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O PACTO DE OBRAS: UMA DETALHADA EXPOSIÇÃO
Wilhelmus à Brakel

Editor: Christopher Vicente;

Tradutor: Danyllo Andrade;

Revisor: Christopher Vicente e Danyllo Andrade.

À BRAKEL, Wilhelmus. O Pacto de Obras: uma detalhada exposição.


Natal: Nadere Reformatie Publicações, 2019.
A versão bíblica utilizada no presente material é a Almeida Revista e Atualizada.

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SUMÁRIO

NOTA DO EDITOR

PARTE I

O PACTO DE OBRAS

1. PACTO DE OBRAS DEFINIDO E SUA EXISTÊNCIA VERIFICADA

2. PACTO DE OBRAS E A LEI DE DEUS

3. PACTO DE OBRAS E A PROMESSA DA VIDA ETERNA

4. PACTO DE OBRAS E A ÁRVORE DA VIDA

5. ACEITAÇÃO DE ADÃO DAS CONDIÇÕES E PROMESSAS DO PACTO DE OBRAS

6. PROVA ADICIONAL PARA VERIFICAR A VALIDADE DO PACTO DE OBRAS

7. EXORTAÇÃO PARA REFLETIR SOBRE O PACTO DE OBRAS

PARTE II

A VIOLAÇÃO DO PACTO DE OBRAS

1. TEMPO DA QUEDA DE ADÃO

2. PAPEL DE SATANÁS NA QUEDA

3. INCREDULIDADE COMO O PECADO INICIAL DO HOMEM

4. A QUEDA DE ADÃO NÃO É DEVIDO À IMPERFEIÇÃO EM SUA NATUREZA

5. PACTO DE OBRAS E SUAS OBRIGAÇÕES APÓS A QUEDA

6. A MISÉRIA DO HOMEM DEVIDO A SUA VIOLAÇÃO DA ALIANÇA

7. PACTO DE OBRAS E O PACTO DA GRAÇA

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NOTA DO EDITOR

Wilhelmus à Brakel [1635-1711] é um puritano holandês da Nadere Reformatie


(movimento puritano holandês), cujo objetivo era que o Calvinismo, ali
abraçado, fosse mais profundo tanto em coerência doutrinária quanto em vida-
experimental. O material que se segue é um trecho da clássica Teologia
Sistemática de à Brakel sob o título The Christian’s Reasonable Service –
quisera o Senhor que toda ela fosse traduzida para o português. É dito sobre
ela que: “é mais do que uma teologia sistemática”; nela, à Brakel “desejava
intensamente que a verdade exposta se torne uma realidade experimental nos
corações dos que a lessem” (BEEKE, Joel. PEDERSON, Rendall. Paixão pela
Pureza. São Paulo: PES, 2010. p. 884). Nesse trecho recortado, à Brakel expõe a
doutrina do Pacto de Obras fundamentando-a nas Escrituras (expondo tanto
seu estabelecimento quanto a sua quebra com as suas implicações) e contra
argumentando as objeções. Essa obra é muitíssimo útil para igrejas que: ou
historicamente defensoras da Teologia do Pacto, negligenciaram essa doutrina;
ou defensores do dispensacionalismo e Teologia da Nova Aliança negam uma
importante e fundamental doutrina da Escritura. Como o próprio à Brakel diz:
“O conhecimento desta aliança é da maior importância, pois quem erra aqui ou
nega a existência da aliança das obras, não entenderá a aliança da graça, e
errará, prontamente, ao que se refere à mediação do Senhor Jesus. Tal pessoa
negará, prontamente, que Cristo, por Sua obediência ativa, mereceu o direito à
vida eterna para os eleitos”. Por isso, nossa crença não é a de: “o Pacto de
Obras é uma doutrina peculiar dos presbiterianos”, mas sim, “O Pacto de Obras
é uma doutrina essencial para a compreensão da dinâmica do evangelho – a
obra de Cristo –, do Pacto da Graça”. Que esse material seja de grande proveito
para Igreja de Cristo. Christopher Vicente Editor 31 de julho de 2019.
Observação do Editor: O compromisso da Nadere Reformatie Publicações é com a confessionalidade
presbiteriana, a saber, os Padrões de Westminster, publicando ou autores subscritores estritos ou
temas da Confissão. Wilhelmus à Brakel não fora um subscritor de Westminster. Mas, sua exposição,
em muitos tópicos, se adequa perfeitamente ao que ali é sistematizado e professado. Nesse sentido,
há, na presente exposição de Wilhelmus à Brakel, opiniões peculiares a sua exegese em questões não
fechadas ou tratadas pelos Padrões. Elas são de pequeníssimo volume e, em nada traz prejuízo ou
erro doutrinário, mas, deve-se destacar que, nisso, as suas análises não são a posição dos Padrões de
Westminster.

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PARTE I

O PACTO DE OBRAS

No oitavo capítulo, descrevemos Adão em sua natureza eminente, santa e


gloriosa. Agora, falaremos dele como estando em aliança com Deus – o Pacto
de Obras. O conhecimento desta aliança é da maior importância, pois quem
erra aqui ou nega a existência da aliança das obras, não entenderá a aliança da
graça, e errará, prontamente, ao que se refere à mediação do Senhor Jesus. Tal
pessoa negará, prontamente, que Cristo, por Sua obediência ativa, mereceu o
direito à vida eterna para os eleitos. Isto deve ser observado com vários
partidos que, por terem cometido um erro sobre o Pacto da Graça, também
negam o Pacto de Obras. Por outro lado, quem quer que negue o Pacto de
Obras, deve-se, com razão, suspeitar que, também, esteja em erro em relação
ao Pacto da Graça.

1. PACTO DE OBRAS DEFINIDO E SUA EXISTÊNCIA VERIFICADA

O Pacto de Obras era um acordo entre Deus e a raça humana representada em


Adão, no qual Deus prometeu a salvação eterna sob condição de obediência, e
ameaçou com a morte eterna em caso de desobediência. Adão aceitou tanto
esta promessa quanto esta condição Pergunta: Essa aliança foi entre Deus e a
raça humana representada em Adão? Resposta: Nossa resposta é um “sim”
inequívoco. Para considerar um assunto de maneira ordenada, é necessário
primeiro determinar se o assunto existe e, então, considerar sua natureza.
Nesta situação, no entanto, precisamos primeiro considerar a natureza dessa
aliança, uma vez que a verdade da existência de tal aliança deve ser provada,
principalmente, por sua natureza. Dessa forma, devemos procurar chegar a
uma conclusão. Prova 1: Se Deus deu a Adão uma lei que é idêntica em
conteúdo aos Dez Mandamentos; prometeu-lhe a vida eterna (a mesma que
Cristo mereceu para os eleitos no Pacto da Graça); nomeou a árvore do
conhecimento do bem e do mal para ele como um meio pelo qual ele seria
testado e a árvore da vida para ser um sacramento de vida; e Adão, tendo
aceito tanto a promessa quanto a condição, ligou-se a Deus - então, existiu um
Pacto de Obras entre Deus e Adão. Como tudo isso é verdade, segue-se que tal
aliança existiu. Consideraremos primeiro a única parte e o seu compromisso e,
subsequentemente, a outra parte e o seu compromisso. A única parte é Deus
que, nesta aliança, se manifesta da seguinte forma: (1) como sendo o Senhor

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acima de tudo, eterno, supremo e soberano, que tem poder sobre Suas
criaturas para prescrever, comandar e prometer como lhe agrada. Ele é o
“único Legislador” (Tiago 4:12). (2) como sendo santo e justo, não podendo
ficar satisfeito com outra coisa que não a santidade em Suas criaturas racionais,
e não pode permitir que a falta de santidade permaneça impune.

(3) como sendo infinitamente bom, tendo o desejo de comunicar Sua bondade
ao homem. Sua participação no pacto consiste na emissão de uma lei, a
promessa de felicidade e a ameaça de condenação, e a nomeação de uma
árvore sacramental e uma árvore probatória.

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2. PACTO DE OBRAS E A LEI DE DEUS

A primeira questão a ser provada é que Deus deu uma lei a Adão, sendo esta
uma lei que, em conteúdo, é idêntica aos dez mandamentos. A lei é dada por
Deus para ser um princípio regulador para o homem no que diz respeito ao seu
homem interior e ações. Declara o que é bom e mau e, em virtude de sua
autoridade divina, obriga o homem à obediência. O intelecto racional do
homem, seja ele tão perfeito e capaz de uma percepção adequada das
exigências da lei, não é uma regra para o bem e o mal. Uma questão não é nem
boa nem má apenas porque uma percepção adequada determina que seja
assim. Uma percepção adequada não obriga o homem à obediência; é apenas
um meio para conhecer e reconhecer tanto a lei como a obrigação de alguém.
A lei divina e sua autoridade divina são a regra para o bem e o mal, e obrigam à
obediência. Como eu comentei anteriormente, Deus deu uma lei ao homem. É
apenas Sua prerrogativa fazer isso.

Pergunta: As leis que Deus emite são a expressão da Sua natureza ou do Seu
livre arbítrio? Resposta: As leis procedem da Sua vontade em harmonia com a
Sua natureza. Elas não procedem arbitrariamente da vontade de Deus, como se
Ele fosse capaz de ordenar aquilo que é contrário a Si mesmo. Por exemplo:
odiar a Deus e ao próximo; ou fazer da ira, inveja, ódio, vingança e outros
pecados santos por natureza - sendo capaz de prometer felicidade eterna pela
prática do pecado. Tudo isso seria contraditório à natureza de Deus e,
portanto, também à Sua vontade. Também seria contraditório para Ele deixar
uma criatura racional existir sem uma lei. Que Deus deu a Adão uma lei é
confirmado da seguinte forma: Em primeiro lugar, “...estes (os pagãos), não
tendo a lei, são lei para si mesmos: que mostram a obra da lei escrita em seu
coração” (Romanos 2:14-15, versão do autor). Se os homens, mesmo depois da
Queda, têm uma lei escrita em seus corações e são, portanto, uma lei para si
mesmos, embora imperfeita e obscura, muito mais evidente é o fato de Adão
ter uma lei no estado de retidão. A razão para essa conclusão é que a lei da
natureza procede do conhecimento de Deus. Visto que Adão, depois da Queda,
tinha um conhecimento muito superior e mais claro de Deus do que os pagãos,
ele também possuía a lei de um modo muito superior. Conhecimento da lei e
conformidade a ela é uma perfeição da natureza do homem. Aquele que após a
Queda tem mais conhecimento e é mais compatível com a lei, é superior aos

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outros. Desde que Adão foi perfeito, ele foi, consequentemente, superior em
conhecimento e conformidade à lei e, portanto, uma lei foi dada a ele.

Em segundo lugar, “Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava


enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança
de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus,
na carne, o pecado, 4 a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que
não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Romanos 8:3-4). O
apóstolo conclui que existe uma lei que pertence a todos os homens, tendo
esta lei o potencial inerente para justificar um homem que ele considera
perfeito. Ele declara, no entanto, que a lei é fraca, e que é impossível a lei
justificar. A razão é que através da carne, isto é, através do pecado, ela se
tornou fraca. Onde quer que haja transgressão da lei, ela não pode absolver de
transgressão, pois a lei é a verdade. Se a lei se tornou fraca, isso implica que
uma vez foi forte. No entanto, este nunca foi o caso subsequente à Queda e,
portanto, era verdadeiro antes da Queda, quando o pecado estava ausente.

Em terceiro lugar, a natureza de Deus, bem como a natureza de Adão, requer


que Adão tenha uma lei. Em virtude de Sua natureza, Deus é acima de tudo e
supremo Senhor digno de ser honrado e servido. Assim que uma criatura
aparece em cena, Ele fica acima daquela criatura e a criatura é subordinada a
Ele. Isto também é verdade para o homem como uma criatura racional, não
meramente porque Ele criou o homem ou entrou em um pacto com ele ou,
até, porque o homem pecou, porém, mais particularmente, devido à natureza
de Deus, visto que Ele é Jeová. Adão, sendo uma criatura, era,
necessariamente, dependente de Seu Criador em todas as coisas, pois de outro
modo, ele seria o próprio Deus. Não se pode ver a natureza da criatura como
sendo nada além de dependente. Se Adão é dependente de Deus, isso não é
verdade apenas para o seu ser, mas também para seus movimentos. Isto não é
meramente verdadeiro em relação aos movimentos que ele tem em comum
com os animais, mas também em relação à sua racionalidade, capacitando-o a
funcionar inteligentemente. Se Deus, em virtude de Sua natureza, é supremo e
independente, digno de ser honrado, servido e temido – “Quem te não temeria
a _†, ó Rei das nações? Pois isto é a _ devido” (Jeremias 10:7) -, e como o
homem é dependente de sua natureza, atividades e intelecto, então, o homem,
em sua perfeição, tinha uma regra pela qual sua natureza e atividades tinham
que ser reguladas, isto é, uma lei. Esta lei foi incorporada na natureza de Adão,

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de modo que ele não teve que procurá-la como alguém que era ignorante de
suas obrigações, ou estar preocupado que, sendo fraco, seria levado a extraviar
por suas luxúrias para fazer o contrário. O conhecimento e a conformidade com
a lei estavam embutidos em sua natureza. Objeção 1: “não se promulga lei para
quem é justo, mas para transgressores e rebeldes” (1 Timóteo 1:9). Resposta: A
lei pode ser vista como uma regra desejável e obrigatória, ou como uma
ferramenta de coerção para gerar medo e terror em vista da punição. Os justos
vêem a lei como uma regra desejável e obrigatória, e reconhecem com alegria
que estão sujeitos a ela. Eles estão livres da coerção aterrorizante, porque o
perfeito amor lança fora o medo” (1 João 4:18). Os injustos, no entanto, estão
sujeitos à terrível coerção da lei, que exige punição de seus atos. Oderunt
peccare boni virtutis amore; oderunt peccare mali formidine poenoe; isto é, o
bem, por amor à virtude, deseja não pecar, mas o mal se abstém do pecado por
medo da punição. Objeção 2: Adão tinha um amor perfeito por Deus e,
portanto, não poderia haver uma lei desde que ele fez tudo espontânea,
voluntária e naturalmente.

Resposta: (1) A lei é amor (Mateus 22:37-39). Se Adão tinha amor perfeito, ele
necessariamente, tinha a lei perfeita; (2) A lei é liberdade. “na lei perfeita, lei
da liberdade” (Tiago 1:25). Estando em um estado de liberdade sagrada, Adão
foi sujeito, portanto, à lei da liberdade. (3) Não há contradição entre fazer algo
naturalmente e fazê-lo em harmonia com uma lei. O pagão, também, por
natureza praticam as coisas contidas na lei. (4) A violação do amor não é
pecado e injustiça? Portanto, a lei é intrínseca ao amor perfeito. (5) No estado
de amor perfeito, Adão foi ameaçado de morte; sempre que houver uma
ameaça à transgressão, existe uma lei. Daí resulta que Adão tinha uma lei. A
questão agora se apresenta: que lei Adão teve? Minha resposta é que Adão,
exceto pela proibição referente à árvore do conhecimento do bem e do mal,
tinha, no que diz respeito ao conteúdo, a Lei dos Dez Mandamentos.

Em primeiro lugar, Adão, sem dúvida, teve a lei mais perfeita. A lei mais
perfeita é a lei do amor, e essa é a lei dos Dez Mandamentos (cf. Mateus 22.37-
39). Adão, portanto, estava em posse da lei dos Dez Mandamentos.

Em segundo lugar, todos concordam que a lei que está embutida na natureza
dos pagãos é um remanescente daquela lei que Adão havia embutido em sua
natureza, é idêntica à lei dos Dez Mandamentos. Assim, a lei de Adão é a lei dos
Dez Mandamentos.
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Em terceiro lugar, isso é confirmado em Romanos 8:3, o qual já foi citado.
Paulo fala de uma lei, referindo-se a ela como “a lei” sem qualquer descrição
adicional. Sem dúvida “a lei” é a lei dos Dez Mandamentos. Essa lei é a que
Adão possuía com força total, a qual, após a Queda, se tornou fraca - como já
foi demonstrado. Adão estava, portanto, de posse da lei dos Dez
Mandamentos.

Em quarto lugar, há apenas uma santidade, pois a santidade é a imagem de


Deus, que é singular na natureza. A lei é, portanto, também de natureza
singular, pois a perfeita conformidade do homem com a lei dos Dez
Mandamentos é a santidade. Portanto, no que diz respeito ao conteúdo, Adão,
em sua perfeição, tinha os Dez Mandamentos como sua lei.

Além da lei da natureza, Deus deu a Adão um mandamento que, em Sua


soberania, Ele poderia ou não poderia ter dado: a ordem de não comer da
árvore do conhecimento do bem e do mal, nome ao qual nos referimos
anteriormente. Isto pode, prontamente, sugerir a pergunta: Por que Deus deu
esse mandamento a Adão? Se Deus não tivesse dado este mandamento para
ele, ele não teria pecado. Minha resposta é: (1) Isso não significa
necessariamente que ele não teria pecado. Adão era santo, mas mutável e,
assim, ele também poderia ter pecado em uma situação diferente. (2) Deus
nem sempre dá conta de seus atos. Se alguém quiser meditar um pouco sobre
esse mandamento, ficará evidente que muito está compreendido neste
mandamento. Declarou que só Deus era o Senhor e, portanto, tinha o direito
de comandar Adão como Ele quisesse, e que Adão era obrigado a obedecer
cegamente sem perguntar o por quê. (3) Também foi compreendido que o
homem não desejaria mais do que a vontade de Deus, e que tudo deve ser
definido como desejável ou indesejável em relação apenas a Deus. (4) Este
mandamento compreende a felicidade do homem consistindo no desfrute do
próprio Deus - um prazer que não pode ser encontrado em nada fora dEle.
Portanto, Adão não tinha necessidade do que parece ser mais desejável, mas
poderia fazer sem isso. (5) Também implica que o homem deveria estar
satisfeito com o grau atual de perfeição que Deus estava satisfeito em conferir
naquele momento. A pergunta: Por que Deus deu tal mandamento? não pode
ser respondida por outro homem apenas dizendo: "Foi o prazer soberano de
Deus". Assim, observamos que Adão tinha uma lei.

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3. PACTO DE OBRAS E A PROMESSA DA VIDA ETERNA

A segunda questão que deve ser provada é que Adão teve a promessa de
felicidade eterna.

Em primeiro lugar, isso é confirmado pelos pagãos contemporâneos. Como


Deus imprimiu no coração humano que Ele existe, assim como a maneira pela
qual Ele deseja que o homem se conduza, também imprimiu sobre os gentios
que há uma recompensa para aqueles que são bons e punição para aqueles
que cometem mal. Os diários dos marinheiros confirmam isso. Quando eles
entraram em território pagão, onde os cristãos nunca estiveram, tais gentios,
gesticulando para cima ou para baixo com as mãos, indicariam que aqueles que
são bons iriam para o céu e aqueles que são maus para o inferno. Paulo
testificou que a consciência dos pagãos os acusa ou os desculpa (Romanos
2:15). Se os pagãos têm conhecimento do fato de que a recompensa e a
punição estão relacionadas ao seu comportamento, conforme medido pela lei
impressa em seus corações, quanto mais isso é verdade para Adão, que tinha
um perfeito conhecimento da lei e das promessas de recompensa.

Em segundo lugar, anteriormente mostramos que a lei dada a Adão era a lei
dos Dez Mandamentos. A lei dos Dez Mandamentos tem a promessa de vida
eterna anexada a ela, como pode ser observado em Mateus 19. Um jovem
perguntou: “Mestre, que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?
17 Respondeu-lhe Jesus: Por que me perguntas acerca do que é bom? Bom só
existe um. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos” (Mateus
19:16-17). Isto também é confirmado nos seguintes textos: “Portanto, os meus
estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo-os, o homem viverᆠpor
eles. Eu sou o SENHOR” (Levítico 18:5); “E o mandamento que me fora para
vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte” (Romanos 7:10);
“Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande
recompensa” (Salmo 19:11). Assim, Adão teve a promessa da vida eterna.

Em terceiro lugar, isso é confirmado pelo fato de que Cristo mereceu a vida
eterna para os eleitos, sujeitando-se à lei, satisfazendo-a ao suportar a punição
da lei e por perfeita santidade tanto na natureza como na conduta. Isto é
evidente em Romanos 8:4, onde o apóstolo declarou que, em virtude da
satisfação de Cristo, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós [os
eleitos]”. Isto também é afirmado em Gálatas 4:4-5: “Deus enviou seu Filho,

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nascido de mulher, nascido sob a lei, 5 para resgatar os que estavam sob a lei, a
fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Observe que, aqui, é feita
referência a uma lei - a mesma lei que Adão tinha. A essa lei o Senhor Jesus se
sujeitou e, ao fazê-lo, mereceu a redenção e a adoção de filhos para os eleitos.
“Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e
coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos
glorificados” (Romanos 8:17). Assim, a glória eterna segue, necessariamente, a
obediência à lei. Consequentemente, Adão, tendo a mesma lei, tinha a
promessa de felicidade eterna.

Em quinto lugar, isso é confirmado pela ameaça. “no dia em que dela comeres,
certamente morrerás” (Gênesis 2:17). A morte está ameaçada, aqui, sem
qualquer limitação. Alguém que insiste que, aqui, a morte é limitada à morte
temporal deve provar que isso é necessariamente assim. Ele nunca conseguirá
fazê-lo, pois nenhum vestígio dessa evidência será encontrado. Além disso, é
do conhecimento comum que: (1) a morte se refere à condenação eterna, bem
como à morte temporal. “Para com estes, cheiro de morte para morte” (2
Coríntios 2:16); “Há pecado para a morte” (1 João 5:16); “sobre esses a
segunda morte não tem autoridade” (Apocalipse 20:6); (2) a morte ameaçada
era uma punição ao pecado. A punição sobre o pecado não é apenas temporal,
mas também a morte eterna - colocada em contraposição o com a vida eterna.
“porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida
eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6:23); “E irão estes para o
cas_go eterno†, porém os justos, para a vida eterna” (Mateus 25:46); (3) o
apóstolo declara, expressamente, que, ao comer da árvore proibida, a
condenação chegou a todos os homens: “Porque o julgamento derivou de uma
só ofensa, para a condenação” (Romanos 5:16-18). Ninguém pode negar que
esta ofensa foi a de comer da árvore proibida. Após comer, no entanto, a
condenação se seguiria e, assim, a condenação era ameaçada pela palavra
“morte”. Vamos inverter esse argumento. Se após a transgressão, Adão foi
ameaçado de condenação eterna, então, aplicando a regra dos opostos, a vida
eterna foi prometida após a obediência. Esta ameaça de morte continha nela a
promessa de vida se ele não pecasse. Essa razão é ainda mais crível, pois quem
é capaz e se atreve a pensar que um bom Deus ameaçaria o castigo eterno
sobre a desobediência e não prometesse ao mesmo tempo felicidade eterna à
obediência? Quem ousaria pensar que Seus julgamentos são
incompreensivelmente maiores que Sua bondade?
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4. PACTO DE OBRAS E A ÁRVORE DA VIDA

Em sexto lugar, isso também é confirmado pela árvore da vida. Aqui duas
árvores são contrastadas entre si. Já que um simboliza a morte eterna, por que
a outra não simbolizaria a vida eterna? O nome também indica isso, pois é,
expressamente, chamada de árvore da vida. O que mais pode ser deduzido
disso do que ser um sacramento, isto é, um sinal e selo de vida? Não há a
menor indicação de que o significado, aqui, esteja limitado à vida corporal e,
portanto, não podemos concluir isto. Além disso, se Adão perdeu a vida
corporal, ele também perdeu a vida espiritual que possuía. Portanto, pela
palavra “vida”, devemos entender tanto a vida corporal quanto a espiritual que
ele possuía, bem como a felicidade eterna que, geralmente, é compreendida na
palavra “vida”, mesmo que a palavra “eterno” não seja acrescentada a ela. “se
você quer entrar na vida...” (Mateus 19:17, versão do autor); “porque estreita é
a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida” (Mateus 7:14). Isto
também é afirmado em muitos outros textos. Por essa razão, depois que Adão
perdeu essa vida, o Senhor não queria mais que ele participasse desse selo de
vida eterna. Por meio de um anjo, o Senhor o expulsou do Paraíso, “assim, que
não estenda a mão, e tome também da árvore da vida†, e coma, e viva
eternamente” (Gênesis 3:22). Quando ele pecou comendo da única árvore que
ele não tinha o direito de comer, Deus não estava querendo que ele também
comesse da outra árvore. Teria ele vivido eternamente se, mesmo assim,
pudesse ter acesso a essa árvore e comido dela? Certamente que não, pois não
havia poder inerente nesta árvore para restaurar a vida espiritual e a
comunhão com Deus que se perdera. Adão, certamente, sabia disso. O que a
vida corporal poderia tê-lo beneficiado sem vida espiritual? Tampouco havia
qualquer poder inerente na árvore para anular a ameaça de Deus:
“Certamente, morrerás”. Mesmo que ele fosse capaz de preservar sua vida
corporal, Adão sabia muito bem que não seria capaz de fazê-lo.

Por que, então, Deus disse: "... e viver para sempre"? A minha resposta é que
este é um modo de falar repreensivo, como é evidente no mesmo versículo:
“Eis que o homem se tornou como um de nós” (Gênesis 3:22). É como se Deus
dissesse: “Eis o homem que pensava que, comendo da árvore proibida, ele
poderia se tornar um de nós. Eis como ele agora se parece conosco!” Deus
disse como foi: “Como ele foi enganado em seu objetivo, pois ao invés de se
tornar como um de nós, ele se tornou diferente de nós.” Esta é também a

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maneira de falar no mundo, “e viver para sempre”, significando “porque ele,
novamente, seria enganado em seu objetivo e opinião, se pensasse que, ao
comer dessa árvore, ele viveria para sempre”. “E viver para sempre”, portanto,
refere-se àquilo que ele imaginaria, como se, depois de ter pecado, essa árvore
continuasse a ser um sacramento da vida. Deus não queria que ele abusasse do
sacramento desde que ele havia perdido o assunto em si, isto é, a vida eterna.
Era a vontade do Senhor que, agora, ele se afastasse do Pacto de Obras
quebrado e, estando perdido em si mesmo, colocasse toda a sua esperança na
semente da mulher, que lhe foi prometida, imediatamente, após a Queda.

