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Rui Santiago cssr


2004
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Espírito Santo,
Jesus disse que Tu és Aquele
que nos dá a conhecer todas as coisas (Jo 16, 13)

Então, dá-Te a conhecer a nós!!!

I. O Rosto Amoroso do Espírito Santo

II. A Missão Histórica do Espírito Santo

III. Espírito Santo e Vida Cristã


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O ROSTO AMOROSO

DO ESPÍRITO SANTO
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Deus é uma Família de três Pessoas em perfeita comunhão no Amor.


Quando dizemos “Deus” estamos a dizer um apelido, o nome de uma Família!
Deus não é um “sujeito isolado”, como um “divino solteirão” votado à
solidão de si próprio. Deus é Família de três Pessoas perfeitas no Amor. Dito
por outras palavras: Deus é Santíssima Trindade!
Ser pessoa significa ser uma interioridade espiritual única, original,
irrepetível, livre, responsável, capaz de amar e que se realiza na comunhão
com outras pessoas.

Na “primeira” Pessoa da Santíssima Trindade, o Amor Divino realiza-


se como Dom total de si próprio, Graça eterna e perfeita. Por isso lhe
chamamos “Pai”, para exprimir esta entrega amorosa de si próprio que gera o
outro como Filho. Sim, a “primeira” Pessoa da Família Divina não é Pai por
ter procriado a “segunda” ou por ser mais velho que ela! O Filho Eterno de
Deus-Pai é “gerado” pelo Pai, não “criado”. A geração filial é uma relação
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amorosa, não a consequência de um encontro sexual. O casal que adopta uma


criança não a “procriou” como filha, mas o amor paternal-maternal que lhe
dedica “gera-a” como filha. Ser gerado como filho significa ser amado como
filho.
Na “segunda” Pessoa da Santíssima Trindade, o Amor Divino realiza-
se com este jeito filial de acolhimento do Amor-Dom do Pai. O Amor Filial
Divino tem rosto de Gratidão, como o Amor Paternal Divino tem rosto de
Graça. Por isso, esta “segunda” Pessoa da Família Deus é chamada “Filho”.
Jesus de Nazaré é a Revelação e Realização em densidade humana deste
Amor Filial Divino, que nele se tornou humano-divino pelo mistério de
comunhão animado pelo Espírito Santo. Por isso se chama o “Cristo”.

Esse é, de facto, o eterno jeito de ser e amar do Espírito Santo: inspirar


e animar comunhão. Na “terceira” Pessoa da Santíssima Trindade, o Amor
Divino realiza-se como vínculo familiar e ternura maternal divina pela qual o
Pai e o Filho são Um na Unidade do Amor. A Unidade do Amor é a perfeição
da comunhão em que cada um é ele próprio sendo totalmente com o outro e
para o outro. A unidade do Amor animada pelo Espírito não tem nada de
parecido com fusão.
A Unidade Divina é a unidade de uma Comunhão perfeita. Unidade
porque ausente de divisões! A Unidade de Deus não significa a unicidade de
um sujeito divino. Quando os judeus proclamavam e proclamam todos os
dias a oração ritual “Shêmá Israel”, referem-se à Unidade Divina como
unicidade: “Escuta, Israel! Iahvé é nosso Deus; o Iahvé é Um!” (Dt 6, 4)
Mas a grande revelaçao de Deus em Cristo é a novidade de
conhecermos o seu Rosto Comunitário: o Filho revela o Pai e torna-se
princípio de difusão do Espírito Santo para toda a Humanidade. Deus é Um
na Unidade de uma Comunhão perfeita, não na unicidade de um sujeito. Deus
não é uni-Pessoal, mas uni-Comunhão!
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O Espírito Santo é nesta Comunhão que nós aprendemos a chamar


“Deus” o ponto de encontro eterno entre o Pai e o Filho, o Amor Divino com
jeito de abraço e inspiração de reciprocidade. É uma Pessoa Divina, como o
Pai e o Filho, uma interioridade espiritual eterna e perfeita, única, original,
irrepetível, livre, capaz de amar e que se realiza na comunhão com outras
Pessoas. Não é uma “pombinha”, nem um vento, nem uma “coisa” sagrada
que se tenha e se dê! A má compreensão dos símbolos bíblicos para dizer a
acçao do Espírito de Deus fez com que se “coisificasse” a Sua existência.
Os símbolos bíblicos do Espírito Santo são a água, o fogo, o vento, o
óleo e a pomba.

O “Espírito de Iahvé” é no Antigo Testamento a actividade de Deus, a


Sua acção na história sempre eficaz e, ao mesmo tempo, sempre discreta. Por
isso são precisos símbolos para a exprimir…

A água é símbolo em todas as culturas antigas de purificação,


renascimento, fecundidade… A Criação está marcada por este símbolo, já que
“o Espírito sobrevoava as águas” (Gen 1, 2). E no tempo de Noé, é pela água
que Iahvé actua a recriação da Humanidade que entretanto se tinha
corrompido (Gen 7, 17). João Baptista era com o baptismo na água do Jordão
que preparava o Resto Fiel para a chegada do Messias. E ainda hoje os
discípulos deste Messias utilizam a água para celebrar o Baptismo.

O fogo é símbolo de todo o mistério, o maravilhoso intocável, o que


assume e transforma em si próprio tudo o que toca. No deserto, o povo era
iluminado por uma coluna de fogo durante a noite (Ex 13, 21), e o novo povo
de Deus é também conduzido pelo fogo do Espírito Santo que abrasa e
ilumina a partir da experiência de Pentecostes (Act 2, 3).

O vento é o que actua sem ser visto, está presente sem se conseguir
agarrar, “sopra onde quer, ninguém sabe de onde vem nem para onde vai,
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mas todos escutam a sua voz” (Jo 3, 8). O profeta Elias, escondido com medo
da rainha Jezabel, é na brisa suave do vento que percebe a presença de Iahvé
(1Rs 19, 13). O profeta Ezequiel descreve a visão de um campo de ossos
ressequidos aos quais Deus envia uma brisa suave, um vento que os percorre
e revigora trazendo-os à vida (Ez 37, 1-10). “Espírito” em hebraico diz-se
“Ruah”, que significa mesmo “vento”, “aragem”. E tem também o significado
de “hálito” ou “alento” de vida. O Ruah Iahvé – Espírito de Deus – é o Hálito
que sai da boca de Deus como alento de Vida: “Deus insuflou no barro
amassado o seu Ruah – hálito, alento, respiração – e o Homem tornou-se um
Vivente! (Gn 2, 7)
Também Jesus Ressuscitado “soprou sobre os Apóstolos, dizendo-lhes:
Recebei o Espírito Santo!” (Jo 20, 22). Sim, o Espírito Santo é o Alento de Vida de
Jesus Ressuscitado.

O óleo é símbolo do vigor, da força, da cura e da eleição. Na Grécia


antiga, por exemplo, os participantes nos jogos olímpicos untavam-se com
óleo – azeite virgem – para tonificar os músculos, dar vigor e beleza ao seu
corpo. Esse mesmo óleo era utilizado por todos os povos da antiguidade para
curar feridas abertas, pelas suas propriedades cicatrizantes. Além disso, a
unção com óleo sobre a cabeça era o símbolo privilegiado da eleição divina de
alguém: “Samuel pegou no corno cheio de óleo e ungiu David. A partir desse
momento, o Espírito de Deus apoderou-se dele” (1Sam 16, 13). Ainda hoje
usamos a unção com óleo como símbolo desta consagração ao Espírito Santo
nos sacramentos do Baptismo, Confirmação, Ordem e Unção dos Doentes. Os
nomes “Messias” e “Cristo” que significam em hebraico e grego “Ungido”,
têm por base esta simbologia bíblica da unção-eleição de alguém por parte de
Deus para realizar o Seu Projecto.

A pomba é o símbolo da leveza, da agilidade e das boas notícias. “No


princípio, o Espírito sobrevoava as águas” (Gen 1, 2), e será uma pomba a dar
a Noé a Boa Notícia da Recriação (Gen 8, 8-12). No baptismo de Jesus, “o
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Espírito Santo desceu na forma de uma pomba sobre ele”, símbolo da unção
messiânica confirmada por Deus, de quem se ouve a voz: “Tu és o meu filho
muito amado; em ti ponho todo o Meu agrado” (Lc 3, 22).

Os símbolos servem para dizer o “importante não evidente”. No


entanto, o Espírito Santo não é uma “coisa”, mas uma Pessoa.

