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"Idem velle et idem nolle vera amicitia est. Creio que é difícil bem amar Deus quando não
se está na disposição de querer aquilo que Ele quer, quando se teria o poder de mudá-lo.
Com efeito, aqueles que não estão satisfeitos com aquilo que Ele fez parecem-me
semelhantes àqueles sujeitos descontentes cuja intenção não é muito diferente daquela
dos rebeldes." (tradução minha)
As perfeições são aquelas que não implicam contradição quando elevadas a seu grau
máximo. As naturezas dos números e das formas geométricas não podem ser perfeições,
pois seria contraditório afirmar a existência de um número maior que todos ou uma figura
:
maior que todas. A ciência e a onipotência em grau soberano, contudo, não implicam
nenhuma contradição. Se Deus possui o poder e o saber infinitos, segue-se que Ele age
sempre da forma mais perfeita moral e metafisicamente.
Se assim fosse, Deus poderia ter feito as coisas de tal modo que aquilo que é bem fosse
mal e o que o que é mal fosse bem. Aqui se insinua uma distinção entre a vontade divina
e a razão divina. Dado que a vontade é absolutamente livre, não há nenhuma
necessidade racional intrínseca pela qual as coisas sejam do modo que são. Deus
poderia muito bem ter feito o oposto de tudo o que fez sem que houvesse nenhuma
contradição. As verdades eternas seriam essas que são e não outras por simples
vontade divina e não por refletirem a razão divina.
Ora, afirma Leibniz, se em Deus não houvesse a colaboração da razão, as coisas não
seriam boas intrinsecamente. E se as coisas não são boas, não haveria razão para
louvar o Criador pela bondade e beleza da Criação, já que ela poderia ser o contrário
daquilo que é. Deus seria como um tirano cuja vontade arbitrária é lei. Por outro lado,
quem opta só pode optar na medida em que tem alguma razão que antecede sua
vontade. As verdades eternas da metafísica, da geometria, do bem, da justiça e da
perfeição não podem ser frutos só da vontade, mas sim do entendimento divino que
precede a Sua vontade.
A terceira proposição afirma que estão errados os modernos que, por ignorância dos
antigos, afirmam que Deus poderia ter feito um mundo melhor do que Ele o fez. Essa
visão baseia-se no parco conhecimento que temos da harmonia geral do universo e das
razões ocultas que Deus possui para fazer as coisas como as fez. Todas as ações de
Deus são soberanamente boas e guiadas por Sua razão. Se diante das possibilidades A
e de B, Ele escolhe A sem nenhuma razão para não escolher B, essa escolha não seria
digna de louvor. E todas as ações divinas são louváveis.
Na quarta proposição, Leibniz assevera que a razão pela qual devemos a Deus o amor
sobre todas as coisas reside justamente no conhecimento de que Ele sempre faz o
melhor e o mais perfeito. Aquele que ama busca a sua satisfação na perfeição do ente
amado. Não seria possível amar a Deus plenamente questionando-se se Ele poderia
fazer algo mais perfeito do que efetivamente fez. Por esse motivo, não basta apenas ter
uma paciência forçada, mas amar tudo aquilo que nos acontece segundo a Sua vontade.
Essa aquiescência refere-se ao passado. Quanto ao futuro, nada há que nos conduza ao
quietismo. Ao contrário, devemos fazer de tudo a nosso alcance para contribuir ao bem
geral. Embora os fatos não se dêem segundo a direção de nossos esforços, não se
:
segue que Deus não quisesse que agíssemos como agimos. Como bom mestre, Ele não
nos pede nada além da reta intenção, e é a Ele que pertence saber o momento propício
para a realização dos anseios humanos.
A quinta proposição inicia afirmando que basta a nós ter confiança de que Deus sempre
faz tudo da maneira mais excelente, mesmo que nosso intelecto finito não seja capaz de
entender as razões divinas para fazer as coisas como as fez. Não obstante, podemos
comparar Deus com um excelente geômetra, um bom arquiteto, um bom pai de família,
um bom mecânico ou um bom sábio. Todos estes dispõem seus materiais de forma bela
e conveniente.
Os seres mais mais perfeitos são justamente os espíritos, cuja perfeição é a virtude. Não
se pode duvidar que a felicidade dos espíritos é o objetivo de Deus tanto quanto ela seja
possível dentro da harmonia geral. As vias de Deus manifestam a Sua simplicidade, pois
elas são poucas e, no entanto, seus efeitos são muitos. Há uma analogia entre o modo
como o filósofo postula seus princípios e como Deus cria o mundo. Tanto um como o
outro fazem uso de poucos postulados independentes entre si e a partir de eles
constroem seus mundos. A diferença reside em que Deus decreta e o mundo existe.
