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"Onde há propriedades de alguma coisa, há alguma coisa, onde há unidade há ser, onde
há ser há unidade. Um ser, sem unidade, seria um ser que não é o que é. Nesse caso,
seria nada."
O filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, no início do capítulo II de sua obra
matética "A Sabedoria da Unidade", retoma o que foi dito no capítulo precedente
(Νεκροµαντεῖον: Mário Ferreira dos Santos e a "A Sabedoria da Unidade" (capítulo I)
(oleniski.blogspot.com), afirmando que não se pode confundir os diversos logoi da
unidade. O logos da unidade em geral (de toda e qualquer unidade) não pode ser
confundido com o logos desta unidade (uma maçã, por exemplo), que é um composto
(synolon, σύνολο) de uma estrutura eidética (eidos, εἶδος, Forma) e de uma estrutura
hilética (hylé, ὕλη, matéria), e nem confundido com a tensão como esforço de coerência
entre as partes de um Todo.
Todos esses logoi residem no Ser, e este é a atualidade (Ato, aquilo que é) sem
deficiência, o Ser Supremo. Não pode haver outro princípio supremo que o Ser, pois tudo
o que é, foi ou pode ser reside e tem sua origem no ato de Ser. O Ser é a absoluta
simplicidade, dado que tudo o que é múltiplo tem ser, tem realidade. Mas o múltiplo pode
se dissociar e se decompor, contudo permanecendo as partes que o compunham como
entes no Ser. Assim, para que multiplicidade exista, é preciso que as partes, estando
associadas ou dissociadas, tenham realidade, façam parte do Ser.
O Ser não se multiplica, como se fosse cortado como um bolo em que os pedaços
cortados diminuem a quantidade do bolo restante. Ao contrário, a presença do Ser não é
quantitativa. Todo o ser que existe, que possui alguma realidade, possui em si mesmo o
Ser na sua integralidade como seu fundamento. Da mesma forma, se o Ser está presente
em tudo de modo absoluto e simples, não divisões internas no Ser, nem passagem
temporal. Ao contrário, são as coisas, ao durarem, ao permanecerem no Ser, que estão
no tempo.
O Ser não sofre mutações ou mudanças, pois como mudaria para algo que não fosse o
próprio Ser? Mudaria para o Nada? Mas, o Nada não existe, e nem pode existir, uma vez
que o Nada é a absoluta ausência de Ser, seja potencial ou atual.*
Os logoi são reais, não são invenções da mente humana. Contrariamente aos
nominalistas, que restringem os universais à representações mentais, o realismo
moderado, que Mário Ferreira esposa, afirma que há um fundamento in re (nas coisas)
para os conceitos que concebemos. Se não houvesse esse fundamento, os conceitos
seriam meras ficções. E se os conceitos possuem fundamento in re, apontam para
alguma positividade, para algo que é um alius (outro), para uma presença que, por
conseguinte, nega a ausência de realidade.
A unidade, diz Mário Ferreira, é clusa (do latim, claudo, tapar, fechar, encerrar), pois ela
fecha algo, inclui nela o que é a coisa e exclui aquilo que não é (inclusão e exclusão). Em
outros termos, a unidade fecha em si mesma tudo aquilo que é real sobre algo, e,
consequentemente, expulsa de si, como o outro (aliud), tudo o que não pertence à sua
clausura. Aquilo que a unidade inclui pertence à ela in se, o que implica que não haja
divisão interna à unidade.
O que a unidade inclui é idêntico (idem, no latim; autos, no grego) à ela mesma, e é
outro (alter, no latim; allós, no grego) para tudo aquilo que lhe for diferente. Toda unidade,
com relação a uma unidade diferente dela, é outra que outra, isto é, não pode ser
idêntica a qualquer outra, sendo por isso sempre a outra de uma outra unidade.
Tudo aquilo que possui alguma positividade, tem algum ser, tem alguma realidade. E,
sendo algo positivo, pelo ato mesmo de ser algo real, exclui de si todas as outras
possibilidades de ser. Algo que é X, no ato mesmo de ser X, nega todas as possibilidades
de Não-X, sejam elas A, B, C, D, etc. Tudo o que não seja X, será diferente de X, será
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outro que X.
Só se pode captar aquilo que possui alguma realidade, alguma positividade. A ausência
de uma positividade é o não-ser, e este não pode ser captado, dado que não possui em
si nenhuma positividade. Quando tratamos de uma ausência, não captamos algo, só
fazemos referência à falta de algo. Assim, é somente por referência ao positivo que
podemos nos referir ao não-positivo, ao negativo, ao que não é, ao que não existe.
"O que é um é outro que outro, e o mesmo que si mesmo", afirma o filósofo brasileiro. É
preciso ver na fraseologia de Mário Ferreira, que parece somente reafirmar coisas que
são óbvias, o esforço de esclarecer, dentro do âmbito da linguagem, o que está no
fundamento da própria linguagem. Não à toa, por ser um esforço de reconhecer e de
apresentar os fundamentos da realidade, a linguagem parece dar voltas em torno de si,
tentando morder a própria cauda como uma serpente.
A unidade é também uma estrutura, ou, como Mário Ferreira denomina, uma tectônica. A
razão disso já foi exposta anteriormente. A unidade pode ser composta interiormente, isto
é, compreender em si um conjunto de positividades, ou pode ser absolutamente simples.
A unidade absolutamente simples corresponde ao Ser, cuja simplicidade decorre do fato
de que nada há que seja oposto ao Ser, ou diferente dele, enquanto fundamento de tudo
o que é e pode ser.
Não ser X é negar a positividade de X, ou seja, significa não possuir em si mesmo todas
as positividades que caracterizam X. Nada impede que haja coincidência parcial, que um
não-X possua algumas das positividades de X. Mas pelo próprio fato de que não há
coincidência total, algo está ausente em não-X que está presente em X.
Toda divisão está ligada ao não-ser relativo, ou seja, ao fato de que toda ausência é
relativa a uma positividade. A unidade, contudo, pode ser absoluta, uma vez que o Ser é
a unidade simples que reúne em si toda e qualquer positividade sem nenhuma diferença.
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