Por ser Amor, Deus não é uma existência estática e imutável, mas
Vida em permanente emergência e dinamismo criador. Para falar de Deus, a
bíblia não nos dá definições ou provas teóricas da Sua existência, mas conta
uma história: a história de Deus connosco. Sim, um Deus comprometido com
a história dos Homens, por Amor! Eis a grande descoberta do povo hebreu,
que lhe abriu o caminho da Revelação como fonte de Aliança e Promessas da
parte de Deus.
Este povo fez uma experiência de libertação da tirania egípcia e uma
travessia do deserto que o encaminhou para a conquista da Palestina,
desejada e amada como a “Terra Prometida”! Lendo à luz da Fé esta
experiência de libertação e caminho, começam a perceber Iahvé como Senhor
da história desde sempre. “Andando para trás”, vão chegar mesmo ao
princípio da história e começam a chamar a Iahvé não só o Deus Libertador
dos Egípcios, mas o Deus Criador de todas as coisas. A partir daqui, toda a
história pode ser lida à luz da Vontade e da Bondade de Deus, aquela
Vontade que dizia “Faça-se!”, e tudo se fazia, e aquela Bondade que olhava
para tudo o que acabara de fazer e exclamava: “Tudo é muito bom!” (Gen 1)

Hoje, à luz a Revelação do Projecto de Deus em Jesus Cristo,


percebemos com um horizonte admiravelmente novo o que a Fé hebraica
apontava e intuía nos relatos da Criação. O ser humano foi criado no dia 6
(Gen 1, 26-31), enquanto que o dia 7 é o dia de Deus (Gen 2, 1-2). 7 é o número
bíblico que simboliza a Plenitude. 6 é, por isso, o “quase plenitude”, o que
está chamado a ser 7! Deus criou o Homem criador de si próprio! É isso que
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significa o “descanso” de Deus no dia 7. Não porque Deus estivesse cansado,


mas para dar lugar ao Homem de fazer a sua própria história e construção.
Para ser pessoa, o Homem tem que ser livre, responsável e construtor de si
próprio em opções e atitudes marcadas pelo amor. Deus está por nós, mas
não está em nosso lugar!
Segundo a bíblia, Deus teve um sonho, e esse sonho chama-se
“Homem”. O Homem em construção é o mais apaixonado e comprometido Projecto
de Deus. A realização máxima deste Projecto, o Sonho de Deus, é que o 6
chegasse a ser 7. Por isso o Homem foi “criado à imagem e semelhança” de
Deus (Gen 1, 26-27), isto é, talhado a construir-se na realização dos apelos ao
amor e da comunhão pessoal. A Divindade é Pessoas, e a Humanidade também! É
na realidade pessoal que radica a “imagem e semelhança” de Deus no ser
humano. A Divindade é em Plenitude o que a Humanidade é em construção.

Este era o Sonho de Deus desde o princípio. Assumir na Sua Família


toda a Humanidade como filhos de Deus-Pai e irmãos de Deus-Filho na
unidade universal eterna de Deus-Espírito Santo.
E porque Deus é Amor, Deus realiza o que sonha.

Ainda não existia o Universo, nem galáxias, nem astros no céu, nem a
terra com as suas coisas bonitas, e já existia uma Família de três Pessoas
perfeitas no Amor a sonhar-nos como membros dessa Família!
E a história começou…
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II

A MISSÃO HISTÓRICA

DO ESPÍRITO SANTO

1. Missão Personalizante

2. Missão Reveladora

3. Missão Divinizante
a) Acção de Encarnação
b) Acção de Assunção
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A realização do Projecto de Deus é a história de uma relação de Deus


connosco ou, usando linguagem bíblica, a história de uma Aliança. Esta
Aliança é progressiva. O “perito divino das relações e dos encontros”, o
Espírito Santo, tem ao longo da história a missão de conduzi-la e orientá-la
segundo o Projecto primordial de Deus. Não o faz pelo caminho da magia
nem da imposição, mas pela arte interior da inspiração no Coração do
Homem, e pela optimização das suas capacidades, possibilitando-lhe saltos
qualitativos.

O Coração é a interioridade máxima da pessoa. Aliás, é o constitutivo


pessoal. Os animais não são pessoas porque não têm Coração, ou seja, uma
interioridade espiritual a construir-se relacionalmente de modo único,
original e irrepetível na fidelidade aos apelos do amor, da liberdade e da
responsabilidade.
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O Coração é o “dentro” do Homem, o íntimo espiritual e, por isso,


eterno. O Coração é o Homem Interior (2Cor 4, 16). O Homem Interior é o que é
imagem e semelhança de Deus e o que pode ser nele assumido plenamente.
Compreender a missão histórica do Espírito Santo significa compreender a
história do Coração desde a criação até à “plenitude dos tempos” inaugurada
em Jesus Cristo (Gal 4, 4).

Porque é Amor, o Espírito Santo propõe-se, não se impõe. O Seu jeito


de actuar é optimizar as possibilidades que o Homem conquista, abrindo-lhe
assim um novo e infinito leque de possibilidades que sem essa intervenção
não existiriam na marcha humana. É por isso que falamos numa história, e
não num click. Para entendermos melhor, lembremo-nos que nós não
tentamos sentar um recém-nascido. Mas, à medida que vai crescendo mês
após mês, tornam-se mais fortes os seus músculos e o seu cérebro fica mais
capaz de coordenar as capacidades de equilíbrio. Então, os pais optimizam essa
possibilidade e ensinam o bebé a sentar-se; ajudam-no até ser capaz de o fazer
sozinho. E mais nada que isso…
Até que o bebé começa a ganhar mais mobilidade, e os pais
novamente optimizam essa possibilidade: preparam o espaço para que o bebé
possa gatinhar, ajudam-no a levantar-se quando cai de barriga e chora…
Essas possibilidades realizadas evoluem e preparam novas
possibilidades. Passados uns meses, começa a querer andar, mas ainda não
consegue sozinho. Os pais optimizam essa possibilidade, levantando o bebé pelas
mãozinhas, ajudando os pés a dar cada passo, incentivando, treinando…
Passados uns tempos, colocam-se o pai e a mãe a uma pequena distância um
do outro e o bebé caminha entre eles, caindo nos seus braços. E por aí
adiante… À medida que o bebé se abre a novas possibilidades e capacidades,
o amor dos pais optimiza-as!
Compreender esta progressividade de actuar em cada momento
optimizando as capacidades que o outro adquiriu, é importante para
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compreendermos a história de Deus connosco. Porque Deus está connosco,


mas nunca em nosso lugar.
Por muito que um pai sonhe jogar à bola com o seu filhote recém-
nascido aos domingos à tarde, não vai levá-lo com duas semanas para o
jardim a “dar uns toques”! A realização do sonho tem um ritmo, uma história,
uma sabedoria de esperar por cada momento para optimizar a sua realização.

1. Missão Personalizante

O Espírito Santo é o modelador do Homem Interior, o inspirador do


Coração. O Homem Exterior vem do “barro”, segundo a linguagem bíblica.
“Deus amassou o barro, e insuflou nele o Seu alento, de modo que o Homem
se tornou um Vivente” (Gen 2, 7). Na linguagem bíblica, Deus insuflou o Seu
Espírito no Homem no contexto de um beijo apaixonado. Em hebraico,
palavra “neshamah” tanto significa “soprar” como “beijar”.
O barro a amassar-se é a figura bíblica da evolução cósmica, uma
marcha de causas e efeitos admirável. A marcha cósmica é uma
complexificação das estruturas naturais, desde as estruturas físicas mais
simples às bioquímicas, até chegar ao patamar dos seres vivos com cérebro
que, continuando a evoluir, iniciou um novo processo de complexificação já
bio-psíquico.
A complexificação continua numa sequência de causas e efeitos de
milhões de anos até que começam a surgir derivações de alguns primatas que
formam um ramo de características especiais, sobretudo aliadas ao facto de se
terem elevado e tornado bípedes. Esta posição liberta o crânio da pressão que
nele era exercida pela coluna vertebral, e o cérebro desenvolve-se neste ramo
de maneira surpreendentemente nova: surge o neo-córtex, um aumento do
cérebro de tal modo mais complexo e rico em capacidades que se inicia uma
nova marcha na história de evolução da criação. Outro factor fundamental
nesta história foi o facto da posição bípede libertar as mãos e possibilitar o uso
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do polegar para interagir com as coisas. Com um cérebro mais capacitado,


