus foi permitido
“insurgirem-se …dizendo” (At 15:5), mas todos os apóstolos e também os presbíteros
compareceram “para examinar a questão”, e assim o fizeram com “grande” debate (At 15:6 e 7,
ênfase nossa, apenas para ressaltar a palavra “grande”, que é afirmada de forma tão específica no
relato bíblico). As igrejas presbiterianas devem seguir esse princípio, serem assembleias
deliberativas, tornando esse um ingrediente essencial em nossos presbitérios e em nossas
assembleias.
Terceiro, os apóstolos Paulo e Pedro parecem apelar a certa evidência experimental e
pragmática, pelo menos superficialmente eles podem parecer agir assim, quando contam a
respeito do que lhes têm acontecido. Todavia, não é um apelo à experiência pragmática pura e
simples, antes é um apelo à revelação que ambos receberam, e que os tem levado a agir daquela
maneira. Que revelação foi essa? A revelação que foi dada a Pedro, que ele devia ir a Cornélio,
estar disposto a aceitá-lo, pregar-lhe o evangelho e também aos outros gentios, porque Deus lhe
tinha mostrado, conforme Pedro deduziu da visão, que Deus não é discriminador e não faz
acepção de pessoas (At 10:9-20, 27-29, 34-48). Foi essa revelação que motivou a atitude inicial
de Pedro. Por isso ele fala de sua atitude no texto de Atos 15 nestes termos: “Irmãos, vós sabeis
que desde há muito Deus me escolheu dentre vós para que, por meu intermédio, ouvissem os
gentios a palavra do evangelho e cressem. Ora, Deus que conhece os corações, lhes deu
testemunho, concedendo o Espírito Santo a eles, como também a nós nos concedera” (At
15:7,8).
Similarmente, o mesmo ocorreu com Paulo. Paulo não decidiu: “Estes apóstolos são
antiquados e ultrapassados; eles não sabem estender a mão com liberalidade de maneira que
possamos ter uma igreja internacional, bem grande, então eu vou partir em viagens
missionárias”. Não. Quando Jesus o chamou, Ele disse para e por meio de Ananias que “este é
para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como
perante os filhos de Israel” (At 9:15, 16). O Senhor tinha revelado o que ele devia fazer. Barnabé
e Paulo simples e obedientemente refletem o que Deus havia feito quando atentam para o
comando dado a Paulo na revelação de Deus, confirmado pela comunicação (revelação) direta do
Espírito Santo em Antioquia ao serem separados para a obra (At 13:2). Assim, eles também
“contaram quantos sinais e prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios”.
Portanto, o que Paulo e Pedro estão fazendo aqui é relembrando o quanto eles têm visto a
verdade, revelada a eles, se concretizar em suas vidas. Pedro segue exatamente esse exemplo ao
dizer: “Irmãos, vós sabeis que desde há muito Deus me escolheu dentre vós para que, por meu
intermédio, ouvissem os gentios a palavra do evangelho e cressem” (At 15:7); ou seja, Pedro
estava fazendo referência ao que Deus tinha lhe mostrado em revelação.
Perceba, entretanto, que, embora eles tenham ouvido esse relato de Pedro, como também ao
testemunho de Barnabé e Paulo no verso 12, eles não encerraram a questão até terem recorrido
ao relato escrito e permanente da vontade revelada de Deus. Mesmo o chamado privado de Paulo
e a palavra direta a Pedro através de uma visão não são presumidos por Tiago e os apóstolos
como sendo adequadas para finalizar o assunto. O que eles fazem, então?
Nós entenderemos melhor a conclusão, se entendermos a situação com a qual eles estão
lidando e o argumento das pessoas que estão insistindo na circuncisão. Pense na forma como eles
provavelmente discutiram o caso. “Deus instituiu a circuncisão com Abraão, e disse que este
seria um sinal perpétuo. Como vocês ousam dizer que não devemos colocar esse sinal em todos
que professam crer no Deus de Abraão?! Vocês estão violando a Palavra de Deus e o ensino do
Deus Soberano!” É claro, eu estou colocando palavras na boca deles, mas eu penso que essas ou
palavras similares seriam as palavras que eles teriam usado. E nós precisamos perceber o
argumento que eles pensaram que poderia ser montado.
A resposta final para qualquer argumento na igreja, e especialmente para alguém que recorre à
Palavra escrita, é mostrar que a própria Palavra de Deus provê a resposta. Então, Tiago apela às
palavras dos profetas com as palavras introdutórias “está escrito” (At 15:15), e depois começa a
citar nos versos 16-18 as palavras de Amós 9:11,12. Nessa citação estão as palavras do Senhor
“reedificarei o tabernáculo caído de Davi” e “os demais homens busquem o Senhor, e todos os
gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome”. Tiago, de fato, diz que isso concorda
com a revelação direta que Pedro e Paulo receberam porque, na passagem do Antigo Testamento,
já se diz que o Senhor virá a admitir gentios como gentios na casa restaurada de Davi, com o
entendimento de que Cristo veio e está fazendo essa obra aqui e agora.
A implicação, portanto, é que a partir do fato de que o Senhor nosso Deus já disse no Antigo
Testamento que os gentios iriam invocar Seu nome e vir à Sua casa como gentios ao se
cumprirem os tempos, por conseguinte não podemos argumentar que eles devem ser
circuncidados e devem tornar-se judeus para que possam ser salvos e aceitos por Ele (e pelos
cristãos). A conclusão tirada por Tiago é que Deus não apenas tem transmitido a Paulo e a Pedro
aquilo que Ele está fazendo em Cristo, mas que Ele já falou dessas coisas em Sua Palavra no
Antigo Testamento. A lição que a igreja de Cristo deve aprender do exemplo dos apóstolos (e
presbíteros) é que a verdade deve sempre ser fundamentada apelando-se à Palavra de Deus como
única regra infalível de fé e prática. Nesse caso particular, mesmo diante do êxito espetacular dos
mais importantes líderes da igreja, Pedro e Paulo, na área do evangelismo e da implantação de
igrejas, a igreja tirou tempo para se reunir com aqueles que questionavam a atividade daqueles
grandes líderes a fim de resolver o problema através de uma consideração paciente da Palavra de
Deus. Ao fazerem assim, eles esclareceram a verdade de Deus, avançaram o evangelismo e
preservaram a paz e unidade da igreja.
E, em quarto lugar, finalmente, meus irmãos, assim como a decisão deve sempre ser conforme
os princípios, assim também ela deve ser de forma pastoral. Vocês sabem que a sentença é: vocês
não precisam circuncidar os gentios para que eles sejam salvos e plenamente aceitos na igreja.
Mas, ao ler-se cuidadosamente a decisão, ela parece falar tanto (ou mais) a respeito do trato com
a consciência dos judeus, seja na comunidade cristã ou fora dela, como a respeito do princípio
em si mesmo.
Veja você mesmo a carta comunicando a sentença. Nós a encontramos em Atos 15:23-29: “Os
irmãos, tanto os apóstolos como os presbíteros, aos irmãos de entre os gentios em Antioquia,
Síria e Cilícia, saudações.Visto sabermos que alguns [que saíram] de entre vós, sem nenhuma
autorização, vos têm perturbado com palavras, transtornando as vossas almas, pareceu-nos
bem, chegados a pleno acordo, eleger homens e enviá-los a vós outros com os nossos amados
Barnabé e Paulo, homens que têm exposto a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
Enviamos, portanto, Judas e Silas, os quais pessoalmente vos dirão também estas cousas. Pois
pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo”. Ora, um ponto final
poderia ter sido colocado aqui, pois isto declara o princípio muito bem. Mas os apóstolos e
presbíteros não fizeram assim. Eles expuseram esse grande princípio no contexto seguinte, no
qual o amor e o cuidado pelos outros é claramente expresso. E então continuamos a ler: “Pois
pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas cousas
essenciais: Que vos abstenhais das cousas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne
de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas cousas fareis bem se vos
guardardes. Saúde.”
Os crentes gentios deveriam ser circuncidados? Não, nós não vamos impor-lhes maior
encargo. Isso significa que vocês podem depreciar totalmente seus amigos judeus e o zelo deles?
Não. Nós os advertimos a não menosprezar ou ignorar o zelo deles.
Portanto, esta é uma asseveração, conforme os princípios, recoberta e envolvida com uma
compaixão pastoral por pessoas que terão ainda dificuldades com a sentença e com as práticas
gentílicas pré-estabelecidas. E, por conseguinte, rogando que os cristãos inclusive se disponham
a abrir mão de alguns de seus direitos e privilégios — comer carne oferecida a ídolos, coisas que
mais tarde Paulo lhes dirá que podem fazer, por exemplo — para não ofender a comunidade
judaica e seu zelo por pureza ritual, os judeus de dentro da comunidade cristã e também os de
fora.
Esta discussão pastoral dos apóstolos e presbíteros enfatiza à igreja de Cristo o princípio de se
agir com amor e consideração pelos outros, até que a mais clara e aberta solução de acordo com
os princípios seja alcançada. E nós encontramos esta resolução não apenas aqui em Atos 15, mas
também como o princípio pastoral operativo que controla o modo de Paulo lidar com o fraco e
com o forte nas “questões de controvérsia” em Romanos 14, 15 e 1 Coríntios 8, 9 e 10.
A igreja de Cristo deve exercer sua autoridade dada por Deus, conduzindo-se pelo padrão
bíblico estabelecido para nós em Atos 15.
Augustus Nicodemus

Corinto, uma Igreja Com Problemas de Disciplina

O CONTEXTO DE CORINTO
A igreja de Corinto era uma igreja que havia sido muito abençoada por Deus em diversos
aspectos. Quando Paulo inicia essa carta, ele reconhece, no capítulo primeiro, que Deus havia
abençoado a igreja com toda sorte de bênçãos espirituais, de dons espirituais, a ponto de “não
lhes faltar nenhum dom”. Corinto era uma igreja carismática no sentido bíblico da palavra, ou
seja, tinha os “carismas” do Espírito de Deus, os dons, através dos quais desenvolvia seu serviço
prestando culto a Deus e cumprindo a sua missão nesse mundo. Infelizmente, por motivos que
desconhecemos, essa igreja, que havia sido fundada pelo apóstolo Paulo, com menos de três anos
de fundada começou a desviar-se dos padrões de conduta e de doutrina que o apóstolo havia
estabelecido por ocasião de sua fundação.

OS PROBLEMAS DE CORINTO

1. DIVISÕES.
Paulo estava no seu último ano de ministério na cidade de Éfeso, quando recebe informações
de que a igreja de Corinto não estava indo muito bem. As informações eram muitas, e poucas
delas eram boas. Paulo soube que havia divisões na igreja, que estava dividida em 4 grupos.
Grupos que se formaram em torno de personalidades, de pessoas que tinham tido uma
participação no passado recente da igreja, como o próprio Paulo e Apolo (3:4). Havia até um
grupo que talvez fosse o mais perigoso deles que era o “grupo de Cristo” (‘…e eu, de Cristo”,
1:12). Eles diziam que não eram seguidores de homem algum e sim de Cristo. Era como se
dissessem: não queremos estar debaixo da orientação ou da instrução e autoridade de qualquer
homem porque recebemos tudo diretamente de Cristo. Alguns estudiosos têm identificado esse
grupo como o “grupinho dos espirituais” que falavam em línguas e se gloriavam por terem
experiências extraordinárias; que não aceitavam a autoridade de Paulo na igreja e outras coisas
mais.

2. PROBLEMAS DOUTRINÁRIOS
A igreja tinha todas essas divisões e, além disso, tinha problemas de ordem doutrinária. Um
grupo não aceitava a ressurreição dos mortos (cap. 15). Havia um espírito faccioso naquela
igreja; existiam problemas com respeito à doutrina da liberdade cristã (10:28). “Será que posso
comer carne sacrificada aos ídolos”? Os “fortes” diziam que sim, e subestimavam os “fracos”.
Havia problemas com respeito às questões do casamento (cap. 7): O que é mais espiritual? Casar
ou ficar solteiro?
A igreja estava dividida por uma série de problemas que se refletiam no culto. Os “espirituais”
falavam línguas sem interpretação para a igreja e dessa forma não edificavam (14:5); os profetas
falavam, mas não havia ordem de quem deveria falar primeiro (14:29, 32); as mulheres
entusiasmadas estavam querendo tirar qualquer sinal de que há uma diferença entre homem e
mulher dentro da ordem da criação de Deus (11:8-9); na hora da Santa Ceia havia pessoas que
até se embriagavam (11:21) e participavam do sacramento sem ter o espírito apropriado. Corinto
era uma igreja com graves complicações. Mas, mesmo considerando isso, era uma igreja que se
gloriava de ser “espiritual”. Afinal, muitos, na concepção deles, não tinham os dons que
indicavam a presença do Espírito Santo? Muitos não estavam falando em línguas durante o culto
(Cap. 14)? Outros não estavam profetizando e trazendo palavra de revelação? A igreja pensava
que era espiritual e considerava-se assim, apesar de estar toda minada de problemas.

3. PROBLEMAS MORAIS
Entre os problemas mencionados havia também problemas morais. Havia um irmão que estava
processando outro num tribunal secular (6:4). Talvez a igreja não tenha se interessado o
suficiente. A verdade é que não chegaram a um acordo e talvez por questão de terra ou talvez de
dinheiro e negócios, esse irmão estava em litígio com outro. Por isso estava processando-o no
tribunal da cidade. Com essa atitude, estava expondo o Evangelho à vergonha diante dos ímpios
(v. 6).
Havia um grupo que estava voltando à prática da prostituição religiosa (6:18-19), o que era
comum na cidade de Corinto. Isso era praticado nos templos onde se cultuava a deusa Afrodite.
Refletindo essa separação entre espiritualidade e a conduta moral, surge um problema relatado
no capítulo 5 e que estava bem de acordo com a natureza e espírito da igreja. Havia um homem,
membro da igreja, que estava vivendo com sua madrasta. Seu pai provavelmente ainda estava
vivo, mesmo assim tinha “um caso” com a mulher de seu pai. O mais grave é que isso era do
conhecimento não só da igreja, mas também da própria sociedade de Corinto. Era algo notório e
se comentava; circulava rumores verdadeiros com respeito a esse incidente. Nos traz
constrangimento o fato de que a igreja de Corinto, como um todo, parecia não ver nada de grave
nisso: “Afinal, Deus não está em nosso meio? Vejam o que acontece nos nossos cultos!” E esse
homem continuava a viver com sua madrasta à vista de toda a igreja! Mas, o que mais
incomodava o apóstolo Paulo era a falta de uma atitude firme por parte da igreja com relação
àquela pessoa. Ou seja, a igreja deveria constatar que conduta moral e espiritualidade são duas
coisas que andam juntas. Temos de ter as duas coisas; e quando temos uma e não a outra, ou a
espiritualidade é falsa ou a moralidade é falsa. Mas a genuína espiritualidade exige uma conduta
de acordo com as verdades do evangelho.
O interessante é que Paulo não se dirige à liderança da igreja. Paulo, ao escrever, não se refere
aos líderes, mas fala à igreja como um todo. Porque mesmo que no sistema presbiteriano esses
casos tenham a ver inicialmente com o Conselho, o fato é que na base do problema, além de um
caso notório, pecado é um problema de toda igreja. É uma questão que afeta todos os membros e
que não é somente responsabilidade do Conselho olhar para a vida dos outros membros e tomar
algum tipo de decisão, mas que é responsabilidade de cada membro do corpo de Cristo zelar para
que haja pureza, santidade, que haja, no convívio da comunidade, verdadeira santidade ao
Senhor. É uma responsabilidade de nós todos e não somente do pastor e dos presbíteros. É
importante, portanto, que Paulo trata da questão dirigindo-se a toda comunidade. Talvez alguns
estranhem esse fato. Nas denominações batistas e congregacionais as questões disciplinares são
resolvidas pela assembleia. Apesar de acharmos benefícios no sistema de governo representativo,
através de pastores e presbíteros, a interpretação dessa passagem só pode ser nesse sentido: Paulo
não está se referindo aos pastores e presbíteros porque ele sabe que a responsabilidade de
vivermos uma vida santa na igreja é de cada um dos seus membros. Devemos não só zelar por
nós mesmos, mas também pelo nosso irmão, refletindo as palavras de Jesus: “Se o teu irmão
pecar, vai repreendê-lo entre ti e ele só, se ele não te ouvir, leva mais alguém, se não te ouvir,
comunica a liderança da igreja para que tomem as providências”. Mas, antes de chegar a esse
ponto, existe todo um processo intracomunitário desenvolvido pelos membros, cada um
participando e sendo responsável para que a vida da igreja ande corretamente. Se não for assim
corremos o risco de sermos participantes dos pecados alheios e incorrermos na culpa de
cumplicidade.
Assim, o apóstolo Paulo, no capítulo 5, chama a igreja à ordem e nos fala de forma
apaixonada, fala com amor pela igreja; nos fala da responsabilidade que todos temos de cuidar de
nós mesmos, de vivermos vidas santas e de, como comunidade, zelarmos para que o nome de
Cristo seja honrado e glorificado através da vida santa da comunidade dos santos. Infelizmente
nem sempre atentamos para essa maneira de Paulo abordar o problema em vista do nosso
individualismo. Mais frequentemente do que desejaríamos, ouvimos falar de piedade em termos
individuais, ou seja, piedosa é a pessoa que se fecha no seu quarto para ler e orar gastando tempo
a sós com Deus. E santidade seria algo que se desenvolveria individualmente. Quando falamos
em santificação geralmente temos a figura de uma pessoa em mente e nos esquecemos que Novo
Testamento geralmente essas coisas são contempladas à luz da comunidade. Piedade é algo que
eu exerço junto com o povo de Deus; culto não é algo que eu presto individualmente a Deus,
somente, mas algo que faço com meus irmãos. Santidade é algo comunitário. Nós crentes
caminhamos a vida de santidade juntos. Perdemos de vista esse aspecto corporativo da Igreja
apresentado no Novo Testamento. É tão importante, salutar, equilibrado e abençoador para cada
um de nós a ideia de andarmos juntos, vivermos juntos e nos santificarmos com a ajuda uns dos
outros. É nesse contexto que o apóstolo trás essas palavras.