Como dito acima, Deus criou o mundo do modo mais perfeito, com poucos princípios dos
quais as consequências são muitas e diversas. Leibniz diz que se serve de comparações
imperfeitas para dar alguma idéia da criação divina. O mistério de como realmente Deus
criou o mundo permanece intocado.
Aqui cabem alguns comentários. Leibniz, ao afirmar que nada há no mundo que seja
realmente irregular, poderia ser interpretado em pelo menos dois sentidos. No primeiro, a
regularidade seria evidência de que tudo é perfeitamente regulado de antemão por Deus,
o que configuraria um tipo de determinismo cuja consequência lógica seria a obliteração
da liberdade humana.
No outro sentido, Leibniz estaria afirmando somente que dada qualquer forma ou
movimento, por mais irregular que possa parecer num primeiro momento, sempre haveria
como descrever esse movimento ou forma de modo a encontrar ali certa expressão
:
matemático-geométrica. Nesse caso, não estaria se afirmando que essa regularidade é
imposta de antemão, como um determinismo, mas sim como uma evidência de que tudo
no mundo pode se tornar regular.
Isto é, extraí intelectualmente dos exemplos que observei uma regularidade que
efetivamente já existe e que rege o comportamento daqueles entes em condições
determinadas. Outra coisa seria criar uma forma e, tomando-a como um padrão, afirmar
que ela poderia (no sentido de mera possibilidade) se tornar repetível. No primeiro caso,
afirmo a existência de uma regularidade que efetivamente rege o comportamento de uma
classe determinada de entes. No segundo, tudo o que se diz é que um movimento
qualquer pode se tornar um padrão a ser repetido.
A princípio, parece não ser suficiente. Talvez seja possível afirmar somente que qualquer
movimento ou forma irregular pode ser sempre traduzido em termos matemáticos,
operação que tornaria esse movimento ou forma singular passível de ser encarado como
uma regra mesmo sem ser uma regra. Sendo assim, Leibniz estaria tratando não da
impossibilidade de irregularidade, mas da simples possibilidade da tradução do irregular
em termos matemáticos-geométricos. O que, aliás, não implica nenhuma forma de
determinismo.
A sétima proposição segue tratando dos milagres. Tudo está dentro da ordem, mesmo os
milagres que parecem contradizer as máximas subalternas que chamamos de natureza
das coisas. Estas não são mais do que costumes de Deus que podem ser interrompidos
por razões mais altas. Deus, na sua vontade geral, visa sempre a mais perfeita ordem
universal. Mas isso não impede que Deus tenha vontades particulares que são
exatamente as exceções às máximas subalternas. As leis mais gerais da ordem
universal, no entanto, permanecem sem exceção.
Leibniz concebe então que as naturezas das coisas expressam ações costumeiras de
Deus, e que essas ações podem ser mudadas segundo a necessidade de satisfação de
leis mais fundamentais. Ele acrescenta que Deus sempre quer tudo o que é objeto de
:
sua vontade particular. Quando se trata dos objetos de Sua vontade geral, é necessário
fazer uma distinção. Aquilo que os seres racionais fazem de bom, Deus quer e manda
fazer, ainda que não seja feito. Quando as ações dos seres racionais são más, Deus não
as quer ou comanda, mas somente as permite, pois extrai delas um bem maior do que
aquele que haveria sem a ação má.
Nessa distinção reside uma sutileza na compreensão do desejo divino. Deus sempre
quer o bem, mas os seres racionais nem sempre fazem o que é certo. No caso em que
fazem o bem, Deus quis o bem e mandou que fosse feito. Em outros termos, Deus quer o
bem, e insta os seres humanos, por meio de Seus mandamentos, a conhecer e fazer o
bem. Nesse sentido, Deus quis o bem na forma de um mandamento endereçado aos
seres racionais que podem ou não obedecê-Lo.
A vontade de Deus com relação ao bem não muda mesmo quando o bem que ele ordena
pelo mandamento não é realizado pelos seres racionais. E quando o mal é praticado,
algo que Deus não deseja e nem ordena em um mandamento, ainda assim esse mal se
torna um bem acidentalmente, pois Deus sempre tira um bem maior daquilo que é mal.
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