começam a surgir alguns instrumentos rudimentares para desfazer os
alimentos, ficando os maxilares cada vez mais livres dessa tarefa. As formas
começam a suavizar-se ao perder a musculatura nos maxilares, e começa a
surgir o rosto na história. Além disso, a boca ficou mais livre para uma outra
actividade: comunicar. Começa a complexificar-se e desenvolver-se cada vez
mais a linguagem e esse é o caminho privilegiado para o início de relações com
outra densidade que a simples interacção entre os membros de uma mesma
espécie. É nesta história lenta de “pequenos nadas” que surgem a pouco e
pouco os Hominídeos que durante milhões de anos estão no limiar do
Humano.
É nesta fase da criação que o “barro” está preparado para ser
“beijado” e vivificado por esse beijo. A primeira missão histórica do Espírito
Santo é uma missão personalizante da criação, o salto qualitativo do
hominídeo para Humano, ou seja, “barro com Coração”. O barro a amassar-se
criou as condições, conduzindo à maravilhosa complexidade neurológica de
especificidade humana, mas o Coração é dom de Deus. Este “sopro-beijo” é a
intervenção especial de Deus na criação do Homem, intervenção que não é
um momento mas o início de uma relação. O “sopro-beijo” de Deus é o Espírito
Santo, que é no Homem um princípio personalizante, um apelo interior à
humanização.
Este princípio personalizante existe no Homem como inspiração,
chamamento, interpelação. Costumamos chamar-lhe “Consciência” e está
inscrita no Coração humano com o princípio fundamental: faz o bem, evita o
mal e procura ser feliz. Esta é a marcha da humanização. O Espírito Santo é
como que o eco interior do Projecto de Deus no Homem, inspirando,
iluminando, convidando, animando, para que ele se construa e realize como
imagem e semelhança de Deus. Sim, é o “sopro-beijo” de Deus que constitui o
Homem à imagem e semelhança das Pessoas Divinas: a Divindade é Pessoas,
a Humanidade também.
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As pessoas realizam-se na reciprocidade do amor. As Pessoas Divinas


são pessoas plenas, as pessoas humanas são pessoas em construção. Essa
construção chama-se Humanização, e é inspirada interiormente pelo Espírito
Santo.
Quando fazemos o bem estamos a ser fiéis aos apelos do Espírito
Santo. À medida que a nossa consciência vai amadurecendo no sentido
humano, vai-se tornando mais capaz de acolher os apelos do Espírito Santo. O
Espírito Santo está absolutamente comprometido com a construção do nosso
Homem Interior, do nosso Coração. É a esse nível que Ele se dirige a nós e nos
comunica os seus apelos. Ele é o mais íntimo do íntimo humano, o “Coração
do Coração”! E é por “dentro” que convida e anima.

Esta acção do Espírito Santo como princípio personalizante e


inspirador de relações humanizantes é universal. Não é uma questão de
credos nem culturas! Todo aquele que tem Coração está ao alcance do Espírito
Santo. O Coração é o centro espiritual do Homem, o núcleo vital que o torna
Humano. Humanizar-se é espiritualizar-se, ou seja, viver os acontecimentos
com densidade interior, pessoal, e construir-se a esse nível.
A caminhada da Humanização é uma caminhada “de fora para
dentro”, da exterioridade da existência à interioridade da Vida. Também o
caminho da Transcendência é essa caminhada “para dentro” do mistério da
Vida. Por isso, o Homem a construir-se Humano está a caminhar para o
encontro de plenitude com Deus. A Transcendência de Deus não é uma questão de
distância mas de interioridade. Deus é a interioridade máxima da Vida, a
interioridade que transcende a minha própria interioridade.
Caminhar para o mais íntimo de mim próprio, para o núcleo pessoal
humano que se chama Coração, significa caminhar para o ponto de encontro
com o Espírito Santo. É neste ponto de encontro – que é espiritual – que o
Espírito Santo se faz sentir como apelo personalizante. Mas esta interioridade
espiritual também se molda e constrói progressivamente. É como que uma
“caixa de ressonância”interior em que ecoa o voz do Espírito. Quanto melhor
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construída e moldada for essa “caixa de ressonância” mais capacitada está


para ecoar com qualidade.
Aqui surge a importância dos outros como mediações do Espírito
Santo na sua missão personalizante. Os primeiros construtores da nossa
“caixa de ressonância” são aqueles que no princípio da nossa vida formam o
nosso contexto existencial. O Coração é uma realidade relacional. Começamos por
ser o que outros fizeram de nós. Quando o ser humano toma consciência de si
próprio, já está profundamente habitado e estruturado por outros que
lançaram as traves mestras da sua personalidade. A densidade do amor como
contexto primordial é que irá decidir se a pessoa ficará mais possibilitada ou
mais limitada na sua marcha de realização pessoal. No entanto, o definitivo e
verdadeiramente decisivo da nossa vida não é o que recebemos dos outros
mas a nossa fidelidade em realizar esses possíveis, ainda que poucos ou
pobres, na certeza de que cada possível realizado abre um novo leque de
possíveis.
A fidelidade dos outros à “voz” do Espírito Santo na sua Consciência
é importante para que sejam para nós princípio modelador de um Coração
capaz de nos tornarmos nós próprios fiéis aos apelos interiores do Espírito na
nossa Consciência para escolhermos realizar os melhores dos nossos possíveis
na marcha da Humanização.

Não nos realizamos sozinhos, e a missão Personalizante do Espírito


Santo não se confunde com o manejo de marionetas. Começa a acontecer pela
mediação dos outros, e depois vai actuando em nós directamente como
inspiração, iluminação, lucidez e sugestão.
Os seres humanos são mediações da missão Personalizante do
Espírito Santo na medida em que se relacionam humanamente e se
comprometem amorosamente na causa da felicidade recíproca.

Este apelo interior à construção do Coração é o início do Projecto


Divino de plenitude universal. Sim, Deus sonha a plenitude desde o
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princípio, como o “Papá babado” já sonha jogar à bola com o seu filhote
quando ainda lhe muda a fralda! Vai-lhe prometendo fantásticas tardes de
domingo e correrias junto ao mar e idas ao estádio ver os “derbys”. Mas o
bebé ainda não entende as palavras do Papá… Chegará a altura. O Papá
espera, enquanto o seu amor o prepara para que tudo o que sonha seja
possível…

A plenitude do Sonho Divino é o Céu, a Comunhão Universal de toda


a Humanidade com Deus, a Festa Plena dos Corações, Divinos e Humanos
numa só Família, numa só Festa…

2. Missão Reveladora

Por si mesmo, o Homem não pode saber quem Deus é. Não há


maneira de “espreitar pelo buraco da fechadura” do Céu. A única maneira de
conhecermos quem Deus é, é por Revelação: Deus a dizer-Se por iniciativa Sua.
A acção personalizante do Espírito Santo não é, em si, reveladora do
Rosto de Deus. E era importante para o Homem saber que Deus é, porque o
conhecimento do Seu Projecto confere à vida um sentido plenificante. O
Espírito Santo é quem diz no Coração do Homem a Verdade de Deus e revela
o Seu Projecto. E isto não é a satisfação de uma curiosidade intelectual nossa
por parte de Deus. A abertura à acção reveladora de Deus actuada pelo
Espírito Santo optimiza a nossa capacidade interior de acolhimento à Sua
acção personalizante! A Revelação de Deus é humanizante.

Desde os primórdios da Humanidade, o Homem manifesta fome de


Transcendência. Somos talhados para a interioridade da Vida e procuramos
desde o princípio a Plenitude, a eternização do que somos e vivemos. A nossa
interioridade pessoal-espiritual converge para a Transcendência, e por isso o
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Coração humano desde o princípio se apercebeu da morte como um absurdo


terrível que não podia aceitar.
Além disso, na interacção às vezes difícil e caprichosa com os
elementos naturais, o Homem sentiu desde cedo a necessidade de invocar
“divindades” que protegessem o seu trabalho, as suas culturas e os seus
animais. O fenómeno religioso é um dos primeiros fenómenos que marcam o
patamar humano da evolução da criação. Não podemos é confundir fenómeno
religioso com Experiência Teologal: o primeiro acontece pela abertura do ser
humano à Transcendência à procura de sentido e resposta divina para os
absurdos da existência, como o sofrimento e a morte; a segunda brota do
acolhimento da Revelação de Deus e da intimidade com Ele pelo Espírito
Santo.
Por ser à imagem e semelhança de Deus, o Homem está talhado para
a relação com Ele. Por isso o procurou em inúmeras formas ao longo de toda a
história. O ser humano é por essência religioso, tende a procurar uma relação
com um divino cuja Omnipotência resolva os problemas causados pelas suas
Impotências. A Revelação é o movimento contrário: é Deus que “vem ao
encontro” do Homem para Se dizer a ele, comunicando-lhe, por Sua própria
iniciativa, a Sua Bondade e revelando-lhe o Seu Projecto.

