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CARLOS FREDERICO GURGEL CALVET DA SILVEIRA

CURSO DE METAFÍSICA

Petrópolis
2014
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ÍNDICE

INTRODUÇÃO

PRIMEIRA PARTE: O ser do ente

I. Metafísica dos princípios


1. O primeiro princípio do ente

II. A estrutura metafísica do ente


1. Ato e potência
1.1. A potência
1.2. Tipos de potência e ato
1.3. Prioridade do ato sobre a potência
1.4. Relação entre potência e ato

2. As Categorias
2.1. Natureza e tabela das categorias
2.2. O tríplice modo de relação entre a substância e os acidentes
3. Acidentes especiais: qualidade e relação
3.1. A qualidade
3.2. A relação
4. A essência dos entes
4.1. A essência como determinação do modo de ser de um ente
4.2. A forma, ato da matéria
4.3. A essência nas substâncias espirituais
5. A essência individualizada: sobre o princípio de individuação
6. O ser, ato último dos entes
6.1. Distinção real entre ser e essência
6.2. O ser e a essência, princípios inseparáveis dos entes
7. Indivíduo e Pessoa
7.1. Noção de indivíduo
7.2. Natureza e Suposto
7.3. O ser, unidade do composto
8. Conclusão sobre a estrutura metafísica do ente

III. Os transcendentais
1. Noções gerais
2. Os transcendentais como aspectos do ente
3. Quatro transcendentais
3.1. O uno
3.2. O verdadeiro
3.3. O bem
3.4. O belo
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SEGUNDA PARTE: O agir do ente

I. Natureza e gêneros de causa


1. Natureza da nossa experiência da causalidade
2. Os tipos de causa
2.1. Causa material e causa formal
2.2. A causa eficiente
2.3. Causa final
3. Natureza do princípio e opiniões adversárias

II. O agir como exercício da causalidade eficiente.

CONCLUSÃO: O amor em tempos de sabedoria, um ensaio metafísico sobre o amor

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da filosofia, os primeiros pensadores entenderam esta ciência como um


saber universal que procurava descobrir o elemento primário da realidade. Nesse contexto, surge
com Parmênides o tema do ser. Ao filósofo de Eléia segue-se a necessária explicitação dos
problemas que envolvem o tema. Platão foi o primeiro a dar um sentido técnico e verdadeiramente
metafísico ao problema, como desenvolveremos a seguir. Porém, pode-se, desde já, dizer que foi
Aristóteles que devolveu ao ser sua primazia, considerando a metafísica como a ciência do ente
enquanto ente. Desde as origens do filosofar, o tema do uno e do múltiplo ocupou um lugar central
na especulação metafísica. Desde Aristóteles, o ato tem sentido de perfeição. Para o Estagirita, o ato
– enérgeia, enteléqueia – se contrapõe à potência – dýnamis – como o perfeito e acabado, a
realização da forma, à capacidade real não realizada.
Em definitiva, o ser constitui o ato primeiro e mais íntimo do ente, que de dentro confere ao
sujeito toda sua perfeição, pois qualquer ato ou perfeição antes deve ser, isto é, há de ter
previamente o ato de ser, do contrário, nada seria.
Em contrapartida, os entes, na medida em que são menos perfeitos, possuem menos ser, têm
um grau mais pobre de participação do ser. Historicamente, tal concepção do ser se formula de
modo explícito no racionalismo (Leibniz, Wolf). Um dos inconvenientes principais desta postura é
que o ente se assimila ao pensamento, já que essa noção indeterminada de ser só existe na
inteligência humana, como fruto de uma abstração lógica. Não se trata já do ser real, senão do ser
pensado, pois a “possibilidade” se entende no racionalismo como o caráter “não contraditório” de
uma noção, isto é, como “possibilidade de que algo seja pensado ou concebido”.
O existir designa somente a cara ou aspecto mais exterior do ser, como uma conseqüência
sua: porque o ente tem ser, está aí realmente, fora do nada, e existe. Interpretar ser como existência,
é um resultado lógico da posição indicada anteriormente, que reduz o ente à essência possível, à
margem do ato de ser. Formam-se assim dois mundos: por um lado, a esfera ideal das essências
abstratas ou do pensamento puro; por outro lado, o mundo dos fatos, da existência fática. Este
segundo não é mais do que uma reprodução do primeiro: como dizia Kant, o conceito de cem
táleres reais em nada difere do conceito de cem táleres simplesmente possíveis.
Os neoplatônicos desenvolvem uma metafísica que pode ser denominada de metafísica do
Uno: tudo gira em torno do Uno, Primeiro Princípio, que está além do ser. A multiplicidade
justifica-se como degradação emanada do Uno.
Em qualquer caso a multiplicidade fica subsumida na unidade do Eu ou na unidade do
Logos. A partir de Scoto, a metafísica tomou um profundo caráter formalista e terminou por
abandonar a noção tomista do ser como ato. Com distintos matizes, filósofos como Suárez, Leibniz,
Wolff, Kant, etc., passaram a entender o ser não como ato, senão como efetividade (do esse ut actus
ao esse actu).
O ser, por reunir de modo cabal as características do ato, pode subsistir independentemente
de toda potência. O ser é o ato de todos os demais atos do ente, pois atualiza qualquer outra
perfeição, fazendo-a ser. Por exemplo, o agir, que é ato segundo, se fundamenta nas potências
operativas – ato primeiro na ordem dos acidentes; e estas faculdades, com o resto das perfeições
acidentais, recebem sua própria atualidade da forma substancial, que é o ato primeiro da essência;
por sua vez, toda a perfeição da essência deriva do esse, que é por isso, com propriedade, ato último
e ato de todos os atos do ente.
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PRIMEIRA PARTE
O ser do ente

I. Metafísica dos princípios

São princípios primeiros, princípios supremos dos quais procede a inteligência em toda a sua
atividade, em todas as suas operações, ou seja, quando afirma, julga, raciocina sobre fatos de
experiência (interna, externa e mista), sobre leis gerais, sobre verdades abstratas, regulam e animam
todo nosso pensamento. São indemonstráveis: caso contrário, a ciência cairia num processo ao
infinito e nunca poderia demonstrar nada. Isto, porque, tratando-se da demonstração de um axioma,
axioma qualquer, o princípio demonstrante não poderia ser mais fraco do que aquilo que deve ser
demonstrado, precisaria ser, então, novamente um axioma e, posta a hipótese da necessidade duma
demonstração em favor do axioma, este axioma provante, demonstrante também deveria ser
provado, demonstrado - e assim adiante sem fim.
Os princípios primeiros da metafísica são os princípios primeiros do ente, que são: o
princípio de não-contradição; o de identidade; o do terceiro excluído; e o de causalidade.
O princípio de identidade que explicita que toda coisa é igual a si mesma, é facilmente
reconhecido no texto de Parmênides, e terá grande tradição filosófica, chegando mesmo a ser senão
o principal, ao menos o ponto de partida do Idealismo.
O princípio do terceiro excluído, que assim reza: entre o ser e o não-ser não há meio termo,
patenteia que somente o ser é e que tudo aquilo que não é absoluto como o ser definido por
Parmênides há de ser considerado de algum modo como ser.
O grande primeiro princípio pode ser considerado o de não-contradição, se admitirmos que
os outros são de algum modo uma explicitação deste.

