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O LIVRE ARBÍTRIO – SANTO AGOSTINHO - LIVRO III

Por: Rafael Junio Mendes Moreira

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A OBRA


• Agostinho escreve O Livre Arbítrio, assim como outras obras, com o intuito de
defender-se do maniqueísmo e alertar seus amigos.
• O Livre Arbítrio começou a ser escrito em 388 e só terminou entre 394 e 395.
Prova desta data são exemplares dos três livros da obra enviados a um amigo
chamado Paulino em 396.
• A obra é construída em forma de Diálogo trazendo os relatos das conversas de
Agostinho e Evódio.
• Evódio foi amigo de Agostinho, permaneceu com ele em Roma após a morte de
sua mãe Mônica, sendo ordenado bispo de Upsala em 396.
• Ter em vista sempre que Agostinho tem como pressuposto a fé como elemento
por onde deve ser ordenada a razão, isso significa que Agostinho parte do
princípio que a fé deve iluminar e ordenar a razão humana.
• A obra trata do problema da liberdade humana e a origem do mal moral.
• Em sua busca Agostinho vai concluir que o mal não podia ter lugar entre os seres,
nem prejudicar a excelência da obra divina e nem impedir o homem que o quisesse
de encontrar em Deus a paz e a felicidade.
• Ele busca explicar pela razão a origem do pecado e seu papel na obra de Deus.
• A Conclusão que ele chega é que a origem do mal moral, o pecado, reside no
abuso da liberdade, que em sua essência é um bem.

O LIVRO III – LOUVOR A DEUS PELA ORDEM UNIVERSAL, DA QUAL O


LIVRE-ARBÍTRIO É UM ELEMENTO POSITIVO, AINDA QUE SUJEITO AO
PECADO
O livro III é um complemento dos anteriores com esclarecimentos acerca deles. Ele trata
da relação entre a providência de Deus diante da liberdade dos seres criados. Descreve a
vontade alocando-a como um elemento da ordem universal. Agostinho vai apontar neste
livro que o pecado é independente da presciência divina e o fato de a presciência divina
existir não implica que o pecado seja necessário à ordem. Por isso o próprio título inicia
dizendo – Louvor a Deus pela ordem universal.

INTRODUÇÃO
Capítulo 1 – O movimento culpável da vontade que se afasta de Deus vem do livre-
arbítrio
Agostinho e Evódio debatem sobre a origem do movimento na alma pelo qual a vontade
se afasta dos bens imutáveis e eternos e se inclina para os bens mutáveis. Evódio ao
considerar este movimento como algo mal e condenável percebe que a vontade quando
se inclina para os bens mutáveis e inferiores não faz isso de forma necessária e natural,
ou seja, não é próprio da natureza da vontade esta inclinação pois se fosse ela não seria
um mal e não seria culpável.
Agostinho retoma o que havia já compreendido anteriormente de que “nada pode sujeitar
o espírito à paixão, a não ser a vontade.” (Agostinho, pág. 149). Apontando que seja
próprio da vontade esse movimento de afastar-se do criador e se voltar as criaturas. Esse
movimento “Não é natural, mas voluntário”. Importante usar o exemplo da pedra e da
alma.

PRIMEIRA PARTE – CONCILIAÇÃO ENTRE O PECADO E A PRESCIÊNCIA


DE DEUS
Capítulo 2 – Objeção: não acontece necessariamente o que Deus prevê?
Évodio questiona a relação entre a presciência de Deus e a possível ação de pecar como
algo necessário, ou seja presciência e necessidade se implicariam mutuamente. “Já que
previa seu pecado como futuro, afirmo que isso devia necessariamente realizar-se.”
(agostinho, pág.152). Ele aponta que se a vontade é livre (como já havia sido entendido)
não poderia existir uma necessidade inevitável. “Como pode ser que, pelo fato de Deus
conhecer antecipadamente todas as coisas do futuro, não venhamos nós a pecar, sem que
isso seja necessariamente?” (Agostinho, pág.152).
Capítulo 3 – A presciência divina, longe de destruir o ato livre, exige a sua existência
Agostinho explica que entender que a presciência divina e o pecado por livre vontade
como coisas necessárias é contradição e repugnância pois são antagônicos. Conceber que
presciência divina e necessidade de pecar implicaria ou negar a presciência divina ou
admitir que pecamos por necessidade e não por livre vontade.
Agostinho explica a Evódio que essa relação de presciência não implica que o que Deus
prevê deva necessariamente acontecer usando os seguintes argumentos:
1. Deus conhece a vontade de todas as criaturas e a presciência das ações futuras das
criaturas e das próprias dele. Mas se Deus sabe o que ele mesmo fará ele mesmo
age por necessidade e não por livre vontade. (Quase que por programação -um
robô). Se ele não tivesse essa presciência de suas mesmas ações não atuaria sobre
as criaturas.