Para este “dizer-Se” de Deus, foi preciso a marcha humana criar as


condições necessárias. Quando a Humanidade criou as condições para a acção
reveladora de Deus, o Espírito Santo começou a realizar também essa missão.
Surgiu uma parcela da Humanidade que começou a fazer a experiência de
um Deus único, um Deus que tinha um projecto que se chamava Aliança e
que realizava esse projecto fazendo história com esse povo. Começou a
chamar-se a si próprio o “Povo de Deus”.
Sim, o monoteísmo, a experiência de Aliança e a perspectiva história da
acção de Deus foram as condições necessárias para que o Espírito Santo
começasse a dizer no Coração daquele povo coisas novas, as quais começaram
a chamar-se “Palavra de Deus”. O povo bíblico, Israel, tornou-se o Povo de
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Deus porque o Espírito Santo encontrou nele estas condições, não por ser
melhor que nenhum outro (Dt 7, 7). Com efeito, “Deus não faz distinção de
pessoas nem se deixa comprar” (Dt 10, 17).

Ao revelar-Se ao povo bíblico, Deus preparava o dom da Revelação


para toda a Humanidade. O pecado histórico de Israel foi exactamente não ter
percebido isto e, apesar de tantos profetas o terem repetido, Israel confundiu
eleição com exclusividade! A Revelação acontece como um encadeamento de
compreensões teológicas. Por isso é um processo e um progresso histórico.
A missão Reveladora do Espírito Santo acontece não em toda a
Humanidade mas numa parcela da Humanidade. A Sua missão
Personalizante molda a Consciência Humana, e a condição é o Coração. Por isso
é universal! A Sua missão Reveladora molda a Consciência Teologal, e a
condição necessária já não é só o Coração, mas a pertença a um povo com
caminhada histórica de revelação e amadurecimento da Fé como relação de
aliança com Deus.
O mistério das mediações está sempre presente: todos os seres humanos
são mediação da missão Personalizante do Espírito Santo, e o Povo de Deus é
mediação da missão Reveladora do Espírito Santo para toda a Humanidade.
A Revelação acontece também pelo mistério das mediações e pelas
insinuações interiores, apelos, convites e iluminações que o Espírito Santo
provoca no Coração dos crentes e que são desenvolvidas em contexto
comunitário.

Antes de Cristo, a marcha da revelação era mediada pelas diversas


gerações do povo judeu fiel à Aliança. Depois de Cristo, a mediação da
missão Reveladora do Espírito Santo acontece pelas diversas gerações do
povo cristão. O Povo da Nova Aliança revelada e realizada em Cristo está
especialmente possibilitado a desempenhar este papel de mediação, já que
agora o Povo de Deus acontece no contexto de todas as raças, línguas, povos e
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culturas, e não está fechado na exclusividade do sangue e da cultura hebraica,


como acontecia com o Povo da Antiga Aliança.

No entanto, o Espírito Santo permanentemente inspira a conversão a


este Povo, para que não caia nos erros do primeiro Povo: transformar a
Palavra em “Lei”, transformar a Aliança em “Culto”, transformar a Vontade
de Deus em “Moral”. Continua a inspirar esta conversão através dos Seus
Profetas, homens e mulheres de Coração atento à Verdade que “de ouvido
encostado a Deus, se tornam Sua boca!”
A Revelação nunca acontece em “estado quimicamente puro”, mas
sempre pelas mediações dos contextos culturais, linguagens, possibilidades e
limitações de cada tempo e lugar. A missão Reveladora do Espírito Santo não
só inspira o Coração dos crentes à Vida Teologal de Fé, Esperança e Amor, mas
também o faz ultrapassar permanentemente os condicionamentos culturais
que podem bloquear a experiência e transmissão dessa Revelação.
Porque a acção Reveladora do Espírito Santo acontece sempre na
marcha histórica de um parcela da Humanidade que faz caminhada de Fé, é
necessário não cristalizar nunca essa Revelação. A Revelação é uma
manifestação explícita do Amor de Deus pelo Homem em função da sua
Humanização. A Revelação de Deus não existe em função de um sistema
doutrinal ou de uma “estrutura hierárquica de ordem sagrada”, mas sim em
função da realização do Homem como Projecto de Deus a caminho da
Plenitude. O ser humano feliz e realizado: eis o objectivo de Deus em todas as Suas
iniciativas! Por isso, ainda que a experiência da Revelação não seja universal,
tem um sentido e um horizonte de universalidade.
Na Sua missão Reveladora, o Espírito Santo inspira também o
Coração dos crentes a tornarem-se “sal, luz e fermento” da Palavra de Deus
no meio da Humanidade (Mt 5, 13-16), anunciadores e construtores do Reino
de Deus que é uma Nova Humanidade centrada nos critérios das Bem-
Aventuranças, que são a Carta Magna da Humanização (Mt 5, 1-12).
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A Revelação-Palavra de Deus é um acontecimento vivo no Coração


dos crentes pela acção do Espírito Santo. O contexto privilegiado para este
acontecimento e para as suas consequências é a Comunidade consagrada à
Escuta-Celebração-Vivência desta Palavra.
No aprofundamento do mistério de Deus e no sabor do Seu Projecto,
as pessoas tornam-se capazes de acolher mais verdadeiramente os apelos
personalizantes do Espírito Santo e construir-se com horizontes novos, cheios
de Esperança e Certeza na Plenitude da Vida e na superabundância do Amor
Divino. O conhecimento da Revelação do nosso Deus torna o Homem mais Humano
e transforma a realidade. A Vida Teologal de Fé-Esperança-Amor é uma
Sabedoria Prática que transfigura o quotidiano dos crentes. O Espírito Santo
como princípio de Revelação não é o iniciador de devoções vazias de sentido
e alegria, nem de doutrinas que só conduzem a rituais em vez de conduzirem
à felicidade! O Espírito Santo é sempre fonte de Vida e Liberdade, princípio
de Novidade e daquela Verdade que nos faz saborear todas as coisas com o
próprio “paladar de Deus”.
É esse gosto e gozo de viver que ganhamos quando nos abrimos à
missão Reveladora do Espírito Santo no nosso Coração…

3. Missão Divinizante

A missão histórica do Espírito Santo vai progredindo na medida em


que o crescimento e o amadurecimento humano também crescem. É uma
dinâmica que acompanha a história optimizando todas as possibilidades de a
fazer dar saltos qualitativos. O culminar da missão histórica do Espírito Santo
era a incorporação do Homem na Família Divina.
A missão Personalizante do Espírito Santo teve início milhões de anos
antes de Jesus Cristo, possibilitando a marcha da Humanização. A missão
Reveladora teve início alguns milhares de anos antes de Jesus, com a
formação da consciência do povo hebreu como Povo de Deus a caminho na
25  
Ruah  

história segundo uma Aliança. A missão Divinizante do Espírito Santo


inaugurou-se em Jesus Cristo. Depois da morte-ressurreição de Jesus, o
Espírito Santo realiza as três missões em simultâneo: continua a ser apelo
universal de Humanização, é no Coração dos crentes princípio de Revelação
em contexto comunitário, é também princípio Divinizante que assume na
Comunhão Divina o que cada pessoa Humaniza.

O ser humano não está talhado para o cemitério, mas para a Vida
Eterna em Comunhão com Deus. O 6 está talhado a construir-se “à imagem e
semelhança” do 7 para nele ser assumido. A Vida Humana não tem fim, tem
plenitude! E a plenitude da Vida Humana é a Vida Divina.
O Espírito Santo é o vínculo de comunhão humano-divina pelo qual
somos membros da Família de Deus. Jesus de Nazaré, o Cristo, é o mediador
entre Deus e os Homens (1Tim 2, 5)
Para compreendermos melhor esta missão Divinizante do Espírito
Santo, vamos vê-la em duas acções complementares: acção de Encarnação e
acção de Assunção.

a) Acção de Encarnação

Encarnar não significa “tornar-se biologia”. Descer do Céu não significa


“deslocar-se geograficamente”, mas sim um movimento con-descendente da
Graça de Deus que se dá para nos assumir em Si.