O TEXTO
No versículo 1 e 2 encontramos o apóstolo Paulo apresentando o assunto. Ele coloca o problema
com palavras muito claras. O problema é duplo:

O PRIMEIRO ASPECTO DO PROBLEMA


Primeiro, Paulo inicia dizendo que “Geralmente se ouve que há entre vós imoralidade…” (v.
1) e depois especifica que imoralidade é essa. O pecado é de incesto que está proibido pela Lei
mosaica em Deuteronômio 2:30 e outras passagens do Velho Testamento onde Deus revela Sua
repulsa ao adultério, e o que dizer, então, de um homem que faz isso com a mulher do seu
próprio pai? Era um caso claro de transgressão da Lei de Deus. É importante notarmos que para
o apóstolo Paulo, a Lei de Deus sempre estava em vigor para o cristão. Paulo caracteriza bem
esta imoralidade, e, muito embora não faça uma referência clara ao Antigo Testamento, há
evidências na passagem, de toda legislação desse Testamento sobre a conduta moral e sexual do
povo de Deus. É bom enfatizar isso numa época em que as pessoas têm demonstrado descaso
para com a Lei de Deus e para com os padrões morais das Escrituras. O apóstolo está muito à
vontade expressando o ensino do AT para uma comunidade de cristãos do NT e caracterizando a
conduta daquele indivíduo como sendo imoralidade à luz dos padrões veterotestamentários. Isso
nos trás a um ensino importante, o de ter em alto apreço ao Antigo Testamento que também é
revelação de Deus para nós cristãos, ainda hoje. Tudo que foi escrito, para nosso ensino foi
escrito, para que através das Escrituras e da paciência tenhamos conforto e esperança.
Essa era a primeira parte do problema: uma relação incestuosa de um homem que vivia com
sua madrasta e que era do conhecimento de todos, como se vê nas palavras de Paulo:
“Geralmente se ouve que há entre vós imoralidade…” (v. 1).

O SEGUNDO ASPECTO DO PROBLEMA


A segunda parte do problema está no verso 2: “E, contudo, andais ensoberbecidos, e não
chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou?”. O
que angustiava o apóstolo Paulo não era só o pecado em si, mas que a igreja, ao invés de
“lamentar” o fato de ter um de seus membros vivendo uma relação pecaminosa e tomar a
providência correta que, na ocasião, seria tirar do meio da comunidade aquele indivíduo que não
havia se arrependido (a julgar pelo que Paulo diz), ou que não queria corrigir-se. A atitude da
igreja deveria ser excluir esse membro contumaz. Paulo está angustiado pelo fato da igreja não
tomar essa atitude para zelar pela vida e pela pureza da igreja, pelo nome de Cristo e pelo próprio
pecador. Ao contrário, a igreja estava ensoberbecida, envaidecida possivelmente por causa dos
dons espirituais. Os membros estavam orgulhosos de constituirem uma igreja “carismática”, ou
quem sabe, uma igreja que amava a todos do modo que eram e de como agiam. Uma coisa é
certa: Paulo entendia que a atitude da igreja não estava correta. Ao invés de lamentar e chorar
pelo fato de um membro estar sofrendo — e quando isso acontece, todos sofrem com ele —
Paulo pensa na igreja em termos corporativos e vê uma comunidade negligente por não lamentar-
se em vista do pecado que estava no seu meio. Ela assume uma postura oposta, “festiva”, com
um culto alegre, enquanto ninguém estava se preocupando com o problema. Paulo estava
angustiado por ver um membro vivendo em pecado e por constatar uma igreja tolerante que
convivia com o problema sem nenhuma dificuldade.
Antes mesmo de dizer os princípios pelos quais a igreja deveria expulsar o malfeitor que
“tamanho ultraje praticou”, Paulo já vem com a solução para o problema, até contrariando seu
método habitual, usado na primeira carta aos Coríntios. Paulo geralmente coloca o problema,
introduz uma série de princípios doutrinários e no final apresenta a conclusão. Mas Paulo parece
tão atribulado que apresenta o problema e logo dá a solução. Só posteriormente fala sobre as
doutrinas que estão por trás da questão. Isso, talvez pela angústia que lhe passava na alma em
vista do grande amor que tinha por aquela igreja. Do versículo 3 até o 5 Paulo diz o que vai
fazer. Ele fala como apóstolo de Jesus: “…já sentenciei…”. Ele usa das prerrogativas de
apóstolo, a quem foi dada autoridade para edificar a igreja, fazê-la andar e para trabalhar no seu
fundamento. Como tal, ele sentencia. A palavra “sentenciar” vem da linguagem jurídica que
significa o pronunciamento final de um processo de julgamento. A igreja deveria ter feito isso, e,
porque não fez, Paulo toma para si as prerrogativas de juiz. Ele mesmo faz o julgamento,
sentencia o membro infrator dizendo: “…que o autor de tal infâmia seja, em nome do Senhor
Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor, entregue a Satanás
para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor [Jesus]” (vv. 3-5).
Quando o apóstolo Paulo sentencia que aquele infrator seja entregue a Satanás, ele o faz nos
termos do ensino de Jesus. Paulo aqui está ecoando o ensino de Cristo quando disse num
contexto de disciplina: “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no
meio deles” (Mt 18:20). Jesus já havia dito dois versículos atrás que: “...tudo o que ligardes na
terra, terá sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado no céu”
(v.18). Esse é um contexto de disciplina, quando Jesus estava respondendo a Pedro sobre o que
deveria ser feito se um irmão pecasse contra ele. Jesus diz que a igreja reunida em espírito, com a
presença do Senhor e em Seu nome deveria exercer o “poder das chaves”; de admitir alguém no
Reino de Deus ou então excluir através da disciplina. Paulo está ecoando o ensino de Jesus
quando diz: [Eu, juntamente com vocês] “em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu
espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor...” (v. 4). Dessa forma, Paulo sentencia o membro
daquela igreja.
O que significa “entregar a Satanás”? Isso tem sido bastante debatido e não vai fazer muita
diferença na interpretação geral da passagem. Em linhas gerais se acredita que Paulo estava
dizendo o seguinte: Uma vez que a pessoa não queira ouvir a voz da igreja, não aceita a
repreensão do Espírito Santo, e, sendo excluído da comunidade, será como uma ovelha que foi
colocada para fora do aprisco. Lá fora estão os lobos à espera. Satanás vai cirandar, vai colocar
sua mão em cima dela. O objetivo de Paulo com isso não é destruir a pessoa, como muitos
pensam em relação ao ato disciplinar. Em termos eclesiásticos alguns pensam de disciplina como
algo que trás simplesmente punição ou destruição do pecador. Mas não é esse o objetivo da
disciplina. Apesar de todo rigor e firmeza de Paulo em tratar o assunto, ele diz: “…a fim de que
o espírito seja salvo” (v. 5). Esste é o objetivo que Paulo revela na sua carta; o amor por aquele
pecador e seu desejo de recuperá-lo, mesmo que para isso medidas drásticas tenham de ser
tomadas. Paulo não fica vacilante. Se tem de ser entregue a Satanás, que seja, para que o espírito
seja salvo. Se for o único meio, que assim seja excluído da igreja, ficando fora da proteção do
Senhor e ficando exposto aos ataques do diabo. Ataques que são descritos no livro de Jó, quando
esse servo de Deus experimentou na carne a atividade satânica como doenças, aflições, perdas
dos bens, etc. Em fim, toda sorte de aflições que com o decreto de Deus Satanás às vezes pode
infligir às pessoas para que o propósito de Deus seja feito. No caso, para esse membro da igreja,
o propósito era trazê-lo de volta ao seio da igreja através das aflições, angústias, dificuldades, e
tribulações que Deus permitiria (decreto permissivo) que Satanás trouxesse a esse membro em
pecado. Ele deveria ser levado ao arrependimento, cair em si e voltar ao convívio da igreja.
Não sabemos se a “estratégia” funcionou. Na Segunda carta que Paulo escreve à Igreja de
Corinto há uma menção de alguém que se arrependeu, que mudou sua atitude. Paulo não diz
quem foi essa pessoa. Mas Paulo recomenda que a igreja o receba, que o aceite, que não
prolongue demasiadamente a disciplina para que ele não desfaleça. Alguns entendem que seja
exatamente esse homem citado por Paulo no v. 5:1. Se for o caso, a disciplina teria funcionado e
o pecador voltado arrependido, recuperado, restaurado, e a igreja o teria recebido com alegria.
Paulo passa para uma postura final e só depois explica o porque dessa atitude. Pode parecer aos
ouvidos pós-modernos uma atitude muito radical. Mas Paulo explica o porquê de sua atitude.

AS RAZÕES DE PAULO PARA A DISCIPLINA RÍGIDA


1) Porque o pecado é como o fermento (v. 6). Se não cuidarmos ele se alastra e contamina toda a
massa: “Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?”. Paulo usa uma linguagem
muito comum no AT. No VT uma das coisas usadas para tipificar o pecado é o fermento. Tanto é
que na celebração da páscoa era proibido se comer pão com fermento (o pão era “asmo” — sem
fermento). O fermento era símbolo do pecado. Uma das propriedades do fermento pelas quais ele
tornou-se símbolo do pecado, é sua capacidade de aumentar e dominar o ambiente onde se
encontra. Se colocado um pouco de fermento no pão que está sendo preparado, logo levedará
toda a massa. O apóstolo diz que o pecado é exatamente assim. Paulo pergunta se os crentes de
Corinto não sabem disso: Que o pecado é como o fermento, que leveda toda a massa? A ideia é
que, se deixado sem correção, no seio da igreja, sem que as devidas soluções sejam tomadas, o
pecado se propaga. O que pensar dos jovens da igreja de Corinto? O que eles estavam
aprendendo quando viam aquele homem vivendo com a madrasta e ninguém dava importância?
O que eles estavam aprendendo? Aprendiam que aquela atitude não fazia diferença na vida cristã
e que não importa nosso comportamento sexual. Podemos continuar em pecado e como um
cristão normal. Era essa a mensagem que estava sendo passada para os membros da igreja; que o
pecado realmente não importava porque a igreja parecia aceitar normalmente. Qual a mensagem
que está sendo passada para os jovens e novos convertidos? Que o pecado não afeta meu estado,
o meu relacionamento e minha comunhão com Deus e nem a vida da igreja. Ou seja, o que é
pregado no púlpito é totalmente desfeito por este tipo de atitude. Nós podemos pregar santidade,
e se temos de viver vidas santas, mas não acrescentarmos à Palavra pregada as medidas corretas
para que todos nós trilhemos esse viver santo, a mensagem deixa de ter seu efeito.
Quando Calvino começou sua obra em Genebra, ele tinha a ideia de que se houvesse apenas
pregação fiel da Palavra de Deus e administração correta dos sacramentos, a igreja seria
edificada, os crentes ouviriam e os problemas se resolveriam. Algum tempo depois, Calvino
reconheceu que era necessário e bíblico acrescentar um terceiro elemento: a disciplina
eclesiástica.
Há necessidade do exercício da disciplina eclesiástica feita em amor para recuperação do
pecador e para que se coloque em prática o que a Palavra de Deus nos recomenda e exige. O
mais importante é que Paulo não está aqui falando para a liderança. Ele está falando para toda a
igreja. Não caiamos no erro de interpretar mal o apóstolo Paulo, pois o que ele fala é para todos
nós; é responsabilidade de toda a igreja zelar pela vida da comunidade, seguindo os princípios
bíblicos. Porque o pecado é como o fermento. Se deixarmos, ele contamina a massa toda. Que
mensagem estamos passando para o mundo? Qual a mensagem que a “Tiazinha”, que se diz
evangélica, passa para o mundo? Sua mensagem é que não importa seu comportamento sexual,
sua profissão corrupta. Assim, se conclui que cabe tudo na igreja.
Estamos vivendo um momento de crise de referência na igreja brasileira. Ou seja, precisamos
de pessoas que sejam referenciais. Há pouco tempo a revista “Isto É” publicou um suplemento
sobre os maiores religiosos do século e citava Dom Evaristo Arnes, Alziro Zarur, Chico Xavier,
Madre Tereza, Leonardo Boff, Frei Beto, Marcelo Rossi, mas nenhum evangélico. Pode ser
apenas preconceito contra os evangélicos, mas pensemos qual evangélico poderia estar nesta
lista? Soubemos depois que o candidato dos evangélicos seria o Bispo Macedo. Se há um
momento em que a igreja precisa fazer diferença no Brasil, é hoje. E temos de começar nos
lembrando de que o pecado é como o fermento. Ele destrói a reputação da igreja, a sua
credibilidade, seu ensino, e por isso temos de tratá-lo com firmeza. Devemos começar conosco
mesmo, sendo implacáveis com nós mesmos e brandos com os outros, mas firmes no geral. Tudo
isso para evitar que o pecado se alastre. Esse é o caminho. Não estou me referindo a fazermos
cruzadas de moralidade; não creio nisso. Mas devemos pregar o ensino simples do evangelho e,
como lemos nos salmos, “que os que temem ao Senhor odeiem o pecado”, se afastem do pecado,
pois esse é o ensino de toda a Bíblia. O primeiro ensino é este: O pecado é como o fermento e se
nós não cuidarmos ele tomará conta de tudo corrompendo as consciências.
2) O segundo argumento de Paulo está baseado na Páscoa (também vem do Velho
Testamento). Aqui no v. 7 Paulo se refere a Cristo como sendo nossa Páscoa e que ele já foi
imolado por nós. Paulo compara a vida da igreja a uma grande Páscoa, a uma eterna festa. O
nosso Cordeiro Pascal já foi imolado e nós já nos alimentamos dele e se vivemos em uma eterna
Páscoa, não deve haver fermento. Tem de ser lançado fora os fermentos, a massa velha. Por isso
Paulo diz: “Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa…” (v.7). A Igreja é a
comunidade Pascal liderada, salva e resgatada por aquele que é a nossa Páscoa. Na festa da
Páscoa não podia se ter pão com fermento. Essa é a figura que Paulo usa. Se há pão fermentado
já não é mais Páscoa. No v. 8 Paulo diz da vida cristã que “celebremos a festa, não com o velho
fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia; e, sim, com os asmos da sinceridade e
da verdade”. É só quando a sinceridade e a verdade prevalecem que nós verdadeiramente
celebramos. Somos uma comunidade que celebra, que vive na alegria, no gozo da santidade do
nosso Cordeiro.
É claro que Paulo não está pregando o perfeccionismo. Mas alguns podem ter esta ideia; Paulo
não está pedindo que a igreja seja perfeita, mas sim que a igreja de Corinto tome as atitudes
certas quando o pecado aparecer. O pecado vai aparecer, é verdade, e pode ser em minha vida e
na sua, mas que a comunidade ajude o pecador com interesse de auxiliá-lo. Não devemos ficar
falando mal e criticando, mas que tomemos as providências bíblicas para ajudar aquele que caiu
vítima do pecado. Celebremos a festa com os “asmos” da sinceridade e da verdade.
3) Vemos um outro princípio nos versos 9 a 12. Há um momento para uma separação santa.
Infelizmente há momentos em que somente uma separação resolve. A separação da comunidade
colocada aqui por Paulo é daquele membro impenitente que não deseja arrepender-se. Parece que
Paulo coloca esse ponto em destaque (ele gasta vários versículos nisso) provavelmente porque
ele sente que foi mal compreendido. Paulo já havia escrito uma primeira carta aos coríntios. Essa
primeira carta que conhecemos é, na verdade, uma segunda carta, porque Paulo já havia escrito
uma carta antes, que foi perdida. Paulo faz menção dessa primeira carta perdida no v. 9. Nessa
primeiríssima carta ele já havia falado da necessidade de separação, de não haver associação
entre o cristão e a impureza. “Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros”.
Aparentemente os coríntios haviam entendido que Paulo estava falando que os cristãos não
deveriam ter qualquer contato com incrédulos. Por isso os coríntios concluíram que não haveria
problema de ter associação com aquele irmão, mesmo que em gravíssimo pecado, visto que era
“irmão”. Eles haviam pensado da primeira carta de Paulo que não deveriam se associar apenas
com quem não fosse cristão. Paulo, então, corrige esse equívoco e diz: “Já em carta vos escrevi
que não vos associásseis com os impuros; refiro-me com isto não propriamente aos impuros
deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso teríeis de sair do
mundo”. Paulo diz aqui que não estava dizendo que não se associassem, ou mantivessem contato
com esse tipo de gente, com os pecadores desse mundo, porque, se assim fosse, teriam de sair do
mundo. Paulo nunca sugeriu um gueto ou mosteiro, nem ao menos estava sugerindo que não
convivessem com os não cristãos. O que Paulo diz é: “Mas agora vos escrevo que não vos
associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra ou maldizente,
ou beberrão, ou roubador; com este tal nem ainda comais” (v.10). O que Paulo está dizendo é
que não devemos nos associar com aquele que “dizendo-se irmão”, se fazendo passar por cristão,
no meio da comunidade se comportem como não cristãos. A esses nem devemos convidar para
uma refeição em nossas casas. Em outras palavras, há um momento em que é necessária uma
separação clara e firme.
Muitos podem estar pensando nas palavras de Jesus quando disse: “Não julgueis, para que não
sejais julgados” (Mt 7:1). É claro que Paulo e Jesus não estão em contradição. Quando Jesus
disse essas palavras ele o fez no contexto do julgamento indevido. Ou seja, alguém julgar o
comportamento de uma pessoa e não julgar-se a si mesmo. Lembremo-nos que nessa mesma
passagem Jesus diz: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave
que está no teu próprio” (Mt 7:3). O que Jesus proibiu foi o julgamento desproporcional, sendo
pesado para com os outros e não para consigo mesmo. Isso não é correto! Mas, quando Jesus fala
essas palavras condenando o julgamento precipitado, no versículo 6 Ele diz: “Não deis aos cães o
que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas…” (Mt 7:6). Para eu cumprir esse
mandamento eu tenho de saber quem é “cão” e quem é “porco”. Ou seja, tenho de exercer
julgamento. É claro que Jesus não está proibindo que nós, pelas evidências, pelo comportamento,
por aquilo que está evidente e claro, cheguemos a uma conclusão de que uma pessoa não está se
comportando como um cristão deve se comportar. Assim sendo, podemos tomar as devidas
providências.
Paulo termina esse terceiro princípio dizendo: “Pois com que direito haveria eu de julgar os de
fora?” (5:12a). Paulo está dizendo que não vai julgar os de fora que não são cristãos e que vivem
em outro contexto. E então pergunta: “Não julgais vós os de dentro?” (v.12b). Paulo deixa muito
claro que julgar os “de dentro” é competência da igreja. Não vamos julgar os de fora, pois Deus
os julgará. É isso que Paulo diz no versículo 13: “Os de fora, porém, Deus os julgará” (v.13a).
Mas os de dentro sim; a comunidade julga os de dentro e toma as providências para recuperar o
faltoso, o extraviado, para trazer de volta o que se desviou. E se necessário for para isso a santa
separação, que haja separação.
Paulo conclui no v.13 dizendo: “Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor”.

