Você está na página 1de 85

Os puritanos para leigos

W. Gary Crampton
Copyright © 2020, de Editora Monergismo

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato
Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620
www.editoramonergismo.com.br

1ª edição, 2020

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Todas as citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) salvo
indicação em contrário.
Sumário
Introdução
1. Os puritanos e a Bíblia
2. Os puritanos e Deus
3. Os puritanos e a teologia do pacto
4. Os puritanos e soteriologia
5. Os puritanos e a família
6. Os puritanos e a Igreja
7. Os puritanos e o magistrado civil
Conclusão
Sobre o livro
Introdução
No livro de Eclesiastes, Salomão nos adverte contra olhar para trás,
para o proverbial “dias passados melhores”: “Jamais digas: Por que foram os
dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio perguntar assim”
(7.10). Além disso, somos advertidos por Cristo contra chamar algum homem
(ou grupo de homens) de “pai” (Mateus 25.8-9). Todavia, como o profeta
Jeremias nos diz, a partir de uma perspectiva cristã, há um tipo de “olhar para
trás” que é permitido; a saber, um retorno a uma mentalidade biblicamente
orientada: “Assim diz o Senhor: Ponde-vos à margem no caminho e vede,
perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e
achareis descanso para a vossa alma” (Jeremias 6.16).
Os puritanos eram tais pessoas. Eles pensavam biblicamente. Eram um
povo com uma mente teocêntrica. Nas palavras do apóstolo Paulo, a mente
deles estava posta “nas coisas do alto” (Colossenses 3.2). Os puritanos eram
um povo de grande discernimento espiritual. Eles eram como os “filhos de
Issacar, conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer” (1
Crônicas 12.32).
Os demônios, de acordo com C. S. Lewis, entendem isso também. Em
seu livro Cartas de um diabo ao seu aprendiz, Lewis tem Maldanado
conversando com seu estagiário Vermelindo sobre os vários sucessos dos
demônios em sua guerra clandestina contra o cristianismo:
Mas, felizmente, pouco se tem falado sobre isso nas últimas décadas. Nos textos
cristãos modernos, embora eu veja várias referências (na verdade mais do que eu
desejaria) a Mamom, muito pouco se adverte sobre as vaidades mundanas, a
escolha de amigos e o valor do tempo. Tudo isso provavelmente seu paciente
classificaria como “puritanismo” — e, permita-me uma breve observação, o
valor [pejorativo] que [nós, os demônios] demos a essa palavra é um dos triunfos
sólidos dos últimos cem anos. Por meio dela, resgatamos anualmente milhares de
humanos de uma vida temperante, caridosa e sóbria.[1]

Seguindo os passos da Reforma Protestante, liderada por homens tais como


Martinho Lutero, John Knox e particularmente João Calvino, os anos
puritanos foram talvez os melhores anos que a cristandade conheceu desde os
dias dos apóstolos. Em geral, nossa era é de superficialidade nos assuntos da
fé cristã. A dos puritanos era de profundo entendimento. Nós,
comparativamente, somos anões espirituais. Os puritanos, por contraste, eram
gigantes. Eles estavam longe de serem perfeitos, mas, de acordo com Mateus
5.48 (“Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”), eles
buscavam ardentemente a perfeição. Nas palavras de J. I. Packer, eles
estavam numa “busca por piedade”.[2] E essa “busca por piedade” não
terminaria enquanto toda a faceta da vida não estivesse sob o domínio de
Deus, de acordo com a sua Palavra, até que cada faceta tivesse, por assim
dizer, a gravação “santidade ao Senhor” (Zacarias 14.16-21). Se a igreja há
de encontrar “descanso para a sua alma”, ela deve retornar à mentalidade que
governava os puritanos; ela precisa “perguntar pelas verdades antigas, qual é
o bom caminho, e andar por ele”.
Sem dúvida, o maior empreendimento corporativo dos puritanos é
encontrado nos Padrões de Westminster (1643-1648), consistindo na
Confissão de fé de Westminster, no Catecismo maior e no Breve catecismo de
Westminster.[3] Nas palavras de B. B. Warfield:
A importância dos Padrões de Westminster como um credo deve ser encontrada
nos três fatos que: historicamente falando, eles são a cristalização final dos
elementos da religião evangélica, após os conflitos de mil e seiscentos anos;
cientificamente falando, eles são a declaração mais rica, mais precisa e melhor
guardada já escrita sobre tudo o que existe na religião evangélica e de tudo o que
deve ser salvaguardado se a religião evangélica há de persistir no mundo; e,
religiosamente falando, eles são um monumento notável da religião espiritual.[4]

É digno de nota que as igrejas presbiterianas reformadas, em geral, bem


como outras igrejas reformadas, adotam e subscrevem aos Padrões de
Westminster como aqueles “padrões subordinados” que representam a
expressão mais plena dos ensinos da Escritura. Juntamente com os puritanos,
essas igrejas defendem que devemos ser cuidadosos em não “remover os
marcos [teológicos] antigos que puseram teus pais” (Provérbios 22.28;
23.10). Elas reconhecem que “quem anda com os sábios será sábio, mas o
companheiro dos insensatos se tornará mau” (Provérbios 13.20). Com muita
frequência, aqueles que se afastam desses Padrões se encontram, como o
filho prodigo na parábola de Jesus, comendo alfarrobas de porcos em terra
estranha (Lucas 15.11-32).
Demais, é nesses Padrões onde vemos a genialidade dos puritanos mais
bem expressa, conforme resumido no Breve catecismo (R. 1): “O fim
principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. Ou, ecoando
a resposta do catecismo, como Robert Reymond escreveu:
Nossa maior paixão na vida deveria ser aprender a conhecer Deus melhor do que
qualquer outra pessoa ou coisa neste mundo e desfrutar de Deus mais do que
desfrutamos de qualquer pessoa ou coisa neste mundo, pois somente em tal
devoção nossas vidas serão publicamente demonstrações como deveriam ser da
glória de Deus e dessa forma dar como deveríamos toda glória a ele.[5]

Para os puritanos, essa era a “maior paixão na vida” deles.


1. Os puritanos e a Bíblia

Os Padrões de Westminster (especialmente a Confissão de fé) foram


escritos na forma de uma teologia sistemática. [6] Isto é, eles nos propõe, de
uma maneira abrangente, precisa e ordenada, o sistema de doutrina ensinado
na Bíblia. Sendo esse o caso, há uma ordem lógica seguida pelos teólogos
puritanos nos Padrões. E de acordo com os puritanos, a cosmovisão cristã
começa com a epistemologia (a teoria do conhecimento). Ela não começa
com a pergunta de como sabemos que existe um deus, e então passa a provar
que esse deus é o Deus da Escritura. A doutrina de Deus segue a
epistemologia. A questão central tem a ver com como sabemos o que
sabemos. Todas as filosofias (ou cosmovisões) começam necessariamente
com um primeiro princípio indemonstrável ou ponto de partida, i.e., um
axioma a partir do qual tudo o mais é deduzido. Se a premissa pudesse ser
provada, então ela não seria um primeiro princípio. De acordo com os
puritanos, o ponto de partida axiomático do cristão é que a Bíblia é a
inspirada, infalível e inerrante Palavra de Deus.[7]
A cosmovisão puritana, portanto, está fundamentada na revelação
divina e proposicional:[8] a Escritura e sua reivindicação auto-atestadora de
inspiração. Como declarado por J. I. Packer:
Na comunhão dos puritanos com Deus, assim como Jesus era central, a Sagrada
Escritura era suprema... O puritanismo era, acima de tudo, um movimento em
favor da Bíblia. Para os puritanos, a Bíblia era realmente a mais preciosa
possessão no mundo. Suas mais profundas convicções eram que a reverência a
Deus leva à reverência à Bíblia, e que servir a Deus significa obedecer à Bíblia.
[9]
Esse é o porquê a Confissão de fé de Westminster começa (capítulo 1) com a
doutrina da Escritura: “Da Sagrada Escritura”. Os trinta e dois capítulos
restantes são erigidos sobre o axioma de que a Bíblia é a inspirada, infalível e
inerrante Palavra de Deus.
Como podemos saber que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada,
infalível e inspirada? Como declarado na Confissão (1:4):
A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida,
não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente
de Deus (que é a própria verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser
recebida, porque é a palavra de Deus.
Ou, nas palavras de João Calvino:
Com grande desprezo pelo Espírito Santo, perguntam: quem nos fará crer que
provém de Deus? Como nos certificarmos de que chegou salva e intacta aos
nossos dias?... A principal prova da Escritura é que nela Deus fala pessoalmente.
Os profetas e apóstolos não alegam nem sua própria agudeza, nem eloquência,
tampouco aduzem razões, mas proferem o sagrado nome de Deus, por honra do
qual todos são coagidos à obediência.[10]
Esse foi também o ensino de John Owen, que disse:
É somente a evidência do Espírito de Deus, em e por meio da própria Escritura,
que nos garante que ela foi dada por inspiração imediata de Deus; ou, o
fundamento e a razão pela qual cremos que a Escritura é a Palavra de Deus são a
autoridade e a verdade de Deus evidenciadas nela e por ela [a Escritura] na
mente e consciência dos homens.[11]
E Jonathan Edwards comentou que a Palavra de Deus não “implora por
evidências, como tantos pensam; ela tem a sua mais alta e apropriada
evidência em si mesma”.[12] Em suma, nada pode ser mais seguro e
verdadeiro que uma palavra da parte de Deus. Como declarado pelo autor de
Hebreus: “Visto que [Deus] não tinha ninguém superior por quem jurar, jurou
por si mesmo” (6.13).
Essa abordagem “pressuposicionalista”, “dogmatista” ou
“escrituralista” da Escritura não nega “evidências” para a verdade da Palavra
de Deus. Há inúmeras evidências, tanto internas[13] como externas, de que a
Bíblia é a revelação inspirada, infalível e inerrante de Deus para o homem.
Mas à parte do testemunho interno do Espírito Santo, essas evidências são
vãs. A Confissão (1:5) diz isso da seguinte forma:
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e
reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e
eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia [consistência
lógica] de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a
glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas
muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos
pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a
nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade
provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra
testifica em nossos corações.

Nessa mesma linha Jonathan Edwards escreveu:


Há assinaturas da majestade divina para serem vistas na Palavra, e assinaturas de
sabedoria e santidade divinas, e marcas evidentes de graça divina, que tornam
evidente que a Palavra de Deus procede de uma majestade, sabedoria, santidade
e graça divinas. Há tantas manifestações próprias de divindade no discurso de
Deus quanto manifestações de humanidade no discurso do homem. Deus abre o
entendimento dos ouvintes proveitosos para ver essas assinaturas e
manifestações de divindade para que possam ouvi-la como a Palavra de Deus.
Daí eles ouvem-na como se ouvissem Deus falar.[14]
Além disso, embora as evidências não provem que a Bíblia seja a Palavra de
Deus, elas ainda podem ser usadas, de acordo com Provérbios 26.4-5 (“Não
respondas ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças
semelhante a ele. Ao insensato responde segundo a sua estultícia, para que
não seja ele sábio aos seus próprios olhos”), como argumentos ad hominem
(“para o homem”) para refutar o cético. Por exemplo, há vários casos em que
a busca arqueológica e a investigação histórica têm corroborado o ensino da
Escritura. Demais, como citado na Confissão, a Bíblia é logicamente
consistente (“o consentimento de todas as partes”). Há aproximadamente 40
autores, com 20 ocupações, vivendo em 10 país, escrevendo num período de
1500 anos, em 3 línguas, e produzindo 66 livros que cobrem diversos
assuntos. Todavia, a Palavra de Deus nunca se contradiz. A despeito da
alegação do crítico, ela é consistente em todas as suas partes.
A visão exposta pelos puritanos é mencionada como sola Scriptura
(“somente a Escritura”): que a Bíblia tem um monopólio sistemática da
verdade. Como expresso na Confissão (1:6):
Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória
dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na
Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se
acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por
tradições dos homens.

Os puritanos não concordariam com muitos pensadores modernos que são


prontos em alegar que a Bíblia não é um livro-texto sobre ciência, política,
economia e assim por diante. Isto é, a Bíblia, segundo os puritanos, não
precisa ser suplementada por outras assim chamadas fontes de verdade.[15]
Como Paulo ensina em 2 Timóteo 3.16-17, não existe outra fonte de verdade
a qual temos acesso (até o estado final). A Bíblia não é apenas um livro-texto,
mas o único livro-texto; e todos os outros livros devem se conformar aos
ensinos da Escritura.[16]
O princípio puritano do sola Scriptura mantém que a Escritura somente
é autoritativa sobre cada área da vida. Os puritanos, escreveu Leland Ryken,
viam a Escritura como “suficiente para governar nossas ações”.[17] Ezekiel
Hopkins escreveu: “A Bíblia é o livro-estatuto do reino de Deus, no qual se
inclui todo o corpo da lei celestial, as regras perfeitas de uma vida santa, e a
promessa certa de uma vida gloriosa”.[18] Este é o porquê o Prefácio da King
James Version de 1611 descreve a Bíblia como “Uma pandecta [um corpo
completo] de leis proveitosas contra espíritos rebeldes”.
De acordo com os puritanos, todas as outras autoridades estão
descartadas: a igreja, as tradições dos homens, o misticismo espiritual e as
experiências existenciais. Tudo deve ser testado pelo padrão último da
Sagrada Escritura. E a autoridade da Bíblia sobre cada esfera da vida, como
observado acima, depende totalmente de Deus, o autor dela, que é a própria
verdade. Esse é o porquê um pensador secular acusou os puritanos de serem
como homens numa “jaula bíblica”. Eles estavam “enjaulados” pela Palavra
de Deus. Todavia, como John Gerstner destacou, para os puritanos tratava-se
de uma “jaula dourada”.[19]
Além disso, como observado na Confissão, a visão puritana do sola
Scriptura, e a autoridade plena da Bíblia sobre cada área da vida, não
restringe nosso conhecimento às proposições dadas na Bíblia. Os ensinos
implícitos que podem ser validamente deduzidos, “por boa e necessária
consequência”, daquelas proposições “expressamente declaradas na
Escritura”, são tão Palavra de Deus como o são as próprias declarações
explícitas.
Sendo assim, os puritanos ensinavam que o uso da lógica é essencial
para o entendimento apropriado da Palavra de Deus (eles teriam condenado
abertamente o irracionalismo da neo-ortodoxia).[20] A lógica não é um
princípio secular que deve ser adicionado ao axioma escriturístico. Antes, a
lógica está embutida no próprio axioma. Tanto é esse o caso que lemos na
Escritura que Jesus Cristo é a razão, sabedoria e lógica encarnada (Provérbios
8; João 1.1; 1 Coríntios 1.24, 30).
Além disso, é importante perceber que quando os puritanos definiram a
Palavra de Deus, eles falaram dos 66 livros do Antigo e Novo Testamentos.
Como ensinado na Confissão (1:2): “Sob o nome de Escritura Sagrada, ou
Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Antigo e do
Novo Testamento”. A Confissão passa então a listar os 39 livros do Antigo
Testamento e os 27 livros do Novo Testamento. Essa definição é importante
pois muitas supostas organizações cristãs de então e agora têm adicionado ou
subtraído algo desses 66 livros, em direta violação ao ensino da própria
Escritura (Deuteronômio 4.2; Provérbios 30.6; Apocalipse 22.18-19). Os
reformadores e os puritanos não cometeram tal erro. Eles não aderiam a
nenhuma forma de revelação especial extra-bíblica (e.g., línguas, profecia). O
cânon, eles mantinham, foi fechado no final da era apostólica, de forma que
Deus fala agora autoritativamente apenas em sua Palavra escrita.
Nas palavras de Calvino:
Doravante Deus não falará como no passado, valendo-se de mensageiros, nem
acumulará profecias sobre profecias, e revelações sobre revelações, pois,
havendo levado à plenitude o seu magistério no Filho, consumou-se a última e
definitiva aliança. Por essa razão, por todo o tempo do Novo Testamento, desde
que Cristo iniciou a pregação de seu Evangelho até o dia do Juízo, foi-nos
anunciado que chegara a última hora, os últimos tempos, os últimos dias, a fim
de que, contentando-nos com a perfeição do magistério de Cristo, aprendamos a
não inventar nenhum novo ensinamento, nem admitir que outros o façam.[21]

Jonathan Edwards era da mesma opinião. Ele escreveu que os dons de


palavra miraculosos dados à Igreja Primitiva cessaram no final da era
apostólica:
Esses dons são frutos do Espírito, porém não foram dados para serem contínuos
na igreja por todos os séculos. Continuaram na igreja, ou pelo menos foram
outorgados de tempo em tempo, ainda que não sem algumas consideráveis
interrupções, desde o princípio do mundo até que se completasse o cânon das
Escrituras.[22]

Os puritanos aderiam fortemente à necessidade de estudo bíblico diário. Isso


é essencial, afirmavam, para o crescimento espiritual. A Escritura não é
necessária apenas para alguém chegar a um conhecimento sadio e salvífico de
Deus, por intermédio de Jesus Cristo (Romanos 1.16-17), mas é necessária
também para o processo contínuo de santificação (João 17.17). Por meio da
Palavra de Deus, a pessoa é restaurada (Salmos 19.7), repreendida, corrigida
e treinada na justiça (2 Timóteo 3.16-17), alimentada (1 Timóteo 4.6; Efésios
5.29), limpa e santificada (Efésios 5.25), e tornada sábia (Salmos 19.7).
Dessa forma, Jonathan Edwards declarou: “Deveríamos gastar muito tempo
em meditação; deveríamos meditar na Palavra de Deus dia e noite [Salmos
1.2]. A lei de Deus deveria ser uma companhia constante ao conversarmos,
ao nos deitarmos e levantarmos, e onde quer que estejamos”. [23]
Portanto, seguindo o ensino de homens como Calvino e os
Reformados, e contrário ao catolicismo romano, os puritanos acreditavam
que os leigos deviam ter acesso à Bíblia. No Catecismo de John Ball, por
exemplo, lê-se: “Sim, todos os homens têm não somente a permissão, mas
são exortados e ordenados a ler, ouvir e entender a Escritura... Todos os
homens de qualquer era, bens, qualidade ou posição social devem se
familiarizar com a Palavra de Deus”.[24]
Com esse fim em mente, William Tyndale traduziu o Novo Testamento
para o inglês pela primeira vez. Ele foi queimado numa estaca antes que
pudesse completar seu trabalho sobre o Antigo Testamento. Mas sua obra foi
continuada pelos puritanos. Como declarado na CFW (1:8):
Não sendo essas línguas [hebraico e grego] conhecidas por todo o povo de Deus,
que tem direito e interesse nas Escrituras e que deve no temor de Deus lê-las e
estudá-las, esses livros têm de ser traduzidos nas línguas vulgares de todas as
nações aonde chegarem.

