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2.

AGOSTINHO

2.1 Para Agostinho pode ser Deus a origem do pecado

Santo Agostinho será categórico ao afirmar que Deus não pode ser a origem do mal,
pois sendo Ele um Ser perfeito, e sendo o pecado uma imperfeição, logo é impossível Deus
cometer um pecado. Outro ponto em que o santo prova ser o pecado proveniente do homem
está no castigo do Senhor sobre quem age mal, isto porque se o homem fosse determinado a
fazer o mal que faz, se ele não tivesse responsabilidade sobre os seus próprios atos as
punições divinas não seriam justas.

Após a insatisfação com a explicação dualista dos maniqueístas dada para a origem do
mal, Agostinho volta-se para Plotino e aí encontra uma saída para explicar a questão: o mal
não é um ser, mas a deficiência e a privação de ser. A partir de tal dado o santo diferenciará
três formas distintas de mal, o metafísico-ontológico, o moral e o físico.

Onde o chamado mal moral representaria o pecado e seria proveniente da má vontade


humana, em outros termos fruto de uma deficiência na vontade humana, já que esta deveria
em seu âmago tender ao bem supremo ou aos valores e bens superiores, mas por estar sujeito
as tentações dos bens inferiores que se apresentam a seus olhos, e por ser vítima de suas
paixões (concupiscência), o homem acaba por optar pelos valores inferiores e distantes e
assim acaba cometendo o chamado pecado moral.

A essência de tal pecado fica clara que é a submissão da razão as paixões, a


concupiscência ao desejo daquilo que é corruptível e insignificante, em todo caso, muitas de
nossas paixões são justificadas ou desculpadas por aquela que é a lei civil, mas que entretanto
são condenadas por aquela que a lei divina, por causa disso se faz necessário ter atenção para
não deter-se somente naquelas que são as leis civis (leis estas que garantem que o homem
possa conviver em grupo de maneira harmoniosa, normalmente são mutáveis e se atualizam),
mas também dar atenção as leis divinas e imutáveis, que pedem que o homem se afaste das
suas paixões.

Para Agostinho o homem é a criatura corpórea mais elevada na hierarquia da criação,


isto graças ao fato de possuir a razão, ou seja, a faculdade de raciocinar que não é encontrada
nos outros seres corpóreos existentes. Todavia apenas possuir tal faculdade não é o bastante
para a pessoa humana, mas a razão deve reger e governar os impulsos irracionais presente
nele, levando-o assim a agir de maneira consciente sem deixar-se arrastar pelas paixões
irascíveis, mas agindo e vivendo de maneira ordenada e correta.

2.2 A origem do mal – o abuso da vontade livre

Nada nem ninguém obriga a razão a submeter-se às paixões, até porque a mente
ganhou força e potência para ter o domínio sobre todas as paixões, desta forma só se pode
concluir que a mente se subjuga as paixões exclusivamente por sua vontade, ou seja, no
exercício de sua liberdade. Assim a única opção que lhe resta é afirmar que o pecado é fruto
do livre-arbítrio humano, pois:

Logo, só me resta concluir: se, de um lado, tudo o que é igual ou superior à


mente que exerce seu natural senhorio e acha-se dotada de virtude não pode fazer
dela escrava da paixão, por causa da justiça, por outro lado, tudo o que lhe é inferior
tampouco o pode, por causa dessa mesma inferioridade, como demonstram as
constatações precedentes. Portanto, não há nenhuma outra realidade que torne a
mente cúmplice da paixão a não ser a própria vontade e o livre-arbítrio.
(AGOSTINHO,1995, p. 52)

Outro argumento para a prova deste dado, provém do fato de que o Ser superior a alma
e criador desta, só pode ser um Ser dotado de justiça, e pelo fato de não poder ser injusto,
apesar de Deus ter o poder de obrigar a alma humana a submeter sua vontade à
concupiscência, assim Ele não age, pois então Ele agiria de maneira injusta, assim sendo
Aquele que é perfeito e não erra, erraria. Assim o santo conclui tal raciocínio da seguinte
maneira:

Logo, é a vontade desregrada a causa de todos os males. Se essa vontade estivesse


em harmonia com a natureza, certamente está a salvaguardaria e não lhe seria
nociva. Por conseguinte, não seria desregrada. De onde se segue que a raiz de todos
os males não está na natureza[...]. (AGOSTINHO,1995, p.

