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No início do capítulo XIII de seu Sabedoria dos Princípios, o filósofo Mário Ferreira dos
Santos retoma alguns temas de capítulos anteriores como a afirmação, negação e a
positividade. Um termo é afirmativo quando dá assentimento e negativo quando recusa
assentimento. Positivo é tudo aquilo que se dá, tudo aquilo que é. A negatividade é
ausência e, portanto, será o contrário da positividade. A presença é a afirmação de algo
que se dá.
Por outro lado, o juízo "alguma coisa há" é absolutamente objetivo, transcendendo
qualquer subjetividade. Que há algo é evidente, objetivo e insofismável. Ainda que tudo
fosse ficção, como querem alguns, e a realidade toda fosse como um sonho, as ficções
seriam existentes elas mesmas enquanto ficções. De novo, o ser se impõe sobre o não-
ser.
No capítulo XIV, Mário Ferreira avança para o tema das determinações. O termo se
refere a algo que tem uma estrutura determinada. O limite é, simultaneamente, até onde
a coisas é o que ela é e o ponto depois do qual a coisa deixa de ser o que ela é. Quando
tomamos algo por algum de seus aspectos, nós a determinamos, embora isso em nada
altere os limites próprios da coisa. O limite é intrínseco à coisa e se refere a seu ser
inteiro, e a determinação é extrínseca, operada pela eleição de algum de seus aspectos.
Nossas determinações sobre o objeto não o limitam em nada, e não necessariamente
coincidem com os limites próprios do objeto.
O que há de absoluto nas coisas, diz Mário Ferreira, são os logoi, os nomoi que regem
tudo independentemente de sua especificidade. "Absoluto" é ab solutum, isto é, "aquilo
que está solto", que não depende das coisas tais como elas são, deste ou daquele modo.
Tais são os princípios primeiros e mais remotos de todas as coisas. Para que algo
determinado seja unidade, é preciso que siga o princípios da unidade que é
absolutamente universal e válido para todas as coisas.
Tudo o que possui ser, para ser ser, necessita ser uma unidade. O princípio é por onde a
coisa inicia no ser. Há princípios mais remotos e princípios mais próximos à coisa em
questão. Alguns são intrínsecos e outros extrínsecos. Se algo for composto, possuirá
uma unidade na qual as suas partes estarão subordinadas a um logos analogante, a uma
regra geral que afirma uma unidade tensional de aspectos heterogêneos.
Tudo o que não surge de si mesmo, que não tem em si mesmo seu princípio, depende de
:
outro para ser, uma princípio que a cause. Recorde-se aqui que toda causa é um
princípio, mas nem todo princípio é uma causa. O princípio extrínseco que ativamente dá
o ser a algo é a sua causa suficiente. A finalidade, para onde tende o ser, é outro
princípio extrínseco. Na coisa material, a matéria é também um de seus princípios.
Se um ser possui uma natureza tal que tenha em si mesmo sua razão de ser, seja ele
princípio de si mesmo, ele será um ser a se. Aquele ser que recebe de outro,
causalmente, a razão de seu ser, é um ser ab alio. Deus, enquanto princípio primeiro de
tudo, é ser a se. Todas as outras coisas que recebem de outro o seu ser, serão seres ab
alio (de outro, aliud). Assim, há os logoi da aseidade e da abaliedade. Deus, sumamente
simples, possui o logos da aseidade e as coisas, unidades de aspectos heterogênenos,
relativamente simples, possuirão o logos da abaliedade.
Mário Ferreira começa a tocar aqui no importante tema dos contextos matéticos. O
contexto do absolutamente simples, ou seja, de Deus, o filósofo denomina-o contexto
alfa. O contexto dos entes relativamente simples, isto é, dos entes ab alio, denomina-o
contexto beta. O que está no contexto alfa é absolutamente simples, sem parte, sem
sucessão, fora do tempo, é eterno. O que está no contexto beta é somente relativamente
simples, possui partes, está na sucessão, no tempo, é temporal.
De tudo o que foi tratado, é possível derivar alguns adágios matéticos absolutamente
evidentes. Por exemplo: Quando um termo não se identifica com outro, é porque há entre
ambos uma diferença. Isso significa que o que difere um ente de outro ente é a ausência
em um de algum atributo ou acidente que está presente no outro. Tal princípio não é
outro que o princípio da indiscernibilidade dos idênticos ou da identidade dos
indiscerníveis, formulado por Leibniz (embora Mário não cite Leibniz ou formule o
princípio desse modo).
Cumpre tecer alguns comentários. Tudo aquilo que é indiscernível de outro, é idêntico.
Só é possível discernir aquilo que tem alguma diferença com relação a outro. Por
exemplo, imagine-se duas bolas de ferro de mesmo tamanho, mesma massa, mesmo
peso, postadas uma ao lado da outra. O que as distingue? Sabemos que são duas bolas,
mas se elas são iguais em tudo, não diríamos que são idênticas? Na linguagem do senso
comum, podemos dizer que são idênticas. Mas, na linguagem filosófica, mais sutil e mais
rigorosa, as bolas não podem ser idênticas, caso contrário seriam uma e a mesma bola.
Consequentemente, esta porção está neste lugar do espaço e aquela porção está em
:
outro. Elas diferem nas porções utilizadas para fabricá-las e no espaço que ocupam. Se
tiverem sido fabricadas em tempos diferentes, haverá anterioridade temporal entre as
duas, isto é, outra diferença que exclui necessariamente a identidade entre elas. A
porção que está nesta bola está ausente da outra bola e vice-versa.
Ora, se o Nada tivesse antecedido o Ser, ele teria existido, o que já é absurdo. Se o Nada
fosse anterior ao Ser, o Ser não seria possível, pois possibilidade é algo real. Se o Nada
exclui tudo, então exclui também a possibilidade. Sendo assim, se o Nada antecedesse o
Ser, o Ser não teria sido possível, já que o Nada exclui até a possibilidade de algo vir a
existir. E se o Nada viesse a existir em algum momento, ele seria existência, e não a
negação absoluta da existência, o que é contraditório e, portanto, absurdo.
Não obstante, aquilo que não se realiza, que não está presente como positividade foi
uma possibilidade não realizada. Qual é o âmbito da possibilidade? O Meon, objeto do
contexto delta. O potencial e o possível estão contidos no real, naquilo que já é. Tudo o
que pode ser feito, tudo o que tem potência de existir, pode ou não vir a existir, mas, se
vier a existir, só existirá porque antes era possível. E só existirá por agência de algo que
já existe. Então, a capacidade para algo antecede ônticamente a ação que faz surgir
esse algo. O cavalo só pode estar no estábulo se antes for capaz de estar no estábulo.
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