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"Uma vez que o mundo subsiste por causa da bondade da divindade, é necessário que a
divindade seja sempre boa, e que o mundo sempre exista, tal como a luz é
consubsistente com o Sol e o fogo, e a sombra com o corpo que a produz."
No curto tratado sobre a eternidade do mundo, Proclo oferece dezoito argumentos para
demonstrar que o universo não possui começo ou fim. O primeiro argumento, embora
parcialmente perdido, defende que o artífice do mundo, estando sempre em ato
(ἐνέργεια, energeia), torna real o mundo desde sempre, tal qual a luz é coetânea ao fogo.
Onde está o fogo, ali está a luz inexoravelmente.
No quarto argumento, Proclo argumenta que sendo a causa imóvel, então será imóvel
também o efeito. A causa do cosmo é imóvel, isto é, ela é sempre a mesma, nunca
passando por mudanças de nenhum gênero. E como a causa imóvel é sempre efetivante,
o cosmo, enquanto efeito, correspondentemente deverá ser perpétuo.
Se o cosmo e o tempo são inseparáveis, diz o quinto argumento, então não há tempo
onde o cosmo não existisse. Aqui cabem alguns comentários ao argumento de Proclo. O
tempo, como ensinava Aristóteles é o "numerável da mudança", isto é, a quantidade que
resulta da passagem da potência ao ato nos entes móveis. Embora tempo e mudança
não sejam a mesma coisa, o tempo está intrinsecamente ligado à mudança. Onde há
mudança, há tempo.
Assim, não há como pensar em algum tempo onde o mundo não existisse. Para qualquer
instante no passado, é possível pensar em um instante anterior. Para qualquer momento
futuro, é possível pensar em um momento posterior. Afirmar que em algum determinado
momento o mundo não existia consiste em realizar uma separação entre o tempo e o
mundo, e em conceber ambos como entes independentes.
Mas separar o tempo do mundo é supor que possa haver um tempo em que não haja
mudança e mudança sem que haja tempo. O mesmo problema é enfrentado por
Agostinho no livro XI das Confissões quando o bispo de Hipona se depara com a
pergunta sobre o que Deus fazia antes de criar o mundo. Conceber que Deus pudesse
não fazer ou fazer algo antes da criação é justamente separar o tempo da mudança,
criando desse modo um "tempo antes do tempo".
Como isso é absurdo, a resposta de Agostinho é a de que Deus não fazia nada. Não no
sentido de uma inatividade antecedente à criação, mas sim no sentido de que é
impossível pensar no mundo sem pensar em tempo. Por essa razão, a pergunta sobre
um tempo antes do mundo não pode ser uma questão legítima. O que Proclo argumenta
é justamente que se há inseparabilidade entre tempo e mundo, então não pode haver
tempo onde o mundo não exista.
O sexto argumento enuncia que se o demiurgo é a causa do mundo, só ele seria capaz
de destruí-lo. Entretanto, como Platão ensina no Timeu, pertence ao mau destruir aquilo
que é harmonicamente constituído. O demiurgo não é mau e nem pode se tornar mau,
então ele jamais destruirá sua própria obra. Se o cosmo é indissolúvel, é também
incorruptível. Se incorruptível, é incriado, não teve início e não terá fim.
O oitavo argumento defende que aquilo que é corrompido se corrompe pela ação de
algo exterior a ele, e se torna algo diferente de si mesmo. Ora, o cosmo não possui nada
estrangeiro a ele, pois é o Todo dos Todos, englobando tudo o que há. Sendo assim,
então, é impossível que algo externo ao cosmo aja sobre ele ou que o próprio cosmo
transforme-se em algo diferente de si mesmo.
Por outro lado, diz o nono argumento, aquilo que se corrompe é corrompido por seu
mal, não por seu bem. Se o cosmo pudesse se corromper, ele o seria por conta de seu
mal. Ocorre que, como ensina Platão, o cosmo é um deus, e, sendo um deus, é isento de
todo mal. Dado que é isento de todo mal, é isento também de mudança. Desse modo, é
incorruptível e sem início ou fim.
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