O primeiro princípio do ente

Tal princípio primeiro chama-se princípio de não-contradição, porque expressa a condição


fundamental das coisas, isto é, que não podem ser contraditórias. O primeiro princípio é, antes de
tudo, um juízo sobre a realidade. O princípio de não-contradição é conhecido de maneira natural e
espontânea por todos os homens, por intuição. Para emitir este juízo é necessário conhecer com
anterioridade seus termos, ente e não-ente, noções que captamos somente quando, através dos
sentidos, a inteligência entende a realidade externa e apreende, por exemplo, o papel (ente), e a
máquina de escrever como distinta dele (não-ente).
Por se tratar da lei suprema do ente, o princípio de não-contradição desempenha um papel de
primeira ordem em todo o saber humano teórico e prático, pois nos estimula a conhecer e a agir
evitando a incoerência.
De modo especial o primeiro princípio estimula o conhecimento metafísico, já que é o juízo
fundamental acerca do ente. O princípio de não-contradição ajuda a descobrir a estrutura interna dos
entes e suas causas. Nossa inteligência obtém os demais conhecimentos em virtude do princípio de
não-contradição. Parmênides quis restabelecer a verdade do ente e formulou a célebre afirmação de
que “o ser é, o não-ser não é”. Platão, por sua vez, desenvolveu uma metafísica que, ao admitir a
realidade da privação e ao fazer do mundo sensível uma participação do mundo das Idéias, acolhia
no âmbito do ser o mundo limitado. Não obstante, foi Aristóteles que determinou o verdadeiro
sentido do não-ser relativo que há nas coisas, ao descobrir um princípio real de limitação: a
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potência; e assim chegou a formular de maneira mais acentuada a exigência da não contradição:
“algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo e no mesmo sentido”.
II. A estrutura metafísica do ente

Podemos vislumbrar uma estrutura metafísica geral do ente a partir das grandes
contribuições filosóficas de Parmênides até Tomás de Aquino. Este aperfeiçoou alguns princípios
aristotélicos a partir de uma nova identificação do ser de Parmênides.
Qual teria sido a contribuição genuína de Tomás para a história do pensamento ocidental?
Seguindo Aristóteles, Tomás desenvolve sua filosofia através dos conceitos de ato e potência;
matéria-prima e forma; substância e acidente; e de essência. Ora, todos esses conceitos pertencem a
Aristóteles, de modo que a novidade de Tomás está em relacionar esses conceitos com outro: o
conceito de ser. Para Aristóteles, forma, essência, acidentes são atos, isto é, perfeição. Tomás,
entretanto, descobriu que, embora esses conceitos exprimam perfeição, a perfeição fundamental é o
ser (esse), sem o qual as outras não seriam.
Em metafísica, as teses partem das composições fundamentais dos entes finitos, quais sejam:
a composição de ato e potência, que é o fundamento de qualquer composição (pois o composto
sempre supõe potência); a composição essencial de matéria prima e forma substancial; a
composição de ser (esse) e essência; e a de substância e acidentes. Cornélio Fabro sintetiza a
relação desses princípios:

A potência e o ato são os princípios constitutivos do ente finito; a potência como capacidade
receptiva, e o ato como perfeição entitativa nas várias ordens ou níveis da realidade: a matéria prima e
a forma substancial na constituição da essência material; a essência e o esse como actus essendi na
ordem entitativa; a substância e os acidentes na ordem operativa.1

Em esquema, a constituição dos entes materiais, que servem de modelo para a concepção de
qualquer ente é a que se segue:

Matéria prima (P) + Forma substancial (A)=


Essência (P) + Ser (A)=
Substância (P)+ Acidentes (A) =
Indivíduo

Este esquema em que as composições são realizadas por meio da composição de potência e
ato, de modo que matéria prima, essência e substância são potências respectivamente aos atos da
forma substancial, do ser e dos acidentes. È assim que a estrutura metafísica do ente chega à sua
mais completa concepção com Santo Tomás. De fato, vemos nessa estrutura todos os elementos da
metafísica clássica até o tempo de Tomás, que a ela acrescentou a composição mais perfeita do ente,
que é a composição entre essência e ser, como a seguir se verá. O que importa salientar aqui é que o
ato de ser emerge sobre todos os atos. Esta é a intuição fundamental do tomismo, princípio de
síntese entre as tradições platônica e aristotélica — e também da tradição árabe medieval.

1. Ato e potência

1
"I. La potenza e l'atto sono i principi costitutivi dell'ente finito; la potenza come capacità recettiva, e l'atto come
perfezione entitativa nei vari ordini o piani della realtà: la materia prima e la forma sostanziale nella costituzione
dell'essenza materiale, l'essenza e l'esse come actus essendi nell'ordine entitativo, la sostanza e gli accidente nell'ordine
operativo." FABRO, Cornelio. Introduzione a San Tommaso, p. 158.
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Pode-se dizer que a grande novidade do pensamento de Aristóteles em relação a seus


predecessores foi a descoberta do conceito de potência. Através desse princípio, Aristóteles pôde
responder aos principais problemas deixados tanto pelos pré-socráticos quanto por Sócrates e
Platão.
Para Aristóteles, a potência (capacidade de perfeição), mais do que um conceito, é um
princípio das coisas imperfeitas. Não é mero não-ser, porque esta postura leva à aporia parmenídea;
nem ato, exagero proveniente do platonismo. Só o perfeito não tem potência. Ora, este princípio
oferece a Aristóteles toda a flexibilidade de análise da realidade que a razão exige para explicar a
realidade. É a partir dele que se pode compreender a profundidade de quase todas as outras
contribuições aristotélicas para a história do pensamento.
A primeira determinação do ato e da potência surge da análise do movimento. Este tipo de
realidade, que quebra a visão homogênea de Parmênides, constitui uma colaboração decisiva que
Aristóteles introduziu na metafísica ao tentar compreender a realidade do movimento.
A potência contrapõe-se ao ato que sujeito possui. Exemplo de ato são a figura esculpida no
mármore, o calor da água, o conhecimento etc. Deste modo, o movimento explica-se como
atualização da potência, passagem de em potência a sê-lo em ato.
Aristóteles entende o ato e a potência sob dois aspectos: um físico, ligado ao movimento, e
outro metafísico. No primeiro caso fala do ato e da potência como elementos que explicam o
movimento. Por exemplo, ser estátua em ato e ao mesmo tempo sê-lo em potência se excluem. No
segundo caso, o ato e a potência são princípios constitutivos e estáveis de todas as coisas; assim, as
substâncias corpóreas estão compostas de matéria prima (potência) e a forma substancial (ato). Ao
primeiro membro destas diferentes relações de lhe atribui a qualificação de ato e ao segundo a de
potência”.

1.1. A potência

Esta é uma noção diretamente conhecida na experiência, como o correlativo ao ato.


Podemos indicar algumas características implicadas nesta descrição: a potência é distinta do ato; a
potência só se realiza no ato que lhe é próprio. Em sentido estrito, o ato é perfeição, acabamento,
algo determinado; a potência, ao contrário, é imperfeição, capacidade determinável.

