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I - OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS

À CONSTITUIÇÃO DE UMA CI~NA JURíDICA

o conceito de obstáculo epistemológico deve-se aos trabalhos de


G. Bachelard que o define como um impedimento à produção de
conhecimentos científicos 1. Não se trata de modo nenhum de um
obstáculo visível e consciente: bem pelo contrário, funciona a maior
parte das vezes sem que os próprios investigadores tenham cons-
ciência dele. Não lhe encontraríamos tão-pouco exolicação psicológica,
com fisco de desnaturar completamente este fenómeno. Com efeito.
não se trata de modo nenhum de umas quantas dificuldades de
ordem p~ico16ga, mas sim de obstáculos objectivos, reais, ligados
à3 condições históricas nas quais a investigação científica se efectua.
Assim, estes obstáculos são diferentes segundo as disciplinas e as
épocas. pois testemunham, em cada uma das hipóteses, condições
específicas do desenvolvimento da investigação cientifica.
Convém, p2!.'a o nosso ob,iectivo, definir a especificidade dos obs~
táculos que encontramos imediatamente no momento de precisar a
possibilidade de uma ciência jurídica. Tais obstáculos dependem pois,
em França. hoje em dia, de toda uma história, que é ao mesmO
tempo a das instituições nas quais °direito é ensinado, a das insti-
tuições políticas que produzem este direito, numa palavra, a história
das características da sociedade francesa. São estas que, em última
análise. podem explicar as modalidades particulares destas institui-
ções politicas ou universitárias.
Proponho a título de hipótese de trabalho resumir a análise destes
obstáculos sob os três seguintes títulos: a falsa transparência do
d ireito ligada a uma domjnação do espírito positivista em França
desde há mais de um século; o idealismo profundo das explicações

1 G. BACHELARD, La Formation de l'esprit scientífique (1938).

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jurídicas, consequência de uma forma de pensamento que é em muito E stes poucos exemplos ilustram b em o «pal'ti·pris» dos juristas,
m aior escala a das sociedades subm etidas a um r egime capitalista; Ilue constitui a primeira dificuldade para quem quer abo:dar est_;d~ °
fi n almente, uma certa im agem do saber onde a especialização teria do dire ito de u m mo do científico. De facto revela·se aqm um a pll.On
p rogressivamente autorizado as compartimentações que constatamos do pensamento teórico tão pernicioso quanto subtil, po rque parece
actu alm ente. t ~ vi dent, m elhor ainda: porque p a rece conforme ao ~en ~ame n to
d entífico. Pelo menos à. imagem q ue nós fazemos da ClenCIa .. Est~
atitude consiste na afirmação de que o conhecimento do di~ elt o e
I. A falsa transparência do direito ()xtraido da experiência que dele podemos ter na no:~ a .s o~le a ?e.
E:sta valorização da experiência imp lica u m a for ma de ClenCIa Jundlca
chamada p ositivism o.
As obr as j uríd icas e mais especialmente as «introduções ao
direito» r aramente se preocupam com o problem a antes d e tudo
cient.ifico: a defi nição d o objecto de estudo cuja dificuld:1Cle veremoS 1.1 O Empirismo na descaberia do Direito
mais tarde. Pelo contrário , com uma simplicidade desconcertante,
os autore.':: contentam'se em deitar um a olhadela sobre as instituições A aventura d.a ciência jurídi ca não é muito diferente da. das
jurídicas da nossa sociedade para dela extra.ir o conhecimento, a I !utras ciências qualific8tlas de human as como a sociolo g·ia ou a
ciência do d ire ito. psicologia, sob r etudo: o ponto de partida desta ciê ncia encontra-se
Eis como geralmente com eça a in t rodução ao direito clássico: historicamente n uma reflexão de tipo teológico ou met afisico. O que
«<O homem é obrigado a v1ver em sociedade e não pode viver I ·' que isto quer dizer?
sen ão em sociedade C .. ). Por definição, o hom em enquanto membro O direito, enquanto conh ecim ento das r egr as j~rídi c as que os
da socieda.de est.á envolvido p or relações sociais. E stas relações não homens devem resp eitar no seio da sociedade não tmh a, h á a l g u ~s
p odem ser deixa das ao livre arbítri o ( .. .), assim li vida dos indi- :;(Sculos ainda, existência autónorna : esta\·::;. integrado numa reflexa o
víduos pressupõe neces!iari amen te a exis téncia de regras de condu ta que parecia muito mais fund.amental e muito m ais im portant.e, a
às Quais eles se subm etem C .. ). A r egra do direito apresenta-se teologia, quer d izer, o conhecimento d a exist éncia e das vontades ~e
como u ma regra de conduta humana qu e a sociedade fará observar, 1)(:1.1S face aos homens. As regras de direito (como estu daremos malS
se necessário, pela coacção social 2». I:ll·de ) 8uarocem com o p rolongamentos desta vont ade divina. O estudo
«Parrr compn'ender o Q I1 p. 0 a rC ~T;) . de dirp it.o. é n p\'e~s ár io COJl D 8Ce r
d ~ -düctto não era senão pois um capítulo da t eologia, « ciên i a~)
o fim Que ela prossegue. Este fi m é permitir a vid a em sociedade. Ilue t endi;.., r:1:i's, a integrar todas as outras investigações ou pelo
necsid~.
A DnrtÍr do m omento em que vivemos uns ao lado dos outros, temos
d e r eg.r?s d e conduta ( ... ). Não há sociedade possível
IlIenos a subo ;:( 1i.! 1~l - - l a s. Na med ida emque, por razões particulares
:1. sociedade feudal, }J0l' exemplo 0, a teologia ocupava este lugar pri ~ j·
sem haver u rn :{. ordem. A regra de direi to pretende assegur2. r esta tp.riado e desenvolvia t:.r.1 r];.scur so soberano, a ciência jurídica n aO
ordem necessária S j} . p(7dia existi r e desenv o!ve.r-;·;2 ["('não sob a sua tutela. Daí resulta
«Do m esmo lTIodo Que o dir eito se incarna para o povo no :Iq uilo a que chama remos a p rob1::miÍtica inicial da ciência juríd ica:
legislador e 110 .iu iz (Moisés e Salomão , Sólon e Minas ), ns.sim ele :l p roblemática t eológica. O estudo elo dir eito não _encontra r:em o
se m anifesta. aos olh os do jurista, em dois fenómenos : a reg:ra. d e ;:(!u fundam ento nem o' seu ob jectivo na p r eocupaçao de expllcal'. o
d j r e ~to e o juJgamen to C .. ). A regra de d ireito é uma regra d e con- 'p le são realrnen le as r egras jurídicas, a sua função no seio da sOCIe-
duta h uma.na a cu j a observância a sociedade n os pode obrigar por dade, o seu modo de transfo rmação. A referência do jurista não é
uma nre s~ão exterior mais ou menos in tensa ~}) .
IHlis a sociedade, o qu e é um pon to de vista relativamente mo de:-no:
Excento a últim a formulu"ão orüdnal e dife r enciada (na con ti·
: 1 referência é Deus. É pois, em relação ao ensino teológico, qu ~r ~le r ,
nuacão do texto, espAcialm ente nágs. 22 e segs .). tod as as intro duções,
"In r elação às suas definições, às suas categorias, aos seus raCl o ~ mlOs,
se assemelham às duas primeiras dtações . Não as citam os toda>;
que o jurista vai , ele próprio, definir e raciocinar. Quer seja. em
p a ra não tornar pesado este trabalho ~ .
direito públiCO qua ndO se trata de an li s~ r as f or~as do ~oder poli.
A WE-ILL, Droit cil>il, D a lloz. P a ri s . 197 3, pp. 4 · ~.
I ieo, quer seja a propósito das instituiçoes do dneito p n vado refe·
:l H. L. e J. M AZEAUD, LeqMls d e dr oH civil, op. cit., t. I. p. 1 8. n'nte às pessoas e aos bens, em todo o lado se ~ncot r a o peso da
,1 J. CARBONNIER, Droit civil, P. U . F. , P a ris , 1 974, t. I . P 1 3. II 'ulogia: o poder d o príncipe é u m cargo confmdo p or Deus, em
" VI ~ r I ~'unl me n te as obras de M arty e RaynCiud ; de Planiol e Rip ert;
e B. S T ARCK , Droft civil. int r odução. Libralrle T echn'Qu e, Pn.r l(; , H.I7 2 : uma
Int r odw:;ão ( p . 6 a parti r do D." 5) extrema m e n te in teressa nte. mas que não
conduz cm segUida a ne nhuma r e novação do estudo do direito ... " Cfr. a diante, parte III, cap . 1.

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função do qual se ordena o seu exercício; a explicação das relações U8..0 poderia ser senão a teorização de um conj unto de fenómenos
entre as pessoas é igualmente marcada por toda uma concepção da ({ue se impõem à oh::ervação : um contrato ê um acordo entre duas
Criação e da sua ordem. A laicização do direit o a partir da Renas- pessoas que tem por efei to cri ar obrigações jurídicas. Muitos, e não
cença não transformará verdadeiramente as coisas: a Deus suce- dos menos impor t antes, acrescentariam que a vida social e portanto
der-se-á a Ra zão ou a Natureza, a metafísica substituirá a teologia. a vida juridica são extremamente ricas em fenómenos que velhas
Da mesma maneira, as instituições jurídicas serão analisadas a partir i.corias tenderi am abusivamente a simplificar: ao rej eitar estas ideias
de um certo número de noções, t anto a da na tureza das coisas como feitas sobre o Estado, sobre os contratos ou 1:1. acção adminü:trativa,
a d e vontade ou de equilíbrio. Por con seguinte, a ciência jurídica é aquilo que se não d escobre! Numerosos factos que os a utores ante-
governada por {(conceitos) e modos de raciocinio que lhe vêm de l·iores não conheciam vieram hoj e trazer novidades e complexidade
outro lado, de um sítio que é suposto ser o centro de t odo o p ensa- ú.s regras jurídicas . A experiência e a observação seriam pois as pala-
m ento : a abstracção metafísica. vras·chave não Só do conhecimento do direito en1. geral, m as do
Eis rapidamente esboçn.do o quadro do conheciment o da ciência conhecimento actualizado. a jortíori , de uma pesquisa fundamental.
jurídica 7: isso explica de certo modo O obstáculo com que deparamos E no entanto estas afirmações têm o enorme inconveniente de assen-
hoj e em dia. De facto, longos períodos foram precisos para que tar num equívoco respeitante à pnitica cientifica, especialmente ao
o conhecimento do direito pouco a pouco se Ilberte desta metafísico.. papel da experiência no conhecimento científico. Com ris co de
É preciso, aliás, acrescentar desde já que esta liberta ~-<1.o é parcial chocar, é preciso afirmar de imediato que um cientista não funda-
e que encont ramos ainda. vestígios elestes a priori abstractos n o est udo menta o ~e u conhecimento na experiência.
jurídico contemporâneo. Mas é verdade que aparentemente, pelo É truísmo recordar o Que é a. experiência no sentido científico:
menos, tanto a investigação como o ensino do direito revestem o ô sempre uma {(experiência con st ruída»)~. O sábio não aborda o
c.?~rã:t er de um estudo (:objectivQ)). Já não é necessário acreditar em ob jecto da sua jnvestigação com um olhar inexperiente ou inocente:
Deus ou ser p a rtidário desta ou c1aqu 01a filosofia pura encetar ou ~b o rda-o j ustam ente com uma m:t ~;sa de conhec:imcntos e informações
prosseguir estudos de direito: as Facu1dades ele direito já não vivem que diferencia. a obserVação cient.ífica da observação vulgar. Onde
à sombra das eatedrais. o observador vulgar não vê f':en ~lo formas, cores ou pesos, «verá»
Compreende-se que a partir de Rgora, o empirismo tenha não só o sábi.o outra coisa: a aplicaç.ã.o ele um certo número de teorias
ganho terreno, mas se tenha afirmad o como a via normal do estudo respei tantes à mat.éria. Tem-se, mu itas vezes, tendên cia a esquecer
cien tífico. esta realidade do trabalho do cientis ta: al guns m esmo, de entre os
O significado mais sirrtples do empirismo consiste em que todo den tü:tas, afirmam com insis tência, que t udo se encon tra na expe-
o conhecimento é tido como resultado da experiência. Qualquer outro riência. Não vamos, por agora, procurar as razões pelas quais os
meio seria reputado de fazer apelo a noções ou a teorjas estranhas, próprios cientistas contam uma história da ciência difer ente das suaS
suspeitas de filosofia. O que há de mais neu t ro, de facto, de mais práticas r eais!). Fixemos só o que é a prática cientifica efectiva:
objectivo, de m ais evident.e mesmo, do que a constatação das coisas a experiência vem confirmar a r eflexão, ela nunca é o ponto de par-
e dcs instituições que nos l'odeiam? O Estado , os contratos, a insti- t.lcl.a., Assim, a abordar:cm dos fenó menos é seIDlJr€ rr.ediata, nunca
tuiÇ8.0 do casamento, os trihunais 1:.80 são simples invenções do espí· hnediata. Esta mediatização é muitas vezes apres entada como sendo
rito: l1~ , O são «ideias» no sentido em que alguns analisariam o sentido a intervenção dos «fI.parelhos» de observação que deformariam de
estótieo. o incOl1scíente ou os nt.";mcros i nte~ ros. O Estaco, um contrato, algu m modo a obEervação: do microscópio às t écnicas da sondagem
um tribunal aparecem em primeiro lugar como objectos reais, se pode- I'm sociologia. encont.ramos ~en1pr a dificuldade de um écran, de
mos dizê-lo, materialmente constatáveis. Fazem parte de um meio um intermediário entre o observador e o objecto observado. Esta
concreto, preciso, fora de discusEão quanto à realidade da sua exis- nbservuGão é insuficiente; na realidade, o microscópio, da. m esma
tência. Um estudo científico dest2s instituições ou regras do direito maneira que a técnica da sondagem, são cristalizações de teorias
deveria pois encontrar a sua génese na observação ou reconheci- den tíficas~ teoria da propagação da luz, teoria da amostra socioló-
mento da experiência que delas se pOEsa fazer. Como conhecer o
Estado? Evidentemente que não, dirá a maior parte dos autores,
fazendo apelo a uma teoria do Es tado, admit ida a priori, mas sim 8 o texto mais clássico e mais claro é o de E. DURKHEIM, De ,'; Reqlell
observando o que é o Estado, tal cama ele funciona hoje em dia. do lI' méthode sociol ogique, P. U. F., P <i.ris, 1968. pp. 15 e segu i nt ~ s. de m a neira
Da mesma m aneira, uma explicação do contrato em direito' privado um is g-era l ver ULLMO, IJa Pellsée sdenti/ique modenle, Fla mmation,
Paris. 1969.
!) L. ALTHUSSER, Philosophie ... , op . cit.) P. RAYMOND, L'Ili3toire
Trata· se aqui de uma slmplifi caçã.o evidente: terei oea siào ele lhe expli · d · les sciences, colo Algor1thm e, Ma&--p ero, Paris, 1975, nomeadamente pp , 47 e
citar o Conteúdo em de,'}envolvi me ntos poster:ores. .'_egu : ntes: «Hi stoir c dcs Scil.!DCeS et hlstoire)- .