2. Pelo exemplo da felicidade Agostinho mostra que a presciência de Deus não
implica necessidade – A felicidade deve realizar-se em mim. Se a vontade de Deus
e sua presciência determinou que eu me tornasse feliz daqui a um ano então eu
seria feliz por necessidade e contra a minha vontade, mas Deus não me obriga a
tornar-me feliz. Evódio disse que se pudesse ter o poder de ser feliz seria desde
agora! Ora isso já manifesta que fazemos o que queremos quando queremos!
Portanto é de forma voluntária e não por necessidade! Pois “Nada se encontra tão
plenamente em nosso poder quanto a própria vontade. “Ainda que Deus preveja a
nossa vontade futura, não se segue que não queiramos algo sem vontade livre.”
(Agostinho, 1995, pág 157).
A vontade que Deus previu é precisamente a vontade Livre! Esta vontade Agostinho
define como aquela faculdade que proporciona o próprio querer como afirma: “ Quando
queremos, se a própria vontade nos faltasse, evidentemente não o quereríamos.”
(Agostinho, 1995, pág. 158).
Por fim Agostinho delimita que o objeto da Presciência divina é a nossa vontade, e é ela
que se realizará. Deus portanto previu o ato livre de nossa vontade e igualmente previu o
poder que detemos sobre este ato, pois se não tivéssemos esse poder de querer e de agir
nosso ato não seria livre.
Capítulo 4 – Obscuridade da relação entre presciência divina e liberdade humana
Evódio ainda buscando entender a relação entre presciência divina e nossa liberdade de
pecar introduz o elemento da justiça. Se Deus é justo em virtude de que ele castiga os
pecados uma vez que se Deus previu, eles irão acontecer. Agostinho responde que prever
não significa forçar. Há uma separação entre o conceito de presciência. A presciência diz
de previsão do que irá acontecer e sendo de Deus ou não se é presciência ela sempre dirá
de algo que vai acontecer (“não é porque a presciência é de Deus, mas somente porque
há uma presciência” Pág. 160). Em suma, o ato de pecar parte de quem peca e não da
presciência. A presciência de Deus não é o fator que leva ou faz alguém pecar, se trata
apenas de previsão da vontade e do ato livre do qual o pecador goza em pleno poder como
evidenciado anteriormente) – “Não há contradição por tua presciência e o que o outro
realizará por sua própria vontade.” (Agostinho, pág. 160).
Agostinho ainda explica que a justiça com que Deus pune os pecados consiste justamente
no fato de que ele prevê tudo de que ele é autor, porém sem ser o autor de tudo o que
prevê, ou seja, Deus sabe dos pecados que serão cometidos, mas não é ele quem os comete
e nisso se concentra a justiça da punição dos pecados.
SEGUNDA PARTE – RELAÇÕES ENTRE O PECADO E A PROVIDÊNCIA
DIVINA
Capítulo 5 – Louvemos a Deus por todas as obras criadas – as superiores como as
inferiores
Agostinho explica ser justo louvar a Deus por sua bondade, mesmo ele tendo nos criado
entre os seres que são inferiores de alguma forma. Ele mostra que Deus mantém tudo em
uma ordem estabelecida e que cada criatura no seu grau da ordem estabelecida mantém a
sua dignidade pois Deus é autor do bem e tudo que criou é bom. Ele ressalta que “até a
parte mais árida e estéril da terra se passa por graus tão bem dispostos que não ousarias
em dizer que nenhuma dessas partes é má, a não ser comparada a outra melhor”
(Agostinho, 1995, pág. 164).
N. 14 - Agostinho explica de forma lúcida que Deus criou o homem com possiblidade de
pecar (o livre arbítrio) mas não o forçou a pecar. Ao criar o homem assim Deus deu a ele
o pleno poder de pecar ou não, caso queira. Por isso a vontade, e o homem, mesmo
pecadores continuam sendo um bem. Segundo Agostinho, 1995 pág. 166 “a criatura
pecadora possui o lugar que lhe compete pelo princípio da ordem”. Trata-se da ordem da
criação que estabelece cada criatura no seu patamar e cada uma delas continua sendo um
bem. Exemplo do cavalo e a pedra: Um cavalo que se extravia é melhor do que uma
pedra que nunca pode sair por si mesma do lugar por que não tem movimento. Desta
mesma forma uma criatura que peca por vontade livre é melhor do que outra que não
pode pecar por que não tem vontade livre. Isso se justifica porque é pela mesma vontade
livre que a criatura se dirige a Deus, o que a que não tem vontade livre não pode fazer
porque ocupa um lugar inferior na ordem da criação e tem um grau de perfeição dentro
desta ordem.
N 17. Neste capítulo Agostinho também informa o modo da razão e do interesse pessoal
de operar, o que dificulta compreender com maior clareza a perfeição contida a partir da
ordem da criação: “A razão aprecia segundo a luz da verdade e assim subordina as coisas
inferiores às superiores, conforme um julgamento correto. O interesse pessoal inclina-se
mais frequentemente a julgar conforme a vantagem que lhe proporcionam as coisas, a
ponto de fazer maior caso de coisas que a razão demonstra serem de menor valor.”
(Agostinho, 1995, pág. 168).