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5. ACEITAÇÃO DE ADÃO DAS CONDIÇÕES E PROMESSAS DO PACTO DE OBRAS

Assim, observamos a atividade de uma parte: Deus dando a lei a Adão, a qual,
em conteúdo, era idêntica aos Dez Mandamentos, prometendo-lhe a mesma
felicidade eterna que Cristo mereceu para os eleitos e lhes concede a fé. Temos
observado que Deus deu a árvore do conhecimento do bem e do mal como um
sinal de natureza probatória, e a árvore da vida como um sinal de natureza
seladora. Assim, todas as condições exigidas foram mostradas no que diz
respeito ao único lado do pacto. Devemos agora, além disso, mostrar a outra
parte e seu engajamento, sendo este um pré-requisito para uma transação de
aliança. A outra parte é a raça humana, em Adão, que foi adornada com a
imagem de Deus, consistindo de um perfeito conhecimento de Deus, retidão e
santidade. Ele, portanto, certamente, conhecia tanto a condição quanto a
promessa, e era capaz de cumprir a condição. Como nada está escrito a
respeito disso, a questão é: “Ele concordou com este pacto?”. Minha resposta
é: embora não seja, expressamente, declarado nas Escrituras, pode-se, no
entanto, ser claramente deduzido a partir dela. É evidente que Adão aceitou a
condição e a promessa.

Em primeiro lugar, ocorre nas Escrituras que a promessa do pacto é


mencionada em relação a uma das partes, embora a referência seja a toda a
aliança. Em Gênesis 3:15 declara: “Este lhe ferirá a cabeça (a semente da
mulher, Cristo), e você lhe ferirá o calcanhar (a mulher)”. É certamente sabido
que a aliança da graça foi estabelecida aqui, e ainda não há uma só palavra
mencionando Adão e Eva, e a aceitação desta aliança. Uma vez que todas as
condições de um pacto são mencionadas no que diz respeito a uma parte, isso
implica necessariamente a aquiescência da outra parte.

Em segundo lugar, Adão era perfeito e, portanto, uma vez que Deus poderia,
legitimamente, ordenar, e Adão, devido à sua perfeita obediência, não poderia
recusar, ele não poderia fazer outra coisa senão aceitar essa condição e
promessa. Poderia uma criatura racional, tendo um conhecimento perfeito de
comunhão com Deus, em um grau menor, ser qualquer coisa, menos que
apaixonada e desejosa por um grau mais alto dessa comunhão mais
abençoada? Ele não podia fazer nada diferente - a menos que fosse
desumanizado por perda de intelecto e amor pelo próprio bem-estar. Portanto,
quando tais assuntos lhe eram prometidos, ele não podia deixar de se deleitar
neles, desejá-los e abraçá-los de todo o coração - assuntos que, como
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acabamos de observar, foram, de fato, prometidos a ele. Isto é, igualmente,
verdade para a condição, pois este não era apenas o caminho que conduz à
felicidade, mas era sua própria felicidade atual. Consistia em um amor perfeito
por um Deus muito amável; e sujeição a um soberano Senhor que era digno de
obediência. Este Adão possuía esse amor, alegria e deleite. Como não podia
deixar de aceitar a promessa pela razão mencionada, ele também não podia
deixar de aceitar a condição, uma vez que a promessa e a condição não
diferiam em essência, mas apenas em grau.

Em terceiro lugar, isso também é evidente na conduta de todos os homens. A


natureza humana nos ensina a falar da seguinte maneira: “eu aprovo a lei como
santa, justa e boa. Eu aprovo isso; concluo que sou obrigado a isso e aceito essa
obrigação e considero que isso é meu dever. Eu, voluntariamente, me
comprometo a isso, abraçando a promessa de que, após a obediência,
receberei o céu”. Assim, ao ver que o homem natural, depois da Queda, ainda
assente tanto na promessa quanto na condição, portanto, muito mais poderia
o homem em sua perfeição não aceitar senão a condição e a promessa.

Em quarto lugar, o fato de que Adão e Eva aceitaram a promessa e a condição


também é evidente em sua abstenção e recusa em comer da árvore proibida,
tendo o Senhor impedido de fazê-lo. Quando há obediência em resposta a uma
proibição e uma recusa em transgredir, há uma aceitação de promessa e
condição. Tal é o caso aqui, como é evidente a partir da história em Gênesis 3.
Consequentemente, Adão e Eva aceitaram a condição e a promessa; segue-se,
portanto, que havia uma aliança genuína entre Deus e o homem. Podemos
assim tirar a conclusão que buscamos e encontramos. Sempre que há uma lei
como condição, promessas relacionadas ao cumprimento desta condição,
sinais de uma natureza probatória e seladora, ou seja, a aceitação da condição
e da promessa, há, então, uma aliança. Tudo isso é verdade aqui e, portanto,
havia um pacto entre Deus e Adão. Nós não mencionamos, aqui, o Paraíso nem
o Sábado, visto que não reconhecemos que nenhum deles, nem a árvore do
conhecimento do bem e do mal, [eram] sacramentos.

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6. PROVA ADICIONAL PARA VERIFICAR A VALIDADE DO PACTO DE OBRAS

Prova 2: Tendo estabelecido a primeira, a seguinte prova é muito mais clara.


Baseamos nossa prova em Oseias 6:7: “Mas eles, como homens[1],
transgrediram a aliança: ali procederam fraudadamente contra mim [versão do
autor]”[2]. Aqui, se menciona uma aliança - um pacto com Adão - e a quebra de
um pacto. Duas dificuldades devem ser removidas aqui: se a palavra “Adão”
deve ser traduzida como “homem”, a referência não é a Adão, mas sim, a
outros homens; e a palavra ‫( ברית‬berith) não deve ser traduzida como “lei”, de
modo que não há referência a uma aliança aqui. Minha resposta à primeira
dificuldade é a seguinte: como a palavra “Adão” pode ser e, frequentemente, é
traduzida como “homem”, não se segue, portanto, que ela deve ser traduzida
de tal maneira aqui. Quem insiste nisso deve prová-lo, o que não poderá fazê-
lo. Nós sustentamos que, neste texto, a palavra “Adão” é o nome próprio do
primeiro homem. Nossas razões para isso são as seguintes:

(1) Se alguém fosse traduzi-lo com a palavra “homem”, isso tiraria a ênfase
deste texto, pois as palavras “como Adão” são adicionadas, aqui, para
maximizar ao invés de minimizar o crime. Que propósito haveria para declarar
que eles quebraram a aliança como outros homens que também são apenas
membros da aliança? Para que eles transgridam um pacto, necessariamente,
precisam estar no pacto; isto é, eles teriam que transgredir a aliança como eles
ou seus companheiros da aliança o fizeram. Isso, certamente, não faz sentido e,
portanto, Adão, aqui, se refere ao primeiro homem.

(2) Frequentemente, no primeiro livro de Moisés, e, em Deuteronômio 32:8 e


em 1 Crônicas 1:1, as Sagradas Escrituras usam a palavra “Adão” como o nome
próprio do primeiro homem, e nós encontramos esse uso, especialmente, em
Jó 31:33 “se, como Adão, encobri as minhas transgressões…”. Esta é uma
referência expressa para Adão encobrir seu crime, e como a referência é ao
primeiro homem, o nome próprio Adão deve ser usado aqui. Visto que o texto
de Oséias 6:7 refere-se a um pecado que Adão havia cometido, isto é, um
pecado de natureza semelhante, por que, então, não traduzir como “Adão”?

1
A Statenvertaling diz o seguinte, "Zij hebben het verbver overtreden, als Adam", isto é, "Eles transgrediram a
aliança como Adão". A argumentação que se segue se concentra no fato de que, na opinião de Brakel, a
tradução inglesa “como homens” está incorreto e deveria ter sido traduzido como “como Adão”.