Deus é uma Família de três Pessoas em perfeição de Comunhão. A


Encarnação não é a “biologização” do Filho Eterno de Deus-Pai. Durante os
cerca de trinta e três anos da vida histórica de Jesus, a Trindade não esteve
reduzida a dois! Quando o evangelista João fala da Encarnação do “Verbo”
está a dizer que a “segunda” Pessoa da Família Divina se exprimiu em
densidade humana em Jesus (Jo 1, 1-14). O Filho Eterno de Deus-Pai passou a
relacionar-se com os Homens em grandeza humana. Jesus de Nazaré é o
26  
Ruah  

ponto de encontro do Humano com o Divino. No seu Coração acontecia a


União perfeita entre a sua interioridade espiritual humana e a interioridade
espiritual divina da “segunda” Pessoa da Família Divina. O vínculo desta
unidade é o Espírito Santo. Quando percebemos o mistério da Unidade de Deus
percebemos bem o mistério da Unidade de Cristo, sem fusão nem confusão, porque
é o mesmo Espírito Santo o vínculo de Comunhão em Deus e em Cristo.

Jesus é o “concebido pelo Espírito Santo” (Lc 1, 35). A Encarnação do


Filho Eterno de Deus não é uma “biologização” de uma Pessoa Divina, mas a
humanização de uma relação divina. Em Jesus de Nazaré, o Cristo, acontece a
Encarnação da Filiação Divina. Até ele, ser filho de Deus-Pai era um privilégio
divino! Por isso só havia um. O Espírito Santo animava a relação de filiação
divina entre o Pai e o Filho. O Filho de Deus-Pai era o Unigénito (único!).
Em Jesus, esta relação filial com Deus-Pai encarna-se, vive-se em
densidade humana: pela primeira vez um Homem é filho de Deus-Pai, na
Unidade do mesmo Espírito Santo que animava a filiação divina no seio da
Trindade! Só pela unidade do Espírito Santo podemos ser filhos de Deus-Pai.
A dinâmica da Encarnação que se iniciou em Jesus é a dinâmica do
Divino a unir-se ao Humano para o assumir em Si e Divinizar.

Durante cerca de trinta e três anos, só um Homem foi filho de Deus-


Pai: Jesus. O mistério de união humano-divina que o Espírito Santo animava
na sua interioridade era um mistério vivido apenas por si. Toda a sua vida
pública foi um revelar por sinais, atitudes e palavras os critérios desta Vida no
Espírito como filhos de Deus-Pai.
Em Jesus, a filiação divina tornou-se filiação humano-divina. O
Espírito Santo foi como que o “descodificador” desta relação de filiação no
Coração de Jesus em grandeza humana e o vínculo de união humano-divina.
Por isso Jesus dizia aos Apóstolos: “Eu e o Pai somos Um! Quem me vê, vê o
Pai!” (Jo 14, 7-11)
27  
Ruah  

b) Acção de Assunção

Jesus disse também, falando com o Pai antes da sua morte: “Ó Pai,
como eu e Tu somos Um, que eles sejam Um em nós!” (Jo 17, 20-23). Já antes
tinha prometido aos seus: “Vou preparar-vos um lugar, para que vós vades
para onde eu vou: na Casa do meu Pai há muitas moradas…” (Jo 14, 1-4).
Na morte-ressurreição de Jesus, a sua interioridade pessoal fica liberta
das limitações espacio-temporais da história, e Jesus Ressuscitado entra em
comunhão com todos os que o precederam na vida e na morte. A morte faz
passar as pessoas para a face interior da Vida. A Boa Nova de Cristo não é a
imortalidade da interioridade humana, mas a Ressurreição dessa interioridade
em Deus, plenificada e divinizada! A interioridade humana, por ser espiritual,
é imortal desde o princípio.
Na face interior da Vida, o “património pessoal” torna-se “património
universal”: todos dão o melhor de si e todos recebem o melhor dos outros,
sem limitações de espaço e de tempo. Ao penetrar nesta Comunhão Universal
Humana, Jesus transfigura-a pela sua condição Humano-Divina. O
“património pessoal” de Jesus torna-se “património universal” e todos os que
eram Humanos renascem como Humano-Divinos nesse momento! Toda a
Humanidade que precedeu Jesus ressuscitou no momento da sua Ressurreição. A
“Hora da Glorificação” de Jesus, segundo a linguagem do evangelho de João,
foi a “Hora da Glorificação” de toda a Humanidade! (Jo 13, 1) Eis a realização
do Projecto de Deus, a “Plenitude dos Tempos” (Gal 4, 4-7)! A “sala do
banquete de Deus-Pai encheu-se” com uma multidão incontável de filhos (Mt
22, 10).
O Espírito Santo é o princípio divinizante desta Assunção, é o
animador da Festa da Comunhão de todos com Deus-Pai como filhos e com
Deus-Filho como irmãos. O ponto de encontro humano-divino que
possibilitou esta Assunção foi Jesus de Nazaré, o Cristo.
A partir da Ressurreição de Jesus, toda a Humanidade chegou à
“plenitude dos tempos”, ou seja, à etapa final da história em que o Espírito
28  
Ruah  

Santo já realiza a missão que Deus sonhara desde o princípio: assumir a


Humanidade na Sua Família. Todos os que tinham passado pela morte antes
de Jesus, ressuscitaram com ele. Todos os que vivemos e morremos depois de
Jesus, vivemos já nesta certeza de que o Espírito Santo diviniza o que nós
humanizamos. Seremos eternamente a plenitude divinizada do que agora
humanizamos. Seremos eternamente a Divinização do nosso Coração!

Pela Ressurreição de Jesus, a dinâmica da Encarnação difundiu-se


para toda a Humanidade, e iniciou-se a etapa da Assunção do Humano no
Divino. Sim, pela união do Divino com o Humano, foi inaugurada a Assunção do
Humano no Divino. Jesus é o Mediador desta “Nova e Eterna Aliança”, e o
Espírito Santo é o vínculo insolúvel da Unidade humano-divina nele
centrada. “Jesus é o tronco pelo qual nos chega a seiva a nós, os ramos”. O
Espírito Santo é o princípio divinizante da Humanidade, como a seiva na
videira (Jo 15, 1-7).
No evangelho de Lucas, Jesus promete ao “bom ladrão”, símbolo de
toda a Humanidade capaz de o acolher: “Hoje mesmo estarás comigo no
Paraíso!” (Lc 23, 43). Mateus diz-nos que no momento da morte de Jesus,
“muitos túmulos se abriram e os mortos começaram a ressuscitar!” (Mt 27,
52). A Primeira Carta de Pedro diz que Jesus, no acontecimento da sua morte-
ressurreição, levou consigo o Espírito Santo para o difundir por todos os que
o tinham precedido na história (1Pe 3, 18-19). É isto que significam expressões
como “desceu aos infernos” ou “desceu à mansão dos mortos”.
Esta era a Boa Nova que Jesus confiava aos Apóstolos e que eles
apenas entenderam depois da experiência pascal: “É preciso que eu vá, pois
se eu não for o Paráclito (em grego: Consolador, Defensor) não virá a vós. Mas se
eu for, eu vo-lo enviarei!” (Jo 16, 7).
O Espírito já estava presente à Humanidade desde o princípio, mas
não nesta densidade de Encarnação do Divino no Humano e da Assunção
deste no Divino. Essa densidade nova, intrínseca, fazia parte do Projecto de
29  
Ruah  

Deus, mas precisava de um Mediador capaz de acolher incondicionalmente o


dom de Deus.

Jesus de Nazaré é o Dador do Espírito Santo, não porque Este seja uma
“coisa” que se dá, mas porque é através de Jesus que o Espírito se comunica e
difunde a toda a Humanidade da qual ele faz parte e com a qual faz uma
unidade. Assim, na morte-ressurreição de Jesus, o dom da filiação divina
tornou-se universal. Todos os que tiverem Coração aberto à comunhão com
os irmãos, acolhem o Espírito Santo no seu íntimo como princípio Divinizante
do que eles Humanizam.
O Espírito Santo é como que o “Sangue de Deus” a circular nas veias
espirituais da Humanidade. Por isso o Apóstolo Paulo chama a Jesus “o
Primogénito (primeiro!) de muitos irmãos” (Rom 8, 29). Outra imagem que
Paulo usa é a do Corpo: Jesus é a Cabeça e nós somos todos os seus membros.
O Espírito Santo é o Sangue deste Corpo que se chama “Cristo” (1Cor 12, 12-
13). O “Cristo Total” é Jesus em união com todos aqueles que vivem
animados pelo mesmo Espírito.

A dinâmica da Encarnação que o Espírito Santo iniciou em Jesus chegou à


sua plenitude quando se tornou dinâmica de Assunção da Humanidade na Família
Divina. A dinâmica da Encarnação e a dinâmica da Assunção continuam a ser
acções permanentes da missão Divinizante do Espírito Santo.

A parcela da Humanidade que pode saborear antecipadamente este


mistério de Salvação deve testemunhá-lo e anunciá-lo como a realidade mais
bonita que tem a Vida! Os cristãos devem ser os primeiros a anunciar que
todo o Homem que nasce depois de Jesus já nasce numa Humanidade salva!
Ser pessoa é construir-se pessoa na marcha da Humanização. E o Espírito
Santo revela-nos que quando nos ocupamos do Coração, estamos a construir
o que é Eterno! Será eternamente mais Divino quem agora mais se
Humanizar.
30  
Ruah  

A Salvação que Deus sonhou para nós foi a Assunção da nossa Vida
na Sua Vida, a Divinização da nossa Humanização. A Nova e Eterna Aliança
inaugurada em Jesus, o Cristo, é uma Aliança de Comunhão Familiar: somo
filhos de Deus-Pai e irmãos de Deus-Filho na Consanguinidade do Espírito
Santo!
31  
Ruah  

III

ESPÍRITO SANTO

E VIDA CRISTÃ

1. Espírito Santo e Liberdade

2. Espírito Santo e Oração

3. Espírito Santo e Comunidade

4. Espírito Santo e Conversão

5. Espírito Santo e Evangelização

6. Espírito Santo e Felicidade


32  
Ruah  

1. Espírito Santo e Liberdade

“Foi para a Liberdade que Cristo vos libertou!” (Gal 5, 1)

O desabafo de Paulo dirigia-se à comunidade cristã da Galácia, que


estava a voltar ao jugo da Lei judaica, certamente inspirada por algum grupo
de cristãos ligados à comunidade de Jerusalém.
A “Lei” da Nova Aliança é a acção do Espírito Santo no Coração dos
crentes a movê-los à obediência da Palavra de Deus. A “Lei” da Nova Aliança
não é uma Nova Legislação, mas uma nova maneira de viver inspirada pelo
Espírito de Cristo Ressuscitado: a Lógica do Espírito Santo, ou Baptismo no
Espírito. O Messias de Deus não nos deixou uma nova “Lei” escrita. Em vez
disso, morreu sob o jugo assassino da Lei à qual chamavam “Lei de Deus”!
Ao longo dos séculos, a tentação de judaizar o cristianismo esteve
sempre presente, e encontram-se em todos os tempos – também neste –
“fariseus” zelosos das minúcias das suas leis, mas absolutamente fora da “Lei
Nova” do Espírito, “sacerdotes” que encontram no culto ritual e vazio de
significado uma boa maneira de ganharem o pão sem suor no rosto, e
“mestres da Lei que não sabem o que dizem nem percebem o que afirmam
com tanta segurança” (1Tim 1, 7).
33  
Ruah  

Paulo é claro: “Os que pretendem ser justificados pela Lei,


abandonaram a Graça, e tornaram-se uns estranhos para Cristo. Porque nós –
os de Cristo – é pela força da Fé e pelo Espírito que esperamos ser
justificados” (Gal 5, 4-5).

O Messias de Deus foi assassinado como um “fora da Lei” (Jo 7, 45-


49), mas muitas vezes os seus “discípulos” querem reinventar leis em tudo
semelhantes àquela que o matou!
Jesus de Nazaré entrou no Templo de Jerusalém e começou a partir as
mesas dos cambistas e a espalhar pelo chão tudo o que encontrava. Hoje,
passados vintes séculos, parece que em todos os tempos surgiram pessoas
cuja única preocupação foi juntar os cacos de novo!

Deus é Amor, e o Amor não é legislador. O Amor confia no outro,


arrisca-se nessa entrega, e abre ao amado o caminho da Responsabilidade. E
temos a certeza de que Deus confia em nós e nos torna capazes de responder
(ser responsáveis) à Sua iniciativa de Graça e Liberdade, porque o Espírito
Santo está connosco como princípio de Verdade, Sabedoria e Fortaleza.
É isso que Lucas diz no relato do dia de Pentecostes (Act 2, 1-13).
Pentecostes significa, em grego, “cinquenta dias” e é o nome de uma festa
judaica em que o povo celebrava o dom da Lei de Deus a Moisés no cimo do
monte Sinai, cinquenta dias depois da passagem (Páscoa) pelo Mar Vermelho.
No evangelho de João, o dom do Espírito é simultâneo à morte-ressurreição
de Jesus. Porque é que Lucas, ao escrever os Actos dos Apóstolos, coloca o
dom do Espírito cinquenta dias depois da passagem (Páscoa) de Jesus? Para
significar que o Espírito Santo é a “Lei” da Nova Aliança, já “não uma Lei
escrita em tábuas de pedra, mas inscrita em Corações de carne” (Jer 31, 31),
não uma legislação, mas a acção recriadora do Espírito Santo na interioridade
humana dos que o acolhem.
34  
Ruah  

A “Lei” de Cristo é a “Lei” da Liberdade. A matriz da Liberdade é a


Responsabilidade. A Responsabilidade é a fidelidade aos apelos do Espírito
Santo e a obediência à Palavra de Deus.

Os cristãos têm que reaprender a amar a Liberdade mais do que as


“legislações sagradas”, por obrigação de fidelidade ao Messias de quem se
dizem seguidores! Para isto é preciso cultivar a atenção e o discernimento,
porque as “leis em nome de Deus” são sempre o caminho mais fácil…
Desresponsabilizam-nos, livram-nos de assumir iniciativas, demitem-nos de
pensar, optar e arriscar…
A “Lei” da Liberdade é a “Lei” da Responsabilidade! É o Espírito
Santo que vai configurando progressivamente o nosso Coração com o próprio
Coração de Jesus Cristo, fazendo-nos saborear e construir a Vida como filhos
de Deus-Pai atentos ao Seu projecto e dóceis à Sua vontade.
Então perceberemos de verdade o que é a Liberdade como construção
pessoal no sentido do amor e da entrega de si próprio ao essencial. O livre-
arbítrio é a capacidade psíquica de dizer sim ou não, querer fazer assim ou
assado, bem ou mal. Mas a Liberdade não se confunde com o livre-arbítrio. É
uma realidade bem mais profunda, de densidade pessoal-espiritual, não uma
capacidade que se usa, mas uma construção pessoal na fidelidade aos apelos
do amor. O ser humano não nasce livre. A Liberdade é uma conquista interior
de toda a Vida, e estrutura-se na medida em que o amor nos vai revelando
aqueles rostos, critérios e causas que intuímos serem “maiores que nós” e
pelos quais valha a pena entregar-se, na certeza de que é uma entrega em que
não nos perdemos mas nos encontramos com o melhor de nós próprios.

As pessoas livres são as que servem causas nobres e válidas no


sentido da humanização do Homem e da realização do projecto de Deus.

Paulo, o Apóstolo da Liberdade e da Graça, já explicava isso aos seus


discípulos: “Foi para a Liberdade que fostes chamados. Mas não deveis deixar
35  
Ruah  

que essa Liberdade se torne uma ocasião para os vossos apetites carnais (a
vontade contrário ao Espírito). Pelo contrário: pelo amor, fazei-vos servos uns
dos outros!” (Gal 5, 13)

Inspira-nos a grandeza da Liberdade,


ESPÍRITO SANTO,
e o compromisso da Responsabilidade.
Liberta a Tua Igreja dos atilhos das leis dos Homens
a que dão o nome de “Lei de Deus”,
para que o mundo encontre nas Comunidade reunidas em nome de Cristo
espaços privilegiados de libertação e recriação da Vida
pelo acolhimento da Tua acção
e pela escuta da Palavra que ecoas no nosso Coração…
36  
Ruah  

2. Espírito Santo e Oração

“Os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em Espírito e Verdade,


pois são assim os adoradores que o Pai pretende.” (Jo 4, 23)

O Espírito Santo é princípio de familiaridade com Deus, e Jesus de


Nazaré é o modelo dessa familiaridade, nas longas noites que passava em
oração e na seriedade que essa familiaridade imprimia na sua Vida.
A oração de muitos cristãos em nada difere da oração de qualquer
crente não cristão ou da oração dos judeus no tempo de Jesus. A oração é
cristã na medida em que acontece mergulhada na certeza de que somos da
Família de Deus! A oração é o sabor e a explicitação interiores da nossa incorporação
na Família Divina. Por isso é um diálogo amoroso de intimidade familiar,
simples, despretensioso, verdadeiro…

O Projecto de Deus era a nossa incorporação na Sua Família. O


Espírito Santo é o vínculo familiar que faz de Deus e do Homem uma Família
só, humano-divina, centrada em Cristo. O Espírito Santo é o princípio de
consanguinidade humano-divino: pelo Sangue de Deus a circular em nós,
tornamo-nos filhos de Deus-Pai e irmãos de Deus-Filho.
37  
Ruah  

Orar “em Espírito e em Verdade” significa ser conduzido pelo


Espírito ao seio do diálogo familiar eterno entre o Pai e o Filho, falando ao Pai
como a um “Abba” querido cheio de amor para nos dar, e falando ao Filho
como a um Irmão a quem devemos o melhor da nossa Vida.

O Espírito Santo é o inspirador da “linguagem do Coração”, que é a


linguagem do Céu.
A relação com Deus não acontece no domínio das coisas ou das
técnicas. A oração cristã não é um esquema ou um ritual. Os evangelhos
nunca nos dizem que Jesus tenha ido ao Templo de Jerusalém para fazer
oração. Quando lá ia era para ensinar ou “armar barraca” (Jo 7, 14-16; 2, 13-
18)… Passava noites inteiras no alto dos montes em intimidade filial com o
Pai na familiaridade do Espírito Santo (Lc 6, 12). Às vezes, “exultava de
alegria no Espírito Santo e exclamava: Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e
da Terra!” (Lc 10, 21).

As comunidades cristãs deviam ser espaços privilegiados para a


Liberdade do Espírito Santo a dinamizar a relação dos crentes com Deus. Em
contrapartida, a maior parte repetem semana após semana as mesmas
“lengalengas” rituais em que ninguém acredita e que ninguém quer muito,
mas das quais também a maior parte não consegue abdicar, sem sequer
saberem muito bem porquê…
O vírus do ritualismo absoluto que anula a acção do Espírito Santo foi
entrando nas Celebrações da Fé dos cristãos de tal modo que a observância
das normas litúrgicas se sobrepõe à permanente novidade de Deus.
O Espírito Santo é o único perfeito perito em liturgia, ou seja, o
verdadeiro entendido sobre como realizar a Festa do encontro dos crentes
com Deus. A maior parte dos liturgistas não tem o Espírito Santo como
Mestre mas como intruso! A eficácia dos nossos Sacramentos não está na perfeição
geométrica e gramatical dos nossos gestos e palavras, mas na actuação do Espírito
Santo no Coração dos crentes.
38  
Ruah  

A comunidade reunida em nome de Cristo para celebrar a Fé tem que


ser sacramento visível da certeza que comunga: somos Família de Deus! Toda
a oração cristã deve ser expressão desta Boa Nova. Este é o único caminho
pelo qual a oração pode ser um contexto excelente para que o Espírito Santo
nos encontre abertos à Sabedoria que Ele inspira.
No diálogo familiar com Deus-Pai como filhos bem amados e com
Deus-Filho como irmãos queridos, o Espírito Santo configura o nosso Coração
e a nossa Mente com a Palavra de Deus, de modo a que nos tornemos cada
vez mais capazes de saborear a Vida com o próprio “paladar de Deus”. Isso é
a Sabedoria!

Inspira-nos a Sabedoria,
ESPÍRITO SANTO,
o gosto de viver
daqueles que se deixam mergulhar por Ti na Familiaridade Divina,
para que a nossa oração aconteça
como um diálogo íntimo com as Pessoas Divinas que transfigura o nosso Coração,
e as nossas Celebrações da Fé
sejam expressões significativas do grande Dom da nossa Salvação…
39  
Ruah  

3. Espírito Santo e Comunidade

“Eu dei-lhes a Glória que Tu me deste,


de modo que eles sejam Um, como Nós somos Um.
Eu neles e Tu em mim,
para que eles cheguem à perfeição da Unidade
e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste
e que os amaste a eles como a mim!” (Jo 17, 22-23)

O primeiro anúncio evangelizador da Comunidade cristã é


exactamente o facto de ser Comunidade. A Unidade que Jesus sonha para os
seus discípulos é uma Comum-Unidade consigo e com o Pai, ou seja, uma
Comum-Unidade no Espírito Santo! Sem o Espírito Santo, todos os que têm a
pretensão de ser “comunidade” não são mais do que um “grupo religioso”.
O Espírito Santo realiza na Comunidade cristã a mesma acção que
realiza no seio da Comunidade Divina: ponto de encontro entre pessoas,
inspirador de comunhão e reciprocidade amorosa. A Comunidade cristã está
chamada a ser no mundo Sacramento da Comunidade Divina, sinal visível de
Deus. Deus é Comunhão de Pessoas na Unidade do Espírito Santo. A
40  
Ruah  

Comunidade cristã deve constituir-se como Comunidade de pessoas na


Unidade do Espírito Santo!
A Comum-Unidade cristã é uma Unidade Comum no Espírito. O que
nos reúne não são os laços do sangue, da cultura, da raça… O que nos reúne é
o apelo interior do mesmo Espírito que nos convoca à escuta da Palavra e à
comunhão de Vida com Cristo Ressuscitado. É nesta Con-Vocação
(chamamento comum) que nos tornamos Corpo de Cristo no mundo,
Comunidade reunida à imagem da Comunidade Divina.

É o acolhimento e a fidelidade a esta acção do Espírito Santo como


inspirador de Comunhão e Con-Vocação que decide a qualidade ou a
nulidade de uma Comunidade cristã. Quando é dada ao Espírito a primazia
da importância numa Comunidade, e quando Jesus Ressuscitado é realmente
o centro de todos os projectos, a Comunidade começa a estruturar-se de
maneira Carismática. Cada um coloca ao serviço da Comunidade as suas
qualidades consagradas como instrumento do Espírito Santo para proveito de
todos. Assim, as qualidades pessoais convertem-se em carismas comunitários.
Quando assim não acontece, as “comunidades” não são mais do que
grupos religiosos que se estruturam de maneira hierárquica, porque essa é a
única maneira de sobreviverem.

Inspira-nos a Comunhão no Essencial,


ESPÍRITO SANTO,
e a ousadia de te deixarmos ter a primazia nos nossos projectos,
para que nos conduzas cada vez mais
à Verdade sonhada por Cristo para os seus discípulos,
que é sermos entre os Homens
um sinal visível de Deus-Comunhão…
41  
Ruah  

4. Espírito Santo e Conversão

“Em verdade, em verdade te digo:


Quem não nascer da Água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus.
O que nasce da carne é carne, o que nasce do Espírito é espírito.
Não te admires por eu te ter dito que tens que Nascer de Novo!” (Jo 3, 5-7)

O ser humano não nasce acabado. Ser pessoa é construir-se pessoa.


Crescer humanamente é Renascer. Um adulto maduro não é uma criança
aumentada, mas a história de inúmeros renascimentos interiores. Abrir-se à
acção do Espírito Santo em contexto comunitário de Fé, Esperança e Amor,
significa “amplificar o Seu eco” Personalizante no nosso Coração.
De igual modo, abrir-se à Sua missão Reveladora conduz-nos a uma
cada vez maior compreensão dos mistérios de Deus, do Homem e da Vida,
pela qual somos capacitados a opções novas com um horizonte de plenitude.
A certeza de que o Espírito Santo é princípio Divinizante anima
também os crentes a viver já na história com critérios de Ressurreição, a
assumir-se a si próprios como projecto em construção a caminho da Plenitude
da Vida.
42  
Ruah  

Falar de Conversão animada pelo Espírito não é simplesmente a


passagem da maldade à bondade, e muito menos do ateísmo à “crença”. É
sobretudo uma passagem do Homem Exterior ao Homem Interior, do acessório
ao Essencial. O Espírito Santo opera esta Conversão no Coração dos que se lhe
abrem, inspirando e iluminando para novas compreensões da Vida e dos
acontecimentos à luz da eternidade. A “lei” fundamental da Conversão cristã
é esta: Não gastes o melhor da tua Vida naquilo que não é eterno!
A Sabedoria a que o Espírito nos conduz faz-nos centrar a Vida no
Coração, na construção do Homem Interior à imagem e semelhança de Deus,
no renascimento permanente do Homem Novo que é a nossa interioridade “à
medida de Cristo” (Ef 4, 13).
A Conversão é o caminho da Liberdade em Cristo, é a adesão àquela
“Verdade que Liberta” (Jo 8, 32) e a abertura à Água Viva do Espírito que no
nosso interior se torna uma nascente permanente de Vida Eterna (Jo 4, 14).
Por isso, deixar-se moldar interiormente pela acção recriadora do Espírito
implica a disponibilidade à novidade a que Ele nos conduz. A novidade de
um Sentido novo para viver. Do Sentido da nossa Vida é que brotam os
Critérios fundamentais que orientam e moldam as nossas Opções quotidianas.
A nossa Conversão é a transformação deste tripé Sentido-Critérios-Opções.
O Espírito Santo faz emergir no nosso interior o Sentido novo e pleno
da Revelação do Projecto de Deus: somos da Família de Deus, e estamos a
construir o que é eterno e divinizado nele. O mesmo Espírito ecoa em nós a
Palavra de Deus que é fonte de Critérios de Sabedoria na medida em que é
acolhida. Depois, está connosco como princípio de Lucidez, Verdade e
Fortaleza para sermos capazes de Opções que obedeçam aos Critérios da
Palavra e nos construam no Sentido da nossa humano-divinização em Cristo
que se plenifica na nossa incorporação na Família Divina.

Quem não está disposto à mudança e aberto à novidade, não pode ser
fiel ao Espírito. O “Espírito Criador”, como tantas vezes as Comunidades
cristãs lhe chamam, é também o Espírito Recriador, Aquele que “faz novas
43  
Ruah  

todas as coisas!” (Ap 21, 5). Além disso, é também o Espírito da Criatividade,
o sempre novo e inovador que se manifesta presente naqueles que assumem a
ousadia de ser profetas dizendo de maneira nova o Projecto do nosso Deus,
tomando iniciativas e arriscando a novidade da Verdade em cada tempo,
lugar e situação.

Inspira-nos a Disponibilidade à Tua acção recriadora,


ESPÍRITO SANTO,
e o apego à Verdade Essencial da nossa Vida,
para que não nos percamos no exterior e acessório
dos nossos dias e da nossa Fé,
mas cresçamos como Homem Interior
cada vez mais à medida de Cristo e no jeito do seu Evangelho,
Sentido de Plenitude
e Fonte de Critérios
para as nossas renovadas Opções…
44  
Ruah  

5. Espírito Santo e Evangelização

“Sereis inspirados para o que tiverdes de dizer.


Não sereis vós a falar,
mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós” (Mt 10, 19-20)

Evangelizar é tornar-se instrumento do Espírito Santo. E ninguém pode


ser instrumento daquele que não conhece.
A Evangelização não é uma “profissionalização de doutrinadores”
nem um “funcionalismo sagrado”, mas o exercício apaixonado do testemunho
evangélico. Evangelizar é fazer o Evangelho acontecer com as suas próprias
opções, atitudes, escolhas e palavras.
Por isso, o evangelizador é sempre mediação do Espírito Libertador
que continua a inscrever o Evangelho de Jesus Cristo no Coração dos que
estão disponíveis a ser evangelizados.

A primeira atitude do evangelizador é a disponibilidade a “deixar-se


evangelizar” permanentemente pelo Espírito Santo presente no mais íntimo
do seu íntimo, onde ecoa a Palavra de Deus e o configura a Cristo
Ressuscitado como princípio de uma Vida Nova.
45  
Ruah  

É nesta abertura fiel e verdadeira à acção do Espírito Santo no nosso


Coração que reside o segredo da Evangelização que torna presente em cada
tempo, lugar e situação o Evangelho de Jesus Cristo.

O Espírito Santo é também fonte de Sabedoria para conhecermos e


compreendermos o mundo e a vida dos Homens à luz da Fé, da Esperança e
do Amor. Assim, aprendemos a Ver como Deus Vê, para sermos e dizermos o
que Deus quer e diz.
A fidelidade a Deus conduz-nos sempre a uma absoluta fidelidade à
verdade do Homem e ao compromisso da fraternidade que constrói o Reino
de Deus.
Finalmente, é na intimidade do Espírito que nasce em nós a urgência
de anunciar o projecto de Deus como um serviço à Humanidade. Evangelizar
é um acto de amor. Um amor imenso por Deus e pelos irmãos. Em nome
desse amor, o Espírito dá-nos a capacidade de trabalharmos, estudarmos e
reflectirmos para aprofundar o conhecimento dos mistérios da Vida e da Fé.
Quem não estiver disposto a “gastar” tempo e energias na
compreensão sempre nova e mais profunda da Boa Notícia de Deus revelada
e realizada em Cristo, não tem condições para evangelizar de maneira
fecunda.
A Evangelização que é instrumento do Espírito não é simplesmente
um acto de boa vontade, mas um serviço de amor apaixonado a Deus e aos
irmãos por parte daqueles que são capazes de se cansar e gastar por aquilo
que anunciam!

Em contexto comunitário de Vida Teologal, o Espírito Santo inspira


todos os crentes a que se deixem evangelizar, convidando-os a uma constante
atitude de Conversão. Além disso, inspira todos os evangelizados a tornarem-se
evangelizadores, na vida e nas palavras: “No íntimo do vosso Coração,
confessai Cristo como Senhor, e estai sempre preparados para dar as razões
da vossa Esperança àqueles que a peçam!” (1Pe 3, 15)
46  
Ruah  

O mundo precisa de Corações apaixonados para se tornar um lugar


mais habitável. Os cristãos têm uma Boa Nova extraordinária para anunciar,
mas a maior parte ainda nem sequer sabe qual é!

A Igreja não existe para ser a “capelania do mundo”, mas para ser
“sal, luz e fermento”, testemunho na história do Sentido máximo da
existência que é a incorporação da Família Humana na Família Divina numa
Aliança eterna cujo mediador é Jesus! (1Tim 2, 5)
É altura de nos fartarmos de “pregadores de letra morta” (2Cor 3, 6),
Homens mais zelosos das suas próprias certezas do que da Palavra de Deus,
catequistas que só sabem ensinar as doutrinas que lhes ensinaram a eles e
moralismos que nem a eles próprios os ajudaram a ser felizes!

Está na altura de dizer de novo a maravilha da nossa Fé, a grandeza


da nossa Esperança e a liberdade do nosso Amor, procurando sempre uma
nova linguagem que possa ser instrumento eficaz para o Espírito Santo fazer
acontecer em cada tempo, lugar e situação o Evangelho Libertador de Jesus, o
Messias de Deus.

Inspira-nos o Amor apaixonado pelo Evangelho de Jesus,


ESPÍRITO SANTO,
e o conhecimento verdadeiro do Projecto de Deus,
para que a nossa presença possa fecundar o mundo
com esse Sentido de Plenitude
que só em Ti podemos alcançar
e assim,
na partilha da nossa Alegria e da Verdade da nossa Vida,
o Reino de Deus se anuncie e construa
segundo o Sonho de Jesus Cristo…
47  
Ruah  

6. Espírito Santo e Felicidade

“Enquanto falava, Jesus exultou de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse:
«Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra,
porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes
e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado.” (Lc 10, 21)

Eu louvo-te, Espírito Santo, pela minha imensa Felicidade!


És a fonte de todos os meus motivos,
és o Coração palpitante do meu Coração,
és o segredo da minha Alegria
e o porquê da minha Força.

Amo-te com a totalidade do meu ser,


amo-te a ponto de querer viver e aceitar morrer por Ti!

Amo-te a ponto de querer viver todos os meus dias sob o Teu impulso,
dominado pelos laços amorosos e libertadores da Tua acção.
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Ruah  

Amo-te, louvo-te e bebo em Ti o essencial da minha Vida


como o peregrino no deserto se atira de corpo inteiro
para dentro de uma lagoa.

Louvo-te e bendigo-te por tudo o que me fazes ser.


És a causa invisível da Beleza da minha Vida!

És o “Amigo Invisível” de quem falo às crianças,


e és também o Espírito dos Profetas que me inspira a levantar a voz aos
medíocres!

És a Vitória de Cristo sobre a morte,


és a arma escondida de todos os vencedores nas batalhas da Verdade.

És o princípio de tudo o que não terá fim!

És o Amor não desistente do meu Deus,


o amoroso invencível,
mas que nunca se impõe nem violenta.
Nunca fizeste nada em mim sem contar comigo.
Nem podias,
porque a “porta” que Te dá entrada na minha Vida
é a minha interioridade pessoal,
que Tu respeitas como sagrada!

Oh,
Espírito de Amor e de Sabedoria
que modelou o Coração livre de todos os Profetas da história,
sonho ser teu inteiramente!

A Tua missão Personalizante


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Ruah  

é a fonte de tudo o que sonho e construo.


A Tua missão Reveladora
dá-me o sentido máximo de tudo o que sonho e construo.
A Tua missão Divinizante
assegura-me a plenitude eterna de tudo o que sonho e construo.

Amo-te tanto!!!

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