CONCLUSÃO
Estamos vivendo uma época em que se Paulo viesse expor essa mensagem, dessa forma, não
seria bem recebido.
1) Hoje, se diz que a verdade é relativa e que cada pessoa tem sua própria verdade. Estamos
vivendo a relativização dos valores morais.
2) Se diz que a vida de cada um é governada por aquilo que a pessoa sente que é melhor. Se a
pessoa está se sentindo bem em determinado lugar, se algo está fazendo-lhe bem, então, não
importa outras questões, outros critérios. O critério que é usado é sentir-se bem e passa a ser o
principal para governar a conduta das pessoas. O que valida uma situação ou uma conduta é eu
estar ou não me sentindo bem no que estou fazendo.
Esses conceitos têm predominado em nossa sociedade e em muitas igrejas. Há relativização na
mídia, nas músicas, nos escritos modernos, nas universidades, nos debates da ética e da
moralidade. Os formadores de opinião pública nacional estão totalmente envolvidos na pós-
modernidade que resume tudo que foi dito. Tudo isso acaba minando a vida da igreja, a
literatura, os seminários, os congressos. Às vezes, de forma sutil, nos tornamos avessos àquilo
que venha nos contrariar, que venha nos obrigar a dizer: “Isso está errado!”.
Mas temos de fazer a escolha. É um momento sério de decisão da Igreja, se vamos viver à luz
da Palavra de Deus e de seus valores absolutos ou se vamos nos deixar levar pelos “ventos” da
época.
A Palavra de Deus nos chama a viver vidas santas e retas. Nos chama a aborrecer o pecado e,
se necessário, tomar as devidas providências para que ele não tenha livre curso em nosso meio,
nas nossas vidas, nas nossas famílias. Tomar a providência necessária em amor, em espírito de
brandura, olhando por nós mesmos para que não sejamos também levados pelo pecado, mas
ajudando-nos mutuamente, levando as cargas uns dos outros para que a comunidade toda viva
vida de santidade e de alegria. O problema não é o pecado somente, mas o pecado não resolvido.
Para o pecado há perdão, resgate, redenção e libertação. O problema não é só o pecado, mas o
pecado não confessado, não reconhecido e não tratado. É contra isso que Paulo fala. Que Deus
nos ajude.
Lembremo-nos que esta mensagem é para a igreja e não para os líderes. Sempre fico admirado
com Paulo pelo fato de que quando fala de disciplina eclesiástica ele não se dirige aos pastores e
aos presbíteros apenas, mas fala para à comunidade toda. É nossa responsabilidade de orarmos e
vivermos vidas santas ajudando-nos uns aos outros a nos livrar do inimigo das nossas almas.
Esse é o pior inimigo: o pecado não tratado.
Que Deus nos dê graça e misericórdia para vivermos segundo o padrão da Palavra de Deus.1

Sermão pregado pelo Dr. Augustus Nicodemus Lopes na Primeira Igreja Presbiteriana do Recife no ano de 2000. Transcrito e
publicado com a autorização do autor.
Solano Portela

Disciplina Preventiva:Resolvendo Controvérsias na Igreja

UM ESTUDO APLICATIVO SOBRE O CONCÍLIO DE JERUSALÉM EM ATOS 15:1-


33
Quando pensamos na igreja como Corpo de Cristo e nas virtudes que a caracteriza, com
frequência temos a expectativa de encontrar nela bastante harmonia e amor cristão.
Verdadeiramente, a igreja deveria se destacar pela unidade registrada no capítulo 17 do
Evangelho de João. Ali, no versículo 23, temos o trecho da oração sacerdotal de Cristo, pelos
seus discípulos e por sua igreja, na qual ele expressa o seu amor pelos seus e faz a seguinte
petição ao Pai — “…para que eles sejam perfeitos em unidade…”. O teólogo Francis Schaeffer
escreveu sobre essa unidade e chamou a atenção dos seus leitores para o fato de que o texto
continua, com Jesus dando um propósito a essa unidade, dizendo, “…a fim de que o mundo
conheça que tu me enviaste…”. Por essa razão, Schaeffer chamou esse amor entre os irmãos,
evidenciado e demonstrado pela harmonia, de a “marca do cristão”. Estamos certos, portanto,
quando esperamos que a igreja seja o local onde as seguintes características estejam
evidentemente presentes:

• Amabilidade no trato
• Ausência de discórdia
• Trabalho conjunto
• Propósito comum

Complementando essa compreensão, verificamos que na igreja temos um ambiente e as


diretrizes que deveriam favorecer a concórdia (utilizando o termo da forma como ele é utilizado
na “Fórmula de Concórdia”, dos Luteranos1), ou a concordância em pontos controversos, em vez
da discórdia. Queremos dizer que, em paralelo às diretrizes da Palavra de Deus, temos uma
Confissão de Fé que sistematiza o ensino das Escrituras e deveria alicerçar a uniformidade
doutrinária da denominação.2 Nesse sentido, com esse ambiente, não estamos no escuro, mas
fazendo parte de uma corpo eclesiástico estruturado, que se firma em uma tradição de
organização e ordem no encaminhar dos seus procedimentos, deveríamos colher harmonia e ter
uma consequente rapidez na resolução de problemas e controvérsias internas. Na realidade,
controvérsias doutrinárias tratadas biblicamente, certamente se constituem na melhor forma de
disciplina eclesiástica preventiva. O seguimento dos passos e do processo delineado nas
Escrituras representa o tratamento do problema antes que haja a criação de raízes que venham a
ameaçar a integridade espiritual dos fiéis e o testemunho da igreja, no mundo.
A essa altura, certamente, alguém já deve estar pensando: “Você não conhece a minha igreja!”
“Será que você já participou de alguma reunião de Conselho?” “Já viu, porventura, os ânimos
esquentados em uma reunião de presbitério?” “Acho que você está por fora da dimensão
profunda das controvérsias atuais?” “A resolução harmoniosa de uma divergência doutrinária,
não representa uma expectativa correta dentro de nossa situação atual!” Por certo, quando
confrontamos a realidade de nossas igrejas, a cena parece ser bem diferente e distanciada do
ideal acima descrito, em vez de concórdia confrontamos:

• Discórdia
• Interesses pessoais ou políticos
• Falta de unidade
• Palavras ferinas
• Profundas controvérsias

Felizmente temos uma estrutura denominacional que foi formada em cima da experiência
relatada nas Escrituras e seguindo prescrições específicas da Palavra. Acreditamos que o nosso
presbiterianismo procede de bases bíblicas. É encorajador sabermos que nossas igrejas são
moldadas no modelo de governo interno que procedeu das Sinagogas. Nesse sentido, deveríamos
poder emular, com considerável precisão, a situação vivida pela Igreja Primitiva. As igrejas
sucederam as sinagogas, demonstrando que a estrutura ideal delas não era a reunião familiar, nas
casas. Essa configuração doméstica funcionou como uma espécie de estágio preparatório — em
época de intensa perseguição. Posteriormente, as reuniões nos lares davam continuidade ao
ministério da igreja, mas elas nunca foram vistas como células substitutas da igreja local, como
pretendem inovar alguns grupos contemporâneos, numa clara aplicação de revisionismo histórico
da pior espécie.3
Mas nossa instrução do funcionamento correto da igreja local e de suas associações não vem
dessa origem histórica ou da analogia operacional da sinagoga. Além de diretrizes específicas,
temos um exemplo importantíssimo registrado por Lucas e deixado pelos apóstolos para nosso
seguimento. São ricas as lições que podemos extrair do relato sobre o Concílio de Jerusalém,
sobre a realidade e a resolução de controvérsias. Vemos, nesse trecho, um exemplo de
decantação e de depuração doutrinária, bem como de integração exemplar e da harmonia que
deve existir e persistir na igreja. Temos, em Atos 15:1-33, um relato que é ao mesmo tempo
histórico e prescritivo.
Peço perdão aos queridos irmãos batistas, mas é praticamente impossível ler esse capítulo sem
vermos as bases do presbiterianismo refletidas no modus operandi histórico da igreja. O que
temos aqui é uma verdadeira reunião conciliar: líderes de Igrejas, atingidos por ensinamentos
conflitantes, congregam-se e se reúnem para discutir os rumos dos ensinamentos que deveriam
ser reforçados. Cristaliza-se a mensagem a ser propagada à igreja, que adentrava a sua nova era
de internacionalização, no momento em que ela se desvinculava da identidade nacional (com
Israel) que a caracterizara até a vinda de Cristo.
Se queremos aprender um pouco sobre a resolução de controvérsias em nossas igrejas e sobre
a verdadeira harmonia que deve subsistir, é possível que este seja um bom trecho da Palavra de
Deus. Os ensinamentos que podemos extrair do texto podem até nos surpreender, na medida em
que aprofundamos o nosso exame e procuramos aplicar os seus princípios à nossa situação atual.
Gostaria, neste capítulo, de examinar três pontos que nos chamam a atenção, encontrados aqui
nessa “reunião de presbitério”. Refiro-me a uma “reunião de presbitério” porque envolve mais de
uma igreja, porque o sínodo ainda não havia sido organizado e, como Pedro ainda não estava em
Roma, o Supremo Concílio ainda levaria alguns anos até ser convocado e instalado… Mas,
brincadeiras anacrônicas à parte, vemos que a grande questão que motivou a reunião relatada em
Atos 15, está colocada de forma bem objetiva e resumida no versículo 1. Essa colocação objetiva
condensada, em si, já seria uma grande lição para nós, acostumados a discursos quilométricos
que, via de regra, são dispersivos e carentes de precisão. Vemos aqui, rapidamente, que o
problema era o ensinamento de “alguns indivíduos que desceram da Judeia”. Esses ensinavam
que a salvação dependia de alguma prática pessoal. Mais especificamente, o ensinamento era:
“Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos”.
Ora, esse ensinamento contrariava o ensino dos apóstolos, de que a salvação procedia única e
exclusivamente da graça soberana de Deus, sem a interferência do esforço humano. Até o
próprio ato da crença, ensinavam os apóstolos, era um reflexo do trabalhar soberano do Espírito
Santo no coração de pecadores. Paulo já estava a escrever essas coisas, corretamente
interpretando o ensino do Antigo Testamento. Temos aqui, portanto, um ensino estranho sendo
introduzido na igreja e que atingia o próprio cerne do Evangelho. A situação não poderia ficar
por isso mesmo. Um pronunciamento maior era necessário. E é no relato que se segue que temos
o primeiro ponto, que muito nos ensina sobre a resolução de controvérsias e sobre a instalação da
verdadeira harmonia na igreja.

CONTROVÉRSIAS EXISTEM E O CONSENSO E A OPINIÃO DE MUITOS É


NECESSÁRIA PARA RESOLVÊ-LAS! (V. 2)
Chamo a atenção para as primeiras palavras do versículo 2: “Tendo havido, da parte de Paulo e
Barnabé, contenda e não pequena discussão com eles…” Dado ao caráter objetivo, acadêmico e
direto da linguagem de Lucas, podemos imaginar a intensidade e inflamação do debate que
ocorreu em torno dessas questões. O que desejo ressaltar é exatamente esse princípio: Não é
realista esperarmos a inexistência de controvérsias ou a ausência de diferenças de opiniões na
Igreja. A Controvérsia vem, às vezes com muita intensidade.
É necessário que tenhamos essa compreensão. Às vezes desenvolvemos uma visão utópica e
idealista do que seja harmonia na igreja. Ao menor sinal de controvérsia, jogamos a toalha,
abandonamos a expectativa de uma integração de um trabalho conjunto, passamos a criticar mais
e a trabalhar menos. Passamos a nos sentir traídos, perdidos, desamparados, com a síndrome de
Elias (só eu, Senhor…). Teremos muito maior possibilidade de promovermos a verdadeira
harmonia se adotarmos uma postura realista. Se esperarmos a controvérsia. Se nos preparamos
para ela. Se abordamos as questões da forma adequada. Se não jogarmos todas as esperanças
numa harmonia pré-existente que pode ser falsa, mas se, pelo contrário, nos engajarmos na
promoção de uma harmonia gerada pelo Espírito, que se processa ao redor da verdade.
Na continuidade do versículo, lemos: “…resolveram que esses dois e alguns outros dentre eles
subissem a Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, com respeito a esta questão”. Peço que notem
a gradação do consenso. Primeiro, após a realidade da controvérsia, da contenda, da não pequena
discussão, diz o texto que resolveram… Quem resolveu? Paulo e Barnabé? Não! O texto diz que
“esses dois…” deveriam ir a Jerusalém. A narrativa, falando deles como destacadas à parte de
um grupo, nos dá a nítida impressão de que a resolução aqui não foi pessoal. Ela já se constitui
em um primeiro pronunciamento conciliar. A igreja resolve enviar os dois principais mestres e
“alguns outros dentre eles…”, para tratar da questão.
Notem que a harmonia pretendida não era a ausência da controvérsia, mas a predisposição de
tratá-la adequadamente. O grande princípio aqui é que questões polêmicas devem ser tratadas em
consenso. Líderes integrados representam o melhor foro para, sob a orientação do Espírito,
abordar e aclarar os ensinamentos de Deus.
Somos, em muitas ocasiões, tentados a desprezar o conselho de muitos e a confiar em nosso
próprio discernimento. Dentro da Igreja de Cristo isso se traduz em uma falta de fé na ação do
Espírito, como Consolador e preservador da Igreja. Individualismo não promove integração.
Mais grave ainda: o individualismo pode até dar a aparência de maior liderança ao que o
emprega, mas resultará em menor autoridade junto aos irmãos que aguardam de nossa parte o
ensinamento seguro e consensual que procede do Espírito. O pecado sempre cobra pesados
dividendos daqueles que se atrevem a realizar voos independentes, desprezando o consenso e o
conselho dos irmãos.

A ÊNFASE NA FÉ COMUM GERA UM AMBIENTE FAVORÁVEL E HOSPITALEIRO


PARA O TRATAMENTO DAS CONTROVÉRSIAS! (VV. 3 E 4)
O nosso segundo ponto ancora o contexto da controvérsia na fé comum, que deve existir no seio
da igreja. A continuidade do relato nos mostra que a determinação dos irmãos era intensa.
Fizeram uma longa e penosa viagem. Lemos: “Enviados, pois, e até certo ponto acompanhados
pela igreja, atravessaram as províncias da Fenícia e Samaria”. É interessante que o consenso
ainda se revela na expressão “até certo ponto acompanhados pela Igreja”. Certamente foram
sempre, e não “até certo ponto” acompanhados em oração. O texto fala de um acompanhamento
físico, mesmo, ou seja — uma demonstração maior de apoio durante uma certa porção da
jornada. Mas é para a segunda parte do verso que quero chamar atenção, pois a harmonia
objetivada tem grande dependência das coisas que são comunicadas. Diz o texto que eles “…
narrando a conversão dos gentios, causaram grande alegria a todos os irmãos”.
Notem como a abordagem se processou. Eles estavam ali para tratar de uma séria controvérsia.
Eles tinham uma disputa e um problema. Pior ainda: o problema era com pessoas “saídas da
Judeia”, como diz o verso 1. Deveriam chegar de cara feia? Ou será que não deveriam, sem
perda de tempo, tratar logo da questão e resolvê-la de uma vez por todas? Não nos esqueçamos
que temos aqui os Atos do Espírito Santo na solidificação de sua Igreja. Procuremos aprender do
que ocorreu nessa ocasião. A primeira coisa que fizeram foi narrar a conversão de almas, a
conversão de gentios! Isso era motivo de regozijo. O resultado dessas narrativas foi a ocorrência
de uma “grande alegria” entre os irmãos! O princípio que aprendemos parece ser: A
concentração nos pontos essenciais e nas bênçãos comuns de Deus, gera alegria — e essa alegria
é um solo fértil para a harmonia!
Muitas vezes estamos nos esforçando para obter harmonia e para resolver controvérsias, mas
nos esquecemos que ela é o subproduto de uma série de passos prévios. Muitas vezes nos
esmeramos em ser portadores de más notícias. Muitas vezes nos esquecemos das bênçãos de
Deus, no meio da controvérsia. Nossa visão é curta e não enxergamos aquilo que Deus já fez por
nós e que continua a fazer pelo Seu Reino. Esquecemos que a verdadeira unidade vem como
consequência de uma visão e abordagem correta nas coisas de Deus.
O verso quatro traz um detalhe adicional, mas ele não nos deveria passar desapercebido.
Lemos: “Tendo eles chegado a Jerusalém, foram bem recebidos pela igreja, pelos apóstolos e
pelos presbíteros e relataram tudo o que Deus fizera com eles”. Notem que além de, mais uma
vez, darem o testemunho e relatarem as coisas que Deus havia operado no campo distante, o
verso registra em três palavrinhas uma questão importantíssima: “… foram bem recebidos”. A
concórdia e a obtenção da unidade verdadeira é algo promovido por dois lados. A necessidade de
comunhão, a predisposição à seriedade no tratamento das coisas espirituais, a concentração na
essência da fé, o reconhecimento do trabalho de Deus na transformação de vidas estava presente
no grupo que se achegava à cidade. Por outro lado, foram alvo de hospitalidade, de boa acolhida,
foram “bem recebidos”, como diz a Palavra, por aqueles que os aguardavam. O princípio que
aprendemos é exatamente esse: Receber bem pavimenta o caminho para a harmonia.
Como isso muda as coisas e amolda os corações à ação do Espírito. Temos nos apercebido da
importância desse “pequeno detalhe” em nossos encontros? Temos sido formais, distantes?
Como esperamos promover a verdadeira unidade, se, às vezes, nem a educação básica, no “bom
recebimento”, é praticada?
CONSIDERE OS PASSOS NECESSÁRIOS À SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA,
NOTANDO QUE COMEÇAM COM A PRECISA IDENTIFICAÇÃO DA FONTE E
TERMINAM COM UMA DECLARAÇÃO CONSENSUAL (VV. 5-26)
O terceiro ponto diz respeito aos passos seguidos na resolução da controvérsia. No versículo
cinco, verificamos que a reunião começa a “esquentar”. O ensinamento original, que havia
gerado a necessidade do concílio, começa a ser explicitado e os proponentes da mensagem
controvertida passam ao ataque. O texto desse verso nos trás um dado adicional que não estava
presente no primeiro versículo. Lá lemos que o ensino partia de “alguns indivíduos que haviam
descido da Judeia”, mas aqui temos: “Insurgiram-se, entretanto, alguns da seita dos fariseus que
haviam crido, dizendo: É necessário circuncidá-los e determinar-lhes que observem a lei de
Moisés”.
Gostaria de chamar a atenção para a qualificação desses descritos como sendo “da seita dos
Fariseus”. Logo a seguir temos a expressão: “que haviam crido”. Eles não eram perturbadores,
apenas. Eles não estavam querendo simplesmente deturpar o Evangelho para destruir o esforço
dos apóstolos. A Palavra é clara quando os identifica como crentes! Mas nem por isso estavam
ensinando o que era certo, nem praticando o Evangelho em sua pureza.
Isso nos leva ao aprendizado de um outro princípio, quando confrontamos controvérsias e
procuramos resolvê-las: A falta de harmonia doutrinária e de opinião vem não necessariamente
dos descrentes, mas dos que são da casa! Com frequência somos acusados de estarmos
questionando a crença daqueles com os quais discordamos, de estarmos julgando o que não
podemos julgar. Creio que devemos aprender que o erro subsiste dentro de nós, dentro dos
evangélicos, ou, sendo mais específico, dentro da nossa igreja. Questioná-lo, argui-lo, identificá-
lo, não significa promovermos dissociação, difamação ou estarmos lutando contra a harmonia e
unidade que deveria existir.
A harmonia verdadeira nunca se processa pela conivência com o erro. O amor verdadeiro acha
a forma correta de apontar o erro, no sentido de corrigi-lo e de atrair para si o que está em falta
para com Deus e para com a sua igreja.
No desenrolar do texto e dos debates, vemos como está sendo gerada a harmonia, como a
controvérsia está sendo abordada e resolvida. Mas ela não se processa em um vácuo. Notem que
nessa reunião dos “…apóstolos e os presbíteros para examinar a questão…” (v. 6), como se
chegou a uma posição harmônica:

(1) PRIMEIRO, COM GRANDE DEBATE.


O versículo 7 diz: “Havendo grande debate, Pedro tomou a palavra e lhes disse: Irmãos, vós
sabeis que, desde há muito, Deus me escolheu dentre vós para que, por meu intermédio,
ouvissem os gentios a palavra do evangelho e cressem...” e dá andamento à sua exposição:
8 Ora, Deus, que conhece os corações, lhes deu testemunho, concedendo o Espírito Santo a
eles, como também a nós nos concedera.
9 E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé o coração.
10 Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem
nossos pais puderam suportar, nem nós?
11 Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram.
12 E toda a multidão silenciou, passando a ouvir a Barnabé e a Paulo, que contavam quantos
sinais e prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios.

(2) SEGUNDO, EM TORNO DAS ESCRITURAS.


Tiago falou após Pedro. Nos versículos 13 em diante (13-19) lemos: “... falou Tiago, dizendo:
Irmãos, atentai nas minhas palavras: expôs Simão como Deus, primeiramente, visitou os gentios,
a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome. Conferem com isto as palavras dos
profetas, como está escrito: Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de
Davi; e, levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei. Para que os demais homens busquem o
Senhor, e também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor,
que faz estas coisas conhecidas desde séculos. Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles
que, dentre os gentios, se convertem a Deus.
O que faz Tiago? Vai às Escrituras, como os bereanos, para mostrar que as coisas eram
realmente como estavam sendo expostas. Aqui ele cita Amós 9:11-12. Vemos que aquele
concílio não era apenas uma reunião de opiniões pessoais; uma vitrine para a vaidade dos
participantes. O debate, em si, poderia não resultar em nada, mas a âncora das Escrituras era o
ponto comum de aferição a todos. Não podemos pensar na resolução das controvérsias, dentro da
igreja, se esquecemos das Escrituras como nosso ponto de partida e de chegada.

(3) TERCEIRO, EM PLENO ACORDO.


O versículo 25 diz: “... pareceu-nos bem, chegados a pleno acordo, eleger alguns homens e
enviá-los a vós outros com os nossos amados Barnabé e Paulo...”. O pleno acordo é possível e
deve ser alvo de nossas orações. Não devemos cair na presa de uma visão meramente humana e
pessimista. Nosso Deus é o Deus todo poderoso que opera maravilhas. Jesus nos disse que as
portas do inferno não haveriam de prevalecer sobre a igreja. Isso significa que a manutenção do
testemunho, da harmonia e da unidade não são situações utópicas e inacessíveis, mas
perfeitamente atingíveis, sob a divina providência.

(4) QUARTO, COM DEDICAÇÃO E SACRIFÍCIO.


Assim lemos no versículo 26 que Paulo e Silas eram: “…homens que têm exposto a vida pelo
nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Se realmente desejamos resolver controvérsias e promover
a harmonia, temos que ter a dedicação necessária e estarmos dispostos a fazer os sacrifícios que
Deus venha a requerer, em nossas vidas.

(5) QUINTO, COM BASE NO INTERESSE PELAS OVELHAS.


O versículo 24, diz: “…Visto sabermos que alguns que saíram de entre nós, sem nenhuma
autorização, vos têm perturbado com palavras, transtornando a vossa alma…” Notem a forma
amorosa de tratamento. O interesse pelas almas transtornadas. A motivação para a harmonia,
para que a controvérsia seja resolvida, também deve ser o amor que temos pelas nossas ovelhas.
A preocupação com o exemplo que está sendo apresentado a elas. Com os ensinamentos que
estão recebendo e que podem destruir-lhes o ânimo, causando transtorno à igreja e à propagação
do evangelho.

CONCLUSÃO — A APLICAÇÃO IMEDIATA E A PERMANENTE (20 E 28-29)


A verdadeira harmonia gerada no meio da controvérsia, por homens dedicados ao seu ministério,
desejosos de extrair da Palavra de Deus o verdadeiro ensinamento necessário às ovelhas, dirige-
se tanto às questões imediatas quanto às permanentes. Ou seja, ela se reflete na contextualização
das diretrizes divinas que abrange tanto as coisas temporais quanto as questões eternas.
Acho importante a resolução integrada tomada nesse concílio, registrada nos versículos 20 e
28-29: “…mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das
relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue” e “…Pois pareceu bem ao
Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: que vos
abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados
e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde”.
Aparentemente a resolução mistura coisas heterogêneas de diferente relevância — carne
sacrificada aos ídolos, de animais mortos sem a sangria característica da lei levítica, e sobre a
promiscuidade — relações sexuais ilícitas — pornografia. Mas, não é esse o caso! Eles estavam,
na realidade, se dirigindo tanto às questões de costumes da época, quanto às questões morais,
permanentes. Ambas representavam indagações legítimas dos fiéis e problemas confrontados
pela igreja.
Essa é também a nossa responsabilidade em nossa igreja, quer como líderes, quer como
membros, temos que estar empenhados em fornecer aos irmãos as respostas que eles precisam
para as questões que estão a transtornar as suas almas — tanto às transitórias, relativas ao
costume, como às morais, de caráter permanente. Tais respostas devemos àqueles que nos
procurarem, aos que Deus colocar em nossos caminhos. Não podemos fugir dessas
responsabilidades.
Os versículos 30 a 33, encerram a narrativa da reunião:
30 Os que foram enviados desceram logo para Antioquia e, tendo reunido a comunidade,
entregaram a epístola.
31 Quando a leram, sobremaneira se alegraram pelo conforto recebido.
32 Judas e Silas, que eram também profetas, consolaram os irmãos com muitos conselhos e os
fortaleceram.
33 Tendo-se demorado ali por algum tempo, os irmãos os deixaram voltar em paz aos que os
enviaram.

Temos então o resultado do encontro e o relato maior aos irmãos das igrejas representadas.
Temos novo registro de grande alegria, pela resolução da controvérsia.
Nossa oração é que possamos, mesmo com muita controvérsia, desenvolvermos o tipo de
harmonia que nos faça dizer, como eles: “…pareceu-nos bem a nós e ao Espírito Santo…” Assim
fazendo, com certeza, estaremos evitando muitos problemas de disciplina que poderiam aflorar
se as controvérsias continuarem a proliferar e se a doutrina falsa continuar a ser propagada. Com
essa abordagem positiva, estaremos estimulando a verdadeira disciplina preventiva.
Oramos, também, para que sejamos consoladores como Judas e Silas o foram. Que estejamos
abertos a ouvir os dois lados e até a reconsiderar a nossa posição, com humildade, à luz das
escrituras, seguindo o exemplo de Tiago. Que estejamos dispostos a nos sacrificar como Barnabé
e Paulo o fizeram. Que tenhamos intenso amor pelos irmãos como esses, que se reuniram nesse
concílio, vieram a demonstrar. Sobretudo, que aprendamos com a forma pela qual essa
controvérsia foi tratada: devemos notar a seriedade e consagração dos líderes envolvidos; o
respeito uns para com os outros; a ausência de sarcasmo e ironia nas palavras registradas — que
Deus nos auxilie a termos essa postura e testemunho, para a Sua glória.

1577 — Documento que reafirma e esclarece a confissão de Augsburgo e que praticamente encerrou 30 anos de controvérsias
internas na Igreja Luterana, surgidas após a morte de Lutero, sobre diversos assuntos. Posteriormente, junto com as demais
confissões luteranas, foi incorporado ao Livro de Concórdia.
Referimo-nos à Igreja Presbiteriana, mas o mesmo ponto se aplica a outras igrejas confessionais.
Muitos pregam a ideia de que a igreja atual deve ser totalmente reformulada em sua estrutura, para se aproximar da igreja
primitiva, organizando-se em células. Nada mais distante da realidade neotestamentária, como um estudo mais aprofundado pode
revelar. Note como Paulo se dirige naturalmente a uma igreja organizada com a estrutura de diáconos e presbíteros, em Filipenses
1:1: “Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os bispos e
diáconos…”.
Solano Portela

Disciplina na Igreja: uma das Marcas da Verdadeira Igreja

INTRODUÇÃO
Talvez você não tenha percebido, mas nossas igrejas estão sempre confrontando problemas
relacionados com a disciplina de membros. Se uma igreja é fiel e bíblica em sua aplicação, e
exercita disciplina, quando necessário, há a necessidade de que os membros compreendam as
bases bíblicas da disciplina para que essa alcance o resultado bíblico almejado. Por outro lado, se
a igreja é falha na sua aplicação, é necessário que todos se conscientizem das razões dadas pelas
Escrituras para a aplicação da disciplina e dos perigos e consequências quando ela é
negligenciada, para que não sejamos culpados de estarmos enfraquecendo o corpo de Cristo.
Disciplina eclesiástica é, portanto, um tema sempre relevante. Não se trata de um caminho
opcional à administração da igreja, mas uma trilha necessária que deve ser entendida, acatada,
apoiada e aplicada para que tenhamos saúde espiritual em nosso meio.
O exercício da disciplina na igreja é algo tão importante que os reformadores consideraram
esta questão, ao lado da proclamação da Palavra e da administração dos sacramentos, uma das
marcas que distinguem a igreja verdadeira da falsa. Essa posição ficou formalizada na
Confissão de Fé Belga (1561), um dos documentos históricos mais importantes da Fé
Reformada.1 Ou seja, a igreja falsa não somente se caracteriza pela distorção ou ausência da
pregação das inspiradas Escrituras; ou porque nela os sacramentos são antibíblicos, ou
incorretamente administrados; mas ela é também negligente na preservação de sua pureza moral
e doutrinária — não dá a importância à questão da disciplina que a Palavra de Deus dá.
Às vezes o problema está contido no processo, na maneira pela qual a igreja exercita
disciplina. Ou seja, ela não segue os passos e objetivos de disciplina eclesiástica delineados na
Palavra de Deus. Quando existe negligência nessa área, a igreja passa a abrir mão da identidade
peculiar dos seus membros perante o mundo, eles passam a se confundir, em caráter e
procedimento com os descrentes. O resultado disso é que o testemunho do Evangelho e a
autoridade na pregação, são prejudicadas.
Não queremos desenvolver um espírito de censura gratuita, no qual enxerguemos sempre o
argueiro no olho do irmão antes da trave que está no nosso. Mas precisamos despertar um senso
de comportamento bíblico que faça justiça ao nome de Cristo e que não envergonhe ao
Evangelho. Isso começa com o cuidado sobre as nossas próprias vidas e deve se estender pela
nossa igreja local.
A disciplina, aplicada em amor, pelas razões especificadas na Bíblia e com os objetivos que
ela prescreve, deve ser exercitada na esfera pessoal e apoiada e compreendida, quando já se
encontra na esfera do Conselho da Igreja, ou de outras autoridades superiores.
Nosso propósito é o de examinar alguns textos bíblicos que se relacionam com a disciplina na
igreja, entendendo o que eles pretendem nos ensinar. Alguns outros textos tratam igualmente
desse assunto, mas os que abordaremos são fundamentais à nossa compreensão. Com esse
exame, oramos para que sejamos despertados ao apreço pela pureza, tanto a nossa — como
indivíduos, como pela da igreja visível.
O PERIGO DA FALTA DE DISCIPLINA
Tendo participado da fundação de muitas igrejas e acompanhado de perto a vida de cada uma
delas, Paulo era um bom conhecedor dos seus problemas, bem como de disciplina. Ele tinha
plena convicção da necessidade de sua aplicação e dos problemas que podiam advir, quando ela
é esquecida. Nesse sentido, ele escreveu à igreja de Corinto (1 Co 5:1-13) alertando para os
perigos que se achavam presentes naquela igreja. Sob a inspiração do Espírito Santo, temos aqui
o registro de um incidente que iria servir de orientação para toda a igreja, em todas as épocas,
mostrando o que sobrevem quando a igreja é negligente na aplicação da disciplina. Nesse trecho
lemos:
1 Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre
os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai.
2 E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do
vosso meio quem tamanho ultraje praticou?
3 Eu, na verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como
se estivesse presente, que o autor de tal infâmia seja,
4 em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso
Senhor,
5 entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do
Senhor Jesus.
6 Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?
7 Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento.
Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado.
8 Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e
da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade.
9 Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros;
10 refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou
roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo.
11 Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for
impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem
ainda comais.
12 Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro?
13 Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.

Desse trecho da carta de Paulo aos Coríntios, podemos destacar alguns pontos principais, que
se apresentam como um alerta à igreja contemporânea e à nossa própria vida pessoal:
A) O pecado entra em choque com o caráter santo da igreja, mas ele ocorre no seu meio.
Às vezes achamos que ignorando as manifestações do pecado, ele irá embora. Em outras
ocasiões, pensamos que o envolvimento em atividades que são direcionadas a Deus; a utilização
de um linguajar santo, existente na igreja; ou os chavões evangélicos que incorporamos ao nosso
falar, são suficientes para caracterizar a ausência de pecado em nossa igreja local. Paulo não
tinha esse pensar. Ele nos ensina que essa questão deve ser atacada de frente. Não é negando a
realidade da existência dos pecados, na igreja ou em nossas vidas, que resolvemos o problema.
Por mais antagônicas que o pecado e as manifestações pecaminosas sejam ao ambiente gerado
e desfrutado pelo Povo de Deus, a realidade é que ele ocorre. Isso é verdade em nosso meio — o
pecado se manifesta nas pessoas, às vezes, nas quais menos se esperava tal proceder; ocorre,
igualmente, nas situações mais inexplicáveis e com uma intensidade inesperada —
semelhantemente ao que estava acontecendo na igreja de Corinto. Vemos isso no versículo 1,
onde Paulo diz: “...há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os
gentios…”. Ou seja, contrariando tudo aquilo que deveria caracterizar uma igreja, nela se
encontrava comportamento imoral da pior espécie. Isso não deveria chocar apenas os crentes.
Paulo diz que o que estava ocorrendo naquela igreja chocaria até a visão dissoluta dos
descrentes, dos gentios, que não tinham o menor conhecimento ou temor de Deus.
B) Muitos pecados atingem um estágio público e notório. A questão de chocar até os
descrentes não era uma mera possibilidade acadêmica. Semelhantemente ao que muitas vezes
ocorre em nosso meio evangélico para nossa vergonha, o escândalo, naquela igreja, já era
público. Extraímos isso da forma como Paulo inicia esse mesmo versículo 1. Ele começa com as
palavras: “Geralmente, se ouve que há entre vós…”. Isso quer dizer que a questão não era mais
privada, de mais fácil resolução e aconselhamento, mas já se espalhara, chegando até ao
conhecimento de Paulo, que se encontrava distante. “Geralmente”, de uma maneira generalizada,
difundida; “se ouve” — diz-se, falam por aí, comentam pelas ruas, ou abertamente nas praças.
Multiplicam-se os boatos. Afloram as evidências das falhas cometidas aqui e ali.
Para tristeza da igreja, muitos pecados são verdadeiros escândalos públicos. Por mais que
muitos pecadores em desrespeito às diretrizes divinas queiram afirmar — “a vida é minha”! Por
mais que muitos desses se revoltem com a “intromissão” alheia em suas vidas, a verdade é que o
pecado no seio da igreja raramente tem consequências meramente individuais. Além das pessoas
mais próximas atingidas pelo pecado, as reverberações contrárias ao testemunho têm um longo
raio de ação.
C) Acomodação e orgulho — Na igreja de Corinto a falta de ação contra aquele escândalo
público revelava acomodação da consciência individual e coletiva ao pecado. Este é um solene
aviso para nossas igrejas, também — a acomodação termina sendo uma forma de rebeldia e
soberba. No versículo 2, Paulo se espanta que aqueles irmãos “…não chegaram a lamentar”
toda aquela demonstração de vida em pecado. Paulo diz ainda que eles se achavam
“ensoberbecidos”, ou seja, se orgulhavam da postura tomada em vez de estarem conscientes do
pecado e do mal que era causado ao testemunho do evangelho. Quem sabe, diziam — “a nossa
igreja é pacífica, vivemos todos em harmonia, cada um cuida de sua vida…”. Tudo nessas
afirmações pode revelar acomodação com o pecado, fundamentada em um orgulho mortal. Por
isso é que Paulo, referindo-se à ausência de disciplina naquela igreja, escreve: “…não é boa a
vossa jactância…” (v.6). Eles nada haviam feito, portanto, para “…tirar do meio” o que havia
praticado aquilo que o próprio Paulo chama de “ultraje” e “infâmia” (v.3).
Quando a disciplina não é exercitada, nossas consciências vão sendo cauterizadas. Nos
conformamos ao modo de comportamento do mundo. Deixamos de nos chocar, de identificar o
contraste, com a forma de vida prescrita ao servo de Deus. Paulo prescreve que a ação correta era
a exclusão daquele membro (v. 5) — ele deveria ser “entregue a Satanás”, ou seja considerado
como descrente, pois o seu modo de vida não testemunhava qualquer conversão verdadeira.
Nessa condição estaria, portanto, não sob o domínio da igreja visível, mas sob o domínio de
Satanás. Neste momento, devemos enfatizar uma outra questão importante. Essa constatação e
formalização não era para ser feita individualmente; não cabia a um determinado membro da
igreja, ou a qualquer um, pronunciar o julgamento. A inferência é que essa decisão era uma
decisão corporativa. Nesse sentido, creio, as nossas decisões conciliares, as decisões do Conselho
da Igreja, observam e preservam esse espírito, ou seja, a igreja representada, reunida
corporativamente, pela autoridade e no poder de Cristo. No versículo 4 Paulo se inclui nesta
reunião, quando escreve: “…em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o
poder de Jesus, nosso Senhor…”.
D) O perigo especificado — Qual a consequência para a igreja, se continuasse abrigando o
pecado em seu seio? O que acontece com nossas igrejas, quando convivemos pacificamente com
o pecado? Paulo escreve (vv. 6 e 7): “…Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa
toda? Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem
fermento.” A igreja era para ser uma “massa sem fermento” — pura. A admissão de um pouco
de fermento, apenas, atingiria toda a massa. Como analogia, podemos dizer que uma igreja, nesta
situação, semelhantemente à massa levedada, pode até inchar e ter a aparência muito saudável e
atraente, mas deixa de ser “massa pura”. O ensino claro é que deixar que o comportamento
incompatível com a fé cristã permaneça no seio da igreja, sem disciplina, significa colocar em
risco a saúde espiritual de toda a comunidade.
E) As marcas da Igreja — Como é que a igreja deve ser conhecida pelos demais fiéis e pelos
observadores do mundo? Sabemos que a igreja abriga pecadores. Muitas vezes ela é referida
como um “hospital de pecadores”. Será que essa expressão está correta? Se falamos do prédio,
do local, verdadeiramente, na igreja, temos tanto os convertidos pelo evangelho da graça, como
não convertidos; temos tanto os interessados, como os interesseiros. Mas se por “igreja” nos
referimos à membresia na igreja visível, creio que estaria faltando a palavra “arrependidos” na
expressão — ou seja, a igreja poderia ser apresentada como um “hospital de pecadores
arrependidos”. Descrever a igreja apenas como um hospital pode confundir um pouco a questão.
A igreja não é a UTI de um hospital, não é o abrigo de pacientes terminais sobre os quais não
resta mais a mínima esperança; não é a ala de isolamento de uma doença contagiosa e incurável,
sobre a qual não existe a menor perspectiva de cura.
Se vamos utilizar a analogia de que a igreja é um “hospital de pecadores”, deveríamos
reconhecer que ela seria a ala de recuperação desse hospital. Uma ala cheia de pecadores
anteriormente marcados e condenados por sua condição incurável, mas agora milagrosamente em
fase de recuperação por causa do sangue de Cristo Jesus. Não havia esperança até que a
intervenção milagrosa foi realizada pelo Salvador. Esses pecadores, convictos de que o mal foi
extirpado, se esmeram no reconhecimento daquele que operou neles e se empenham nas seções
de recuperação, de fisioterapia, de higiene mental que o próprio autor da cura prescreveu. Alguns
negligenciam os passos de recuperação ou voltam aos focos de contágio e são por isso advertidos
e encaminhados de volta aos pontos que devem observar. Outros, inscrevem-se nessa ala,
declaram-se curados, mas a evidência transparece que a cura auto-proclamada não é real. Os
sintomas e os efeitos da doença estão presentes. Os responsáveis pelos setores daquela ala devem
reconhecer a ausência de cura naquele paciente, declarar isso publicamente aos demais, e
preservar o caráter de recuperação que caracteriza aquele ambiente, com a exclusão do doente
crônico e terminal. Paulo não admite a contaminação e, portanto, ensina (v. 8) que a igreja deve
ser conhecida pela “…sinceridade e verdade…” e não pelo “…fermento da maldade e da
malícia”.
F) O esclarecimento quanto à associação — Paulo reconhece que o mundo é constituído de
impuros. Ele diz que não está ensinando que a igreja deva se isolar do mundo. Existindo no
mundo, ela terá contato com “…avarentos, ou roubadores, ou idólatras…” (v.10). Mas ele
reforça que não deve haver “associação com impuros” (v.9) e explica a quem ele chama de
impuro, no versículo 11 — é aquele que “…dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou
idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador…”. Ou seja, é aquele que professa a fé cristã,
mas que tem comportamento imoral (“impuro”); ou o que tem afeição descabida pelas suas
próprias posses materiais (“avarento”); ou o que distorce a religião verdadeira por sua prática ou
ensinamentos (“idólatra”); ou o que tem o hábito de caluniar ou de espalhar boatos
(“maldizente”); ou o que está sob o domínio de substâncias que impedem o comportamento
racional (“beberrão”) — nas quais estão a bebida alcoólica e, certamente, no nosso contexto, as
drogas —, em vez de sob o controle do Espírito Santo; e, finalmente, o que demonstra ganância e
não respeita a propriedade alheia (“roubador”).
Infelizmente essa relação de pecados parece descrever muitos dos nossos membros em seus
estados atuais, não nas situações prévias à conversão. Nos esquecemos que a distinção é
colocada muito claramente pelo próprio Paulo, no capítulo seguinte (6) desta mesma carta à
igreja em Corinto, quando ele, após descrever várias classes de pecadores, nos versos 9 e 10,
coloca, no verso 11: “…e tais fostes alguns de vós; mas fostes lavados, mas fostes santificados,
mas fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus”. Paulo era
realista e sabia que a igreja era constituída de pecadores, mas pecadores resgatados e convertidos
de seus pecados. Tanto naquela época, como hoje, a distinção entre a igreja e o mundo necessita
ser clara e preservada pela aplicação da disciplina nos moldes da Palavra de Deus.
G) A rigidez da disciplina — A disciplina, portanto, não era algo opcional. Havia a
necessidade de se exercitar “julgamento interno” (v.12) contra o “malfeitor”, expulsando-o do
seio da igreja (v. 13). Esse julgamento deveria ser evidente a todos e deveria ser claramente
entendido pelo próprio disciplinado, isto é, ele deveria mesmo sentir que a comunhão fraterna
havia sido atingida pelo seu pecado. Por isso Paulo coloca essa determinação, que nos parece até
rígida demais: “com esse tal, nem ainda comais”. Mas qual seria a intenção de Paulo? Porque
tanta “dureza” aparente?
Muitas vezes nós mesmos, ou membros de nossas igrejas, até cheios de boas intenções,
confundem o desejo legítimo de restauração do disciplinado com um apoio pessoal que, no
cômputo final, se revela prejudicial ao mesmo. Muitos membros não se limitam a indicar, ao
disciplinado, que estão em oração por ele, mas colocam “panos quentes” na ação do Conselho;
diminuem a carga da disciplina; fazem tudo para parecer que as coisas estão normais — “a
amizade continua a mesma…”. Essa atitude para com os disciplinados, sendo alvos de um
aconchego e atenção, após a disciplina, não somente mina a autoridade da igreja, mas realmente
age contra o próprio bem do disciplinado. Ele deixa de sentir os efeitos danosos da falta de
comunhão que o seu pecado causou.
A advertência de Paulo é dura, mas devemos orar a Deus por sabedoria para saber como
aplicar essa exortação com relação a membros disciplinados por pecados graves nas nossas
igrejas. É necessário que eles sintam que algo mudou no relacionamento. A “amizade não pode
continuar a mesma”, se a base da comunhão — o Espírito Santo, está sendo desrespeitado ou
ignorado pelas ações do disciplinado. É necessário, até, que ele anela pela restauração da
situação prévia, mas que reconheça que o estágio de desconforto e rejeição foi causado
exatamente pelo seu próprio pecado. É preciso que a comunhão procedente do Espírito seja
restaurada de forma real e não apenas superficialmente. Isso se dará mediante o arrependimento
sincero e o verdadeiro testemunho de uma conversão real.
H) O objetivo final — Se a disciplina tem o objetivo inicial de demarcar claramente as linhas
e de enfatizar a pureza da igreja, o seu objetivo final nunca pode ser esquecido ou perdido de
vista — a restauração, a salvação do pecador restaurado. Paulo especifica isso no versículo 5:
“…a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus”. O objetivo era a salvação daquela
alma disciplinada. Essa deve ser também, a nossa visão: (1) consciência da necessidade da
disciplina; (2) percepção dos perigos da falta de aplicação; (3) apoio à sua aplicação precisa, no
comportamento anticristão contumaz; (4) oração e desejo de arrependimento ao disciplinado.
Assim foi na igreja de Corinto. Assim continua a ser até os nossos dias.

A AUTODISCIPLINA E O ENSINO DE JESUS SOBRE OS PASSOS DA DISCIPLINA


NA IGREJA
Jesus Cristo, em Mateus 18:15-22, nos deu de uma forma bem detalhada e inteligível os
passos necessários ao exercício da disciplina corporativa (na igreja). Entretanto, antes que o
pecado se concretize em ações contra alguém e antes que atinja um caráter público, a Palavra de
Deus nos dá admoestações sobre o exercício da autodisciplina. A palavra grega traduzida como
temperança ou autocontrole (egkratea — um dos aspectos do fruto do Espírito, em Gl 5:23)
significa, apropriadamente, a disciplina exercitada pela própria pessoa, quer como o
estabelecimento de limites próprios, que não devem ser ultrapassados, quer na avaliação dos
próprios pensamentos e atitudes que, se concretizados, prejudicarão alguém e desagradarão a
Deus. O livro de Provérbios nos fala sobre a importância de controlar nosso próprio espírito
(16:32), nossa língua (17:27 — “reter as palavras”) e nossa ira (19:11 — “tardio em irar-se” na
Corrigida). Certamente o exercício coerente da autodisciplina, na vida dos membros da igreja,
reduz a necessidade da disciplina eclesiástica.
O texto de Mateus 18:15-22, diz o seguinte:
15 Se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu
irmão.
16 Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo
depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça.
17 E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o
como gentio e publicano.
18 Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que
desligardes na terra terá sido desligado nos céus.
19 Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito
de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos
céus.
20 Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.
21 Então, Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará
contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?
22 Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.

Os passos ensinados pelo Nosso Senhor Jesus Cristo, para aplicação em nossa vida
comunitária, como membros da igreja visível, são esses:
A) Passo 1 — Contato individual, um a um. Em Mt 18:15, lemos: “Se teu irmão pecar
contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão”. Não devemos
esperar que a parte ofensora venha pedir perdão, quando pecar contra nós. Jesus nos ensina que
nós, quando ofendidos, devemos tomar a iniciativa para ter uma conversa discreta e individual
com o nosso ofensor. Essa admoestação, em si só, já é importante para o nosso crescimento em
santificação. Abordar ao ofensor vai contra o nosso orgulho, mas é uma atitude típica da
humildade que Cristo requer de nós, como cristãos. Cristo não oferece garantias de que teremos
sucesso, mas se o ofensor der ouvidos à nossa admoestação individual, ganhamos o irmão, no
sentido de que o impedimos de que ele cometesse pecados mais sérios contra outros, bem como
no sentido de que construímos um relacionamento mais sólido, em Cristo, com aquele irmão ou
irmã. Tiago 5:20 nos ensina: “Aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da
morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados”.
B) Passo 2 — Contato com dois ou três. O versículo 16 aprofunda o contato e o
envolvimento corporativo no processo de disciplina. Ele deve ocorrer se o contato individual for
infrutífero, se o irmão ou irmã não der ouvidos à abordagem prescrita anteriormente. O v. 16 diz:
“Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento
de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça”. Quando é a hora certa de passar do
passo 1 ao passo 2? Devemos pedir a Deus discernimento e sabedoria para ver quando não há
mais progresso no contato individual e está caracterizado que a parte ofensora não “quer ouvir”.
Nesse caso, a abordagem deve ser exercitada com mais uma ou duas pessoas, como
“testemunhas”. Serão testemunhas do problema ocorrido, ou testemunhas do contato que está
sendo realizado? Creio que não são testemunhas do problema, pois se existissem a questão já
seria pública e não segregada às duas pessoas, como indica o v. 15. São pessoas que deverão
testemunhar e participar do encaminhamento do processo de disciplina, da exortação, do
aconselhamento, objetivando que o faltoso “ouça”. Não são testemunhas silentes. O verso fala
do “depoimento” delas. Às vezes esses irmãos podem até discernir e esclarecer mal-entendidos,
falta de percepção ou sentimentos e até motivações errôneas (como ira, intolerância, inveja ou
vingança) na pessoa que se considera ofendida. Sendo esse o caso verifica-se a necessidade de
que essas questões e sentimentos sejam biblicamente trabalhados, antes que o processo de
confrontação seja levado à frente.
C) Passo 3 — Contato com a Igreja. O versículo 17 apresenta uma mudança enorme no
encaminhamento da questão. O faltoso recusou a admoestação individual e conjunta de dois ou
três membros. Jesus então determina: “…se ele não os atender, dize-o à igreja…”. O “dizer à
igreja”, em uma estrutura presbiteriana, equivale a relatar ao Conselho. Em uma estrutura
congregacional, a relatar à Assembleia. Em qualquer situação, o relato, agora, deve ser feito pelo
primeiro irmão ou irmã e pela outra ou outras testemunhas, envolvidas no Passo 2. A
continuidade da frase, nesse mesmo versículo, mostra que o propósito de “dizer à igreja”
continua sendo o de admoestação. Não é só uma questão de veicular notícias, mas visa a
exortação do ofensor, que agora será feita “pela igreja”, ou pelos representantes constituídos e
eleitos pela Igreja. Infelizmente, muitos pecados públicos e já amplamente divulgados no seio da
comunidade são tratados a partir desse estágio. Possivelmente aqueles mais próximos ao faltoso
não aplicaram os passos 1 e 2 ao primeiro sinal da ofensa. A igreja é surpreendida com o pecado
realizado, divulgado e comentado. Resta, aos oficiais, retomar o processo a partir desse passo.
Humanamente falando, quem sabe, pecados maiores não teriam sido evitados se a abordagem
individual, prescrita por Jesus, tivesse sido realizada.
D) Passo 4 — Exclusão. No final do versículo 17, Jesus diz “…se recusar ouvir também a
igreja, considera-o como gentio e publicano”. A recusa no atendimento das admoestações, a
atitude de arrogância e desafio às autoridades, retratada em 2 Pe 2:10-11 e Judas 7-8, deve levar
o faltoso à exclusão da igreja visível. Ele ou ela deve ser considerado como um descrente
(“gentio”) e deve cair da comunhão pessoal da mesma forma que os coletores de impostos
(“publicanos”) eram desprezados pelos judeus. Somente evidências de arrependimento e
conversão real poderão restaurar essa comunhão cortada pela disciplina. Com essa exclusão
vão-se também os privilégios de membro, como a participação na Santa Ceia, e os demais. Jesus
demonstra a necessidade de respaldar essa drástica atitude na sua própria autoridade e na do Pai.
Isso ele faz nos vv. 18-19, mostrando o seu acompanhamento e o do Pai, nas questões da igreja
que envolvem a preservação de sua pureza. Ele fecha essas instruções com a promessa de sua
presença na congregação do Povo de Deus (v. 20). Essas são palavras de grande encorajamento
para que a igreja não negligencie a aplicação do processo de disciplina, em cada um desses
passos.

OUTROS TEXTOS E PONTOS IMPORTANTES SOBRE A DISCIPLINA NA IGREJA


Necessitamos abordar outros pontos adicionais sobre a disciplina na igreja. Na igreja
contemporânea encontramos a aplicação de disciplina (quando exercitada) quase que
exclusivamente por pecados sexuais públicos. Alguns dos textos seguintes, entretanto, mostram
que a disciplina não se restringe apenas ao comportamento imoral ou que deve ser exercitada
somente contra aqueles que se envolvem no desvio da prática correta da sexualidade. Várias
situações clamam pelo exercício da disciplina:
A) A disciplina deve ser aplicada contra os que causam dissensão e divisão. Paulo, em Tt
2:15—3:11, diz o seguinte:
15 Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.
1 Lembra-lhes que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam obedientes, estejam
prontos para toda boa obra,
2 não difamem a ninguém; nem sejam altercadores, mas cordatos, dando provas de toda
cortesia, para com todos os homens.
3 Pois nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de toda
sorte de paixões e prazeres, vivendo em malícia e inveja, odiosos e odiando-nos uns aos
outros.
4 Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para
com todos,
5 não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou
mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo,
6 que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador,
7 a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da
vida eterna.
8 Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação, confiadamente,
para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras. Estas coisas são
excelentes e proveitosas aos homens.
9 Evita discussões insensatas, genealogias, contendas e debates sobre a lei; porque não têm
utilidade e são fúteis.
10 Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez,
11 pois sabes que tal pessoa está pervertida, e vive pecando, e por si mesma está condenada.

Note que Paulo está comissionando a Tito para que exerça sua autoridade, como líder da
igreja, ensinando, exortando e repreendendo os membros da igreja para que não sejam
difamadores e briguentos. Antes, devem ser obedientes, cordatos, corteses, não somente para
com os crentes, mas para com os descrentes também. Ele relembra a Tito que características
condenáveis já fizeram parte da personalidade e do modo de vida de muitos de nós, antes da
salvação, mas pela graça e misericórdia de Deus fomos regenerados pelo Espírito Santo e
transformados para as boas obras. Devemos, portanto evitar discussões fúteis e sobre assuntos
secundários ou que não levam a lugar nenhum. Nesse sentido, a pessoa facciosa, que quer causar
divisão, deve ser admoestada uma e duas vezes, mas depois disso deve ser evitada, ou seja,
excluída, por recusar as advertências e por preferir viver em pecado.
Não podemos compreender este “evitar”, no contexto da igreja, a não ser quando entendido
sob o prisma da disciplina formal, eclesiástica, corporativa e não individual. Nossas igrejas
convivem, entretanto, com pessoas em seu meio que demonstram exatamente esse tipo de
caráter. Lembro-me de uma pessoa, em uma das igrejas pelas quais passei, que era conhecida por
todos como faccioso, iracundo, descortês, sempre envolvido em alguma disputa insensata ou
inconsequente. As pessoas diziam: “ele é assim mesmo”. Creio que ele próprio dizia, para si
mesmo, “eu sou assim mesmo”. Nós nos esquecemos que o mesmo Deus que nos salvou, realiza
sua obra em nossas vidas. Nunca podemos “ser assim mesmo”, se isso não significa um traço
peculiar neutro de nossa personalidade. Se estamos nos referindo a manifestações pecaminosas
sistemáticas, a exteriorizações constantes do pecado que contariam o caráter do cristão e o fruto
do Espírito, devemos nos corrigir seguindo as prescrições da Palavra de Deus (Rm 12:1-2). Sem
a transformação, se demonstramos conformação com um caráter pecaminoso aceitável pelo
mundo, somos passíveis de disciplina da parte da igreja.
B) Os que ensinam doutrinas falsas bem como os que as praticam, devem ser
disciplinados. Novamente, Paulo, em Rm 16:17-20, ensina que a igreja deve afastar os que
causam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina por ele ensinada. Certamente isso se
aplica àqueles que distorcem a fé cristã verdadeira e que, em seu liberalismo teológico, rejeitam
pontos cardeais de doutrina. O texto diz:
17 Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em
desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles,
18 porque esses tais não servem a Cristo, nosso Senhor, e sim a seu próprio ventre; e, com
suaves palavras e lisonjas, enganam o coração dos incautos.
19 Pois a vossa obediência é conhecida por todos; por isso, me alegro a vosso respeito; e quero
que sejais sábios para o bem e símplices para o mal.
20 E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás. A graça de nosso
Senhor Jesus seja convosco.

Paulo especifica o perigo existente nas palavras daqueles que procuram os seus próprios
interesses, mas falam suavemente, com palavras de elogio, enganando o coração dos incautos.
Os que ensinam “em desacordo com a doutrina” devem ser alvo de cuidadosa disciplina,
especialmente se estão em posições de liderança na igreja, com o potencial de desencaminhar a
muitos. No livro de Malaquias (2:8-9) temos uma menção sobre essa responsabilidade dos
líderes: “Mas vós vos desviastes do caminho; a muitos fizestes tropeçar na lei; corrompestes o
pacto de Levi, diz o Senhor dos exércitos. Por isso também eu vos fiz desprezíveis, e indignos
diante de todo o povo, visto que não guardastes os meus caminhos...”
No livro de Apocalipse, 2:12-16, João registra as palavras de Cristo, advertindo a Igreja de
Pérgamo contra aqueles que procuram incitar o povo de Deus a práticas contraditórias à fé
Cristã. O versículo 17, do mesmo capítulo, mostra que o aviso é para todas as nossas igrejas. O
trecho diz:
12 Ao anjo da igreja em Pérgamo escreve: Estas coisas diz aquele que tem a espada afiada de
dois gumes:
13 Conheço o lugar em que habitas, onde está o trono de Satanás, e que conservas o meu nome
e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha testemunha, meu fiel, o qual foi
morto entre vós, onde Satanás habita.
14 Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina de
Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem
coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição.
15 Outrossim, também tu tens os que da mesma forma sustentam a doutrina dos nicolaítas.
16 Portanto, arrepende-te; e, se não, venho a ti sem demora e contra eles pelejarei com a
espada da minha boca.

A menção à doutrina de Balaão, no v. 14, identifica o ensinamento dos que possuem motivos
pessoais, rasteiros, aqueles que, mesmo com linguajar que aparenta honrar a Deus, não estão
preocupados com a santificação da igreja, mas se empenham em destruir as linhas demarcatórias
de comportamento que identificam o povo de Deus e os distingue do mundo. Na ocasião a
questão era o comer “coisas sacrificadas aos ídolos” e o envolvimento nos festivais pagãos que
envolviam a “prática da prostituição”. Em nossos dias não seria a adoção da cultura mundana do
prazer e da cobiça, no seio da igreja?
No trecho, a doutrina dos nicolaítas é igualmente condenada (v. 15). Essa é também uma
menção aos que advocavam uma vida dissoluta e imoral no seio da igreja. Na carta anterior (à
igreja de Éfeso) as obras dos nicolaítas foram condenadas. Agora a menção é contra a sua
doutrina. Tanto o ensinamento dissoluto como a prática mundana caem sob a condenação. É
importante verificarmos que a condenação e a chamada ao arrependimento vem para toda a
igreja (v. 14 e 16), por não exercitar a disciplina e por conservar tais pessoas em seu meio, não
apenas para os seus líderes. Não adianta colocar a culpa nos presbíteros e pastores; a
responsabilidade é individual, de cada um de nós.
A) A disciplina deve ser exercitada com precaução e deve ser divulgada. Em 1 Tm 5:19-
22, temos o ensinamento de que as denúncias devem ser substanciadas. Elas não devem ser
aceitas levianamente:
19 Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou
três testemunhas.
20 Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os
demais temam.
21 Conjuro-te, perante Deus, e Cristo Jesus, e os anjos eleitos, que guardes estes conselhos,
sem prevenção, nada fazendo com parcialidade.
22 A ninguém imponhas precipitadamente as mãos. Não te tornes cúmplice de pecados de
outrem. Conserva-te a ti mesmo puro.

Cautela é prescrita especificamente para as denúncias contra os oficiais (v. 19 — “duas ou três
testemunhas”), mas o princípio de que deve haver substância e provas, nas denúncias, é
genérico. O outro ensino desse trecho é de que a disciplina dos que “vivem no pecado” (v. 20) se
exercite “na presença de todos”. Isso significa que ela não deve ser alvo de uma resolução
velada, apenas. A disciplina aplicada deve ser divulgada a toda igreja, com toda seriedade e
propriedade que o caso requer. Paulo dá uma razão para isso — “para que também os demais
temam”. A disciplina tem essa característica didática de proclamar e provocar o temor do
Senhor, livrando membros do pecado para uma vida em santidade e conformidade com a pureza
de Cristo.
Os cuidados exagerados, nos dias de hoje, com “os direitos do disciplinado”, com a imagem
pessoal do indivíduo, terminam por levar a aplicação de uma disciplina em segredo, que
contraria essas determinações da Palavra de Deus, e que contribui para diminuir a sua eficácia.
Um outro aspecto deve ser abordado aqui. Trata-se do caso de pessoas que foram
protagonistas de pecados públicos e notórios, às vezes sérios e comprometedores do testemunho,
mas que, ao serem chamadas à disciplina, já se encontram acometidas do verdadeiro
arrependimento. Será legítima a aplicação de disciplina, nesses casos? Não é o arrependimento
evidente e suficiente? Não há injustiça, no afastamento da comunhão, nesses casos? Se o
arrependimento real faz parte da postura desse crente em questão, concordamos que um dos
objetivos da disciplina já teria sido atingido. Entretanto, a responsabilidade da igreja institucional
é aferir as manifestações externas — ela não pode penetrar no foro íntimo, só Deus. Nesse
sentido é apropriado um período de observação, para que haja a constatação e permanência da
contrição verdadeira; para que se verifique a verdadeira humildade, na submissão ao governo da
igreja. Acima de tudo, acreditamos, se o pecado foi público e causou danos ao testemunho, o
objetivo abordado por este ponto que estamos discutindo — a disciplina como uma ação
desencorajadora ao pecado dos outros fiéis (“para que também os demais temam”) ainda poderá
ser atendido, com a disciplina mesmo do arrependido (que deverá ser branda, mas notória).
Nesse sentido, muitos Conselhos entendem que o Código de Disciplina da igreja faculta a
suspensão, ou afastamento, por tempo determinado. Este é um ponto controvertido, pois vários
entendem que o afastamento deveria ser sempre indeterminado. Mas quando o propósito é deixar
evidente a reação da igreja ao pecado, mesmo quando o arrependimento já se fez presente ou
quando a reversão do mal praticado não é mais possível, cremos que o Código de Disciplina
abriga a suspensão por tempo determinado.2
A) A disciplina deve ser exercitada em amor e o seu objetivo final é o arrependimento do
disciplinado. Dois trechos nos falam a esse respeito. O primeiro é 2 Ts 3:6-15:
6 Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo
irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebestes;
7 pois vós mesmos estais cientes do modo por que vos convém imitar-nos, visto que nunca nos
portamos desordenadamente entre vós,
8 nem jamais comemos pão à custa de outrem; pelo contrário, em labor e fadiga, de noite e de
dia, trabalhamos, a fim de não sermos pesados a nenhum de vós;
9 não porque não tivéssemos esse direito, mas por termos em vista oferecer-vos exemplo em
nós mesmos, para nos imitardes.
10 Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar, também
não coma.
11 Pois, de fato, estamos informados de que, entre vós, há pessoas que andam
desordenadamente, não trabalhando; antes, se intrometem na vida alheia.
12 A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando
tranquilamente, comam o seu próprio pão.
13 E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem.
14 Caso alguém não preste obediência à nossa palavra dada por esta epístola, notai-o; nem vos
associeis com ele, para que fique envergonhado.
15 Todavia, não o considereis por inimigo, mas adverti-o como irmão.

Paulo enfatiza a necessidade de afastamento de “qualquer irmão que ande


desordenadamente”, contrário aos ensinamentos que recebeu (v. 6). O exemplo dado por Paulo é
para aqueles que se acomodam no ócio, se tornam um peso para os outros e passam a ocupar
suas vidas se “intrometendo na vida alheia” (v.11). Esses, e aqueles que “não prestarem
obediência” à palavra dada por Paulo, na sua carta, deve ser disciplinado (v. 14). Paulo indica
que não deve haver “associação” com o faltoso e ele dá uma razão para tal: “para que fique
envergonhado”, ou seja, para que se conscientize de sua falha e, sob humilhação perante a
disciplina exercitada pela igreja, se arrependa. Esse trecho é encerrado com as seguintes palavras
de cautela (v. 15): “Todavia, não o considereis por inimigo, mas adverti-o como irmão”.
Notemos que um ponto chave ao arrependimento verdadeiro, é a vergonha, na face da igreja e
de Cristo, pelo pecado cometido. Vemos, também, que não há lugar para ódio, para julgamento
apressado, para vingança rasteira. A disciplina, aplicada da forma bíblica, é disciplina exercitada
em amor e na esperança de que Deus concederá a convicção e o arrependimento. O segundo
texto é 2 Tm 2:22-26:
22 Foge, outrossim, das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, o amor e a paz com os que,
de coração puro, invocam o Senhor.
23 E repele as questões insensatas e absurdas, pois sabes que só engendram contendas.
24 Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando para
com todos, apto para instruir, paciente,
25 disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não
só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade,
26 mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos
cativos por ele para cumprirem a sua vontade.

Nesse trecho Paulo volta a reforçar que o caminhar cristão deve ser o seguir “a justiça, a fé, o
amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor” (v. 22). Nesse sentido as
“questões insensatas e absurdas” devem ser não somente evitadas, como repelidas, quando
introduzidas no seio da igreja (v. 23), pois só geram contendas. Contenda não deve fazer parte
da postura do servo de Deus. Esse deve ser brando e capaz de ensinar com paciência (v. 24). A
disciplina deve ser exercitada em mansidão (v. 25), com o objetivo de que Deus conceda aos
disciplinados “não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o
retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para
cumprirem a sua vontade” (v. 26).
Esse retorno à sensatez significa, se estamos fora dos caminhos de Deus, a percepção de que o
pecado, na vida do cristão, representa um corpo estranho, um modo de vida incompatível com o
seu chamado e com a sua missão. Significa o reconhecimento de que nada somos. Significa
abrirmos mãos de todos os nossos pretensos direitos. Significa reconhecermos que merecemos
realmente o pior e que fizemos por merecer até a incompreensão e rejeição de muitos. Significa
nos jogarmos, sem reservas e sem demandas, nas misericórdias de Deus, suplicando o derramar
abundante de sua bondade sobre as nossas vidas, mas sem qualquer reivindicação de nossa parte.
Como essa sensatez é difícil de ser atingida, por alguns que se dizem arrependidos! Muitas
vezes, em paralelo à admissão de pecado, ouve-se quase que simultaneamente uma justificativa
qualquer: “Errar é humano…”; “Mas Davi também pecou…”; “Conheço tantos que têm o
mesmo pecado…”; “Ninguém foi me visitar…”. Temos a tendência de achar justificativas mil,
de racionalizarmos nossas ações, de procurarmos explicações para o inexplicável. Damos uma de
“revoltados”, quando somos alvo de disciplina. Jogamos a culpa no pastor, no Conselho, nos
amigos, procurando e denunciando suas áreas de fraqueza para tirar o enfoque do fato que,
naquela situação, aqueles que nos advertem estão anunciando e cumprindo a Palavra de Deus, e
não exercitando suas próprias opiniões. Tudo isso é evidência de que ainda estamos trilhando o
caminho de Satanás; ainda estamos presos aos laços do diabo; o verdadeiro arrependimento
ainda se encontra à frente.
O objetivo final da disciplina é a restauração do disciplinado e isso se dá, com o retorno à
sensatez; com a constatação da gravidade do nosso pecado; com a confissão e o arrependimento
verdadeiro.

CONCLUSÃO
Vivemos em uma era sem restrições e sem limites. Por isso, talvez, a questão da disciplina na
igreja é tão incompreendida e até negligenciada. Muitos questionam o direito de aplicação da
disciplina — “com que direito?” Outros se revoltam quando a recebem. É preciso que saibamos
que o direito e a autoridade procede do Senhor da Igreja, que a comandou. É preciso que nossos
olhos sejam abertos para que verifiquem que a rejeição à disciplina é um grande mal para aquele
que a rejeita. A recusa em sua aceitação ou a revolta significa agir contra o objetivo maior, que é
o reconhecimento do pecado, o arrependimento sincero e a restauração à plena comunhão da
igreja visível.
A Confissão de Fé de Westminster registra a importância da disciplina trazendo todo um
capítulo (XXX) sobre a questão. As seções III e IV, mostra a sabedoria e o embasamento bíblico
dos teólogos que escreveram a Confissão. Eles dizem o seguinte:

“As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e ganhar para Cristo os irmãos
ofensores, para impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para purgar o velho
fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra de Cristo e a santa
profissão do Evangelho e para evitar a ira de Deus, a qual com justiça poderia cair sobre a
Igreja, se ela permitisse que o pacto divino e os selos dele fossem profanados por ofensores
notórios e obstinados.3 Para melhor conseguir estes fins, os oficiais da Igreja devem proceder
na seguinte ordem, segundo a natureza do crime e demérito da pessoa: repreensão, suspensão
do sacramento da Ceia do Senhor e exclusão da Igreja”.4

Neste capítulo, examinamos textos bíblicos que falam claramente sobre a necessidade de
preservarmos nossas vidas em sintonia com as diretrizes de Deus, em santificação e pureza,
contribuindo para a edificação do corpo de Cristo. Esses mesmos textos especificam a
necessidade de disciplina, que vai desde a autodisciplina, partindo para a admoestação individual
e chegando até a exclusão. O testemunho da igreja demanda fidelidade às diretrizes bíblicas,
nesse sentido. Num mundo sem regras, Deus, em sua misericórdia, coloca a sua igreja como
baluarte para que os seus padrões sejam reforçados e seguidos. Supliquemos que Deus nos
preserve em pureza, na plena comunhão de sua igreja e que compreendamos e defendamos o
exercício da disciplina, quando necessária.