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gica. o intermediário entre o obsel'vador e o ob ' t pOSlçao up8.rentemente isenta de qualquer reparo : o estudo cientifico
portanto, sempre, de facto, a pre se~ ça da teoria Jge o observado é do dire ito é o estudo do direito .;;:xperimentalmente constatável: o
É: _ p~rtano, l?erfeitamente ilegítimo colocar' a observa ;;: direito positivo, dit o por outras p~ l avrs, as regras do direito fixad:::.s
:~inrt, ~: e ~a
explicação_ cientifica. E i S Z~ ~a t~ pelos homens. O estudo do direito à,eve ser relativo a todas as regras,
lTIG.S deve lim itar·se só a elas.
sabores, tal como m~ s trou :::p;nsm o nao pDd~ senão levar a dis- Esta afirmação parecerá inteiramente correcta; para lhe apreciar
Que pode descobrir um ObS e~ 'lad ~t ~oc ~ nirO P6S It O d~ sociolog'ia lU . ovalar, é preciso dizer em relação a que outra corrente do pensa-
uma
.
(certa. realidade)?.Esta,
longe d e ser euma das p«realldades)), senão
a rte da realidad , mento se afirmou o positivismo jurídico . Este é uma reacção à domi-
eUmnecessanamente nação do pensamento jusnaturalista até ao século XIX 1.1, Para me
exempl o aJ.uda uma. deforma çao - d.l c a., uma representaçao _ ilusória.
e
cingir ao essencial, direi que o j usnaturalismo é a doutrIna que pre-
r a a com preender esta arrm' ç- S
na experiência ê u m fuct ,..' ~ 1 a ao: e devo confiar tende encontrar a origem e o fim do direito na Natureza - podendo
A partir d es t~ obse; 'a _ o que. v. . Jo o Sol andar a volta da Terra. este último termo ser evidentemente compreendido em sentidos muito
em que a Terra é o C; n~ l~( i ~e ~ ( ~ Ce sUe~v ~ i:m;o~ d~ ~aS l o~; diferentes, como t eremos ocasião d e constatar . Assim, qualquer expli ~
um dos elementos moveIS. Esta explicação é coerente e I cação jusnaturalista r eferir-se-ia à. existência e ao valor de r egras
caso conforme ao . . ' em qua quer não escritas, superiores aos homens e à sociedade, determinando aS
ela é falsa C . ~u e eu veJ o _11. E, n o entanto, sabemos hoje que regras jurídicas fixadas pelOS homens: o direito natural. Sabemos o
. opermco tem razao contra Ptolomeu porque põe em
causa a observação inocente. ' uso que em direito francês foi feito deste direito natural: a Decla-
ração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 é dele uma
co ~r .~xtenão, poderemos dizer que qualquer ciência não se pode
expressão particularmente clara. E m direito privado, tanto o direito
qu
ns 1 UII senao recusando a obser vação co u
viria d <maturalmente». O bom-sen s'o e' o opos t om, d ,a n: ~t ClenCLa
1' -
e~:? l?açaO que
Assim
de propriedade como um certo número de instituições, tais como o
a,? o no estudo do ,direito encontr o praticamente as m esm'as e~ li: casamento ou a filiação, eram estudados c interpretados à. luz deste
caçoe~ U.~.. m~l ~
pouco complexas do que as que intuitivamente Peu
direito natural. O mesmo s:e passava com o direito internacional.
Esta atitude tinha duas consequências. A primeira é que era
Se possUla
é d posso
.Jd., t legltumlmE:nte duvidar do valor desta . «expenenCIal} ., .
. eVI en e que 0. conhecimen to do direito não pode ser feito ~
considerado como parte da ciência jurídica o estudo das regras que
partIr ~ de uma, teologIa ou . de uma metaf, ·s,·ca e· nao
- menos evidente não pe rtenciam cm í::8ntido estrito ao sistelna de direito que reg ~Ll'
'
lava as relações sociais. Considerando esta afirmação, seria precisO
qU~.,nao podena pr~- s e da colocação de um conjunto de conceitos
dizer que este direito natural estava já em parte representado nas
t~l C como cond.Içao prévia a qualquer observação . Deixar acre-
d
OS
regras do direito positivo, er a, pois, sua parte integrante; mas certas
lógico É a I ar que bastan abfltr os
' olhos e observar bem é um erro eplstemo· .
regras do direito natural H nem sempre tinham expressão de direito
. es um obstacuIo d e que nos devemos defender' devemo· positivo, o que conduzia à segunda consequência. O jurista jusnatu-
-nos defender tanto mais quanto ele é muito subtil isto é ' que não ralísta era levado não só a expor as regras do direito positivo, m as
se apresenta como um obstáculo. A partir das ob s~ rvaçõ es ' é lógico aind a a apreciá·las em relnç3.o ao direito nat ural. E stes juízos de
que, o estudo do direito assuma um carácter POSitivista' Convém valor apareceram como completamente estranhos a uma obra cienti-
explIcar esta consequên cia. . fica do século XIX. Montesquieu tinha sido, na matéria, um pre·
cursor, uma vez que mostrava que as leis jurídicas eram regidas por
leis científicas (designadamente em r elação à geografia, ao clima,
1.2 O Positivismo na explicação do Direito à histó ria l r. . Os juízos de valor encontravam-se , po rtanto, submetidos
prinleiramente a um a análise científica. É esta preocup ação de «espí.
o positivismo
â frente 12. conside á 1 ; a. d ou t·
é uma. e;:'col nn a I, como estudaremos mais rito positivo» que faz progressivamente abandonar posições jusnatu-
, . r .. o·emos aqUI enquan to corrente d o pensamento ralistas que aparecem como o ressurgir intolerável do espírito filo-
enquanto atItude epIstemológica geral. Esta atitude define-s e por um~
sófico no seio d e uma ciência .

. 10 P. SOROKIN, T endances et D -bo~ . .


A ubler, Paris. 1959 ; ler desig'nadal . t e tres . d e la 8ocíolog18 américaine, 13 P a rte III, cap. 1 .
3Ociab , p. 222. nen e o cap ltulo 10: «O Cu lt o da física H Veremos que a ideia de que o d ireito natural comporta <regraSb
é pl'ópria de u m a concepção modern n. do direito n atura l, isto é, que data do
E, como p or acaso - m as nã é d
exp llcação vem corroborar os t extc" r ~'
. 11
c um acaso qu e se trata - esta século XVIII, tal como o demonstra convictamente M. VILLEY, Philosophie.
a Ter r a no centro do m undo. ~ hgiosos que, metaforicamente, colocam
op. cil.
12 Cfr. parte m, cap , 2. l~ L 'E sprit des lois (1748 ) , L a Plêiade, Paris, reed. 190 ~