1.2. Tipos de potência e ato

Existe uma grande diversidade de tipos de ato e potência. Tanto a matéria prima como a
substância, por exemplo, são potências, porém de modo distinto, pois a substância é um sujeito já
constituído em ato, que recebe uns atos acidentais ulteriores, enquanto que a matéria é um substrato
indeterminado ao qual advém a forma substancial como primeiro ato. Potência passiva e ato
primeiro constituem o ente, enquanto que a potência ativa e o ato segundo correspondem
respectivamente à capacidade de agir e à ação do ente.
A noção metafísica de potência como capacidade de receber um ato corresponde
propriamente à potência passiva. Nas substâncias corpóreas há um substrato último, a matéria
prima, na qual se recebe a forma substancial. A forma substancial é o primeiro ato que advém à
matéria.
O sentido que costuma ter a palavra “potência” na linguagem corrente é precisamente este
de potência ativa, assim falamos da potência de um motor. O ato correspondente a esta potência é o
agir, a atividade, que é o significado habitual do termo ato. Em concreto, as potências ativas ou
faculdades são acidentes que pertencem ao gênero da qualidade.
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1.3. Prioridade do ato sobre a potência


O ato goza de prioridade sobre a potência quanto à sua perfeição. O ato é também anterior à
potência na ordem do conhecimento. Toda potência se conhece por seu ato, já que ela não é mais do
que capacidade de receber, ter ou produzir uma perfeição. Esta prioridade no conhecimento se
baseia na natureza mesma da potência, que não é outra coisa senão capacidade de um ato.
O ato tem primazia causal sobre a potência. Nada age senão enquanto está em ato; pelo
contrário, algo padece enquanto está em potência. Num sujeito, a potência possui certa
anterioridade temporal em relação ao ato, pois uma coisa antes de adquirir uma determinada
perfeição, se encontra em potência em relação a ela. Esta primazia temporal do ato sobre a potência
se funda na prioridade causal.
Por esta razão, Aristóteles, ao analisar o movimento na natureza, viu com clareza que todas
as coisas que passam da potência ao ato requerem uma causa anterior em ato e que, portanto, no
cume de toda a realidade existe um Ato Puro, sem mistura de potência, que move tudo.
Ente em sentido próprio é o ente em ato; a potência, em contrapartida, só é real em relação
ao ato. Assim, pois, tanto o ato como a potência participam da razão de ente, porém de modo
analógico e segundo uma ordem (secundum prius et posterius). Diretamente tem o ser o que é em
ato; de forma indireta, em ordenação ao ato, é real também a potencialidade das coisas. Tal como se
expôs, a prioridade do ato não anula a realidade da potência. Boa parte dos sistemas da filosofia
moderna prescinde da potência entendida como realidade, reduzindo-a a mera possibilidade; e a
possibilidade, por sua vez, adquire um caráter de fundamento.
Ao falarmos de potência passiva e ato primeiro, vimos que o ato e a potência se nos
apresentam como princípios metafísicos constitutivos de toda realidade criada. A finitude do ente,
sulcada por múltiplas composições (substância-acidentes, matéria-forma, essência-ser, etc.), se
resolve sempre em um dos muitos modos em que se articula a realidade análoga do ato e da
potência.
A potência nunca pode subsistir sozinha, senão que sempre forma parte de um ente que já é
algo em ato (a matéria prima, embora seja potência pura, sempre se encontra atualizada por alguma
forma substancial). Também o ato, no âmbito do finito, só se dá unido a uma potência. Deus é o
único Ato Puro sem mescla de potência alguma.

1.4. Relação entre potência e ato

a) A potência é o sujeito em que se recebe o ato. Ao examinarmos as distintas classes de ato e


potência, vimos como cada tipo de ato se assentava em um sujeito potencial: a matéria prima é o
sujeito da forma, a substância dos acidentes etc.;
b) O ato é limitado pela potência que o recebe. De modo natural observamos que todo ato ou
perfeição que se recebe em um sujeito, fica limitado pela capacidade do recipiente;
c) A relação entre ato e potência é de participação; em contrapartida um ato puro é um ato por
essência. Em relação ao ato de se, qualquer perfeição ou realidade tem caráter de participante;
d) A potência multiplica o ato;
e) Não obstante, o ato e a potência não são coisas ou entes acabados, mas princípios de constituição
de um ente.
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2. As categorias

2.1. Natureza e tabela das categorias

Depois de considerar a natureza e a noção de ente, a metafísica estuda, à luz dessa noção
fundamental, as diversas modalidades de entes que se dão no universo. Como vimos ao falar do
ente, este contrai modos especiais de ser em virtude da essência, que justamente marca o modo em
que uma coisa é. Assim, alguém é homem graças à essência humana, que lhe confere um modo de
ser específico, distinto do de outras coisas, e pelo qual é um sujeito (uma substância). Não é, pois,
em virtude do ato de ser, senão da essência, pelo que algo é substância e não acidente; e por isso na
definição de substância deve intervir a essência, que é o princípio diversificado do ser.
Compete à Filosofia da Natureza determinar, quando há uma substância distinta de outra no
mundo inanimado. É a questão dos chamados critérios de substancialidade. No mundo dos viventes
não se apresentam esses problemas, pois é claro que cada indivíduo é uma substância.
Não obstante, estas realidades estão em distinto nível, porque os acidentes dependem do ser
da substância e não ao revés. Portanto, o composto ou o todo é em virtude do ato de ser (actus
essendi) da substância, do qual participam também cada um de seus acidentes. O ente possui o ser
segundo um modo determinado por sua essência específica, que é a essência da substância; e dessa
perfeição substancial derivam uma variedade de perfeições acidentais, correspondentes a esse modo
de ser.
Segundo Aristóteles, as categorias, enquanto gêneros supremos do ente, são dez.Tudo aquilo
que existe ou é em si (substância) ou é em outro (acidente). Sendo assim, todos os entes que existem
ou são substância ou um dos seus nove acidentes:

1. SUBSTÃNCIA: aquilo que é em si


2. QUANTIDADE: partes fora das partes.
3. QUALIDADE: é o que faz uma coisa ser tal ou qual.
4. RELAÇÃO: ordenação a outro.
5. AÇÃO: é a atualização da capacidade de agir.
6. PAIXÃO: é a atualização da capacidade de padecer.
7. LUGAR: primeiro limite imóvel do corpo continente.
8. TEMPO: é a medida do movimento, segundo o antes e o depois.
9. SITUAÇÃO: disposição do corpo no lugar.
10. POSSE: ter algo próximo ao corpo.

Para completar este tema do composto da substância e acidentes, pode ser útil examinar
brevemente os três aspectos principais de sua conexão mútua. A substância é substrato do acidente,
não só enquanto é seu suporte, senão enquanto lhe dá o ser.
A relação entre substância e acidentes pode parecer paradoxal: por um lado a substância é
causa dos acidentes e, ao mesmo tempo, está em potência para recebê-los. Ademais, a substância é
ato e potência em relação aos acidentes sob aspectos diversos: é ato enquanto lhe faz participar do
seu próprio ser e é potência na medida em que ela mesma é aperfeiçoada por seus acidentes; e
assim, um homem realiza uma série de ações que procedem da atualidade de sua substância e por
sua vez essas ações voltam sobre ele e o aperfeiçoam.
Portanto, a substância e os nove tipos de acidentes constituem os dez gêneros supremos do
ente, chamados também predicamentos ou categorias: trata-se, pois, da descrição dos modos reais
de ser.
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3. Acidentes especiais: qualidade e relação

De todos os acidentes da tabela aristotélica, qualidade e relação são os propriamente


metafísicos, pois atingem todos os entes e não somente os corpóreos.

3.1. A qualidade

É o que faz a coisa ser tal ou qual. Distinguem-se quatro tipos de qualidade: as qualidade
passíveis; a forma e a formosura; as potências operativas; os hábitos e as disposições.

