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O argumento lógico do mal intenta demonstrar que as duas proposições seguintes são
implicitamente autocontraditórias:
E. O mal existe.
Acredito que uma contradição explícita pode ser produzida e que a verdade necessária
(p1) de que necessitamos pode ser descoberta através de uma análise crítica da defesa
do livre-arbítrio de Plantinga. O problema com a defesa de Plantinga está situado em
suas suposições implícitas. As suposições relevantes são sobre a liberdade. Considere a
seguinte passagem (na qual por “significativamente livre” Plantinga quer dizer liberdade
em relação a uma ação moral):
“Agora, Deus pode criar criaturas livres, mas ele não pode manipulá-las causalmente
ou determiná-las a fazer o que é certo. Pois se ele o fizesse, então elas não seriam, no
fim das contas, significativamente livres; elas não fariam o que é certo livremente. Para
criar criaturas capazes de bondade moral, portanto, ele deve criar criaturas capazes de
maldade moral.”
Isto sugere que por “livre” Plantinga está se referindo (no mínimo) ao que chamarei de
liberdade externa. Uma pessoa é externamente livre em relação a uma ação A se, e
somente se, nada além (externo a) ele mesmo determina que ele realize A ou se
abstenha de realizar A.
Mas Plantinga sugere em outras passagens que por “livre” ele também entende
“liberdade interna”:
“E uma pessoa é livre em relação a uma ação A no tempo t somente se nenhuma lei
causal e condições prévias determinam que ela realize A no instante t ou que ela se
abstenha de fazê-lo” (170-71).
Uma pessoa é internamente livre em relação a uma ação A se, e somente se, é falso que
seus estados físicos e psicológicos passados, em conjunto com lei causais, determinem
que ele realize A ou se abstenha de fazê-lo.
Um pouco mais adiante, Plantinga sugere que também utiliza o termo “livre” no sentido
de liberdade lógica. Isto fica sugerido por sua afirmação de que é possível que cada
criatura livre escolha fazer algo errado em ao menos um dos mundos possíveis no quais
a criatura existe.
Uma pessoa é logicamente livre em relação a uma ação A se, e somente se, existe algum
mundo possível no qual ele realiza A e existe outro mundo possível no qual ela não
realiza A. Uma pessoa é logicamente livre em relação a uma vida perfeitamente virtuosa
(uma vida na qual toda ação moralmente relevante realizada pela pessoa é uma boa
ação) se, e somente se, existe algum mundo possível no qual ela viva esta vida e outro
mundo possível no qual ela não viva.
A determinação lógica de Deus em relação à bondade moral é implicada por sua essência
individual, pois a essência individual de Deus é ser maximamente grande, o que implica
ser maximamente excelente em todos os mundos possíveis. A excelência máxima, como
notei acima, inclui a propriedade de ser completamente bom.
A inépcia de Plantinga em discutir estes três sentidos de “liberdade” explicitamente tem
deixado seus comentadores confusos. Wesley Morrison, por exemplo, identifica
determinismo lógico e determinismo interno. Ele apresentou a seguinte crítica à defesa
de Plantinga:
Mas, pace Morrison, este não é o sentido no qual Deus é determinado a fazer somente
o que é certo. Deus é perfeitamente livre e não está sujeito a quaisquer impulsos,
desejos, paixões, e assim por diante, que determine causalmente suas ações.
Deus é internamente livre, mas logicamente determinado a fazer o que é certo. Em cada
mundo possível no qual existe, Ele é externa e internamente livre para escolher o que é
errado, mas escolhe fazer apenas o que é certo.
Morrison escreve que “Deus tem o poder de realizar ações erradas — caso em que
existirão mundos possíveis nos quais ele as realiza” (262). Isto é falso porque a posse do
poder para fazer algo não implica que o possuidor o exercerá em algum mundo possível.
É possível que alguém seja capaz de fazer A (isto é, que seja externa e internamente livre
para realizar A) mas escolha não exercer esse poder em cada mundo possível no qual
exista.
Mas não é uma condição necessária para ser moralmente bom que uma pessoa não seja
logicamente determinada em relação a ações moralmente relevantes; uma pessoa é
moralmente boa se ela escolhe livremente (no sentido externo-interno) fazer o que é
certo em cada mundo possível no qual ela exista.