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Não se acredite que se trata de u ma s imples substituição d e fundir estes dois pontos de vista . Uma coisa é a descrição teôrica do
teorias que evoluiriam assim no mundo das ideia.s: a atitude positi· direito, outra a definição exigida pelos P?'áticos 1 . G )~ ., •
vista dominante explica-se face à evolução geral da sociedade fran- As r egras de dlr en o, formando um Sls tema JurHhco numa da~
cesa .dur ante o século XIX _ A revolução d e 1789 m arca, d e certa sociedade _ o direito francês contemporâneo, por exemplo - .expn-
manetra , uma ruptur a neste domínio: a um dir eito essencialmente mem-se at ravés dos term os e das instituições particulares . Tats ter-
forjado por uma história acidentada mas sempre sob a autoridade mos e instituições, nascidos n<1 prática, qu er dizer , naSCIdos das neces-
última de Deus , su cede um direito que se afirma fru to da Razão sidades próprias a uma dada organização s.odal, não t ~ m q u al qU~
p ura. E s ta pretensi:o c:-: plicaria q ue os comen tadores deste direito p r etensão científica : correspondem a necessIdades ~e vlda de SOCle
aparentemente cheio d e lógica e de r acionalidade tivessem podido pen- dade. E que d e fac to, antes de 0 5 cientis tas inte rvuem, os homens
sar que a simples interpretação dos textos era suficjente. A verda- fazem das coisas rep r esentações m ais ou m enos adEquadas, em qu~l­
deira explicação res ide, na realidade, nou tro lado : não se compreen- quer caso nccesEárias ao funcionamen to social. Sem esperar por te?n~
d eria p orque é que, de repente, a sedução da Razão positiva teria científica sobre o E st3.do, o juiz ou a troca, os homens ~az e~ VIV: l
lançado o jusnaturalismo no limbo da filosofia. E sta mutação não o Estado, colocam j uízes, esta bclecenl relações convenCIOnaiS. Nao
faz sen tido senão r elacionada com a t ransformação das estruturas sabem, no entanto, o que é O E s tado, a justiça ou a tro ca . ~ a s t a-Ih es
sociais e políticas da sociedade francesa. O jusnaturalismo correspon- poder p raticá-los e, em qual quer cas o, po d~ r falar deles. A~sm, todoS
dia, sob retudo no fim do séeulo X VIII, à teoria de que necessitava os dias, nom eamos estas realidades que sao o E stado, O JUlZ, O con-
a burguesia ascendente para critica r a feudalidade e t ran sformar a t rato sem saber , no fundo, de que é que falamos exactamen te . Co~n o
sociedade que se opunha ainda à sua dominação. O positivismo será, es cr~ v i u um sociólogo no princíp io deste século 1), u s~ n'lO :; noçoEls
a partir da codificação napoleónica (de que é uma m anifestação e nascidas da p rática e confer imos-lhes um valor que elas nao ~ ~ m , ~cr e ­
não uma causa), a teoria de que tem necessidade u ma burguesia ditando que, por ser em habituais e estarem l ar g am e n t~ . d lf ~nd:a s ,
CjtJe se tornou domin ante no sistem;:l sociopolitico . Depois da escola s5.o verdadeiras. Daí a util ~ á-la s numa investiga.ção dIt.a. ~ le ntlfca,
da crítica segue-se a d a exegese! O estudo do direito transforma-se vai um grande passo. Ele é alegremente d a d~ pelos pOSltlvls tas. No
no estudo das r egr as ditadas pelo legis lador : nã-o se ensina mais fundo, estes, tomando as c o i ~ as tal qual elas sao - ou co m~ F e ~a s par e-
direito civil, há sim um curs o de Código de Napoleão. Tem·se bem cem ser _ constroem, ainda que o neguem. todo o seu edlhc.lO s,o:)re
n oção de como o p ositivismo se mantém no limiar da apologia do o conhecim en to vulgar e acabam por lhe d ar estatuto clCntlflco.
sistema jurídico·político vigente, uma vez que ele se proibe por defi- As obras mais abst r actas sobre o Estado não subvertei? real_mente. o
nição qualquer ingerência no domínio dos valores. Isto não quer nosso conhecimento intuitivo do E stado, o que a nossa mserçao SOClal
dizer que o jurista nunca venha a dar a sua opinião ou manifestar esp ontaneamente nOS deu: u ma instituição encarregada d o bem d a
a sua apreciação sobre o conteúdo do direito que ele estuda ou ( ~ o lec ti v i d ad e com as dificuldades que esta tarefa c omp o ~ta. Tal como
ensina, m as ao agir assim, ele abandonará o terreno da ciência e p<:l ra o contrato, a fa.m ília e todas ~s instituiç ões jurídICas da nossa
entrará no da moral ou da p olítica. A manu tenção na ciência jurídica sociedade. I sso não significa que nao ten ham os nada a ~ p . r e nder e
exclui pois todo o «deslocam en tQ)). A ciência será positiva no sen- Ilue a licenciatu ra em d irei to não sirva para nada ! Sem duvlda , .com-
tido de ser <meutra) no plano político ou moral. Por ou tras p alavras , preendemos m ais de perto a com plexidade das coisas e as subtilezas
a a titude positivista em direito postula que a desc rição e a explicação
de r egras jurídicas, t al qu al são li mitadas a s i mesmas, representam l !l M. VILLEY, «Um a d efi n ição do d ireito», A rcMves de p hiloSop hi? du
um proceder «objectivo», o único digno do estatuto científico. I. ·t 1"59 pp 47 e seo-uintes. Ma s n ã.o tiro a s mesmas c onelu s õ ~ s desta cntl ca ,
' d idea lISmO
1.
• :1 01, U ,· o
Por mais rigorosa que esta torn ada d e posição pareça, é p reciso i:. ue o profe ssor Villey cai , quanto a mIm, no erro o . .
q E D URKHE IM. L e:s Regles .... 01). cit ., pp. 15 c 8eg u ~ :I .tes: «Antes
denunciar o seu caní.cter incorrecto do pon to de vista epistemo lógico. dos r i m e i ~ os r udimen tos d a fís ica e d a ~uíml ca, os home n s j á tm h~ ~ sobr e
Não que o estudo das regras t al qual elas se apresentam seja errado: ":: f~n óme nos f is:eo-químieos n oções qu e ultr ~ p a s ~avm a pur a pcre e p c.; ~ o (. ~d
é a crença sobre a neutralidade desta atitude nas condições em I;; ( ue de f acto, a r efl exão é an terior à c êOCla ( ... ). ? homem n a o P
que ela se realiza que é discu tível. A confusão entre a observação d V ~l ' 'no melo das coisas sem delas fa zer ideias a pa.rttr da s qurus reg u la
t. ~ ma conduta. Só qu e, porq ue esta s n oções cslão m aIS p róx imas de nós e
de que existem regras de direito e a d efinição do direito (como ",ais àO nossa a lcance do qu e as r ea lidade s a qu e corre spondem, t endemoS
objecto de estudo) é quase unânime nos juristas : com uma única .,.. l llralm en le a s ubstit uí· las a estas Ul timas c a fa7.er delas a própria mat é ~ a
excepção, a do professor Villey. Eu subs crevo inteiramente a sua ,1:1::; nossas especula ções ( . . . ) . Os hom ens não esper aram o a par e c l m~ nt o Ul a
" I, ~n cia RO cial, p a ra ter em ideias sobr e o dir eit o, sobre a moral, ~ a:n a,
crítica. É na verdade um erro t omar as regras pela essência d o ' . K'llado , a própria sociedade, p ois não pooia m passar sem € llLs ,I! al a VIver»:
direito: «O próprio direito consistiria num tipo de actividade (. .. ). 'P;li s n oções, Du rkheim chama -a s pr é- Do~ õ es, 4:produt os de exp er _ en c l a ~ ,rep e
Ora nós, professores de direito, tentamos dizer o que é o direito I u b s, tirando d es ta r epetiçãO e do h á bi to q ue da.i resulta, um a e&l'ecle de
para o p r ático, no interior d o seu ofício. É um absurdo lógico con- I;;n'ndente e de autoridade.

44 45
da arte jurídica. M as, em última análise, o nosso senso comum é franceses que neguem que a regra · do direito pl'ossegl.l€ a realização
satisfeito. Encontramos sempre uma confirmação do aue podia pare- de um ideal de justiça) i ". _ . _
cer à partida como normal ou lógico. - , g e um modo geral, o idealismo nuo assume ~sta fo.n~a d ~ l~ . a ~
E evidente no que vem a dar uma posição positivista: reforçar do ra , ...,- '~-. mrinle - se mais d iscretamente, conlO neste extl ado. ('~ d "st u,
~> ,- • • t· A necessl '1 e
as ideias recebidas, estas noções feitas a que Bacon chamava as regras (de conduta social) devem fazer remar a J~S Iça. '" ~~
«pré-noções». Ora elas constituem justam ente um obstáculo epistemo- de iustiça, quer dizer, de equ!dade e de pl'otecçao dos fruvos: eXl ~te
lógiCO extremamente grave. Devemos pois desembaraçarmo-nos delas em ~ t ods os homens c. .. ); as r egras de conduta devem tam~e dar·
para ver as coisas tais quais elas são e não tais como no-Ias deixa .nos a segurança. p ode-se mesmo dizer que o hor:nem teI? ..m ~ls neaces-
ver o nosso sistema social. A partir daqui, uma explicação do d ireito sidade de segurança do que de justiça. (. .. ). EXIstem dlVdsas rebras
não se pode limitar ao simples enunciado da constatação desta ou tu' "'s reg'ras de direito, as regras resultantes d OS.. c~st un~. es ,
d e co ndu c. '" t ·d des l'el1(l'lOsaS ou)}
daquela regra: e da análise do seu funcionamento: ela tem de ver 2.:; r cgTds , de mOI·" l ' \~.
t:J. , • ' ,'
l·e
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l"ll'ocedentcs
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de au 0 1'1 H .~
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((para a lé m » deste direito positivo, o que lhe justifica a existência e E assim por dian te.. . à excepção de um Jean c.arbonm ~ r , ~ a l
a especialidade. preocupado com sociologia jurídica, mas no en tanto amda mUlto .Idea-
Vencermos este primeiro obstáculo epistemol6gico é, pois, desfa- lista Para prova: lIAs regras de direito não ap arecem sem caus a, u m
zermo-nos da ideia da transparência do objecto de estudo: é aceitar e t ~ númerO de dados p rofundos (verdadeiras origens das reg~s .de
c r ·d mos a regra de dIrei to
que as coisas são m ais complexas do que aquilo que a observação direito) explicam a sua génese. Se conSl e ~'ar . , ~ . ~ J. ' . q::
deixa ((ver)}, é ler o complexo real sob o simples aparente. Para evitar- inscrita no artigo 205, encon t.ram os, em p rl~ CH-O lu ~r, n~ , Slht 0,1:
mos este obstãculo, será, pois, preciso cons truirmm; o objecto do um dado senti men tal, um sen timento de pledade flhai que ~e, n~o
es tudo. controla; depois um dado raciona!, uma cons i( l e r~ç. ã~ .de :qmhbno:
de equivalência d e reciprocidade ( .. . ); um dado utIllta no mnda (: .. ),
finalmente, um ' dado histórico :.!l)l . O autor ~ est~ i pelO seu e nur:cla n~
as premissas da sua demonstração. ver·se-a,. a h,~s , q.u: eS 0 ~' cmme. ~
2, O idealismo jurídico autor se inclina curIos amente par a urna expllcaçao fl S10 ló~,ca noutl o.
passos " sem romper apesar disso. com o idealismo!
As dificuldades que um jurista. tem para nao - ser 1'd,e a l'sta : . No seu
l
t
o segundo obstâculo epist,emológico assume a figura de idea- significado m ais comum, o idealismo é uma corren:e. do p ens.a ~ en o
lismo. E ste obstáculo não pertence aos estudos jurídic os, mas assume filosófico que se opõe aO materialismo: a car actenstlca C O ~ S l S ~ e em
aí um relevo muito particular. Alguns exemplos tirados dos manuais que para um idealista, o princípio fundam ental d ~ . eXP h caç ob·~
instruir-vos-ão sobre o que entendo por idealismo. m u~ do encontra"se nas ideias, na Ideia ou _no , Es p lr ~ to: co nce'l~ o
O exemplo mais claro encontra-se no tratado de H., L. e J. Mazeaud. como superior ao mundo da matéria; este nao e, em u l ~l m a ana lse,
Assume mesmo um carácter polém ico bastante interessan te. O pri- senão o produto ou o efeito do Espírito que governa., pOIS, o mundo,
meiro capítulo abre quase imediatamente com a apresentação d as segunda a expressão de Hegel. _ . 1
doutrinas espiritualista e m aterialista. Assim, começa uma ciência do Os juristas não vão tão longe, ou melhor, nao preCIsam formu ar
d ireito inteiramen te dominada por um debate metafísico: do lado dos , '0 filosófica tão definida. Basta-lhes faze r prova de um
uma poslça . , l' sado da seguinte
espiritualistas, (ta justiça)}; do lado dos materialistas (<os factos mate- idealismo muito mais discreto, que pode ser ar:a 1 .'
riais» 18 . O combate entre estas duas teses em presença termina assim: maneira A atitude dos j uristas resulta de as n oçoes de dl! e lt~ ser ~
«Lamen tamos sempre os que não vêem na regra do direito senão O
produto da evolução e não a conseguem fundamentar senão sobre a
força. Que será para eles . o estudo do direito separado de toda a
~:-J.
.
: ~ resentadas e tratadas, nos factos, fora de um contex o s~CI.a
jurista não nega a existência e o peso das estrutu:as so~ ta:s,
subordina-as ao seu sist ema de pensamento. Estes m ecanIsmos 111 e-
procura da justiça? Vamos mais longe e afirmemos que uma socie- i('ctuais conduzem a resultados desolado res: os fe~óI? e nos, por vez~
dade cujas leis não fossem fundadas senão sobre a força está votada oJs m ate:: evidentes, perdem-se, enquanto que ~s Ic:.e1as se _tornam
ao desespero e à ruina C. .. ). A imem:a maioria dos juristas acredita t:W1dam~no da r ealidade. A introdução ao direIto na ~ é senaO sempre
na jus tiça, julga que o objectivo do direito é r ealizar esta justiça)). a aprendizagem insidiosa desta inversão de perspectIvas.
Os autores terminam com este canto de vitória : «Hoje em dia a
escola idealista voltou a ganhar terreno. Já não há muitos juristas
19 l bid., pp. 21·22.
20 A. WEILL, Droit ctvll, op ctt., pp. 4. 5
18 H., L., e J~ MAZEAUD, Leçons. ') op '. cit., p, 19., ~1 J. CARBONNIER , Droit civil, op . clt) P