Além disso, os puritanos diferiam de Roma sobre a doutrina da perspicuidade


da Escritura. Roma ensinava que era necessário um sacerdote para a
interpretação apropriada da Bíblia. Os puritanos discordavam. Como
escreveram na Confissão (1:7):
Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo
modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e
observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão
claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos,
no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente
compreensão delas.

John Owen ensinou, em concordância com a Confissão, que:


Meu principal objetivo é manifestar que todo crente pode, no devido sentido dos
meios designados de Deus para esse fim, obter tal certeza de entendimento na
verdade, ou todo aquele conhecimento da mente e vontade de Deus revelado na
Escritura, que é suficiente para dirigi-lo na vida para Deus, libertá-lo dos perigos
da ignorância, das trevas, do erro e conduzi-lo à bem-aventurança.[25]

A importância relegada à Bíblia pelos puritanos dificilmente pode ser


exagerada. No prefácio da Bíblia de Genebra (1560), temos de certa forma
um resumo de seus pensamentos sobre a Escritura. A Bíblia é:
A luz para os nossos caminhos, a chave do reino dos céus, nosso conforto na
aflição, nosso escudo e espada contra Satanás, a escola de toda a sabedoria, o
espelho no qual contemplamos a face de Deus, o testemunho de seu favor, e o
único alimento e sustento para nossas almas.

Com tal visão, é fácil entendermos o porquê os puritanos enfatizaram a


importância da pregação. Como expresso por Robert Reymond, o pregador
puritano entendia muito bem que “sem essa vida interior que é produzida
somente por muito tempo gasto em consideração e meditação na Palavra de
Deus, em autoexame intencional, e perante a presença Deus em fervorosa
oração, ele nunca obterá aquele ministério abençoado que os escritores
puritanos descreviam como ‘poderoso’, ‘doloroso’ (isto é, trabalhoso) e
‘útil’”.[26]
Como Calvino antes deles, os puritanos sustentavam que quando a
Palavra de Deus é apropriadamente proferida, isso não é nada menos que a
Palavra vindo da boca do próprio Deus. Quando a Escritura é fielmente
pregada, trata-se de um sinal da presença de Deus entre o seu povo e o
instrumento do governo de Cristo.[27] E quando os pregadores puritanos
pregavam às suas congregações, eles o faziam com uma solenidade de mente,
pois o que eles tinham a dizer concerniam a questões de consequência eterna.
Sereno Dwight, que escreveu os Memoirs of Jonathan Edwards, uma vez
perguntou a um homem, que tinha ouvido Edwards pregar, se Edwards era
um orador eloquente ou não. O homem respondeu:
Ele [Edwards] não estudou variação de voz nem ênfase acentuada. Ele mal
gesticulava, sequer se movia, e nunca tentou pela elegância do seu estilo, ou pela
beleza de suas ilustrações, gratificar o gosto e fascinar a imaginação. Mas, se
você quer dizer por eloquência o poder de apresentar uma verdade importante
perante uma audiência, com peso esmagador de argumento, e com tal
intensidade de sentimento, que toda a alma do orador está lançada em todas as
partes do conceito e da entrega; de forma que a atenção solene de toda a
audiência é cativada, do começo ao fim, e deixe impressões que não podem ser
apagadas; então o Sr. Edwards foi o homem mais eloquente que já ouvi falar. [28]
Os puritanos, então, com Calvino antes dele, eram virtualmente unânimes em
dizer que a tarefa primária do pastor era pregar a Palavra de Deus. Aqui
temos o poder de Deus. Disse Calvino:
Que os enfrentem todas as coisas sem medo, por meio da Palavra de Deus, da
qual foram constituídos administradores. Que eles reúnam todo o poder, toda a
glória e excelência do mundo a fim de conferir a primazia à divina majestade
desta Palavra. Que, por meio dela, comandam a todos, desde a pessoa mais
notável até a mais simples. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o
reino de Satanás. Que apascentem as ovelhas, matem os lobos, instruam e
exortem os rebeldes. Que juntem e separem, que clamem com veemência, se for
necessário, mas que façam todas as coisas de acordo com a Palavra de Deus.[29]
Nessa mesma linha de pensamento, comentando sobre o ministério pastoral
de Jonathan Edwards, por exemplo, J. I. Packer escreveu: “Labutando, por
toda a vida, destemida e incansavelmente, por entendê-la e aplicá-la... Por
toda a vida, alimentou sua alma com a Bíblia; por toda a vida, alimentou seu
rebanho com a Bíblia”.[30] E John Owen acreditava que “a primeira e
principal tarefa de um pastor é alimentar o rebanho pela pregação diligente da
Palavra”.[31] A razão sendo, sem dúvida, que é primariamente por meio da
Palavra pregada que as pessoas chegam a um conhecimento salvador de
Deus, em Jesus Cristo, e então crescem no processo de santificação. Como
declarado na Confissão (14:1) e no Breve catecismo (R. 89):
A graça da fé, pela qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação das suas
almas, é a obra que o Espírito de Cristo faz nos corações deles, e é
ordinariamente operada pelo ministério da palavra; por esse ministério, bem
como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e
fortalecida.

A Espírito de Deus torna a leitura, mas especialmente a pregação da Palavra,


um meio eficaz de convencer e converter pecadores, e de edificá-los na
santidade e confortá-los, por meio da fé, para a salvação.
A pregação eficaz impõe exigências sobre o intelecto dos ouvintes. Os
puritanos como Calvino e os reformadores aderiram à primazia do intelecto.
Paulo ensinou, e os puritanos acreditavam, que era a mente do homem que
precisava ser transformada (Romanos 12.1-2). Como explicado no Catecismo
maior (R. 160), o princípio bereano de Atos 17.11 era enfatizado:
Exige-se dos que ouvem a Palavra pregada que atendam a ela com diligência,
preparação e oração; que comparem com as Escrituras aquilo que ouvem; que
recebam a verdade com fé, amor, mansidão e prontidão de espírito, como a
Palavra de Deus; que meditem nela e conversem a seu respeito uns com os
outros; que a escondam nos seus corações e produzam os devidos frutos em suas
vidas.

Não era incomum para os ministros puritanos pregar (ou palestrar) de três a
cinco vezes por semana. Grande ênfase era colocada sobre um clero bem
educado. Os puritanos não teriam nada que ver com o anti-intelectualismo
que permeia a nossa era.[32] Futuros ministros do evangelho deveriam ser
habilidosos nos idiomas originais (hebraico e grego), bem como no latim;
eles também deveriam ser competentes no estudo da filosofia e da lógica.[33]
Packer comentou: “A esta altura, deveria estar patente que os grandes
pastores-teólogos puritanos... foram homens de extraordinários poderes
intelectuais e discernimento espiritual”. [34]
Como já observado, os puritanos ensinavam que a autoridade investida
na Escritura é derivada de sua origem singular: é a Palavra de Deus. É o
Espírito de Cristo que fala na Bíblia. E o testemunho interno do Espírito é
necessariamente tanto confirmar a autoridade da Palavra de Deus como fazer
a pessoa aquiescer espiritualmente a ela, e responder apropriadamente a ela.
Como declarado na Confissão (14:2):
Por essa fé [salvadora] o cristão, segundo a autoridade do mesmo Deus que fala
em sua palavra, crê ser verdade tudo quanto nela é revelado, e age de
conformidade com aquilo que cada passagem contém em particular, prestando
obediência aos mandamentos, tremendo às ameaças e abraçando as promessas de
Deus para esta vida e para a futura; porém os principais atos de fé salvadora são
aceitar e receber a Cristo e firmar-se só nele para a justificação, santificação e
vida eterna, isto em virtude do pacto da graça.

Então, também, há a necessidade do Espírito iluminar adicionalmente a


Palavra para a alma convertida. Nesse processo o Espírito não revela nova
informação que faz o leitor crer e entender melhor as Escrituras. Antes, o
Espírito dá progressivamente ao cristão um melhor entendimento das
Escrituras. Ele lança mais luz sobre os textos bíblicos, de forma que o crente
pode compreender mais integralmente a plenitude da mensagem apresentada
na Bíblia. Como o salmista diz, é “na tua [de Deus] luz [que] vemos a luz”
(36.9); e “a revelação das tuas [de Deus] palavras esclarece” (119.130). O
objetivo: que a mente do cristão seja transformada (Romanos 12.1-2), tenha a
mente de Cristo (1 Coríntios 2.16), progressivamente “levando cativo todo
pensamento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10.5).
A sinopse de John Gerstner da visão de Jonathan Edwards (e dos
puritanos em geral) da Bíblia é apropriada:
O que diremos? Para ele [Jonathan Edwards] ela [a Bíblia] não era
outra coisa senão a Palavra verbalmente inspirada e inerrante, e ele
sempre, como Isaías aconselhou, “tremia” diante dessa Palavra
[Isaías 66.2]. Ela tinha livre curso nele enquanto a estudava dia e
noite e a pregou ao longo do seu ministério. Ela foi certificada
internamente e confirmada por credenciais externas também [como
na CFW 1:5]. Era um “livro terrível [que inspirava terror]” com suas
advertências pavorosas ao ímpio e promessas maravilhas ao
penitente humilde. Assim, Edwards, “preso” como estava por sua
autoridade, a pregou em tempo e fora de tempo [2 Timóteo 4.2],
labutando para tornar sua mensagem única e salvadora clara e
poderosa, enquanto plenamente ciente que nenhum pecador em
Northampton ou em qualquer outro lugar a veria e a receberia como
a própria Palavra de Deus até que Deus mesmo lançasse sua luz
divina e sobrenatural sobre suas páginas e sua proclamação. [35]
2. Os puritanos e Deus

O puritano dos últimos dias, Charles Spurgeon, afirmou que o estudo


de Deus é a mais alta ciência:
Nada é melhor para o desenvolvimento da mente do que a contemplação da
Deidade. É um assunto tão vasto que todos os nossos pensamentos se
desvanecem na sua imensidão, tão profundo que nosso orgulho desaparece na
sua infinitude. Podemos compreender e aprender muitos outros temas, sentindo
por eles uma certa satisfação pessoal e enquanto seguimos nosso caminho
pensando de nós mesmos: “Olhe, sou um sábio”. Mas, quando chegamos a esta
ciência superior, descobrindo que nosso fio de prumo não consegue sondar sua
profundidade e os nossos olhos de águia não podem ver sua altura, nos afastamos
deste pensamento, que o homem vaidoso pode ser sábio, porém na verdade não
passa de um jumento selvagem; exclamando solenemente: “Nasci ontem e nada
sei”... Contudo, ao mesmo tempo em que este assunto humilha a mente, ele
também a expande... Nada alargará mais o intelecto, nada expandirá mais a alma
do homem do que a investigação dedicada, sincera e contínua do grande tema da
Deidade.[36]
A doutrina de Deus, escreveu Gregg Singer, é central para o pensamento
calvinista, como abraçado pelos puritanos, “simplesmente por ser central às
Escrituras que o revelam”.[37] Como temos visto, os puritanos eram um povo
com mentalidade teocêntrica; eles eram “intoxicados de Deus”. O “pai” do
puritanismo, João Calvino, expressou isso da seguinte forma: “Acima de
tudo, nascemos para Deus, e não para nós próprios. Como todas as coisas
procedem dele e subsistem nele, assim... devem existir para ele”. [38] O
puritano da Nova Inglaterra, Jonathan Edwards, escreveu: “O primeiro efeito
do poder de Deus sobre o coroação, na regeneração, é dar ao coração um
gosto ou senso divino; fazer com que aprecie a beleza e a doçura da
excelência suprema da natureza divina”.[39] E novamente, disse Edwards:
O prazer em Deus é a única felicidade com a qual nossas almas
podem se satisfazer. Ir para o céu, desfrutar plenamente de Deus, é
infinitamente melhor que as comodidades mais agradáveis daqui.
Pais e mães, maridos, esposas ou filhos, ou a companhia de amigos
terrenos, são apenas sombras; mas Deus é a substância. Esses são
apenas raios dispersos, mas Deus é o sol. Esses são apenas córregos.
Mas Deus é o oceano.[40]
E Henry Scougal, que sustentava que “o valor e excelência de uma alma deve
ser medida pelo objeto do seu amor”, continuou:
O amor de Deus é um senso deleitoso e afetuoso das perfeições
divinas que fazem com que a alma se resigne e se sacrifique
totalmente a ele, desejando acima de todas as coisas agradá-lo, e se
deleitando em nada tanto quanto na companhia e comunhão com ele,
e estando pronto a fazer ou sofrer qualquer coisa por sua causa ou
por sua vontade.[41]
Como declarado no Catecismo maior (R. 7), os puritanos ensinaram que:
Deus é espírito, em si e por si infinito em seu ser, glória, bem-aventurança e
perfeição; todo-suficiente, eterno, imutável, insondável, onipresente, infinito em
poder, sabedoria, santidade, justiça, misericórdia e clemência, longânimo e cheio
de bondade e verdade.

Esses são atributos de Deus. Eis quem ele é. Além disso, disseram os
puritanos, o Deus da Escritura é tanto monoteísta como trinitariano. Ele é um
em essência, todavia três em Pessoas; cada uma das Pessoas é plenamente
divina. Como ensinado no Breve catecismo (R. 5-6): “Há só um Deus, o Deus
vivo e verdadeiro... Há três pessoas na Divindade: o Pai, o Filho e o Espírito
Santo, e estas três são um Deus, da mesma substância [essência], iguais em
poder e glória”. Isto é, escreveu John Owen, as três Pessoas eternas da
Deidade são “uma em todos os aspectos, em natureza, vontade e propriedades
essenciais, sendo distintas somente em sua maneira pessoa de subsistência”.
[42]

Não há lugar na doutrina de Deus nos puritanos para o


subordinacionismo (a doutrina que existe um Deus, que é o Pai; o Filho e o
Espírito sendo deuses menores, se é que deuses) ou modalismo (a doutrina
que Deus é um em essência e um em pessoa; não há três pessoas, mas
meramente três formas de se referir a mesma pessoa) dentro da Trindade. Os
puritanos, contudo, reconheceram apropriadamente uma ordem de economia,
ou administração, dentro da Deidade triúna. Aqui há uma forma de
subordinação.[43] Há passagens bíblicas que declaram que o Pai enviou o
Filho ao mundo para realizar sua obra redentora (Marcos 9.37; João 17.3), e
há passagens que declaram que o Pai e o Filho enviaram o Espírito Santo
(João 14.26; 15.26; 16.7). Mas esses versículos não ensinam uma
subordinação dentro da “Trindade ontológica”. Antes, esses versículos
ensinam que dentro da “Trindade econômica”,[44] cada membro tem funções a
desempenhar na história redentora. Declarado de forma simples, o conceito
de Trindade econômica tem a ver com as obras da Deidade Triúna “fora de si
mesma”.[45]
Na obra de redenção, por exemplo, o Pai é aquele que elege (Efésios
1.3-4; 1 Pedro 1.2), o Filho é aquele que toma sobre si uma natureza humana
e realiza a redenção pelo eleito (Efésios 1.7; 1 Pedro 1.2), e o Espírito é
aquele que regenera o eleito (João 3.3-8; Tito 3.5-6), e progressivamente o
santifica na verdade (2 Coríntios 3.17-18; 2 Tessalonicenses 2.13; 1 Pedro
1.2), i.e., ele aplica a redenção ao eleito.
Nas palavras da Confissão de Westminster (8:1,5,8):
Aprouve a Deus [o Pai] em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor
Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem... e deu-
lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo
devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.
O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo,
sacrifício que pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez
plenamente à justiça do Pai. e para todos aqueles que o Pai lhe deu adquiriu não
só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus.
Cristo, com toda a certeza e eficazmente aplica e comunica a salvação a todos
aqueles para os quais ele a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo intercessão por
eles e revelando-lhes na palavra e pela palavra os mistérios da salvação,
persuadindo-os eficazmente pelo seu Espírito a crer e a obedecer, dirigindo os
corações deles pela sua palavra e pelo seu onipotente poder e sabedoria, da
maneira e pelos meios mais conformes com a sua admirável e inescrutável
dispensação.

Nesse sentido, e nesse sentido somente, diziam os puritanos, Deus o Pai é


maior que o Filho, e o Pai e o Filho são maiores que o Espírito Santo; não em
sua essência, mas em sua ordem ou economia administrativa. E, como
podemos ver, os puritanos ensinavam que há uma harmonia perfeita na obra
da Trindade. Isso é necessariamente verdadeiro pois as três Pessoas da
Trindade têm apenas uma vontade.[46] À parte disso haveria apenas confusão
e caos dentro da Deidade. Mas, “Deus”, escreve Paulo, “não é autor de
confusão” (1 Coríntios 14.33).
Como declarado no Breve catecismo (R. 7), os puritanos ensinavam
que as obras de Deus são determinadas por seus decretos eternos: “Os
decretos de Deus são o seu eterno propósito, segundo o conselho da sua
vontade, pelo qual, para sua própria glória, Ele predestinou tudo o que
acontece”. Além disso, pelo decreto de Deus, diz a Confissão (3:3), “para
manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados
para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna”. “Cristo nos
ensina em sua Palavra”, escreveu Jonathan Edwards, “que Deus decreta todas
as coisas desde toda a eternidade, que ele determinou absolutamente todos os
que serão salvos e todos os que serão condenados”.[47] E como o Breve
catecismo (R. 8) continua a ensinar, as obras de Deus podem ser resumidas
sob dois títulos principais: “Deus executa os seus decretos nas obras da
criação e da providência”.
Quanto à obra da criação, diziam os puritanos, o Deus triúno da
Escritura é “o Criador de todas as coisas” (Jeremias 10.16). A obra criativa de
Deus foi feita ex nihilo (a partir de nenhum material pré-existente), e ele criou
todas as coisas em seis dias solares. Como mantido por John Owen, a obra da
criação é “um ato ou obra do poder onipotente de Deus, pelo qual do nada,
em seis dias, ele criou o céu e a terra, e os mares, com todas as coisas neles
contidos”.[48] Deus não criou o universo por necessidade (Isaías 40.12-31;
Atos 17.25); antes, ele criou pois desejou fazê-lo (Apocalipse 4.11), para sua
própria glória (Salmos 19.1; Isaías 43.6-7, 21). A ato glorioso da criação de
Deus foi o homem, criado à imagem de Deus (Gênesis 1.26-27).
Os puritanos concordavam com seu predecessor João Calvino que as
doutrinas da criação e providência são inseparáveis:
Seria de todo inútil e indiferente fazer de Deus um criador efêmero, o qual
tivesse terminado de uma vez sua obra; e, principalmente nisto, será conveniente
nos diferenciarmos dos homens profanos: o poder divino nos ilumina não menos
no estado perene do mundo do que no seu princípio... Mas a fé deve penetrar
mais fundo; assim, como aprendeu que Aquele é criador de todas as coisas, deve
concluir imediatamente que também é moderador e conservador perpétuo, e isso,
não acionando com certo movimento universal tal máquina e cada uma de suas
partes, mas sustentando, protegendo e cuidando, com certa singular providência,
cada uma das coisas que criou, até o menor pássaro... todas as partes do mundo
têm seu vigor por secreta inspiração de Deus.[49]

A doutrina puritana da providência, como ensinada na Confissão (5:1),


afirma que:
Pela sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e
imutável conselho da sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as
coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria, poder, justiça, bondade e
misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as suas criaturas, todas as
ações e todas as coisas, desde a maior até a menor.