2.3 O que é Boa Vontade e como atua?


A boa vontade é descrita como a vontade pela qual desejamos viver com retidão e
honestidade, em busca de alcançarmos o ápice da sabedoria, essa boa vontade aqui tratada
exigirá daquele que busca vivencia-la, o exercício das quatro virtudes cardeais.

Primeiramente exigirá prudência, que é virtude pela qual se descobre ou se conhece


aqueles que são os bens desejáveis e aqueles que se é necessário evitar, em segundo lugar se
deve levar em consideração a fortaleza, e entende-la como a força que ajuda a vencer as
tentações e manter-se no caminho da boa vontade, apesar das dificuldades encontradas em tal
caminho.

Posteriormente, a experiência da boa vontade demandará o uso da temperança, aqui


tomada como disposição pela qual se reprime e retem as vontades que não são puras,
mantendo nosso apetite distante delas, por fim também é necessária a pratica da justiça, que
nada mais é do que a dar aos outros o que lhe compete e desta forma dar a cada um o que é
seu. Assim para alcançar a felicidade é essencial que o homem ame a sua boa vontade e viva
em torno dela e por ela, mesmo que para isso tenha que sacrificar aquilo que tem, enfim o
santo afirma que para ser feliz basta o desejo e o amor a boa vontade, entretendo apesar de
todos os homens quererem ser feliz nem todos eles desejam a boa vontade, pois tal vivência
não é simples e fácil, ao contrário é caminho difícil e árduo, um caminho de renúncias.

2.4 O livre-arbítrio vem de Deus

Foi dissecado anteriormente e já explanado que o ser humano só peca por que possui
vontade livre, e acredita-se que está foi dada ao homem por Deus que é o seu criador, porém
por que Deus daria ao homem algo que o levasse ou que lhe desse a possibilidade de pecar? A
este questionamento Agostinho argumenta que a liberdade de escolha foi concedida às
pessoas não para que essas tivessem a possibilidade de pecar, contudo tal capacidade lhe foi
concedida com o intuito de que o ser humano pudesse optar pela boa vontade e ser digno da
recompensa divina, ou seja, pode-se concluir que era necessário que Deus concede-se aos
indivíduos a liberdade de escolha, o livre-arbítrio.

Com efeito, não é pelo fato de uma pessoa poder se servir da vontade também para
pecar, que é preciso supor que Deus no-la tenha concedido nessa intenção. Há, pois,
uma razão suficiente para ter sido dada, já que sem ela o homem não poderia viver
retamente. (AGOSTINHO,1995, p. 74)

Por consequência disto, pode-se contar a vontade livre como um bem de um grupo
intermediário de perfeição, pois não participa do grupo mais excelso, do qual fazem parte as
virtudes, as quais não se pode fazer mal uso ou abusa-las no seu uso, e nem é contado entre
aqueles que são os bens mínimos, corpos, animais e plantas, sem os quais seria impossível
uma vida com retidão, mas somente pode encaixar se no grupo intermediário, o grupo das
forças do espirito, que caso não existissem não teria como o indivíduo viver ou proceder de
maneira honesta.

Agostinho vai avançando em seu estudo do livre-arbítrio, porém encontra algo cuja a
resposta lhe é impossível. De onde provém o impulso que desvia a vontade do caminho reto e
bom e a leva a buscar os bens menores em detrimento dos maiores e mais elevados? A tal
questionamento não se a resposta pelo fato de que Deus nada mais é que a plenitude do Ser, e
o pecado enquanto privação do Ser, se caracteriza como sendo o nada, e para o nada não há
explicação para se dar.