47
46
,_!·)10go. Este, atraves de cert.as conversas ou cert os testes ~'i , pode des-
2.1 A bsrracção e abstracção
,! )bl'ir·me, r ovelnr-mc de algum modo uma personalidade de que eu
Pod er·se·la, à primeira vista, objectar que é impossível raciocinar 11:'[0 t in I!;). consciência. A uma úmagC:l1lJ), ele vai opo r u m a {lômilisE:»)
sem ideias e que, aliás, a pretensão de não ficar pelos fenómenos <l~ ln inha pessoa ou do meu carácter. E , a maior parte das vezes,
admite bem a hipótese de se recorrer a ideias abstractas: como não ' I:; du as <;ideias abst ractas}). a que eu m e tinha feito e a q ue o psicólogo
ser então acusado de «idealista»? f1roduzi u , não t êm q uase nenlllun ponto comu m,
Esta objecção falha o seu objectivo: há abstracção e abstracção E ste e ~ : e !1lp l o. n a sua aproxiIllação para o nosso est udo, per mite·
ou, d e outra maneira, nem todas as abstracções são equivalentes. dOS comp reende r que há, sobre o mesmo objecto, (sistem as de peno
Como o demons trei anteriormente, os homens produzem necessa- ';:ln1CntO» dife rentc3 : o que separa a m inha in trospecção de u ma
riamente, face aos fenómenos que os rodeiam, «ideias» pelas quais :lHálise pSicológic;J. fi afinal a mai1eira de conduzir o pem:amcnto. Sem
tentam apropriar-se intelectualmente de tais fenómenos , dominá-los, d úvida, cada um dos dois «sis temas» acabava por produzir ideias
submetê-los, sendo capazes de os pensar. Mas há justamente várias l1!stractas, mas ns abstracções assim produzidas não tinham o mesmo
maneiras de pensar, ou antes, há várias maneiras de conduzir o pensa- \::dor , Há muitHs Dl'ob.1biUc1ades de que as absLl.'c( ,~ õf:)S desenvolvidaf,
mento. E ste não é nunca em sociedade um «pensamento selvagem», 1,\( :10 psicÓlogo sej;.J~m mais correctas, para me fazer compreender quem
para retomar uma expressão de Lévi-Strauss 2~. E, aliás, nem o pensa- :Oll eu, do que aquela:.; que cu ha\'ia rnais ou menos intuitivam ente
m ento selvagem é desprOVido de leis d e funcionamento. Se acredita- II J'oduzido.
mos n este etn ólogo, e le tem uma estrutura. A forti ori, o pensamento O me!;!l1O se passa C01n toda a vida social e, mais especialmen t e,
educado, formado pelas instituições da nossa sociedade, n ão pode !IO sector que nos interessa, o da vida jurídica, Onde se situa a cliva-
desenvolver-se sem respeitar certas regras. A nlaneira de p ensar em :',cm que n os irú permitir d esem patar as abstracções?
poesia não é a de um historiador, que n ão é a de um técnico de Pa ra poder resp onder a esta ques ttio, começarei paI propor uma
electrónica. ::eparação Simples, simp lista m esmo, q ue melhoraremos conforme for-
Ora, é uma produção de ideias a um t empo espontânea - pelo I dOS avançando, Em toda a p rodução abstracta que permi ta ou que
menos aparentemente - e extremamente d esenvolvida de que somos ::oHcite a vida soc:al, d istinguirem os a abstracção cuj o objecto con-
os autores e muitas vezes as vítimas: chamar·lhe·emos ideologia. O que ::iste n um a r epresentação das coisas, e a abs t racção cujo objecto
é que isto quer dizer? Os homens não podem viver em sociedade :'Il11siste numa explicação. A primeira cria a abstracção ideológica,
sem fazer da sua situação, dos acontecimentos e d as ins tituições :1 segun da a a bstracção científica. /
que os r odeiam uma deterntinada representação em «ideias)) : estas Posso viver sem ir ao psicólogo , satisfazendo-lr.e com a imagem
são pois, de certa maneira, noções abstractas, tendo como objec- ' !u e faço de mim pl'ópl'io : de fado, não tenh o então qualquer pre-
tivo permitir aos homens mover-se intelectualmente no seio da sua i,('n.'.ião de l:onh ecel' quem sou verdadeiramente : contento-me em poder
vida social. \'i'l e r . Assim acontece COlU uma certa forma da. ideologia. Consiste
Para m elhor me fazer compreender, irei buscar um exemplo à i, urna. representação do mundo graças ü qual me posso mover neste

psicologia m ais elementar. Todos nós somos obj ectivamente definidos i Ill.mdo de coisas 'e de seres, Não preciso que esta rep resentação seja

por determinadas características: nasci em tal an o, em tal pais, no " :;~ lcta: basta·me qu e seja út.il. Continuo a dizer qu e o sol se levanta
seio de tal cat egoria social; efectuei tais estudos e moro actu almente ' Iil se põe, quando f::ei agora que tal afirmação é um absurdo cientí-
em tal bairro, etc. Para poder dominar todos estes elementos hetero- rico, mas, no meu dia a dia, esta <mproximaçãoJl que r esulta de uma
géneos , devo fazer de les uma dada representação, e esta gira parti- ",'pr esentação falsa é amplamente suficiente. Bcm p elo contrário, uma
cularmente à volta da ideia que eu faço de mim mesmo. «Vejo-me», !Ílstracc;ão científica não implicaria que eu m e mova m ais facilmente
como se costuma dizer, de uma certa maneira: grande, bela, tímido 01 0 meu universo social, mas fornece r-me-ia explicações qu e me d iriam
ou mau, e 1sto, sem que esta e<ideia» seja forçosamente justificada pela :) porquê das coisas. Por outras palavras, a fu nção própria. ao pensa-
realidade objectiva. Pouco importa o que me dizem os m eu s próximos ,! lento ideológico e a do pensam ento cientifico revelam·se r adical·
ou os meus amigos: fabriquei uma certa imagem da minha pessoa 23 'Ilente diferentes.
que terei muita dificuldade em não considerar como correcta. A prova Não basta falar em palavras, em noções teóricas, em raciocínios
do contrário é fornecida pela experiência banal de uma visita ao psí- ~ I mda que complexos, para estarmos em presença da ciên cia: é pre-

U C. Lt:VI.ST RAUSS, La Pensé6 sauv age, P lon, Paris, 1962 . ~ 1 Não d iscutirei aqu i o valor dos testes em p sicologia: admito só a
.2~Mais exact amen te, o meu meio social confeccionou uma imagem de hipótese de qu e há determinados meios para analisar uma persor.·alidade de
mim mesmo que eu interiorizo e de que penso a '3eguir ser o autor~ ItI:t.ueira rigorosa.

48 49
ciso ainda que estas noções e estes raciocínios sejam cientificos, quer
dizer, sejam produzidos de acordo com as regras próprias ao pensa- (I l~e eu clissc u m a cojsa que eu n~o di sse: não quero dizer com isto
mento científico. ,tE te se, de repen te, d i~ iy. 6.se m os de acr editar em todas estas noções,
Podemos agora voltar à ciência jurídica_ () Estado desabaria! Seria um perfeito idealismo! Digo a penas que o
fl l.r'! cionamento ~ : c t ual do Estado, que tem ou tr as ra izes que não o
tlOSSO espí rito, necessita que tenhanlOs interio1"izaào as relações sociais

2.2 O idealismo dos juristas como representação do mundo n ~ ais. faze:nclo-lhcs sofrer uma transformação, É isso a ideologia,
:1 re'l!:lC2:1 im: i!:~ j:1 <',rla ccrn o real. E est.a ic1coiDgia dcseri11,:enha um
I );;pe] ~ t ctiv o n ~l l'epro duç;~o do E .'-:.t8.d o ~ . ctu1.
A questão pode ser assim fonnulada: dão-nos as abstracções da
Estas noções, é preci~m sublinhá· lo, são m~i s ou menos directa-
ciência jurídica uma representação ideológ'ica do mundo do dücito,
Ilwnic extralda:3 da ~ .: nec :;~.i daes da cxisi:C:neia e do desenvolvimE!1to
ou, pelo contrário, uma explicação científica? Desde já dou a resposta:
• t:\, Ol'grmi,7aç5.o (1:1 vidQ ::;QCÍ81 . Como LJ, 8~:t<.1 representa0ão não tem
a ciência juridica, tal qual ela é hoje concebida e apresentada, não é
' lll <1.lqúe r pret:~,(;§J explicati'./(l.: CLpresent 2.·<;(,! bl como é: umH «imagem)
senão uma imagem elo mundo do direito, não uma explicação. Como I I,) Imm::l0 re81.
é que se manifesta esta representação? É O que temos de procurar
E sobre es te material que ,se vai fundar a ciência jurídica, mas,
explicar agora, para mostrar em que é que este idealismo constitui
pr,Jr um pHl'ütloxO que Dr..O é s·;;f:ào aparente, ela va i acabar por subver-
um obstáculo epistemológico.
u~:r completamente a ordem elos fadores, criando, asr::jm , as condições
Sobre o que é que se i'unda a ciência jurídica, tal qual ela é I Jo idealismo .
comummente aceite c ensinada? Sobre as instituições e, através delas,
sobre as noções que a sociedade estabeleceu para realizar e repro- Na verdade, pensam que a. ciência juridica vai nna),i sar as relações
que ma nt.ém o imaginário e o real e, a partir deste trabalho, explicar
duzir um certo modo ele funcionam ento social. As institUições juri-
:;il1 1ltan (-':~ : ne rlL c o funciona mento da imagem e o da vida social real?
dicas podem ser ímalisadas tanto como tuna cc rtH representacão da
ordem soeial, tanto como um dos fac tores de ~ ta o rdem. Precisemos Nada C!sso! por mai:,: abernmte qu e isso pareç;a, a ciência jurídi ca. vai
este ponto. í omar como c'Jrta a i':1wgem que l he t r ansmite a soC'iedade e tomá-la
,wla real'idadc. A sociedade afirma-nos q ue o E stado é a instituição
Para q ue. no sistema. capHalista onde os hom ens estão profunda-
(' 'learrcgii o.fI do interesse geral? A ciência j ur ídica r esponde em eco
ment.e divididos em dasses antagónicas, uma viela. ~ocial ainda assim
,'om uma t e ori ~ l in teinnnent.e fundada na noçã u d ::} interesse geral.
seja. passiveI. é necessário que exista uma estrutu ra política, cuja
!\ t r oca xe ; ~e q ne os pOl"t8.doe~ .....d,e merendorias se encon trem, e isso
função primeira seni ordenar a desordem, reconciliar aparentemente
individuos que tudo ~epar, velar pela salv aç~io p ública. Esta institui- j 'lU condições t: ~ nt mais fáceiS quant o mais a troca mercantil tem
dí,o. sabemo-lo, ti o E ~.;tn do. lVIas o Estado não é só uma máquina I tn generalizar-se'? A Ciência jurídica (e:~plica» esta t roca pela teoria
infernal nara se rvir os fortes contra os f racos .r, : é também uma certa do contl'::lt o, fundado 5Gbre a noção de encon tro ele duas vont ades .
renresentaci3.o da unidnc'le da sociedQde, ou ainda do homem que vive Vemos a que resultado conduz este tipo de «explicw::fJ,O»). O Estado
j:i, não aparece como um f::mómcno social, ligado n uma história par-
n est a sociedade f:ob a figura do cidadão. Ora, e é o que muitos esquew
cem às ve7.es, es ta existência da ideja de Estado é importante para iicv.lar, r espondendo a certas necessidades: é r eduzido ao estatuto de
O nrónrio funcionam,ento das CStt'l1tUf8 S eí3tRi.~ Se cada um de nós IHH.; ão que se e:,:pUca por uma outra noção, O interesse gera.l. A troca
não estiver intimamente convencido da necessidade de um EEtado, ":í~neralizdD. já não é mn fenómeno próprio de uma sociedade dada,
quer db:er. do valor desta (aparente) função de apaziguamento e de i () rna·se um contrato C1'i.le se (Cxplica» pela vont3de dos contraen te s.
re!!ulamentacão pacífica dos conflitos, se cada um de n ós não acrew E o munclc> subverÚdo ! Toda a representação da vida. social pro-
ditar aue existe um bem comum. distjnto e superio r aos nossos intew . hmida p ela sociedade «se explica» desde então por ela própria.: uma.
re~s "particubres, torna-se difícil fazer funcionar o Estado, is to é , lIodío imnlica outra e, neste universo doravante totalmente coeren te,
concreta mente a ad!"!linistracão, 05 tIibunais, o exército e, de uma i !teia se l;assa como num palco em que n ão apa recessem senão as
maneira ~e r al, tod~s as instâncias rr eIe lig-v,das. Assim se impõem, IIc: rsonagens criadas pela ideologia social. E is porque podemos dize r
na prática e nas con scip.ncias. nocões tais como: inter esse geral, direi- '1H ~ a ciência jurídica não é mais do que uma representaqão da vida.
tos e d evr~ do cidadão, soberania, razão do Estado, vontade da ':II(:ial, não tuna explicação, e q ue esta rep resentação é profundament.e
adminis.tracão e out.r::ts tantas (expressões» sem as quais, afinal, o fun- iI lealista.
cionamento da instituição estatal estaria comprom otido. Não pensem Idea.1ist.:t esta imap:em da vida social é·o n este sentido de nenhuma
Ill:"tituição j~ridCa, ~nhuma. noção de direito - colhida, aliás, no
i Illldo da ideologia social domin3nte -_.. estar relacionada com o fenó·
~n Cft". adiante, parte II, cap, L Illeno social que a produziu, mas com uma outra noção de direito,

50 51
com uma outra instituição, com uma outra ideia. Os homens de tal supostos. E, justamente, es te «agglo rnia.mento» do ensino do direito
sociedade criam tal l'egra de direito? Isso é «explicado» por u ma é mais grave do que parece : crê·se t er av:mç:l.C:o qL:alldo nã o se cedem
<üdeia de direitOl) que, avançando surdamente, acabou por se exte- um paJ.mo de te rra: crê-se falar «(3,ctuali>, e quantas vezes de m aneira
r iorizar, Tal é afinal, sob est.e aspec t o c3.rica.tural, a ciência j'.<rídjca brilhan te. quando se continua no fundo a referir-se aos mesm os méto-
que nos é preposta 2'1 . dos, em suma, à mesm 8, epistemologia. O idealismo profundo c incons·
Na sequ ência direc ta desta perspecti va, ninguém doravante se ciente d a maiori a dos juristas é u m obstácul o real: conduz a canse·
surpreenderá com as reacções sempre idealiEtas dos juristas : uma quências cuja gravidade podemos agora medir melhor.
doença social? um bloqueio nas instituições? Basta mL! d3.r de texto,
de lei, de noção. A ideia cte autoridade, substituir-se-á a (13 concertação
ou de par ticip::tção. Nun ca :.!,!}:mhado desprevenido, o JurisÍ-8.. move-se
2.3 Os resultados epistemológicos do idealismo dos juristas
no ~e u universo em que quaiquer «l r1eirw pode ser s ubst i t uid ~, t raba-
lhad a , enriquecida ou actll<1 l.i zadu por uma outra i<.lc!u mais apro- A via idealis ta tra7. consigo uma <tVü;âo » do direito aparentem ente
priada. extremament.e banal, p rofund2.mcnt e orientada para a. realidade, Para
O idealismo representa , nm,tas condic.;õ8s, um muito sério obstá- lhe defin ir os limites, limitar-mc··ei n da r as duas características mais
culo e pi~temológc. SerIa "inútil subestüllÜ·l0 . importantes: (} univel'saEsmo a·hl.':.itôrico c o pluralismo de explicações.
Confundindo !1ec csid~ ; de de passa r p ela ab~t r :l cçÊ.o, pelas <ddeÜ1S» Que entender peja fó rmul a, aparentement.e complexa, de u niversa-
portant o, para cÀ-plicar a re~l 1idacle , e C!Yo cie pensar qne as noções lismo a-his tórico? IVIu ito fiimplc:..; rnen tc o efei tn pe lo qual, t ornando-se
de direi to se explicam por outras noções «ideais» (a vontade ou o as «idcias») explicação ele tudo, elas se destacam pouco a pouco do
interesse geral , p or exemplo), encontramo-nos presos na armadilha contexto geográfico e hi.:itórico no qual foram efectivamen te produ-
do idealismo. zidas C constituem um conjunto de noç ões u niversa lmente válidas
Sem dúvida, o id e~lismo mais simp Usta foi afastad o d as insti- (universalismo) , sem intervençã.o de uma história verdadei ra (não
tuições universitárüls: a cadr:ü ra de direito con:-::titl1cional torna·se a h istória). O pensam ento idealista torna-se um fen6rn eno em s i alimen-
(ie direito consti tudo n~ . l e de instituh,ões políticas : a ciência admi·
tando-se da sua própria produç5.o. Os termos tornam-f:c en tão
n is trativa acompanha dorava.nte o direito administrativo , do m esmo «abs!;rHc tos ll, a ponto de deixar em de pertencer â. sociedade que os
mod o que a ciênch criminológIca subst itni. pouco a pouco o antigo produziu mas serem supostcs czprjmir a raz ão pura, a racionalidade
direito penal. A sociologia t omou luv,ar nos programas e as relações universal. As.cjn"l acontece, p or exemplo, com O próp rio termo direito.
internacionais completam felizmente o direito internacional. Mas nada O «direito») definido com.o o conj u nto das regras que cs homens
mudou verdadeiramente. Estas reformas t!""aduzcrn-se mais por adita- deVelTI r espeitar sob a coacção orgnn i'm da da sociedade aparece como
mentos do que p or t ransformações: juntam-se p reocupações novas uma (!ideia}) que p erm it;e d::! r contfl de t.odo o sis te r:na j urídico. Quer
nos espaços livres das antig2s preocupações. O capítulo sobre a regra se trate do sistema de direito :lct nal da soci ed"~. de frnncesa ou das
de direito é m uitas vezes acompanhado por um capitulo sobre as con- regrES unnlisad2s como jurídicas na sociedade esqutmó OH nos abo rí-
dições sociais nas quais apareceu pela primeira vez esta regra, mas genes da Austrália, a nalOl.vra utili zada é 1). mesma. É portant o supo,c:·ta
fi. 'explicação da regra nüo mllc1 ,JU g m[!io r parte das vezes 27. Ela r efle ctir a mesma rcü li dade . Por outr~ s palavras, estas diferente.'; rea-
reenvl.<l para o mesmo céu éI.~s noções ideais, p ara os mesmos pres- lidades _ . as regras n ão têm n em O mesmo eonteüdo nem a mesma
forrna - ~8,O reeond uz!dns. pela m agia da palavra , a uma só denomi-
~I! T a.l é, em dcfiniUv o, a explicação de direito d.ada p or G. BURDEA U. naçfLO: o direito . f: aqu ilo a que eu ChU1TIO o u niversalismo. As socie·
Trai té de 8C'ience politique, 1957, 1. cd., T. L
ft
dc:'l.des hum anas, a própria hum anidade, possui riam um determinado
27 E, aInda, é precIso evitar o optim ismo . A maior parte dos manu<~is número d0. realidad es e m comum : haveria direito em toda a parte,
de introduGão ao di;reito não conhecem história que nfio seja a da f ormação
da regra de dirello em Fra nça (H., L. d J. MAZEAUD, LeçO'll8 ... ) oVo elt.,
seja o que for que digam. Sendo a ideia de dire ito comum a todas
pp. 55 e s eguintes; A. WEIL!.i, Droit cidl , op. cit., pp. 46 e segu intes; J . CAR... estas sociedades, seria correcto ut.ilizar um único termo que pode
BONNI ER, Droit ci1.ril, op. cit., pp. !l9 e segu intes ). Em consequência, os cstudos exprim ir esta identidade da realídade, não obstante as dife renças de
histór.icos ou sociológ icos serão m uito fracos. J. Carbonnier disfarça estes forma qu e afectam esta realid ade.
inconveniente s com «grupos de questões;:) a ceguir a cada capítulo,. multas
vezes interessantes, ao lado dos quaiL'l as «leituras» de J. Mazeaud a precisar Notemos que este universalismo assume nos juristaE, na maior
cada lição p erdem muito do scu valor na óptica que é a nossa , Note·se que parte dos casos, a forma do h um:1nismo. Tomo aq ui hum anismo no
H ., L. et J. Mazeaud inststem na r:.eccssidade de estud a.r a história «cuja seu sen tido mais corrente : o da explicação pela referência ao homem,
importân cia para o jurista nunca será d e m a is sublinhar» (Leçons ... , op. cit., um hom em u niversa l e eterno na su a essência. De facto, como expli-
p. 39) - porquê então tão pouca hist ória n os desenvolvimentos dos ca pitulas
que se seg uem? . car que todas as sociedades conheça m o mesm o fenómeno b aptizado

52 53
de direito? Pela p erm anência do homem em cada uma destas socie- en s inada nas universidades j uridicas :I" m as unicamente a (his tória
d ades , quer dize r , de uma natureza hum an a que, por definição, seria das i11.':;tituições)) que confirma. o postulado de as instituições terem
constituída pelas mesmas necessidades, as me~a s ambições e os a sua história ! No mesmo sentido a «história das ideias políticas) :
mesmos móbeis. Este humanismo u niversalista adopta acentos m ís- o próprio título é rcve!",dor, No seu sentido luais profundo, tudo se
ticos cm dados autores: «Pode o Homem satisfazer-se com qua lq uer passa como se a história fosse o luga.r de urna metamorfose p r ogres-
regra? Apenas pede segurança? Há em si - e não é isto a marca da siva que, desde o inicio da humr.nidno.e a té aos nossos dia s, deE:f.mro-
origem divina? - um sentimento forte qu e desper ta com a sua cons- lasse um fio ininterrupto: o de acontecime ntos que mais não seriam
ciência.: o sentimento d ,) justiça.:!'l . do que a form a de r ealidadeE, de essências, existindo em si, de toda
E ntão, tudo pode ~e r compa rado: os sistemas d e dir eito das dife- n eternidade - é o que pudicamente se cha m a (l OS grandes proble-
['"entes sociedades teria.m em comum o facto de se aplicarem sempre mas»; em qual quer sociedade existe o «problema do poder», o da
a h omens que, para a lém das d ife renc,.:as culturais, não mudam pro- (({amília », o da H cpa rt.ic;ão de riqu ezas), Os exemplos h istóricos mos -
fundam ente. E in t.crc:::sante notar, de p(~ sage m, o europeocentrismo t rar-nas -iam como cada sociedade deu uma forma particular a cada
de qve dão provas os nOS~3 0S jurjsLns. De facto, salvo excepção 29 é um destes prolJlemas. Visão ~ w mesmo tempo t ranquilizante e pe5-
a partir do direito moderno e ocidental qu e são apreciadas as insti- si.mi:-, ta. Tran quil h:ante, por quf: tende mais ou m.8DO S implicitamente
tu ições jurídicas do s outros sistemas . Est e méto do, fixando O di.reito a fu;: c::: crer ql1U o último cst ~;c1 0 eh, .:. instituições jurídIcas {~ um pro-
ocidental moderno corno llorma ele referência, traz consigo, evidente- ;;ressCJ em re! ,:çüo :1() cs L~cli() "Drecl ent~: estamos sobre uma linha
'mente, resultados curiosos: o direito s ocia}j ~ ta tran sforma-se numa ascendente ql1e S(~ Cl13r.: ~ :1 r;.lm'C )~: da. humc:nidade. l\iÁas visão pessi-
carir.ntllra tant.o como os s i:o;temas ditos }).;:jmit ivos. Esta aberração m is ta, nisto de cada sneicd;!de estn.r condei ~ad a rc~o l vc r problemas
deSlTIitSeara aqui a sua natur eza: ao qu erer tomar o homem ocidental eternos, se m pTC ~ O ~ mesmos: não 11ú iluda ele novo sob O sol.
p elo Homem, c O d ireito ocidental p elo Direito, nã o se pode senão Assi m, a pes. ! !" de algumas trnh t.i vas pa rf1 {(sit.ual'l) as questões
re'llizar uma «explicHej:'IQ) onde todas as partkula ridarles são supri- de direi to hi stn)'ie;~m .1 ( ~ n t c ~; , ran~m( ' n t.~ os ,íuristr..s fal am uma lingua-
m ic1ns cm favor da E uropa ocidental. No en'wnto, se os diferentes gem hist:(j]·~;I. /\ rj t t; : !~C indIerc~l ~u . <::)11 ]'üla(;ã.o a i.~s t.a perspectiva
f;;i.'itcwas ~ ; ()cia s são coisa d iversa de va:r in (:6m~ fen omenais sobr.e urxJ. cncont rn 11111:1 ()}:p.l'cs~;fí . o pe clar.)"ófÜCit l ~ )l ! n eloquent.e: num trnhr:lho de
tema es~, ;enci:d , s(: mJt:re si s Hh~;i:'tm n d ü;1::i.nções OlI oposições profun- d.ireito, a h istórül ._. rUz-;,c <<O histó rico da ques tãoi> - Ó sempre rcle-
dns, rüin (~ possÍvc;"l dar aQ WliTeitc))) mesmo lH~ ar e o mesmo valor ° ga dJ par;l il intrnchl(;ão, nest.e nu man ',::; lanrl que precede o tema.
- snlvo ~ ; n se r cchl7:ircm ao.; dHen'm ;as lRuna análise de tal m an cil'c No fundo, a l ~:<·tó!'.i 11;io interc:;sn n~almp. tc o j urist.a, porque uma
geral q ue n erde t.odo o interesse_ 1':, no t'lltnnt o. a isso qlte conduz; óptjcé: ic:(';-I~ :j.; Hn ~i\'r r s:t!ji;J ó ~)re.sm :'le nte cpo::lta a u rna tal reflexão.
a a nrcscnt.aç:1.o idcnli.c;.tn u niversnlls ta rlo ~ jurist.as: ou, p arfl, seT r'lla:!s Este dC.<;COllhc: 'Lt!Cnt.o d:-. hisi órin r5 Ui;) o b ~;t á(;u l o rea l, come veremos
ü reciso, 6 o nue fH.1l1ülI !.c'D<l em as suas : \1) :l li se ~. (tO longo rlf's ti: r'S', l!([0, loi~5 !"Ó l!!11fl u?we:::i nção d8S instttuiqões jurí-
J!: sohl'e t; tcn e no h i~ tórJ.co na verdade sohre a sua l:):L1Sêi1Cü:,:, :i.'eSJJ, d ica;, l~m t';?l~çüO c,c.\m mn ~ teor ia c1:-"1. hist.ória nos pode:da dar as
(l ue Bst.e l.1Jj ver~;ali."!mo mais c1aranw:n tc b::: manifesta. De factn , QU ('.h n( . ·'l~<; de l Fil conheciln';'ntn reFI] . IvI<l::;, ai e~.:t ü. ~ preciso uma t eoria
mesm:1. m !1:nc~i Ta (lHe eTn ~;() tkscnvolve no E)Sní1CO, o ideaJisüw ju ~~ fdtr;D dn l li ~ . ;t.ó T·Ü).
:l.TIvar:lr: oi:.ernv o: () din:rito C:~ UIna c~;sên:l a :idênt"iGa a. f,i ITleema, e.pena::: i\ :::: egu 1v.b r~(n
lb:~qL!ê1C ia du) l:c lmi.\'m','3[·\lisnlO idEalista é ü que eu
[ ls,<:;1.lmlnÚu a:·;lw e'.o,c; tl.ife"i.·onei ad(Y;; ao lon go da história. D8ste modo, :·) l.anl() () pIuralisl"no de (-; :~p1icCl( , :i.Í es. E,ste íen6tn 2no 6 D Jado pedagó-
SCl'Ú po.<: ~ .. íveJ dc.':i (l n rs jn.o:til"k Õ( - ~3 rrllli to afasí;gdas no t.em p o emiW gJco na un iversidnclc 6.0 h beralism o em mak.d a poli t.icü. Post u.la qu.e
sen do «antem:::;sac"iom) (Ie "insUtulr:ões H f !tlp ri ~;, .mi'oca:r ter;temu"c1h::-, à:,=~ '/6rias opi sfw
ou segun do D· linguagem própria. dos
niõc~ pos~Ívf;i,
t ime ({evo ] 1H.: E o>~ p anA. explicü:r Do sit.uação actual. O leUDi' est á. 0 0 l')- '-~ urso , «Vál'ios pOiltos de vista»). Logo
q1H~ , é eviden te, (JS s ituações
"irenc.i do d:,; qUi::: a fami Fa, O cOInércio 011. O Bdado e a ::;UD. ~ld m il1 i s­ ,'";âo reduzidas ao estad.o de idejas, é norn1.al que ~c su.gira a po~si­
t:rl ~ão são :nC'pJ.idades Jl' e~;() nt e , c; cm todas as sociedades qu::: DO suec · h Hidade dc (nn udar dr:! ponto de visL a)). ).!: , ao moclifical'-sc O lugar
det;J. :riO telnpo: que, portanto, o ~ ü; t ~ina ,; Ul'ídíco 8S ('leve l.·'ag,za' d,:) do o bservador, rl'Jodi.i.'iea-se abstractamente a ObSef"i/ação e o.s Deus
1:iXna m::m ei:ul ou c'J.~ OtItra : q1.~e, :iustnnwr.l1;e, a histô:cio. i'.wrJ (o.X)m; "i;) ~G. .» ,'es u.ltad os. As sim, sobre co.da qU8StÕ,O ilnporLantc a propó.'3ii:o d o
H lonta ç~ \i ()I HJúo d ·:o ~ ·::.ni,'.; h) . stI t.H:Íc~õe} Aliás, a hi~ tõ:cia núo 0 ~( '8~ (1 : úH~ntG d i.reii:.o, o leitor ou o auôitor arr isca"se seriamente a encontl'a:t'-Ei8 f/wc
:3. u m leque aberto, lequ e de re spostas à ques tão aind a em :iberto.

·lE H., I , et :J. j,I.t JI....<-::I<::AUD, t:..cuons . .. 7 0lJ, cU ., p. lU.


:;:0 .ii.. p TOpé-.!3itO do direito, elOforço d e u m compa.l'utist& p .tr-a lléo caü' ;11) Abcrdétrem os llO 3." p a rágrafo o problema das rclaçôê5 e n tre os d ifC'·
uente err o : B.. D AVID, Lmr G'U11'18 Sy8 i.~7 ,l es f ~e d1"Oii coníempo,·((.hw, D D. !I o~, 1"l.:nle!; r amos do sab er.
Pa.r[:.;, l ü70. 'l'al com o a pi·opósito d<:l, der ~ i t ;C~o poJ ~ti ca . G, B l\ L AN OIZR, ·01 Pa:-:l umo ten ta liva ,'Cor- J. CARBON N""f E H , Droii ál:ii, op . di"., f' o
Anthropoloyie !>oliNqw:, coI. S u p., p, U, F ., P aris, 19õ'l . 1l1<lnual de J. ELL U L, Fli:,fo irc de ,,; {H8ti fnUoII.s, coI. Thém is, P., U , 71., Par·i·s.

55
Não tenciono recusar abstr actamente esta multiplicidade de respos- 11(,! tra p r oposição epistemológica - a nascida do materialismo histó-
tas : bastar(j, a~sinl a r- l he o carácter enganador. .'ico . Mas a r eflexão teórica de l'.{arx é objecto ta nto de uma apre-
Com efeito, pelo facto de todas as hipóteses serem postas, a ;;(mtação de ta l modo simplificada que é uma caricatura dela, como
maior parte das vezes, em pé de igualdad e, nenhuma de en t re elas de um ({esquecimento)) ainda mais s ignificativo. Tudo se passa como
;;13 esta proposiçv.o rompesse de tal modo eom os hábitos intelectuais ,
apresenta um interesse particular : tornam-se todas equivalentes, como
tantas outras ({Í ~CiélS}) possíveis, pertinentes, críveis. Torna-se mesmo ;:cmão com o interesse, que pratica mente n unca disso se trata _
~ fie~ l, em tais condições, saber exactamente a q ual delas dar prefe-
/\.s provas da insu ficiência do conhecimento da. teoria marxiana do
renela. ~ st. a abundâncja p rej udica, de cer ta f!w.nei ra. :E: que, n esta (Iireito são muito raramente confessadas pelos autores habituais :
abst r~ eçao, totalmente idc<llizada, perde-se d e vista, não só as relações :mais preciosa ainda se revela esta reflexão vinda d e um professor
que hgar:n tal tese com os caracter as sociais e económicos da época. J\t~o marxista: (~É preciso concoIdar com os m arxistas, está· se longe
que a Vll1 nascer - o que seria j á interessante - mas sob retudo a de prestar justiça a 1\1:arx na nossa filosofia do direito. Fa~emos muito
problemática sob re a qual t::ll tese se apoio.. Em suma, estand~ a
barulho à volta deste ou daquele exercicio escolar deb itando sobre o
explicação jurídica completamente abstraída do seu contexto real di.reito as fil osofias na rl1oda, que nunca são mais do que variações
esta, transformada numa pura ideia, aparece como uma r esposta Ul~
do. mesma canti ga; e a forte revolução qne hT.al'x tent ou p rovocar no
pouco gratuita que poderia suportar, se 115,0 a tese inversa, em qual- nosso pensamento jurídico, cem anos depois, contin ua a ser em larga
(),'!cdid a desconhecida ( .. ). E, quando Marx é invocado ( ... ) ele é, o
q:10r caso uma tese diferente. E o sentimento que exper imenta não
50 O profano face às di.'c: u~; s ões dos ju ristê.s, lYlDS também o estu-
l,n ais d as vez,os, objecto de inter pretações simplificantes que fazem
desapa recer o caráct2r in cisivo do seu pensamento)) :1:1. Seria em vão
dante de direito : as disputas ol"<!tórias como as sab ias comparações
entre teorias ri.vais faze m nascer a ideia d e que tu do é ap roximad<-l- qu e nos espantaríamos de ve rificar que u rna teoria que, actualmente,
c.i 11 ideologia oficial de mais de metade dos habitantes do planeta,
men te equivalente. N a unive rs idade, as razões da escol ha estão in ti-
seja assim desconhecida pela ou tra metade - nada h á ai que deva
m a ~ c n te ligadas à escolha do professor: entre todas as hipóteses,
mms vale optil l' por aquel a que o professor indicou como a me lhor. espantar . É que de facto a p roposição epistemológica de lVrarx inver te
Isto vai a té ti necessidade de respeitar escrupulosamen te «o plano do eompletarncnle os termos do p roblema: ela não poderia vir como uma
professof», considerado como o único verdadei r o, j á que no exame ((ideian complementar no leque das possíveis. Ela far ia voar pelos
serti o m ais eficaz. ares este leque, colccando o problema de outra. m aneira, m ajs preci-
:~a me n te , destru indo a rnaneiTa id ealista como ela. é actualmen te
E essa razào por que este pl uralismo se revela rapidamen te ter
a mesma consistência que ê!S perspectivas pin tadas em ilusüo de IOl'mulada. Com preende-se que um t.al desmancha-p razeres não possa
óptica no século XVII: um monumento de p::!pel. E le reduz-se prat.i- i,cr lugar no conterto d os juristas à conquista d e soluções.
camente sem!Jre a uma un idade, m elhor dizendo a uma unicidade Poder-se-ia retorquir que em boa' lógica. não é normal afastar
lV1arx da ciência j urídica dado que ele não é conhecido como au tor
de posiç5.o em consequéncia de uma cquivalênc.:ia abstracta aparente
entre as explicações possíveis. !vlas seria necessário aclarar a fórm ula de direito. Não obstante a sua licenciatura em d ireito , seria um econo·
J'nista. l!: nesta afirmação que me parece r esidir o terceiro obstáculo
e dizer que a equivalência das teses é 111uitas vezes n[lo aparente ,
mas r eal. epistemológico .
O qu e en tender por isto? Muito simplesmente o facto de, na sua
realidade, as diferentes proposições não ser em fun damentalmente
diferentes. Teremos oportunida de de o demonstr8.r mais cm profun- J . A independência da ciência j urídica
didade em desenvolvimentos posteriores :\' . ~ . As posições doutrinais
alin ham -se quase todas que r no positivismo for malista , quer no Para melhor me fazer entender, vou partir de uma rea lidade que
j u sn aturalismo mais cu menos confesso : quer um quer outro forta- Lodos podem constatar: a das dife rentes cadeiras cuj a soma constitui
lecem, afi nal de contas, a. ideologia dominante na nossa sociedade ,) programa do primeiro ano da p a r te gereI de estudos u niversitários
que, por cien tismo, querer ia t ratar os fn ctos jurídicos como coisas <D E.U.G.) integrada na U.E.R. de direito.
<isto quanto ao positivismo) mas que, ao mesmo tem no lhes reco- Hoje em d ia, os conhecimen tos transmitidos por altura deste pri-
nhece a marca do Homem c da Razão (isto quanto ao j usn~ tur a li s mo)_ I !leiro ano encontr am -se r epartidos por, vár ios domínios:'I1: do direito ,

Ora, epi stcm ol gic~ lInet c, estas d uas proposições não são con traditó-
rias, como veremos mais tar de. Haveria, no entanto, pelo m enos uma ~3 M . V I LLE Y, «Un ouvrage récent sur Ma rx et le drolb, A rc hi-v es de
/lhiTosophie du. droi-t, 1962. pp. 329 e sego
H T omo o exemp lo da universida de onde cxe.rço actualm ente (Out ubro
~ Cfl'. p arte III sobre as ideologias ju r ídicas de HJ76 ) que está longe de con stituir um caso o rig Inal o u Isolado.

56 57
claro (~ir e 'ito, ~i.v1, direito constitucional e direito internacional), da mas jur ídicos um conhecimento positivo. D e fint i va m ~nt e , a ciência
economla polItlca e da h istória, O vo lume horário destinado a cada j urídica conheceu uma evolução análoga à d as outras ciências: a física
uma destas disciplinas é rigorosam ente idêntico: todas as cadeiras n asceu sobl'e as ruinas de discussões m et:::,fisicas, t al como a astro-
são anu ais, q uer dizer, dão lugar .90 m esmo núme ro de horas, E s tas nomia dos escom bros da as t rologia . A medicina não pôde desenvol-
matéri-:s r ap~ct m ent e aparecem p ois' Como equivalentes, ainda q ue ver -se senão q uando suficien tem ente liberta dé!.s jnte rdiçõe!! r eligiosas
bem d lfcr encladas pe la clivagem q ue se estabelece en tre as matérias e de um a concepçã.o n ão experimen tal d a arte d e cura r, Sabe-se igual-
jurídicas e as que o n 5.o são (his tó r ia e economia ), às qmüs d epressa mente q ue n a sua origem as matemáticas es tiveram intimamente
se conf ere o carácter de «cultura geralll. Finalmente, institui-se entre li r.radas à mística do alr,mrismo c a religiõ es mais ou m enos secretas.
estes dois blocos um a espécie de ;,l atu quo pacífico: cada uma d estas l-.i;da pois d e mais n o~mal: o espírito cientifico conql.lbta pouco a
discipli nas destina-se a e leva.r o nível c a qualidade dos conhecimentos pouco aos obscu rantismos met afísicos novos ca m pos,
dos estudnn l.es, m as de fo rma separ ada, e con tinua a entender'se que, Se está fora de d iscu ssão que u conheci m en to do dir eito conse-
d~! ~ lIa~q u e i' m udo, a. boa Jormaçüo d o um j urista. requer a sua espe- guiu separar-se da teologia c d a m etafísica, é e m con tr apa r t ida mais
l:lahzaçao e, po rt<mto, o abandono progr essivo das matérias de «cul- discut.ível que a forma sob a qual a ciüncia j u rídica actual s e cons-
tura ge ral)) --, o que é Juito à. medida q ue Ii C pro gr.ic1e no decurso dos tituiu seja a ú n'lca possivel c sobretudo seja ve rdadeil'amentç cien-
anos da licenciatura. Afinal de con b..s, ,se núo estou m uito documen- tífica. Não bas t a defi nir-se pela negativa, é n ecessúrio ainda validar
tado .sobru as instituições jur ídicas da monarquia abs o lu ta ou sobre uma. definição positiva, Ora, neste ponto, nem tudo é tüo simples.
a lei da ofert.a e ela procl1ra, qu e im portá ncia tem if;SO p ar a um Na verdade, d cmons trci-o m ais atrás, a ciência jurídica. nballdonou
ju r ~ sta ? P01' oa tras pala vras, a r epar t i,:üü entre as m atérias do pri- as d ig-Tl;;;:'>õc'.; nwtafí sicas, pf!10 menos aparentemente, par a se entregar
melr O ano depres!m se nnü1isa como urna r eparLi,(Jão, lI~sta é, aliás, üs Ct l' t':':7 ;1;,; exteriores de um positivismo de:;cl'it ivo. Nunca. uma des-
largamente aJ udada l')(;l.a indcpel1t16nc'ia das «c[tck'iras» no ensino criçüo .'mu;,;ti1.uiu urna ( ': x p1ic~l( >~rlO. A fo rrrw" porta nto, como se dá hoje
.superior francês e o incli vidufllismo profundo do s c.':: tuclos 0 do s en si- a ciência do c1ir eiCo estü lOllg-e de se r satisfatória. É ü 1m:: das suas
namentos -- . ter ei ocasião d e voltar a isso. relações com ou tros aspectos do cunhecimento da vida social que
A cienc:ia do dir eito enl:on t ra-sc legitimad a, como apar en tem ente eu queda. rnostraJ' ein que é qu e a.q ui se encon tra UIll obstáculo ep is-
todas as o u l. ras eiências , na s ua üldepe nclên cia, e ar!!,"1lrnen tos p odem "i:.f.JD101ôg:ico.
r.'er da d os Jln.ra .i u stificar esta pxlo .~: ú() do s:111(;1". Mesmo quando são .A ciênda juridica ntl'Ibul-se um objedo: o estudo das regras de
Dn?pos tos c:orrcctivo.:;, o }JI'oblema de fund o pClTl1anel:e sempre o da direito entendidas d e tal rna dn ~ que COJ1 ~tiu e1 um domínio perfei-
umdadl; rIo conhecimento em (\ciôneias sociais)), F, d a impOSSibili dade Lament.e distinto e perfeitamente i,~ :. o1:í . vel ele todo s os outro;; fenó-
i,eür ica, t.ào sentida como aJi.mentacla, d( ~s ta unidade que constitui u m ine O ~j s ociais. Dito d e o u tra m n.nGi ra, o conhccim:::nto do d ireito
obs tticulo ü definiçüo dr! u ma ciênc:iu j uríd ica autên tica . imp]icéb U I r.\ estu do nprolv.ndado das r egras jurídicas, do seu funcio -
S ublin hemos cm. ))l'il.l1dr o lu gar os s inais m ais I!v.id entcs e mai5 n a ment.o, à . ~ s ua lógica, seUl que, paTa t.aJ, seja imperativo con hecer
convincen tes ela llC'cessidac{ e desta indcp e)1cWnc:la. Basta recordar J.' (;ub.l1tmLe "I...'; eoncli('.ões da pro duçüo económkn, relações : ~oci:üs OH
«H llü;[;(n-IH» chI. c iência jU.I.",í.clic,)., ta l qual é eOnJ.unlmente da da . A refI e- re l a~ : üc~j p oJi;c ;:~ s. Tenho comseiênda d8 t ud o o que est<:l, afirmac;f,o
);Úo sob:re o dir~ ito (~ «no pr'i.ncípio» desta hIstória imiermr ável de 11ma -n0:5sa ter de abrupto - peço slmplesro cm.tc: que eHt seja comp J.'e ncJ.i cl.~\
:;:el1eJ:ão .111etai'ísica : f~s l a as~ ·mn e a. fonna da t(;!o l og i ~, depois a' da. . ~o seu ·. .· e : q .la l. :h~t l' o sen t id o. Núü pode sel- compreendida COJl10 um.
:Lilosotia. N:Iu é senão t.:-Ir diamcnte (JUC, s egundo a te l'minoJ ogia (!on.~ l:aZioacto ana crónico ,~m d efesa. de cnciclopcdisli"lO: é evidente q UE>
sagnl..da., a. c;iência j erídica cOD.qu Lsta a Sl.1.H. independência I"Blativa- hoje em db, ]l,in gl/:!m potle Sf-J:f ao mesm o t ,::'111)10 jur i.s ta, econo-
ln.en.te a esta confu.s fw ini cü:l. N o fundo, toda a história dfl SV·l'Q'i. rnis La , h :isl:orladol' E;, Das .h orrw ' \-'a~ ·as, môs o[o. Tx::ti:a,se de saber
(nento de uma ciência, jUl'idiea. êtpal'cc.;e c.orn o a pro gressiva se ~ r;~'o o que é eXélct ::!JJl8:i1te mu conheejr.nento real do direito: n em m,üs,
de ouLtas ordens de pen~;am ento. Tsso nüo S(~ re~\ li zo u , ali~ sem
,s , fler') me no~; . Ora, 8, es te respeito, é pl'eciso r ecusar <1 t entativa ('~e
diü cv.lcladc. Disso a i nda subs istem, hoje em dia, traços não .m enorcs ilJClhol'B.J: um eonheeünento puramente tecno lógico do direito, t:o[D. b i~
:mas, n o conjunto._ a ci0!lcia j urídke r.onscguiu libertar.-se das suas TW.I1do·o com out ras dLiciplina:; consideradas COTI'O COm plen.D t a ~ :,~;j>
antigas t.utelas_ E , ele fllt:to, pela separação defin itivamen t e ID.t:fOdu.. a h i.stór ía, a sociologia e a.inc1a outr as, IIf.Ia.s ncrn por l::;so se Ufa o
l5da n o século XIX entr e 11m peusa.r:ncnto filosófico e uma investi- direito do seu isolamento, Estes di.ve:n;os esforços con hecl"a n~ , Gspe-
gaç3,o positiva, 0.'3 .rnétodos , da m es:m a m aneira que a perspectiva, c!.almcmte d esde 18G8, uma vogD. tanto rUDjor quanto, por vez es~ ',m.e:nos
fo:!.:arCl rcD.~ va dos ; p rog'r8ss0S r..: onsicleráveis foram r ealizados, Enquanto Xundada., e a que se deu um cstandnrte: :J inte:!.'disciplinal'idade. :Est a
oU"Gl'ora na:) se t.rRi;~ wa se.dão d.e detenn io ar o justo, hOje em d ia descompart.ilnentação que pCl'mnneceu, aliii.s, puramente lU1.iversitá:fia,
,ser l.R pass iveI uHrapassal' este t ip o de inte;crogação e d ar dos siste- não ofe receu verdad.eiram ente bases ncvas. Se nos referi rmos à pní.-

58 59
tica das U.E.R. jurídicas, ela não trans formou, salvo raras excepções , menta do saber, uma d ispersão dos conhecinlentos enquanto parcelas
o es tudo e o ensino em direito ar.. Contentou-se em multiplicar alguns independentes. As instituições unive rs itárias n ão criam esta divisão
cursos considerados como conhecimentos de apoio, quan do não se do saber: exprimem"na e, ao mesmo tempo, reproduzem-na. Esta é-lhes
satisfez com uma simples modificação do nome da cadeira.. Nestas muito «anterior)), como teremos ocasião de aprender.
condições, e apesar das aparências, a ciência jurídica continua. entre- Assim pois, a interdisciplinaridade não pode fornecer resposta à
gue ao seu esplêndido isolamento. Os manuais põem evidentemente nossa busca de uma ciência do direito que não seja outra coisa que
a quest.ão das relações da ciência jurídica com as outras ciênelas - não uma descrição das técnicas juridicas. É preciso procurar para
em primeiro lugar as ciências morais, eventualmente a economia polí- lá da. p1uridiscipllnal'idrrde; n a direcção daquilo que eu chamarei
tica. Em geral, as preocupações giram quase inteiramente à volta das transdtsciplínaridade, quer d.izer, a ultrapm,sagem das fronteiras
vantagens que o j urista t iraria de «ter cOllheeimentos)) noutras dis- actuais das disciplina:...:. Esta ultrapa!:sagem não significa que não
Ciplinas ::1:. Esta concepção egocêntrica do jurista fortalece pois O seu existam objectos científicos legitimando investigações autónomas, mas
isolamento. estes nào têm exi:5iêncja Eenão num campu científico único que cha-
Noutros casos, a discussão descamba ii volta dos problemas prá- maremos, na esteira de alguns, (tO continente história» :~". Esta ima"
ticos de uma «boa legislação»). «O jurista farEi. obra vã, se as regras gem espacial qUGr simplesmente significar que se trata, após a mate-
que fonnula ou aplica es tão cm contradição com os dados da econo- mútica e a física terem ~ido definidas no seu objecto e nos seus
mia política :1,». «As indicações da ciência económica são-lhes (aos métodos, de dar vida a um outro «continente) cient.ífico, que teria
j uristas ) tão necess,Ü'ias como as ela his tória e da sociologia :UI }). por obj ec to u estudo d:),s sociedades e suas t]'ansformal,;ões ao longo
A perspectiva contin ua pois a ser profundamenle ({isolacionista». da histô ria. Como c evidente, nrna tal proposição requer uma clara
Muito haveria a. dizer sob re este tema, se o quiséssemos ap ro- e sólida «teoria. d a. histórim) sobre a qual nos explicaremos mais à
fun dar: os mesmos cu rsos professados em universidades próximas fren te.
mas opostas (sendo uma consagTada às letras, outra ao direito) a Se ela for possível, permitir-nas-ia então precisar, entre todas as
ausência de relaqôes (ele trabalh o) entre universitários cujas discipli- modalidades da ol'gani7.Gll,;ão c do fUl1ciom:n nento da vida. social,
nas são próximas ou, por VC?;CS , idênticas, as surdas hostilidades «o sector jurídico». Este, longe de existir em si e para si, não teria
entre univcr:-:idades feitas de tanta incompl'eensflO quanta animosidade, existência. .senüo em relação a esta vista de conjunto, e esta afir-
c m uitas outras. Mas nfw tenho de fazer aqui o processo da univer- mação não tem nada a ver com as petições de principic, da maior
sidade: eu queria só mostrar um obst..'iculo epistemológico. Este parte dos cursos ou manuais de introd ução ao direito que ~e colocam
encont ra-se todo inLciro, expresso e manlido pelas estruturas uni ver- o problema dos limites do mundo do direito. J!; um pedaço de bri-
sitária.s actuais, na concepção de que é desejável uma anãJise isolada lhantismo destas introduções - e de aborrecinlcnto para os alunos-
do d ireito , acompanhada, é certo, por alguns conhecimen tos perifé- tentar dbtingu ir o direito da moral, O dire ito da economia, enten-
ricos dados por ou t ras disciplinas. :8 esta lógica «do centro e da didas, em princípio, como objectos independentes. Então. encontram-se
periferia» que me parece viciosa. O erro reside no facto de tal pers- semelhanças c diferenças; fala-se de círculos concêntricos (o direito
pectiva estar necessariamente ligada a uma compreensão tecnológica mais estreito do que a moral) ou circulas secantes (uma parte comum
do direito e, portanto, a lima definição empirico-descritiva da ciência ao direito e à moral) - para concltür freQuentemente de maneira
juridica . Expliquei-me suficientemente sobre esta definição que cons- hesitante sobre a impo~sbldae de uma distinção rigorosa em nome
titUÍ a m atéria dos obsü~cul epistemológicos procedentes. Constato da pl uridisciplina ridade! E este tipo de hesitação teó rica que me
simplesmente que essas dificuldades são confirmadas por um parcela- parece grave e que uma reflexão séria deveria totalmente pôr em
causa. Mas é porq ue está muito espalhado e parece ligado a dificul-
'ii Quanto à l'up lUl'a ins titucio nal, conservou mail; ou menos a autonomia dades resultantes da (matureza das coisas» , que ele constitui um
das antigas facu ldadcl'I de d ir eito, cu jo nome foi r\!aparccendo pouco a. pouco, verdadeiro obstáculo epistemológico. Afinal, é evidente que aparente-
sinal da. persistênciLl. dos lugares que a lei de 1861; acred itara abolir.
:,,, A. WEILL, DroH civil, oj). dt .,. p. 39. mente o direito, a economia, a sociologia, a história são, não obstante
'(, Ibid., p. 29.
:I~ H., L. e J. MAZEAUD. DeçOil.8 ... , OV. cit.) p. 10. O estudante apr e·
ciara a maneira como os Renhor cs Mazcaud falam das relações entre c16ncia 39 L. ALTHU SSF:R, Lénine et la Phil08ophie, seguido de Marx et Lénine
jur1dlca e cü~nia económica. Não se trata praticamente senão de querelas d61)unt Hegel , Petite coUeetion Ma..spero, P ari.s, 19'72, p. 52: « T s~e .3. M a ~An f u~­
entre professores das fac uldades d e direito c de ciência económica (~alguns dou u ma eién<eia nova: a c!ência da h i:.'3t6ria das formações SOC IaiS ou Clencm
f'cono m istas r ecusam qualquer r ela.çã,o entre tlS d uas d isciplinas e insurgem·se da h istórja ( . .. ). A d isthncia. pode agor a considoraT-.!':e que a hi s tória d as ciên-
contra o facto de serem uma e ou tra ensiad ~ n a m esma fa culàa d e » ) o u d e cia,<; faz a p arecer a exl[-llência ( ... ) de g r a ndes COD tin.entes c ~i ~tífi cos. 1. Con·
a rs:umentos m oralista s ( <<a lg uns receiam que o esplrito d a economia, ciência ti nente matemáti ca (aberto pelos Gregos); 2, Comtmente ftSlca (aberto pOI."
das r iquezas, penet r e a lei »), ibid., pp. 40·41. Galileu); 3 . Marx abriu o terceir o grande continente: o contin ent e hi st órta»~

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as incertezas das front eiras, dom ínios bem marcados , b em diferen- II - A CONST RUÇÃO DO O BJECTO DA CIÊNCIA
t es -H; basta ver ns reacções d os estudantes a ssim que um j urista se
põe a fazer economia ou que um h istor iado r abo rda problem as jurí- JURÍDICA: A INSTÃNCIA JUR íD ICA
dicos : infr inge-se uma divisão das discipli nas q ue pa rece im p or-se
pe la si mples lógica.
A este respeito, a situ ação é idêntica en1 todas as or dens de
ensino, como se a divi são do saber fosse coisa <maturaI». O d ireito
é o direito, a econ om ia é a econom ia. E is ao que chegam, para lá
das justificações m ais rebu scadas, os nossos in te rlocutores. P ode-se
m ostrar os fac tores econ ómicos da elaboração do d ireito e as con-
dições económicas da s u a aplicação; poder-se·ia, inversamente, desen-
volver o tema das condições jurídicas da vida econ ómica. Mas todos
est es projectos não mOditicam o essencial.
Ora o que eu m e p roponho mostrar é que direito e economia,
mas t arnbem polít'ica e soci o l ogia, p er tencem a um meS'JnO {( canU·
nente», est,ão dependentes da Tn es ma teoria, a cZa história. li: que
direito e economia pOdClTl ser rep ortados ao m esmo sistema de r efe·
rên CÍas científicas. Para admitir esta nova perspectivil é necessário
ab an dona r o m ito da divisão n atura.l do sab er . E ste mito não é de
p apel : é um obstáculo, n a m ed ida em que é preciso forç:á-lo, a fi m
de se conseguir obter os meios de t raçar u m caminho científico . E is-nos no limia r da. construção da ciênda j uridica. Como se vê,
lião partimos do nada_ Temos a apoiar-n os todos os esforços ant erio-
res cuj a c rítica. pode agora fornece r as bases da invest igação.
Resum amos as conclusões às quais chegámos agora. Pa ra desen · O que fu ndamentalm ente falta aos juristas desejosos de desen-
volver u m estu do cien tífico d o dir eito, temos de fo rçar três obstá- volver a ciên cia juridica é distinguir bem objecto d e ciência e objecto
culos t anto mais sólidos quanto mais (matu rais» pa recem : a aparent e real. E sta dis tinção, ha bitua.l nos cien tistas, dor avan te eviden te p a ra.
tran sparência d o objecto de estud o, o idealismo tr ad icional da análise os sociólogos, não infl uenciou ainda praticam en te nenhuma investi-
jurídica, a convicçào, fi nalm ent e, de que uma ciência não adquire o .!!,ação po r par te dos juristas *: vimo-lo, en con tra·se larga m en te espa"
seu es tatuto senão isolando-se de to dos os outr os es tudos 11 . O reco- lhada a con vicção de que o direito como sistema visível de regras de
n hecimento des tas dificuldades conduz-nos desde logo a afirmar que com po r tamen to é idên tico ao objecto da ciência j urídica. É ju sta-
temos de constr uir O obj ec to do nos~ estudo ,- e não deixarmo-nos alen te o que é preciso pôr em causa.
impor a image m que ü sistema jurídico veicula consigo - , su bverter Para ficarmos convencidos, voltemos um instantc as p ráticas nos
totalmente a perspec tiva idealista c fraccionada do saber que domina outros «con tj nentes» científicos e, para que n ão haja nenhuma con-
actu almente. Como facilmente se pode const atar, a revelação dest es (, estação, tom emos um exemplo nas ciências ditas exactas, um out ro
obstácul os, quer dizer, a denúncia dos erros que e les fazc m p esar Ilas ciên cias ditas sociais.
sob re a d efjnlção e o desenvolvimento de um pensam ento científico, Teríam os u ma b em falsa ideia da ciên cia física se pensássemos
não reveste o carácter grat uito de uma simples «c rítica» negativa: flu e o objecto desta ciência se identifica com os fenó m en os naturais
leva-nos positiva mente a constitu ir de outra m aneira a ciência do da. matéria. Tudo se p asEa, na verdade, de outra man eira: o físico
d ireito . A critica rad ical d esta «ciência )) abre-nos a via de novas hipó- não regista de m odo ind ife rente e passivo acontecimentos que afectem
teses cien tíficas. :1 m at é ria; p elo con tr á rio, ele define previa m ente o fenóm eno que
q ne r estuda r , e este fac to físico, «const r uído )) teoricamente, não tem
f requen temente senão pouco á e comum com o que a expe riência
40 Todo o s istema escolar, não só universitário, está assente nest a evi- JJ05 «m ostra ria».
dén cla.
H Apes..1..r das sua s i m en sas qualid ades, o def eito da obr a de :M:; H .
Dowidar é o de deixa r acredi t ar n esla independência a propósito da economia
p oliti ca. Cir. M. H. DOWIDAR , L 'E cunomic politiquo, une scicnce soc1a l e ~ ... Sobre esta distinção, L. ALTHUSSER , L i-re Le Vapítal, P etltc Coll ec-
Masp ero, Pari.':!, 1974, desig nadam ent e a se(;ção 2 sobr e a def inIção d e cIência IJnn Maspero , Paris, t . I, p . 38 e seguintes ; B OUR DI E U, C""HAMBOR:f:D ON ,
(p. 30) e mai.s especialmen te a ciên cia econ ómica ( P t 38)" j 'ASSERUN , L e Métier d e sociologue, Mouton, Paris, 1973,

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