3.2. A relação

É a ordenação de uma substância a outra. As relações podem ser reais ou de razão, ou seja,
existentes na realidade ou só na inteligência, que relaciona coisas independentes entre si.
Os elementos da relação real são: o sujeito, em que se inere a relação; o termo, ao qual se adere a
relação; o fundamento, que é a causa da relação; e a relação propriamente dita.
O fundamento da relação gera seus distintos tipos. As relações mútuas baseadas na ação e
paixão: por exemplo, a dos filhos em relação a seus pais (filiação) e a dos pais aos filhos
(paternidade); do governante aos cidadãos e súditos em relação à autoridade (subordinação).
Relações segundo a conveniência ou desconveniências fundadas na quantidade, na qualidade e na
substância. E, finalmente, a relação real de dependência no ser, em que somente um dos extremos
da relação é afetado (sujeito ou termo).

4. A essência dos entes

Depois do estudo do ato e da potência, se pode afrontar com mais atenção a consideração do
núcleo constitutivo dos entes. A potência própria e imediata do ato de ser, que integra com ele a
substância, configurando-a em uma específica modalidade de ser, recebe o nome de essência.
Deixando para adiante a análise das características do ato de ser, abordamos agora o estudo da
essência, considerando como se realiza nas substâncias corpóreas e nas espirituais.

4.1. A essência como determinação do modo de ser de um ente

Nos entes existem dois princípios fundamentais: o ser, que faz que todas sejam entes, e a
essência, que determina o modo em que cada uma delas é. A essência, pois, se define como aquilo
pelo que uma coisa é o que é. Como se viu ao tratar da substância e dos acidentes, em sentido estrito
a essência corresponde principalmente à substância. Enquanto princípio de operações, a essência se
chama natureza; enquanto objeto de definição, chama-se qüididade (quid est?, que é?).

4.2. A forma, ato da matéria

Os dois elementos constitutivos da essência dos entes corpóreos, matéria e forma,


relacionam-se entre si como potência e ato. O sujeito dessas mudanças é uma potência que antes
participava de um ato e agora passa a participar de outro, e não de um ato qualquer, senão do que a
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constitui em uma nova classe de ente (homem, cavalo, ferro, etc.). Este sujeito é a matéria prima, à
qual corresponde em primeiro ato, que chamamos forma substancial. Nesta perspectiva, a forma
substancial é “ato primeiro”, por sua contraposição às operações, atos segundos, e ao ser, que –
como veremos – é ato último do ente).
A matéria prima é pura potência passiva ou capacidade de ato; não se funda em nenhum ato
anterior, senão somente no ato que ela mesma recebe: a forma substancial. A forma é o primeiro ato
que advém à matéria para constituir a substância.
Dos dois componentes da essência dos entes corpóreos, o mais importante é a forma, pois a
matéria é pura potência e está em função da forma substancial, que é ato. A forma é princípio do ser
do ente. A matéria participa do ser através da forma, enquanto é atuada por ela. O caso da forma
substancial do homem é distinto. Enquanto nos entes corpóreos o ser é só do composto, ao qual
chega através da forma, no homem o ser é da alma, que o dá a participar à matéria.
A forma substancial é aquilo que determina o ente a um certo modo de ser; a matéria prima
pode ser definida como o primeiro sujeito do qual algo é feito por si e não por acidente, intrínseco à
coisa.
A mútua relação entre matéria e forma como potência e ato explica que a essência dos entes
corpóreos, embora composta de dois elementos, seja uma. A união da potência com seu ato
correspondente constitui uma unidade metafísica, mais íntima que as unidades de agregação,
compostas por um conjunto e entes que já são em ato, e que têm uma ordenação recíproca.

4.3. A essência nas substâncias espirituais

A prioridade da forma sobre a matéria, enquanto principium essendi, explica por que pode
haver algum tipo de forma que subsista sem matéria (substâncias espirituais), enquanto que
nenhuma matéria se pode dar independentemente de uma forma substancial: a matéria é pela forma,
não a forma pela matéria.

5. A essência individualizada: sobre o princípio de individuação

Ao nosso redor não encontramos espécies universais, senão somente indivíduos singulares e
concretos. A multiplicação do ato se deve – como já vimos – à potência e por isso se deve adiantar
que, dentro da essência das realidades corpóreas, a matéria é o princípio multiplicador das formas.
A multiplicação causada pela matéria se mantém, portanto, dentro dos limites que a forma assinala
à espécie. Ao se explicar a individuação, se podem distinguir dois aspectos indissoluvelmente
unidos na realidade, atendendo às duas funções que correspondem à potência em relação ao ato:
multiplicação e singularização. Portanto, o princípio de individuação dos entes corpóreos é a
matéria prima com quantidade assinalada, ou seja, a matéria prima separada pelo acidente
quantidade e que pode ser apontada como matéria de um indivíduo.
É notório que a classificação de “individual” não se aplica somente às substâncias, senão
também aos acidentes. No contexto da individuação a quantidade apresenta, Não obstante, uma
peculiaridade que a discrimina do resto dos acidentes: através dela os acidentes materiais inerem na
substância. As formas subsistentes são em si mesmas individuais
No mundo do espírito, a individuação, obviamente, não procede da matéria; porém isso não
tira que os espíritos também sejam indivíduos e não realidades abstratas.
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6. O ser, ato último dos entes

O ato de ser é o fundamento último da realidade dos entes. A multiplicidade de entes revela
a existência de perfeições diversas e, ao mesmo tempo, mostra uma perfeição comum a todos os
entes, que é o ser (esse). Portanto, o ser é ato que engloba todas as perfeições. Do mesmo modo que
todos os homens possuem uma forma substancial (ato no âmbito da essência) que faz que sejam
homens, os entes têm um ato (o ser), pelo qual são entes. Analogamente, o ato de ser dos entes –
semelhança do ser divino – se encontra limitado por uma potência (a essência) que degrada sua
plenitude e perfeição.
O ser, por reunir de modo cabal as características do ato, pode subsistir independentemente
de toda potência. O ser é o ato de todos os demais atos do ente, pois atualiza qualquer outra
perfeição, fazendo-a ser. Por exemplo, o agir, que é ato segundo, se fundamenta nas potências
operativas – ato primeiro na ordem dos acidentes; e estas faculdades, com o resto das perfeições
acidentais, recebem sua própria atualidade da forma substancial, que é o ato primeiro da essência;
por sua vez, toda a perfeição da essência deriva do esse, que é por isso, com propriedade, ato último
e ato de todos os atos do ente.

6.1. Distinção real entre ser e essência

O ser como ato da essência implica de modo necessário uma distinção real em relação a ela,
já que entre qualquer potência e seu ato existe uma distinção real. Neste caso, o ato é o ser, e a
essência sua potência receptiva. Prova-se isso seja pela multiplicidade dos entes criados, seja pela
semelhança dos entes entre si.
Por último, o “esse” enquanto ato da essência, consente indicar a diferente necessidade de
ser dos entes criados, que uns sejam corruptíveis e outros imortais. Costuma-se dizer que a
composição essência-ato de ser é de uma ordem transcendental, porque acompanha necessariamente
todos os entes criados, materiais e espirituais.