Com a distinção entre liberdade interna, externa e lógica em mãos, posso começar
minha avaliação da defesa do livre-arbítrio de Plantinga. Considere a suposição que
Plantinga faz a princípio:
“Um mundo habitado por criaturas que são, ocasionalmente, significativamente livres
(e realizam livremente mais boas do que más ações) é mais valioso, tudo o mais sendo
igual, do que um mundo que não contenha, afinal de contas, nenhuma criatura livre.”
Assim, temos aqui uma prova de que ser livre interna e externamente, mas logicamente
determinado, possui um valor metafísico maior do que ser livre em todos os três
aspectos:
Portanto
5. É falso que é intrinsecamente melhor ser logicamente livre em relação a uma vida
moralmente boa do que ser logicamente determinado.
A premissa (3) é verdadeira porque “x conhece todas as verdades” não implica “Não é
logicamente possível para x realizar uma ação moralmente errada”, e “x é todo-
poderoso” não implica “Não é logicamente possível para x realizar uma ação
moralmente errada”. Nem a conjunção de onisciência e onipotência implica isso.
Esta suposição é falsa, pois “x é uma criatura interna e externamente livre em relação a
uma vida moralmente boa” não implica “x é logicamente livre em relação a uma vida
moralmente boa”. Se implicasse, existiria alguma diferença relevante entre Deus e
criaturas que garantiria que a implicação funcionasse no caso das criaturas, mas não de
Deus.
Mas que diferença seria esta? Como sugeri, nenhum dos outros atributos divinos (além
da bondade necessária) implica a bondade necessária. Nem a conjunção de dois ou mais
dos atributos divinos a implicam.
Muito pouco a título de argumentação pode ser encontrado na literatura que sustente
a alegação de que somente Deus é necessariamente bom. Morris tenta deduzir esta tese
da tese de que os atributos divinos são necessariamente coextensivos, isto é, que os
atributos da onipotência, onisciência, perfeita bondade, e assim vai, são exemplificados
por Deus e somente Deus em cada mundo possível.
Mas então a questão reverte para se existe qualquer razão para acreditar na tese da
coextensividade necessária. Morris oferece a justificação de que ele possui uma
“intuição” desta coextensividade necessária e que esta intuição é justificada porque
pode ser rastreada até um mecanismo de formação de crenças confiável, a saber, que
se existisse um deus desse tipo, ele teria implantado tal intuição em nós.
Mas também já vimos que este tipo de argumento fracassa porque o mesmo tipo de
argumento pode ser utilizado para justificar a intuição de que existe um deus cujos
atributos não são necessariamente coextensivos.
Swinburne apresenta um tipo de argumento diferente em “The coherence of theism”, a
saber, que a conjunção de onisciência e perfeita liberdade implica bondade necessária.
Este argumento, entretanto, ainda que sólido, não faz nada para mostrar que se
qualquer ser não é ao mesmo tempo onisciente e perfeitamente livre, também não é
necessariamente bom.
Swinburne argumenta que uma pessoa perfeitamente livre “não pode fazer o que não
considere, de alguma forma, uma coisa boa” porque a única restrição sobre a realização
do que alguém acredita ser certo é uma influência causal sobre as escolhas de alguém,
e uma pessoa perfeitamente livre não é causalmente influenciada (bem como é
causalmente indeterminada).
Uma outra pessoa que não Deus pode ser perfeitamente livre no sentido que Swinburne
atribui ao termo porque podem existir mentes incorpóreas finitas, por exemplo, um
anjo, que não é causalmente influenciada por seus estados psicológicos prévios ou
qualquer outra coisa.
Além disso, uma pessoa não-onisciente pode ter somente crenças morais verdadeiras,
no mínimo pela razão de que é possível conhecer todas as verdades morais e não
conhecer todas as verdades matemáticas.
6. É possível que exista uma mente não onisciente x tal que: para cada mundo possível
W na qual x exista, e para cada circunstância na qual x se vê diante de uma escolha
moral, x conhece todas as verdades concretas e morais cujo conhecimento é necessário
para fazer uma escolha correta.
7. Esta mente x não é nem causalmente determinada nem causalmente influenciada por
quaisquer fatores externos ou internos.