Talvez, tu me perguntas: Já que a vontade se move, afastando-se do Bem imutável


para procurar um bem mutável, de onde lhe vem esse impulso? Por certo, tal
movimento é mal, ainda que a vontade livre, sem a qual não se pode viver bem, deva
ser contada entre os bens. E esse movimento, isto é, o ato de vontade de afastar-se
de Deus, seu Senhor, constitui, sem dúvida, pecado. Poderemos, porém, designar a
Deus como autor do pecado? Não! E assim, esse movimento não vem de Deus. Mas
de onde vem ele? A tal questão eu te contristaria, talvez, se te respondesse que não o
sei. Contudo, não diria senão a verdade. Pois não se pode conhecer o que é
simplesmente nada. (AGOSTINHO,1995, p. 78)

2.5 A liberdade é diferente do livre-arbítrio

A liberdade humana deve ser tomada tendo em vista a busca da posse da verdade e da
sabedoria, pois esses são os bens imperecíveis e que o homem depois de os ter só pode vir a
perde-los por sua vontade, ao contrário de bens como dinheiro, benfeitorias, saúde, entre
outros, cuja a posse pode ser retirada da pessoa contra vontade dela. Assim tomando Deus
como equivalente a Verdade Suprema Agostinho chega a uma prova de sua existência pela
razão, ou seja, uma prova da veracidade divina sem apelar as verdades reveladas.
Eis no que consiste a nossa liberdade: estarmos submetidos a essa Verdade. É ela o
nosso Deus mesmo, o qual nos liberta da morte, isto é, da condição de pecado. Pois
a própria Verdade que se fez homem, conversando com os homens, disse àqueles
que nela acreditavam: “Se permanecerdes na minha palavra sereis, em verdade,
meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” [...] (Jo 8,31.32).
(AGOSTINHO,1995, p. 121)

A contemplação e o alcance da Verdade Suprema são capazes de levar a pessoa a


perfeição, isso porque, ao afirmar que o ser humano provém de Deus, aliás como todas as
criaturas, e ao dizer que Ele só pode fazer coisas boas e jamais uma obra má, afirma-se
também, mesmo que indiretamente, que o homem em sua essência é bom, e sob a posse da
verdade como sendo um ser mutável teria a capacidade de se aperfeiçoar segundo esta mesma
verdade.

2.6 A presciência divina não nos obriga a pecar?

É certo que todo cristão tem por verdade certa, o fato de Deus conhecer com
precedência todos os atos futuros, sejam eles bons ou ruins, virtuosos ou não, contudo isso
gera um problema a ser sanado. Pois se Deus a partir de sua presciência divina, previu que
determinada pessoa agiria de forma injusta no dia de amanhã, não seria então necessário que
tal ação se concretizasse? Tal pessoa não se veria obrigada a agir de maneira incorreta, pois o
Ser onipotente havia previsto que assim ela procederia? Visto que se for necessário que essa
pessoa aja de maneira indevida, logo ela não teve escolha e a livre vontade (o livre-arbítrio)
neste caso não existe de verdade, mas o ser humano já tem o seu caminho determinado antes
do nascimento.

Agostinho percorrerá tal tema, discutindo e demonstrando o quão falho é este


argumento aqui referido, pois o fato de Deus prever a procedência que uma pessoa terá, não
significa que Ele tirará desta a liberdade no fazer, porém só significa que Deus
adiantadamente sabia que pela sua vontade livre tal pessoa faria tal ato injusto, e assim não é
o pecado necessário a tal pessoa, pois esta continua com sua liberdade e optou
voluntariamente por tal atitude, e desta maneira a conclusão aqui alcançada é a seguinte: Deus
prevê o pecado, mas não força o homem a pecar, e este há de pecar por sua própria vontade.
3. TOMAS DE AQUINO