6.2. O ser e a essência, princípios inseparáveis dos entes

A composição de essência e ato de ser não se deve entender como o resultado da agregação
de duas realidades completas e acabados. São antes dois princípios metafísicos que se unem para
constituir um único ente e que guardam entre si uma ordenação como a potência e ato: a essência é
potência em relação ao ser, e não pode existir separada dele. A essência só existe pelo ser.
O ser de cada ente é ato em relação à essência, de modo análogo a como a forma o é da
matéria. O ser como ato é o núcleo da metafísica de Santo Tomás: a noção de esse como ato último
e a composição de ser e essência, característica de toda criatura, constituem um dos temas
primordiais da metafísica e da teologia de Santo Tomás. Acha-se presente na solução de
inumeráveis questões que ficariam menos inteligíveis sem o recurso ao ser como ato último do ente.
Em síntese, a negação do ser como ato da essência começou com o formalismo de alguns
escolásticos posteriores a Santo Tomás.
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7. Indivíduo e Pessoa
7.1. Noção de indivíduo
Boa parte do caminho percorrido até aqui não foi mais do que uma análise dos elementos
que compõem a realidade; a meta era conseguir um conhecimento mais completo do objeto da
metafísica: o ente. A metafísica parte da consideração das coisas existentes e, por isso, ao tratarmos
os componentes da realidade – substância e acidentes, matéria e forma, essência e ato de ser –
consideramo-los sempre como princípios do ente. Isto, como vimos, não corresponde nem à matéria
nem à forma, tomadas separadamente, nem à substância à margem dos acidentes, nem sequer – nas
entes – ao ato de ser segregado da essência senão ao todo resultante da união destes elementos.
Trata-se precisamente de um todo e não de uma simples agregação, porque os componentes do
sujeito que subsiste se comportam como potência com respeito ao único ato de ser, que constitui
assim o fundamento de unidade do conjunto.
Devem-se assinalar três notas características do suposto: 1) o ato de ser, como elemento
fundamental e constitutivo, que outorga a própria subsistência ao sujeito; 2) a essência, que nos
entes materiais consta por sua vez de matéria e forma; 3) os acidentes, atos que complementam a
perfeição da essência.

7.2. Natureza e Suposto

A essência, e em particular a forma, confere ao todo individual um modo de ser semelhante


ao de outros indivíduos, colocando-o em uma determinada espécie: por ter uma essência ou
natureza comum, os homens se situam dentro da espécie humana. A essência ou natureza, princípio
intrínseco de semelhança a nível específico, pode contrapor-se ao suposto ou indivíduo, realidade
incomunicável, dividida e distinta das demais.
O constitutivo real do suposto é o esse, já que o mais próprio do indivíduo é subsistir e isto é
um efeito exclusivo do ato de ser. Não obstante, não se pode prescindir da essência ao se explicar a
subsistência do suposto. Isto explica que não seja próprio afirmar que o ser pertence à natureza,
senão ao suposto. Pode-se concluir dizendo que o ser pertence ao suposto pela natureza ou essência
substancial. A natureza dá ao todo a capacidade de subsistir, porém é o todo que de fato subsiste
pelo ato de ser.

7.3. O ser, unidade do composto


Como o ser é o ato último do ente, o que dá realidade a cada um de seus elementos, - que em
relação a ele são potência – essas partes constituem uma unidade na medida em que estão referidas
e atuadas por esse ato constitutivo. O “o ser é o que funda a unidade do suposto”. Nenhum dos
componentes do todo, tomados por separado, tem um ser próprio, senão que são pelo ser do
composto; e na mesma medida em que são, constituem uma unidade, já que o ser que as atualiza é
único. Apesar da multiplicidade de acidentes, todos participam do único ato de ser da substância.
Todas as perfeições do ente devem-se referir ao suposto, principalmente a perfeição do ser.

Seguindo Aristóteles, Tomás desenvolve sua filosofia através dos conceitos de ato e potência;
matéria-prima e forma; substância e acidente; e essência. Ora, todos esses conceitos pertencem a
Aristóteles, de modo que a novidade de Tomás está em relacionar esses conceitos com outro: o
conceito de ser. Para Aristóteles, forma, essência, acidentes são atos, isto é, perfeições. Tomás,
entretanto, descobriu que, embora esses conceitos exprimam perfeição, a perfeição fundamental é o
ser (esse), sem a qual as outras não seriam.
14

III. Os transcendentais

1. Noções gerais
Por transcendental entende-se algo que ultrapassa determinada realidade ou categoria.
Depois do estudo dos princípios constitutivos dos entes enquanto tais, seus distintos níveis de
composição e sua estrutura metafísica, resta por considerar alguns aspectos derivados de modo
necessário do ente, que são suas propriedades transcendentais: unidade, verdade, bondade e beleza;
características que acompanham qualquer ente na mesma medida em que é. Não podemos conhecer
nenhuma perfeição que seja alheia ao ente, porque seria o nada.
Os conceitos transcendentais são os que designam aspectos que pertencem ao ente enquanto
tal: estas noções expressam um modo que se segue do ente em geral, algo que convém a todas as
coisas (não unicamente à substância, ou à qualidade...): a bondade, a beleza, a unidade – que, como
veremos, constituem alguns dos transcendentais – se predicam de tudo aquilo a que se pode aplicar
o qualificativo de ente: tem a mesma amplidão universal que esta noção.
Podemos então chegar a esses quatro transcendentais por consideração do ente em si,
enquanto é indiviso, temos, assim, o uno. Da universalidade do objeto do intelecto e da vontade
surgem os três últimos transcendentais: verum, bonum, pulchrum.
 Em sua conveniência ao intelecto, o ente é verdadeiro (verum), no sentido de que o ente, e
só ele, pode ser objeto de uma autêntica intelecção;
 Em sua conveniência com os apetites, especialmente a vontade, tem-se o bem (bonum);
 Finalmente, segundo a conveniência do ente à alma mediante uma certa conjunção de
conhecimento e apetite, compete ao ente a beleza ou a formosura (pulchrum); isto é, causar
certo prazer quando é apreendido.

2. Os transcendentais como aspectos do ente

Os transcendentais são realidades ou noções? As duas coisas. Enquanto realidade,


identificam-se de modo absoluto com o ente: a unidade, a verdade, a bondade, etc.; não são
realidades distintas do ente, senão aspectos ou propriedades do ser.
A verdade, a bondade e a beleza acrescentam à noção de ente simplesmente uma relação de
razão. Ao sustentarmos que a perfeição do ente convém à inteligência e à vontade, não afirmamos
que o ente se ordene realmente a essas faculdades ou que dependa delas; ao contrário, são a
inteligência e a vontade que se ordenam à verdade e ao bem e dependem deles na sua atualização.
Por isso a relação dessas faculdades ao ente enquanto verdadeiro e bom é real; porém a da verdade e
do bem não dependem do nosso conhecimento nem do nosso apetite, pois as coisas são verdadeiras
e boas na medida em que têm ser, não enquanto são conhecidas ou apetecidas.
Enquanto noções distintas das de ente, os transcendentais têm para nós um valor notável:
permitem-nos entender melhor a riqueza do ser dos entes, que se manifestam sob múltiplas facetas.