Num sermão sobre Jó 14.5, Jonathan Edwards pregou que “Deus determinou
de forma inalterável os limites da vida do homem”. Os dias de todos homens
estão contados; eles foram determinados com precisão, até mesmo as horas,
minutos e segundos de suas vidas. E nada pode mudar isso. [50] O governo
soberano de Deus do mundo, diziam os puritanos, inclui até mesmo as ações
pecaminosas dos homens. Isso, contudo, não faz de forma alguma Deus o
autor do pecado.[51] Para citar a Confissão (5:4):
A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal
maneira se manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira
queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma
mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos
desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e governa em uma múltipla
dispensarão mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões
procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e
justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo.

Os puritanos distinguiam ente a providência universal ou geral de Deus e a


sua providência particular ou especial.[52] A primeiro tem a ver com a
“bondade” de Deus estendida a toda a criação. Deus “faz nascer o seu sol
sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mateus 5.45). Por
meio de sua providência especial, o Deus triúno satisfaz as necessidades de
todas as coisas em sua criação (Salmos 104).
A providência especial, por outro lado, tem a ver com a preocupação
de Deus pelos eleitos. Como Paulo ensina em Romanos 8.28, e como a CFW
(5:7) confirma: “Como a providência de Deus se estende, em geral, a todos os
crentes, também de um modo muito especial ele cuida da Igreja e tudo dispõe
a bem dela”.
A doutrina da providência, como esposada pelos puritanos, nos dá o
consolo de que Deus está no controle absoluto de tudo o que ocorre em seu
universo. Nada acontece por acaso. Os eleitos de Deus podem descansar
seguros que ele governa soberanamente sobre todas as coisas. O Artigo 13 da
Confissão belga (1561) declara isso muito bem:
Cremos que o bom Deus, depois de ter criado todas as coisas, não as abandonou,
nem as entregou ao acaso ou a sorte, mas que as dirige e governa conforme sua
santa vontade, de tal maneira que neste mundo nada acontece sem sua
determinação. Contudo, Deus não é o autor, nem tem culpa do pecado que se
comete. Pois seu poder e bondade são tão grandes e incompreensíveis, que ele
ordena e faz sua obra muito bem e com justiça, mesmo que os demônios e os
ímpios ajam injustamente. E as obras dele que ultrapassam o entendimento
humano, não queremos investigá-las curiosamente, além da nossa capacidade de
entender. Mas, adoramos humilde e piedosamente a Deus em seus justos
julgamentos, que nos estão escondidos. Contentamo-nos em ser discípulos de
Cristo, a fim de que aprendamos somente o que ele nos ensina na sua Palavra,
sem ultrapassar estes limites.

Essa doutrina nos proporciona consolação indizível, pois somos ensinados


por meio dela que nada pode nos acontecer por acaso, mas apenas pela
direção do nosso muito gracioso Pai celestial; que cuida de nós com cuidado
paterno, mantendo todas as suas criaturas tão debaixo do seu poder que nem
um fio de nossa cabeça (os quais estão todos contados), nem um pardal, pode
cair no chão sem a vontade de nosso Pai, em quem confiamos inteiramente;
sendo persuadidos que ele restringe de tal forma o diabo e todos os nossos
inimigos que sem a sua vontade e permissão eles não podem nos ferir.
Sendo assim, J. I. Packer mantém corretamente que o calvinismo que
os puritanos sustentavam deve ser visto como “uma filosofia unificada da
história que encara a inteira diversidade de processos e eventos que têm lugar
no mundo de Deus como nada mais e nada menos que a concretização de seu
grandioso plano preordenado, o qual visa às suas criaturas e à sua igreja”.[53]
3. Os puritanos e a teologia do pacto

Sinclair Ferguson escreveu:


Um aspecto comum da teologia puritana era a estrutura federal ou
pactual dentro da qual o evangelho cristão era normalmente
entendido. Isso não significa que todos os puritanos tinham a mesma
visão dos pactos divinos, mas o pacto estava sendo reconhecido
como um tema fundamental da história redentora e da doutrina
bíblica.[54]
A importância da teologia pactual para os puritanos é facilmente vista na
CFW (7:1), onde lemos:
Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas
racionais lhe devam obediência como ao seu Criador, nunca poderiam fruir nada
dele como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária
condescendência da parte de Deus, a qual foi ele servido significar por meio de
um pacto.

O homem, diz a Confissão, deve obediência a Deus simplesmente por ser


criatura de Deus. Mas o homem “nunca poderia fruir nada dele como bem-
aventurança e recompensa” à parte do fato que Deus se agradou em entrar
num pacto com sua criatura. A teologia reformada dos puritanos mantém que
quando Deus criou o homem (Adão), ele entrou num “pacto de obras” com
ele. Como declarado pela Confissão (7:2): “O primeiro pacto feito com o
homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele
[como o cabeça federal de toda a raça humana] à sua posteridade, sob a
condição de perfeita obediência pessoal”. Assim também, Jonathan Edwards,
em concordância com a Confissão, mantinha que a “obediência perfeita foi a
condição do pacto [de obras] de Deus que foi feito com Adão”.[55]
Como lemos em Romanos 5, Adão desobedeceu a Deus. E como ele
era o cabeça federal ou pactual de toda a humanidade, seu pecado foi
imputado a toda a humanidade. Como diz o Breve catecismo (R. 16): “Visto
que o pacto foi feito com Adão não só para ele, mas também para sua
posteridade, todo gênero humano que dele procede por geração ordinária,
pecou nele e caiu com ele na sua primeira transgressão”.
Todos os homens, portanto, como resultado da Queda, são
judicialmente culpados. O pecado de Adão foi imputado a todos. Esse estado
ético no qual o homem se encontra, como alegado pela Confissão (6:2, 4), é
de “depravação total”. Isto é, o homem caiu de tal forma de seu estado de
“retidão original e da comunhão com Deus, [que se] tornou morto em pecado
e inteiramente corrompido em todas as suas faculdades e partes do corpo e da
alma”. Assim, toda a humanidade está agora “totalmente indisposta, adversa
a todo o bem e inteiramente inclinada a todo o mal”.
Mas como o Breve catecismo (R. 20-21) ensina, Deus não deixou toda
a humanidade perecer nesse estado: “Tendo Deus, unicamente pela sua boa
vontade desde toda a eternidade, escolhido alguns para a vida eterna, entrou
com eles em um pacto de graça, para os livrar do estado de pecado e miséria,
e trazer a um estado de salvação por meio de um Redentor... o Senhor Jesus
Cristo”. E o pacto da graça, como o Catecismo maior (R. 31) diz, “feito com
Cristo, como o segundo Adão, e nele, com todos os eleitos, como sua
semente”. Nas palavras de Jonathan Edwards: “Assim, o primeiro pacto [das
obras], que Deus fez com Adão, falhou... Portanto, Deus introduz outro pacto
melhor, ligado não a sua [de Adão] força, mas a força de um [Cristo] que é
poderoso e estável, e, portanto, trata-se de um pacto seguro e eterno”.[56]
A Confissão (7:4) continua para afirmar que a forma do eleito herdar
sua herança eterna é por meio da morte testamentária do inaugurador do
pacto, Jesus Cristo: “Este pacto da graça é frequentemente apresentado nas
Escrituras pelo nome de Testamento, em referência à morte de Cristo, o
testador, e à perdurável herança, com tudo o que lhe pertence, legada neste
pacto”. Essa é a razão de Jonathan Edwards referir-se ao pacto da graça como
“a última vontade e testamento de Cristo”.[57]
Os puritanos, com Calvino, mantinham que há um pacto da graça que
percorre toda a Bíblia. Existe uma continuidade entre o Antigo e Novo
Testamentos. Todavia, há também uma descontinuidade. Na Nova Aliança a
forma de administração é diferente e superior. Nas palavras da Confissão
(7:5-6):
Este pacto [da graça] no tempo da Lei [Antigo Testamento] não foi administrado
como no tempo do Evangelho [Novo Testamento]. Sob a Lei foi administrado
por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão, pelo cordeiro pascoal e
outros tipos e ordenanças dadas ao povo judeu, prefigurando, tudo, Cristo que
havia de vir; por aquele tempo essas coisas, pela operação do Espírito Santo,
foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias
prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a vida eterna: essa
dispensarão chama-se o Antigo Testamento.
Sob o Evangelho, quando foi manifestado Cristo, a substância, as ordenanças
pelas quais este pacto é dispensado são a pregação da palavra e a administração
dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que
poucas em número e administradas com maior simplicidade e menor glória
externa, o pacto é manifestado com maior plenitude, evidência e eficácia
espiritual, a todas as nações, aos judeus bem como aos gentios. É chamado o
Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos de graça diferentes em substância
mas um e o mesmo sob várias dispensações.

Como o autor de Hebreus nos diz, na era do Novo Pacto temos uma “superior
aliança... com base em superiores promessas”. Diferente da antiga, na nova
era Deus promete “na sua [dos eleitos] mente imprimirei as minhas leis,
também sobre o seu [dos eleitos] coração as inscreverei”, ao ponto de que
“todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior” (8.6, 10-11).
O pacto da graça foi inicialmente revelado em Gênesis 3.15 com a
primeira promessa messiânica ou “promessa do evangelho” (o
protevangelium), diretamente após a Queda. Escreveu: “O evangelho foi
primeiro revelado na terra nessas palavras [de Gênesis 3.15]... essas palavras
de Deus... foram a primeira aurora da luz do evangelho após essas trevas [da
Queda].[58] De acordo com a Confissão (7:3):
O homem, tendo-se tornado pela sua queda incapaz de vida por esse pacto, o
Senhor dignou-se fazer um segundo pacto, geralmente chamado o pacto da
graça; nesse pacto ele livremente oferece aos pecadores a vida e a salvação por
Jesus Cristo, exigindo deles a fé nele para que sejam salvos; e prometendo dar a
todos os que estão ordenados para a vida o seu Santo Espírito, para dispô-los e
habilitá-los a crer.

Esse único pacto da graça, ensinou Calvino e os puritanos, é progressivo em


natureza. E ele alcançou seu cumprimento com a vinda de Cristo e a
inauguração da era do Novo Testamento. Disse Calvino:
A primeira promessa de salvação foi dada a Adão [em Gênesis 3.15]… saltaram
como que centelhas tênues; depois que se deu a aproximação, maior amplitude
de luz começou a se erguer, que emergiu mais e mais, e exibiu seu mais amplo
fulgor até que por fim, todas as nuvens dissipadas, Cristo, o sol da justiça,
iluminou plenamente todo o orbe terrestre.[59]

Os puritanos também acreditavam que o pacto da graça é a execução histórica


do pacto da redenção.[60] É evidente a partir de passagens tais como Isaías
53.10-11; Hebreus 13.20; e Apocalipse 13.8 que houve um eterno conselho
da Deidade triúna que precedeu a criação. Esse conselho eterno é chamado de
pacto da redenção para distingui-lo do pacto da graça; todavia, ele é
fundacional para o pacto da graça. Nesse conselho eterno Deus o Pai,
representando a Trindade, pactuou com Deus o Filho, representando a igreja,
para redimir pecadores eleitos (o Espírito Santo estando envolvido na
aplicação da redenção realizada por Jesus Cristo). Como declarado na CFW
(8:1):
Aprouve a Deus [o Pai] em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor
Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o
Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas
as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser
sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado,
santificado e glorificado.

De acordo com os puritanos, é o pacto da graça (fundamentado no pacto da


redenção), que dá unidade ao povo de Deus. Os eleitos do Antigo e Novo
Testamento são igualmente salvos pela fé em Jesus Cristo[61] E nesse
relacionamento pactual entre Cristo e o seu povo eleito, Cristo cumpriu o
pacto das obras em favor deles. [62] Os santos do Antigo Testamento, então,
de Adão em diante, pertenciam à Nova Aliança, na qual eles abraçaram a
Cristo, o Messias prometido. [63] Como a Confissão (8:6) diz:
Ainda que a obra da redenção não foi realmente cumprida por Cristo senão
depois da sua encarnação; contudo a virtude, a eficácia e os benefícios dela, em
todas as épocas sucessivamente desde o princípio do mundo, foram comunicados
aos eleitos naquelas promessas, tipos e sacrifícios, pelos quais ele foi revelado e
significado como a semente da mulher que devia esmagar a cabeça da serpente,
como o cordeiro morto desde o princípio do mundo, sendo o mesmo ontem, hoje
e para sempre.

Finalmente, deveria ser observado que Calvino e os puritanos ensinaram que


todos os pactos bíblicos são condicionais; eles são bilaterais. Deus dá
promessas, mas também dá ordens. As promessas são anunciadas pelo Deus
soberano; as ordens devem ser obedecidas por seus vassalos. Os violadores
do pacto serão arrancados da presença de Deus; aqueles que guardam o pacto
herdarão as bênçãos pactuais. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que
embora os pactos sejam condicionais mesmo para os eleitos, Deus é aquele
que fornece o necessário para que eles sejam capazes de guardar o pacto.[64]
A CFW (7:3), por exemplo, diz claramente que “deles a fé nele [Cristo]” é
exigida dos eleitos “para que sejam salvos”. Mas ela continua para manter
que Deus promete “dar a todos os que estão ordenados para a vida o seu
Santo Espírito, para dispô-los e habilitá-los a crer”.
O pacto da graça está no próprio cerne da obra salvadora de Deus por
seu povo eleito. Como Jonathan Edwards escreveu:
A justiça de Deus... é... sua fidelidade em cumprir suas promessas pactuais a sua
igreja, ou sua fidelidade para com sua igreja e povo, ao conceder sobre eles os
benefícios do pacto da graça. Embora esses benefícios sejam concedidos pela
livre e soberana graça, sendo assim totalmente imerecidos; todavia, como Deus
se agradou, pelas promessas do pacto da graça, em se obrigar a concedê-las, elas
são concedidas no exercício da justiça ou retidão de Deus... A justiça de Deus,
ou sua misericórdia pactual, é a raiz, da qual sua salvação é o fruto... Pois a
salvação é a soma de todas aquelas obras de Deus pelas quais os benefícios
advindos do pacto da graça são adquiridos e concedidos.[65]
4. Os puritanos e soteriologia
Em nosso estudo do puritanismo, vimos que a Confissão de fé de
Westminster foi escrita na forma de uma teologia sistemática. O capítulo 1
estuda “Da Sagrada Escritura”. Essa doutrina deve ser a primeira pois os 32
capítulos restantes são erigidos sobre o axioma da revelação bíblica. A seguir
vem o estudo de Deus, nos capítulos 2-5. O capítulo 6 estuda a Queda do
homem e seus resultados. O capítulo 7 examina “Do pacto de Deus com o
homem”, e o capítulo 8 analisa a cristologia (a doutrina de Cristo). Então,
após o capítulo 9 discutir a questão “Do livre-arbítrio”, chegamos ao estudo
da salvação: soteriologia (da palavra grega soter, “salvador”). Os puritanos
na Assembleia de Westminster devotaram a maior porção da Confissão a essa
doutrina: capítulos 10-18, juntamente com as porções dos capítulos 32-33.[66]
Como temos visto, após a Queda o homem foi deixado num estado
ético de “depravação total”, incapaz de fazer algo agradável a Deus
(Romanos 3.9-18; 8.7-8). Deus, contudo, como o Breve catecismo (R. 20-21)
diz, “unicamente pela sua boa vontade desde toda a eternidade, escolheu
alguns para a vida eterna”. E ele “entrou em um pacto de graça” com os
eleitos, “para os livrar do estado de pecado e miséria, e trazer a um estado de
salvação por meio de um Redentor... o Senhor Jesus Cristo”.
Temos visto também que os puritanos ensinavam que a salvação está
enraizada no decreto eterno de Deus. Como diz a Confissão (3:3, 5): “Pelo
decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns
anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte
eterna”. E aqueles “que são predestinados para a vida, Deus, antes que fosse
o mundo criado... escolheu em Cristo para a glória eterna”. Demais, Deus fez
isso por “sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas
obras e perseverança nelas”.
Visto que Deus ordenou a salvação dos pecadores eleitos em Cristo
“antes da fundação do mundo”, a salvação deles é certa. Nada pode mudá-la.
Deus também ordenou a ordem lógica (chamada a ordo salutis) pela qual a
obra da redenção consumada é subjetivamente aplicada ao eleito, bem como
os meios para alcançá-la. Lê-se na Confissão (3:6):
Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e
mui livre propósito da sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a
esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos
por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo pelo seu Espírito, que
opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo
seu poder por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que
seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e
salvo.

Do começo ao fim, da eleição à glorificação, Deus salva o eleito em Cristo.