A Confissão de Fé Belga é um dos três documentos conhecidos como “As Três Formas de Unidade” (os outros dois são o
Catecismo de Heidelberg , 1563, e Os Cânones de Dordrecht, ou Dordt, 1619) adotados por muitas igrejas Reformadas. Ela diz o
seguinte, sobre essa questão, em seu Artigo 29: “As marcas pelas quais a verdadeira igreja é conhecida, são estas: Se nela se
prega a pura doutrina do evangelho; se os sacramentos são administrados de maneira pura, conforme instituídos por Cristo; se
a disciplina eclesiástica é exercida como punição ao pecado: resumindo, se todas essas questões são administradas de acordo
com a pura Palavra de Deus, rejeitando-se todas as coisas que contrariam isso; e se Jesus Cristo for reconhecido como o único
Cabeça da Igreja. Por essas características pode-se, com certeza, conhecer a verdadeira igreja, da qual nenhuma pessoa tem o
direito de se separar”.
O Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil, em seu capítulo III, art. 9.º, indica os tipos de penalidade que podem ser
aplicadas, conforme o caso e a ofensa: A primeira é a Admoestação — que deve ser aplicada verbalmente ou por escrito. A
segunda é Afastamento — Ou seja o impedimento de participação na comunhão; o impedimento do exercício do ofício (para
oficiais — se for o caso, diz o Código, também da comunhão da igreja). Esse afastamento seria por tempo indeterminado, até
prova do arrependimento, ou até que pena mais severa fosse aplicada, dependendo do caso. Ocorre que o Art. 134 trata da
restauração do disciplinado e fala da possibilidade de “ter sido aplicada penalidade com prazo determinado”. Por esse artigo,
então, é perfeitamente possível o afastamento por prazo determinado (alíneas “a” e parágrafo único). As duas últimas
penalidades especificadas são: Exclusão — Quando o membro for incorrigível ou contumaz, representando a exclusão do rolde
membros; e Deposição — do ofício (refere-se aos casos de ministros, presbíteros ou diáconos).
1 Co 5; 1 Tm 5:20; 1 Tm 1:20; Jd 23
Mt 18:17; 1 Ts 5:12; 2 Ts 3:6,14-15; 1 Co 5:4-13
Valdeci da Silva Santos

Disciplia na Igreja:Ordenança e Bênção

INTRODUÇÃO
Disciplina eclesiástica é um termo em risco de extinção no atual vocabulário cristão. Desde que
os princípios do pós-modernismo encontraram lugar no seio da igreja,1 qualquer conceito que
ameace o individualismo e a liberdade de escolha quanto ao estilo de vida, comportamento, etc.,
é logo taxado de arcaico, passé. A dicotomia prática de muitos cristãos gera a ilusão de que a
igreja não tem nada a ver com o procedimento “secular” de seus membros. Nessa “nova era”
antropocêntrica, a igreja é vista como uma organização altamente dependente do indivíduo, e que
precisa conservá-lo ao custo de várias exceções. O medo da impopularidade leva muitos líderes à
cumplicidade e pecados são justificados em nome de uma atitude mais “humana.”2 Por outro
lado, o que dizer daqueles que, em nome do zelo pela disciplina, cometeram injustiças e
causaram mais males que bens?3 Em todo esse contexto, a disciplina tem uma vida curta e a
tolerância consagra-se como a virtude da moda.4 Porém, o que acontece com uma igreja sem
disciplina?
O termo “disciplina,” em geral, é empregado em vários sentidos. Podemos usá-lo para referir-
nos a uma área de ensino, ao exercício da ordem, ao exercício da piedade5 ou a medidas
corretivas no seio da igreja. O objetivo deste artigo é delinear alguns fatores da importância da
disciplina eclesiástica entre os membros do corpo de Cristo. O autor está plenamente consciente
de que um artigo como este não coloca um ponto final no diálogo sobre o assunto. Porém, o que
motiva esta reflexão é a esperança de que a mesma seja útil para elucidar a muitos quanto ao
aspecto bíblico-teológico da disciplina.

I. ERRANDO O ALVO
A igreja cristã tem sido acusada de ser o único exército que atira nos seus feridos.6 O grau de
verdade dessa acusação é, muitas vezes, devido a mal-entendidos com relação à disciplina
eclesiástica. Tais mal-entendidos estão presentes em pelo menos dois grupos: 1) os que aplicam a
disciplina, e 2) os que sofrem a aplicação da mesma. Como cada caso deve ser analisado
individualmente, só nos cabe aqui listar os mal-entendidos mais comuns em relação à disciplina
eclesiástica.

A. DISCIPLINA E DESPOTISMO
Com a subida ao poder do Partido Nacional na África do Sul, em 1948, a segregação foi
legalizada em nome da disciplina. Como resultado, foi sancionado o aprisionamento de negros
sem nenhum julgamento formal.7 Isso não foi disciplina, mas despotismo.
A história da Igreja Medieval apresenta uma vasta galeria de ilustrações da confusão entre o
uso da disciplina e o exercício do despotismo.8 Seria isto apenas um fenômeno do passado?
Infelizmente basta familiarizar-se com os círculos eclesiásticos para se descobrir que o espírito
medieval ainda está vivo e ativo na mente e atitude de alguns líderes modernos. Há aqueles que,
como resultado da ganância pelo poder, seguem o caminho de Balaão e amam a injustiça (2 Pe
2:13,15). Esses estarão sempre prontos a “disciplinar” por motivos interesseiros (Jd 16). Não se
deve esquecer, porém, que a culpa de Edom consistiu no fato de que “perseguiu o seu irmão à
espada, e baniu toda a misericórdia; e a sua ira não cessou de despedaçar, e reteve a sua
indignação para sempre” (Amós 1:11).

B. DISCIPLINA E DISCRIMINAÇÃO
A confusa identificação entre disciplina e discriminação pode ser vista sob dois aspectos: 1) no
abandono do disciplinado por parte da igreja, e 2) na recusa do disciplinado em receber a
disciplina. Para se evitar o primeiro erro é imprescindível que a família cristã não desista de um
dos seus membros que caiu. Paulo exorta a igreja para que manifeste perdão, conforto e
reafirmação de amor para com o arrependido, para que “o mesmo não seja consumido por
excessiva tristeza” (2 Co 2:7-8). Outra razão para esta exortação é para que “Satanás não alcance
vantagem” sobre a igreja, criando amargura, discórdia e dissensão (v. 11).
Há sempre a possibilidade de que o disciplinado não se submeta à disciplina, e acuse a igreja
de discriminação. Tal atitude apenas manifesta ignorância e estupidez (Pv 12:1 — tradução
literal). Segundo as Escrituras, é o pecado e a determinação em segui-lo que gera discriminação,
e não a disciplina (1 Co 5:5 e 1 Tm 1:20).

C. DISCIPLINA E ARBITRARIEDADE
“Com que direito fizeram isso?” Tal é a pergunta que constantemente se ouve em casos de
disciplina. Essa pergunta revela um mal-entendido comum entre disciplina e arbitrariedade. Ou
seja, é como se aqueles que aplicam a disciplina não tivessem nenhum direito de fazer tal coisa
debaixo do sol. “Aliás,” alguns argumentariam, “não somos todos pecadores?”
Primeiramente, é preciso lembrar que toda atitude pecaminosa precisa ser corrigida, mas há
algumas que requerem correção pública. Por exemplo, em Mateus 18:16-17 o evangelista fala
daqueles que se recusam a abandonar o pecado mesmo diante de uma amorosa exortação
pessoal. Na sua Primeira Carta aos Coríntios 5:1-13, Paulo descreve as pessoas cujas práticas
trazem escândalo à igreja, e na Primeira Carta a Timóteo 1:20, na Segunda Carta a Timóteo 2:17-
18 e na Segunda Carta de João 9–11 são mencionados os que dissimulam ensinos contrários ao
Evangelho. Por outro lado, na Carta aos Romanos 16:17 o apóstolo recomenda disciplina aos que
causam divisões na igreja e, ao escrever a Segunda Carta aos Tessalonicenses 3:6-10 ele
prescreve disciplina eclesiástica para aqueles que se deleitam na preguiça. Há um princípio claro:
“Os pecados que foram explicitamente disciplinados no Novo Testamento eram conhecidos
publicamente e externamente evidentes, e muitos deles haviam continuado por um período de
tempo.”9
Com relação à autoridade, é importante lembrar que a autoridade na disciplina nunca vem
daquele que a aplica, mas daquele que a ordenou, ou seja, o Cabeça e Senhor da Igreja (Ef 1:22-
23). Além do mais, a pergunta a ser feita dever ser: “Com que direito um membro da Igreja do
Cordeiro profana o sangue da aliança e ultraja o Espírito da graça?” (Hb 10:29). Também, “Que
direito temos nós de tomar o corpo de Cristo e fazê-lo um com a prostituição?” (1 Co 6:15).
Nenhum direito nos é dado, mas sim a responsabilidade de amar o pecador e vigiar para que
também não caiamos (1 Co 10:12).
Concluindo, somente a ignorância, equívocos, ou dureza de coração poderiam levar alguém a
deturpar os princípios bíblicos sobre a disciplina eclesiástica e justificar sua ausência entre os
membros do corpo de Cristo.

II. O ENSINO BÍBLICO


A. A NECESSIDADE DA DISCIPLINA
Aquele que ordena a disciplina na igreja é o mesmo que estabelece o padrão a ser seguido no
exercício da mesma. Esse padrão consiste primeiramente em amor paternal (Hb 12:4-13). É certo
que o mundo vê a disciplina como expressão de ira e hostilidade, mas as Escrituras mostram que
a disciplina de Deus é um exercício do seu amor por seus filhos. Amor e disciplina possuem
conexão vital (Ap 3:19). Além do mais, disciplina envolve relacionamento familiar (Hb. 12:7-9),
e quando os cristãos recebem disciplina divina, o Pai celestial está apenas tratando-os como seus
filhos. Deus não disciplina bastardos, ou seja, filhos ilegítimos (v. 8). O padrão de disciplina
divina revela também maravilhosos benefícios. A disciplina que vem do Senhor “é para o nosso
bem (v. 10).” Ainda que seja inicialmente doloroso receber disciplina, a mesma produz paz e
retidão (v. 11). O v. 13 ensina que o propósito de Deus em disciplinar não é o de incapacitar
permanentemente o pecador, mas antes de restaurá-lo à saúde espiritual.
O termo hebraico é usado no Antigo Testamento como sinônimo de “instruir” (Pv 1:3, 8),
“corrigir” (Pv 22:15 e 23:13) ou “castigar” (Is 53:5). No Novo Testamento, o grego paideia
possui sentido semelhante e é frequentemente usado na analogia entre a disciplina dos filhos por
seus pais e a correção que vem do Senhor (ver Hb 12:1-10 e Ap 3:19). Nesse sentido, disciplina e
sabedoria estão intimamente ligadas nas Escrituras (Sl 50:17; Pv 1:1-2 e 15:32). A correção é
fonte de esperança para os que a aplicam e vida para aqueles que a recebem corretamente (Pv
19:18 e 4:13). A correta disciplina deve ser sempre aplicada com amor e não com ira (Pv 13:24).
Segundo as Escrituras, a disciplina na igreja está fundamentada não apenas no exercício do
bom senso, mas principalmente nos imperativos do Senhor. O mandato bíblico referente à
disciplina é encontrado especialmente no ensino de Jesus (Mt 18:15-17) e nos escritos de Paulo
(1 Co 5:1-13). Também, há clara referência bíblica de que a igreja que negligencia o exercício
desse mandato compromete não apenas sua eficiência espiritual mas sua própria existência. A
igreja sem disciplina é uma igreja sem pureza (Ef 5:25-27) e sem poder (Js 7:11-12a). A igreja de
Tiatira foi repreendida devido à sua flexibilidade moral (Ap 2:20-24).

B. OS PASSOS DA DISCIPLINA
Biblicamente, a disciplina na igreja tem um triplo objetivo: 1) restabelecer o pecador (Mt
18:15; 1 Co 5:5 e Gl 6:1); 2) manter a pureza da igreja (1 Co 5:6-8) e 3) dissuadir outros (1 Tm
5:20). É este triplo propósito que aponta para os passos a serem seguidos em uma aplicação
correta da disciplina eclesiástica. Esses passos são especialmente mencionados em Mateus
18:15-17.
1. Abordagem individual
O v. 15 (Se teu irmão pecar vai argui-lo entre ti e ele só…) ensina que a confrontação é um
tarefa cristã. Uma das melhores coisas a se fazer por um irmão em pecado é confrontá-lo em
amor (Pv 27:5-6). Mas é sempre arriscado confrontar alguém, pois nunca se pode prever a reação
do mesmo. Jesus, todavia, dirige nossa atenção para a alegre possibilidade de que tal irmão nos
ouça. Além do mais, o termo grego ελεγξον (“arguir, instruir, confrontar,” v. 15) também pode
ser traduzido como “trazer à luz, expor.”10 É significativo o fato de que esse é o mesmo termo
usado em João 16:8 para descrever o ministério do Espírito em relação àqueles que estão no
mundo, em convencê-los (confrontá-los) “do pecado, da justiça, e do juízo.” Assim, antes de
confrontar um irmão, podemos sempre clamar por socorro Àquele cujo ministério de
confrontação é sempre eficaz.
2. Admoestação privada
No caso de o ofensor não atender à confrontação individual, Jesus ordena que haja
admoestação privada (v. 16). Nesse caso, um número maior de pessoas é envolvido. A princípio,
pode parecer que o objetivo desse passo é intimidar o ofensor. Uma atenção maior, porém, leva-
nos a entender que o propósito do mesmo pode ser o de conscientizar o ofensor quanto aos
prejuízos de sua atitude para com a comunidade do corpo de Cristo. Em outras palavras, nosso
pecado traz consequências pessoais e coletivas. Além do mais, Jesus afirma que as outras
pessoas envolvidas nesse processo serão testemunhas. Isto é uma referência à prática
veterotestamentária de não se condenar alguém com base apenas em uma opinião pessoal (ver
Nm 35:30, Dt 17:6 e 19:15). Com isto, a objetividade do caso é preservada, o que diminui as
chances de injustiça, e o ofensor é beneficiado.
3. Pronunciamento público (v. 17)
Tal proceder nunca é violação de segredos, pois o ofensor deliberadamente recusou os
caminhos prévios do arrependimento. Diante de tal pronunciamento cada membro do corpo de
Cristo deve orar pelo pecador, evitar comentários desnecessários (2 Ts 3:14-15) e vigiar a si
próprio (1 Co 10:12). Tal oficialização pública da disciplina traz implicações temporárias em
relação aos sacramentos (1 Co 11:27).11
4. Exclusão pública
O último recurso da disciplina é o da excomunhão (do latim ex, “fora,” e communicare,
“comunicar”), na qual o ofensor é privado de todos os benefícios da comunhão. Nesse caso, o
ofensor é tido como gentio (a quem não era permitido entrar nos átrios sagrados do templo do
Senhor) e publicano (que eram considerados traidores e apóstatas: Lc 19:2-10). Com estes não há
mais comunhão cristã, pois deliberadamente recusam os princípios da vida cristã (1 Co 5:11). Se
o seu pecado é heresia, ou seja, o desvio doutrinário das verdades fundamentais ensinadas nas
Escrituras, eles não devem nem mesmo ser recebidos em casa (2 Jo 10-11).
É claro que cada um desses passos envolve dor, tempo, amor e transparência. Nenhum deles é
agradável e eles só prosseguem diante de dureza de coração do ofensor, ou seja, a recusa ao
arrependimento. Há porém o conforto de saber que a presença e o poder de Jesus são reais
mesmo no contexto desse processo (Mt 18:19-20). Assim, a disciplina eclesiástica “não é uma
atividade a ser realizada facilmente, mas algo a ser conduzido na presença do Senhor.”12

III. IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS


Sem a intenção de limitar, mas tão somente de elucidar, oferecemos três tópicos teológicos que
estão vitalmente ligados ao processo da disciplina eclesiástica.

A. DISCIPLINA E A ADORAÇÃO CRISTÃ


A verdadeira adoração “é a mais nobre atividade de que o homem, pela graça de Deus, é
capaz.”13 A exclusiva adoração a Deus é um mandato divino (Mt 4:10 e Ap 19:10), é uma marca
da fé salvadora (Fp 3:3), e deve seguir os princípios revelados por Deus em sua Palavra.14 Um
princípio essencial da adoração cristã é o zelo pela santidade do nome do Senhor (Ex 20:7 e Mt
6:9). A negligência do povo de Deus quanto aos mandamentos do Senhor motiva os incrédulos a
blasfemar o nome de Deus (Rm 2:24). Assim, o zelo pela santidade do nome de Deus implica
diretamente no exercício da disciplina eclesiástica. Uma igreja adoradora e ao mesmo tempo
tolerante para com o pecado no seu seio é uma contradição de termos e recebe a repreensão do
Senhor (Ap 2:18-29).

B. DISCIPLINA E AS MARCAS DA IGREJA


A Reforma Protestante do século XVI considerou importantíssima para a teologia cristã a
seguinte questão: Como distinguir entre a igreja verdadeira e a falsa? Em outras palavras, quais
são as marcas da verdadeira igreja cristã? Para o reformador João Calvino, tais marcas consistem
da proclamação da Palavra, da administração dos sacramentos e do exercício da disciplina
eclesiástica. Segundo ele, “aqueles que pensam que a igreja pode sobreviver por longo tempo
sem disciplina estão enganados; a menos que pensemos que podemos omitir um recurso que o
Senhor considerou necessário para nós.”15 Nesse sentido, “a disciplina eclesiástica é tão
necessária quanto os ligamentos do corpo humano, ou como a disciplina em família.”16
Sendo que Cristo deseja sua igreja “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém
santa e sem defeito” (Ef 5:27), a disciplina eclesiástica é altamente relevante, pois é um meio
instituído por Deus para manter pura a sua igreja. O servo de Deus sempre deve almejar a pureza
da noiva do Cordeiro (2 Co 11:1-3), mesmo diante da possibilidade da sua contaminação pelo
mundo.

C. DISCIPLINA E EVANGELISMO
A disciplina evidencia o amor cristão pelo pecador, ainda que esse pecador seja um dos
membros da igreja. Esse amor pelo pecador cristão também reflete o amor da mesma pelo
pecador incrédulo. A disciplina eclesiástica ressalta a seriedade do pecado. Sem a visão dessa
seriedade, a igreja não é corretamente motivada a buscar a redenção do pecador. Há uma relação
entre disciplina eclesiástica e evangelismo.
Uma igreja sem disciplina torna-se um impecilho para o avanço do evangelho. Essa relação
vital entre evangelismo e disciplina é clara à luz de 1 Co 5:12-13. O evangelismo é dirigido aos
que estão fora dos portões da igreja e que estão escravizados pelo pecado. A disciplina é dirigida
àqueles que estão dentro dos portões da igreja e que estão se sujeitando ao domínio do pecado.
Assim, ambos (evangelismo e disciplina) almejam a liberdade do pecador e a concretização do
triunfo histórico da graça sobre o pecado na vida do mesmo (Rm. 6:1-23). Uma igreja sem
disciplina proclama uma liberdade desconhecida, ou rejeitada, pelos seus próprios membros.
Como diz Barnes, “há pouca vantagem em uma greja que tenta vencer o mundo se ela já tem se
rendido ao mundo.”17

CONCLUSÃO
Laney adverte para o fato de que “a disciplina é como um medicamento muito forte: pode trazer
a cura ou causar maior dano.”18 Nenhum profissional médico, porém, se recusa a aplicar um
medicamento que pode curar o seu paciente apenas porque o mesmo é forte. Também, nenhum
doente faz opção pela morte ou pela continuidade da doença se a vida e a cura podem estar tão
próximas.
Uma séria reflexão bíblica sobre a disciplina eclesiástica evidencia dois princípios básicos.
Primeiro, que a disciplina na igreja não é uma opção, mas sim uma ordenança e,
consequentemente, uma bênção divina (Hb 12:5-7). Segundo, que a disciplina requer profundo
amor por parte da igreja que a aplica e semelhante humildade e quebrantamento por parte
daquele que é disciplinado (2 Co 2:5-11).

Ver Os Guinness, Dining With the Devil: The Megachurch Movement Flirts With Modernity (Grand Rapids: Baker, 1993).
Ver Guilherme de Barros, “O Pastor da Esquerda Evangélica,” Vinde (Julho 1997): 7-12. Nessa entrevista, o bispo Robson
Cavalcanti teoriza sobre casos em que a poligamia poderia ser considerada uma atitude mais humana. O presente autor discorda
do bispo e crê que a questão retórica a ser levantada não é se condenar a poligamia “seria humano,” mas sim se a prática atual da
mesma “é bíblica.”
Essa é uma constante referência à obra clássica de Nathaniel Howthorne, The Scarlet Letter.
Josh N.D. McDowell, Tolerating the Intolerable: A Mandate of Love (Wheaton, Illinois: Josh McDowell Ministry).
Richard J. Foster, Celebração da Disciplina: O Caminho do Crescimento Espiritual, trad. Luiz Aparecido Caruso (São Paulo:
Vida, 1983).
Carl J. Laney, “The Biblical Practice of Church Discipline,” Biblioteca Sacra (Outubro-Dezembro 1986): 353-64.
Compton’s Interactive Encyclopedia, 1997 (The Learning Company, Inc. CD).
Justo L. González, The Story of Christianity (Nova York: HarperSanFrancisco, 1984), 277-359.
Wayne Grudem, Systematic Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1994), 896. Minha tradução. A única exceção a esse princípio
foi “o pecado secreto de Ananias e Safira (At 5:1-11). Nesse sentido a atuação extraordinária do Espírito Santo resultou em
grande temor entre os membros da igreja.”
F. F. Bruce, ed., Vine’s Expository Dictionary of Old and New Testament Words (Nova Jersey: Fleming H. Revell, 1981), 283-4.
R. N. Caswell, “Discipline,” em New Dictionary of Theology, eds. S. B. Ferguson, D. F. Wright, e J. I. Packer (Downers Grove:
InterVarsity, 1988), 200.
Grudem, Systematic Theology, 898. Minha tradução.
John R. W. Stott, Christ the Controversialist: A Study in Some Essentials of Evangelical Religion (Londres: Tyndale Press,
1970), 160. Minha tradução.
Confissão de Fé de Westminster, XXI.i.
John Calvin, Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill (Filadélfia: Westminster, 1960), 4:7:4. Minha tradução.
Caswell, “Discipline,” 200. Minha tradução.
Peter Barnes, “Biblical Church Discipline,” The Banner of Truth 414 (Março 1998): 20. Minha tradução.
Laney, “The Biblical Practice of Church Discipline,” 363.
Apêndice

Os Puritanos e o Sistema Presbiteriano

O século XVII foi um período turbulento na história da Inglaterra, marcado por mudanças
políticas, sociais e religiosas significativas. No início do século, a Igreja da Inglaterra era a igreja
estabelecida, e adotava uma forma de protestantismo conhecida como anglicanismo, que
combinava elementos tanto católicos quanto reformados. No entanto, um grupo de reformadores
dentro da igreja, conhecido como puritanos, sentia que a igreja precisava de uma maior
“purificação“ das influências católicas e rituais considerados não bíblicos.
Muitos puritanos, influenciados pela teologia reformada, buscavam uma igreja mais simples e
centrada na Bíblia. Eles queriam eliminar elementos cerimoniais e hierárquicos que
consideravam desnecessários e contrários às Escrituras. Além disso, havia uma crescente
insatisfação com o governo da igreja, que era fortemente influenciado pelo rei e pelos bispos, e
muitos puritanos viam a necessidade de uma maior participação dos membros da igreja na
tomada de decisões.

O PRESBITERIANISMO ENTRE OS PURITANOS:


O presbiterianismo era um modelo de governo da igreja que muitos puritanos consideravam mais
bíblico e adequado para alcançar a pureza e a reforma desejadas. O termo “presbiteriano“ deriva
da palavra grega presbyteros, que significa “ancião“ ou “presbítero“, que desempenhava um
papel central no governo da igreja nessa perspectiva.
De acordo com o presbiterianismo, as igrejas apostólicas locais eram governadas por um corpo
de presbíteros, eleitos pelos seus membros. Esses presbíteros eram responsáveis por liderar e
tomar decisões em assuntos disciplinares, teológicos e administrativos. Além disso, os
presbíteros de cada igreja local se reuniam periodicamente com presbíteros de outras igrejas em
uma estrutura que abrangia várias igrejas em uma determinada área geográfica. Esse sistema de
governo era chamado de “sínodo“ ou “assembleia“.
A visão presbiteriana enfatizava a igualdade entre as igrejas e a responsabilidade
compartilhada na tomada de decisões. Os membros da igreja tinham voz nas questões
importantes e podiam eleger seus presbíteros para representá-los nas assembleias sinodais. Isso
contrastava com o sistema episcopal, onde os bispos ou líderes centrais exerciam maior
autoridade e controle sobre as igrejas locais.
Essa estrutura presbiteriana foi desenvolvida e promovida por líderes puritanos como João
Calvino, em Genebra, e John Knox, na Escócia, cujas ideias influenciaram muitos puritanos na
Inglaterra e nas colônias americanas.

FUNDAMENTO BÍBLICO
O sistema de governo eclesiástico presbiteriano é fundamentado principalmente na interpretação
das Escrituras que enfatiza a liderança colegiada por meio de anciãos ou presbíteros. Os
presbiterianos argumentam que essa forma de governo encontra apoio nas narrativas e
ensinamentos do Novo Testamento, especialmente nas cartas de Paulo e nos Atos dos Apóstolos.
Aqui estão algumas questões bíblicas e referências que são frequentemente invocadas para
sustentar esse sistema de governo:
1. Presbíteros como líderes da igreja: O Novo Testamento apresenta anciãos ou presbíteros
(também conhecidos como bispos ou pastores) como líderes fundamentais nas igrejas locais.
Eles eram responsáveis por ensinar, pastorear e tomar decisões em questões disciplinares e
administrativas. Essa liderança colegiada é vista como uma das principais características do
presbiterianismo. Desisões disciplinares no âmbito da igreja local são tomadas pelo que
normalmente é denomidado de Conselho ou Consistório local (veja: Atos 14:23; 20:17; 1
Coríntios 5; Tito 1:5-7; 1 Pedro 5:1-2).
2. Decisões tomadas em assembleias sinodais: Os presbiterianos também destacam a
importância das assembleias ou concílios de presbíteros para tomar decisões conjuntas em
questões que afetam a igreja em sua totalidade. Essas assembleias sinodais são consideradas
como um modo de preservar a comunhão e a unidade entre as igrejas (veja: Atos 15, o Concílio
de Jerusalém, como um exemplo notável de uma assembleia sinodal em que os apóstolos e
presbíteros se reuniram para resolver uma questão teológica e disciplinar).
3. Igualdade entre as igrejas locais: Os presbiterianos enfatizam a igualdade e
interdependência entre as igrejas locais. Cada igreja é vista como parte de uma comunhão maior,
e as decisões importantes são tomadas em conjunto por representantes de diferentes igrejas (veja:
As cartas de Paulo frequentemente tratam da unidade do corpo de Cristo e do funcionamento
harmonioso dos membros, independentemente de suas origens locais. Por exemplo, 1 Coríntios
12:12-27; Efésios 4:1-6).
4. Responsabilidade e participação dos membros: Os presbiterianos enfatizam a
responsabilidade e participação ativa dos membros da igreja nas decisões importantes. Os
presbíteros são eleitos pelos membros e devem prestar contas a eles e a Deus por seu serviço
(veja: Mateus 18:17-18 que destaca o papel dos membros em questões de disciplina e tomada de
decisões).

O CONCÍLIO DE JERUSALÉM
O Concílio de Jerusalém, registrado em Atos 15, é frequentemente citado pelos presbiterianos
como um exemplo bíblico que sustenta o sistema de governo presbiteriano. Essa passagem
apresenta um evento crucial na igreja primitiva, no qual os apóstolos e anciãos se reuniram para
resolver uma questão teológica e disciplinar que estava causando controvérsia entre os cristãos,
conforme podemos observar resumidamente no capítulo 15 de Atos.
Versículos 1-5: Alguns homens judeus vieram à igreja de Antioquia, ensinando que, para
serem salvos, os gentios (não judeus) precisavam ser circuncidados de acordo com a tradição
judaica. Isso gerou uma grande dissensão e contenda, pois Paulo e Barnabé eram radicalmente
contrários a esses ensinamentos.
Versículos 6-12: A questão foi levada aos apóstolos e aos anciãos em Jerusalém para ser
resolvida. Pedro se levantou e testemunhou que Deus havia mostrado claramente que Ele estava
aceitando os gentios por meio da fé, sem impor a eles a observância da lei judaica. Tiago, irmão
de Jesus e líder da igreja em Jerusalém, concordou com Pedro e citou profecias do Antigo
Testamento que falavam sobre a inclusão dos gentios no povo de Deus.
Versículos 13-21: Tiago propôs uma solução para a controvérsia, e a assembleia concordou.
Eles enviaram uma carta para a igreja de Antioquia, declarando que não era necessário impor a
circuncisão e a observância da lei judaica aos gentios convertidos. No entanto, eles
recomendaram, especialmente aos gentios, que eles evitassem certas práticas consideradas
impuras e ofensivas, como a idolatria e a imoralidade sexual.
Versículos 22-35: A carta foi enviada com Paulo e Barnabé de volta a Antioquia, e eles
compartilharam as boas novas com a igreja local, trazendo consolo e edificação aos irmãos.

ARGUMENTO PRESBITERIANO BASEADO EM ATOS 15


Os presbiterianos veem o Concílio de Jerusalém como uma demonstração de liderança colegiada
e tomada de decisões em conjunto por parte dos apóstolos e anciãos da igreja. Nesse evento,
representantes das igrejas locais, incluindo os apóstolos (Pedro e outros) e os presbíteros, se
reuniram para discutir uma questão de grande importância teológica e disciplinar que envolvia
toda a igreja de Cristo. Eles compartilharam seus pontos de vista, ouviram testemunhos e, com
base na liderança do Espírito Santo, chegaram a uma decisão conjunta que afetou toda a igreja.
Essa abordagem colegiada e sinodal é vista como uma expressão do sistema de governo
eclesiástico presbiteriano, que enfatiza a importância de presbíteros eleitos e assembleias de
igrejas locais para tomada de decisões conjuntas. Os presbiterianos acreditam que o exemplo do
Concílio de Jerusalém apoia a ideia de que a igreja deve tomar decisões importantes e
abrangentes em conjunto, buscando a orientação do Espírito Santo e tendo em consideração as
perspectivas e contribuições de várias igrejas locais através de seus representantes eleitos pelos
membros.
Na tradição presbiteriana, a disciplina eclesiástica é conduzida por uma equipe de oficiais da
igreja que são responsáveis pelo governo e cuidado espiritual da comunidade. Esses oficiais são
conhecidos como “presbíteros“, “anciãos“ ou “oficiais da igreja“. Eles são eleitos pela
congregação e desempenham papéis importantes na liderança e tomada de decisões da igreja
local.
Os dois principais tipos de presbíteros encontrados em uma igreja presbiteriana são:
1. Presbíteros Regentes (ou Presbíteros Leigos): São membros da igreja eleitos pela
congregação para servir como presbíteros. Eles são chamados de “regentes“ porque exercem sua
liderança na igreja enquanto mantêm suas vidas profissionais e seculares fora da esfera da igreja.
Os presbíteros regentes estão envolvidos em diversas áreas do ministério e governança da igreja.
2. Presbíteros Docentes (ou Pastores): São ministros ordenados que servem como pastores ou
pregadores na igreja. Eles têm a responsabilidade de ensinar, pregar, administrar os sacramentos
(como a Ceia do Senhor e o batismo) e cuidar pastoralmente da congregação.
Esses oficiais trabalham em conjunto para supervisionar a vida e as atividades da igreja local,
incluindo a administração da disciplina eclesiástica, conforme necessário. A disciplina de um
membro em pecado é conduzida sob a orientação desses oficiais, seguindo as diretrizes
estabelecidas pela denominação presbiteriana específica a que a igreja pertence.
No sistema presbiteriano, a disciplina eclesiástica é vista como um aspecto importante da vida
da igreja local. A disciplina tem como objetivo corrigir, restaurar e proteger a integridade
doutrinária e moral da comunidade cristã. É importante ressaltar que a disciplina na igreja é
sempre exercida com amor, misericórdia e graça, buscando o bem-estar espiritual do membro em
pecado e da congregação como um todo.
Para entender como funciona a disciplina em uma igreja presbiteriana, aqui estão os principais
passos envolvidos:
1. Advertência e Repreensão Privada: Quando um membro é percebido ou conhecido por estar
em pecado, o presbítero (ancião) ou pastor, em alguns casos, pode abordá-lo pessoalmente de
forma privada para confrontar o pecado e exortar ao arrependimento.
2. Repreensão Diante da Igreja: Se a repreensão privada não produzir arrependimento, o
próximo passo pode ser trazer o assunto perante a igreja em uma reunião congregacional, onde o
pecado será apresentado e a pessoa será convidada novamente ao arrependimento. Esse processo
pode incluir a exposição das Escrituras relevantes que abordam o pecado em questão.
3. Suspensão: Se o membro persistir no pecado sem demonstrar arrependimento, a igreja pode
decidir pela suspensão do indivíduo. Isso implica em retirar temporariamente a comunhão plena
com a igreja e a participação nos sacramentos (como a Ceia do Senhor) até que haja evidências
de arrependimento e mudança de conduta.
4. Excomunhão: Em casos extremos, se o membro continuar a se recusar a se arrepender e
mudar de comportamento, a igreja pode proceder à excomunhão. Nesse estágio, a pessoa é
removida da membresia da igreja e não é mais considerada parte da comunidade de fé. A
excomunhão é uma medida grave, tomada com grande pesar, na esperança de que o pecador
reconheça a gravidade de sua situação e se arrependa.
Vale ressaltar que o processo disciplinar varia de acordo com a igreja presbiteriana específica
e suas práticas locais. Além disso, o objetivo final da disciplina não é punir, mas restaurar e
conduzir a pessoa ao arrependimento e restauração na comunhão com Deus e a igreja.
As decisões disciplinares em uma igreja presbiteriana geralmente são tomadas por uma
assembleia de presbíteros e, em alguns casos, pode ser necessário o envolvimento de instâncias
superiores, como sínodos ou assembleias presbiterianas, especialmente em questões mais
complexas e controversas.
Tabela de Conteúdo
1. Créditos
2. Sumário
3. Prefácio
4. A DISCIPLINA BÍBLICA NA IGREJA:O QUE SIGNIFICA E COMO APLICÁ-LA
1. As questões das chaves do Reino
2. "Ligar" e "desligar" e o conceito de disciplina
3. Quando ensinar sobre disciplina?
4. Disciplina — a necessidade do uso correto
5. As chaves e o “ligar” e “desligar” — o que significam?
6. Perdoar e o “desligar”
7. A base e o dever do exercício da disciplina
8. As chaves no livro de Atos
9. A Igreja atual, realmente possui as chaves?
10. Como disciplinar — os passos prescritos por Jesus
11. Como disciplinar — pecados públicos e privados
12. Como disciplinar — a responsabilidade da exclusão
13. Como disciplinar — o arrependimento e a restauração
14. Um exemplo prático
15. Os encorajamentos para o exercício da disciplina
16. O tratamento da Confissão de Fé
17. O transgressor — punição
18. O transgressor — perdão e restauração
19. A Igreja preservada — dissuadindo outros de pecarem
20. A Igreja preservada — removendo o fermento da massa
21. A Igreja preservada — evitando a ira de deus
22. A Igreja preservada — a necessidade de crescimento espiritual
23. A Igreja preservada — seguindo a ordenança divina
24. Jesus cristo — envolvido na disciplina
25. Examinando 1 Coríntios 5 — impureza sexual
26. Examinando 2 Tessalonicenses 3 — vida desordenada
27. Encorajamentos à restauração — arrependimento e perdão
28. Encorajamentos à restauração — uma forma de resolver problemas
5. CORINTO, UMA IGREJA COM PROBLEMAS DE DISCIPLINA
1. O contexto de Corinto
2. Os problemas de Corinto
3. O texto
4. As razões de Paulo para a disciplina rígida
5. Conclusão
6. DISCIPLINA PREVENTIVA:RESOLVENDO CONTROVÉRSIAS NA IGREJA
1. Um estudo aplicativo sobre o concílio de Jerusalém em Atos 15:1-33
2. Controvérsias existem e o consenso e a opinião de muitos é necessária para resolvê-
las! (V. 2)
3. A ênfase na fé comum gera um ambiente favorável e hospitaleiro para o tratamento das
controvérsias! (Vv. 3 E 4)
4. Considere os passos necessários à solução da controvérsia… (vv. 5-26)
5. Conclusão — a aplicação imediata e a permanente (20 e 28-29)
7. DISCIPLINA NA IGREJA: UMA DAS MARCAS DA VERDADEIRA IGREJA
1. Introdução
2. O perigo da falta de disciplina
3. A autodisciplina e o ensino de jesus sobre os passos da disciplina na Igreja
4. Outros textos e pontos importantes sobre a disciplina na Igreja
5. Conclusão
8. DISCIPLIA NA IGREJA:ORDENANÇA E BÊNÇÃO
1. Introdução
2. I. Errando o alvo
3. II. O ensino bíblico
4. III. Implicações teológicas
5. Conclusão
9. OS PURITANOS E O SISTEMA PRESBITERIANO
1. O presbiterianismo entre os puritanos
2. Fundamento bíblico
3. O concílio de Jerusalém
4. Argumento presbiteriano baseado em Atos 15

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