3.1 As provas da existência do livre-arbítrio no homem

Para o santo o mundo como um todo é uma obra de extrema perfeição, onde tudo está
perfeitamente ordenado, todavia para ele o mal e o pecado existem nos seres particulares
porque Deus assim permite para que o bem irradie em outros seres, pois segundo São Tomás
muitos bens existentes não ocorreriam caso o mal não existisse. Tal dado não quer significar
que Deus seja de alguma forma conivente com o pecado, nem mesmo fonte deste, somente
significa que Ele é o único ser perfeito, e que suas obras por emanarem dele não são perfeitas
(caso o fossem também seriam deus), e como são criaturas imperfeitas propensas a falhar,
cometeram erros e pecados em algum momento.

Na sua Suma Teológica, Tomás irá expor a partir dos estudos de Aristóteles a
hierarquia das almas dos seres, dividindo os seres em três grupos detentores de almas com
capacidades diferentes, a primeira seria a alma vegetativa presente nas plantas que as
capacitaria a viver, se nutrir crescer e se reproduzir basicamente, a segunda é a chamada alma
sensitiva que está presente nos animais e os permite além das faculdades da alma vegetativa
ainda a faculdade se locomover, sentir as coisas e agir segundo os instintos, e por último a
alma intelectiva que se restringiria ao ser humano e lhe daria o título de animal racional e por
meio desta o homem seria capaz de raciocinar, refletir e pensar. Por esta doutrina filosófica o
santo chega a conclusão de que o homem como sendo detentor da razão, deve do mesmo
modo ser detentor do livre-arbítrio, ou livre escolha, todavia ele deixa claro que embora a
razão deva decidir e o apetite sensitivo humano (seus instintos) lhe estejam subjugados, por
diversas vezes tais apetites podem lhe resistir e desejar algo contrário ao que a faculdade
racional lhe prescreva.

Uma prova para a existência de livre-arbítrio está nas punições, conselhos, preceitos e
recompensas, pois caso o homem não fosse livre estes seriam vãos e sem utilidade já que a
pessoa agiria de maneira previamente ordenada. Além desta outra prova provém da
comparação deste com os animais, isto porque um animal só irá fazer algo segundo seu
instinto ou necessidade por exemplo uma onça só comerá ou beberá água porque terá fome ou
sede respectivamente, ou seja, por necessidade, já o homem é capaz de livremente escolher
comer ou beber mesmo sem sentir fome ou sede.
Outras coisas agem com julgamento, mas esse não é livre: como os animais. Por
exemplo, a ovelha, vendo o lobo, julga que é preciso fugir: é um julgamento natural,
mas não livre, pois não julga por comparação, mas por instinto natural. O mesmo
acontece com todos os julgamentos dos animais. - O homem, porém, age com
julgamento, porque, por sua potência cognoscitiva julga que se deve fugir de alguma
coisa ou procurá-la. (TOMAS DE AQUINO p. 690)

Para ele o livre-arbítrio não se restringe apenas ao homem, mas está presente também
nos seres espirituais (anjos, demônios, etc...), além disso ele chega por fim a afirmar a sua
existência em Deus, baseando no argumento de que Deus criou o mundo livremente, isto é por
sua livre escolha, entretanto a liberdade de escolha Dele seria diferente da humana, tendo em
vista que o homem é mutável ao passo que Ele é imutável, assim a liberdade humana seria
contingente e relativa e a divina seria necessária e absoluta.

Surge certa objeção, pois segundo os ensinamentos de Aristóteles o homem nasce com
certas aptidões naturais e é levado naturalmente a um determinado que lhe compete (por tal
razão Aristóteles acreditava na existência das castas sociais, um certo determinismo), todavia
o Aquinate irá demonstrar a existência de duas qualidades no homem, uma natural e outra
acrescida. A primeira seria uma certa disposição a uma ação, uma inclinação para algo, com a
qual o homem já nasceria naturalmente, porém está não feriria a liberdade de escolha do ser
humano, isto porque tais inclinações estariam sujeitas a razão, ou seja, seria a disposição a
ação, mas não a obrigação da ação. A segunda seria acrescida ao homem durante a sua
existência, dela fariam parte os hábitos e as paixões pelas quais a pessoa teria inclinação a
certa situação, entretanto também estes iriam passar pelo crivo da razão, desta forma mesmo
com tais inclinações a liberdade de opção do indivíduo estaria assegurada.