A ideia de que existem criaturas possíveis que são necessariamente boas e que Deus
poderia ter criado um mundo contendo somente tais criaturas não depende da
veracidade da teoria dos contrafactuais da liberdade de Plantinga. À primeira vista, pode
parecer que há uma dependência porque presumivelmente Deus, se existisse,
logicamente teria conhecido, anteriormente à criação, os contrafactuais acerca destas
criaturas e decidido criar um mundo com elas baseado neste conhecimento. Por
exemplo, Deus conheceria anteriormente à criação
E. O mal existe.
Existem várias maneiras de formular (p’), uma delas baseada numa proposição da
primeira discussão da defesa do livre-arbítrio de Plantinga em seu artigo “A defesa do
livre-arbítrio” (1965), registrada da seguinte maneira:
10. Se Deus é totalmente bom e a proposição “Deus cria seres humanos livres e os seres
humanos livres que ele cria sempre fazem o que é certo” é consistente, então quaisquer
humanos livres criados por Deus sempre fazem o que é certo.
Se a negação de (E) deve ser deduzida de (10) e (G), então (10) precisa ser uma verdade
necessária. Mas precisamos de premissas adicionais. Uma delas é
11. É consistente que Deus cria seres humanos livres e os seres humanos livres que ele
cria sempre fazem o que é certo.
Outra é
12. É possível que seres humanos livres que sempre fazem o que é certo existam sem
que exista qualquer mal natural, e se Deus criar estes seres humanos, ele não criará o
mal natural.
Se (10), (11) e (12) são todas verdades necessárias, então a proposição (p’) é a conjunção
de (10), (11) e (12) porque a conjunção destas três proposições com (G) implica
Isto produziria um argumento lógico do mal sólido, pois mostraria que o teísta está
comprometido com duas proposições cuja conjunção é o mal existe e o mal não existe.
No artigo “A defesa do livre-arbítrio” Plantinga ataca (10). Ele escreve
“Parece não haver razão para supor que (10) é absolutamente verdadeira, muito
menos necessariamente verdadeira. Se os seres humanos livres criados por Deus
sempre fizessem o que é certo seria, presumivelmente, responsabilidade deles; por
tudo o que sabemos eles podem ocasionalmente exercer sua liberdade para fazer o que
é errado.”
Num sentido Plantinga está certo, pois os humanos são logicamente livres em relação a
uma vida moralmente boa, e ser logicamente livre e ser logicamente determinado são
plausivelmente pensadas como propriedades essenciais. Não existe nenhum mundo
possível no qual humanos são logicamente determinados em relação a uma vida
moralmente boa.
A solidez do argumento lógico do mal pode ser vista mais claramente se considerarmos
uma proposição relevante da obra de Plantinga “God, Freedom and Evil”, uma
proposição que ele admite “a título de argumentação” ser uma verdade necessária
(ainda que ele não faça nenhuma tentativa subsequente para mostrar que ela não é uma
verdade necessária). A proposição é
13. Um ser onipotente, onisciente e (completamente) bom elimina todos os males que
podem ser convenientemente eliminados.
Dadas estas definições, é plausível pensar que (13) é uma verdade necessária. Se um
estado de coisas é eliminado pelo impedimento de sua efetivação, e se um mundo
possível é um estado de coisas (um estado de coisas máximo), então (13) implica
14. Deus impede a efetivação de qualquer mundo W1 que contém o mal se existe outro
mundo criável W2 contendo no mínimo tanto bem quanto W1 e nenhum mal.
Não existe nenhum mundo contendo o mal que contém mais bem do que um mundo
criável W2 que não contém nenhum mal e que consiste de Deus e um número infinito
de criaturas racionais necessariamente boas externa e internamente livres que realizam
um número infinito de boas ações.
Dessa maneira não podemos dizer que existe um mundo possível contendo o mal e
“infinito+N” boas ações e que este mundo contém mais bem do que um mundo
contendo um número infinito de boas ações e nenhum mal.
Obviamente, podemos obter mais boas ações se adicionarmos a um mundo com aleph-
zero boas ações um aleph-um adicional de atos, onde aleph-zero é o número de todos
os inteiros finitos e aleph-um é (pela hipótese do continuum) o número de todos os
números reais. Mas este tipo de argumento pode ser bloqueado sustentando que existe
outro mundo sem mal algum, mas com aleph-um boas ações. Os mesmos valem para
qualquer outro cardinal transfinito maior do que aleph-zero.
15. Existe algum mundo possível criável W2 contendo somente Deus e um número
infinito de criaturas racionais livres necessariamente boas que realizam um número
infinito de boas ações.
Isto nos dá nossa contradição explícita, a saber, a conjunção das seguintes proposições:
E. O mal existe.
14. Deus impede a efetivação de qualquer mundo W1 que contém o mal se existe outro
mundo criável W2 contendo no mínimo tanto bem quanto W1 e nenhum mal.