Como declarado pelo profeta Jonas: “Ao Senhor pertence a salvação!” (Jonas
2.9).
Nos capítulos 10-18 da Confissão de fé de Westminster chegamos ao
estudo da ordo salutis, a ordem lógica na qual a salvação é aplicada ao eleito.
Passagens como João 1.12-13, Romanos 8.28-30, e Efésios 1.3-14 e 2.8-10,
nos ensinam que a salvação não é um evento com um único passo; há um
processo gradual envolvido. Mas mesmo quando estudamos o conceito
puritano desse processo devemos manter em mente que algumas das partes da
ordo salutis podem ser síncronas; além disso, as partes nunca devem ser
separadas.
De acordo com a Confissão (8:1), toda a ordo salutis tem a ver com o
relacionamento da pessoa com Jesus Cristo. Ele é “o Cabeça e Salvador de
sua igreja... e [Deus Pai] deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser
sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado,
justificado, santificado e glorificado”. Esse povo eleito é dito estar em
“união” com Cristo (1 Coríntios 1.30; 6.17). Nas palavras de John Owen,
“toda graça verdadeira, salvadora e santificadora, toda vida espiritual, e tudo
o que pertence a elas, é derivado diretamente dessa união com Cristo, como o
Cabeça vivo de sua igreja e fonte de toda vida espiritual para eles”.[67] É o
Espírito Santo quem realiza essa união (1 Coríntios 12.12-13). O Breve
catecismo (R. 29-30) ensina que “tornamo-nos participantes da redenção
adquirida por Cristo pela eficaz aplicação dela a nós pelo seu Santo Espírito...
o Espírito... unindo-nos a Cristo por meio dela em nossa vocação eficaz”.
De acordo com os puritanos, a ordem lógica da aplicação da redenção
é: chamado eficaz e/ou regeneração, conversão (consistindo de fé e
arrependimento), justificação, adoção, santificação, perseverança, segurança
e glorificação.
Primeiro, há o chamado eficaz, que a Confissão (10:3) considera a
mesma coisa que a regeneração. Isso, como o Breve catecismo (R. 31) diz: “É
a obra do Espírito Santo, pela qual, convencendo-nos do nosso pecado, e da
nossa miséria, iluminando nossos entendimentos pelo conhecimento de
Cristo, e renovando a nossa vontade, nos persuade e habilita a abraçar Jesus
Cristo, que nos é oferecido de graça no Evangelho”.
Há um chamado externo ou universal do evangelho, pelo qual, nas
palavras de Calvino, “Deus, mediante pregação externa de sua Palavra,
chama e convida a si indistintamente a todos, inclusive aqueles a quem ela
está proposta como odor de morte e matéria de maior condenação”.[68] Mas
somente os eleitos são eficazmente chamados ou regenerados, e isso
acontece, como diz Confissão (10:1), “por sua [de Deus] Palavra e Espírito”.
Por que tantos ouvem o evangelho pregado no chamado externo e
somente alguns respondem? Certamente não é devido a alguma bondade
inerente dentro deles, disseram os puritanos. Trocando em miúdos, é porque
Deus escolheu salvar alguns e não salvar outros (Salmos 65.4; Provébios
16.4). Como a Confissão (10:4) explica, “os não eleitos, posto que sejam
chamados pelo ministério da palavra e tenham algumas das operações
comuns do Espírito, contudo não se chegam nunca a Cristo e portanto não
podem ser salvos”. O chamado eficaz, por outro lado, diz a Confissão (10:1-
2), é irresistível (Romanos 11.29). É para “todos aqueles que Deus
predestinou para a vida... [e] é só da livre e especial graça de Deus”. Aqui
vemos a ênfase dos puritanos sobre o fato que a salvação pertence
completamente “ao SENHOR” (Jonas 2.9). Se os homens se voltam alguma vez
para Deus, escreveu Jonathan Edwards, é porque “Deus lhes concedeu” se
voltar. Trata-se do “fruto da generosidade de Deus”.[69]
John Gerstner descreve a visão de Jonathan Edwards do chamado
eficaz da seguinte forma:
A teoria do conhecimento religioso de Edwards pode ser
representada pelo processo de revelação fotográfica. Quando a foto é
colocada na emulsão nada aparece ou pode ser visto. Quando o filme
é revelado, a foto pode ser vista. O processo revelatório não adiciona
nada à foto que já não estivesse presente ali, mas apenas torna a foto
visível. O homem natural tem uma foto religiosa em sua mente [a
partir do chamado externo do evangelho]; ele pode ter muitas fotos
assim; ele pode ter mais fotos que pessoas regeneradas, e, na
verdade, até fotos melhores. Mas nenhuma dessas fotos excelentes
foi jamais revelada. A luz divina e sobrenatural [da obra do Espírito
Santo] é o processo revelador que Deus usa para fazer a beleza e
doçura da verdade divina notórias ao regenerado.[70]
Segundo, há a conversão. Uma vez que o pecador eleitor foi regenerado,
Deus o converte fazendo com que ele responda ao chamado do evangelho. A
conversão, de acordo com os puritanos, consiste de duas partes: fé e
[71]
arrependimento. A fé salvadora em Jesus Cristo, declara o Breve
catecismo (R. 86), “é uma graça salvadora, pela qual o recebemos e
confiamos só nele para a salvação, como ele nos é oferecido”. O
arrependimento para a vida, por outro lado, o Breve catecismo (R. 87)
continua para dizer, “é uma graça salvadora pela qual o pecador, tendo um
verdadeiro sentimento do seu pecado e percepção da misericórdia de Deus
em Cristo, se enche de tristeza e de horror pelos seus pecados, abandona-os e
volta para Deus, inteiramente resolvido a prestar-lhe nova obediência”.
De acordo com os puritanos, o arrependimento é voltar-se do pecado; a
fé salvadora é um voltar-se para Cristo. O arrependimento bíblico (metanoia)
envolve uma mudança de mente.[72] O pecador arrependido muda sua atitude
para com o pecado. Ele se afasta do pecado e se volta para Cristo a fim de
servi-lo com temor piedoso. Uma conversão genuína, disse John Owen, é
acompanhada por “um engajamento universal do coração em toda santa
obediência a Deus em Cristo, com uma renúncia de todo pecado conhecido,
produzindo necessariamente uma mudança e reforma completa de vida e
fecundidade na obediência”.[73]
De acordo com os puritanos, a fé salvadora, que está inseparavelmente
unida com o arrependimento para a vida, descansa na Palavra de Deus, e é
aplicada por meio do Espírito Santo. Além disso, como vimos acima, essa fé
crescerá durante o processo de santificação (a ser discuto mais adiante), à
medida que o crente estuda a Bíblia e medita sobre ela. Diz a Confissão
(14:1):
A graça da fé, pela qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação das suas
almas, é a obra que o Espírito de Cristo faz nos corações deles, e é
ordinariamente operada pelo ministério da palavra; por esse ministério, bem
como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e
fortalecida.

Terceiro, há a justificação. Uma vez convertido, o pecador eleito é


justificado. Nas palavras do Breve catecismo (R. 33): “Justificação é um ato
da livre graça de Deus, no qual Ele perdoa todos os nossos pecados, e nos
aceita como justos diante de Si, somente por causa da justiça de Cristo a nós
imputada, e recebida só pela fé”. A justificação é pela graça, por meio da fé
somente: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de
vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8-
9).
Essa doutrina estava no cerne da Reforma. Martinho Lutero a chamou
de “a doutrina pela qual a igreja cai ou permanece de pé”; para Calvino ela
era a “dobradiça” da Reforma.[74] Além disso, Calvino escreveu: “Onde quer
que tal conhecimento [da doutrina da justificação pela fé somente] esteja
ausente, a glória de Cristo é extinta, a religião, abolida, a igreja, destruída e a
esperança da salvação, totalmente abatida”.[75] Enquanto a Igreja Protestante
manteve esse importante princípio do cristianismo, o Catolicismo Romano o
rejeitou no Concílio de Trento (1546-1563).
É claro que quando os puritanos da Assembleia de Westminster falam
de justificação “pela fé somente”, o que eles querem dizer é “por Cristo
somente”. Isto é, o fundamento da justificação é a justiça e sacrifícios
vicários de Cristo. Fé significa confiar em Cristo somente, que nos justifica.
Como a Confissão (11:2) ensina, a fé é não-meritória; é o instrumento pelo
qual alguém é justificado, não a causa da justificação: “A fé, assim recebendo
e assim se firmando em Cristo e na justiça dele, é o único instrumento de
justificação”. Ou, nas palavras de Calvino: “Nós dizemos que a fé justifica,
não porque ela, com sua dignidade, faça-nos merecer a justiça, mas por ser o
instrumento mediante o qual gratuitamente alcançamos a justiça de Cristo”.
[76]

Além disso, como já observado, a justificação é forense; é um ato legal.


A justificação é imputada, não infundida. Dito de outra forma, o homem não
é tornado justo, mas declarado justo. Na doutrina bíblica da imputação, não é
o pecador eleito que é transformado; o que muda é a forma como Deus o
considera. Não somente o pecador eleito é declarado “não culpado”, mas ele
é declarado também justo, em Cristo. A Bíblia ensina, diziam os puritanos,
que na cruz a dupla imputação ocorreu. Os pecados dos pecadores eleitos
culpados foram imputados a Cristo, e sua justiça foi imputada a eles: “Aquele
que não conheceu pecado, ele [Deus o Pai] o fez [Cristo] pecado por nós [os
eleitos]; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5.21).
[77]
Como o puritano fora do tempo Charles Spurgeon disse:
Eu disse que, vestidos na justiça de Cristo, somos aceitos como se
nunca tivéssemos pecados. Eu me corrijo — se nunca tivéssemos
pecado, só poderíamos ter permanecido na justiça do homem. Mas
hoje, pela fé, permanecemos na justiça do próprio Deus. Os feitos
[obediência ativa de Cristo] e a morte [obediência passiva de Cristo]
de nosso Senhor Jesus Cristo compõem para nós um vestido de
noiva mais glorioso que o mérito humano poderia ter gerado, mesmo
se o Adão não caído tivesse sido o fiandeiro.[78]
É uma justiça alheia a que salva os pecadores eleitos; é a justiça de Cristo, e
não a deles mesmos. A Confissão (11:1) diz isso assim:
Os que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação
não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar os seus pecados e
em considerar e aceitar as suas pessoas como justas. Deus não os justifica em
razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita, mas somente em
consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o
ato de crer ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes
a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e se firmam nele
pela fé, que não têm de si mesmos, mas que é dom de Deus.

É digno de nota que a Confissão declara que essa doutrina da justificação


pela fé somente se aplica a todos “os que Deus chama eficazmente”,
pecadores eleitos do Antigo e do Novo Testamento. Esse não é um conceito
meramente neotestamentário. Como declarado por Jonathan Edwards:
“Dessa forma, a doutrina da justificação pela livre graça sem as obra da lei,
ou nossa própria justificação, é a doutrina tanto do Antigo como do Novo
Testamento”.[79]
Finalmente, embora a justificação seja pela graça por meio da fé
somente, a fé não é sozinha. A Bíblia ensina, diziam os puritanos, que a fé
salvadora produzirá boas obras (a ser estudo adiante). A fé salvadora é uma
fé que age. Diz Tiago: “A fé sem obras é morta” (Tiago 2.26). E Paulo
assevera: “Pois somos feitura dele [de Deus], criados em Cristo Jesus para
boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”
(Efésios 2.10).
Em concordância completa com a Bíblia, Thomas Cranmer mantinha
que uma fé não produz “boas obras não é uma fé correta, pura e viva, mas
uma fé morta, diabólica, falsificada e fingida, como S. Paulo e S. Tiago a
chamam”.[80] E segundo Jonathan Edwards, “somente aquele tipo de fé que
opera pelo amor vale algo diante de Deus”. Isto é, uma fé operante é uma fé
que não está sozinha; é uma fé que “produz os frutos apropriados dela nesta
vida”.[81] “A santidade”, diziam os puritanos, “envolve obediência, que por
sua vez envolve o cumprimento do dever... a obediência evangélica é
universal em caráter”.[82]
Essas obras de obediência de forma alguma devem ser consideradas
como obras de mérito. Elas são obras de necessidade.[83] Elas são obras que
“necessariamente” seguirão uma conversão genuína. Como declarado na
Confissão (11:2):
A fé, assim recebendo e assim se firmando em Cristo e na justiça dele, é o único
instrumento de justificação; ela, contudo não está sozinha na pessoa justificada,
mas sempre anda acompanhada de todas as outras graças salvadores; não é uma
fé morta, mas obra por amor.

Quatro, há a adoção. Como a justificação, a adoção é um ato judicial de


Deus. Na adoção, Deus traz o pecador justificado a um relacionamento filial
consigo mesmo. Daí o pecador participa de todos os direitos de herança do
eleito de Deus. A adoção, alegou John Owen, é o mais alto privilégio que
alguém pode desfrutar. A adoção “é o nosso grande e supremo privilégio... é
a trasladação autoritativa de um crente, por Jesus Cristo, da família do mundo
e satanás para a família de Deus, com sua investidura em todos os privilégios
e vantagens dessa família”. [84]
A Assembleia de Westminster estava em concordância com o Dr.
Owen. A adoção, declara o Catecismo maior (R. 74), é:
... um ato da livre graça de Deus, em seu único Filho Jesus Cristo e por amor
dele, pelo qual todos os que são justificados são recebidos no número dos filhos
de Deus, trazem o seu nome, recebem o Espírito do Filho, estão sob o seu
cuidado e dispensações paternais, são admitidos a todas as liberdades e
privilégios dos filhos de Deus, feitos herdeiros de todas as promessas e
coerdeiros com Cristo na glória.

A Bíblia não ensina a paternidade universal de Deus, nem a irmandade


universal de toda a humanidade. Calvino e os puritanos não teriam nada a ver
com a noção modernista de que todos os homens são filhos de Deus em
algum sentido salvífico do termo. Desde o tempo de Gênesis 3.15, vemos que
há duas famílias de homens: aquela que pertence à Semente da mulher, Jesus
Cristo; e aquela que pertence à semente da serpente.[85]
Quinto, há a santificação. De acordo com o Breve catecismo (R. 35),
santificação “é a obra da livre graça de Deus, pela qual somos renovados em
todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus, e habilitados a morrer cada vez
mais para o pecado e a viver para a retidão”. Algumas vezes esse processo de
santificação é descrito como “a cristianização do cristão”.[86] Na mentalidade
puritana, toda a vida é uma batalha, uma batalha espiritual na qual a pessoa
precisa “colocar toda a armadura de Deus” se há de ser vitoriosa (Efésios
6.10-18).[87] Os cristãos puritanos frequentemente mantinham diários com
respeito ao seu próprio estado espiritual no meio dessa batalha.[88]
Certamente, santificação “era o tema central e mais enfatizado” na pregação
dos puritanos. [89]
Na justificação a culpa do pecado é instantaneamente erradicada; na
santificação a poluição do pecado é progressivamente removida. Justificação
é o que Deus faz “fora” do pecador eleito (i.e., uma justiça alheia);
santificação é o que Deus faz “no” santo justificado. John Bunyan escreveu:
“Se você não coloca uma diferença entre a justificação operada exteriormente
pelo homem Cristo e a santificação operada interiormente pelo Espírito de
Cristo... você não será capaz de manejar a Palavra corretamente; mas, do
contrário, você corrompe a Palavra de Deus”.[90] A santificação, então, é
fundamentada na justificação, e, com o diz o Breve catecismo (R. 35), “é obra
da livre graça de Deus”. O apóstolo Paulo disso isso da seguinte forma: “O
mesmo Deus da paz vos santifique em tudo... Fiel é o [Deus] que vos chama,
o qual também o fará” (1 Tessalonicenses 5.23-24).[91] Esse último é
importante pois com muita frequência ouvimos que embora a justificação seja
obra de Deus, a santificação é obra do crente. De acordo com a Bíblia (e os
Padrões de Westminster dos puritanos), contudo, não é assim. (Essa foi a
heresia judaizante da qual Paulo falou em Gálatas 3.1-3.) Antes, santificação
é o que Deus faz no crente. Não se trata de “boas obras” do crente. As boas
obras estão inseparavelmente relacionadas à santificação, mas não são a
mesma coisa. Como observado no Breve catecismo (R. 35), na santificação
Deus capacita o crente a “morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a
retidão”.
A relação entre santificação e boas obras é estudada no capítulo 16 da
Confissão de fé de Westminster: “Das boas obras”. E a Confissão é muito
clara: a fé justiçadora não é fé mais obras (como no catolicismo romano). A
fé salvadora é uma fé que produz boas obras. Salomão afirma que: “O
perverso quer viver do que caçam os maus, mas a raiz dos justos produz o seu
fruto” (Provérbios 12.12). E como Edwards declarou: “Os homens não
podem ser salvos por nenhuma de suas obras e, ainda assim, eles não serão
salvos sem obras... O espírito dos homens piedosos é um espírito para ser
perfeitamente santo... Fé é uma coisa que trabalha”.[92]
Boas obras, de acordo com o capítulo 16 da Confissão, são aquelas
feitas em obediência à Palavra de Deus: “Boas obras são somente aquelas que
Deus ordena em sua santa palavra” (16:1). Além disso, elas são motivadas
por um zelo de agradar a Deus. Isso significa que um incrédulo nunca pode
fazer uma boa obra aos olhos de Deus, pois, embora possa cumprir
exteriormente aquelas coisas que Deus ordena, as obras “não procedem de
um coração purificado pela fé” (16:7). A Confissão enfatiza o fato que as
boas obras do crente não são obras de mérito; elas são obras de necessidade.
As boas obras não devem em nenhum sentido serem consideradas a causa ou
o fundamento da justificação, mas o resultado dela: “Não podemos, pelas
nossas melhores obras, merecer da mão de Deus perdão de pecado ou a vida
eterna” (16:5). As obras, “são o fruto e as evidências de uma fé viva e
verdadeira” (16:2).
A santificação afeta “toda a natureza” do homem. Tudo da vida é santo
ao Senhor. E santidade, disse Owen, é “nada senão o implantar, escrever e
realizar do evangelho em nossa alma”. Esse processo contínuo de
santificação “é a renovação universal da nossa natureza pelo Espírito Santo à
imagem [ética] de Deus, por meio de Jesus Cristo”.[93] Essas coisas sendo
assim, como o Breve catecismo (R. 88) ensina, é imperativo que o crente faça
uso diligente dos meios de graça, “especialmente a Palavra, os sacramentos e
a oração; as quais todas se tornam eficazes aos eleitos para a salvação
[completa]”.
É por isso que Jonathan Edwards instou com seus ouvintes: “Todo
cristão deveria se esforçar para crescer no conhecimento da Divindade... Os
cristãos não deveriam se contentar com os graus de conhecimento da
Divindade que já alcançaram. Isso não deve satisfazê-los, posto saberem o
quanto é absolutamente necessário para a salvação, mas sim instigá-los a
fazer progresso... Seja assíduo na leitura das Sagradas Escrituras. Essa é a
fonte da qual todo conhecimento da Divindade deve ser derivado. Portanto,
não permitas que esse tesouro sejas por ti negligenciado”.[94]
Logo cedo na vida Edwards decidiu consigo mesmo: “resolvi estudar
as Escrituras tão firme, constante e frequentemente, que possa perceber com
clareza que estou crescendo continuamente no conhecimento da Palavra”.[95]
John Bunyan foi outro exemplo de um homem assim. Ele estava tão imerso
na palavra de Deus que Charles Spurgeon disse dele: “Piquem-no em
qualquer ponto; e verão que seu sangue é biblino; fui dele a própria essência
da Bíblia. Ele não pode falar sem citar um texto, pois a sua alma transborda
da Palavra de Deus”.[96]
Como observado, os puritanos enfatizavam a importância da oração.
“A oração”, escreveu Thomas Watson, “é a própria alma respirando no seio
de seu Pai celestial”.[97] Ela é um meio de “fundir” as promessas de Deus à
alma do cristão, declarou William Gurnall: “A oração não é nada senão a
promessa revertida, ou a Palavra de Deus colocada em argumento, e
devolvida pela fé a Deus novamente”.[98] Jonathan Edwards ensinou
corretamente que a oração fervorosa é marca de uma conversão genuína:
“Quando o Espírito de Deus começa ou trabalha no coração dos homens, ele
imediatamente os faz invocar” a Deus em oração. O “derramamento do
Espírito de Deus é sempre acompanhado de... um grande aumento no
cumprimento do dever da oração”.[99]
Sexto, há perseverança e certeza. Calvino escreveu: “Não pode ser que
os membros verdadeiros do povo eleito de Deus pereçam ou se percam no
final”.[100] Essa é a doutrina da perseverança dos santos. A Confissão (17:1)
diz: “Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou
eficazmente e santificou pelo seu Espírito, não podem decair do estado da
graça, nem total, nem finalmente; mas, com toda a certeza hão de perseverar
nesse estado até o fim e serão eternamente salvos”. Em 2 Tessalonicenses
1.3-5, o apóstolo Paulo mantém que a perseverança é uma evidência da fé
salvadora. Jonathan Edwards ensinou a mesma coisa: “Pois Deus considera a
perseverança como estando virtualmente no primeiro ato [da fé salvadora]. E
ela é vista como se fosse uma propriedade daquela fé pela qual o pecador é
então justificado”.[101]
De acordo com os puritanos, a perseverança dos santos depende
completamente de Deus preservá-los até o fim. Diz a Confissão (17:2): “Esta
perseverança dos santos não depende do livre arbítrio deles, mas da
imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de
Deus Pai, da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência
do Espírito e da semente de Deus neles e da natureza do pacto da graça; de
todas estas coisas vêm a sua certeza e infalibilidade”. Isso é o que Paulo
ensina em Filipenses 1.6: “Aquele [Deus Pai] que começou boa obra em vós
há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus”. Deus preservará o seu povo
eleito.
Os puritanos não acreditavam que a doutrina da perseverança é a
mesma coisa que a doutrina da certeza da salvação. A primeira ensina que
nenhum cristão irá cair definitivamente do estado de salvação ao qual Deus o
trouxe. A última tem a ver com a certeza que o cristão tem de que entrou num
estado de salvação. Um homem justificado pode duvidar de sua salvação,
mas isso de forma alguma nega a doutrina da perseverança.
Isso está em concordância com a Confissão (18:1-2), que mantém que
“ainda que os hipócritas e os outros não regenerados” possam ter uma falsa
segurança de sua posição diante de Deus, “os que verdadeiramente creem no
Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em
toda a boa consciência, podem, nesta vida, certificar-se de se acharem em
estado de graça e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, nessa
esperança que nunca os envergonhará”. Além disso, essa segurança não está
“fundada numa falsa esperança”, mas está “fundada na divina verdade das
promessas de salvação”.
A certeza ou segurança da salvação não é necessária para a salvação,
mas pode ser obtida e deve ser buscada. A Confissão (18:3) ensina que é
“dever de todo o fiel fazer toda a diligência para tornar certas a sua vocação e
eleição, a fim de que por esse modo seja o seu coração no Espírito Santo
confirmado em paz e gozo, em amor e gratidão para com Deus, em firmeza e
alegria nos deveres da obediência que são os frutos próprios desta segurança.
Este privilégio está, pois, muito longe de predispor os homens à negligência”.
John Owen[102] e Jonathan Edwards[103] escreveram tratados extensos
lidando com a doutrina da certeza da salvação. Seus escritos estão de acordo
com aquele da Assembleia de Westminster. Isto é, embora a certeza não seja
necessária para a salvação ela deveria ser buscada; e pode ser alcançada.
Existe, contudo, tal coisa como uma certeza “carnal” ou falsa contra a qual se
deve se resguardar. E a forma de alguém saber se é bíblica a sua certeza é que
ela produzirá, como a Confissão (18:3) diz, “os frutos próprios desta
segurança”, que são: “coração no Espírito Santo confirmado em paz e gozo”,
“amor e gratidão para com Deus” e “firmeza e alegria nos deveres da
obediência” a Deus.
Além disso, sob “As evidências da fé salvadora”, os teólogos de
Westminster escreveram “quatro coisas que são requisitos”, i.e., quatro
diretrizes para ajudar indivíduos a “saber” se estão num estado de graça:
1. Que o crente esteja profundamente convencido, em seu julgamento,
de sua obrigação de guardar toda a lei moral, todas as leis de sua vida; e que
não menos, mas muito mais é requerido dele, já que foi liberto por Cristo do
pacto das obras, e da maldição da lei.
2. Que ele busque crescer no exercício e na prática diária da piedade e
justiça.
3. Que o curso de sua nova obediência percorra o caminho correto, isto
é, por meio da fé em Cristo, e por meio de uma boa consciência, para todos
os deveres do amor para com Deus e o homem.
4. Que ele mantenha estreita comunhão com a fonte Cristo Jesus, de
quem graça deve fluir, para a produção de bons frutos.[104]
Sétimo, há a glorificação. Esse é o último estágio da ordo salutis, que,
de acordo com os puritanos, acontece em dois estágios. O primeiro estágio
ocorre na morte do indivíduo crente. Esse é o estado intermediário
(Filipenses 1.21-23; 2 Coríntios 5.8). O Breve catecismo (R. 37) declara: “As
almas dos fiéis na hora da morte são aperfeiçoadas em santidade, e
imediatamente entram na glória”. E lê-se na Confissão (32:1):
Os corpos dos homens, depois da morte, convertem-se em pó e vêm a corrupção;
mas as suas almas (que nem morrem nem dormem), tendo uma substância
imortal, voltam imediatamente para Deus que as deu. As almas dos justos, sendo
então aperfeiçoadas na santidade, são recebidas no mais alto dos céus onde vêm
a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção dos seus corpos; e as
almas dos ímpios são lançadas no inferno, onde ficarão, em tormentos e em
trevas espessas, reservadas para o juízo do grande dia final. Além destes dois
lugares destinados às almas separadas de seus respectivos corpos as Escrituras
não reconhecem nenhum outro lugar.

Devido à maldição de Deus sobre a desobediência na Queda, os cristãos bem


como os incrédulos devem morrer (Gênesis 3.19). Para os crentes, contudo, a
maldição é removida, visto que, embora devam morrer, eles morrem em
Cristo, que sofreu a maldição em seu lugar (Gálatas 3.13). A morte para o
cristão é um inimigo derrotado. Os filhos de Deus podem encarar a morte (e
inclusive anelar por ela) como uma bênção a ser desejada, sabendo que no
momento da partida desta vida eles entram num estado de glória.[105]
Essa glória, afirmavam os puritanos, será adicionalmente magnificada
no segundo advento de Jesus Cristo, quando, diz a Confissão (33:2), seguindo
a ressureição geral e o juízo final, “os justos irão para a vida eterna e
receberão aquela plenitude de gozo e alegria procedente da presença do
Senhor”. Esse estado de glória, escreveu John Murray, “significa alcançar o
objetivo para o qual o eleito de Deus foi predestinado no propósito eterno do
Pai, envolvendo a consumação da redenção garantida e assegurada pela obra
[106]
vicária de Cristo”. “Não existe coisa alguma”, escreveu Jonathan
Edwards, “que possa ser concebido ou expresso sobre o grau da felicidade do
santos no céu... Não há nada na terra que seja suficiente para nos representar
a glória do céu”.[107]
5. Os puritanos e a família
Do seu entendimento da Bíblia, os puritanos mantinham que há três
instituições bíblicas: a família, a igreja e o magistrado civil (ou Estado).
Dessas três, a família era considerada primária. Ela foi a primeira
estabelecida (Gênesis 1-2), e, num sentido, as outras instituições são fundadas
sobre ela.
Os puritanos acreditavam numa família “bem ordenada”. Tal família
era hierárquica em estrutura (Efésios 5.22-6.4). Embora os puritanos
ensinassem que todo homem, mulher e criança sejam iguais perante Deus
como portadores de sua imagem (Gênesis 1.26-27; 1 Coríntios 11.11-12;
Gálatas 3.28), eles também mantinham que há uma ordem bíblica de
economia ou administração dentro da família, na qual existe uma hierarquia
(1 Coríntios 11.2-10; Efésios 5.22-6.4). Nessa hierarquia, o marido/pai é o
cabeça da família, a esposa/mãe é subordinada ao seu marido e os filhos estão
sujeitos à disciplina e admoestação do pai e da mãe. Robert Cleaver declarou
isso da seguinte forma: “o marido [cristão] e a mulher são iguais na... vida
eterna”, mas “desiguais no tocante ao governo e à conversação em casa”.[108]
Como ensinado no Breve catecismo (R. 1), o propósito da família, bem
como de todas as instituições bíblicas, “é glorificar a Deus e gozá-lo pra
sempre”. E o marido/pai tem a responsabilidade primária de acompanhar a
família. Os puritanos viam a família como uma pequena igreja, e o “homem
da casa”, de certa forma um ministro da família, é quem deve conduzir a
adoração e o culto familiar. Escreveu Jonathan Edwards: “Toda família cristã
é uma pequena igreja, e o cabeça dela é seu mestre e governador com
autoridade”.[109]
De acordo com a Escritura, o marido/pai deve ensinar à sua família a
Palavra de Deus (Deuteronômio 6.4-9; Salmos 78.1-8; Efésios 5.22-6.4).[110]
Como a Confissão (21:6) diz, Deus deve ser adorado, não somente “em
assembleia públicas”, mas também “em famílias diariamente e em secreto,
estando cada um sozinho”. Aqui, como em todas as áreas, o marido/pai deve
ser um exemplo para o restante da família.
Demais, um tempo para o estudo bíblico individual e pessoal e para a
oração era parte e parcela da vida diária nos lares puritanos. Cada pessoa é
responsável individualmente perante Deus (João 1.12-13). Portanto, como
declara a Confissão (21:3), tal tempo devocional “é por Deus exigido de
todos os homens”.
Na educação, a teologia era suprema. Eis o que Cotton Mather
escreveu:
Antes e acima de tudo, é no conhecimento da religião cristã que os
pais devem educar a seus filhos... O conhecimento de outras coisas,
embora seja empreendimento tão desejável, nossos filhos podem
chegar à felicidade eterna sem ele... Mas o conhecimento da santa
doutrina nas palavras do Senhor Jesus Cristo é um milhão de vezes
mais necessário a eles. [111]
Os catecismos Breve e Maior de Westminster eram ferramentas primárias no
treinamento das crianças na “religião cristã”. “Naqueles dias na Escócia”,
escreveu John Piper, “os pais ainda acreditavam que seu soleve dever é
ensinar aos seus filhos a verdade bíblica na forma de catecismo”.[112]
Todavia, em concordância com os Reformadores, os puritanos
acreditavam que a educação não estava confinada à teologia. Mark Noll
comenta que “durante a Reforma, os principais protestantes, especialmente
Lutero e Calvino, defenderam a necessidade absoluta de educação superior
contra os movimentos populistas anti-intelectuais. Invariavelmente, onde as
universidades protestantes eram fortes, a Reforma Protestante teve seu maior
impacto”.[113] E. D. Baltzell, por sua vez, alega que a Colônia da Baia de
Massachusetts “foi certamente a comunidade mais bem instruída que o
mundo já conheceu, antes ou desde então”.[114]
Sendo esse o caso, escolas do ensino superior, como uma extensão da
educação cristã no lar, foram fundadas pelos puritanos para promover o
estudo das “artes liberais”. Toda essa educação, sem dúvida, era estudada e
avaliada à luz da Palavra de Deus. A Bíblia devia ser central em todo
currículo. Nenhum aprendizado jamais pode ser destituído de seu propósito
“religioso”.[115] As palavras de Martinho Lutero são apropriadas: “acima de
tudo, a leitura principal para todo mundo, tanto nas universidades como nas
escolas, deveria ser as Sagradas Escrituras... Eu não aconselharia ninguém a
enviar seu filho aonde as Sagradas Escrituras não são supremas”.[116]
Na mesma linha, e de acordo com Provérbios 14.23, o pai deveria
instruir os filhos sobre a importância do trabalho piedoso: “Em todo trabalho
há proveito”. Os meninos eram treinados em alguma vocação legítima,
enquanto as meninas eram ensinadas a serem boas donas de casa. Isso era
considerado uma boa mordomia na criação dos filhos.
A esposa, como observado, embora igual ao seu marido
ontologicamente, como uma portadora da imagem de Deus (Gênesis 1:26-
27), e espiritualmente como um membro da família eleita de Cristo (Gálatas
3.28), é subordinada ao homem economicamente, i.e., na ordem social de
Deus (Efésios 5.22-33). Ela deve se submeter ao seu marido em tudo o que
for bíblico (Colossenses 3.18). No que toca ao governo do lar, sob o seu
marido, a esposa/mãe deve supervisionar as tarefas domésticas.
O relacionamento conjugal era sacrossanto no pensamento puritano,
pois é sacrossanto de acordo com as Escrituras (Gênesis 2.18-24; Hebreus
13.4). Como ensinado na Confissão (24:1): “O casamento deve ser entre um
homem e uma mulher; ao homem não é lícito ter mais de urna mulher nem à
mulher mais de um marido, ao mesmo tempo”.
Diferente do catolicismo romano, os puritanos colocavam a ênfase
primária sobre a companhia no casamento; então vinha a procriação; então a
restrição e remédio para o pecado. Para citar a Confissão (24:2): “O
matrimônio foi ordenado para o mútuo auxílio de marido e mulher, para a
propagação da raça humana por uma sucessão legítima e da Igreja por uma
semente santa, e para impedir a impureza”.
Os puritanos consideravam o sexo como privado entre um homem e
sua mulher, e como algo bom em princípio. Muitas passagens bíblicas eram
usadas para comprovar essa crença, com o Cânticos do cânticos sendo o
principal. Os casamentos incestuosos eram considerados ilegais, o celibato
era desvalorizado e o ascetismo rejeitado, juntamente com qualquer dualismo
entre o secular e o sagrado. Para os puritanos o leito matrimonial deveria ser
mantido “imaculado”. E o adultério ou formicação dava à parte inocente
fundamento para dissolver o contrato de casamento. [117]
Como visto, um dos propósitos do casamento é produzir uma “santa
semente”, isto é, uma descendência piedosa (Malaquias 2.15). Na
mentalidade puritana, os filhos pertenciam a Deus e eram confiados aos pais
como mordomos (Ezequiel 16.20-21). Os pais cristãos, de acordo com a
Escritura, são obrigados a criar os seus filhos “na disciplina e na admoestação
do Senhor” (Efésios 6.4).
Essa disciplina deve ser tanto “positiva” como “negativa”. A primeira,
como declarado, tinha a ver primariamente com uma educação biblicamente
baseada (como ensinado em Deuteronômio 6.4-9; Efésios 6,4), e
secundariamente (todavia, ainda mais importante) treinar no que diz respeito
à vocação. Os filhos eram ensinados que a distinção entre certo e errado
depende unicamente da lei de Deus. A lei moral dada a nós na Escritura é o
único critério para o padrão de nosso comportamento ético. Como asseverado
no Breve catecismo (R. 14): “Pecado é qualquer falta de conformidade com a
lei de Deus, ou qualquer transgressão desta lei”. Sem a lei de Deus, não existe
tal coisa como certo ou errado (Romanos 4.15; 5.13). O conceito de “direitos
naturais” era estranho aos puritanos. Qualquer e todos os direitos que os
homens têm são imputados, e eles são imputados por Deus.
A disciplina negativa, por outro lado, envolvia o uso da “vara”.
Conforme apropriadamente descrito no livro de Provérbios: “O que retém a
vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina” (13.24); e “A
vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a
envergonhar a sua mãe” (29.15).
Como ensinado em Provérbios 22.15 (e outros lugares), o lado
negativo da disciplina pressupõe e afirma a doutrina bíblica do pecado
original: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da
disciplina a afastará dela”. As crianças não são concebidas com uma
inclinação positiva, ou mesmo num estado de neutralidade. Elas são
concebidas como “pecadores nas mãos de um Deus irado”,[118] e carentes de
salvação (Salmos 51.5). Como declarado na Confissão (6:3), “a culpa desse
pecado [de Adão] foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado,
bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua [de
Adão e Eva] posteridade, que deles procede por geração ordinária”. Essa
corrupção original, continua a Confissão (6:4), deixa os filhos num estado em
que eles estão “totalmente indispostos, adversos a todo o bem e inteiramente
inclinados a todo o mal”. Isso é o que os teólogos reformados chamam de
doutrina da “depravação total”. Todavia, os puritanos, em geral, eram
otimistas quanto à salvação dos seus filhos. Eles confiavam que por meio da
disciplina bíblica (negativa e positiva), os filhos se tornariam uma “semente
santa. Cotton Mather escreveu sobre sua própria criação como um exemplo:
O grande cuidado de meus santos pais foi criar-me no zelo e na
prudência do Senhor; pelo que fui guardado de muitas visíveis
insurreições do pecado das quais doutra forma teria sido culpado; e
por isso tive muitas boas impressões do Espírito de Deus sobre mim,
mesmo em minha infância.[119]

Jonathan Edwards considerava os filhos de pais crentes o melhor campo de


evangelismo, e ele instava que os pais trabalhassem continuamente com seus
filhos, ensinando-os acerca de sua necessidade de Cristo como Salvador.
Edwards mesmo estava convencido que dez dos seus onze filhos chegaram a
um conhecimento salvador de Cristo.[120]
Os puritanos mantinham que todas as áreas da vida devem ser vividas
para a glória de Deus (1 Coríntios 10.31). Com eles não havia a bifurcação
anti-bíblica ente o secular e o sagrado. Consistente com essa crença é a noção
que nenhuma vocação particular deve ser vista como mais santa que outras.
Seguindo a liderança dos Reformadores, sob a rubrica de “ética de trabalho
puritano”, há uma dignidade inerente em todos os tipos de trabalho legítimo.
Escreveu Calvino: “Sabemos que os homens foram criados para o expresso
propósito de serem empregados em trabalhos de todos os tipos, e que nenhum
sacrifício é mais agradável a Deus do que quando um homem se aplica
diligentemente ao seu chamado e se esforça por viver de maneira a contribuir
para o bem geral”.[121] O negociante, a dona de casa, o ferreiro, o fazendeiro e
que tais, todos honram a Deus em seus labores assim como o sacerdote,
assumindo que essas vocações sejam realizadas de acordo com a Palavra de
Deus, em serviço a Deus. [122]
Devemos observar que a ética puritana de trabalho é tanto altruísta
como egoísta. Não somente Deus é glorificado pelo trabalho honesto, mas
outros, bem como a própria pessoa, são beneficiados.[123] Cotton Mather
asseverou que uma pessoa deveria buscar um chamado “para que assim possa
glorificar a Deus, fazendo bem aos outros e adquirindo bem para si mesmo”.
[124]
Assim, as recompensas envolvidas numa vocação piedosa são espirituais
(o que é primário) e materiais.
De acordo com o livro de Provérbios, os puritanos consideravam a
preguiça um pecado, enquanto a diligência era elogiada: “O que lavra a sua
terra será farto de pão, mas o que corre atrás de coisas vãs é falto de senso”
(12.11); e “A mão diligente dominará, mas a remissa será sujeita a trabalhos
forçados” (12.24). Todavia, embora uma pessoa deva trabalhar pesado em
seu chamado, ela não deve permitir que isso interfira em seus outros deveres,
especialmente na negligência do seu tempo com Deus e sua família. Robert
Woodrow comentou que “o pecado da nossa grande predileção pelo
comércio, ao ponto de negligenciarmos interesses de maior valor, eu
humildemente penso que se registrará para o julgamento”.[125]
Os puritanos ensinavam que a pessoa conhece a vocação para a qual
Deus o chamou examinando seus talentos dados por Deus. De acordo com 1
Coríntios 7, John Cotton comentou que “quando Deus tem-me convocado
para uma posição, Ele tem-me dado alguns dons apropriados para aquela
posição, especialmente se a posição é adequada e apropriada a mim e a meus
melhores dons”. [126]
Os puritanos não eram socialistas. Eles acreditavam que a propriedade
privada e o dinheiro, em si mesmos, eram coisas boas. [127] Como declarado
no Breve catecismo (R. 74), eles ensinavam que o oitavo mandamento “exige
que procuremos o lícito adiantamento das riquezas e do estado exterior, tanto
nosso como do nosso próximo”. É bom adquirir riqueza. Com base no ensino
da Escritura, o investimento e o lucro são encorajados (Mateus 25.14-30;
Lucas 19.11-27). Calvino acreditava que “o dinheiro em si mesmo é bom”.
[128]
E Samuel Willard escreveu que “as riquezas são consistentes com a
santidade, e quanto mais um homem tem, mais condição tem de fazer o bem,
se Deus lhe dá um coração para isso”.[129]
Há, sem dúvida, perigos inerentes à busca de riquezas.[130] Foi Jesus
quem disse que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do
que entrar um rico no reino de Deus” (Marcos 10.25). Ele também advertiu
sobre “a fascinação das riquezas” (Marcos 4:19). E Paulo ensinou que “o
amor do dinheiro é raiz de todos os males” (1 Timóteo 6.10). Mas a pobreza
também tem as suas tentações; uma pessoa pode ser tentada a roubar para
promover seu “estado exterior” (Provérbios 6.31).
O ideal puritano era aquele da moderação. A pessoa deve viver
contente com a sua porção, colocando a propriedade privada e o dinheiro na
perspectiva correta. Deus deve sempre estar em primeiro lugar. “Não podeis
servir a Deus e às riquezas” (Mateus 6.24). A oração de Provérbios 30.8-9
resume bem o modelo puritano: “Não me dês nem a pobreza nem a riqueza
[excessiva]; dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que,
estando eu farto, te negue e diga: Quem é o Senhor? Ou que, empobrecido,
venha a furtar e profane o nome de Deus”.
6. Os puritanos e a Igreja
A segunda instituição bíblica é a igreja. A importância no pensamento
puritano da instituição da igreja é óbvia na designação “puritano”.
Originalmente o nome denotava um desejo de limpar a Igreja da Inglaterra de
práticas não bíblicas na adoração e no governo eclesiástico.
A Assembleia de Westminster, como Agostinho e Calvino antes dela,
distinguiu entre a igreja visível e invisível. De acordo com a CFW (25:1-2), a
primeira consiste de membros da igreja local; enquanto a última compreende
os eleitos de todas as épocas, inclusive aqueles ainda não nasceram. Sob
essas definições, os membros verdadeiros da igreja visível são também
membros da igreja invisível. Mas alguns que professam a fé cristã, e
participam na igreja visível, não são verdadeiramente cristãos. Como
Agostinho disse, a igreja visível sempre será, até o Segundo Advento de
Jesus Cristo, uma “igreja mista” de crentes e incrédulos.[131]
Os puritanos estavam em concordância com os formuladores do Credo
Niceno-Constantinopolitano (381 d.C.), que confessou: “[Nós cremos] na
Igreja, una, santa, católica e apostólica”. Aqui temos o que são conhecidos
como os quatro atributos da igreja de Jesus Cristo. Ou, dito de outra forma,
essas são as descrições apropriadas da igreja.
Primeiro, o caráter uno da igreja enfatiza a sua unidade (1 Coríntios 12;
Efésios 4.4-6). Há uma “comunhão dos santos”. Isso significa, diz a
Confissão (26:1), que:
Todos os santos que pelo seu Espírito e pela fé estão unidos a Jesus Cristo, seu
Cabeça, têm com Ele comunhão nas suas graças, nos seus sofrimentos, na sua
morte, na sua ressurreição e na sua glória, e, estando unidos uns aos outros no
amor, participam dos mesmos dons e graças e estão obrigados ao cumprimento
dos deveres públicos e particulares que contribuem para o seu mútuo proveito,
tanto no homem interior como no exterior.

Segundo, a igreja é santa pois é compreendida dos “santos”, ou “santificados”


(1 Pedro 2.9-10). Essas pessoas foram “separadas” para Deus (1 Coríntios
1.1-2; Colossense 1.2). [132] Os cristãos são santos pois estão em união com
Jesus Cristo (1 Coríntios 6.17; Efésios 5.31-32). Eles foram declarados justos
(Romanos 5.17-19). Eles foram regenerados pelo Espírito Santo (João 3.3-8),
e receberam novo coração para guardar os mandamentos de Deus (Jeremias
31.31-34; Ezequiel 36.25-27).
Terceiro, a igreja é católica ou universal. A igreja não está confinada a
uma época ou raça, nem restrita a uma língua, nacionalidade ou
denominação. Em Gálatas 3.28 lemos que “não pode haver judeu nem grego;
nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um
em Cristo Jesus”. Sob a Nova Aliança a igreja universal abarca todas as
nações. Como ensinado na Confissão (25.3):
A esta igreja católica visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças
de Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até o fim
do mundo, e pela sua própria presença e pelo seu Espírito, os torna eficazes para
esse fim, segundo a sua promessa.

Quarto, a igreja é apostólica pois foi edificada “sobre o fundamento dos


apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”
(Efésios 2.20). Os apóstolos, juntamente com os profetas, como veículos da
revelação verbal de Deus, constituem o fundamento da igreja, com Cristo
sendo o principal suporte e causa de crescimento. Cristo, não os apóstolos ou
profetas, sustenta toda a casa de Deus, e a leva à consumação (Hebreus 3.1-6;
1 Coríntios 3.11). Todavia, são os ensinos escritos dos embaixadores de
Cristo, os apóstolos, revelados pelo Espírito, que são o fundamento
doutrinário e organizacional da toda a igreja ao longo dos tempos (João
13.20; Mateus 10.40; Lucas 10.16). Nas palavras de John Lightfoot: “Essa é a
glória e o amigo seguro de uma igreja, ser edificada sobre as Sagradas
Escrituras... O fundamento da verdadeira igreja de Deus é a Escritura”.[133]
A importância da adoração apropriada para os puritanos era de grande
importância. Na mentalidade puritana, a reunião em cada Dia do Senhor para
a adoração pública e corporativa era priorizada. Os cultos de adoração eram
bem organizados, mas simples em comparação com a “extravagância” vista
no catolicismo romano e no anglicanismo.[134] Os puritanos restringiram a
cerimônia e o ritual. “Os puritanos”, escreveu Piper, “eram aqueles pastores e
mestres na Inglaterra (e então Nova Inglaterra)... que desejavam purificar a
Igreja da Inglaterra e colocá-la em alinhamento teológico e prático com os
ensinos bíblicos da Reforma”.[135]
Com respeito à adoração pública e corporativa de Deus, os puritanos
sustentavam o “princípio regulador do culto”. Como declarado por John
Owen, Deus exige “que o adoremos em e por meio das formas que ele
designou.. [E] a Escritura contém todas as coisas necessárias de serem cridas
e praticadas na adoração a Deus.[136] A CFW (21:1) afirma isso da seguinte
forma:
A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania sobre
tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado,
louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a
força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele
mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado
segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem
sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas
Santas Escrituras.
Esse princípio é ensinado, diziam os puritanos, no Segundo Mandamento. Eis
o que escreveram no Breve catecismo (R. 50-51):
O segundo mandamento exige que recebamos, observemos e guardemos puros e
inteiros todo o culto e ordenanças religiosas que Deus instituiu na sua Palavra...
O segundo mandamento proíbe o adorar a Deus por meio de imagens, ou de
qualquer outra maneira não prescrita na sua Palavra.

Inclusos na “forma aceitável de aceitável de adorar o Deus verdadeiro” estão:


a oração, a leitura e pregação da Palavra de Deus (que era primária), a
administração dos sacramentos, o cânticos dos Salmos (vários puritanos
defendiam a “salmodia exclusiva”), o exercício da disciplina eclesiástica, a
recitação do Credo dos apóstolos, e o recolhimento de dízimos e ofertas.[137]
Os puritanos ensinavam que, sob a era do Novo Testamento, o
Domingo é o Dia do Senhor, ou sábado cristão. O sábado do Antigo
Testamento, sendo no sétimo da semana, era cerimonial em alguns aspectos,
em que apontava para a vinda da Pessoa e obra de Cristo (com seu
nascimento, morte, sepultamento e ressurreição) e a era do Novo Testamento.
Nesse sentido a era do Novo Testamento representa o fim da antiga criação, e
o início da nova criação em Cristo (significada pelo sábado sendo transferido
para o primeiro dia da semana). Mas o Quarto Mandamento, sendo um dos
Dez Mandamentos, é também moral em importância. Como tal ele é
perpetuamente vinculante a toda a humanidade. O princípio moral é que um
dia em sete deve ser separado para o culto privado e público a Deus.[138]
Os puritanos eram bem conhecidos pelo seu “sabatarianismo” ou sua
observância rigorosa do Dia do Senhor. E no sábado cristão, a adoração
pública era central, mais importante inclusive que a adoração privada.[139]
Como declarado no Breve catecismo (R. 60):
Deve-se santificar o Domingo com um santo repouso por todo aquele dia,
mesmo das ocupações e recreações temporais que são permitidas nos outros dias;
empregando todo o tempo em exercícios públicos e particulares de adoração a
Deus, exceto o tempo preciso para as obras de pura necessidade e misericórdia.

Como Calvino antes dele, os puritanos afirmam que existem três marcas
essenciais de uma igreja. Há três marcas claras e definitivas pelas quais uma
verdadeira igreja de Cristo pode ser identificada. Essas marcas são a
proclamação da Palavra de Deus, a correta administração dos sacramentos e o
exercício fiel da disciplina eclesiástica.[140] Devemos nos lembrar que cada
uma dessas marcas está diretamente relacionada com a Palavra de Deus. A
pregação deve ser bíblica, a administração dos sacramentos deve ser bíblica e
a disciplina eclesiástica deve ser bíblica. Por essas marcas Jesus Cristo
manifesta sua presença em sua igreja. Quando uma dessas marcas está
ausente numa igreja, essa igreja não mais está funcionando como uma “igreja
bíblica”.
A primeira marca é a verdadeira proclamação da Palavra de Deus. Esta,
diziam os puritanos, é a marca cardinal da verdadeira igreja. A igreja é
edificada sobre o fundamento da Palavra de Deus, como o principal “meio de
graça” (João 8.31-32; 14.23; 1 João 4.1-6; 2 João 9-11).[141] E visto que
Cristo é revelado em toda a Escritura (Lucas 24.25-27, 44; João 5.39),
quando alguém está pregando a partir de qualquer parte da Escritura, ele está
pregando a Cristo (Atos 8.26-35). Sendo assim, é imperativo que “todo o
conselho de Deus” seja fielmente proclamado (Mateus 28.18-20; Atos 20.26-
27). É por meio do evangelho que os pecadores eleitos chegam a conhecer
Cristo como Salvador e Senhor (Romanos 1.16-17). E é por meio das
Escrituras que os crentes convertidos crescem no processo de santificação
(João 17.17; 2 Tessalonicenses 2.13). A santificação, escreveu John Owen,
“nada é senão o implantar, escrever e realizar do evangelho em nossa alma”.
[142]
Uma vez mais, para citar as palavras de Calvino:
Que os enfrentem todas as coisas sem medo, por meio da Palavra de
Deus, da qual foram constituídos administradores. Que eles reúnam
todo o poder, toda a glória e excelência do mundo a fim de conferir a
primazia à divina majestade desta Palavra. Que, por meio dela,
comandem a todos, desde a pessoa mais notável até a mais simples.
Que edifiquem o corpo de Cristo. Que devastem o reino de Satanás.
Que apascentem as ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem os
rebeldes. Que juntem e separem, que clamem com veemência, se for
necessário, mas que façam todas as coisas de acordo com a Palavra
de Deus.[143]
Em oposição ao catolicismo romano, os puritanos enfatizavam a pregação da
Palavra acima dos sacramentos. A razão é que a Palavra é um “meio de
graça” em si mesma, enquanto os sacramentos são “meios de graça” somente
quando administrados com a Palavra. Pois não se pode entender o significado
dos sacramentos à parte da revelação bíblica. De acordo com Calvino: “nunca
há sacramento sem que uma promessa o preceda”.[144] Sempre que a graça é
transmitida pelos sacramentos ela é transmitida com a Palavra de Deus, e
nunca é uma graça diferente ou separada daquela transmitida pela Palavra.
É digno de nota o fato que os puritanos, em geral, eram pós-
milenaristas em sua visão escatológica.[145] “Eles tinham uma visão da
soberania de Deus”, escreveu Piper, “que produziu uma esperança inabalável
na vitória da Palavra de Deus sobre todo o mundo”.[146] Isso é visto de forma
clara no documento puritano congregacional, a Declaração de Savoy de 1658
(26:5):
Como o Senhor, em seu cuidado e amor para com a sua Igreja, tem em Sua
infinita e sábia providência exercido isso, com grande variedade em todas as
eras, para o bem daqueles que o amam, e para a sua própria glória; assim de
acordo com a sua promessa, esperamos que nos últimos dias, o Anticristo sendo
destruído, os judeus chamados, e os adversários do reino do seu Filho amado
arruinados, as igrejas de Cristo sendo ampliadas, e edificadas através de uma
comunicação livre e abundante de luz e graça, gozarão neste mundo uma
condição mais tranquila, pacífica e gloriosa.

A segunda marca de uma igreja verdadeira é a correta administração dos


sacramentos. A Confissão de Westminster (27:1) define os sacramentos da
seguinte forma:
Os sacramentos são santos sinais e selos do pacto da graça, imediatamente
instituídos por Deus para representar Cristo e os seus benefícios e confirmar o
nosso interesse nele, bem como para fazer uma diferença visível entre os que
pertencem à Igreja e o resto do mundo, e solenemente obrigá-los ao serviço de
Deus em Cristo, segundo a sua palavra.

Os puritanos ensinavam que existem dois sacramentos no Novo Testamento:


o batismo e a ceia do Senhor, ambos instituídos por Jesus Cristo (Mateus
28.19; Lucas 22.14-20). Podemos dizer que esses dois sacramentos sem
sangue substituem os dois sacramentos cruentos do Antigo Testamento: a
circuncisão (Colossenses 2.11-12; Filipenses 3.3) e a Páscoa (1 Coríntios
5.7). Desde que o sangue de Cristo foi derramado uma vez por todas pelos
eleitos, não há mais necessidade de sacramentos com sangue.[147]
Esses sacramentos, que como um “meio de graça” com a Palavra, são,
disse Owen, “selos visíveis das promessas espirituais de Deus, feitas conosco
[a igreja] no sangue de Jesus Cristo”.[148] Nesses sacramentos os crentes têm
comunhão com Cristo por meio do seu Espírito. Aqui eles recebem a Cristo,
espiritualmente, por crer naquilo que é significado pelos sacramentos (como
ensinado na Escritura). Como declarado no Breve catecismo (R. 91): “Os
sacramentos tornam-se meios eficazes para a salvação, não por alguma
virtude que eles ou aqueles que os ministram tenham, mas somente pela
bênção de Cristo e pela obra do seu Espírito naqueles que pela fé os
recebem”.
Além disso, os puritanos ensinavam que, porque os sacramentos eram
“apêndices da Palavra, e dados para sua confirmação, eles deveriam estar nas
mãos daqueles que foram chamados para ministrar a Palavra”.[149] Isto é,
como diz a Confissão (27:4), nenhum dos sacramentos “deve ser
administrado senão pelos ministros da Palavra legalmente ordenados”.
A água do batismo, como ensinado no Breve catecismo (R. 94), “é o
sacramento no qual o lavar com água em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo significa e sela a nossa união com Cristo, a participação das bênçãos do
pacto da graça, e a promessa de pertencermos ao Senhor”. O batismo com
água é um sinal de entrada num relacionamento pactual com o Senhor. Dessa
forma, deve ser administrado uma única vez. O sinal da água aponta para o
verdadeiro batismo do Espírito Santo (Lucas 3.16). O batismo com água não
regenera (1 Pedro 3.20-21), mas é simbólico da regeneração (Tito 3.5-6).
Com respeito à ceia do Senhor, a Confissão (29:1) diz:
Na noite em que foi traído, nosso Senhor Jesus instituiu o sacramento do seu
corpo e sangue, chamado Ceia do Senhor, para ser observado em sua Igreja até
ao Fim do mundo, a fim de lembrar perpetuamente o sacrifício que em sua morte
Ele fez de si mesmo; selar aos verdadeiros crentes os benefícios provenientes.
desse sacrifício para o seu nutrimento espiritual e crescimento nele e a sua
obrigação de cumprir todos os seus deveres para com Ele; e ser um vínculo e
penhor da sua comunhão com Ele e de uns com os outros, como membros do seu
corpo místico.

A ceia do Senhor é um sinal da permanência de alguém num relacionamento


pactual com o Senhor. Assim, ela deve ser administrada com frequência.
Como um sinal, sua significância primária é aquela da morte de Cristo e
todos os benefícios que fluem para o eleito dessa morte. Como um dos
benefícios que fluem da morte de Cristo é a santificação de todos aqueles que
são verdadeiramente seus, ela aponta para a obra do Espírito de Deus na
santificação (Tessalonicenses 2.13; 1 Pedro 1.2).
A terceira marca de uma igreja verdadeira é o exercício fiel e amoroso
da disciplina eclesiástica (Mateus 18.15-20; 1 Coríntios 5.1-5, 13; 14.33, 40;
Apocalipse 2.14-16). A igreja, por meio dos presbíteros eleitos, tem a
responsabilidade de supervisionar seus membros (1 Pedro 5.1-4). A
autoridade concedida à igreja de Cristo inclui o poder de aplicar a disciplina
eclesiástica, admitir e excluir da comunhão da igreja, e governar a conduta
dos membros enquanto continuam como membros. A disciplina envolvida
não é uma disciplina física, nem existe qualquer aplicação corpórea. Trata-se
de uma disciplina espiritual e como tal é estritamente ministerial e
declarativa.
Quando existem pecadores impenitentes dentro de uma congregação, a
disciplina eclesiástica se torna necessária. Calvino escreveu: “Pois assim
como a doutrina é a alma da igreja para a vivificação, assim também a
disciplina e a correção de vícios são como nervos que conservam o corpo
saudável e vigoroso”. [150] Como ensinado na Confissão (30:3), a disciplina
eclesiástica bíblica serve a diversos propósitos:
As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e ganhar para Cristo os
irmãos ofensores para impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para
purgar o velho fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a
honra de Cristo e a santa profissão do Evangelho e para evitar a ira de Deus, a
qual com justiça poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o pacto divino
e os seios dele fossem profanados por ofensores notórios e obstinados.
Cristo deu direções para a disciplina eclesiástica em Mateus 18.15-20. Vários
passos estão envolvidos. Sempre que o arrependimento é manifesto no
processo, o pecador deve ser perdoado e restaurado à comunhão na igreja. Se
não há demonstração de arrependimento, então, como ensinado na Confissão
(30:4), “os oficiais da Igreja devem proceder na seguinte ordem, segundo a
natureza do crime [pecado] e demérito da pessoa: repreensão, suspensão do
sacramento da ceia do Senhor e exclusão da Igreja”.
Os puritanos eram rápidos em apontar que toda essa disciplina “deveria
ser feita com um senso genuíno de tristeza, e uma consciência do futuro
julgamento de Cristo. Ela deveria ser também administrada como um
corretivo, e não como vingança, julgamento, visto ser uma ordenança para
cura e não para destruição”.[151]
Os puritanos ensinavam que a igreja é uma organização e, portanto,
precisa de estrutura governamental. Como declarado na CFW (30:1): “O
Senhor Jesus, como Rei e Cabeça da sua Igreja, nela instituiu um governo nas
mãos dos oficiais dela; governo distinto da magistratura civil”. Uma igreja
sem um governo não é uma igreja bíblica. Paulo fala da necessidade de
ordem em 1 Coríntios 14.40: “Tudo, porém, seja feito com decência e
ordem”.
Ao longo dos séculos houve três formas básicas de governo
eclesiástico: hierárquico ou episcopal, congregacional ou independente e
presbiteriano. A forma episcopal acredita que a igreja deve ser governada
pelo bispo (episkopos). Esse é o governo adotado pelas igrejas episcopal,
católica romana, grega ortodoxa e metodista, com vários graus de autoridade
nas mãos do bispo. Os puritanos em geral rejeitavam essa forma hierárquica
de governo.
A forma congregacional de governo, que sustenta o princípio
fundamental de que a congregação local é independente de qualquer outra
igreja ou igrejas (i.e., ela é completa em si mesma), foi adotada por vários
puritanos. Essa é a forma de governo ensinada na Declaração Savoy de 1658
e na Confissão batista de Londres de 1689.
A forma puritana de congregacionalismo não é parecida com muitas
das igrejas independentes de hoje que são governadas democraticamente
(pelo voto majoritário). Antes, a forma puritana afirma que o governo da
congregação local fica com os oficiais eleitos, que devem governar de acordo
com a lei bíblica. Assim, ela é presbiteriana (“governada por presbíteros”) no
nível da igreja local. Essa forma congregacional de governo eclesiástico
biblicamente baseada crê fortemente na importância do conselho da igreja
fora da igreja local, mas nega a “natureza vinculativa” de decisões feitas no
nível mais amplo da corte.
A forma presbiteriana de governo é aquela adotada pela Assembleia de
Westminster. Nesse sistema o governo também fica com os oficiais eleitos,
que devem governar de acordo com a lei bíblica. Mas no presbiterianismo
isso é verdade com respeito à igreja local mas também com respeito às cortes
maiores (presbitério, sínodo e assembleia geral). Contudo, como declarado na
Confissão, decisões feitas por cortes superiores devem ser seguidas somente
“se consoantes com a Palavra de Deus”.
Como ensinado na Confissão (30:1), em sua igreja o Senhor Jesus
Cristo “instituiu um governo nas mãos dos oficiais dela; governo distinto da
magistratura civil”. Para uma igreja funcionar biblicamente ela precisa ter
oficiais. Os puritanos, com Calvino antes deles, distinguiam entre os ofícios
de apóstolo, profeta e evangelista, que foram ofícios extraordinários e
temporais que Cristo deu a sua Igreja (Efésios 4.11), e aqueles que são
ordinários e permanentes.[152] Segundo a Assembleia de Westminster, em “A
forma de governo eclesiástico presbiteriano”, o Novo Testamento fala de três
ofícios eclesiásticos ordinários e permanentes: presbíteros docentes (pastores
e/ou mestres), presbíteros regentes (ou governantes) e diáconos.[153] Pastores
(Efésios 4.11) e mestres (1 Coríntios 12.28; Efésios 4.11; 1 Timóteo 5.17)
são em geral mencionados como “presbíteros regentes”. Como mencionado
acima, a sua tarefa primária é o ministério da Palavra, juntamente com a
administração dos sacramentos e a oração a favor dos membros da igreja.
O presbítero regente ou governante (Romanos 12.8; 1 Coríntios 12.28),
por outro lado, que deve ser também “capaz de ensinar” (1 Timóteo 3.2), tem
a responsabilidade primaria de reger ou governar a igreja juntamente com os
presbíteros docentes (1 Pedro 5.1-4). Jesus ensinou que os líderes da sua
igreja devem tanto “pastorear as minhas ovelhas” como “apascentar as
minhas ovelhas” (João 21.15-17).[154]
O terceiro ofício do Novo Testamento é aquele de diácono (1 Timóteo
3.8-10,12-13). A palavra grega para diácono (diakonos) significa “servo”. O
ministério de diácono, como declarado em “A forma de governo eclesiástico
presbiteriano” é um ministério de serviço: “A esse ofício não pertence pregar
a Palavra, ou administrar os sacramentos, mas ter um cuidado especial em
satisfazer as necessidades dos pobres”.[155] O diácono, então, deve estar
envolvido com o aspecto da saúde e bem-estar do ministério da igreja.
7. Os puritanos e o magistrado civil
A terceira instituição bíblica é o magistrado civil ou Estado.
Na história da relação igreja-Estado, desenvolveram-se dois erros
principais: papalismo e erastianismo. O primeiro ensina que a igreja (i.e., o
papa) deve governar tanto a igreja como o Estado. O último mantém que as
duas instituições estão sob a liderança do magistrado civil. Os puritanos
evitaram de forma hábil esses dois extremos e ensinaram que tanto a igreja
como o Estado são instituições ordenadas por Deus, sob a lei de Deus. Elas
devem ser separadas em sua função, mas não em sua autoridade. A lei de
Deus é a autoridade para todas as instituições. Qualquer tentativa de basear
uma teoria do magistrado civil em axiomas seculares, e não na Escritura,
resultará naturalmente em anarquia ou totalitarismo.[156]
O magistrado civil é um ministro de justiça, obedecendo e reforçando a
lei de Deus na punição dos malfeitores para proteção dos cidadãos de bem. A
igreja é um ministério de graça, obedecendo e reforçando a lei de Deus na
pregação e ensino do evangelho de Jesus Cristo. Deus deu ao Estado o poder
da espada para reforçar a supremacia de Cristo nas questões civis. E Deus
deu à igreja o poder das chaves do reino para reforçar a supremacia de Cristo
nas questões espirituais e morais. Dessa forma, a lei de Deus deve ser
suprema no Estado bem como na igreja. A igreja não deve governar o Estado,
nem vice-versa. Mas a lei de Deus deve governar sobre ambos.[157]
De acordo com o ensino de Romanos 13 e 1 Pedro 2, a
responsabilidade do magistrado civil é resumida pela CFW (23:1) da seguinte
forma:
Deus, o Senhor Supremo e Rei de todo o mundo, para a sua glória e
para o bem público, constituiu sobre o povo magistrados civis que
lhe são sujeitos, e a este fim, os armou com o poder da espada para
defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores.
Num sermão sobre 1 Samuel 8.11-22, João Calvino disse isso da seguinte
forma:[158]
Contudo, certamente que todo domínio régio tem o múnus do servir.
De fato, devo acrescentar que os reis devem ser servos e ministros
de Deus. Portanto, cabe-lhes considerarem-se oficiais comissionados
dados para o povo, que devem administrar fielmente seus negócios e
cuidar do povo. Embora o poder dos príncipes terrenos seja grande
neste mundo, ainda assim eles devem perceber que são ministros e
servos de Deus e do povo.
Deveria ser adicionado que a igreja tem certas responsabilidades com respeito
ao Estado, assim como o Estado tem certas responsabilidades para com a
Igreja. A Igreja tem o dever de ensinar ao Estado seus deveres sob a lei de
Deus (Romanos 13.1-6). Além disso, quando o Estado se desvia desses
deveres, a Igreja deve chamar o magistrado civil ao arrependimento (1 Reis
17.1; 18.17-18; Marcos 6.14-18).[159] Por outro lado, o magistrado civil tem o
dever de proteger a Igreja, não apenas daqueles que a injuriariam, mas
também daqueles que a impediriam de cumprir a Grande Comissão (Isaías
49.23). Como ensinado apropriadamente na Confissão (23:3):
Os magistrados civis não podem tomar sobre si a administração da
palavra e dos sacramentos ou o poder das chaves do Reino do Céu,
nem de modo algum intervir em matéria de fé; contudo, como pais
solícitos, devem proteger a Igreja do nosso comum Senhor, sem dar
preferência a qualquer denominação cristã sobre as outras, para que
todos os eclesiásticos sem distinção gozem plena, livre e indisputada
liberdade de cumprir todas as partes das suas sagradas funções, sem
violência ou perigo. Como Jesus Cristo constituiu em sua Igreja um
governo regular e uma disciplina, nenhuma lei de qualquer Estado
deve proibir, impedir ou embaraçar o seu devido exercício entre os
membros voluntários de qualquer denominação cristã, segundo a
profissão e crença de cada uma. E é dever dos magistrados civis
proteger a pessoa e o bom nome de cada um dos seus
jurisdicionados, de modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto
de religião ou de incredulidade, ofender, perseguir, maltratar ou
injuriar qualquer outra pessoa; e bem assim providenciar para que
todas as assembleias religiosas e eclesiásticas possam reunir-se sem
ser perturbadas ou molestadas.

Porque o magistrado civil serve a Deus como seu ministro, os puritanos


assumiram um papel ativo em moldar a política governamental. Como a
Confissão (23:2) declara:
Aos cristãos é licito aceitar e exercer o ofício de magistrado, sendo
para ele chamado; e em sua administração, como devem
especialmente manter a piedade, a justiça, e a paz segundo as leis
salutares de cada Estado, eles, sob a dispensação do Novo
Testamento e para conseguir esse fim, podem licitamente fazer
guerra, havendo ocasiões justas e necessárias.

Esse foi o caso da América colonial, onde os puritanos buscaram estabelecer


uma santa comunidade para honrar a Deus. “A visão geral dos puritanos,
nunca deveríamos esquecer”, escreveu Ryken, “não era nada menos do que
uma sociedade totalmente reformada baseada em princípios bíblicos”.[160] O
bem conhecido comentário de John Winthrop é apropriado: “Pois devemos
considerar que seremos como uma cidade sobre uma colina.”[161] Dessa
forma, não é surpresa que alguns dos puritanos, seguindo Calvino,
consideravam o ofício do magistrado civil o mais alto chamado que um
cristão poderia receber.[162]
Então também, como Calvino antes deles, os puritanos mantinham que
era dever do magistrado civil impor todos os Dez Mandamentos e a
“equidade geral” das leis judiciais que Deus deu a Israel em seus deveres.[163]
Apenas como um exemplo, vemos que o “Abstrato das leis da Nova
Inglaterra”, que foi estabelecida pelos puritanos americanos que vieram aos
Estados Unidos, está repleto de referências da Escritura para o magistrado
civil seguir em seu dever perante Deus, para o povo.[164]
Na América colonial, os puritanos, de acordo com os ensinos da
Escritura, acreditavam que um governo bíblico deveria ser na forma de uma
república constitucional, não de uma monarquia ou democracia. Isaías 33.22
era um versículo importante com respeito a essa matéria. Nesse versículo
temos a garantia bíblica para um sistema de freios e contrapesos no
magistrado civil. Aqui encontramos os ramos judiciário, legislativo e
executivo do governo, com Deus governando sobre todos: “Pois o SENHOR é o
nosso Juiz [ramo judiciário]; o SENHOR é o nosso Legislador [ramo
legislativo]; o SENHOR é o nosso Rei [ramo executivo], ele nos salvará”.[165]
Conclusão
A genialidade do puritanismo, como Peter Lewis o chamou, repousa,
em primeiro lugar e acima de tudo, no fato que os puritanos viam tudo da
vida sob os ditames da Sagrada Escritura, a infalível e inerrante Palavra de
Deus. Acima de tudo o mais, o movimento puritano foi um movimento da
Bíblia. A Escritura era o ponto de partida axiomático da cosmovisão puritana.
Tudo da vida é teocêntrico e sagrado; ela deve ser vivida coram Deo (“diante
de Deus”). E o objetivo da vida, para citar o Breve catecismo (R. 1), “é
glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.
Em segundo lugar, isso é refletido em como os puritanos viam a Deus.
Ele é o Deus monoteísta e trinitariano da Escritura, que, como ensina o Breve
catecismo (R. 4), “é um Espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser,
sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade”.[166] E, em terceiro
lugar, vimos que o conceito do pacto era central para a visão puritana do
relacionamento do homem com Deus, particularmente na salvação das almas
perdidas. E, em quarto lugar, no que diz respeito ao nosso estudo, isso é
refletido em como os puritanos viam as três principais instituições bíblicas: a
família, a igreja e o magistrado civil.
Para os puritanos a Bíblia tinha um monopólio sobre a verdade. A
Escritura nos ensina sobre a redenção por meio da Pessoa e obra de Jesus
Cristo. Mas os ensinos da Escritura não se limitam à redenção. Nas palavras
de Paulo, a Palavra inspirada, infalível e inerrante de Deus equipa o homem
“para toda boa obra” (2 Timóteo 3.16-17). O comentário do puritano
Matthew Henry sobre essa passagem é apropriada: “A Escritura é adequada
para todas as situações. Independente do nosso dever, ou do nosso serviço,
podemos encontrar aquilo que precisamos nas Escrituras”.[167]
Sendo este o caso, cada uma das instituições bíblicas deve ser
organizada num sistema lógico, i.e., uma cosmovisão governada pelo ensino
da Escritura. Em tal sistema, cada instituição mutuamente apoia e reforça as
outras. As palavras de Leland Ryken fornecem uma conclusão adequada para
isso:
O puritanismo pode dar um lugar onde nos posicionarmos. Os puritanos
acreditavam que toda a vida é de Deus. Isto lhes possibilitou combinar a piedade
pessoal com uma visão cristã abrangente do mundo. Começando com a premissa
de que a Bíblia é um repositório confiável da verdade, os puritanos tinham uma
base a partir da qual relacionar sua fé cristã a todas as áreas da vida — ao
trabalho, à família, ao casamento, à educação, à política, à economia e à
sociedade.
A excitante abordagem puritana da vida no mundo foi alimentada pelas fontes
espirituais da nova vida — oração, comunhão cristã, meditação, pregação e
contato com a Bíblia. No puritanismo, uma teologia da salvação pessoal foi
unida a uma vida ativa no mundo.[168]
Sobre o livro
O QUE OS PURITANOS ENSINARAM
Os puritanos têm sido alvo de difamação e de caricatura em nossos dias,
principalmente por pessoas que leram pouco ou nada deles. O Dr. Crampton
é bem versado nos puritanos, e seu respeito por eles e pelo seu ensino é visto
nesta excelente introdução à teologia básica dos puritanos.
O Dr. Crampton apresenta os fundamentos da teologia puritana nos capítulos
sobre os puritanos e seu ensino sobre a Bíblia, Deus, teologia pactual,
salvação, família, igreja e governo civil.
Para qualquer pessoa que queira entender os puritanos, este é um bom lugar
para começar.
#####
Se você deseja aprender mais sobre os puritanos, então este livro do Dr. W.
Gary Crampton é um excelente lugar para começar. Cativantes e simples,
cada capítulo traz à luz o coração e a alma dos puritanos: no que acreditavam,
o que ensinavam e talvez, mais importante, como viviam.

— Ed Walsh
Presidente, Center for Reformed Theology and Apologetics

Claro e conciso! Eis outro trabalho excelente do Dr. Crampton para a Igreja
de Cristo!