Capítulo 6 – Não atribuir a Deus a causa do pecado
Agostinho ressalta que não se pode atribuir a Deus o que acontece com suas criaturas de
forma necessária pois a vontade livre do pecador sempre é intacta.
Contra a objeção do desejo da própria morte Agostinho explica que alguém que deseja
morrer só deseja isso em vista de ele próprio existir, o que leva a concluir que o desejo é
na verdade de viver.
Capítulo 7 – A existência é amada porque vem do sumo Ser
Agostinho explica que ninguém deseja ser infeliz e existindo, mesmo infeliz é preferível
ainda existir do que não existir em absoluto, pois a existência em si mesmo é boa (pois
comporta a maior possibilidade de ser feliz, além de ser um bem criado por Deus). Ele
explica que a infelicidade consiste em afastamento do Ser Supremo. Neste sentido só
preferiria o não-ser na medida em que se perdesse de vista esse sumo Ser.
Agostinho faz uma relação entre o querer-ser, a felicidade e o ser supremo. Ele afirma
que quanto mais quiser ser mais aproxima-te daquele que existe acima de tudo e neste
processo de amar a existência surge o desejo da vida eterna que impulsiona uma
transformação fazendo com que as disposições deixem de se voltar às coisas efêmeras e
temporais pois elas são nada antes de existirem, ao existirem passam e voltam ao nada,
para se voltarem e se firmarem no amor ao Ser supremo que é permanente, que é a fonte
do Ser.
Capítulo 8 – Nem mesmo aqueles que se suicidam preferem o não-ser
Agostinho explica que não é possível eleger uma preferência entre não existir e ser infeliz,
uma vez que preferir implica escolher. O não-ser não é uma coisa, mas um simples nada,
portanto não é uma escolha possível, pois ao supostamente optar pelo não-ser não há nada
a ser escolhido. Agostinho explica que ao fazer uma boa escolha o objeto desejado, uma
vez obtido, deve tornar melhor aquele que o escolheu, e isso não pode acontecer com o
“nada” pois ele nunca será o melhor.
Com maestria Agostinho explica o funcionamento primordial da razão e a relação do
sentimento com o processo de escolha apontando que “o parecer racional reside no erro
ou na verdade, obtidos por via do raciocínio ou da fé, em testemunhos dados” (Agostinho,
1995, pág. 175). Em oposição ele mostra que “o sentimento tira seu valor da própria
natureza ou do hábito” (Agostinho, 1995, pág. 175), o que ocasiona conflito entre o
parecer lógico da razão e o sentimento. Pode ocorrer que o sentimento provenha do erro
(exemplo do doente e a água fria) e, no entanto, pareça ser mais verdadeiro do que o juízo
racional, assim como há casos em que o parecer da razão seja mais verdadeiro em relação
ao sentimento, e igualmente pode ocorrer que os dois possam ser igualmente verdadeiros.
Desta maneira Agostinho conclui com clareza que aquele que comete suicídio crendo que
não mias existirá, é levado por tristezas profundas que fazem com que surjam no parecer
uma crença errônea de que desta maneira será levado a uma tranquilidade, mas no puro
nada não pode haver tranquilidade. Desta forma ele define que “todo desejo daquele que
quer morrer é dirigido, não para cessar de existir pela morte, mas para encontrar a
tranquilidade.” (Agostinho, 1995, pág. 175)
Capítulo 9 – É indevido censurar a Deus pela criação de seres menos perfeitos
Agostinho explica que há uma excelência na ordem da criação determinada por Deus.
Segundo ele “a ordem hierárquica das criaturas desde a mais elevada até a mais ínfima
decorre em graus bem proporcionados.” (Agostinho 1995, pág. 177). Através do exemplo
da luminosidade da lua e de uma candeia ele mostra que cada ser criado segundo sua
ordem e sua hierarquia merece louvor e comporta em si uma dignidade que proporciona
equilíbrio na própria ordem da criação.
Neste capítulo Agostinho também trata do pecado na ordem da criação mostrando que ele
em nada perturba a ordem do universo. Ele explica que “não são os pecados mesmos,
nem as desgraças mesmas que são necessárias à perfeição do universo, mas as almas
enquanto almas, que possuem a possibilidade de pecar ou não segundo seu querer”
(Agostinho, 1995, pág.179). O pecado configura-se como acidente dos seres humanos,
ou seja, um estado acidental e não como um ser independente. Em relação ao pecado
Agostinho retrata ainda que a própria ordem do universo é preservada pelo equilíbrio que
advém da pena ao pecado, assegurando assim a ordem e a justiça por meio de um processo
de ajustes mediante harmonia e justiça.
Sobre a alma Agostinho mostra que justamente as penalidades sofridas pela alma por
causa do pecado contribuem para a perfeição da ordem da criação ressaltando justamente
esse ajuste mencionado acima. Exemplificando esta ordem Agostinho mostra que a alma,
mesmo pecadora dignifica de forma grandiosa a carne dando-lhe a vida e o movimento.
Desta forma a alma conservará sempre a beleza e a perfeição que recebeu da criação de
Deus e igualmente o corpo, ainda que a alma seja inferior ao corpo. O pecado não tira a
perfeição dada pela criação à alma porque esta perfeição consiste justamente também no
livre arbítrio da vontade que permite não pecar ou pecar conforme o querer.
Capítulo 10 – Consequências do pecado original
Agostinho trata das consequências do pecado original fazendo uma análise entre a relação
das fontes do pecado, a liberdade do homem que se submete por livre vontade ao demônio
que por sua vez tendo persuadido o homem que lhe aderiu livremente tem o poder de
submete-lo. Entretanto Deus ao pagar uma pena que não lhe cabia vence o demônio e
salva o homem pela lei da justiça submetendo o demônio também ao homem por sua
encarnação. Neste sentido Agostinho explica que são duas fontes para o pecado: o
pensamento espontâneo e a persuasão de outrem, todavia reforça e deixa claro que o
pecado só acontece por livre vontade própria do homem quando ele livremente e por
vontade própria consente tanto ao pensamento que lhe dê má sugestão quanto a outrem
que o tenta persuadir.
Capítulo 11 – Toda criatura justa ou pecadora contribui para a ordem universal
Agostinho mostra que toda criatura, pecando ou não contribui para a ordem universal
ressaltando sobretudo a atuação dos seres superiores de natureza espiritual e a atuação
dos seres humanos nesta ordem. Agostinho mostra que os seres angélicos possuem uma
função primordial de sustentar o universo criado, por eles a harmonia dos seres e o
equilíbrio são sustentados. Eles fazem isso segundo uma função própria dada a eles por
sua perseverança na vontade do bem prevista por Deus que os confiou. Os homens por
sua vez podem se igualar a eles em natureza (pág. 187) quando não pecam recebendo
também a mesma função de sustentar as coisas na ordem, contudo não por sua própria
força, mas em união com os seres angélicos e superiores.
Capítulo 12 a – Nada pode perturbar o governo de Deus sobre o universo
Agostinho ressalta que o governo de Deus e a ordem estabelecida por ele na criação
jamais poderia ser abalada. Ainda que os seres angélicos, os quais sustentam a ordem do
universo, tivesses pecado em sua grande maioria isso não afetaria a ordem porque tendo
pecado haveriam sido punidos pelo castigo e precisamente nisso já estariam submetidos
à ordem. Por isso nada pode abalar a ordem e o governo de Deus sobre a criação.
Capítulo 12b – Contemplação da beleza da criação
Agostinho informa que irá tentar descrever por palavras a beleza da criação para os que
não conseguem percebê-la pelo auxílio de Deus.
Capítulo 13 – Princípio fundamental: todo ser é bom. O mal é uma privação
Agostinho explica que toda natureza é boa apesar de poder tornar-se menos boa, ela é boa
simplesmente por ser uma natureza. O fato de a corrupção poder atingi-la não significa
que ela não seja boa, justamente reforça isso. Agostinho afirma este aspecto sobretudo
em relação à natureza racional quando afirma: “toda natureza racional, tendo sido criada
com o livre-arbítrio da vontade, é, sem dúvida alguma, digna de louvor”. (Agostinho,
1995, pág. 192).
Neste capítulo Agostinho também mostra o motivo de se louvar a natureza usando do
argumento do vício. Ele explica que o simples fato de se considerar um vício algo
reprovável já traz implicitamente o louvor a essa natureza, pois o vício é justamente o
contrário à natureza que o possui e por isso, se ele se instala em uma natureza para
corrompe-la já é possível reconhecer neste mesmo fato que a natureza é boa.
Capítulo 14 – Dois complementos
Agostinho explica que existem três tipos de corrupção num processo em que uma natureza
corrompe a outra por meio de seus próprios vícios:
1. Uma natureza mais forte em face da outra que lhe influencia: Só haverá corrupção
caso a natureza mais forte queira e neste caso se corrompe por seu próprio vício
do que do de outro.
2. Duas naturezas de igual força: Não poderá haver corrupção pois se uma natureza
que possui vícios se aproxima de outra que não possui esta já é pelo vício, mais
fraca.
3. Uma natureza mais forte corrompe uma mais fraca: Essa corrupção se dá pelo
vício das duas.
Acima de tudo Agostinho conclui que a natureza humana, mesmo viciada possui
excelência e força e se comparada com um fruto da terra isento de qualquer defeito ainda
lhe será mais forte.
Agostinho explica ainda que há uma espécie de corrupção que não é censurada como no
exemplo dos olhos de uma pessoa que são incapazes de suportar a luz e padecem da
corrupção por contato direto com a luz do sol. Assim ele mostra que só a corrupção
provinda do vício é reprovável com justiça.
Sobre o vício Agostinho demonstra que ele só é um mal por ser justamente uma oposição
à natureza que atinge, o que reforça que a natureza é em si mesma digna e afirma que
“Devemos, pois, declarar absolutamente que reprovar os vícios é sempre louvar a
natureza.” (Agostinho, 1995, pág. 197)
Capítulo 15 – Motivos de louvar a Deus
Agostinho mostra que as naturezas receberam de Deus uma espécie de arte divina
segundo a qual foram produzidas. Elas correspondem as ideias presentes na mente de
Deus. Ele explica que esse defeito que é um desvio da ideia de Deus só é reprovável por
ser voluntário.
Agostinho ressalta que todos os seres criados estão dispostos de forma perfeita na ordem
da criação. Neste aspecto os seres inferiores que desaparecem realizam este
desaparecimento cumprindo sua função na ordem da criação a fim de permitir que as
coisas se realizem no seu tempo, pois desaparecem dando lugar às coisas futuras e
completando a sucessão das coisas passadas.
Em relação às criaturas racionais Agostinho explica que a censura ao pecado se dá
exclusivamente em função de algo não existir como deveria ser segundo a ordem da
criação determinada por Deus. Ademais ressalta que natureza racional, dotada de vontade
livre, quando peca, reconhece que está em dívida das boas obras e a dívida é em relação
a Deus.
Agostinho também retrata a realidade do castigo mostrando que assim foi disposto para
que a ordem e a beleza do universo não fossem alteradas pela desordem do pecado. O
castigo consiste então no pagamento por uma dívida feita pela alma que é culpada por ter
se recusado por sua vontade livre a ser o que tinha o poder de ser conforme deveria ser.
A alma lhe é necessário pagar ou pela justiça cumprida nas obras ou padecendo um
castigo.
Capítulo 16 – Deus nada nos deve, nós tudo lhe devemos
Agostinho mostra que Deus não deve nada a ninguém por ter dado tudo gratuitamente,
inclusive a existência. Ao contrário, são as criaturas que devem a Deus a sua existência,
cada uma segundo sua posição na ordem da criação. Ele define que as criaturas racionais
dotadas de vontade livre devem fazer o que deveria ser feito porque por essa mesma
capacidade que receberam de Deus segundo a razão e a vontade livre gozam de plenas
condições para fazê-lo.
Agostinho ressalta que Deus não possui culpa alguma quando alguém peca por que o
pecador possui livre vontade quando escolhe não fazer o que deve ser feito, uma vez que
ele determinou e deu ao pecador o pleno poder para fazer ou não conforme queira. Ele
retoma que cada um é responsável pelo que recebeu e ainda que ninguém é obrigado por
sua natureza a pecar, e igualmente ninguém peca sujeitando-se ao que não quer por
vontade de outro, mas por sua própria vontade. E esse pecado se configura na medida em
que o pecador se afasta do seu Criador.
TERCEIRA PARTE – PROBLEMAS DIVERSOS
A: A VONTADE LIVRE – CAUSA PRIMEIRA DO PECADO
Capítulo 17 – Posição do Problema: sem liberdade não há pecado
Evódio questiona Agostinho sobre a causa determinante da vontade, uma vez que há seres
racionais que nunca pecarão, outros que ora pecarão ora não e outros que sempre pecarão.
Agostinho responde que é de fato a vontade a causa determinante de pecado e que buscar
outra causa que determinasse a vontade implicaria proceder ao infinito (eu compreendo
que a vontade se autodetermina). Mesmo assim Agostinho usa do texto bíblico de 1 Tm
6,10 – “A raiz de todos os males é a cobiça”, para explicar melhor porque a vontade é a
causa do pecado. Ele explica que cobiça significa “disposição de querer além daquilo que
é suficiente e que cada natureza exige conforme sua própria condição a fim de se
conservar” (Agostinho, 1995, pág. 206). Está na cobiça a característica que caracteriza a
vontade como vontade desregrada que segundo Agostinho é a causa de todos os males.
Agostinho delineia ainda que anterior a vontade está ela mesma, caso não fosse assim ela
não seria causa do pecado. Ele aponta que sendo a vontade auto determinadora não
necessita refletir sobre a causa dela, mas caso ainda se pense sobre essa causa ele aponta:
Qualquer seja a causa da vontade, ou ela será justa ou injusta. Se for justa, quem lhe
obedeça ao impulso não pode pecar. Se for injusta, que cada um resista a ela, e não mais
pecará.” (Agostinho, 1995, pág. 207).
Capítulo 18 – Pode alguém pecar em coisas que não pôde evitar?
Agostinho reflete ainda sobre uma possível (qualquer) causa da vontade e mostra que está
em pleno poder do homem resistir a vontade mais uma vez ressaltando a liberdade nos
atos humanos: “qualquer que seja a causa que move a vontade, se acontecer lhe ser
impossível resistir, e vier a cair sob a violência, não haverá pecado. Mas caso possa
resistir que não ceda, e então certamente não haverá pecado [...] Em todo caso, ninguém
pode negar que o pecado existe [sobretudo considerando que só há pecado em um ato
praticado de vontade livre como definido anteriormente]. Logo, será possível ao homem
evita-lo.” (Agostinho, 1995, pág. 208, grifo nosso).
B: A NOSSA SITUAÇÃO ATUAL DEVIDA AO PECADO ORIGINAL
Agostinho retrata a nossa situação após o pecado e a relação entre o pecado e a penalidade.
Primeiramente ele explica que o homem padece de duas situações que são pena pelo
pecado. São elas a Ignorância, que consiste em não gozar do livre arbítrio da vontade na
escolha do bem que deveria praticar, ou seja, ser privado de perceber o que é bom e a
Dificuldade que consiste em ver perfeitamente o bem a ser feito querendo realiza-lo, mas
no entanto, sem conseguir fazê-lo. Essas consequências são fruto do pecado original que
Agostinho relata “pertence aos homens enquanto suas ações são derivadas da primitiva
condenação à morte” (1995, pág. 208). Todavia esta consequência é apagada com o
batismo, mas é também consequência do pecado daquele que peca. A isso se deve a justiça
da pena: fazer perder aquilo que não foi bem usado quando poderia ter sido bem usado
caso o detentor desta possibilidade quisesse e igualmente é justo que quem, sabendo do
dever, não quis agir bem quando podia, perca o poder de praticá-lo novamente quando
quiser mais uma vez.
Agostinho (1995, pág. 210) reforça, no entanto, que ao se referir à “vontade livre para
agir bem” se refere à “vontade com a qual o homem foi criado”, à vontade na sua perfeita
integralidade.
Capítulo 19 – Se foram Adão e Eva que pecaram, que culpa temos nós?
Agostinho ressalta que apesar do pecado Deus está presente e de muitas maneiras se serve
das criaturas para atrair o homem a si, neste sentido ele explica que negligenciar este
processo é culpável.
Neste capítulo ele também explica que as más ações que cometemos e as boas que
deixamos de cometer são consequências do primeiro pecado cometido de livre vontade.
Segundo ele é uma consequência necessária deste mesmo pecado.
Capítulo 20 – Justiça e bondade de Deus na condição atual de fraqueza dos homens
Agostinho explica a nossa condição hereditária de portadores da ignorância e da
dificuldade herdados do primeiro casal. Essa condição é justa porque ao pecarem Adão e
Eva foram precipitados no erro e na morte. Agostinho explica (1995 pág. 213) que “na
origem do homem devia se manifestar a justiça daquele que une, e no decorrer de sua
vida, a misericórdia daquele que liberta.” Com isso ele mostra que a justiça está manifesta
na nossa condição, mas na mesma proporção está a graça de Deus que ajuda o homem a
triunfar deste estado que nasceu. Assim ele demonstra ao dizer (1995, pág. 213)
“convinha, ao se converter para Deus, que qualquer pudesse triunfar do castigo que havia
merecido ao nascer[...] não convinha que essa boa vontade de regresso a Deus fosse
impedida. Pelo contrário, que fosse ajudada.
Agostinho apresenta hipóteses para a criação das almas:
1. As almas transmitem-se por geração, da alma dos pais aos filhos. O nascer do
primeiro casal nascemos portadores da ignorância e da dificuldade, assim como
da condição mortal.
2. As almas são criadas separadamente, uma a uma, na ocasião do nascimento – os
deméritos da primeira alma seriam conaturais às almas seguintes.
3. As almas preexistiram em um lugar disposto por Deus e são enviadas para animar
e governar os corpos de cada pessoa que for nascendo – elas seriam destinadas a
esse ofício para dar uma boa direção ao corpo em que nascem, sujeito ao
padecimento da morte em decorrência do pecado do primeiro homem. Nestes
casos o corpo que provém de uma geração de pecador comunica a alma que se
une a ele a mesma dificuldade e ignorância.
4. As almas encontravam-se em outro lugar e não foram enviadas por Deus aos
corpos, mas vieram espontaneamente unir-se a eles – Nestes casos a ignorância e
a dificuldade viriam por consequência da sua própria vontade.
Em todas as hipóteses de criação das almas e transmissão da condição de fraqueza vinda
da dificuldade e da ignorância Agostinho ressalta a grandeza da alma reconhecendo que
a condição de fraqueza não configura um empecilho para a alma, mas um estímulo a
busca da perfeição tendo sempre Deus como auxiliador por meio de sua graça, que sempre
supõe o desejo e abertura da alma. Ele aponta: “Não e um bem de pouco valor, não apenas
o fato de ser uma alma, cuja natureza já ultrapassa qualquer corpo, mas também de ser
capaz, com a ajuda do criador, de aperfeiçoar-se a si mesma e, por um piedoso empenho,
poder adquirir e possuir as virtudes por meio das quais poderá vir a libertar-se dos
tormentos da dificuldade e da ignorância.” (Agostinho, 1995, pág. 214). E afirma com
igual lucidez que “a ignorância e a dificuldade dessas almas, no momento de nascer, não
serão para elas o castigo do pecado – mas sim um estímulo ao progresso e um início de
perfeição.” (Agostinho, 1995, pág. 214).
Capítulo 21 – O que é preciso crer e que tipos de erros prejudicam a nossa felicidade
Agostinho admite que nenhuma das opiniões sobre a origem da alma deve ser adotada
afirmativamente de modo temerário. Posteriormente retoma que a felicidade se alcança
quando se dirige para o Criador. Ele afirma que para chegarmos à contemplação da plena
verdade eterna nos foi dado um meio vindo das coisas temporais e preparado de modo
adaptado à nossa fraqueza. Consiste em crer no que caminha na direção da eternidade
quanto as coisas futuras e passadas e crer a partir dos sentidos no que se refere às coisas
presentes relacionadas às criaturas, todavia ressalta que nossos sentidos as percebem
como objetos transitórios a partir da mobilidade e mutabilidade do corpo e da alma. Ao
que está além da nossa experiência Agostinho aponta que não podemos ter nenhuma
espécie de conhecimento direto. É necessário, entretanto, crer em tudo que é apontado
pelo testemunho divino.
Agostinho aponta que o problema da nossa origem é menos importante do que o do nosso
destino. Ele afirma que nas realidades temporais e preferível e expectativa das coisas
futuras à verificação das passadas pois até na experiência da vida poucos se preocupam
com o que foram, mas concentram seus esforços no futuro e no que esperar dele. Ademais
ressalta que não caminhamos em direção ao passado, mas em relação ao futuro. O erro
segundo Agostinho seria ter crenças ou ideias erradas em relação a verdade, à situação
futura e em relação àquele junto de quem haveremos de estar. Assim ele afirma que não
haveria nenhum inconveniente em não se lembrar do que já tenha suportado, mas sim se
isso ocorresse com o fim para o qual deve se preparar e igualmente não haveria algum
prejuízo em não conjecturar de que maneira a sua vida se iniciou.
Capítulo 22 – Os pecados são atribuíveis à própria vontade, não a Deus
Agostinho retoma a definição já exposta e declara categoricamente que “os pecados,
como já expusemos longamente, não devem ser atribuídos senão à própria vontade. E não
é para se buscar outra causa além dessa.” (Agostinho, 1995, pág. 224). Para comprovar
que o pecado se origina na vontade ele apresenta uma suposição em que o homem tivesse
sido criado com a ignorância e a inteligência sendo naturais a alma e não como
consequência do pecado. Esta suposta condição humana exigiria do homem o mesmo
esforço para alcançar a verdadeira sabedoria e a vida bem aventurada. Todavia caso o
homem fosse negligente sofreria de uma dificuldade mais acentuada e uma ignorância
mais ampliada o que comprova que segundo Agostinho (1995, pág. 224) “Não é sua
ignorância natural, nem sua incapacidade natural que lhe seriam imputadas como pecado,
mas o fato de sua falta de aplicação em relação ao saber e seu pouco esforço para adquirir
a facilidade de proceder bem.
Agostinho relata que a alma não foi criada má pelo fato de ser imperfeita justamente por
ter a capacidade de progredir se usar bem o que recebeu do criador e este processo
depende da vontade, depende de querer.
Sobre a alma Agostinho declara existir na alma duas partes, uma mais sublime, a que
toma a dianteira para que o homem percebe o bem que lhe convém fazer e outra que
segundo ele é mais preguiçosa e carnal e não se deixa dirigir como deveria por este
caminho apontado pela parte mais sublime. Agostinho (1995, pág. 226) descreve que esta
parte carnal da alma possui essa resistência como uma imperfeição que a faz recorrer ao
auxílio do criador “a fim de conseguir seu acabamento, o auxílio d’aquele que ela sabe
ser o autor de seus inícios.”
C: PROBLEMAS ACERCA DAS CRIANÇAS
Capítulo 23 – A morte prematura das crianças e o sofrimento que padecem não são
contrários à ordem universal
Agostinho apresenta um questionamento que alguns fazem sobre a necessidade das
crianças que morrem cedo terem nascido. Ele responde dizendo que a partir da ordem
perfeita da criação se conclui que é impossível que homem algum tenha sido criado
inutilmente. Nesse mesmo sentido ele apresenta o questionamento da necessidade do
batismo na vida dessas crianças que morrem sem terem sido capazes de entender, todavia
responde com igual veemência que o que é útil é a fé dos que a ofereceram para ser
batizada pois alcançaram para ela, por meio da fé, a ressureição.
Em seguida Agostinho reflete sobre os sofrimentos corporais padecidos pelas crianças
pequenas que pela idade estão isentas de pecado. A explicação que ele apresenta é de que
Deus pretende obter algo de bom para a correção dos adultos através delas. Ou ees se
tornarão melhores optando por uma vida com mais retidão ou colherão consequências por
se recusarem a se voltar a esta vida reta. Sobre as crianças Agostinho revela que a
compensação que Deus reserva a elas permanece no segredo de seus julgamentos, em
todo caso elas sã
o bem aventuradas da mesma maneira que os santos inocentes que morreram por ordem
de Herodes desejando matar Jesus.
Agostinho também refuta os que indagam sobre o motivo das dores dos animais dizendo
que estes julgam as coisas de modo iníquo pois os animais são incapazes de contemplar
o sumo bem e que reclamar sobre isso é se colocar de forma contrária à lei natural segundo
a qual os animais estão na categoria mais ínfima dos seres. Contudo Agostinho mostra
que pela dor sentida pelos animais fica claro que a alma aspira à unidade, pois reagem
com resistência contra os sofrimentos do corpo que representa um abalo na integridade.