2
Na língua portuguesa as traduções como Nova Almeida Atualizada (NAA), Revista e Atualizada (RA) e Revista e
Corrigida (RC) traduzem “como Adão”. Não obstante, a Nova Versão Internacional (NVI) e a Nova Tradução da
Linguagem de Hoje (NTLH) traduzem “na cidade de Adão” (Nota do Tradutor).
21
(3) O texto original também não apresenta nenhum motivo para nos impedir
de usar o nome próprio. O ‫( י‬emphaticum, um símbolo para ênfase) não pode
ser colocado ao lado de um nome próprio. Se, no entanto, esta palavra significa
“homem”, ela é, freqüentemente, acompanhada por um [?] não é usado aqui,
o que seria mais apropriado se a referência fosse para outros homens,
enquanto a palavra “Adão” é usada com grande ênfase aqui.
(4) A questão é verdadeira em relação a Adão. Ele estava envolvido em um
pacto - como observamos acima. Ele quebrou o pacto e, portanto, devemos
afirmar que a referência é a Adão, desde que a necessidade não nos obrigue a
concluir o contrário.
(5) Ele se encaixa muito bem no contexto. É a intenção de Deus demonstrar a
magnitude do pecado de Judá e Efraim, identificando a origem e o exemplo
deste pecado. Esse pecado não era apenas mal, em si mesmo, mas também,
tinha uma origem maligna, o que tornava tudo ainda mais maligno. Isso
também amplificou o pecado de Davi, como está registrado no Salmo 51. Essa
quebra de aliança foi um pecado procedente da violação da aliança original em
Adão e, portanto, ainda mais abominável. Tendo sido, abundantemente,
abençoado tanto corporal quanto espiritualmente, Adão, de maneira leve,
imprudente e infiel, quebrou a aliança. Aqueles a quem Deus abençoou tão
abundantemente tanto corpo, quanto alma, concedendo Sua Palavra e todos
os meios da graça, seguiram à semelhança da transgressão de Adão,
quebrando, traiçoeiramente, a aliança de Deus. Assim, as palavras “como
Adão” fazem com que nos concentremos na violação da primeira aliança de
Adão, que é referida, aqui, para amplificar o pecado de Judá e Efraim.
O segundo argumento, a saber, que ‫( ברית‬berith) pode ser traduzido como “lei”
também é inválido, pois não podemos, logicamente, concluir o significado real
de uma palavra a partir de um significado possível. Ademais, porém, nego que
a palavra ‫( ברית‬berith) signifique “lei”. Até este momento, não encontrei
nenhum exemplo disso, embora admito que se chame de aliança, encarando a
lei como regra da aliança. No meu conhecimento, contudo, essa palavra nunca
significa “lei”. Isso confirma, portanto, que a referência, aqui, é ao pacto - um
pacto que foi transgredido quando Adão transgrediu o pacto. Portanto, havia
um pacto entre Deus e Adão.

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7. EXORTAÇÃO PARA REFLETIR SOBRE O PACTO DE OBRAS

Medite, frequentemente, sobre esta aliança, a fim de que você possa perceber
a que estado abençoado Deus designou a raça humana e, portanto, também
você, no que diz respeito ao seu estado original. Quão perfeitas, adequadas e
até desejáveis são as suas condições! Quão gloriosas são as promessas; e quão
glorioso é estar em aliança com o Deus todo glorioso e infinitamente bom! As
dimensões disso são infinitas. Em seguida, prossiga para a violação da aliança e
a natureza desnecessária, imprudente e arbitrária dessa violação. Que ação
abominável foi! A partir dessa perspectiva, prossiga para a justiça de Deus e
deixe que a punição e a rejeição de tais quebradores da aliança encontrem sua
aprovação. Ao considerar a glória dessa aliança, busque amplificar seus
pecados reais e originais. Esta bela aliança foi quebrada agora e uma pessoa
não convertida que ainda não foi transportada para a aliança da graça ainda
está no verdadeiro Pacto de Obras. Portanto, sempre que ele peca, ele quebra
a aliança por renovação, permanece sujeito à sua maldição e a aumenta
repetidas vezes. Portanto, desvie o olhar da Aliança de Obras. Ela foi quebrada
e a salvação não pode mais ser obtida por ela. Essa exortação é necessária,
pois, até mesmo, os filhos de Deus estão inclinados a insistir em suas obras e,
por conseguinte, são encorajados ou desencorajados. Os não convertidos estão
sempre desejosos de realizar algo, sendo da opinião de que tudo pode ser bem
feito com oração e reforma; no entanto, desta maneira eles serão enganados.
Deixe o Pacto da Graça ser precioso para você. Volte-se para o mediador dessa
melhor aliança. Entre nessa aliança, dê atenção a ela e considere o primeiro
homem morto.

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24
PARTE II

A VIOLAÇÃO DO PACTO DE OBRAS

O fato de que Adão pecou e assim quebrou o Pacto de Obras não precisa de
outra prova do que a condição pecaminosa de todos os homens, assim como as
Escrituras, que testemunham este fato em todo lugar.

1. TEMPO DA QUEDA DE ADÃO

No entanto, surge a pergunta: quando Adão caiu? O homem, tendo sido criado
tão magnificamente, e estando em tal aliança abençoada com o seu Deus, com
toda probabilidade, não permaneceu por muito tempo neste estado sagrado e
abençoado. A duração desse estado não é registrada e, portanto, é
desconhecida. Que ele não caiu, imediatamente, no dia de sua criação é
evidente pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, o sétimo dia é adicionado ao sexto da mesma maneira que


os dias anteriores são unidos. Não há menção de qualquer intervalo, ou da
Queda de qualquer demônio ou homem. As divisões de capítulo impostas não
têm nenhuma relação com esse assunto, pois as divisões de capítulo não se
originaram dos próprios escritores sagrados, mas foram estabelecidas por
outros como uma ajuda de memória e para propósitos instrucionais.

Em segundo lugar, a Queda é registrada como tendo ocorrido após o sétimo


dia. Os primeiros sete dias e o que ocorreu naqueles dias, são descritos em
ordem cronológica em Gênesis 1-2, enquanto a Queda é registrada,
subsequentemente, em Gênesis 3.

Em terceiro lugar, após a conclusão do sexto dia, tudo ainda era muito bom.
“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã,
o sexto dia” (Gênesis 1:31).

Em quarto lugar, quando Deus viu a pecaminosidade do homem, “Então o


Senhor ficou triste por haver feito o ser humano na terra, e isso lhe pesou no
coração” (Gênesis 6:6, versão do autor). Contudo, no sétimo dia, o Senhor
descansou; isto é, Ele deixou de criar novas criaturas. Ele observou todo o Seu
trabalho com deleite, regozijando-se em Suas próprias obras e, humanamente,
falando, foi refrescado por isso. “Porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e

25
a terra, e, ao sétimo dia, descansou, e tomou alento” (Êxodo 31:17). Isso prova
que o homem não caiu antes, nem no sétimo dia.

Em quinto lugar, também não é concebível que o homem, que acabara de abrir
os olhos para este mundo, tivesse imediatamente caído e, portanto, não
tivesse tido tempo de se deleitar em Deus, regozijar-se em seu estado santo e
glorioso, e magnificar a Deus. Ele, então, não teria tido tempo para ser,
experiencialmente, familiarizado com seu estado abençoado, nem foi capaz de
refletir sobre isso após a Queda. A partir disso, pode-se deduzir que Deus lhe
concedeu algum tempo para experimentar o que é bom, e que o homem não
caiu antes do sétimo dia. Não se sabe, no entanto, quantos dias, semanas ou
meses ocorreram.

26
2. PAPEL DE SATANÁS NA QUEDA

Depois que um grande número de anjos pecaram e se tornaram demônios, o


diabo conspirou para que Adão e Eva caíssem a fim de impedi-los de glorificar a
Deus, a quem ele odiava com um ódio terrível, ao rejeitar os demônios e,
eternamente, excluí-los da graça.

O Diabo atacou Eva quando ela estava sozinha, provavelmente, em pé, perto
da árvore do conhecimento do bem e do mal. Lá, ele a enganou, e ela, tendo
sido enganada, embora ainda não consciente disso, também enganou seu
marido, Adão. Ele não foi enganado devido ao amor por sua esposa, mas sim,
devido a sua decepção, e, só então, os olhos de ambos foram abertos (Gênesis
3:7). O Diabo foi, portanto, a causa sugestiva da Queda e, por essa razão, é
chamado de “homicida desde o princípio” e “mentiroso” (João 8:44).

Para este propósito, o Diabo usou uma serpente, julgando ser um instrumento
adequado para ele. Ele falou com Eva através da serpente. Ele não era invisível
quando falava, nem simulava uma voz falada. Ele não se comunicou,
pessoalmente, com a alma de Eva, mas falou através da serpente, da qual ele
havia tomado posse. Não se deve considerar este assunto como uma metáfora,
nem como uma parábola ou uma ilusão. Nem o Diabo apareceu como uma
aparição à semelhança de uma serpente, mas esta é uma história genuína - um
evento que, realmente, ocorreu. Tanto o Diabo quanto a serpente estavam,
ativamente, envolvidos nessa questão. Era uma serpente no verdadeiro sentido
da palavra, isto é, um animal genuíno. Isso é evidente:

(1) Da história em si. “Mas a serpente, mais astuta que todos os animais ...
disse à mulher ...” (Gênesis 3:1, versão do autor);
(2) Também do verso 14, onde o seguinte é declarado sobre a serpente: “Visto
que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre
todos os animais selváticos”. Não pode ser contradito que a serpente era uma
criatura irracional, e assim incapaz de se tornar inteligível e de discurso
inteligente. Portanto, é certo que uma criatura racional falou através da
serpente e que essa criatura inteligente era má e pecadora. Por isso, não
poderia ter sido mais ninguém senão o diabo, que por essa razão é
frequentemente chamado de “serpente”, “dragão” ou “aquela velha serpente”
nas Escrituras. “... o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás”
(Apocalipse 20:2). Foi ele quem enganou Eva: “... assim como a serpente

27
enganou a Eva com a sua astúcia” (2 Coríntios 11:3). É a sua cabeça que foi
ferida por Cristo, “por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte,
a saber, o diabo” (Hebreus 2:14).