— Dr. Kenneth G. Talbot


Presidente, Whitefield Theological Seminary

[1]
C. S. Lewis, Cartas de um diabo a seu aprendiz (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017), Carta
X.
[2]
J. I. Packer, A Quest For Godliness (Wheaton, Illinois: Crossway Books, 1990) [Entre os gigantes
de Deus: uma visão puritana da vida cristã. 2ª ed. São José dos Campos: Fiel, 2016].
Interessantemente, mas tristemente, como o Dr. Packer afirma em outro lugar, é devido a essa “busca
por piedade” que os puritanos estão entre os cristãos mais odiados na história da igreja de Cristo. Isso,
sem dúvida, não deveria nos surpreender. Em João 15.18-21, Cristo nos diz que a razão pela qual as
pessoas odeiam e perseguem os cristãos é porque elas odiaram e perseguiram a Cristo antes. E aqueles
que andam mais próximos de Cristo são os que com maior probabilidade receberão a maior perseguição
e ódio. Veja J. I. Packer, English Puritan Theology, uma série de áudio cassete (Orlando: Ligonier
Ministries, 1988), fita 1.
[3]
Declarações similares de louvor podem e devem ser feitas sobre a Declaração de Savoy (1658) e a
Confissão batista de Londres de 1689.
[4]
Benjamin B. Warfield, Selected Shorter Writings (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 1973),
organizado por John E. Meeter, II:660.
[5]
Robert L. Reymond, Paul: Missionary Theologian (Ross-shire, Scotland: Christian Focus
Publications, 2000), p. 583.
[6]
William M. Hetherington, por exemplo, em seu History of the Westminster Assembly of Divines
(Edmonton, Canada: Still Water Revival Books, 1993, p. 345), chama a Confissão de fé de Westminster
de “a declaração mais perfeita de teologia sistemática já feita pela igreja cristã”.
[7]
Isso é evidente já em Gênesis 2-3, onde toda a questão da obediência ou desobediência do homem a
Deus tem a ver com epistemologia. Isto é, o homem estava proibido de buscar seu conhecimento de
certo e errado de qualquer outra fonte que não fosse a Palavra de Deus. O que foi proibido a Adão e
Eva foi a “árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gênesis 2.17).
[8]
Isso está em contraste com o atual conceito de “evento-revelação” da neo-ortodoxia. Os teólogos
neo-ortodoxos, tais como Karl Barth (1886-1968) e Emil Brunner (1899-1966), negam que a Bíblia nos
dê revelação proposicional. Antes, eles afirmam, Deus nos revela eventos na Bíblia, mas não o
significado dos eventos. O entendimento do significado é um empreendimento subjetivo. Esse,
contudo, não é o caso. Deus não somente revela os eventos da história redentora (e.g, a crucificação de
Jesus Cristo), mas também nos diz o significado desses eventos. A interpretação dos eventos não é
deixada à subjetividade da imaginação de cada um. A Escritura nos dá o evento e seu significado em
proposições. Para uma excelente análise da teologia neo-ortodoxa, veja Gordon H. Clark, Karl Barth’s
Theological Method (Trinity Foundation, 1997).
[9]
Packer, Entre os gigantes de Deus, p. 30, 158.
[10]
João Calvino, A instituição da religião cristã (São Paulo: UNESP), I:7:1,4.
[11]
John Owen, The Works of John Owen, Vols. I-XVI (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1981),
organizado por William H. Goold, IV:20.
[12]
Citado em John H. Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards (Orlando,
Florida: Ligonier Ministries; Powhatan, Virginia: Berea Publications, 1991-1993), I:381.
[13]
Tecnicamente falando, “evidências internas” não são evidências no sentido empírico. Antes, elas
são parte da revelação especial. Somente evidências externas (extra-bíblicas) são de fato “evidências”
no sentido empírico.
[14]
Citado em Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, I:189.
[15]
A moderna visão errante, a qual os puritanos se opunham, é por vezes chamada teoria “de duas
fontes” da verdade. Essa visão afirma que a verdade está disponível para nós à parte da Escritura, i.e.,
por meio de outras fontes, tais como no estudo da história, ciência e assim por diante.
[16]
John W. Robbins, “Is the Bible a Textbook?”, Against the World, organizado por John W. Robbins
(Trinity Foundation, 1996), p. 11-12.
[17]
Leland Ryken, Santos no mundo, 2ª ed. (São José dos Campos: Fiel, 2013), p. 195.
[18]
Citado em A Puritan Golden Treasury, edited by I.D.E. Thomas (Edinburgh: Banner of Truth
Trust, 1977), p. 32.
[19]
A declaração foi feita por Peter Gay sobre Jonathan Edwards, citado em Gerstner, The Rational
Biblical Theology of Jonathan Edwards, I:102-103. O comentário do Dr. Gerstner também foi feito em
referência a Jonathan Edwards.
[20]
A teologia neo-ortodoxa, que é algumas vezes chamada de “teologia do paradoxo” ensina que a
“fé” deve “refrear a lógica”. Ela também afirma que a lógica de Deus é diferente da “mera lógica
humana”. Na neo-ortodoxia, Deus pode nos ensinar inclusive por intermédio de falsas declarações,
contradições, etc.
[21]
Calvino, A instituição, IV:8:7.
[22]
Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos (São José dos Campos, SP: Fiel, 2015), organizado por
Tryon Edwards, p. 347.-48 Tradução de Valter Graciano Martins.
[23]
Jonathan Edwards, Sermons and Discourses 1723-1729, organizado por Kenneth Minkema, The
Works of Jonathan Edwards, Vol. 14 (New Haven: Yale University Press, 1997), p. 95.
[24]
Citado em Benjamin B. Warfield, The Westminster Assembly and Its Work (Edmonton, Canada:
Still Waters Revival Books, 1991), p. 188-189.
[25]
Owen, Works, IV:122-123.
[26]
Robert L. Reymond, Paul: Missionary Theologian, p. 578.
[27]
John Calvin, Commentaries, Vols. I-XXII (Grand Rapids: Baker, 1981), Commentary on Isaiah
50:2; 55:11.
[28]
Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwards (daqui em diante citado como
Works), organizado por Edward Hickman (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1984), I:cxc.
[29]
John Calvin, John Calvin’s Sermons on Ephesians (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1987), xii.
[30]
Packer, Entre os gigantes de Deus, p. 514.
[31]
Owen, Works, XVI:74.
[32]
Veja Richard Hofstadter, Anti-Intellectualism in American Life (New York: Vintage Books, 1962).
[33]
Veja Westminster Confession of Faith (Glasgow, Scotland: Free Presbyterian Publications, 1994),
“The Form of Church Government”, p. 413.
[34]
Packer, Entre os gigantes de Deus, p. 38.
[35]
Citado em Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, I:190.
[36]
Charles Haddon Spurgeon, The New Park Street Pulpit (Grand Rapids: Baker, 1990), I:1.
[37]
C. Gregg Singer, John Calvin: His Roots and Fruits (Greenville: A Press, 1989), p. 11.
[38]
Calvino, João Calvino: uma coletânea de escritos (São Paulo: Vida Nova, 2017), p. 66.
[39]
Jonathan Edwards, Treatise on Grace and Other Posthumously Published Writings (Cambridge;
James Clarke and Co., 1971), organizado por Paul Helm, p. 49.
[40]
Edwards, Works, II:244.
[41]
Henry Scougal, The Life of God in the Soul of Man (Harrisonburg, Virginia: Sprinkle Publications,
1986), p. 62, 46-47.
[42]
Owen, Works, I:472.
[43]
Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, II:63-75.
[44]
Os teólogos usam a palavra “econômica” para descrever a relação entre as pessoas da Trindade
pois a palavra “econômica” carrega a ideia de um valor atribuído em vez de um valor relacionado a
essência de uma coisa. A “precificação” surge quando vários valores são atribuídos, por um comprador
ou vendedor, a artigos à venda. Dessa forma, o Filho pode ter uma posição subordinada “atribuída” ao
Pai, e o Espírito pode ter uma posição subordinada “atribuída” ao Pai e ao Filho, sem introduzir a ideia
que eles são essencialmente separados e inferiores ao Pai, ou o Pai e o Filho respectivamente.
[45]
Owen, Works, I:472-475.
[46]
Edwards, Works, II:6; Owen, Works, II:17 ss. Isso é algumas vezes descrito como a doutrina das
apropriações.
[47]
Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, II:142.
[48]
Owen, Works, I:474.
[49]
Calvino, A instituição da religião cristã, I:16:1.
[50]
Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, II:142143.
[51]
Owen, Works, I:475-476.
[52]
Owen, Works, I:475.
[53]
Packer, Entre os gigantes de Deus, p. 208.
[54]
Sinclair Ferguson, John Owen on the Christian Life (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1987), p.
20.
[55]
Citado em Alexander B. Grosart, Selections from the Unpublished Writings of Jonathan Edwards
of America (Ligonier, Pennsylvania: Soli Deo Gloria Publications, 1992), p. 60.
[56]
Edwards, Works, II:599.
[57]
Citado em Carl W. Bogue, Jonathan Edwards and the Covenant of Grace (Cherry Hill, New
Jersey: Mack Publishing Company, 1975), p. 131.
[58]
Jonathan Edwards, A History of the Work of Redemption, organizado por John F. Wilson, The
Works of Jonathan Edwards, Vol. 9 (New Haven; Yale University Press, 1989), p. 132-133.
[59]
Calvino, A instituição da religião cristã, II:10:20.
[60]
Veja Bogue, Jonathan Edwards and the Covenant of Grace, 95-140; Ferguson, John Owen on the
Christian Life, p. 24-27.
[61]
Para um estudo bem completo disso, veja Jonathan Edwards, A History of the Work of Redemption.
[62]
Edwards, Works, I:646.
[63]
Calvino, Institutas II:11:10.
[64]
Veja Calvin, Commentary on Deuteronomy 17:19; John Calvin, Sermons on Deuteronomy
(Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1987), Sermons on Deuteronomy 7:11-5; 27:11-15; Bogue,
Jonathan Edwards and the Covenant of Grace, p. 253-278.
[65]
Edwards, Works, I:533.
[66]
Os teólogos de Westminster seguem o estudo da soteriologia, nos capítulos 10-18 da Confissão de
fé de Westminster, com vários capítulos a respeito de princípios básicos concernente ao governo do
homem e da sociedade (capítulos 19-24), o estudo da doutrina da igreja: eclesiologia (capítulos 25-31),
e finalmente, uma análise das últimas coisas: escatologia (capítulos 32-33).
[67]
Owen, Works, VI:586; Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 32-36.
[68]
Calvin, Institutas III:24:8.
[69]
Edwards, Works, II:559.
[70]
Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, I:187.
[71]
Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 35.
[72]
A palavra grega metanoia significa “uma mudança de mente”.
[73]
Owen, Works, III:364.
[74]
John H. Gerstner, Jonathan Edwards: A Mini-Theology (Wheaton: Tyndale House, 1987), 69-72;
Calvin, Institutes III:11:1.
[75]
Calvino, Resposta ao Cardeal Sadoleto, p. 74.
[76]
Calvin, Institutas III:18:8.
[77]
Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 266.
[78]
Charles Haddon Spurgeon, Spurgeon at His Best (Grand Rapids: Baker, 1988), compilado por Tom
Carter, p. 116.
[79]
Citado em Grosart, Selections From the Unpublished Writings of Jonathan Edwards of America, p.
125.
[80]
Citado em Philip E. Hughes, Theology of the English Reformers (Grand Rapids: Baker, 1980), p.
55.
[81]
Citado em Bogue, Jonathan Edwards and the Covenant of Grace, p. 248.
[82]
Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 242-243.
[83]
John H. Gerstner, The Westminster Confession (Orlando: Ligonier Ministries, n.d.), p. 13.
[84]
Owen, Works, II:207.
[85]
Calvin, Commentary on John 8:44; Owen, Works, X:290 ss.
[86]
Gerstner, The Westminster Confession, p. 15.
[87]
Packer, English Puritan Theology, fita 1; veja John Bunyan, O Peregrino.
[88]
Packer, English Puritan Theology, fita 3; Gordon H. Clark, Ensaios sobre ética e política, p. 257-
259.
[89]
Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, III:224.
[90]
Citado em A Puritan Golden Treasury, p. 162.
[91]
Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 54-56.
[92]
Citado em Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, III:225-229.
[93]
Owen, Works, III:369-371,386.
[94]
Edwards, Works, II:157,159,162.
[95]
Edwards, Works, I:xxi.
[96]
Iain Murray, O Spurgeon que foi esquecido (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,
2004), p. 54. Tradução de Odayr Olivetti.
[97]
Citado em A Puritan Golden Treasury, p. 209.
[98]
Citado em A Puritan Golden Treasury, p. 210.
[99]
Citado em Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, I:260.
[100]
Citado em Francois Wendel, “Justification and Predestination in Calvin”, Readings in Calvin’s
Theology (Grand Rapids: Baker, 1984), organizado por Donald K. McKim, p. 173.
[101]
Edwards, Works, II:548.
[102]
Owen, “A Practical Exposition Upon Psalm 130,” Works, VI:321-648.
[103]
Jonathan Edwards, Religious Affections, organizado por John E. Smith, The Works of Jonathan
Edwards, Vol. 2 (New Haven: Yale University Press, 1959).
[104]
Westminster Confession of Faith, “The Evidences of True Faith”, p. 339.
[105]
Calvin, Commentary on Matthew 2636-39; Hebrews 2:15; Institutas III:9:4.
[106]
John Murray, Redenção consumada e aplicada, 2ª ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2010), p. 155.
[107]
Citado em John H. Gerstner, Heaven & Hell: Jonathan Edwards on the Afterlife (Grand Rapids:
Baker, 1980), p. 11-12.
[108]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 143.
[109]
Citado em William J. Scheick, The Writings of Jonathan Edwards (College Station: Texas A &
M University Press, 1975), p. 114.
[110]
Thomas Manton, “Mr. Thomas Manton’s Epistle to the Reader”, Westminster Confession of Faith,
p. 9-12.
[111]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 148.
[112]
John Piper, The Pleasures of God (Sisters, Oregon: Multnomah Press, 2000), p. 203-204.
[113]
Mark Noll, “The Scandal of the Evangelical Mind”, Christianity Today, 37, no. 12 (25 October
1993): 31.
[114]
E. Digby Baltzell, Puritan Boston and Quaker Philadelphia (New York: The Free Press, 1979), p.
247.
[115]
See John W. Robbins, “John Harvard, Calvinist”, The Trinity Review (The Trinity Foundation,
October, 1993), e Gordon H. Clark, “A Christian Philosophy of Education”, The Trinity Review (The
Trinity Foundation, May/June, 1988).
[116]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 272.
[117]
Veja capítulo 24 da Confissão de fé de Westminster, “Do casamento e do divórcio”.
[118]
Jonathan Edwards, Pecadores nas mãos de um Deus irado (Editora PES).
[119]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 155.
[120]
Gerstner, The Rational Biblical Theology of Jonathan Edwards, II:121.
[121]
Calvin, Commentary on Luke 10:38.
[122]
Veja John W. Robbins, Civilization and the Protestant Reformation (The Trinity Foundation,
1994).
[123]
Clark, Ensaios sobre ética e política, p. 11-14, 83-84, 227-228. Veja também Edwards, Caridade
e seus frutos, p. 183 ss.
[124]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 72.
[125]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 79.
[126]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 69.
[127]
Para mais sobre a ética puritana ou protestante do trabalho e o capitalismo, veja Max Weber, A
ética protestante e o espírito do capitalismo.
[128]
Calvin, Commentary on Matthew 19:24.
[129]
Citado em Ryken, Santos no mundo, p. 112.
[130]
Sobre esse assunto e relacionados, veja o excelente livro e Jean-Marc Berthoud: O oitavo
mandamento, não roubarás: A economia, o roubo e a ordem da criação (Monergismo, 2020). [N. do
T.]
[131]
Agostinho, A doutrina cristã, III:32.
[132]
O mesmo grupo da palavra grega hagios, hagiazo, é usado para “santificados”, “santos” e
“separados”.
[133]
Citado em Warfield, The Westminster Assembly and Its Work, p. 303.
[134]
Westminster Confession of Faith, “The Directory for the Public Worship of God”, p. 373-394.
[135]
Piper, The Pleasures of God, p. 222-223.
[136]
Owen, Works, XV:447; XIV:84.
[137]
Veja Calvino, Institutas IV:17:43; Westminster Confession of Faith, “The Directory for the Public
Worship of God”, p. 373-394.
[138]
Edwards, Works, II:93-103.
[139]
Veja David Clarkson, Works (Edinburgh: James Nichol, 1864), III:190 ss. Isso não é dizer, em
nenhum sentido, que o culto privado é menos importante que o culto familiar ou o culto público. Na
verdade, uma pessoa não pode cultuar a Deus em público corretamente se não o cultua em privado.
Antes, o ponto é que o culto público é mais central que o culto privado no Dia do Senhor. Afinal, o Dia
do Senhor é construído em torno do culto público, onde todos os santos são reunidos para adorar ao
Deus Triúno da Escritura.
[140]
Calvino, Institutas IV:1:9; 12:1-13; Puritan Manifestos: A Study of the Origin of the Puritan
Revolt, organizado por W. H. Frere e C. E. Douglas (London: S.P.C.K., 1954), p. 9.
[141]
Os “meios de graça”, como ensinado pelo Breve catecismo (R. 88), são “os meios exteriores e
ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da redenção, [e elas] são as suas ordenanças,
especialmente a Palavra, os sacramentos e a oração; as quais todas se tornam eficazes aos eleitos para a
salvação”.
[142]
Owen, Works, III:370-371.
[143]
Calvin, John Calvin’s Sermons on Ephesians, xii.
[144]
Calvino, Institutas IV:14:3.
[145]
Veja Iain Murray, The Puritan Hope (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1971).
[146]
Piper, The Pleasures of God, p. 223.
[147]
Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 211-214.
[148]
Owen, Works, I:469.
[149]
Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 214.
[150]
Calvino, “Ao Protetor Somerset”, em Cartas de João Calvino (São Paulo: Cultura Cristã, 2009),
p. 75. Tradução de Marcos Vasconcelos.
[151]
Ferguson, John Owen on the Christian Life, p. 181.
[152]
Calvin, Institutas IV:3:1-9; Owen, Works, 438-453; Gerstner, The Rational Biblical Theology of
Jonathan Edwards, III:408-409.
[153]
Westminster Confession of Faith, “The Form of Presbyterial Church Government and of
Ordination of Ministers”, p. 393-416.
[154]
Owen, Works, XVI:42 ss.
[155]
Westminster Confession of Faith, “The Form of Presbyterial Church Government and of
Ordination of Ministers”, p. 403.
[156]
Para mais sobre isso, veja Gordon H. Clark, Ensaios sobre ética e política, p. 85-144, 255-278.
[157]
Veja William O. Einwechter, Ética e a lei de Deus (Brasília, DF: Monergismo, 2009).
[158]
Citado em W. Gary Crampton e Richard E. Bacon, Edificados sobre a Rocha (Brasília, DF:
Monergismo, 2016), p. 66.
[159]
C. Gregg Singer, A Theological Interpretation of American History (Phillipsburg: Presbyterian
and Reformed, 1981), p. 10-23.
[160]
Ryken, Santos no mundo, p. 348.
[161]
Citado em David C. Brand, Profile of the Last Puritan (Atlanta: Scholars Press, 1991), p. 7.
[162]
Calvino, Institutas IV:20:4; Ryken, Santos no mundo, p. 289-291.
[163]
Calvino, Institutas IV:20:2,6; Confissão de fé de Westminster (19:3-5).
[164]
Citado em Greg L. Bahnsen, Theonomy in Christian Ethics (Nutley, New Jersey: Craig Press,
1977), p. 549-569. “An Abstract of the Laws of New England” foi impresso pela primeira vez em
Londres (1641) e republicado mais tarde em 1655.
[165]
Einwechter, Ética e a lei de Deus, p. 80.
[166]
Essa definição de Deus, apresentada no Breve catecismo (R. 4), foi formulada e adaptada a partir
de uma oração de George Gillespie, um dos mais jovens membros da Assembleia de Westminster; veja
Hetherington, History of the Westminster Assembly of Divines, p. 360-361.
[167]
Matthew Henry, Comentário bíblico Novo Testamento, volume 6 (Rio de Janeiro, RJ: CPAD,
2008), p. 717.
[168]
Ryken, Santos no mundo, p. 361-362.

Você também pode gostar