3.2 O livre-arbítrio é uma potência?

O livre-arbítrio tem a significação de um ato de escolha, todavia se ele fosse um ato


ele não permaneceria sempre junto com o homem na verdade ele significa o princípio do ato,
a escolha anterior a ação, então o livre-arbítrio só pode ser um hábito ou uma potência, mas
um hábito ele não é, pois, senão ele deveria ser um hábito natural já que ele em si é natural ao
homem só que os hábito naturais se referem aos primeiros princípios e estes não são
referentes aos pontos que livre-arbítrio abrange, logo a liberdade de escolha não é um hábito.

Em sentido contrário, parece que não há outro sujeito do habitus que não seja a
potência. ora, o livre-arbítrio é o sujeito da graça, com a ajuda da qual escolhe o
bem. logo, o livre-arbítrio é uma potência. (TOMAS DE AQUINO p.691)

O livre-arbítrio é a liberdade de escolher ou não escolher é a capacidade de julgar


livremente e visa aperfeiçoar a vontade, todavia pode ser fraquejada pelas paixões e não
chegar a seu fim, ou seja, não realizar-se como ato de livre opção, já o hábito é o princípio
que está em potência até chegar ao ato, e o hábito se inclina sempre por seu princípio, e
tenderia sempre à mesma escolha.

3.3 O livre-arbítrio é uma potência apetitiva?

O livre-arbítrio parece ser uma potência cognoscitiva já que julga para escolher,
entretanto a escolha é um ato da potência apetitiva, e o que o livre-arbítrio senão a
possibilidade de escolha? logo este deve ser uma potência da ordem apetitiva. Tal dúvida é
tão complicada que Aristóteles não consegue desvenda-la, mas São Tomás vai além e dá a
seguinte conclusão, para esta questão:

A escolha é o ato próprio do livre-arbítrio. Somos livres, enquanto podemos aceitar


uma coisa, rejeitada outra: o que é escolher. Deve-se, portanto, considerar a natureza
do livre-arbítrio segundo a escolha. Ora, para a escolha concorre algo da parte da
potência cognoscitiva e algo da parte da potência apetitiva. Da parte da cognoscitiva
requer-se o conselho pelo qual se julga o que deve ser preferido; da parte da
apetitiva requer-se que, ao desejar, aceite o que o conselho julga . (TOMAS DE
AQUINO p.692)

Desta maneira o santo soluciona esta questão, bom, pelo menos em parte já que surge
a seguinte dúvida: então o livre-arbítrio é mais de uma potência? Para a solução deste
problema o Aquinate irá partir do princípio da não contradição, pois se a liberdade de escolha
fosse fruto de várias potências poderia haver escolhas contraditórias a si mesmas o que é
impossível, logo a conclusão alcançada é que o livre-arbítrio é uma potência única fruta da
atuação conjunta de duas outras potências a saber: cognoscitiva e apetitiva.

Porém, o livre escolher está ligado mais a uma dessa potências, e está é a apetitiva, isto
devido ao fato de que a razão dá o conselho à ação a ser efetuada, porém quem realmente põe
em prática tal ação ou não é a escolha que provém do apetite.

3.4 O livre-arbítrio é uma potência diferente da vontade?

O livre-arbítrio como já dito é a potência responsável pelo escolher já a vontade é


conhecida como a potência encarregada pelo ato do querer, logo como ambas tem como fim
um ato diverso parece que ambas também são diferentes e que não possam ser tratadas por
sinônimos, contudo o santo irá em sua dissertação mostrar que ambas na verdade são a mesma
potência, pois para ele escolher algo não é nada mais que querer algo em função de outra
coisa, ou seja, escolher algo é a espécie de um meio para alcançar um fim anteriormente
desejado.

Por isso é claro que assim como o intelecto se refere à razão, assim também se refere
a vontade à potência de escolha, isto é, ao livre-arbítrio. - Foi demonstrado acima
que é próprio da mesma potência conhecer e raciocinar, como é próprio da mesma
potência repousar e mover-se. Também querer e escolher é próprio de uma só e
mesma potência. Por isso, a vontade e o livre-arbítrio não são duas potências, mas
apenas uma. (TOMAS DE AQUINO p. 693)

3.5 O livre-arbítrio e a graça

Apesar de o homem ser livre para optar como escolher, por si só ele está fadado a
cometer erros e a pecar, isto porque a partir do pecado original o homem ficou tendido as
paixões e a concupiscência, o que significa que anteriormente a culpa original o ser humano
podia por si só eleger, querer e agir com liberdade total e conseguia sozinho, se assim
quisesse, ser confirmado no bem, até porque está era a grande função do livre-arbítrio, dar a
possibilidade de escolha entre um bem superior e um bem inferior, todavia manchado pela
culpa original o homem perde sua capacidade de sozinho escolher o bem, e fica vulnerável a
escolha do mal. Como demonstra São Tomás:

No estado de natureza íntegra, podia o homem, quanto o exigem os atos virtuosos e


só ajudado das suas faculdades naturais, querer e obrar o bem proporcionado à sua
natureza, tal como é o da virtude adquirida; não, porém o da virtude infusa, que lhe
excede a natureza. No estado da natureza corrupta, porém, o homem falha, mesmo
no que poderia por natureza alcançar, de modo que não lhe é possível fazer, só pelas
suas faculdades naturais, todo o bem de que a sua natureza é capaz. (TOMAS DE
AQUINO p.1676)

Porém, apesar de ter perdido tal liberdade o homem continua capaz de praticar alguns
bens por si só e, estes são nomeados pelo Aquinate como bens particulares como por exemplo
construir uma casa, contudo para realizar os bens conaturais, os de natureza sobrenatural, ou
seja, os bens como o do amor ao próximo, que são bens mais complexos, o homem só seria
capaz com o auxílio da graça, pois somente assim teria força suficiente para alcançar os bens
difíceis de praticar e que muito o atraem e rejeitar os males fácies de eleger e, que também
muito lhe atraem.

Assim pode-se concluir que nenhum homem sozinho, somente pelo seu livre-arbítrio
pode merecer e praticar obras meritórias que lhe concedam a beatitude e a vida eterna, mas
para tal se vê sob a necessidade do dom gratuito dado por Deus a ele, o dom que lhe irá
auxiliar nessa missão, o dom da graça divina.

A vida eterna é um fim desproporcionado à natureza humana, como do sobredito


resulta (q. 5, a. 5). Por onde, o homem, pelas suas faculdades naturais, não pode
praticar obras meritórias proporcionadas à vida eterna; para isso é necessária uma
virtude mais alta, que é a virtude da graça. Portanto, sem esta, ele não pode alcançar
a vida eterna. (TOMAS DE AQUINO 1680)

O homem recebe algumas graças gratuitamente de Deus e por meio destas graças
precedentes pode receber as posteriores, que também não serão por seus próprios méritos, mas
pela vivência das graças primeiras a ele concedidas de modo gratuito. Ele diferencia graça em
graça santificante e carismática, a primeira é aquela que leva a pessoa a salvação, a felicidade,
a beatitude, a vida eterna e visão de Deus, já a graça carismática é a graça capaz de fazer o
outro chegar a Deus. Assim a graça santificante terá a função de dar vontade e disposição para
a pessoa fazer o bem, perseverança para permanecer no bem e para evitar o mal, e a chamada
graça santificante é concedida ao homem e atua nele por seu mérito, disponibilidade e
docilidade, todavia Tomás dirá que mesmo assim tudo é concedido ao homem pela
misericórdia divina, porque é Deus que prepara o homem para querer, e se preparar para
receber a graça santificante, assim vemos que a graça é dada de graça e não por mérito
humano, mas para se manter na graça santificante é necessária a vontade do homem e
conjuntamente a ação da graça de Deus.