Visto que Moisés é muito breve em relatar os eventos do primeiro mundo, o


método do engano não é registrado. Portanto, todas as conjecturas, neste
caso, são apenas especulações vãs, como se o Diabo falou apenas uma vez ou
em várias ocasiões com Eva; se ele lidou com Eva de uma maneira
completamente diferente; se ele veio como mensageiro de Deus, declarando
que o tempo da provação havia sido concluído e, portanto, eles tinham
permissão para comer; se ele veio como amigo e professor para aconselhar e
transmitir a ela que benefício poderia derivar de comer desta árvore; ou se ele
veio como um inimigo de Deus, desejando privá-la daquilo que a faria feliz e
igual a ele. Estas são todas as conjecturas. Também é possível que ele tenha
produzido outros pretextos ou argumentos enganosos. Eu preferiria ficar em
silêncio sobre esses e outros assuntos semelhantes do que enganá-lo com o
que parece ser apenas racional. Seja o que for que o mais sábio e maior
Professor não tenha desejado nos revelar, não deveríamos estar desejosos de
saber. Esta é uma prática segura pela qual se evitará muitas tentações.

Estou convencido de que Eva sabia muito bem que os animais, também a
serpente, não têm intelecto racional nem são capazes de falar. Embora
ignorasse a Queda dos anjos, ela poderia deduzir que essa ocorrência era de
natureza extraordinária. Também estou convencido de que foi permitido a Eva
desejar um nível mais elevado de conhecimento e comunhão com Deus, o que
lhe foi prometido no Pacto de Obras. Ela também foi autorizada a aspirar, após
o aumento do conhecimento sobre o reino da natureza, que ela poderia ganhar
no caminho da experiência, assim como a multiforme sabedoria de Deus
poderia ser conhecida pelos anjos e pela igreja (Efésios 3:10).
Também estou convencido de que ela não comeu ignorantemente desta
árvore, mas sabia muito bem que não lhe era permitido comer nem tocá-la.
Desejando aumentar a compreensão, Eva foi seduzida para comer desta
árvore. Ela não foi coagida, mas o fez por vontade própria. Eva não estava,
imediatamente, consciente desse engano, mas só se deu conta disso depois de
ter enganado Adão. Além disso, Adão não foi o primeiro a ser enganado nem
foi enganado pela serpente, mas como o apóstolo declara em 1 Timóteo 2:14,
Eva foi enganada - e, portanto, ele é subsequente a ela. Estou convencido de

28
que, se Adão tivesse permanecido de pé, Eva teria suportado a punição
sozinha. No entanto, desde que Adão também pecou toda a natureza humana
tornou-se culpada, como Paulo disse: “Portanto, como por um só homem
entrou o pecado no mundo...” (Romanos 5:12). Ele não se refere apenas ao
pecado de Eva, mas ao pecado de toda a raça humana, que é total e
inteiramente compreendido em Adão e Eva, que eram um em virtude de seu
casamento. Em vez disso, ele se refere, especificamente, ao pecado de Adão,
que foi o primeiro homem, a primeira e única fonte, tanto de Eva quanto de
toda a raça humana.
O comer desta árvore não era um pecado menor, mesmo que o consumo da
fruta em si fosse uma questão pequena. Pelo contrário, foi um crime terrível no
qual estava compreendida a quebra de toda a lei. Foi uma quebra de amor,
obediência e aliança, resultando na perdição de si mesmo e de todos os seus
descendentes. Este pecado é agravado pelo fato de que,
(1) foi cometido contra o próprio Deus a quem eles conheciam em Sua
majestade e Sua glória, e que em Sua múltipla bondade os uniu a Si mesmo;
(2) foi cometido por uma pessoa santa que tinha a capacidade necessária para
se abster de fazê-lo e para resistir a todas as tentações;
(3) abster-se de comer desta única árvore era uma exigência insignificante e
fácil, já que eles tinham tudo em abundância neste belo jardim;
(4) a felicidade ou condenação de si mesmo e seus descendentes dependiam
disso. Portanto, em Romanos 5, esse comer é corretamente denominado
“pecado” (Romanos 5:12), “transgressão” (Romanos 5:14), “ofensa” (Romanos
5:15) e “desobediência” (Romanos 5:19).

29
30
3. INCREDULIDADE COMO O PECADO INICIAL DO HOMEM

Quando consideramos este pecado e sua comissão de forma abrangente, é,


evidentemente, uma fusão de todos os pecados. Isto não é meramente assim
[apenas] porque quem transgride em um mandamento é culpado de todos -
cada pecado sendo um ato de apostasia para com o legislador e uma
transgressão da lei, mas também, porque muitos pecados específicos são
combinados nesse pecado.

Se alguém perguntasse: “Qual foi o primeiro pecado?”, respondo que um


pecado em particular pode não ter sido o primeiro cronologicamente, mas
primeiro em ordem de importância. Além disso, antes que o ato externo se
manifestasse, uma fusão de vários pecados já havia ocorrido. Assim, o pecado
inicial não pode ser encontrado no ato externo, nas emoções, afeições e
inclinações, nem na vontade. Em uma natureza perfeita, a vontade e as
emoções estão sujeitas ao intelecto, pois não precedem o intelecto em sua
função, mas são uma consequência do mesmo.

O pecado inicial deve ser buscado no intelecto, o qual, por raciocínio enganoso,
foi levado a concluir que eles não morreriam e que havia um poder inerente
naquela árvore para torná-los sábios, uma sabedoria que lhes era permitido
desejar sem serem culpados do pecado. Esta árvore tinha o nome de
conhecimento, que era desejável para eles. Também tinha o nome de bem e
mal, embora estivesse oculto deles quanto ao que estava compreendido na
palavra mal. A serpente faz uso desse nome como se grandes assuntos
estivessem ocultos nessas palavras. Como o intelecto se concentrava tanto na
conveniência de se tornar sábio quanto na árvore pela qual ou como um meio
ou como uma causa, essa sabedoria poderia ser transmitida a eles, a intensa e
viva consciência da proibição de não comer e a ameaça da morte tendia a
diminuir. A faculdade de julgamento, sugerindo que seria desejável comer
desta árvore, despertou a tendência de adquirir sabedoria dessa maneira.
Soma-se a isso o fato de que “vendo a mulher que a árvore era boa para se
comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento”
(Gênesis 3:6).

O engano do intelecto não era em consequência da natureza da árvore e seus


frutos, mas devido às palavras da serpente e as palavras da mulher a Adão.
Assim, a questão – a saber, não morrer, mas ganhar sabedoria ao comer desta

31
árvore – foi confirmada pela fé, sendo este o ato pelo qual alguém toma as
palavras de outra pessoa por verdade. Portanto, o primeiro pecado foi a fé na
serpente, acreditando que eles não morreriam, mas sim obteriam sabedoria.
Este ato implicava numa descrença de Deus que ameaçou a morte ao comer
desta árvore. Assim, Eva, em virtude da incredulidade, tornou-se desobediente,
estendeu a mão e comeu. Ao fazê-lo, acreditou na serpente e foi assim
enganada e iludida, sendo esse pecado denominado como tal em 1 Timóteo
2:14 e 2 Coríntios 11:3. De maneira semelhante, ela enganou Adão. Portanto, o
primeiro pecado não foi o orgulho, isto é, ser igual a Deus, também não a
rebelião, a desobediência ou um apetite injustificado, mas a incredulidade.

32
4. A QUEDA DE ADÃO NÃO É DEVIDO À IMPERFEIÇÃO EM SUA NATUREZA

Pergunta: Como era possível que uma pessoa perfeita, totalmente livre do
princípio do pecado, pudesse cair em pecado?

Resposta: [Em primeiro lugar], diga-me, antes de tudo, como era possível que
os anjos, que tinham um grau mais elevado de perfeição, pudessem pecar? Se
você responder dizendo que sabe que eles pecaram, mas não como eles
pecaram, você já respondeu sua própria pergunta sobre Adão. O fato de que
Adão pecou é uma certeza. Que ele estava livre da menor inclinação inata para
o pecado também é certo, pois: (1) se isso não fosse verdade, Deus seria
designado como o autor do pecado; (2) tal inclinação inata para o pecado é
inconsistente com a criação perfeita e com a imagem de Deus [nele]; e (3) tal
inclinação é contrária ao décimo mandamento.

Em segundo lugar, Deus criou o homem como uma criatura racional, dotando-
o de intelecto e de livre arbítrio, permitindo-lhe, assim, governar suas ações e
abster-se de ceder às tentações e astúcia externas. Em vez disso, o homem se
permitiu ser enganado da maneira declarada anteriormente. Já que estamos
sujeitos a isso, vamos nos preocupar mais com a possibilidade de sermos
libertos do pecado do que com a forma como nos envolvemos nele.

O fato de que Deus, desde a eternidade, conheceu a Queda, decretando que


Ele permitiria que ela ocorresse, não é apenas confirmado pelas doutrinas de
Sua onisciência e decretos, mas também, pelo fato de que Deus, desde a
eternidade, ordenou um Redentor para o homem, para livrá-lo do pecado: o
Senhor Jesus Cristo, a quem Pedro chama o Cordeiro, “conhecido, com efeito,
antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por
amor de vós” (1 Pedro 1:20).

Pergunta: Adão em pecado agiu independentemente de Deus, e a Queda


ocorreu, portanto, à parte da providência de Deus? Resposta: Minha resposta é
um enfático “Não”. Nós tratamos de maneira abrangente deste assunto no
capítulo 11. Lá, mostramos que nenhuma criatura pode ser independente de
Deus, nem em sua existência nem em suas ações. Também confirmamos que a
cooperação de Deus controla o homem e o ativa em relação a cada ação
específica, apoiando-o e sustentando-o nisso. Assim, Deus, no que diz respeito
ao movimento natural, energiza o intelecto, a vontade e as atividades do
homem de maneira agradável à sua natureza humana, levando-o a agir por seu
33
livre-arbítrio.[3] Isto, embora sustentado, controlado e governado em virtude
da cooperação de Deus, é, Ele próprio, o iniciador e a causa de seus atos. Ao
pecar, o homem abusa de tudo isso, não se envolvendo em conformidade com
a lei que lhe foi designada. Tal foi o caso com Adão. Deus lhe deu força
suficiente para resistir a todas as tentações, mas Deus não o impediu de pecar.
Ele poderia ter feito o último, mas não foi obrigado a fazê-lo. Deus não retirou
essa força dada de Adão, mas permitiu que o homem fosse ativo no exercício
de seu livre arbítrio. Consequentemente, a culpa é do homem e não de Deus.
Aquele que deseja penetrar neste assunto com seu entendimento
insignificante e sombrio, convocando Deus perante a barra de seu intelecto e
julgamento, declarar-Lhe culpado e inocente (o que, com toda probabilidade,
tal pessoa desejaria fazer), atribuindo ao homem uma inclinação inata para
com o pecado, ou declará-lo independente de Deus - tal pessoa será
recompensada por tal audácia com grande escuridão e será vítima de noções
tolas e pecaminosas sobre Deus. Portanto, desejo aconselhá-lo a concordar
com o que declaramos e a considerar que os pensamentos e caminhos do
Senhor não são como os nossos. Os caminhos de Deus são sagrados, quer os
entendamos ou não.

3
Deve-se notar que Wilhelmus à Brakel se refere ao estado de Adão antes da Queda. Este, em plena justiça,
santidade e conhecimento possui o livre-arbítrio para escolher entre o bem e o mal (Nota do Editor).
34
5. PACTO DE OBRAS E SUAS OBRIGAÇÕES APÓS A QUEDA

Por pecar, o homem quebrou aquela aliança gloriosa e perdeu a promessa.


Portanto, é, agora, impossível que a lei o justifique e conceda a ele o direito e a
posse da vida eterna, “estava enferma pela carne” (Romanos 8:3).

Não obstante, este pacto permanece em pleno vigor, obrigando toda a raça
humana (isto é, todos os que não foram incluídos no Pacto da Graça) à
obediência e sujeitando os homens à punição, já que o cumprimento da
promessa continua sujeito à obediência. “Isto faz, e viverás.”. Embora o
homem não possa obter a promessa desde que ele não cumpra a condição, a
promessa permanece parte e parcela desta aliança.

Em primeiro lugar, isso é evidente pelo fato de que Deus, pelo Seu próprio
caráter, obriga o homem à obediência, e a criatura é, naturalmente, obrigada a
obedecer, mesmo se não houvesse aliança. Deus, no entanto, criou o homem
em relacionamento pactual, tendo embutido o conhecimento e a aprovação
desse pacto em sua natureza, de modo que desde o primeiro momento de sua
existência ele nunca esteve fora deste pacto. Portanto, a natureza humana
permanece sob a obrigação original em relação a este pacto.

Em segundo lugar, também entre os homens, as alianças permanecem em


vigor, mesmo após a primeira transgressão. Uma sucessão de reis e
autoridades não apenas recordará a transgressão inicial de um pacto por
outros, mas também, trará a frequência com que o pacto existente foi
transgredido. Uma mulher, tendo cometido adultério, permanece em aliança
com o marido e não é libertada dela. Tão frequentemente quanto se envolve
com outra pessoa após a primeira comissão do pecado, muitas vezes, ela
comete adultério e, a cada vez, quebra a aliança. Isto prova, claramente, que a
transgressão de uma aliança não liberta o transgressor da relação de aliança.
Assim também, o Pacto de Obras permaneceu em vigor após a transgressão.

Em terceiro lugar, é, naturalmente, entendido por todos os homens, e a


Escritura ensina da mesma forma que a lei, a promessa, as ameaças e a
aceitação da aliança permanecem em vigor. Portanto, o Pacto de Obras,
também, permanece em vigor. Todo homem sabe que existe um Deus e está
consciente da lei escrita em seu coração. Ele julga que esta lei é boa e concorda
com sua obrigação de ser obediente a ela. Ele reconhece que ele será
recompensado se ele obedecer, e será punido se ele desobedecer, o que é
35
confirmado em Romanos 1:32; 2:14-15. Desde que tal lei condicional está em
vigor, uma aliança também está e permanece em vigor. O pecador, portanto,
continua a ser obrigado a esta aliança, uma vez que ele é um devedor de toda a
lei (Gálatas 5:3). “A lei tem domínio sobre uma pessoa apenas enquanto ela
está viva?” (Romanos 7:1, versão do autor). Portanto, sempre que transgride a
lei, muitas vezes, transgride a aliança. No entanto, quando Deus permite que o
homem saia deste Pacto de Obras e entre no Pacto da Graça, ele não está mais
obrigado a esse pacto. “pois vocês não estão debaixo da lei, e sim da graça”
(Romanos 6:14, versão do autor). “A mulher casada está ligada pela lei a seu
marido, enquanto ele vive; mas, se o marido morrer, ela ficará livre da lei
conjugal” (Romanos 7:2, versão do autor). Para o crente, a lei não é mais uma
condição do Pacto de Obras, mas uma regra de vida muito desejável. Assim,
quando ele peca, ele não quebra mais o Pacto de Obras, porque ele não é mais
obrigado a isso. Em vez disso, ele peca contra essa regra de vida mais desejável
que lhe foi dada no Pacto da Graça. Tal pecado não é cometido pelo novo
homem interior, mas pela carne que permanece nele. E embora esses pecados
sejam dignos de punição, os crentes não serão sujeitos a punição, uma vez que
o Fiador levou seus pecados sobre si e pagou, integralmente, suas dívidas.
Pode-se pensar que, desde o primeiro pecado, as promessas foram canceladas
e a punição foi dispensada, e, por isso, o Pacto de Obras não pode mais estar
em vigor. Nossa resposta é a seguinte:
(1) Ambas as promessas e ameaças são inerentes ao pacto, e continua a retê-
las. Portanto, a aliança permanece em vigor, já que, na realidade, as promessas
e as ameaças já constituíam a aliança;
(2) Nem as promessas nem as ameaças, consideradas independentemente,
constituem a natureza essencial da aliança, mas sim, a relação interdependente
da aliança. E, desde que isto permaneça em vigor, a aliança permanece em
vigor.
(3) Existem também graus no que diz respeito a recompensa e punição. Isso já
tendo sido concedido, o pacto pode permanecer em vigor.
(4) O homem continua sendo obrigado a se deleitar em Deus, a crer nEle, a vê-
lO como seu bem mais elevado e a buscá-lO no caminho da obediência.
Ninguém, desejando ser chamado de cristão, ousaria negar isso. Portanto, a
aliança que obriga o homem a tudo isso também permanece em vigor.

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6. A MISÉRIA DO HOMEM DEVIDO A SUA VIOLAÇÃO DA ALIANÇA

Numerosas misérias pecaminosas e dolorosas resultaram do rompimento desta


aliança com Adão e Eva.

Em primeiro lugar, o homem foi, imediatamente, privado da imagem de Deus,


cuja reforma começa na regeneração (Colossenses 3:10; Efésios 4:24). Estes
textos confirmam que esta imagem foi perdida, o que, imediatamente, se
manifestou pela consciência da vergonha.
Em segundo lugar, havia consciência da vergonha. Devido à vergonha de sua
nudez corporal, eles não ousaram entrar nus na presença de Deus (Gênesis 3:7,
10). Eles também estavam envergonhados de si mesmos e na presença um do
outro. Isso não é indicativo de desejos impuros nessas pessoas casadas, mas
suas consciências conscientizaram-nos de que seus membros eram muito
vergonhosos para serem vistos. Eles, portanto, tentaram escondê-los, não
encontrando meios melhores e mais apropriados do que as folhas das figueiras.
Estas folhas, provavelmente, não eram tão pequenas como aqui e na Espanha,
mas longitudinalmente alcançadas do queixo de um homem até os joelhos.
Folhas de tamanho similar ainda crescem, hoje, no Ceilão. Estes se ligavam um
ao outro da melhor forma que podiam, e se cingiam a eles.
Em terceiro lugar, somado a isso, havia uma consciência aterrorizada. O Senhor
revelou-se na brisa[4] do dia que surgiu ao nascer do sol para moderar o calor -
que ocorre, especialmente, em muitos países onde é quente. É possível que
naquele tempo o Senhor, normalmente, se revelasse a Adão de uma maneira
especial, algo com o qual ele já estava experiencialmente familiarizado.
Também é possível que algo extraordinário tenha ocorrido, por meio do qual
Adão se deu conta da chegada do Senhor. De qualquer forma, Adão e Eva
estavam, agora, conscientes de terem cometido pecado; por isso eles, também,
temiam a punição do pecado. A presença de Deus, que anteriormente lhes
dava tanta alegria, agora, os fazia temer, de modo que fugiram, escondendo-se
entre as árvores mais próximas (Gênesis 3:8).
Em quarto lugar, Adão manifestou um amor próprio pecaminoso, procurando
se desculpar, assim como sua falta de amor, acusando sua esposa, Eva (Gênesis
3:12). Jó falou disso. “Se, como Adão, encobri as minhas transgressões,
ocultando o meu delito no meu seio” (Jó 31:33). Eva, também, se desculpou
declarando que havia apenas sido enganada, culpando a serpente.

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Em holandês: “de wind des daags”, isto é, a brisa do dia.
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Em quinto lugar, isto foi seguido por (1) a condenação da serpente, que tinha
sido mal utilizada. “Tu és amaldiçoado acima de toda a criação”, etc. (Gênesis
3:15), e (2) a condenação de Satanás que foi a causa da tentação: a semente da
mulher “te ferirá a cabeça” (Gênesis 3:15). Isto foi realizado por Cristo (Hebreus
2:14).
Em sexto lugar, depois que o Senhor anunciou o Pacto da Graça a Adão e Eva
testificando da semente da mulher (e não do homem) - que é Cristo, que viria a
“destruir as obras do diabo” (1 João 3:8), que é “o fruto do ventre (de Maria)”
(Lucas 1:42) e que foi “… feito de mulher” (Gálatas 4:4) - foi da vontade do
Senhor aquele homem sempre permaneceria consciente do pecado. Assim, Ele
anunciou-lhe o castigo das misérias que permaneceriam sobre ele e que, para
os não convertidos, seria uma punição que resultaria em morte.
(1) As punições especiais com as quais particularmente o sexo feminino seria
afligido são: “Aumentarei em muito os seus sofrimentos na gravidez; com dor
você dará à luz filhos. O seu desejo será para o seu marido, e ele a
governará”(Gênesis 3:16).
(2) As punições especiais que Deus impôs ao sexo masculino são as seguintes:
“E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore
que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas
obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também
cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o
teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado” (Gênesis 3:17-19).
(3) A punição comum a qual tanto o homem quanto a mulher estariam sujeitos
era a morte. “Porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gênesis 3:19).

Alguém poderia pensar: nem uma palavra é mencionada, aqui, de condenação


eterna; parece que isso não foi ameaçado nem merecido. Eu respondo: em
primeiro lugar, acima, mostramos que a condenação eterna foi ameaçada pelo
pecado. Subsequentemente, mostraremos como tem sido merecido por todos
os pecados, e que após a morte ela será a porção dos não convertidos. Em
segundo lugar, a razão pela qual a condenação eterna não é mencionada aqui
é porque o Pacto da Graça, em virtude da semente da mulher, que é Cristo, foi
anunciado a Adão e Eva (v. 15), antes dos anúncios das tristezas a que eles
estariam sujeitos (v. 16-19). Adão e Eva, portanto, já haviam sido libertos da
condenação, e as tristezas impostas sobre eles eram como castigos. Objeção:
Não há prova de que Adão e Eva foram salvos por Cristo. O oposto parece ser

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verdade em Hebreus 11:4, onde Abel é apresentado como o primeiro crente,
assim como em Mateus 23:35, onde é apresentado como o primeiro homem
justo.
Resposta: Em primeiro lugar, Abel é, realmente, mencionado nesses textos,
mas não como o primeiro homem justo, nem como o primeiro crente. Assim,
Adão não é mais excluído do que quando Abraão é chamado pai dos fiéis -
como se isso excluísse todos os crentes antes dele. Em segundo lugar, nestes
textos, Abel é colocado em contraste com o ímpio, já que há referência à
superioridade de seu sacrifício sobre Caim, e ele foi o primeiro mártir.
Em terceiro lugar, que Adão acreditava na semente prometida é comprovado:
(1) Em virtude da aliança estabelecida que não poderia existir sem haver um
participante desta aliança. Se Adão não tivesse participado dessa aliança, não
teria participado até Abel e Sete, que nasceram 130 anos depois da criação de
Adão. Quando Deus estabeleceu uma aliança com Abraão, ele mesmo foi
incluído. Deus estabeleceria o Pacto da Graça, referindo-se à semente da
mulher que machucaria a cabeça da serpente, e não incluiria Adão e Eva nesta
aliança? Essa aliança, então, não seria eficaz por tantos anos na ausência de
participantes dessa aliança? Deus teria anunciado a Adão e Eva sobre o Pacto
da Graça e depois os teria excluído dele?
(2) É evidente, a partir da inimizade entre o homem e a serpente, pois onde
quer que haja inimizade com o Diabo, há paz com Deus.
(3) Eva, imediatamente, se concentrou na promessa depois que ela deu a Caim,
dizendo: “Eu recebi um homem do Senhor” (Gênesis 4:1, versão do autor).
(4) Acrescente a isto a educação piedosa e a instrução fiel dos filhos de Adão,
que era o meio pelo qual Abel recebia fé.

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7. PACTO DE OBRAS E O PACTO DA GRAÇA

Tendo estabelecido o Pacto da Graça com Adão e Eva, e tendo imposto sobre
eles como castigos as várias provações e tribulações desta vida, bem como a
morte temporal, o Senhor os vestiu com roupas melhores do que aquelas feitas
de folhas de figueira, a saber, casacos de peles. Antes da Queda, Adão não
matou animais. Não carne, mas semente de erva e o fruto de uma árvore
dando semente, foi dado a ele por carne. Eu não posso te dizer de onde essas
peles vieram. Nós não lemos que eles vieram de animais sacrificados, e não é
de nenhum proveito saber disso. Foi Deus quem fez casacos de peles para eles,
vestindo-os para cobrir e aquecê-los. Ao fazê-lo, porém, Ele repreendeu-os
severamente a respeito da violação do Pacto de Obras e seu objetivo em
transgredi-lo, dizendo: “Eis que o homem se tornou como um de nós,
conhecedor do bem e do mal” (Gênesis 3:22). Considerando que o Pacto de
Obras tinha sido quebrado e tornado insuficiente para que a felicidade não
fosse mais obtida por ele, e o Pacto da Graça substituísse este pacto para os
crentes, Deus não queria que Adão ansiasse pelo Pacto de Obras ou seu
sacramento, a árvore da vida, porque esta aliança não era mais eficaz. Em vez
disso, o Senhor queria que eles se afastassem desse pacto, pondo toda a sua
esperança e buscando todo o seu conforto na semente prometida da mulher.
“O SENHOR Deus, por isso, o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a
terra de que fora tomado. E, expulso o homem, colocou querubins ao oriente
do jardim do Éden e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o
caminho da árvore da vida. [para] assim, que não estenda a mão, e tome
também da árvore da vida†, e coma, e viva eternamente” (Gênesis 3:23-24,
22).
Já mostramos que não havia eficácia na árvore da vida para preservar a vida
eternamente. Não servia mais como sacramento do Pacto de Obras, uma vez
que a promessa já não podia ser obtida por meio desse pacto quebrado. Por
que, então, o caminho para a árvore da vida foi barrado para que Adão não se
aproximasse para comer dele? É possível que o Diabo tivesse dado a Eva uma
impressão errada a respeito dessa árvore da vida, ou que depois o Diabo
pudesse convencer o homem de que se ele comesse da árvore da vida, ele não
morreria - fazendo tudo isso para atrair o homem para longe do Pacto da Graça
e dirigi-lo pela renovação do Pacto de Obras como o caminho pelo qual a
felicidade deveria ser buscada. Também é possível que o próprio Adão tivesse

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tais inclinações, tendo em vista um objetivo e impressões erradas. Deus
desejando protegê-lo não apenas proibiu-o de comer desta árvore, mas
também o impediu de vir a ela.
Assim, o Pacto de Obras foi quebrado e seria uma vantagem para os filhos de
Deus desviar o olhar deste pacto. Quanta saudade ainda há pelo Pacto de
Obras! Isso se torna evidente tanto na manifestação da incredulidade ao cair
no pecado - como se o pecado anulasse todas as promessas e como se alguém
precisasse encontrar algo dentro de si antes de vir a Cristo - e por permanecer,
secretamente, em nossas próprias obras, sendo mais encorajado quando as
coisas vão razoavelmente bem. Portanto, deve-se fazer de Cristo na Aliança da
Graça o fundamento para todo o descanso e conforto e buscar a santidade dEle
como elemento principal da salvação.

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