Agostinho conclui que toda a beleza e o movimento das criaturas, submetidos às reflexões
do espírito humano, estabelecem uma linguagem que nos instrui e conduz ao
conhecimento do Criador do qual todas as almas dotadas de razão possuem o especial
desejo. Desta forma Agostinho conclui que todos os seres conduzem e proclamam a
unidade do Criador.
D: QUESTÕES SOBRE O PRIMEIRO PECADO DO HOMEM E O DO
DEMÔNIO
Capítulo 24 – Foi o homem criado em estado de sabedoria ou de insensatez?
Agostinho põe diante do diálogo a indagação de pessoas que questionam se o homem foi
criado em estado de sabedoria ou de insensatez. Caso tenha sido criado sábio como
poderia ter sido seduzido ao pecado? Caso tenha sido criado insensato Deus deveria ser
necessariamente o autor dos defeitos e da insensatez do homem. A resposta que
Agostinho propõe é que a natureza humana foi criada em um estado intermediário que
não é nem um extremo nem outro visto que assim ninguém começa a ser insensato ou
sábio a partir de um absoluto extremo. O homem foi criado em um estado que mesmo não
sendo sábio tinha condições de receber um preceito com o dever evidente de obedecer a
ele (Agostinho, 1995, pág.234). O homem tinha meios de se tornar sábio. Assim ele
também define que “a razão torna todo homem capaz de receber um preceito, ao qual
deve fidelidade na execução do que é prescrito.” (Agostinho, 1995, pág. 234). Esta
característica possibilita ao homem chegar à sabedoria. Chegar a esta sabedoria ou não
depende do querer do próprio homem e das suas escolhas por meio de sua vontade como
aponta o doutor: “assim como para a natureza racional é como um mérito receber um
preceito, assim a observação deste pela vontade é como o fundamento para a recepção da
sabedoria.” (Agostinho, 1995, pág. 234). Neste sentido Agostinho aponta duas maneiras
pelas quais o homem peca antes de ser salvo:
1. Não se sujeitando a aceitar o preceito
2. Não observando o preceito após o ter aceito
Agostinho demonstra neste processo a centralidade da ação da vontade e da livre escolha
do homem em alcançar ou não a sabedoria. Ele explica ainda que há um meio termo pelo
qual se passa da insensatez à sabedoria. Esta passagem não se realiza a partir de um
extremo ao outro. Assim explica Agostinho “Quando o primeiro homem passou do
santuário da sabedoria para a insensatez, essa passagem não pertencia nem à sabedoria
nem à insensatez. Acontece o mesmo no caso da passagem do sono para o estado de
vigília.”. Contudo é preciso ressaltar que diferentemente do estado de sono para a vigília
que acontece de modo voluntário a passagem da insensatez à sabedoria se dá de modo
absolutamente voluntário.

Capítulo 25 – Confronto entre o orgulho e a sabedoria


Agostinho demonstra que “a vontade não fica solicitada a um determinado ato, a não ser
por meio de um objeto, o qual vem a perceber” (Agostinho, 1995, pág. 237). Neste
sentido, a vontade fica solicitada diante de um objeto que percebe, no entanto ninguém
pode determinar qual é esse objeto que irá atrair a vontade. Agostinho afirma a alma fica
impressionada pela vista de objetos sejam superiores ou inferiores e que diante desses
objetos “a vontade racional pode escolher entre dois lados o que prefere.” Conforme sua
escolha ela obterá felicidade ou infortúnio. (Nota 45)
Diante disso ele explica o que ocorreu com Adão: tinha diante de si dois objetos: o
preceito de Deus e a sugestão da serpente. Não estava em seu poder decidir quais eram
esses dois objetos, mas estava em seu poder escolher entre um deles. Agostinho explica
que ao fazer esta escolha Adão estava em plena posse de seu perfeito e íntegro livre-
arbítrio, isento de todas as dificuldades que pudessem pesar ou obscurecer a sua escolha.
(Nota 46 – Sobre livre arbítrio e liberdade)
Agostinho encerra o livro mostrando que o que levou o demônio a preferir a impiedade
foi o orgulho. Para explicar este processo Agostinho mostra que é preciso diferenciar duas
espécies de objeto de conhecimento: uma provinda de algo externo e outra provinda do
próprio espírito ou da percepção dos sentidos (interno). Diante dessa diferenciação
Agostinho relata que a alma mutável pode se contemplar a si mesma contemplando a
suprema sabedoria que é imensa (percebendo que essa sabedoria não é a própria alma),
no entanto a própria alma possui em si mesma belezas que a encanta. O orgulho que
precipitou o demônio consistiu justamente na “ir ao seu próprio encontro” (Agostinho
1995, pág. 239) e comprazendo-se em si mesmo, encontrando seu gozo na sua própria
independência, e caindo em uma espécie de imitação perversa de Deus.

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