3. Quatro transcendentais

3.1. O uno

Tratamos aqui da unidade própria do ente, que não significa que existe uma só coisa, senão
que cada existente é em si mesmo indiviso, tem certa unidade. É dado de experiência que todo ente,
15

na mesma medida em que é ente, é uno: a destruição da unidade, a divisão interna, comporta
necessariamente a perda do ser. Antes de ir adiante, convém distinguir a unidade transcendental,
que acompanha todo ente, da unidade quantitativa. Esta última é conseqüência da matéria, e
princípio do número que resulta da sua divisão: ao seccionarmos um pedaço de madeira, por
exemplo, obtemos outros pedaços distintos, que provêm da divisão da quantidade. A unidade
transcendental não é outra coisa que a indivisão própria do ente. No nosso conhecimento, Não
obstante, a noção de uno se apresenta como uma explicação do ente: manifesta a ausência de
divisão interna de qualquer realidade. É notório, portanto, que a apreensão do ente é anterior à da
unidade. A unidade defende, afirma e explicita a realidade do ente. A unidade é sempre defendida
como algo do ente, um aspecto seu.
Uno e ente, na realidade, identificam-se. Por isso, como o ente, a unidade se fundamenta no
ser. A essência dos anjos, por exemplo, é simples, totalmente uma: não há nela, como há na dos
homens, composição de matéria e forma. A unidade mais perfeita, a de simplicidade, é a do ente
que carece de partes ou de pluralidade de princípios e elementos constitutivos: Deus.
Nos seres finitos, os graus de unidade dependem dos níveis de composição que há neles.
Pode-se distinguir assim a unidade substancial, a acidental e a unidade de ordem etc. Como já se viu
ao se falar do ato de ser, estes três tipos de composição recebem sua unidade do “esse”, ato último e
radical do qual participam todas as perfeições do composto.

3.2. O verdadeiro

O fundamento da verdade do conhecimento é, pois, a verdade ontológica, a que pertence ao


ente enquanto tal.
A verdade dos entes é fundamento e medida do entender humano: as coisas conhecidas
medem nosso intelecto. A filosofia idealista, em lugar de aceitar que o ser é o fundamento da
inteligibilidade do ente, pretende que a inteligibilidade seja o fundamento do ser. O objeto, neste
sentido, é o que está na frente do sujeito, porém não tem por que ser algo que ultrapasse a esfera do
pensamento. Por este caminho, a verdade já não é adequação do entendimento com a coisa, senão
antes, conformidade com o objeto (em última instância, adequação do pensamento consigo mesmo).
A verdade do entender humano, ou verdade lógica, consiste na adequação do intelecto às
coisas, “adaequatio rei et intellectus”; de modo que é verdade afirmar que “Sócrates corre” se assim
acontece realmente, e é falso esse juízo se Sócrates está parado.
Esta capacidade de adequação procede do próprio ser dos entes conhecidos – se não fossem
não se poderiam entender – e do ser do próprio intelecto – as coisas que não têm intelecto não
conhecem intelectualmente. Por isso deve-se afirmar que a ordenação do intelecto à verdade, sua
abertura ao ser, não é algo alheio ao ente, é fundamento da verdade do ente e do conhecimento.

3.3. O bem

O bem não é uma realidade do ser dos entes. Tudo o que é, é bom, donde as coisas são boas,
precisamente enquanto são: têm tanto de bem, quanto têm de ser. O conteúdo intrínseco de valor ou
perfeição das coisas radica em seu ser e essência e seu bonum seguirá, portanto, o curso do ser de
cada ente: será um bem potencial, se seu ser for potencial; um bem participado, se seu ser for
participado; ou o Sumo Bem, se trata do Ser absoluto. Todo ente, enquanto é ente, é bom. O bom é
o ente enquanto apetecível.
16

Então, o que é que a bondade acrescenta ao ser? Chegaremos assim a determinar a natureza
do bem, o aspecto próprio desta noção, que está implícito na noção de ente, porém que nosso
intelecto capta de modo expresso só com o conceito do bom. A bondade é algo objetivo, não
depende da opinião nem do querer da maioria: se o bem é “o que todos apetecem”, não é bom pelo
fato de que todos o desejem, senão que precisamente é apetecido pelos entes enquanto é perfeito ou
é ente.
Todo ente pelo fato de ser, tem ato, possui um grau de perfeição, é bom. Conseqüentemente,
a própria ordenação ao fim, o tende eficazmente àquilo que o aperfeiçoa, confere ao sujeito uma
certa bondade. No caso dos homens, sua perfeição é difundir sua bondade: aqui a sua semelhança a
Deus, seu ápice supremo.

3.4. O belo

Denominamos bem o ente por sua relação ao apetite: enquanto possui as características do
perfeito e perfectível de outros: e por sua adequação à inteligência, enquanto cognoscível,
chamamo-lo verdadeiro. Além disso existe uma terceira conveniência da realidade com a alma: a
verdade e a bondade das coisas, ao serem conhecidas, causam agrado e deleite ao que as contempla.
A essa propriedade dos entes nos referimos ao afirmar que algo é belo.
Há uma beleza inteligível, própria da vida espiritual, e uma beleza sensível, de nível inferior.
A beleza inteligível se vincula necessariamente com a verdade e a bondade moral, daí que a feiúra
(privação de beleza) seja própria do erro, da ignorância, do vício e dos pecados. Há também uma
beleza natural, que procede da natureza das coisas; e uma beleza artificial, que se encontra nas obras
humanas nas quais o homem tenta plasmar algo belo (o objeto da Arte ou das Belas Artes, é
precisamente fazer coisas belas).
Com relação ao pulchrum também intervém, pois, o apetite, do qual procede o “gosto” ou o
“prazer” peculiar do ato de apreciação estética; porém esse deleite depende da contemplação, do
conhecimento e não da posse do objeto. Por isso não é de estranhar que Tomás de Aquino, ao
referir-se ao transcendental pulchrum, afirma que assinala a conveniência dos entes com “uma certa
conjunção do entendimento e da vontade”: porque agrada (vontade ou apetites) enquanto se
conhece (inteligência ou sentidos).
Como no caso da bondade e da unidade, as características que fazem belo um objeto surgem,
em última instância, do ser de cada criatura. Porém, analogamente como se fez ao se tratar do
bonum, é mister precisar o seu sentido. As características próprias da beleza são a harmonia, a
integridade e a clareza.
A beleza, em última instância, mede-se pela consecução do fim transcendente; porque é aí
que se encontra o ápice da perfeição. A necessidade dessa proporção provém, sobretudo, de nossa
natureza corporal e do conhecimento sensível. Embora às vezes no terreno artístico pareça
predominar a subjetividade humana, a formosura de um objeto não depende do “gosto de cada um”,
do que cada um considere belo. A experiência ordinária e a experiência artística manifestam que a
beleza natural, e inclusive também a que procede do agir humano, é transcendente ao homem, e que
se baseia na natureza das coisas.
17

SEGUNDA PARTE
O agir do ente

I. Natureza e gêneros de causa

Depois do estudo da estrutura do ente e de seus aspectos transcendentais, é preciso tratar da


causalidade: uma visão das coisas, não mais enquanto são em si mesmas, mas enquanto influem no
ser de outras. É a metafísica do agir, que considera a dinâmica no âmbito do ser, o influxo mútuo
que exercem uns entes sobre outros por meio da causalidade. O estudo da causalidade em seus
quatro aspectos – causa material, formal, eficiente e final – traz uma visão da ordem do mundo e de
sua unidade interna, que se completa com o conhecimento da causa última do universo e de sua
relação com as causas segundas. Por último, a causalidade da matéria e da forma também nos é
patente múltiplas coisas, que são resultado da conjunção de ambos princípios (o homem é pela
união de seu corpo e de sua alma, uma estátua resulta da figura esculpida na pedra, etc.).

1. Natureza da nossa experiência da causalidade

O simples bom senso distingue a noção de "causa" de "sucessão constante", que é a relação
de termos que se seguem de um modo contínuo. Para Hume, entretanto, é pelo hábito de ver dois
fenômenos sucederem-se constantemente, que damos ao primeiro o nome de causa e ao segundo o
nome de efeito. Mas equivocadamente, pois nem toda sucessão "acontece" da mesma forma.
Admitimos que na experiência externa de ser desta sucessão, mas a inteligência, ao procurar a razão
de ser desta sucessão ou simultaneidade e da realização desta nova entidade, que não existia antes (a
iluminação do quarto), percebe com evidência e afirma legitimamente o nexo causal, o influxo sem
o qual a própria sucessão constante destes fenômenos e as suas variações proporcionais não teriam
razão de ser suficiente.
Todos esses axiomas em geral têm valor absoluto, universal e necessário;Valor subjetivo: os
axiomas são leis de pensar — reguladores universais e necessários de toda a nossa atividade
mental. São objetivos, reais, ontológicos, pois são leis do ser — regem os entes como estão na
realidade e na realidade agem.
A existência da causalidade no mundo é uma verdade evidente (per se nota) que não se pode
demonstrar, mas sim estudar e tratar de examinar seu fundamento. Causa eficiente é um princípio
ativo que com a sua ação influi na produção ou mudança de um ser (o efeito). A noção de causa
eficiente, enquanto inclui causalidade, isto é, influxo exercido pela causa, é objetiva, e é verificada
por nossa experiência interna: produção dos nossos atos; experiência interno-externa: levantar um
peso; experiência externa: a luz que ilumina.
Alguns conceitos aproximam-se do conceito de causa. É importante, portanto, ter claras as
seguintes distinções: princípio: aquilo de que uma coisa procede, seja do modo que for; causa:
aquilo que real e positivamente influi em uma coisa, fazendo-a depender de algum modo de si.
Assim, toda causa é princípio, mas nem todo princípio é causa; efeito é produto da ação causal e,
por conseguinte, o que resulta do princípio. Em causa-efeito há dependência efetiva no ser;
condição: é o requisito ou a disposição necessária para o exercício da causalidade: positivamente:
porque permite; negativamente: porque não impede; ocasião: é uma circunstância acidental —
aquilo que favorece a ação da causa.
Portanto, causa é aquilo que real e positivamente influi em uma coisa, fazendo-a depender
de algum modo de si. Caracteriza-se por:
 dependência efetiva no ser: o efeito não acontece sem ela;
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 distinção real entre causa e efeito: isto é evidente, pois a dependência real entre duas coisas
implica necessariamente sua efetiva distinção;
 prioridade da causa sobre o efeito, segundo uma ordem de natureza e também temporal.

2. Os tipos de causa

As quatro causas, segundo Aristóteles, são: a causa material: de que algo foi feito (ex quo
aliquid fit cum insit); a causa formal: por que é isto e não aquilo (id quo res determinatur ad certum
essendi modum); a causa eficiente: por quem foi feito (causa efficens est principium a quo primo
profluit motum); a causa final: para que foi feito (id cujus gratia aliquid fit).

2.1. Causa material e causa formal

Matéria e forma: princípios intrínsecos que constituem os entes corpóreos. Causa material:
"ex qua et in qua aliquid fit" princípio passivo: a causa material tem razão de potência passiva que
contém o efeito como a potência o seu ato (de modo imperfeito);permanece no efeito: sujeito
receptivo de forma.Tipos: matéria prima; matéria segunda. Causa Formal: ato ou perfeição
intrínseca pela qual algo é o que é, no âmbito da substância ou dos acidentes. Tipos: forma
substancial; forma acidental.
Matéria e forma são causas do composto corpóreo. O ente corpóreo depende de sua matéria
prima e de sua forma substancial quanto ao ser e ao grau específico em que possui o ser. Matéria e
forma são causas mútuas: "A matéria se diz causa da forma enquanto a forma não é senão a matéria,
de modo análogo a forma é causa da matéria enquanto esta não tem o ser em ato se não é pela
forma". A relação entre causa material e a causa formal é de potência e ato.

2.2. A causa eficiente

O princípio de causalidade eficiente é um dos primeiros princípios do conhecimento porque


o é da realidade, fundamentalmente. Pois "as noções primeiras dão imediatamente origem, por um
ato de pensamento que coincide com a sua apreensão, a um certo número de princípios que não
fazem mais do que exprimir as leis universais do ser".
É o princípio do qual flui primariamente qualquer ação que faz que seja algo, ou que seja de
algum modo. Notas distintivas da causalidade eficiente: exterioridade do efeito, outorga um ser
distinto do seu. Comunicação da perfeição própria: pertence à causa eficiente transmitir a perfeição
que deve ter em ato. Por isso é causa exemplar: nada pode dar aquilo que não tem. Portanto,
comunicação atualidade ao efeito, portanto, se convém ao ente em ato e na medida em que está em
ato (todo agente age enquanto está em ato). O efeito preexiste sempre de algum modo em sua causa.
Duas conseqüências disso são: o agente que opera produz sempre algo semelhante a si; o princípio
pelo qual um ente atua, produzindo um efeito é sua forma. "Omne agens agit per suam formam"; ou
"Omne agens agit in quantum est actu". A eficiência causal dos entes finitos se encontra limitada
por sua própria capacidade ativa e pelas condições do sujeito sobre o qual atua. Como tudo o que
age, age enquanto está em ato, só o que for ato puro, poderá agir e causar por essência.
19

Forma correta do enunciado do princípio da causalidade.

A fim de que o princípio da causalidade seja corretamente enunciado, estabelecemos como


critério, que no enunciado seja contida "a razão formal da necessidade" de um ser ter uma causa.
Artigo I. Todo efeito tem uma causa.
Esta formulação pode parecer uma pura tautologia, quando "efeito" significa formalmente: o
que é produzido por uma causa.
 Tudo o que começa a existir tem uma causa.
Nesta fórmula "começar existir" pode significar um começo simpliciter, quer dizer, significa a
passagem do não-existir para o existir. Pode também significar um começo secundum quid, um
começo de um certo ponto de vista, isto é, uma passagem do não-existir-tal para um determinado
existir-tal. É formulação ambígua.
 Todo contingente tem uma causa eficiente
É a melhor formulação, porque o contingente é um ser que existe de fato, contudo, poderia
também não existir, pois não existe por si mesmo, por sua própria essência. Sua contingência é a
razão formal, o motivo pelo qual exige uma causa.

2.3. Causa final

È a causa das causas, pois todas as causas movem-se em função da finalidade do agente. E
tudo que age, age em função de um fim.

3. Natureza do princípio e opiniões adversárias

O princípio de causalidade, que pertence aos axiomas — verdades, princípios fundamentais,


primeiros e primordiais, enunciados explicitamente — é princípio imediatamente evidente; é
indemonstrável; possui importância fundamental no conhecimento humano; tem valor absoluto e
universal.
Seus adversários são fundamentalmente os empiristas, de modo especial Hume. Kant e os
idealistas que professam o determinismo físico no seu sentido rigoroso e geral, assim como também
podem ser arrolados entre os que o negam formalmente. Também alguns cientistas experimentais,
como aparentemente o faz Heisenberg.
Mas, na verdade, deve-se reconhecer que a causa eficiente é um princípio ativo que com a
sua ação influi na produção ou na mudança de um ser (efeito).

II. O agir como exercício da causalidade eficiente.

Agir é fazer algo em ato. As ações transitivas são fruto da perfeição intrínseca das coisas, e
em muitos casos de suas operações imanentes. Os fundamentos do agir são de três classes: Último:
o ser; próximo: a natureza, princípio específico das operações; Faculdades operativas, princípios
próximos de atuação.
As relações entre a Causa Primeira e as causas segundas: a causa primeira influi mais que a
causa segunda na realidade do efeito; a subordinação das causas segundas a Deus não diminui senão
que fundamenta a eficiência do agir criado. Portanto, as causas criadas, no seu agir, pressupõem um
objeto já existente.
20

CONCLUSÃO
O amor em tempos de sabedoria, um ensaio metafísico sobre o amor

É diante da tarefa da filosofia que nos colocamos neste momento. Hegel pretendeu "que a
filosofia se aproximasse da forma da ciência, a fim de que pudesse deixar de lado o nome amor do
saber e se tornar saber efetivo..."2 É a transformação da filosofia em sistema. Se considerarmos os
efeitos dessa concepção na história recente, veremos os moldes estreitos do racionalismo que
permeiam a intenção filosófica de Hegel. Quem seria hoje concorde com perspectiva tão cerrada da
filosofia? Reconhecendo o papel eminente que lhe compete na história do pensamento, em certa
medida monumental, comparável mesmo com a obra de Santo Tomás, devemos dizer que o rigor de
que a filosofia necessita, sem o qual não seria sabedoria, não pode ser reduzido aos paradigmas do
sistema hegeliano. Lembremo-nos que "o primeiro nome da filosofia foi sabedoria".3
Ponderando os caminhos do pensamento moderno, o nosso curso definiu-se do lado da
sabedoria, isto é, de um saber que não se esgota em sistema, nem se confunde com a ciência,
entendida em sentido estrito. Infelizmente, o panorama da filosofia no Rio de Janeiro, até em
instituições católicas, não é dos melhores, conquanto documentos como a Fides et Ratio tenham
indicado importantes diretrizes para a filosofia cristã neste terceiro milênio.
Uma parábola, que nos vem de um monge cisterciense do século XII, Galand de Reigny,
ilustra as opções e o percurso que seguimos. Conta-nos o monge da Abadia de Reigny que, um dia,
sete camponeses foram consultar um sábio, cada qual sobre seu próprio negócio. Depois que os seis
primeiros expuseram suas questões e ouviram do sábio os melhores conselhos, o sétimo disse-lhe o
seguinte: "Senhor, as verduras de minha horta são de natureza tal que faz que logo ressequem, a
menos que sejam irrigadas quotidianamente. Mas isso exige trabalho grande e contínuo. Se
conheces o remédio para isso, ensina-o". O sábio respondeu: "Planta uma horta sobre o cume das
montanhas, nos lugares mais elevados. Com efeito, as verduras que brotam nos vales e nas terras
mais baixas exigem naturalmente uma rega ininterrupta. As verduras das montanhas ficam sempre
verdes sem necessidade de qualquer aporte de água."4
Eis que o nosso curso se instalou no cume de uma montanha... Os prados ressequidos são os
falsos amigos e as verduras, que recebem do alto a água de que necessitam, são os que amam a
sabedoria. Santo Tomás também usou a montanha como metáfora, e, no seu caso, como metáfora
do mestre, que, como a montanha, recebe do alto a água de que necessita, assim como está sempre
na defesa da cidade. Galand de Reigny explica ainda que a horta da montanha é verdejante porque
aí as hortaliças aprendem a amar. É isto que a sabedoria ensina. Santo Tomás bem ilustra esse
estado do sapiente, citando a Escritura: "dá ocasião a um sábio e ele tornar-se-á mais sábio".5
O amor é tarefa filosófica. A filosofia é amor ao saber porque é saber do amor. Seria mais do
que justo perguntar àqueles que se dedicam à filosofia como seria o amor em tempos de sabedoria.
Spinoza oferece-nos uma ilustração:

2
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, prefácio.
3
RENOUVIER, Charles, apud CUVILLIER, Armand. Pequeno Vocabulário da língua filosófica, p. 143.
4
REIGNY, Galand. Parabolaire, 15, 7.
5
TOMÁS DE AQUINO, Rigans montes de superioribus suis, c. III.
21

Quem deseja vingar-se das injúrias com o ódio recíproco, vive miseravelmente. Ao contrário,
quem se esforça por vencer o ódio pelo amor, este combate com alegria e segurança, e resiste tão
facilmente a um homem como a vários, de forma que a própria sorte torna-se um auxílio mínimo. Até
mesmo seus vencidos cedem com alegria, não por defeito de suas forças, mas por seu incremento.
Todas essas coisas de tal modo decorrem das próprias definições de amor e inteligência [ou sabedoria]
que não é preciso demonstrá-las uma a uma.6

No entanto, não é só isso. É conveniente, neste momento, explicitar três elementos do amor:
o sentimento, o valor e o dever. De Kant a Sartre luta-se para esclarecer qual desses elementos
determinaria a vida ética. A maior dificuldade é admitir a íntima relação entre amor e dever. Ou a
dificuldade em considerar o amor como mandamento. A ética kantiana do dever tornou-se
insuficiente em nosso caso. Mas também a do mero valor, defendida por Max Scheler. Na
perspectiva cristã, há um meio termo, que "no caso do amor, tal como o considera a ética, e não
apenas a psicologia, trata-se de uma realização dos valores, nos quais está contida a relação causal
da pessoa com respeito aos mesmos. Por isso na experiência deste ato deve estar vinculada a
experiência dos valores com a do dever."7 A experiência do amor e do saber não pode ser destruída
com a razão. Esta tende às planícies e aqueles, às montanhas.
Os tempos de sabedoria, pois "a filosofia é o despertar radical, integral, do espírito." 8 Creio
que, no fim deste curso, vocês já percebem o início desse despertar. Chega sempre, porém, o
momento em que a vida se nos apresenta com uma clareza extraordinária. 9 Não se trata da clareza
cartesiana, mas é como a grande descoberta do herói trágico, que não anula o mistério. Esta é a
descoberta do filósofo. Não nos faltará amor nem sabedoria. Hölderlin, poeta muito presente em
nosso meio, entrega-nos o segredo de nossa tarefa: "Só crêem no divino /Os que o trazem em si". 10
A metafísica aqui desenvolvida e recebida, foi cultivada para uma tarefa única. Contudo, ao se
considerar a condição humana, que tudo pode perder, deve-se ter sempre presente esta
recomendação do Apocalipse: "Segura o que tens, para que ninguém tome a tua coroa", "tene quod
habes, ut nemo accipiat coronam tuam".11

6
SPINOZA, Baruch. Éthica, p. XLVI, escólio.
7
WOJTYLA, Karol. Max Scheler e a ética cristã, p. 137.
8
FABRO, Cornelio. Libro dell'esistenza e della libertà vagabonda, 1766.
9
ID. IBIDEM, 1769.
10
HÖLDERLIN, Friedrich. "O aplauso dos homens", in: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira, p. 399.
11
Ap 3, 11.
22

REFERÊNCIA BIBLIOGRÀFICA

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