Assim vemos que Tomás não cai em nenhum dos extremos, não afirma ser unicamente
por seus próprios méritos que o homem chega a beatitude, o que seria considerado um
pensamento pelagiano, e nem afirma ser unicamente pela escolha de Deus que o homem se
salva, ou seja, não afirma que Deus escolhe certas pessoas e esquece de outras, o que seria um
determinismo, mas diz que Ele quer que todos sejam salvos e, dá a todos muitas e variadas
graças, porém nem todos as acolhem em sua vida, e muitos por uso de sua vontade rejeitam a
graça e se encaminham rumo a perdição.

4. AGOSTINHO X TOMAS

Tomás de Aquino terá uma base filosófica distinta da base de Agostinho, e isso será um
ponto determinante para as diferenças em suas filosofias, Agostinho tinha por raiz de sua
filosofia, o pensamento de Platão, tido por meio dos livros do neoplatônico Plotino, e é crucial
lembrar que a filosofia platônica falava do corpo enquanto prisão, enquanto cópia daquilo que
é real e só existe nas ideias e o santo de Hipona em diversas vezes terá tais compreensões
impregnadas em seus pensamentos, além disso Agostinho teve muita influência dos
maniqueístas, corrente que por certo tempo ele seguiu, porém posteriormente acabou por
perceber ser insustentável, todavia também essa teoria determinou o seu pensamento. Já
Tomás de Aquino terá como seu principal influenciador o filosofo Aristóteles, que fora
discípulo de Platão, entretanto que desenvolvera um pensamento bem distinto ao de seu
mestre, dando maior apreço aos corpos materiais, e inserindo a ideia de ato e potência que
será amplamente utilizada por Tomás, inclusive na explicação sobre o livre-arbítrio.

Não destarte a tudo isso é essencial destacar que Tomás será influenciado por aquele que
foi o pensamento de Agostinho, pois este o precedeu, e primeiramente teorizou as questões
que posteriormente foram problematizadas pelo Aquinate que conhecia o pensamento deste
seu nobre antecessor e se baseou em muitos pensamentos deste, em suas próprias resoluções,
por isso é possível dizer que por conta do período histórico distinto dentre os dois, Tomás terá
mais conhecimentos, contato com mais teorias e questões mais aprofundadas, o que o fará ir
além em muitos assuntos daquilo que Agostinho conseguiu atingir com o seu pensamento
filosófico.

Uma primeira semelhança no pensamento de ambos os dois filósofos cristãos está contida
na hierarquia das coisas da criação, onde os dois chegam a posições muito semelhantes e
concluem ser o homem ser superior, dentre as criaturas materiais, isto porque ambos
consideram o ser humano como ser privilegiado por possuir razão e, com ela terem a
capacidade de escolha do modo como proceder, ou seja, possuir a faculdade do livre-arbítrio,
a posição de ambos se justifica no fato de que os seres inanimados são movidos por outros, já
os animais se movem por instintos sendo condicionados ao que fazem e somente a pessoa
humana possui a possibilidade de escolher o que fazer.

Outra semelhança entre ambos está nas provas da existência do livre-arbítrio, pois os dois
consideram o castigo, a justiça e punição divina como provas da existência do livre-arbítrio,
ou então tais punições seriam injustas e Deus não seria sumamente bom e justo, como é
matéria de fé naquela que é a doutrina cristã católica, assim ambos estão em consonância de
que a liberdade de escolha habita no homem, ou este não poderia ser punido ou recompensado
por seus atos, pois seria determinado a eles, estaria destinado a fazê-los mesmo que não os
quisesse.

Posteriormente podemos ver que ambos concordam quanto a necessidade da graça para a
salvação e a impossibilidade do homem se salvar por si só sem o auxílio de Deus, apesar de
que os dois consideram que o homem possa agir de forma bondosa e possa praticar alguns
bens menores por si só, jamais o homem conseguiria se manter no bem e no caminho correto
praticando os bens maiores por si só, sem a ajuda daquele que a fonte de todo o bem, o criador
e o fim de todo homem. Agostinho em uma primeira fase até acreditou que a boa vontade do
homem bastaria para que ele agisse de maneira boa e se mantivesse distante do pecado, porém
ao rever seu posicionamento o santo de Hipona percebe que este se caracteriza como um
pensamento em consonância com o dos pelagianos, e então ele o reformula e fala que sem a
graça o homem não consegue salvar-se, além disso ele elabora um grandioso tratado sobre a
graça, que lhe rende o título de doutor da graça. Tomás também desenvolve um elaborado
trabalho referente a graça, diferenciando graça santificante e carismática, subdividindo a graça
mostrando como o home a recebe, como se mantem nela, seus efeitos, para tal ele muito usa
como base aquele que foi o trabalho de Agostinho. Uma prova desse uso feito por Tomás do
trabalho de Agostinho está contida no seguinte trecho da suma teológica:

Mas dista a natureza, da graça, do que esta, da glória, que não é senão a graça
consumada. Ora, no homem, a graça precedeu à glória. Logo, com muito maior
razão, a natureza precedeu a graça. Mas, em contrário. – O homem e o anjo
ordenam–se igualmente para a graça. Ora, este foi criado em graça, pois, Agostinho
diz: Deus estava simultaneamente neles, criando a natureza e distribuindo a graça.
(TOMAS DE AQUINO p.291)

Onde para fundamentar e explicar o seu pensamento o Aquinate parte de uma referência a
uma premissa proveniente de santo Agostinho em uma das passagens de sua obra “De libero
arbítrio”.

Tomás faz algumas atualizações, ou dá alguns passos na pesquisa sobre o livre-arbítrio


referente ao que investigava Agostinho chegando a se questionar sobre o livre-arbítrio ser um
ato ou uma potência, questão que não era abordada por Agostinho já que este não considerava
a ideia de ato e potência, que é uma questão propriamente aristotélica e o santo de Hipona era
amplamente influenciado por Platão e não possuía tal noção, Tomás vai além da investigação
de Agostinho também ao perguntar-se sobre a existência do livre-arbítrio em Deus, e a prova
com o argumento de que Ele criou o mundo em sua liberdade, por sua vontade própria, sem
nenhuma obrigação, logo o criou por um ato do livre-arbítrio que lhe pertence.

Ambos também teorizaram em consonância no que diz respeito a existência de uma boa
vontade no homem, que seria para eles uma marca deixada por Deus no mais íntimo do
homem que faria com que este tendesse a Deus e as coisas do alto, porém para os dois, surgiu
no homem uma força que o impele a pecar, a concupiscência, fruto do pecado original, que
seria uma marca contraria a boa vontade, e só com o apoio de Deus o homem venceria a
concupiscência e manter-se-ia no caminho do bem, assim o homem teria um conflito interno e
moral, onde sua vontade estaria tendida naturalmente ao bem, todavia com seu
corrompimento também possuiria uma tendencia àquilo que não é tão bom e que fere os
planos divinos.

Para ambos o caso da presciência divina não fere em nada a teoria do livre-arbítrio, isto
porque os dois consideram que o fato de Deus saber exatamente o que o homem irá realizar
não tira a liberdade de escolha do homem para realizar tal ato, ou seja, mesmo que Deus
conheça previamente todos os nossos futuros pecados, pois para Ele não existe a dimensão de
tempo como a nossa: presente, passado e futuro, mas tudo é simultâneo, mesmo assim isso
não obriga o ser humano a agir de determinada maneira, tão somente significa que
anteriormente a ação do indivíduo efetuar certa escolha, Deus já conhece qual será a opção
tomada por este, pois Ele é presciente.

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