15. Para cada mundo possível criável W1 contendo o mal e um número infinito de
criaturas racionais livres que realizam um número infinito de boas ações, existe outro
mundo possível criável W2 que não contém nenhum mal e um número infinito de
criaturas racionais livres necessariamente boas que realizam um número infinito de
boas ações.
Observe que este argumento lógico do mal não é o argumento formulado por Mackie,
cuja refutação costuma ser creditada a Plantinga. O argumento de Mackie é
“Se Deus fez os homens de tal forma que em suas livres escolhas eles às vezes preferem
o que é bom e às vezes preferem o que é mal, por que ele não poderia tê-los feito de tal
forma que eles sempre escolhessem livremente o bem?
Se não existe nenhuma impossibilidade lógica no fato de uma pessoa escolher
livremente o bem em uma, ou em várias ocasiões, não pode haver uma impossibilidade
lógica no fato de ele escolher o bem em todas as ocasiões.”
Numa formulação de mundos possíveis, isto pode ser interpretado como a afirmação de
que existe um mundo logicamente possível no qual os humanos sempre escolhem o que
é certo.
Mas Plantinga enfrenta esta alegação observando que a existência de um mundo
possível não significa que Deus poderia efetivá-lo, pois é possível que se Deus tivesse
criado as pessoas neste mundo e as tivesse colocado nas circunstâncias relevantes, elas
teriam feito escolhas erradas.
Resumindo, o argumento de Mackie falha porque ele supõe que o mundo logicamente
possível no qual criaturas livres sempre fazem o que é certo contém humanos que são
logicamente livres em relação a uma vida moralmente boa.
O argumento de Mackie é que existe um mundo possível no qual os seres humanos são
criados por Deus e sempre fazem o que é certo; ele não demonstra a alegação mais forte
de que existe um tipo diferente de criatura, pessoas racionais que são interna e
externamente livres mas logicamente determinadas a fazer o que é certo, e que existe
um mundo possível contendo somente Deus e criaturas deste tipo.
Esta afirmação mais forte é necessária para fazer oposição ao criticismo de Plantinga
segundo o qual é possível que se Deus tivesse criado as pessoas em questão, elas
escolheriam fazer algumas ações erradas, ainda que fosse possível a elas não escolhê-
las.
Argumentos diferentes contra a defesa do livre arbítrio de Plantinga são propostos por
Gale. Ele não faz distinção entre liberdade interna e externa e assume tacitamente com
Plantinga que criaturas finitas racionais são logicamente livres.
O argumento básico de Gale é que seres humanos não possuem de fato livre arbítrio
(interno e externo) se eles são criados por Deus. Ele apela a um princípio a respeito dos
seres humanos, a saber, de que se as ações e escolhas de uma pessoa A resultam de
condições psicológicas que são intencionalmente determinadas por outra pessoa B,
então as escolhas e ações de A não são livres.
Gale observa que, segundo Plantinga, Deus intencionalmente causa a posse de todas as
propriedades da liberdade indeterminada de uma pessoa criada, que incluem seu perfil
psicológico. Isto implica, de acordo com Gale, que esta pessoa criada “deixa de ser livre
por não possuir uma mente própria.”
Gale assinala que seu argumento não é conclusivo porque “faz uso dos mesmos
princípios supressores da liberdade aplicáveis nas situações humano-humano ao caso
Deus-humano”, e a analogia pode não ser suficientemente forte. Mesmo assim, Gale
pensa que seu argumento possui alguma força contra a defesa do livre-arbítrio de
Plantinga.
Mas será que realmente possui? Acredito que as diferenças prevalecem sobre as
semelhanças entre as duas situações. Especificamente, o caso humano-humano envolve
o marido alterando a configuração psicológica original, natural, de sua esposa e a
substituindo por uma nova, artificial.
Gale diz muito mais sobre os problemas com a defesa do livre-arbítrio de Plantinga,
nenhum dos quais ele acredita refutá-la de maneira conclusiva. Acredito que a distinção
que fiz entre os três tipos de liberdade _ interna, externa e lógica _ e o argumento que
construí sobre esta distinção refutam conclusivamente a defesa do livre-arbítrio de
Plantinga, de maneira que não precisamos nos valer dos vários argumentos de Gale para
ver que esta defesa não é bem-sucedida.
Mas a crítica da defesa do livre-arbítrio feita por Gale é aplicável a outras versões além
da de Plantinga. Por exemplo, a de Adams, e Gale levanta várias objeções plausíveis em
sua abrangente discussão das várias versões da defesa.
Bibliografia: